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S ICS Os Petróleos em Portugal Do Estado à Privatização 1937-2012 David Castaño Ana Mónica Fonseca Pedro Lains Daniel Marcos

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Os Petróleos em

Portugal

Entre 1992 e 2012, decorreu o processo de privatização da Petrogal/GalpEnergia. Tive o privilégio de presidir a essas instituições durante 14 dessesanos e tenho o dever de conhecer bem o mesmo processo, incluindoconteúdos e eventos não publicados. Em 2014, desafiei o Prof. PedroLains a conceber e coordenar um projeto de investigação sobre o tema.Tinha consciência de que era uma tarefa difícil. O presente livro é o frutoda competência e da perseverança dos seus autores e representa umexcelente ponto de partida para se perceber o que se fez de bem equem o fez; assim como identificar o que se poderia ter feito melhor, oumuito melhor, e porque é que tal não aconteceu. Apesar das limitaçõesimpostas pela dificuldade de acesso a toda a informação inerente a umprojeto desta natureza, a obra é de leitura obrigatória para osprofissionais e investigadores que se interessam pela história dasprivatizações em Portugal e, em particular, pela história do setorpetrolífero nacional.

Manuel Ferreira de Oliveira, PetroAtlantic Energy Corporation, S. A.

Este livro condensa o que de melhor a história económica e empresarialpode oferecer para o conhecimento da GALP. Nele se conjuga a rigorosaanálise da informação e uma profundidade temporal que se projecta paraalém do horizonte estrito do início da privatização. Acresce a riqueza datrama explicativa, que integra a evolução da GALP nos ritmos dasvicissitudes políticas, das fricções pelo controlo accionista e darecomposição do mercado europeu de energia.

Álvaro Ferreira da Silva, Nova School of Business and Economics

A presente obra fornece-nos um excelente contributo para umconhecimento mais aprofundado da história e dinâmica empresarial dospetróleos e do gás em Portugal ao longo do século XX e inícios do século XXI bem como da sua contextualização, no âmbito da históriapolítica e económica do respetivo período.

José Amado Mendes, Universidade Autónoma de LisboaFoto da capa: Torre de cracking da Sacor, Cabo Ruivo, Lisboa

David Castaño, investigador doInstituto Português de RelaçõesInternacionais da Universidade Novade Lisboa.

Ana Mónica Fonseca,investigadora e professora convidadado Centro de Estudos deInternacionais e do Departamento de História do ISCTE-InstitutoUniversitário de Lisboa.

Pedro Lains, investigador doInstituto de Ciências Sociais daUniversidade de Lisboa e professorconvidado da Católica-Lisbon Schoolof Business and Economics.

Daniel Marcos, investigador eprofessor convidado do InstitutoPortuguês de Relações Internacionaise da Faculdade de Ciências Sociais eHumanas da Universidade Nova deLisboa.

Outros títulos de interesse:

Das Constituições dos Regimes Nacionalistasdo Entre-GuerrasPedro Velez

O Partido Republicano Nacionalista, 1923-1935Manuel Baiôa

A Vaga CorporativaCorporativismo e Ditaduras na Europa e na América LatinaAntónio Costa PintoFrancisco Palomanes Martinho(organizadores)

Sem FronteirasOs Novos Horizontes da Economia PortuguesaPedro Lains (organizador)

ICSwww.ics.ul.pt/imprensa

UID/SOC/50013/2013

ICS

Os Petróleosem Portugal

Do Estadoà Privatização

1937-2012

David CastañoAna Mónica Fonseca

Pedro LainsDaniel Marcos

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Pedro LainsDaniel Marcos

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Do Estado à Privatização1937-2012

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Capa e concepção gráfica: João SeguradoRevisão: Marta Castelo Branco

Impressão e acabamento: Gráfica Manuel Barbosa & Filhos, Lda. Depósito legal: 421232/17

1.ª edição: Fevereiro de 2017

Instituto de Ciências Sociais — Catalogação na PublicaçãoCASTAÑO, David, 1979-

Os petróleos em Portugal : do Estado à privatização 1937-2012 / David Castaño [et al.]. - Lisboa : Imprensa de Ciências Sociais, 2017. -

ISBN 978-972-671-381-4CDU 330

© Instituto de Ciências Sociais, 2017

Imprensa de Ciências Sociais

Instituto de Ciências Sociaisda Universidade de Lisboa

Av. Prof. Aníbal de Bettencourt, 91600-189 Lisboa – Portugal

Telef. 21 780 47 00 – Fax 21 794 02 74

www.ics.ulisboa.pt/imprensaE-mail: [email protected]

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Índice

Introdução . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 11

Capítulo 1Estado e privados, 1937-1992 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 19 Grupos económicos, nacionalizações e integração . . . . . . . . . . 29

Capítulo 2O tempo da Petrogal, 1992-1999 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 39 A Petrocontrol . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 43 A saída da Total . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 57

Capítulo 3O tempo da Galp Energia, 1999-2012 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 69 A entrada da Eni . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 71 Problemas de estratégia . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 83 A entrada da Amorim Energia . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 101

Conclusão . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 123

Apêndices . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 127

Fontes, créditos fotográficos e bibliografia . . . . . . . . . . . . . . . . . 133

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AgradecimentosEste trabalho partiu de um convite do Eng.º Ferreira de Oliveira, então

presidente da Galp Energia, que desde cedo se associou à pertinência deum estudo de carácter científico sobre as mudanças de propriedade nosector dos petróleos em Portugal. Gostaríamos de agradecer o apoio daGalp Energia e da Fundação Galp Energia e, em particular, de ManuelAguiar, Suzana Barreto, Rita Macedo, Ana Moreira, Rui Oliveira Nevese Manuel Ramalhete. Os nossos agradecimentos estendem-se aos valiososcomentários de um referee anónimo da Imprensa de Ciências Sociais,assim como a Marta Castelo Branco, pela ajuda na preparação final domanuscrito.

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Introdução A vida empresarial depende em grande medida do contexto econó-

mico, social ou institucional dos países ou das áreas geográficas em queestes se inserem. Assim, as empresas portuguesas são marcadas, desde hálongas décadas, pelo enquadramento de uma economia menos desenvol-vida, situada na periferia europeia. Com uma história política conturbada,fracas dotações de capital físico e humano, Portugal foi um dos últimospaíses da Europa ocidental a entrar no clube de crescimento e a indus-trializar-se. Para compreender a história da indústria em Portugal no pe-ríodo contemporâneo será necessário remontar à fundação das compa-nhias pombalinas de agricultura e comércio, que exploravam monopóliossob proteção do Estado. No século XIX, criaram-se empresas ligadas à ex-ploração de concessões públicas, incluindo o Banco de Lisboa, fundadoem 1821, e as companhias de tabacos e de obras públicas, constituídasno fim das guerras liberais, nas décadas de 1830 e 1840. À medida que oséculo XIX foi avançando, Portugal entrou numa fase de industrializaçãomais intensa, com a criação de empresas associadas à produção de bensde consumo, como os têxteis, de bens de uso industrial, como a metalur-gia, os adubos e os cimentos, ou de bens alimentares, como a farinha detrigo ou as conservas de peixe, ou de tabacos. Nos serviços e nos trans-portes, as empresas de maior importância eram a banca, os caminhos deferro e outras infraestruturas, sectores em que conviviam capitais privados,em alguns casos sob concessão, e investimento público.1 A industrializa-ção no século XIX foi ainda marcada pela fundação de algumas unidadesque atingiriam uma dimensão relevante à escala nacional, embora nãonecessariamente à escala internacional.

A Primeira Guerra Mundial alterou o quadro das relações económicasinternacionais, afetando por essa via os equilíbrios económicos e finan-ceiros do país, os quais foram ainda agravados pela instabilidade do novo

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1 Ver Brito (1989), Madureira (1998), Confraria (1999 e 2005), Rosas (2000), Lains(2003, cap. 6) e Silva, Amaral e Neves (2016).

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regime republicano. Apesar das perturbações, a nível nacional e interna-cional, a economia portuguesa manteve um aceitável ritmo de cresci-mento, que se traduziu também numa crescente atividade industrial.Assim, nos anos de entre as guerras, as empresas de maior dimensão quehaviam sido criadas nas últimas décadas do século XIX prosseguiram ge-ralmente o seu caminho de expansão, juntamente com outras que entre-tanto surgiram, e as áreas industriais de Lisboa, Setúbal e Porto conhece-ram alguma prosperidade industrial e empresarial. Esses anos marcaramo início da época das grandes empresas nacionais. Dos sete maiores gru-pos empresariais consolidados ao longo do século XX, dois deles tiveramorigem ainda no século XIX, e antecedem o advento do Estado Novo,mostrando alguma continuidade empresarial ao longo de diferentes re-gimes políticos.2

O domínio das grandes empresas portuguesas era também caracteri-zado, desde o seu início, por uma forte dependência em relação ao Estado,do ponto de vista da proteção e regulação do mercado interno, da legis-lação laboral e assistencial, ou ainda no que tocava às formas de financia-mento do investimento, quer por via da regulação das taxas de juro, querpor via das despesas do Orçamento do Estado.3 Essa dependência encon-tra-se muito associada ao Estado Novo e por vezes é confundida com aideologia definida pelo próprio regime. De facto, ao anunciar-se comoum regime corporativo, o Estado Novo de Salazar apresentava-se tambémcomo defensor de um sistema económico de forte regulação das relaçõesentre empresários e os investidores, por um lado, os trabalhadores, poroutro, e ainda o Estado. A política económica do Estado Novo não eratotalmente alheia ao que se passava no resto da Europa, uma vez que tam-bém democracias como a França ou a Áustria, esta sobretudo a seguir àSegunda Guerra Mundial, embarcaram igualmente em experiências deelevado grau de intervenção estatal na economia.4

Em Portugal, a intervenção do Estado junto das empresas era diversi-ficada, já que o regime tinha alguma capacidade de adaptar as suas inter-venções políticas às características de cada sector, facto que, aliás, podeser considerado como uma das traves mestras da sua longa sobrevivência.Para além disso, a intervenção não implicava necessariamente uma maiorrentabilidade para as empresas, uma vez que a regulação não anulava por

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2 Ver Silva, Amaral e Neves (2016, 52).3 Ver, quanto a estes temas, Madureira (1998) e Lains (2003). Ver também Silva, Amaral

e Neves (2016).4 Ver, por exemplo, Foreman-Peck e Federico (1999, 436) e Toninelli (2000).

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Introdução

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completo a concorrência. Para além disso, a intervenção do Estado podianão ser totalmente favorável a determinadas empresas, particularmentenos períodos em que estas tinham um maior desenvolvimento.5

Este livro estuda uma dessas intervenções públicas, num sector emer-gente e que viria a assumir grande peso na economia nacional. Trata-sede um sector que implica avultados investimentos em capital fixo, emque existem fortes economias de escala e em que o número de empresasconcorrentes tenderá a ser pequeno.6 A criação de grupos de maior di-mensão podia estar associada à necessidade de diversificação de produçãopor haver deficiências nos mercados, às dificuldades de acesso aos mer-cados financeiros menos desenvolvidos, ou mesmo à necessidade de seobter uma determinada dimensão de modo a possibilitar a formação detécnicos especializados, então em escasso número por causa do fraco de-senvolvimento do ensino.7

Muitas das medidas tomadas em Portugal na década de 1930 apoiaram--se em reformas que foram tomadas ainda no fim da monarquia parla-mentar, mas também durante o período da República, quando, em plenadécada de 1920, se produziram diversas alterações legislativas que levaramao aumento das receitas fiscais, à estabilização do sistema financeiro e, in-clusivamente, da inflação e dos câmbios. Esse lento desenvolvimento ins-titucional seria até temporariamente interrompido pelo golpe de 1926 quefoi mais desestabilizador do que algumas convulsões republicanas, emborano seu conjunto estas tenham tido maiores consequências.

O caminho atribulado de avanços e recuos, relativamente ao papel doEstado e dos empresários na atividade económica nacional, teve algumasparticularidades comparativamente aos restantes países da Europa oci-dental, mas também seguiu de perto algumas das transformações que aíocorreram. Politicamente, o caso português foi raro no século XX quantoao governo de ditadura, aos golpes de Estado, ao período revolucionário,e à consolidação democrática, mas já foi menos raro quanto às naciona-lizações e às privatizações, pois esses dois fenómenos foram comuns naEuropa. A tardia industrialização portuguesa coincidiu com o períodode consolidação do Estado, que ocorreu fundamentalmente nas décadasde transição entre o fim da monarquia, passando pelo período da Repú-blica e entrando na longa ditadura do Estado Novo. Essa coincidênciatemporal abriu caminho a uma maior ligação entre o desenvolvimento

5 Ver Amaral (2015b).6 Ver Madureira (1998, 778). 7 Ver, quanto a isto, Silva, Amaral e Neves (2016, 50-51).

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industrial e a intervenção do Estado, que encontrou um largo espaçopara a sua actuação na esfera económica.

Relativamente ao sector que nos preocupa neste volume, o país tinhaum dos mais baixos consumos de energia por habitante ou por unidadede produto nacional, sendo que a esmagadora maioria desse consumoera ainda de carvão, uma forma de energia ligada à primeira revoluçãoindustrial, que correspondia a 80% de toda a energia consumida pelopaís, em 1930-1935, sendo o restante consumo de petróleo e eletri -cidade.8

O Estado Novo coincidiu com o período de maior crescimento daeconomia portuguesa de que há registo, associado a uma rápida indus-trialização e ao aparecimento de novos sectores tecnologicamente maisavançados e com grandes necessidades de capital. É nesse contexto ex-pansionista que se deve procurar entender as relações entre o Estado e aeconomia e, em particular, entre o Estado e as grandes empresas indus-triais. A relação de dependência foi todavia mútua, havendo importantesalterações nas relações de força entre política e economia. Muitas vezesos investimentos industriais dependiam da proteção do Estado para serealizarem, dada a dimensão e o pequeno espaço que podia ser garantidopelo mercado interno. Mas outras vezes os empresários tinham algumasdificuldades com o governo, quando este escolhia repartir o mercadopor diferentes investidores.

Todavia, quando o regime caiu, em 1974, a sua identificação com osgrandes grupos era evidente, tendo crescido alguma animosidade populardurante o período revolucionário, que acabou por levar à nacionalizaçãodas principais empresas financeiras e industriais do país. As nacionaliza-ções tiveram outras causas, de índole económica e financeira, mas o con-texto político protelou a discussão sobre a avaliação do papel do sectorpúblico na economia do país durante mais de uma década. A sua rever-são teria de esperar pelo fim da década de 1980 e a década de 1990, nãofugindo muito, todavia, do período de igual mudança um pouco portoda a Europa ocidental.9

Este livro trata da história da privatização daquela que é hoje a maiorempresa industrial portuguesa, a Galp Energia, ocorrida, na sua substân-cia, durante os anos de 1992 a 2012. Pela primeira vez na história da pe-trolífera e da sua principal antecessora, a Sacor, fundada em 1938, emplena fase de arranque do Estado Novo, e com uma importante partici-

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8 Ver Madureira (2008, 13).9 Ver Foreman-Peck e Federico (1999), Toninelli (2000) e Millward (2005).

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Introdução

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pação de capitais públicos, o Estado português deixou de ter qualquerparticipação enquanto proprietário, passando a exercer apenas as funçõesde legislador e regulador, porventura nem sempre da melhor forma.10

O facto de a história da Galp e das empresas que a antecederam tercomeçado com uma forte participação de capitais, tecnologia e conhe-cimentos importados, e de terem dependido inicialmente de investi-mento público e de mercados protegidos, decorre das circunstâncias dahistória económica portuguesa. A Galp resulta da fusão da Petrogal, daGDP e da Transgás. A Petrogal, por sua vez, é herdeira da Sacor, a pri-meira empresa refinadora de petróleo em Portugal, e da Sonap, fundadaanos antes, e que se dedicava à distribuição e comercialização de produ-

10 Para uma análise de transformações semelhantes no sector do petróleo na Europaocidental, ver Millward (2005, cap. 11). Ver também Carreras, Tafunell e Torres (2000,27-231), para o caso da indústria petrolífera espanhola.

Torre de crackingda Sacor, Cabo Ruivo,

Lisboa

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tos petrolíferos em Portugal. Durante largas décadas, essas duas empresasdisputavam o mercado nacional de produtos petrolíferos, juntamentecom outras empresas internacionais, numa concorrência largamente de-terminada pela política de preços conduzida centralmente pelo Estado.Em 1976, na sequência das nacionalizações ocorridas no ano anterior, ogoverno procedeu à restauração do sector energético, criando a Petróleosde Portugal — Petrogal, resultante da fusão da Sacor, da Sonap, da Cidlae da Petrosul.

Processo de integração semelhante ocorrera em Espanha, ainda antesdo fim da ditadura, em 1974, com a criação da Empetrol, que fundia trêsimportantes refinarias.11 Tratava-se de uma empresa integrada vertical-mente, de capitais públicos, com investimentos internacionais, geradorade tecnologia e funcionando num mercado concorrencial, que seria pos-teriormente colocada à venda através de um processo longo e com mui-tos incidentes de percurso. Também essa história tem de ser compreen-dida no contexto mais amplo da história do país. Ao colocarmos esteestudo de história empresarial nesse contexto alargado aprendemos maissobre a empresa, mas também mais sobre o país.

A história da privatização da Galp Energia precisa de ser entendidatendo em consideração a génese das empresas em Portugal, o papel doEstado e as relações entre este e os acionistas, os problemas do mercadoem que funcionavam essas empresas, o contexto das nacionalizações deque foram alvo, a transição para a privatização e, finalmente, o próprioprocesso de privatização. Esta não é a história de uma iniciativa privada,jogando em mercados livres e abertos, coartada por uma revolução e de-pois restaurada. É a história de governantes e empresários, nacionais eestrangeiros, procurando soluções para a resolução de um problema eco-nómico nacional, a saber, a provisão de energia à economia.

O foco da nossa investigação na imprensa económica, mas tambémna generalista, deve-se essencialmente a vicissitudes com que nos depa-rámos ao longo da investigação e do processo de recolha de fontes pri-márias. Se, por um lado, os Relatórios e Contas pouco mais revelam doque a situação económica das sociedades, devidamente filtrada e semprena perspetiva dos seus órgãos sociais, por outro lado, não nos foi possívelaceder aos relatórios de consultoria e a parte da informação interna daempresa. O arquivo da empresa não está devidamente organizado e mui-tos documentos permanecem sigilosos. Nesse sentido, como forma de

11 Ver Carreras, Tafunell e Torres (2000, 250).

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Introdução

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colmatar essas lacunas, recorreu-se à imprensa sendo dada particular aten-ção à diversificação das fontes consultadas.

As privatizações em Portugal foram contemporâneas de uma vaga deprivatizações à escala mundial, numa altura em que as preocupações como aumento da eficiência económica passavam pela promoção do au-mento da concorrência empresarial, da disciplina do mercado e da dis-seminação da propriedade por investidores privados. Entre 1977 e 2003,Portugal, todavia, foi o país que mais privatizou em termos de valor porhabitante num conjunto alargado de países.12 De notar que, em 1991,nos anos iniciais da fase de privatizações no país, Portugal tinha um dosmaiores sectores públicos da Europa ocidental, sendo a produção dasempresas estatais equivalente a 25% do PNB.13

Porém, a especificidade do caso português não deve ser exagerada, umavez que podemos encontrar desenvolvimentos idênticos no que diz res-peito à instabilidade e à intervenção do Estado um pouco por toda a Eu-ropa, ao longo do século XX. As diferenças são mais de grau do que desubstância.

12 Ver Toninelli (2008, 685 e 688). Ver também Toninelli (2000).13 Foreman-Peck e Federico (1999, 449). Ver também Confraria (1999, 282-285) e Ama-

ral (2015b).

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Capítulo 1

Estado e privados, 1937-1992Cerca de uma década depois do golpe que instaurou a ditadura militar,

e depois de controladas as contas públicas, a inflação e a desvalorizaçãocambial, assim como as últimas manifestações de dissidência política, o go-verno de Salazar virou-se para a criação e consolidação de uma nova ordemeconómica, o que coincidiu com a promulgação da Constituição de 1933,que institui o regime do Estado Novo. Desse novo ordenamento econó-mico fizeram parte a Campanha do Trigo, de 1929, que reforçou a proteçãoao sector cerealífero, a reforma da Caixa Geral de Depósitos, do mesmoano, que melhorou o enquadramento do investimento apoiado pelo Es-tado, o Ato Colonial, de 1930, que nacionalizou o comércio com as coló-nias, o Estatuto do Trabalho Nacional, de 1933, a Lei da ReconstituiçãoEconómica, de 1935, que regulou o investimento público, e a Lei do Con-dicionamento Industrial, de 1937, que enquadrou a atividade da indústria.1

As medidas assinaladas devem ser vistas como atos fundadores donovo regime político, mas também analisadas num contexto mais alar-gado quer no tempo, quer no espaço. Com efeito, o aumento da inter-venção do Estado na economia remontava ao período da República eresultava da necessidade, sentida um pouco por toda a Europa, de recu-peração dos efeitos produzidos pela Primeira Guerra Mundial. Por outrolado, a estabilização do défice público e da inflação começara antes de1926, sendo inclusivamente interrompida nos dois anos seguintes, atéSalazar tomar conta da pasta das Finanças. As políticas do Estado Novoportuguês da década de 1930 também replicavam medidas levadas a caboem outras partes do mundo, tanto em regimes democráticos, como nosEstados Unidos durante a presidência de Roosevelt, como em regimesautoritários, de que o caso mais paradigmático foi a Itália fascista de Mus-solini, com a qual o Estado Novo tinha fortes ligações ideológicas e de

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1 Ver Confraria (2005).

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política económica. Mas também em algumas democracias europeias operíodo de entre as guerras viu nascer uma nova era para a política eco-nómica, cujo objetivo comum era o de ajudar à recuperação das econo-mias nacionais afetadas pela Primeira Guerra Mundial e pelas dificuldadesacrescidas que esta trouxe aos mercados internacionais. Esta mudançafoi mais pronunciada e generalizada a seguir ao segundo conflito mun-dial, dada a maior extensão das suas consequências negativas.2

O bloqueio do comércio internacional, a inflação e o endividamentoprovocados pela guerra, a produção de material bélico, entre outros fa-tores, alteraram a estrutura económica e financeira dos países envolvidose a capacidade de intercâmbio internacional, deixando o mundo pro-fundamente desequilibrado em 1918. A instabilidade internacional foiseriamente agravada com o crash da bolsa de Nova Iorque de 1929, coma Grande Depressão que se seguiu, e com o advento de Hitler na Alema-nha. O desentendimento político impediu soluções coordenadas inter-nacionalmente, e os governos nacionais, um pouco por todo o lado, en-veredaram por políticas de proteção económica e de substituição deimportações. Assim, nessa década de 1930, o governoportuguês tinha como principais preocupações o abas-tecimento de produtos essenciais, incluindo produtosalimentares, como os cereais, que eram largamente im-portados, e de matérias-primas para a agricultura, comoos adubos químicos, e para a indústria, como o carvão,os derivados de petróleo e a produção de eletricidade.

Esta foi também a época em que ocorrem mudanças associadas às al-terações no consumo de energia em todo o mundo, provocadas por va-riações nos preços relativos, muitas decorrentes de descobertas de petró-leo, mas acima de tudo por alterações tecnológicas na exploração deenergia e no seu uso, em resultado da paulatina divulgação do motor decombustão, começando a influenciar de forma determinante o papel daenergia na indústria mundial. A intervenção estatal neste sector aconteceutambém em países como a Grã-Bretanha e a França, sendo comum apreocupação com o fornecimento regular de produtos petrolíferos nummomento agitado da economia europeia.3 Em 1927, foi fundada em Es-panha a Campsa com a concessão de um monopólio por parte do Estadona comércio de importação, na refinação e na distribuição.4

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2 Ver Foreman-Peck e Federico (1999) e Eichengreen (2007). Ver também Neal e Ca-meron (2016) e Costa, Lains e Miranda (2016).

3 Ver Millward (2005, cap. 11).4 Ver Carreras, Tafunell e Torres (2000, 227-228).

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Como medida principal de proteção económica, a Lei do Condicio-namento Industrial de 1937 previa a concessão de licenças de instalaçãoa «novas indústrias de importância económica e custos de instalação ex-cecionais, ou indispensáveis à defesa nacional». A primeira sociedade quebeneficiou dessa proteção foi precisamente a Sociedade Anónima Con-cessionária da Refinação de Petróleos em Portugal (Sacor), que pretendiaconstruir a primeira unidade de refinação de produtos petrolíferos dopaís, e cujo alvará foi concedido logo em 1937, e regulamentado no anoseguinte.5 A Sacor foi fundada por Martin Sain, um antigo diretor deuma companhia de petróleos da Roménia, país que era um dos maioresprodutores de petróleo do mundo, com uma importante participaçãode capital público nacional (de 1/3), tendo o banqueiro Ricardo EspíritoSanto como maior acionista privado. A Sacor ficou assim com o exclu-sivo da refinação no país e uma quota de mercado de combustíveis de50%, atribuída durante os 10 anos do alvará.6

No mercado da distribuição, a nova refinariaconcorria com outras companhias portuguesas, deque sobressaía a Sociedade Nacional de Petróleos(Sonap), fundada em 1933 por iniciativa conjuntade Manuel Queiroz Pereira e Manuel Boullosa,assim como com outras companhias petrolíferas

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5 Ver Pereira (2005, 227), Pires (2013, 21-23) e Silva, Amaral e Neves (2016, 59 e 63).6 Para além dos petróleos, através da Sacor, durante o período do Estado Novo, o Es-

tado português tinha participação em empresas hidroelétricas, na TAP, em caminhos deferro, em empresas de transportes urbanos, e ainda na Siderurgia Nacional e na CaixaGeral de Depósitos, entre outras empresas de menor dimensão – ver Ministério das Fi-nanças (1995).

Martin Sain, fundadorda Sacor, saudado e aplaudido na inauguração da refinaria de CaboRuivo, em 1940.

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estrangeiras, em que pontificavam aVacuum Oil Company, depoisMobil Oil, estabelecida em Portugalem 1896, a Shell, que entrou nomercado em 1914, e a Atlantic Refi-ning Company, depois BP, a atuarno país a partir de 1929. Estas com-panhias eram também aquelas queforneciam crude à Sacor, a que sesomava a sua acionista CompagnieFrançaise des Pétroles, de que eratambém acionista a família Sain.7

O mercado português de produ-tos refinados tinha uma dimensãopequena, à escala europeia, e tam-bém relativamente à capacidademédia das refinarias da altura. Em

1938, o consumo total nacional rondava as 200 mil toneladas por ano,quando em França era de cerca de 6 milhões de toneladas e em Itália decerca de 2 milhões, o que correspondia a um consumo por habitanteem Portugal equivalente a 20% do consumidor médio francês e a 60%do italiano. A produção média anual de cada refinaria francesa repre-sentava cerca do dobro do consumo em Por tugal.8 Sem capacidade deexportação, quer por razões de competitividade, quer por razões da si-tuação internacional, a reduzida dimensão do mercado nacional impli-cava seguramente desvantagens num sector de utilização intensiva decapital e com economias de escala potencialmente substanciais, o quesignificava também que a indústria só poderia nascer sob forte proteçãolegislativa e financeira do Estado.

Em 1940, foi inaugurada a refinaria da Sacor, em Cabo Ruivo, junto aLisboa, nas margens do Tejo, a qual, utilizando uma tecnologia simples,representou um investimento inicial de cerca de 40 mil contos. Esse valorcorrespondia às importações de energia no país durante um período deum a dois meses.9 Também em 1940, a Sacor entrou com 51% do capital

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7 Ver Vicente (2002, 53, 57, 65-66 e 72). Ver também Ribeiro, Fernandes e Ramos (1987,957) e Cordeiro (2009).

8 Ver Vicente (2002, 16). 9 Para a produção e o valor do investimento, ver Pires (2013, 30 e 37) e acerca das im-

portações de energia, Batista et al. (1997, 101). Entre 1935 e 1939, Portugal importava emmédia 300 mil contos por ano em energia.

Manoel Cordo Boullosa (1905-2000),fundador da Sonap

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para a criação de uma empresa de distribuição de gás, a Combustíveis In-dustriais e Domésticos (Cidla). Nos primeiros anos de existência, a refi-naria de Cabo Ruivo operou de forma irregular, dadasas dificuldades que a guerra trouxe à importação decrude, até que em 1943 a atividade virtualmente parou,mantendo-se abaixo da capacidade instalada até ao fimda guerra.

A situação alterou-se a partir de 1948, quando aSacor atingiu a capacidade máxima de refinação de 300 mil toneladas de petróleo por ano, e em 1950 atingiu a quota demercado de 50% estipulada pela lei de 1938.10 A refinaria de Cabo Ruivo,depois de uma década marcada por dificuldades de expansão a que oclima internacional não foi alheio, ganhou nova força com o fim daguerra e foi ampliada em 1953 para uma capacidade máxima de 1,2 mi-lhões de toneladas.

A proteção do Estado à Sacor criou alguns problemas na emergenteárea dos petróleos. Manuel Boullosa, um dos principais acionistas da

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10 Vicente (2002, 22-25). Nas décadas seguintes, a quota da Sacor desceu apenas ligei-ramente, havendo alguma redistribuição do mercado entre as outras companhias, no-meadamente com a consolidação da posição da Sonap, que subiu a uma quota de 21%em 1975.

Sem Salazar: inauguração da refinaria da Sacor, em Cabo Ruivo, em 1940

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Sonap, ao lado de Manuel QueirozPereira, manifestou expressamenteo seu desagrado sobre a situação,numa carta dirigida a Salazar, emque relatava as dificuldades que aproteção à Sacor impunha à expan-são da Sonap.11

O presidente do Conselho tinharelações muito próximas com osprincipais industriais portugueses,incluindo Alfredo da Silva, Jorge eJosé de Mello, da CUF, António

Champalimaud, Cupertino de Mi-randa, Queiroz Pereira ou ManuelBoullosa, entre outros. Todavia, aSacor era participada pelo Estado ehaveria um interesse especial na suaproteção, o que o governo não es-condia.12

Em 1955, na sequência da mortede Ricardo Espírito Santo, Salazarindicou João Pinto da Costa Leite(Lumbrales) para substituir o ban-queiro na presidência do Conselhode Administração da Sacor. Costa

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11 Ver Castro (2009, 376-390).12 Ver Castro (2009).

Oliveira Salazar (1889-1970) com Ricardo Espírito Santo (1900-1955) num dos encontros regulares entre

os dois amigos.

Manuel Queiroz Pereira (1906-), fundador da Sonap e à data também administrador do Banco Espírito Santo e Comercial de Lisboa.

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Leite, muito próximo do ditador, era até então ministro da Presidência,tendo sido substituído por Marcelo Caetano, e presidente da CâmaraCorporativa, cargo que manteve.13

A ligação entre os grupos empresariais e os governantes tinha contornosparticulares. Durante um largo período, Ricardo Espírito Santo era rece-bido todos os domingos ao fim do dia em São Bento, para, segundo relatao próprio presidente do Conselho no seu diário, discutirem os mais di-versos assuntos, desde a Sacor, de que Espírito Santo era presidente doConselho de Administração e um dos principais acionistas, às relaçõescom Martin Sain, outro acionista da mesma empresa, passando ainda pelaTAP, pela lapidação de diamantes de Angola, pela siderurgia concedida aChampalimaud e pela construção do Hotel Ritz. Terão existido, todavia,alguns desentendimentos, não especificados na correspondência chegadaaos nossos dias, mas que podiam estar relacionados com problemas coma distribuição de lucros da Sacor ou com a concorrência com a Sonap.14

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13 Segundo Pereira (2005, 99n), Salazar deu a Costa Leite a possibilidade de escolhaentre os cargos de governador do Banco de Portugal, administrador da Sacor ou presi-dente da Câmara Corporativa, tendo aquele escolhido os dois últimos cargos. Para as re-lações entre grupos económicos e o Estado, ver Castro (2009) e Silva, Amaral e Neves(2016). Ver também informação útil em Lisboa (2002) e Costa et al. (2010).

14 Ver Castro (2009, 14-15, 85 e 121).

Jantar com fotografia: Ricardo Espírito Santo (segundo à direita da cabeceira) e ManuelQueiroz Pereira (segundo à esquerda da cabeceira).

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Ao monopólio da refinação de petróleo e à proteção na distribuição,faltava à Sacor juntar uma maior participação na indústria petroquímica,de utilização de derivados do petróleo. Em 1958, a Sacor inaugurou emEstarreja a unidade de adubos sintéticos, a Amoníaco Português, abaste-cida pela refinaria de Cabo Ruivo. O governo apoiou essa maior inte-gração, embora tenha tentado colmatar alguns dos problemas decorren-tes da posição favorável no mercado da petrolífera de que era acionista.Assim, em 1957, foi criada com o apoio do governo, a Sociedade Portu-guesa de Petroquímica (SPP), também em Cabo Ruivo, com capitais daSacor (55,1%), da CRGE (Companhias Reunidas de Gás e Eletricidade)(15,2%) e da CUF (9,9%), sendo o restante distribuído entre outros acio-nistas menores. A empresa entrou em funciona-mento em 1962 com uma unidade de produçãode gasogénio (ou gás de síntese), substituto do gásde hulha utilizado para produzir gás de cidade,para aproveitamento dos derivados da refinariavizinha em Cabo Ruivo.15 Essa cooperação entreos vários operadores nacionais e internacionais no mercado voltaria amanifestar-se aquando da consulta pública para a construção de uma re-finaria no Norte do país, lançada em 1961, e a que responderam a Sacor,o grupo CUF, que começara então a interessar-se pelo sector do petróleo,

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15 Ver Teixeira (2010, 39).

Inauguração da Fábrica de Gás da Martinha da Sacor, em 1944

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a Sonap, e duas das empresas com redes de distribuição em Portugal: aMobil e a Shell. O governo acabou por conceder a nova refinaria a umaassociação entre a Sacor e a Sonap, que passaram a ter participações cru-zadas, e com a «obrigatoriedade de envolvimento do grupo CUF em fu-turos desenvolvimentos na área da petroquímica», na qual participavamainda a Shell e a Mobil. A refinaria foi instalada em Matosinhos, pertodo Porto, no ano de 1969.

No seguimento do fecho do Canal do Suez, em 1967, e do início daexploração dos petróleos em Cabinda, Angola, em 1969, o governo lan-çou em 1970 um concurso para a ampliação da refinaria do Norte, paraa instalação de uma nova refinaria a Sul, e para o desenvolvimento daindústria petroquímica nesses dois polos. Com esta medida, pretendia--se dar prioridade à utilização e aproveitamento do petróleo que come-çava a ser extraído em Angola. No concurso participaram três consórcios,um formado pela Shell, Mobil, BP, Sacor e Fundação Calouste Gulben-kian, outro constituído pela CUF e pela Sonap, numa nova aliança, eprevendo a associação de um grupo internacional, e finalmente o grupoChampalimaud.16

16 Deve ainda assinalar-se que, em 1969, o grupo Champalimaud havia pedido auto-rização para instalar uma nova refinaria no Sul, um complexo petroquímico e uma uni-dade gigante de produção de amoníaco, o que marcou «a abertura pública duma disputapelo controlo futuro do sector petrolífero, que, nos meses finais de 1970 e durante 1971,viria a encontrar os grupos CUF e Sacor em campos opostos» (Ribeiro, Fernandes eRamos, 1987, 987-992).

Sem Marcelo Caetano: inauguração da refinaria da Sacor em Matosinhos, em 1970.

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À Sacor foi adjudicada a ampliação da refinaria do Norte, mediantecertas condições que incluíam uma redução da quota máxima de mercadode 50% para 40%, assim que a refinaria do Sul, entregue ao consórcioSonap/CUF, que formaram a Sociedade Portuguesa de Refinação de Pe-tróleos (Petrosul), entrasse em funcionamento. A Petrosul deveria tambémlançar a Companhia Nacional de Petroquímica, promovendo assim con-corrência com a Sacor.17 Em 1972 foi criada a Petrosul, que viria a ser res-

ponsável pela construção da refinaria de Sines, inau-gurada em 1978. Desta vez o Estado não interveioenquanto acionista, seguindo um modelo diferentedo da primeira fase da instalação da indústria em Por-tugal. Estas alterações viriam a ditar a perda gradualda importância da refinaria de Cabo Ruivo e, claro,do fim do domínio da Sacor no sector da refinação.

No final do Estado Novo, a estrutura empresarial portuguesa era do-minada por sete grupos económicos, incluindo dois grupos essencial-mente industriais, a CUF e o grupo Champalimaud, e cinco controladospelos bancos Espírito Santo, Português do Atlântico, Fonsecas & Burnay,Nacional Ultramarino e Borges & Irmão. Os grupos empresariais do paísjuntavam bancos de Lisboa, muito ligados ao financiamento do Estado,bancos do Porto, com uma maior participação em investimentos indus-triais, e empresas industriais de capitais privados ou participadas pelo Es-tado. Esses grupos operavam num vasto leque de sectores económicos,nomeadamente os petróleos, a petroquímica, a siderurgia, as celuloses, aconstrução e reparação naval, as cervejas, as oleaginosas e os tabacos.18

Entre 1969 e 1973, «completara-se a formação dos grupos financeirosportugueses no quadro de um ambicioso projeto de industrialização».19

Todavia, tinham algumas debilidades, resultantes da acrescida concor-rência dos bancos internacionais, da necessidade de consolidação finan-ceira dos grupos industriais, do fraco nível de rentabilidade sem proteçãodo Estado, e da sua maior exposição aos mercados internacionais paraonde começaram a exportar.

Em 1974, os maiores grupos empresariais em Portugal agregavam umtotal de 300 empresas, controlavam a totalidade dos depósitos do sectorprivado (não incluindo, portanto, a Caixa Geral de Depósitos), e 84,1%

17 Para uma cabal descrição das movimentações entre grupos empresarias quanto aestes negócios, ver Ribeiro, Fernandes e Ramos (1987, 996-998).

18 Ver Silva, Amaral e Neves (2016). Ver também Pintado e Mendonça (1989), Sousa eCruz (1995) e Caeiro (2004).

19 Ver Ribeiro, Fernandes e Ramos (1987, 1016).

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do valor dos títulos em bolsa. Indicativamente, o valor do capital socialdestas empresas correspondia a cerca de 75% do produto interno brutodo país.20 A estes grupos deve ainda juntar-se o Banco Pinto de Maga-lhães.21 A concentração da propriedade e a ligação ao Estado seriam umproblema político, mas não implicavam necessariamente a ausência deconcorrência ou um menor grau de eficiência dos grupos empresariais,relativamente a um cenário alternativo de maior dispersão de capital.22

Grupos económicos, nacionalizações e integração

A nacionalização das mais importantes empresas financeiras, indus-triais e de serviços, levada a cabo em Portugal, foi uma consequência di-reta da radicalização política que se seguiu ao golpe de Estado de 25 deAbril de 1974. Mas foi fruto, também, de um conjunto de circunstânciasque caracterizavam a economia e a política do país, assim como do con-texto internacional. Uma revolução pode ter muitos caminhos, e o ca-minho percorrido nesse ano de 1975 esteve associado ao facto de omundo empresarial do Estado Novo se encontrar fortemente ligado aoregime político, à existência de uma relação muito forte entre empresasindustriais e financeiras, à circunstância de muitas das maiores empresaspertencerem a sectores que estavam a sofrer mais severamente a crise dospreços do petróleo, e à crise social, política e económica generalizadaque então se vivia na Europa, em que as forças favoráveis a uma maiorintervenção do Estado tinham algum predomínio. Muitas das empresasde maior dimensão tinham também uma forte relação com as colóniasafricanas, sendo por isso mais diretamente afetadas pela descolonização,o que ajudou também à intervenção do Estado.23

As nacionalizações não estavam no programa inicial de quem tinhacomandado o golpe de Estado, nomeadamente o Movimento das ForçasArmadas (MFA), com a exceção dos bancos emissores de Portugal, de

20 Ver Sousa e Cruz (1995, 65-66). Na fonte refere-se que os grupos «geravam quasetrês quartos do Produto Interno Bruto do país». Todavia, é preciso notar que se trata dacomparação do valor total do capital dos mesmos grupos com o valor anual do PIB.Também não se considera a Caixa Geral de Depósitos, cujos depósitos ascendiam a cercade 20% do total do país.

21 Ver Faria e Mendes (2011).22 Ver Amaral (2015b) e, quanto à CUF, Silva, Amaral e Neves (2016).23 Ver Ferreira (1993, 113).

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Angola e o Banco Nacional Ultramarino, que foram tomados pelo Es-tado logo em setembro de 1974, mas Portugal era o único país da Europacom bancos emissores ainda com capitais privados, embora não maiori-tários. Com efeito, o primeiro plano sobre a ação económica dos gover-nos do período, o «Plano Melo Antunes», de 1975, que teve a contribui-ção de José da Silva Lopes, Rui Vilar e Vítor Constâncio, não faziareferência a nacionalizações.24 Todavia, tudo viria a mudar rapidamente.

Após a tentativa falhada do golpe de 11 de março de 1975 entrou emfunções o IV Governo Provisório, com Vasco Gonçalves como pri-meiro--ministro. Logo nos primeiros dias, o novo governo deu inícioao processo de nacionalizações, começando pela banca e seguros, tendoem vista, alegadamente, a substituição de uma «economia capitalista dotipo monopolista por um capitalismo de Estado».25 Refletindo clara-mente o espírito revolucionário que caracterizou o processo de transiçãopara a democracia em Portugal, o objetivo subjacente a estas nacionali-zações era o de potenciar uma «política económica posta ao serviço dasclasses trabalhadoras e das camadas mais desfavorecidas da populaçãoportuguesa», tal como estava exposto no Programa do Movimento dasForças Armadas. Neste sentido, considerando o «carácter estratégico»do sector dos combustíveis, visto como a «base da produção industriale dos transportes, e, portanto, de toda a atividade económica», deu-seum importante passo no objetivo da nacionalização do sector produtivoem Portugal.26 A intenção seria assim a de pôr termo à economia cor-porativa do Estado Novo e dar lugar a uma economia de tipo socialista,a qual viria a ser consagrada largamente na Constituição da Repúblicade 1976.27

O ambiente político revolucionário levou a que as nacionalizações fos-sem feitas sem grandes cuidados políticos ou empresariais. Simplesmente,a decisão foi tomada numa assembleia do Movimento das Forças Arma-das, na qual os ministros e outros responsáveis pela condução da políticaeconómica não tiveram palavra. As nacionalizações começaram pelosbancos e seguradoras, seguindo-se outras áreas, entre as quais se contavamas indústrias pesadas. A 16 de abril de 1975 foi aprovado um pacote denacionalização das indústrias de base portuguesas, onde se incluíam qua-tro empresas que se dedicavam à exploração, refinação e distribuição de

24 Uma boa análise destes conturbados meses é feita por Faria (1999, 26-35).25 Ver Rezola (2006, 151-153). Sobre a situação económica, ver Franco (1993, 176-189).26 Decreto-Lei n.º 205-A/75 de 16 de abril.27 Lopes (2002, 289).

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produtos petrolíferos: a Sacor, a Petrosul, a Sonape a Cidla.28 Nacionalizaram-se as maiores empresas,ligadas aos nomes mais diretamente associados aoregime deposto. Começando a 14 de março de1975, em 24 números do Diário do Governo forampublicados decretos que nacionalizaram 244 em-presas.29 A família Champalimaud perdeu os ci-mentos e a siderurgia, a família Mello perdeu a CUF, a construção naval,as celuloses, a tabaqueira e a participação na refinaria de Sines, e a famíliaEspírito Santo perdeu as cervejas, os cimentos e a Sacor.

As nacionalizações abrangeram não só as grandes empresas, como asempresas por elas participadas, muitas de reduzida dimensão, ficando oEstado proprietário de um número significativo de pequenas empresas.29

As nacionalizações de 1975 têm de ser enquadradas no contexto maisalargado das políticas económicas da Europa ocidental onde não eramseguramente apanágio dos governos de esquerda. Com efeito, a seguir àSegunda Guerra Mundial em muitos países europeus, nomeadamentena Grã-Bretanha e em França, governos de partidos de diferentes corespolíticas implementaram programas de nacionalização com o mesmoobjetivo de criar medidas de política económica com vista à recuperaçãodas economias. Essas nacionalizações abrangiam sectores pesados, comoo carvão ou a energia. 30 Por outro lado, a Europa conheceu desde muitocedo empresas públicas em várias áreas de atividade. Por exemplo, noséculo XIX, os caminhos de ferro alemães eram na sua maioria proprie-dade dos estados e também uma das suas principais fontes de receita.Ainda atualmente os estados federados alemães detêm participações im-portantes em empresas de sectores diversos, como a banca ou o auto-móvel. Também é controlada por capitais públicos a fabricante europeiade aviões, que concorre com o gigante privado norte-americano para olugar cimeiro na área ao nível mundial.

Um outro aspeto que é preciso ter em atenção é que a segunda metadeda década de 1970 e parte da seguinte foram, não apenas em Portugal,marcadas por políticas de esquerda, resultantes por um lado da crise in-ternacional provocada pela subida dos preços do petróleo no inverno de1973, e por outro herdeiras dos movimentos contestatários da década de

28 Ver Martins e Rosa (1979, 9). «Nacionalizadas as indústrias-base», Diário de Lisboa,16-4-1975, 1 e 4.

29 Ver Sousa e Cruz (1995, 68-69).30 Ver Toninelli (2000) e Millward (2005).

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60, nomeadamente do maio de 1968, em França, e dos movimentos an-tiguerra do Vietname, nos Estados Unidos. Um dos pontos altos desseclima foi o governo de coligação entre socialistas e comunistas, emFrança, sob a presidência de François Mitterrand, que arrancou em 1981com um programa de nacionalizações que incluiu o banco Paribas e umconjunto significativo de grupos industriais. No entanto, tal clima co-meçaria a inverter-se quase ao mesmo tempo que em Portugal, sendo aeleição de Margaret Thatcher, em 1979, e a alteração da orientação depolítica económica do governo francês, em 1982, os seus principais mar-cos europeus.31 Mas as nacionalizações em Portugal foram de maior al-cance e mais concentradas no tempo, o que teve implicações imediatasde grande importância para a economia portuguesa. Na verdade, é difícilmedir esse impacto, embora se possam balizar as suas consequênciastendo em consideração os efeitos na estrutura de gestão das empresas na-cionalizadas, no seu financiamento e nas decisões quanto à força de tra-balho e o investimento.32

A contextualização do período das nacionalizações em Portugal é ne-cessária para se medir a distância daquilo que aconteceu no país relativa-mente ao resto da Europa, exercício que temos de estender ao períodosubsequente, a partir de 1988, quando se passou à fase de privatizações,mais uma vez a par do que se passava no resto do mundo.

Em 1977, foram definidos por lei os sectores cuja nacionalização aConstituição de 1976 definia como irreversíveis, numa longa lista queincluía a banca e os seguros (com algumas exceções), a energia, a água,

31 Ver, entre outros, Marsh (2011).32 Apesar da sua relevância, não têm sido muitos os estudos sobre as nacionalizações.

Ver, todavia, Sousa e Cruz (1995), e, mais recentemente, Lino (2016). Ver também Viegas(1996).

Sem inauguração oficial: refinaria de Sines inaugurada em 1978.

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os serviços postais, as telecomunicações, os transportes aéreos, os cami-nhos de ferro, os portos e aeroportos, e ainda as indústrias metalúrgica,de refinação de petróleo e petroquímica, de adubos e de cimentos. Em1980, 23% do produto, 19% do emprego e 43% do investimento nacio-nais emanavam do sector empresarial do Estado.33

A contextualização também nos permite concluir que, apesar de asnacionalizações terem sido claramente impostas por uma situação ditarevolucionária, o que conduziu à sua realização de forma apressada, semgrandes critérios, e sob uma grande convulsão, a gestão das empresas na-cionalizadas acabou por não só preservar algum do valor das empresas,como por proceder a alterações estruturais que viriam a ter um impactopositivo em períodos subsequentes, inclusivamente aquando dos respe-tivos processos de privatização. A história das empresas que estão na gé-nese da Galp Energia é disso um exemplo de grande importância.

Um dos aspetos mais importantes da gestão das empresas nacionali-zadas será talvez o facto de terem sido sujeitas a importantes processosde reestruturação quando estavam a ser preparadas as reprivatizações.Assim, os ativos que o Estado vendeu a partir de 1988 eram substancial-mente diversos daqueles que o Estado nacionalizou em 1975. Essa rees-truturação terá tido seguramente implicações no valor de mercado dasempresas mas, mais importante, só foi possível efetuar de uma formaconcentrada no tempo, em virtude de o respetivo controlo pertencer auma única entidade.

É comum considerar as privatizações como uma «reforma estrutural»,mas é preciso ter em atenção que a preparação para a alienação do capitalhavia constituído já uma reforma assinalável de uma importante parteda estrutura empresarial portuguesa, tão ou mais determinante do que aposterior mudança de propriedade. Entre as primeiras empresas que so-freram essa reestruturação, contam-se a Unicer, Quimigal, a Portucel, aSiderurgia Nacional, a Rodoviária Nacional, a Portugal Telecom (ex-Te-lefones de Lisboa e Porto – TLP) e a Gás de Portugal.34

De regresso ao sector petrolífero, foi no mês de março de 1976 que,após quase um ano de estudos, foi aprovada a reestruturação das quatroempresas de exploração, refinação e distribuição de produtos petrolíferosque haviam sido nacionalizadas (a Sonap, a Sacor, a Cidla e a Petrosul),dando origem à empresa pública Petróleos de Portugal, a EP-Petrogal.

33 Ver Nunes, Bastien e Valério (2006, 4).34 Para uma análise das reestruturações dessas empresas, levadas a cabo entre 1987 e

1995, ver Ministério das Finanças (1995, cap. V).

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Esta empresa manteve a sua atividade nas três áreas das anteriores quatroempresas, dedicando-se à pesquisa e prospeção de petróleo e gás natural,refinação de petróleo bruto e seus produtos, e ao transporte, distribuiçãoe comercialização de petróleo e seus derivados.35 A fusão numa únicaempresa pública era uma medida que vinha a ser considerada, desde aelaboração do IV Plano de Fomento no período do marcelismo. Para-

doxalmente ou não, foi no conturbado períodoentre 1975 e 1976 que se criaram as condiçõespara a sua realização.36

Progressivamente, ao longo da década de1980, a situação da indústria foi melhorando,tendo a Petrogal feito fortes investimentos na re-

finaria de Matosinhos.37 Adicionalmente, tirando proveito da possibili-dade de endividamento das empresas públicas suportadas pelo aval doEstado, a Petrogal evitou a racionalização dos custos através da baixa deprodução como se exigia perante os problemas do mercado do petróleoa que se assistia à escala mundial. De acordo com José da Silva Lopes, aPetrogal foi, de certa forma, incapaz de desenvolver um conjunto detransformações que assegurassem a competitividade das suas atividades.Perante isto, entre 1982 e 1992, o sector dos petróleos em Portugal aca-bou por perder peso na economia nacional. A refinação de petróleo cres-ceu 2,68% ao ano durante este período, mas houve uma clara diminuiçãoda estrutura de emprego, com uma diminuição média entre –5,8%e –9,28%.38

Progressivamente, após a revisão constitucional de 1982, a política eco-nómica nacional orientou-se no sentido da economia de mercado, «subs-tituindo as disposições de natureza mais claramente socialista do textode 1976», ciclo que se encerrou com a terceira revisão constitucional de1989.39 Contudo, será importante ressalvar que apesar destas transforma-ções, «o intervencionismo do Estado na vida económica continuou a serintenso até meados dos anos 80».

Na verdade,

as forças favoráveis à liberalização eram comparativamente débeis: à direitaprevaleciam os interesses dos que estavam acostumados a utilizar o poder

35 Decreto-Lei n.º 217-A/76 de 26 de março. Ver Martins e Rosa (1979, 31-32) e Antó-nio, Mata e Carvalho (1983, 187-190).

36 Santos (2011, 139-143).37 Ver Lopes (2002, 312).38 Ver Lopes (2002, 92-97).39 Ver Lopes (2002, 291).

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do Estado para conseguir proteções, subsídios e restrições à concorrência; àesquerda estava generalizada a desconfiança em relação aos mecanismos demercado e a convicção de que as atividades privadas careciam de ser aperta-damente disciplinadas através de ações governamentais.40

A orientação política da ação dos governos do Partido Social Demo-crata (PSD) a partir de 1985, a juntar à estabilidade política e à adesão dePortugal à Comunidade Económica Europeia (CEE) – que obrigou aodesmantelamento dos sistemas protecionistas até 1992 e à diminuiçãodo intervencionismo do Estado na atividade económica – foram um im-pulso fundamental para este processo.41

Assim, refletindo em grande parte o projeto de integração de Portugalna CEE, a economia portuguesa afastou-se progressivamente das pro-postas de intervenção do Estado no mercado, aderindo a perspetivas maisliberais. Foi um processo longo que, apesar de liberalizante, não deixoude preservar em boa parte a capacidade de influência significativa pelosgovernos, sobretudo em áreas consideradas estratégicas, como era o casodo sector petrolífero.42 A adesão de Portugal à CEE em 1986 forçou, de-finitivamente, a banca, indústria e serviços, processo a que a Petrogal nãoescapou.

Um primeiro passo no sentido da reprivatização de vastos sectores daeconomia portuguesa que tinham sido nacionalizados na sequência do11 de março de 1975 tinha já sido dado com a publicação, em julho de1988, de uma lei que permitia a transformação de empresas públicas emsociedades anónimas de capitais públicos ou de maioria de capitais pú-blicos, desde que ficasse salvaguardado que a maioria absoluta do capitalsocial permaneceria nas mãos do Estado e que a representação da partepública nos órgãos sociais fosse sempre maioritária (Lei n.º 84/88, de 20de julho). Uma vez aprovada a alteração da Constituição, a Lei-Quadrodas Privatizações (Lei n.º 11/90, de 5 de abril) estabeleceu os processos eas modalidades das reprivatizações.

Na revisão de 1989 foi retirado da Constituição o princípio da irrever-sibilidade das nacionalizações, mas tal não aparece como um marco fun-damental. A razão prende-se com o facto de a Constituição proibir a pri-vatização das empresas públicas, mas não a concessão da sua exploração.43

40 Ver Lopes (2002, 291).41 Ver Lopes (2002, 291-292).42 Vicente (2002, 257-271).43 Sousa e Cruz (1995, 85-88). Para a análise das privatizações, ver também Ministério

das Finanças (1995 e 1999). Ver ainda Amaral (2015a) e Silva, Amaral e Neves (2015).

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Os Petróleos em Portugal

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Em suma, a calendarização das privatizações poderá ter mais que ver coma capacidade de absorção do mercado, para exploração ou compra das em-presas, do que propriamente com restrições de ordem constitucional.

Os governos de Cavaco Silva, entre 1985 e 1995, privatizaram aquiloque era mais rentável e deixaram para depois as empresas em maiores di-ficuldades. Em consequência, na fase inicial as privatizações incidiramde forma esmagadora sobre a banca e os seguros: entre 1989 e 1995, dototal de receitas das privatizações, 74% resultaram da venda das institui-ções financeiras. O resto deveu-se à venda das fábricas de cimento (11%)e de cerveja (6%), ficando um residual de 9% para todas as outras em-presas envolvidas no processo. A maior parte das empresas industriais ede comunicações, nacionalizadas em 1975 e 1976, encontravam-se aindana posse do Estado em 1993.44

Aproveitando as condições favoráveis que se viviam na altura nos mer-cados de capitais, os sucessivos governos optaram por privatizar essen-cialmente através de operações nesses mercados, e não por negociaçãodireta ou concurso limitado, com o que se conseguiu maior transparên-cia, participação do público e, sobretudo, um grande encaixe financeiro.Todavia, tal opção parece ter limitado a formação de núcleos fortes deinvestidores. Acresce que, atendendo ao otimismo financeiro do períodoem que foram realizadas, algumas das privatizações resultaram em negó-cios menos vantajosos para os investidores. Das 15 empresas cotadas nasbolsas, dez delas viram os seus valores cair, sistematicamente, a seguir àsua privatização. O Estado privatizou «bem e caro», facto a que os in-vestidores não foram, evidentemente insensíveis, sobretudo os pequenos,refletindo-se isso na cada vez menor apetência de alguns segmentos pelacompra deste tipo de ações. As receitas das privatizações foram essen-cialmente canalizadas para a redução da dívida pública portuguesa. Em1993, as privatizações permitiram a redução da dívida pública de 65 para61% do PIB. Certamente um bónus para a famosa convergência nominalcom as restantes economias da CEE.45

As privatizações tiveram como justificação principal a necessidade deaumentar a eficiência económica das empresas, até então sob alçada doEstado. Alegadamente, os gestores públicos não eram capazes de em-preender uma melhor gestão, para o que seria necessário a concorrêncianos mercados. Todavia, algumas das mais importantes empresas vendidaspelo Estado continuaram em situação de monopólio, ou quase, no mer-

44 Sousa e Cruz (1995, 127). Ver também Toninelli (2000) e Toninelli (2008). 45 Ver Sousa e Cruz (1995, 191).

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Estado e privados, 1937-1992

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cado nacional. Por isso, as privatizações não trouxeram, por si mesmas,um acréscimo significativo de concorrência em alguns sectores, como odos telefones fixos e da eletricidade. Nestes casos, voltou-se a uma situa-ção já conhecida antes das nacionalizações de 1975: empresas detidaspor capitais privados, com preços regulados pelo Estado.

Mas as privatizações tiveram dois efeitos importantes. Em primeirolugar, através das receitas geradas para o Estado, ajudaram ao equilíbriodas contas públicas. Em segundo lugar, estimularam o desenvolvimentodo mercado nacional de valores mobiliários, constituindo atualmente ostítulos das empresas privatizadas mais de metade do valor das transaçõesna bolsa.

Com base na Lei n.º 84/88, a Petrogal E. P. foi transformada, por De-creto de 4 de abril (Decreto-Lei n.º 103-A/89) em sociedade de direitoprivado. Movido este primeiro obstáculo, no seguimento da aprovaçãoda Lei-Quadro das Privatizações, deu-se início ao processo de privatiza-ção da Petrogal que se passa a detalhar.

A justificação oficial para esta alteração era a da «salvaguarda da futuracompetitividade e eficiência da empresa», que seria dotada da «flexibili-dade necessária à tomada de decisões nos domínios financeiro e opera-cional, adequando a sua capacidade de resposta à complexidade e dinâ-micas próprias do mercado dos petróleos», sendo-lhe proporcionada apossibilidade de uma nova fase com um «ritmo de modernização com-patível com o desenvolvimento de uma estratégia de ajustamento estru-tural». A medida era enquadrada também no «expressivo avanço no pro-cesso de gradual redução do peso do Estado na economia».46 A Petrogalpassava, assim, a ser uma sociedade anónima, com um capital social de40 milhões de contos que pertenciam, na sua totalidade, ao Estado.

Sá Carneiro de visita a Sines com Jorge Gonçalves e Corrêa Gago.

46 Decreto-Lei nº 103-A/89 de 4 de abril.

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Capítulo 2

O tempo da Petrogal, 1992-1999Até 1992, altura em que os privados entraram no capital da Petrogal,

foi longo o percurso percorrido. Em primeiro lugar porque o sector dospetróleos era considerado estratégico para o interesse nacional dos Esta-dos e, desta forma, qualquer alteração na estrutura acionista da empresateria de ser feita com as cautelas inerentes a esta condição.1 Em segundolugar porque, apesar dos problemas financeiros que a Petrogal viveudesde a sua fundação, em 1976, tratava-se, no início da década de 1990,de uma empresa de dimensão relevante à escala europeia, e da maior em-presa portuguesa.2

De acordo com o prospeto de privatização da empresa citado na im-prensa em finais de 1991, a Petrogal era a empresa líder do mercado na-cional petrolífero, com uma quota de mercado de 56%, e um volume denegócios de 380 milhões de contos. Adicionalmente, era significativa aquantidade de produtos petrolíferos exportados pela Petrogal, nomeada-mente produtos petroquímicos e gasolina sem chumbo. Na área comercial,assistia-se, no início da década de 1990, a um reforço de atividade, frutode aquisição de áreas de serviço nas autoestradas recentemente inauguradase pelo estabelecimento de uma política de marketing que favorecia a criaçãode produtos comerciais para frotas. Sendo a única companhia a operar nomercado nacional com capacidade de refinação, a Petrogal estava tambéma desenvolver a sua área de exploração nos off shores de Angola e da Síria.3

Mas a joia da coroa do mundo Petrogal era, sem margem de dúvida, a ex-pansão que estava a desenvolver no mercado espanhol, onde detinha játrês estações de serviço, tendo em curso a construção de outras dez e es-tando em vias de solicitar a autorização para outros 32 projetos.4

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1 Ver, por exemplo, Toninelli (2008).2 «Petrogal nas 500 maiores empresas europeias», Expresso, 20-1-1990, C2.3 «Petrogal com 56% do mercado de combustíveis», Semanário Económico, 7-2-1992, 13. 4 «Petrogal: nova refinaria antes da privatização», Expresso, 26-5-1990, C1.

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Porém, nem tudo eram boas notícias. Quer ao nível da venda de pro-dutos químicos pesados, quer ao nível das exportações, a quota de mer-cado da Petrogal estava a diminuir.5 Além do mais, a Petrogal era consi-derada uma «empresa de capital intensivo», em que o Estado não acorria«atempadamente às necessidades de financiamento». Neste sentido, a em-presa tinha-se tornado numa «empresa descapitalizada e com um forteatraso tecnológico em relação às suas competidoras mais diretas».6 Comoreconheceu posteriormente o próprio ministro da Indústria, Luís MiraAmaral, o aparelho refinador da empresa estava «ultrapassado», sendo queSines «era mais uma destilaria do que uma refi naria».7

Em vésperas da abertura de mercado exigida pela Comissão Europeia,era necessário promover a «profunda reestruturação do aparelho indus-trial e comercial» da empresa, aumentando a sua eficiência ao nível pro-dutivo e direcionando-a para o fornecimento de produtos que o mercadoexigia. Na verdade, era claramente visível que o mercado estava cada vezmais virado para necessidades em termos de produtos leves – gasolinase gasóleos – e não de produtos pesados, tais como o fuel.8

Esta realidade acabou por condicionar o processo e o valor inerentesà privatização da Petrogal. Na verdade, a questão da capitalização eracrucial, estando previsto que se avançasse ainda antes da privatização daempresa com um investimento que oscilava entre os 45 e os 60 milhõesde contos. De acordo com Mário de Abreu, presidente da Petrogal em1990, era necessário construir uma nova unidade em Sines, «orientadafundamentalmente para o mercado dos produtos leves – gasolina e ga-sóleo», que potenciasse um «melhor aproveitamento da matéria-prima:o crude». Contudo, o investimento não se reduzia, apenas, a Sines. Tam-bém estavam previstas «obras importantes» em Matosinhos com o obje-tivo de melhorar a fabricação de diversos produtos, entre os quais lubri-ficantes.9

Um dos passos fundamentais para a privatização da Petrogal, con-forme resulta da Lei-Quadro das Privatizações, foi a avaliação realizadapor dois grupos financeiros, com o objetivo de permitir ao governo dis-por de uma perspetiva realista quanto ao verdadeiro valor da empresaantes de abordar o mercado. Para tal, o governo português solicitou umrelatório de avaliação ao grupo constituído pela Finantia e pela Goldman

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5 «Petrogal com 56% do mercado de combustíveis», Semanário Económico, 7-2-1992, 13. 6 «Petrogal: nova refinaria antes da privatização», Expresso, 26-5-1990, C1. 7 Ver Amaral e Durães (1995, 50).8 Ver Amaral e Durães (1995, 63-65).9 «Petrogal: nova refinaria antes da privatização», Expresso, 26-5-1990, C1.

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Sachs e outro ao grupo constituído pela ESSI-Espírito Santo Sociedadede Investimentos e à American Appraisal. Os resultados foram bastantedivergentes. Enquanto um dos avaliadores afirmava que a Petrogal valeriacerca de 170 milhões de contos, o outro relatório apontava para um valorpróximo dos 130 milhões de contos. No entanto, mais importante doque o valor em questão, o que era relevante em termos da privatizaçãoda Petrogal seria o planeamento estratégico, principalmente em relaçãoaos investimentos e planos de desenvolvimento industrial. A adminis-tração previa a necessidade de um investimento de 170 milhões de contosnos sete anos seguintes para o desenvolvimento das unidades de recon-versão e refinação da empresa, nomeadamente em Sines.10

Paralelamente à evolução dos resultados da empresa, não se pode com-preender o processo de privatização da Petrogal sem observar as altera-ções institucionais pelas quais passou. A aprovação do Decreto-Lei n.º 353/91, de 20 de setembro, tornou irreversível a alienação de partedo capital da Petrogal a privados. Com esta peça legislativa, o Estadoportuguês aprovava a redução, por fases, da sua participação no capitalda empresa até ao valor de 10%, mantendo sempre uma capacidade deinfluência significativa nas definições estratégicas da empresa (faculdadeconhecida como golden share). Na primeira fase, a que assim se estava adar início, o objetivo era reprivatizar 51% do capital social da Petrogalatravés de um aumento de capital de 19 milhões de ações e da aquisiçãode mais 5 milhões de ações ao Estado português. No prazo de três anos,o grupo vencedor assumiria o compromisso de comprar ao Estado mais24 960 000 ações da sociedade. De realçar também que 20% estavam re-servados aos trabalhadores da empresa e pequenos subscritores, no âm-bito da política de criação de acionariado popular que orientou a Lei--Quadro das Privatizações.11

O Decreto-Lei em questão regulava ainda, o tipo de grupos que poderiaconcorrer à entrada no capital da Petrogal, definindo que os interessadosdeveriam apresentar-se a concurso em agrupamento, ficando obrigados a«constituir, entre si, no prazo fixado no caderno de encargos, uma socie-dade gestora de participações sociais, SGPS, para a qual serão transmitidasas ações subscritas ou adquiridas». Ora, 50% deste agrupamento, ficavacom direito de voto na sociedade gestora de participações sociais, tinha de

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10 «Petrogal nas 500 maiores empresas europeias», Expresso, 20-1-1990, C1. Por motivosque nos foram alheios, não foi possível aceder aos relatórios destes avaliadores externos.

11 Segundo Vieira e Serra (2006, 8-9), este método de privatização foi aplicado à Petrogalpor se tratar de uma empresa em que «os interesses políticos e económicos nacionais es-tavam em causa».

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ser detido por «entidades nacionais», para além de a maioria dos membrosdos órgãos de administração e fiscalização obrigar a que fosse de naciona-lidade portuguesa. Adicionalmente, durante cinco anos, as participaçõesno capital social da Petrogal não poderiam ser alienadas, «sob pena de nu-lidade dos atos». Estas restrições deviam-se à «força dos interesses nacionaisem causa», de forma a preservar «quaisquer decisões que, direta ou indire-tamente, possam pôr em causa o abastecimento normal do País».12

Meses mais tarde, no princípio de 1992, o Conselho de Ministrosaprovou o caderno de encargos para a privatização da Petrogal, no qualse estipulavam as condições inerentes a este processo, incluindo a defi-nição do valor de cada ação (1700$00 escudos). Ficavam também clarosos objetivos do Estado com a privatização e as finalidades subjacentes àentrada dos privados no capital da empresa. Os principais objetivos con-sistiam, em primeiro lugar, em defender a presença nacional na empresa,considerada estratégica para o país. Em segundo lugar, pretendia-se a «re-solução atempada das insuficiências estruturais do sistema de refinação,tornando-o apto a enfrentar as necessidades futuras do mercado, no con-texto europeu, e assegurando o seu contínuo aperfeiçoamento». Em ter-ceiro lugar, pretendia-se a «expansão sustentada das atividades no con-texto crescentemente concorrencial». Procurava-se também a «suficiênciae garantia» de abastecimento de crude, «com acesso mais direto à explo-ração petrolífera», bem como o desenvolvimento do valor acrescentadodos produtos químicos na atividade da empresa. Finalmente, visava-setambém o «desenvolvimento da rede própria de comercialização de com-bustíveis da Petrogal, com extensão significativa ao mercado ibérico».13

Com a publicação desta legislação ficavam enunciados os objetivos evalores concretos para a privatização da Petrogal. Ao mesmo tempo, adefinição dos procedimentos contribuiu para que na imprensa surgissemvozes que contestavam os métodos e as escolhas do governo. Estas vozesfizeram-se sentir durante todo o processo e, em alguns casos, antecipa-ram-se, mesmo, à publicação do caderno de encargos. Logo em meadosde 1991, surgiram na imprensa críticas quanto ao modelo de privatizaçãoque o governo parecia direcionado a escolher, na medida em que se con-siderava que tal privatização não iria «resolver os problemas da petrolíferanacional» já que, «para se modernizar e reestruturar», a Petrogal necessi-tava «no mínimo de 130 milhões de contos, uma verba que já devia tersido parcialmente aplicada há cerca de cinco anos na refinaria de Sines,

Os Petróleos em Portugal

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12 Ver Decreto-Lei n.º 353/91, 20 de setembro.13 Resolução do Conselho de Ministros n.º 3/92 de 17 de janeiro.

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de modo a permitir à empresa ser competitiva com os gigantes mundiaisdos petróleos». Com a privatização a ser feita nos moldes definidos pelogoverno, o investimento dos privados na empresa não ultrapassaria os60 milhões de contos, o que implicaria que a empresa passasse «por umafase crítica», estando previsto que estivesse «três anos no vermelho». Con-forme era divulgado pelo Expresso, vários responsáveis da Petrogal con-sideravam que o modelo não era «o mais adequado», parecendo mesmoestar feito à medida dos «interesses do único consórcio que já tinha de-monstrado [vontade] em concorrer à privatização da Petrogal».14

De certa forma, a tutela reconhecia estas críticas. Mira Amaral, minis-tro da Indústria e Energia, não negou que os objetivos consistiam em as-segurar os «interesses portugueses». Para isso, tinha sido «montado umesquema» em que desincentivava o aparecimento de muitos grupos, dadaa exigência de «grandes recursos financeiros». Como a Petrogal não estavaa ser «vendida ao preço da chuva», a única solução era que os concor-rentes se reunissem num consórcio para a partilha dos riscos por váriosacionistas.15

A Petrocontrol

O grupo Petrocontrol tinha começado a desenhar-se a partir da aprova-ção da Lei n.º 11/90, de 5 de setembro, que estabeleceu o regime aplicávelà privatização das empresas públicas. No final de 1990 e ao longo de 1991,os principais grupos financeiros portugueses, em particular aqueles que ha-viam participado nas empresas petrolíferas nacionais antes de 1974, avan-çaram com uma proposta para a entrada no capital da Petrogal. Estas mo-vimentações foram apoiadas pelo governo que, como vimos, desde cedo«manifestou interesse» em «envolver entidades portuguesas que viessem aconstituir um grupo privado estável» para controlar, a médio e longo prazo,a empresa. No princípio de 1991, esse consórcio estava já praticamenteconstituído. Nele participavam o grupo Espírito Santo (que havia estadoligado à Sacor), o grupo José de Mello (ligado à Petrosul e à Sonap), ogrupo Champalimaud, Manuel Boullosa (ligado à Sonap), Patrick Mon-teiro de Barros, o grupo Amorim, o grupo Roquete, a Parfil e a FundaçãoOrien te, em associação com a Stanley Ho. No mesmo ano, este consórcio

O tempo da Petrogal, 1992-1999

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14 «Petrogal: modelo de privatização ameaça futuro», Expresso, 17-8-1991, C1 e C24. 15 «UEM acaba com o monopólio da banca como alternativa de financiamento», Se-

manário Económico, 27-3-1992, 5.

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criou uma sociedade ges-tora de participações so-ciais, a Finpetro.16 Destegrupo, Manuel Boullosa ePatrick Monteiro de Bar-ros tinham, de acordocom Ricardo EspíritoSanto Salgado, uma parti-cipação superior à dos res-tantes participantes noconsórcio.17

Dadas as necessidadesfinanceiras envolvidasneste projeto, o consórciode acionistas portuguesesprocurou estabelecer par-cerias estratégicas comgrandes petrolíferas inter-nacionais, de forma a di-vidir os riscos da opera-

ção. Em 1992, o consórcio Finpetro e a francesa Total chegaram aentendimento para constituírem a Petrocontrol, com o grupo portuguêsa deter 51% das ações desta sociedade, tendo apresentado a sua candida-tura à primeira fase de privatização da Petrogal.18

A Petrocontrol foi a única candidata à privatização da Petrogal e, emmeados de 1992, o processo foi dado por concluído, com este grupo aassegurar a compra da primeira fatia de 25% do capital da empresa, aopreço base de 1700$00 por ação. Este processo envolveu «um total de24 milhões de títulos, 19 milhões dos quais relativos ao aumento de ca-pital e o restante correspondente à alienação de cinco milhões de açõesdetidas pelo Estado». Numa segunda fase, a concluir num prazo de trêsanos, o consórcio de privados comprometia-se a adquirir mais 26% docapital da Petrogal, o que lhe permitiria alcançar os 51% e o controlo daempresa. As duas operações do consórcio luso-francês significariam uminvestimento de cerca de 83 milhões de contos.19

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16 Vicente (2002, 259-260). 17 «Total aposta na Petrogal para entrar em Espanha», Expresso, 21-3-1992, C2.18 Vicente (2002, 259-260). 19 «Petrocontrol compra 25% da Petrogal», Expresso, 23-5-1992, C1.

Dos cimentos, do aço e da banca para o petróleo: António Champalimaud (1918-2004), um dos acionistas portugueses da Petrocontrol, consórcio que em 1992 adquiriu 25% da Petrogal.

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Quais as razões e interesses dos franceses da Total para entrarem nesteconsórcio com o grupo de acionistas portugueses reunidos na Finpetro?De acordo com um dos principais acionistas portugueses, Ricardo Espí-rito Santo Salgado, a Petrogal abria «a possibilidade da Total entrar emEspanha», numa altura em que a sua congénere Elf se havia associado àCepsa espanhola e em que a BP adquirira uma das refinarias espanholas.Assim, «a Petrogal com duas refinarias, em Sines e em Matosinhos, maispróximas, por exemplo, da Extremadura, que a refinaria de Algeciras, amais próxima daquela província espanhola, serve os intentos comerciaisda Total, que assim poderá atacar em duas frentes».20 A entrada da Totalno consórcio concorrente à primeira fase de privatização da Petrogal era,ainda, vista como trazendo «mais-valias técnicas à Petrogal», porque per-mitia a entrada na empresa de quadros técnicos, sobretudo para o sectorindustrial, o que era percecionado pelos acionistas portugueses da Petro-control como «um fator positivo».21

Abria-se, assim, uma nova fase na vida da Petrogal. Após a nacionali-zação das empresas petrolíferas de capital nacional a operarem em Por-tugal, em 1975, e depois da unificação dessas empresas na Petrogal, osprivados voltavam a participar no negócio dos petróleos. De acordo como Decreto-Lei n.º 353/91, o mais tardar em três anos a maioria do capitalda empresa passaria para mãos privadas. Contudo, cedo ficou claro queas grandes mudanças na empresa estavam dependentes da obtenção damaioria do capital da empresa, sendo que, até lá, os privados iram limi-tar-se a «uma ação de diagnóstico», visto ser claro que a Petrogal «nãoestá bem e vai apresentar prejuízos consideráveis».22 No fundo, muitoainda estava por resolver na Petrogal. Com a Assembleia Geral de Acio-nistas, ocorrida em meados de julho de 1992, ficou definida a nova ad-ministração da Petrogal. José Viana Baptista assumiu a presidência daempresa, substituindo Mário de Abreu e acumulando a função de ad-ministrador por parte do Estado. Ao todo, a nova administração era com-posta por sete administradores, três dos quais nomeados pelos acionistasprivados.

A nova gestão definiu como prioritário avançar com a modernizaçãodo sistema de refinação de Sines, um projeto apoiado pelo Banco Euro-peu de Investimento (BEI), através de um empréstimo celebrado em fi-

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20 «Total aposta na Petrogal para entrar em Espanha», Expresso, 21-3-1992, C2. Ver, tam-bém, Expresso, 28-3-1992, C6, para informação mais detalhada sobre a Petrogal no mer-cado espanhol.

21 «Discórdia na Petrogal», Expresso, 28-9-1992, C1. 22 «Total aposta na Petrogal para entrar em Espanha», Expresso, 21-3-1992, C2.

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nais de 1992. Depois, foi necessário avançar com a modernização e re-configuração do sistema comercial da empresa, sobretudo porque a redeviária portuguesa estava a crescer substancialmente. Acresce que havianecessidade de preparar a empresa para a progressiva liberalização domercado dos combustíveis nacionais, um imperativo em face da partici-

pação de Portugal no mercado comumeuropeu, ao mesmo tempo que se man-teve o desejo de continuar o investi-mento efetuado na expansão comercialda Petrogal em Espanha.23 Estas açõesforam desenvolvidas num momento emque a conjuntura internacional do mer-cado petrolífero era claramente adversa,«provocando dramáticas e inesperadasreduções nas margens de refinação»,como reconheceu Viana Baptista.24

Os problemas estruturais da empresae o agravamento da situação internacio-nal do mercado do petróleo traduziram--se na manutenção da tendência nega-tiva que a empresa experienciara nosanos anteriores. O primeiro semestre doexercício de 1992 trazia já um prejuízode 16,3 milhões de contos, situação quenão se inverteu no segundo semestre do

ano, com a empresa a fechar o exercício com resultados negativos decerca de 30 milhões de contos. Como concluia o Expresso, «a Petrogalnão teve um ano fácil».25 Aliás, na primeira entrevista do novo presidenteda empresa, esta situação não foi ocultada, ainda que Viana Baptista pro-curasse «desdramatizar a atual situação».

Num primeiro momento, a nova gestão procurou diminuir as partici-pações em que a Petrogal estava envolvida e que não correspondessem aatividades incluídas no seu core business, abdicando das ações no Bancode Fomento e Exterior e na seguradora Bonança. De seguida, o novo pre-sidente identificou os principais problemas da empresa: a pressão provo-cada pelo sistema de formação de preços, com Viana Baptista a preconizar

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23 Vicente (2002, 262). 24 Relatório e Contas 1992, Petróleos de Portugal, Petrogal, S.A. 25 «Galp, enfrentar a concorrência», Expresso, 9-1-1993, C2.

José Viana Baptista (1931-2004),presidente da Petrogal entre 1992 e 1995.

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«um mecanismo de flutuação de preços no consumidor», e a necessidadede se ver reduzido o prazo de stocks obrigatórios de 120 para 90 dias, talcomo se praticava na maioria dos países europeus. Quanto ao futuro,Viana Baptista considerava haver «determinadas atividades que a Petrogalnão pode deixar de fazer, como sejam as relacionadas com a refinação,distribuição e comercialização do petróleo».26

O embate dos acionistas privados com a realidade da Petrogal terá le-vado às primeiras discórdias entre os detentores do capital social da em-presa. As críticas que foram transmitidas pela imprensa prendiam-se, so-bretudo, com o valor pago pelas ações da Petrogal. Ainda antes de serconhecido o caderno de encargos para a privatização, já alguns acionistasda Petrocontrol mostravam, publicamente, a sua opinião em relação aovalor das ações. Patrick Monteiro de Barros considerava que o valor pe-dido pelo Estado era «muito elevado», tendo em conta os prejuízos quea empresa continuava a acumular.27 Ao longo de todo o processo de pri-vatização, os jornais afirmavam que «os acionistas privados não deixamde questionar o valor da empresa».28 Ora, com o apuramento dos prejuí-zos de 1992, estes problemas ressurgiram. A tutela, pela voz do presidenteda Petrogal, recusava estas críticas. Numa entrevista a um jornal, VianaBaptista foi perentório ao afirmar «que todos os elementos estavam dis-poníveis à data da privatização».29 Porém, sectores ligados à Petrocontrolexigiam uma auditoria à empresa «caso o governo não apresente uma so-lução para os problemas» com que se tinham deparado.30

Assim, colocava-se a necessidade de diminuir os prejuízos da empresae de financiar a modernização do complexo de refinação de Sines, o queconduziu os acionistas privados a exigirem a atribuição de um créditofiscal do Estado português à empresa no ano de 1993. Este crédito as-cenderia a cerca de 11,5 milhões de contos, segundo dados avançadospela imprensa.31 A situação foi resolvida em finais de 1993, com a inscri-ção desta transferência no Orçamento de Estado para o ano de 1994. Noentanto, a solução encontrada acabou por acarretar uma perda para osinteresses privados, já que o Estado se recusou a contar os juros do créditofiscal a partir de 1986, tal como a Petrocontrol pretendia. Assim, ficou

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26 Relatório e Contas 1992, Petróleos de Portugal, Petrogal, S. A.27 «Monteiro de Barros considera ‘muito elevado’ o preço da Petrogal», Semanário Eco-

nómico, 10-1-1992, 11. 28 «Galp enfrentar a concorrência», Expresso, 9-1-1993, C2. 29 «Petrogal: venda da Bonança, BFE e JN começou», Expresso, 10-10-1992, C1 e C11.30 «Discórdia na Petrogal», Expresso, 28-9-1992, C1. 31 «Petrogal exige receber 11,5 milhões do Estado», Diário de Notícias, 26-9-1992, 39.

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definido que esses juros eram devidos, apenas, a partir de junho de 1992,altura em que ficou concluída a primeira fase da privatização daempresa.32

Em segundo lugar, ao longo de 1992, a administração tomou cons-ciência de que o Fundo de Pensões da Petrogal não se encontrava devi-damente provisionado. De acordo com relatórios feitos por auditores ex-ternos, este fundo não era «suficiente para cobrir integralmente asresponsabilidades pelos complementos de reforma por velhice e invali-dez».33 Esta situação era reflexo da transformação verificada na empresaao nível dos recursos humanos, com uma diminuição substancial do uni-verso dos trabalhadores no ativo. De facto, uma das principais reformasfeitas no princípio da década de 1990 prendeu-se com a redução do nú-mero de trabalhadores, passando de cerca de 7000 funcionários para3870, em 1993, sem que se tivesse havido despedimentos. A solução pas-sou pelo recurso a rescisões amigáveis e reformas antecipadas e pré--reformas, algo que, em última instância, colocou ainda mais pressãosobre o fundo de pensões da empresa,34 só ocorrendo posteriormente oconveniente provisionamento deste fundo.

Em terceiro lugar, a empresa foi confrontada com novas despesas ine-rentes ao processo de transferência das instalações da Petrogal em CaboRuivo, devido ao início das obras da Expo’98, na zona oriental de Lisboa.Este era um facto novo, que implicaria o «desmantelamento de todo ocomplexo logístico da Petrogal», para além de envolver o encerramentoda refinaria «antes da data prevista». Por esta razão, tornava-se necessáriaa construção de novas instalações para o abastecimento da Grande Lisboae Centro do país, uma vez que tal não poderia ser assegurado pelo trans-porte rodoviário de Sines para o Norte do país.35

As principais questões neste contencioso e que muito contribuírampara o agravamento das já difíceis relações entre os acionistas privadosda Petrogal e a tutela, foram o valor das indemnizações que o Estado es-tava disposto a pagar pela expropriação dos terrenos da futura Expo’98,assim como o prazo dado para a desocupação dos terrenos na zona orien-tal de Lisboa. A desativação das instalações da Petrogal em Cabo Ruivo,sem que fosse encontrada uma alternativa, era algo «quase impossível»para a Petrogal, uma vez que era «inviável trazer combustível do Alentejo

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32 «Crédito fiscal à Petrogal no OE 94», Expresso, 28-8-1993, C16. 33 Relatório e Contas 1992, Petróleos de Portugal, Petrogal, S.A. 34 «Sines-Lisboa em pipeline privado», Expresso, 13-11-1993, C3. 35 Vicente (2002, 263).

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através de carros-tanque», naquela que parecia ser a única alternativa emcima da mesa.36 Era então necessário encontrar soluções intermédias parao armazenamento e distribuição dos combustíveis até que fossem cons-truídas as novas instalações, o que tornava esta operação bastante dis-pendiosa. A solução encontrada passou pela construção de um pipelinemultiproduto que unisse a refinaria de Sines à futura central de armaze-namento, que veio a ser localizada a norte de Lisboa, em Aveiras deCima, no concelho da Azambuja, e que permitisse uma distribuiçãolimpa e segura dos combustíveis. Este pipeline poderia ser também abertoàs outras petrolíferas a operar em Portugal e que também teriam de aban-donar Cabo Ruivo, nomeadamente, a Shell, a Mobil e a BP.

Porém, esta solução deveria ser articulada com uma política «maisabrangente» do próprio governo português, em que se contemplassemas questões ambientais e de segurança.37 De modo a assegurar o abaste-cimento de combustíveis à Grande Lisboa e à zona Centro do país, en-quanto decorressem as obras de construção do pipeline e da própria cen-tral de armazenamento e abastecimento de combustíveis em Aveiras, adesocupação das instalações de armazenamento de Cabo Ruivo seriafeita «por etapas», que seriam «conciliadas com a construção do oleo-duto».38

Ainda assim, subsistia a questão da indemnização devida pelo Estadoà Petrogal pela saída de Cabo Ruivo. Em fevereiro de 1994, foi assinadoo protocolo entre a empresa e o Estado, que definia «uma contrapartidamínima de 12 milhões de contos», que seria «ajustada em função de cri-térios a estabelecer» pelas duas partes.39 Até se chegar a este entendi-mento, decorreram longos meses de negociações entre o Estado e a Pe-trogal, uma vez que o pagamento proposto pelo Estado era claramenteinsuficiente para que a empresa pudesse acomodar as despesas de cons-trução das futuras instalações de armazenamento, avaliadas em cerca de45 milhões de contos.40 Assim, foi necessário à Petrogal recorrer à bancapara financiar este projeto, aumentando ainda mais os seus encargos fi-nanceiros.41 Perante estas questões – a saber, o crédito fiscal, o fundo de

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36 «Cabo Ruivo divide petrolíferas», Expresso, 21-8-1993, C12. 37 «Petrogal: estratégia até 1997 prevê acesso às bolsas internacionais», Semanário Eco-

nómico, 20-8-1993, 12. 38 «Sines-Lisboa em pipeline privado». Entrevista do secretário de Estado da Energia,

Luís Filipe Pereira, ao Expresso, 13-11-1993, C2-C3. 39 Relatório e Contas da Petrogal, 1993, 13. 40 Santos (2011, 181). 41 Relatório e Contas da Petrogal, 1993, 6.

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pensões e a saída da Petrogal da zona oriental de Lisboa na sequência daExpo’98 –, as relações entre o Estado e os acionistas da Petrogal deterio-raram-se ao longo do ano de 1993. A posição destes últimos resumiu-se auma só: recusar avançar para a segunda fase de privatização enquanto nãovissem satisfeitas pelo Estado as suas reivindicações.

Ao mesmo tempo, a aproximação entre o Estado e a Petrocontrol foiseguramente dificultada pelas notícias saídas a público no final de marçode 1993, segundo as quais a Total tinha estabelecido um acordo secretocom os restantes acionistas privados «que, a prazo, dariam o controlo daparticipação privada aos franceses da Total». No fundo, tratava-se da cria-ção de um mecanismo que iria permitir à Total «tornear a limitação a es-trangeiros, imposta pelo caderno de encargos» da primeira fase de priva-tização.42

Segundo o acordo, a Total faria um empréstimo de 4 milhões de con-tos aos acionistas privados portugueses; posteriormente seria constituídaa Petromadeira, com sede na zona franca da Madeira, com o objetivo definanciar os sócios portugueses durante a primeira fase de privatização.A nova sociedade permitiria vários tipos de investimento da Total na Pe-trogal, que lhe dariam o controlo efetivo da empresa. De acordo com afonte que revela o acordo, o objetivo da Total nesta operação seria o pos-terior controlo da Petrogal espanhola. Ao descobrir o propósito da ini-ciativa da petrolífera francesa, o governo português, enquanto acionistamaioritário da Petrogal, endureceu a sua posição.43

Perante a tentativa dos privados de contornarem as normas instituídasno caderno de encargos da primeira fase de privatização, o Estado tomouduas decisões de grande importância: a primeira foi atribuir a gestão daPetrogal espanhola a José Viana Baptista, presidente do Conselho de Ad-ministração da Petrogal, que o tinha igualmente designado como admi-nistrador por parte do Estado para efeitos de garantir o exercício dos di-reitos especiais decorrentes da golden share que tinha sido assegurada noprocesso de privatização. Deste modo, o acesso dos privados à Petrogalespanhola, estaria bloqueado e sob alçada do Estado Português.44 A outramedida de força foi a retirada de funções executivas aos privados no Con-selho de Administração. Apesar de serem minoritários na percentagemque detinham da Petrogal (25%), fora atribuída aos acionistas privados a

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42 «Total deixa cair Petrogal», Semanário Económico, 26-3-1993, 13-14.43 Ibid. 44 «Privatização da Petrogal revista», Semanário Económico, 2-4-1993, 15.

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tutela dos importantes pelouros – financeiro e comercial –, na expetativade que a breve prazo a Petrocontrol «compraria o segundo lote de açõesda Petrogal».45

Perante a recusa da Petrocontrol em participar no aumento de capitalda Petrogal (o que aumentava grandemente o investimento financeirodaquele consórcio privado na empresa) e a sua decisão de não concretizara promessa de aquisição dos restantes 26% das ações efetuada no mo-mento inicial da privatização –, que equivaleriam à segunda fase de pri-vatização –, ao mesmo preço da primeira fase, o Estado decidiu alterar acomposição da Comissão Executiva da Petrogal. Apesar de se reconhecerque a «dificuldade de um perfeito entendimento» entre os acionistas eraalgo «formalmente exterior ao Conselho de Administração e à sua Co-missão Executiva», a verdade é que não poderia deixar de ter «repercus-sões na condução dos destinos da empresa», nomeadamente no que diziarespeito à «prossecução dos programas de desenvolvimento, [...] bemcomo da manutenção da estabilidade interna». Assim, era proposto pelopresidente do Conselho de Administração, José Viana Baptista, «inter-pretando o sentido do voto de confiança do acionista Estado», uma al-teração da Comissão Executiva da Petrogal.46

Com entrada em funções a 6 de maio de 1993, a nova Comissão Exe-cutiva era composta apenas por quatro membros: José Viana Baptista(presidente), Fernando Noronha Leal, José Manuel Serrão e Pedro Pe-drosa Machado (vogais), sendo que todos foram nomeados pelo acionistaEstado. Ou seja, os dois administradores nomeados pelos privados queanteriormente integravam a Comissão Executiva, António CardosoPinto, e Ian Howat, passavam a administradores não-executivos, aos quaisse juntou, nessa qualidade, Pedro Pires de Miranda, deixando os privadosde ter representação na Comissão Executiva da Petrogal.47 Esta alteraçãoorganizativa aumentou «a interferência do Estado» na empresa e criou«uma situação de certa crispação e de instabilidade na gestão».48

Porém, a alteração na composição da Comissão Executiva permitiu aoEstado salvaguardar a gestão corrente da empresa de quaisquer agitações

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45 Esta era uma opção que procurava favorecer os privados, ao mesmo tempo que ace-leraria o processo de privatização da Petrogal.

46 Ata n.º 8/93 do Conselho de Administração da Petrogal, 6-5-1993, Ministério da Eco-nomia, Secretaria de Estado da Energia, Proc. n.º 3.01 Petrogal/3.02 Fundo de Pensões, 1994.

47 Relatório e Contas da Petrogal, 1993, 9. Ata n.º 8/93 do Conselho de Administraçãoda Petrogal, 06-05-1993, Ministério da Economia, Secretaria de Estado da Energia, Proc.n.º 3.01 Petrogal/3.02 Fundo de Pensões, 1994.

48 Vicente (2002, 263).

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entre os acionistas, nomeadamente da parte dos acionistas privados.Numa declaração de voto proclamada nesta ocasião, Pedro Pires de Mi-randa reconhecia que tal modificação alterava «profundamente as respon-sabilidades até agora acometidas» aos representantes dos acionistas priva-dos e reduzia o seu «envolvimento direto nas atividades da Empresa»,pelo que votava contra esta decisão.49 A imprensa relatava este episódiocomo um castigo que o acionista Estado procurou aplicar ao consórcioprivado Petrocontrol pela sua recusa em avançar logo para a compra dosrestantes 26% que concluiriam o processo de privatização, e representa-vam uma injeção de capital na empresa, bem como pela denúncia da coo-peração entre os privados portugueses e a Total para que a petrolífera fran-cesa tomasse o controlo da Petrogal.50

Mas não era só o Estado que estava a endurecer a sua posição na Pe-trogal. Também os acionistas privados tomaram uma posição de forçaperante a nova situação da empresa petrolífera portuguesa. Numa cartaenviada aos ministros das Finanças e da Indústria e Energia, a que estavaanexo o «Estudo sobre a situação atual da Petrogal e da privatização dessaempresa», a Petrocontrol apresentava uma «nova proposta de carácterglobal» para a Petrogal. Esta proposta assentava em seis pontos: desdelogo, a Petrocontrol garantia que seria acionista da Petrogal até 19 dejunho de 1995, data em que expirava o prazo para conclusão da segundafase da privatização da petrolífera portuguesa, e que só nessa altura «o

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49 Ata n.º 8/93 do Conselho de Administração da Petrogal, 6-5-1993, Arquivo do Mi-nistério da Economia e Emprego, Processo de Privatização da Petrogal, Proc. n.º 3.01 Pe-trogal/3.02 Fundo de Pensões, 1994.

50 «Petrogal sem privados na Comissão Executiva», Diário de Notícias, 7-5-1993, 2.

Pedro Pires de Miranda (1928--2015). Depois da BP, da Petrosule da Sonap, em 1976, entroupara a administração da Petrogal.Em 1979, foi nomeado porNobre da Costa para presidenteda Comissão de Integração Europeia, em substituição de Jacinto Nunes, ato representadona fotografia. Foi presidente daPetrogal entre 1980 e 1985. Regressou à adminsitraçãoda Petrogal, em 1993-1994.

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direito de opção para adquirir 51% do capital da empresa será exercido,se o for». 51 De seguida, a Petrocontrol declarava-se pronta para assegurara sua colaboração com a Petrogal, nomeadamente quanto aos «contratosde cooperação técnica» a serem estabelecidos entre a empresa e os sóciosda Petrocontrol, a Finpetro e a Total, e para «participar com o Estado noreforço financeiro da Petrogal». Por fim, e porque a questão da expro-priação dos terrenos de Cabo Ruivo não estava ainda totalmente resol-vida, a Petrocontrol reservava-se o direito de recuar na aquisição da pri-meira parte das ações da Petrogal, os 25% adquiridos em 1992,solicitando «desde já que lhe seja reconhecido o direito [...] de devolverao Estado a ações correspondentes», recebendo do Estado «a totalidadedo valor por que essas ações foram adquiridas em 1992».52 Portanto, aPetrocontrol não dava por garantida a sua participação na segunda faseda privatização da Petrogal, assumindo inclusivamente que se poderiadar uma completa inversão da situação, com o Estado a ser forçado acomprar de volta as ações vendidas em 1992, tal como estava previstonos diplomas legais que aprovaram a privatização da empresa.

Como forma de pressão adicional, no «Estudo sobre a situação da Pe-trogal e o processo da sua privatização»,53 os acionistas privados demons-travam que existiam várias condições para a revogação do contrato como Estado português, na sequência da alteração das bases em que tinhadecorrido a primeira fase de privatização da Petrogal. O principal argu-mento para esta revogação era a aplicação do «instituto de alteração dascircunstâncias» que seria indicado para «solucionar problemas suscitadospor súbitas alterações legislativas ou por outras decisões do Estado que[...] venham a atingir contratos pré-existentes». Ora, segundo os sóciosda Petrocontrol, essas alterações «radicais e imprevisíveis» tinham-se ve-rificado com a questão das instalações de Cabo Ruivo e com todos osimpactos que daí adviriam, nomeadamente a reformulação «profunda emuito acelerada» das instalações e a necessidade de «repensar toda a es-tratégia da Petrogal, que irá assentar, no futuro, em bases menos favorá-veis». Assim, era exigido pela Petrocontrol que esta expropriação decor-resse segundo «o estrito respeito pelas leis do país», o que implicava uma

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51 Carta da Petrocontrol (Diogo Freitas do Amaral) para os ministros das Finanças e daIndústria e Economia, de 23-7-1993. Arquivo do Ministério da Economia e Emprego,Processo de Privatização da Petrogal, Proc. n.º A-3-01. Petrogal/5.07 Privatização.

52 Ibid.53 Da Situação da Petrogal, S.A. e do Processo da sua Privatização. Estudo anexo à carta da

Petrocontrol (Diogo Freitas do Amaral) para os ministros das Finanças e da Indústria eEconomia, de 23-7-1993, Arquivo do Ministério da Economia e Emprego, Processo dePrivatização da Petrogal, Proc. n.º A-3-01. Petrogal/5.07 Privatização.

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«justa indemnização». De todo o modo, não deveria haver lugar a qual-quer sanção à Petrocontrol, caso ela desejasse a revogação do contratode privatização da Petrogal, uma vez que «não foram os compradoresque mudaram de ideias, foi a empresa que se alterou objetivamente, parapior, sem que eles o pudessem ter previsto».54

A rutura entre os acionistas privados e o Estado parecia eminente, oque implicaria o regresso do controlo do Estado sobre a empresa, con-sequência direta da revogação do contrato de privatização pelos acionis-tas privados. Esta situação significaria para o governo português o fa-lhanço da sua estratégia de privatização da Petrogal, com consequênciasfinanceiras claras para o Estado. Perante este risco, existiam apenas doiscaminhos: ou se partia para a rutura, ou se adiava o problema, com oobjetivo de garantir a finalização do processo de reprivatização. Porém,a tensão entre as duas partes não impossibilitou a emissão de títulos departicipação, em 17 de agosto de 1993, no valor de 25 milhões decontos.55 A emissão dos títulos de participação foi a solução encontrada,perante a impossibilidade do «aumento de capital que a empresa carecia»,segundo declarações de José Manuel Serrão, administrador financeiro daPetrogal nomeado pelo Estado.

Na realidade, em finais de agosto de 1993, Serrão punha fim a um anode silêncio por parte do Conselho de Administração da Petrogal, tendocomo objetivo o esclarecimento de «alguns aspetos financeiros que têmgerado alguma confusão nos mercados». Ou seja, tratava-se de uma en-trevista autorizada pelo presidente da empresa, Viana Baptista, para tran-quilizar os mercados nacionais e internacionais, dos quais a Petrogal de-pendia para o seu financiamento. Daí que quaisquer assuntos queextrapolassem as questões financeiras, especialmente acerca das «relaçõescom a Petrocontrol» ou a saída de Cabo Ruivo, fossem «tabu». Aindaassim, José Manuel Serrão não se inibiu de referir que os problemas entreos acionistas tinham trazido «dificuldades acrescidas de crédito junto dabanca nacional e internacional», tendo o administrador financeiro da Pe-trogal demonstrado a sua preocupação «com a falta de aprovação dascontas [do ano de 1992] e com as implicações que isso pode ter no acessoao crédito» por parte da empresa. Esta entrevista tornava-se, assim, emmais uma forma de a administração da Petrogal pressionar os acionistasprivados a modificarem a sua posição.56

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54 Ibid.55 Confirmação da data de emissão dos Títulos de Participação no Relatório e Contas

da Petrogal, 1994, 12.56 Entrevista de José Manuel Serrão, Semanário Económico, 20-8-1993, 11-12.

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Este primeiro passo contribuiu para que a situação de tensão se dissi-passe até ao final do ano de 1993, naquele que poderia ser o «princípiode uma nova era para a empresa». Após vários meses de tensão, a 23 de dezembro, os acionistas privados aceitaram aprovar finalmente ascontas relativas a 1992, admitindo-se até a hipótese de a Petrocontrolpoder participar num aumento de capital intercalar para a Petrogal.57

O ano de 1993 parecia então terminar com a promessa de alguma acal-mia nas relações entre os acionistas da Petrogal. Porém, as divergênciasentre os acionistas estavam longe de estar sanadas, e o ano de 1994 reve-lou-se de grande tensão no seio da empresa.

Desta vez, a principal fonte das divergências foi o interesse da Total,participante no consórcio da Petrocontrol, no mercado espanhol e a tam-bém crescente concorrência que se sentia entre a Total e a Petrogal espa-nhola. Ora, a expansão da atividade da Petrogal em Espanha estava a terexcelentes resultados. Durante o ano de 1993, as vendas da Petrogal es-panhola ultrapassaram os 43 milhões de contos, «ao que correspondeuum aumento de quase 200%», atingindo cerca de 2% do mercado da-quele país. Estes bons resultados foram possibilitados pela abertura domercado do petróleo em Espanha, o que permitiu, por sua vez, a «aber-tura de mais 55 áreas de serviço», transformando assim a Petrogal espa-nhola «no primeiro operador externo naquele país».58

As notícias relativas à intenção da Total querer controlar a Petrogalportuguesa para mais facilmente controlar o mercado espanhol haviamsurgido na primavera de 1993, quando um jornal denunciou o acordosecreto entre a Total e os acionistas privados para que a petrolífera fran-cesa alcançasse o controlo da Petrogal.59 Mais tarde, já em outubro de1993, surgiram outras notícias que davam conta do esforço continuadoda Total para «hostilizar abertamente a Petrogal, reagindo a todas as me-didas da petrolífera portuguesa em Espanha».60 Contudo, apesar destaspressões, a Petrogal espanhola era, no final de 1993, «a primeira compa-nhia petrolífera de capital estrangeiro em Espanha», com 100 estaçõesde serviço, o que a colocava muito à frente de outras empresas multina-cionais (a Total tinha apenas 85 estações de serviço). Era inclusivamentede se esperar que viesse a entrar para o lote das «cem maiores empresas

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57 «Petrogal aprova hoje contas de 1992», Semanário Económico, 23-12-1993, 15. 58 Relatório e Contas da Petrogal, 1993, 35-36. Ver reflexo deste crescimento no Semanário

Económico, 12-02-1993, 20. 59 Ver Semanário Económico, 26-3-1993, 13-14. 60 «Total vira costas à Petrogal», Semanário Económico, 22-10-1993, 21.

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espanholas, em volume de faturação».61 Já em março de 1994, voltarama surgir rumores na imprensa espanhola de que os franceses da Total sepreparavam para assumir o controlo da Petrogal, como modo de tirarvantagem da posição da empresa em Espanha.

Apesar dos desmentidos da Total e dos protestos da Petrogal, acredi-tava-se ter existido uma alteração de posição da Total na Petrogal por via«indireta», com a entrada de um novo parceiro no grupo Petrocontrol.Através da Petromadeira, a empresa offshore criada em 1992 com o objetivode injetar capitais na Petrogal, havia a ideia de que os franceses controla-vam 23,95% da Petrocontrol, estando na disposição «de tomar posiçõesde acionistas privados que queiram sair da Petrogal, sem manifestação pú-blica dessa intenção».62 Assim, a própria relação entre os membros da Pe-trocontrol estava a deteriorar-se, com a Total a tornar-se um parceiro cadavez mais problemático.

Em 1994, regressou a tensão entre os acionistas privados e o Estado.Segundo as informações que chegavam à imprensa, os acionistas privadosrecusavam-se, mais uma vez, a aprovar as contas relativas ao ano de 1993,com o objetivo de «pressionar o governo a baixar o preço das ações na se-gunda fase de privatização da empresa», que deveria acontecer até junhode 1995. No entanto, era necessário um aumento de capital da Petrogal,de modo a efetuar o respetivo saneamento financeiro. Esta questão doaumento de capital abalou igualmente a situação da empresa. Por umlado, o Estado não se disponibilizou a assegurar a verba necessária, entre50 e 100 milhões de contos, por outro lado, os privados, caso não parti-cipassem, veriam a sua quota acionista muito reduzida, o que, «segundoalguns juristas, contraria o espírito da lei que rege a privatização da em-presa». Por outras palavras, um aumento de capital imediato seria feitoatravés da venda de ações da Petrogal que abririam a participação privadaa outras entidades, e que significaria uma espécie de segunda fase de pri-vatização antecipada, à margem do que ficara estipulado na lei de 1992.

Durante esta crise, foi impossível que as tensões não se refletissem naadministração da empresa. De acordo com o Expresso, alguns adminis-tradores defendiam uma «estratégia imediata de clarificação da estruturaacionista», nomeadamente Pedrosa Machado e José Manuel Serrão. Nestaconjuntura, destacava-se como «fiel da balança» o presidente da empresa,Viana Baptista que, «com grande experiência política», procurava assumiruma «atitude conciliadora». Era claro que ainda procurava o acordo, já

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61 «Petrogal espanhola ganha 400 mil em 1993», Semanário Económico, 17-12-1993, 21. 62 «Total ao ataque na Petrogal», Expresso, 5-3-1994, C1.

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que «mede cuidadosamente as palavras» em público «de modo a não dei-xar transparecer a sua preferência por esta ou por aquela solução». Alémdo mais, mostrava-se sensível à necessidade de aumento de capital da Pe-trogal.63 Assim, a Petrogal entrava numa fase decisiva do seu processo deprivatização. Era necessário decidir qual a modalidade e os participantesnesta segunda fase, algo que se definiu apenas em 1995, no limite doprazo estipulado para esse efeito.

A saída da Total

Desde meados de 1994 que se tornava claro que seria necessário revero processo de privatização que tinha sido delineado para a Petrogal noinício da década de 1990. A situação que se vivia, em que a gestão daempresa era conduzida apenas pelos administradores nomeados pelo Es-tado, na sequência da recomposição da Comissão Executiva de maio de1993, subvertia o objetivo da privatização.

Um dos primeiros sinais no sentido de uma revisão do processo de pri-vatização veio de dentro da própria Petrogal, através do seu presidente,José Viana Baptista. Num ofício reservado para o secretário de Estado daEnergia, o presidente do Conselho de Administração e da Comissão Exe-cutiva da Petrogal tomava uma posição clara acerca do futuro da empresae do seu processo de privatização. Segundo Viana Baptista, o processo deprivatização delineado pelo Estado consagrava várias soluções que, eranecessário «reconhecer», seriam «dificilmente ajustáveis ao carácter estra-tégico do sector e à salvaguarda do interesse nacional». Viana Baptista co-meçava desde logo por criticar o modo essencialmente vago e indefinidocomo o Estado delineou a privatização da Petrogal, acima de tudo pornão assegurar o pleno controlo do processo e do comportamento dosacionistas privados, sendo que, para cúmulo, «conferiu à Petrocontrol apossibilidade de exigir ao Estado a recompra» das ações que detinha.64

A grande preocupação de Viana Baptista era o facto de que a aplicação«estrita» da lei da privatização pudesse conduzir a que «um agrupamentoque já não dá garantias de ser dominado por entidades nacionais», real-çando o peso da Total no consórcio da Petrocontrol, e que, «durante dois

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63 «Tensão cresce na Petrogal», Expresso, 30-4-1994, C3, 50.64 Ofício de Viana Baptista para o secretário de Estado da Energia, de 29-7-1994, Ar-

quivo do Ministério da Economia e Emprego, Processo de Privatização da Petrogal, Proc.n.º 3.01 Petrogal / 3.02 Fundo de Pensões.

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anos, não deu qualquer prova de capacidade técnica e financeira» paraassegurar os objetivos previstos no caderno de encargos, «venha a domi-nar maioritariamente a principal empresa portuguesa», que tinha, sobre-tudo, «um interesse estratégico cada vez mais inquestionável». Para re-forçar esta posição, o presidente da Petrogal demonstrava, através devários indicadores, que tinha sido o Estado, e não os acionistas privados,a controlar as contas e a gestão da empresa, algo que seria particularmentevisível a partir do segundo semestre de 1993, altura em que o Estado to-mara o controlo da Comissão Executiva da Petrogal. Era propósito deViana Baptista demonstrar que a «recuperação da Petrogal nada ficou adever à Petrocontrol ou aos seus representantes na Administração». Aliás,a atuação dos seus acionistas passou por uma recusa constante em apro-var «as propostas essenciais apresentadas pelo Estado, designadamenteas referentes à aprovação de contas de 1992 e 1993», naquilo que VianaBaptista entendia como «uma manifesta e inaceitável forma de pressãosobre o Estado».65

O caminho proposto pelo presidente da Petrogal tinha como principalobjetivo a salvaguarda da própria empresa, independentemente dos in-teresses de privados e do Estado. Nesse sentido, Viana Baptista propunhaque fosse o Estado a recomprar os 25% detidos pela Petrocontrol, rever-tendo assim o processo de privatização iniciado em 1992, no contextode um novo Decreto-Lei «que adote um novo modelo de reprivatizaçãoda Petrogal que [...] permita alterar o modelo de privatização anterior-mente previsto».66 E, de facto, foi isso que acabou por acontecer, se bemque garantindo a manutenção da Petrocontrol como acionista privadoda Petrogal, ao contrário daquilo que Viana Baptista tão claramente ex-pressara ao secretário de Estado da Energia.

As negociações entre o Estado e a Petrocontrol iniciaram-se no prin-cípio de 1995, depois de serem resolvidas algumas questões relacionadascom a própria Petrocontrol. Uma dessas questões prendia-se com a saídada Total, empresa que até aí tinha sido responsável pela capacidade fi-nanceira do consórcio privado. A solução encontrada passou pela aqui-sição da posição acionista da Total pela Finpetro, que congregava os ele-mentos portugueses da Petrocontrol, com exceção de Manuel Boullosa.Esta operação financeira foi «montada e garantida» pelo grupo Cham-palimaud, com o apoio de várias instituições bancárias portuguesas.67

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65 Ibid.66 Ibid.67 «Champalimaud financia saída da Total», Expresso, 20-5-1995.

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Aliás, a questão da saída da Total da Petrocontrol tinha já originadovárias críticas. Num dos poucos artigos de opinião acerca da operaçãode privatização da Petrogal, publicado por Luís Marques no Expresso,com o título «Petroconfusão», salientava-se que a Petrogal «já foi umaempresa vital» sob vários níveis: «políticos, económicos e até militares».Porém, após a criação do mercado único era «só» «importante», resultadoda «perda de independência económica». Ainda assim, a vontade do go-verno em privatizar a Petrogal, uma empresa «grande», estava a traduzir--se numa decisão «perigosa e difícil de concretizar», na medida em queo governo «definiu que deve continuar em boas mãos», o que para oautor do artigo de opinião significava «em mãos portuguesas». Cons-ciente de que o negócio dos petróleos implicava «compradores poderosose conhecedores» desta área de negócios, com «forte capacidade finan-ceira», o problema estava em garantir que os investidores portugueses ti-nham essa capacidade financeira, ou seja, que existiam «mãos portugue-sas com músculo internacional para aguentar a Petrogal».

O principal problema prendia-se com o facto de o governo ter já ven-dido 25% da Petrogal à Petrocontrol, constituída por capital maioritárioportuguês e por uma participação francesa. Este desequilíbrio, em queos portugueses eram «maioritários» e os franceses «minoritários», levavaa que os sócios da Petrocontrol não se entendessem. Acima de tudo, pe-savam as expetativas goradas da Total, nomeadamente a limitação im-posta pelo Estado, aquando da definição das regras da privatização daPetrogal, em relação ao peso do parceiro estrangeiro no consórcio da Pe-trocontrol. Isto trazia um «resultado» óbvio: «os franceses estão fartos equerem ir embora. Não se entendem com os parceiros portugueses». O problema a jusante era que «os próprios portugueses entre si tambémnão se entendem», faltando-lhes acima de tudo capacidade financeirapara avançar com a restante privatização. A grande lição de todo o pro-cesso da primeira fase da privatização da Petrogal era, segundo Luís Mar-ques, que «só o Estado pode assegurar que a Petrogal continue nas boasmãos nacionais».68 Apesar de a solução encontrada para a viabilidade doconsórcio da Petrocontrol ter passado pelo investimento do grupoChampalimaud na aquisição da parte dos franceses da Total, a verdadeé que o Estado também teve de ceder e rever o processo de privatizaçãotal como tinha ficado definido em 1992.

No seguimento da saída da Total do capital da Petrogal foi possívelavançar definitivamente para a renegociação dos termos em que se daria

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68 «Petroconfusão», Expresso, 13-5-1995, C3.

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o segundo momento da primeira fase do processo de privatização da Pe-trogal. Após várias assembleias gerais que não tiveram resultados práticos,foi finalmente acordado, entre o Estado e os acionistas privados, umnovo procedimento de privatização. No preâmbulo do Decreto-Lei quedefinia os novos termos da operação de reprivatização da Petrogal sãoreferidas «alterações de circunstância de natureza imprevisível» que teriamafetado a atividade da empresa, justificavam e determinavam «a alteraçãodo respetivo processo de privatização». A primeira dessas alterações eraque o Estado ficaria ainda como detentor maioritário do capital da Pe-trogal, e a segunda era que seriam «consolidados e reforçados» os capitaispróprios da sociedade.69

Recorrendo a um instrumento conhecido como «operação harmónio»,esta solução para as contas da Petrogal implicava que se daria um «sa-neamento financeiro», com uma redução do capital da empresa em 70 milhões de contos, para 26 milhões de contos, «para absorver os pre-juízos acumulados».70 Porém, esta redução de capital estava condicionadaa um «subsequente aumento de capital, para 103,35 milhões de contos,a subscrever e a realizar nas quarenta e oito horas seguintes à deliberaçãorespetiva». Deste aumento de capital, 40 milhões de ações seriam subs-critas pela Petrocontrol, que as adquiriria a 1000$00 cada, e as restantes37,35 milhões de ações seriam «subscritas pelo Estado e realizadas, notodo ou em parte, através da conversão de títulos de participação da Pe-trogal de que é titular».71 Esta nova modalidade implicava assim que aprimeira fase da privatização da Petrogal seria reduzida para 45% do ca-pital social da empresa. Por detrás desta solução poderá entrever-se algumdesconforto da parte do acionista Estado relativamente à participação daPetrocontrol na gestão da petrolífera nacional desde 1992, e a não con-cessão da maioria das ações da Petrogal ao consórcio privado indicariaassim uma relativa falta de confiança.

A publicação do Decreto-Lei que oficializava a nova forma de proce-dimento na privatização da Petrogal ocorreu no dia em que terminava oprazo legal para a subscrição, pela Petrocontrol, das restantes ações a quese tinha comprometido em 1992, ou seja, em 19 de junho de 1995.Porém, uma resolução anterior do Conselho de Ministros tinha dilatadoo prazo até 31 de julho de 1995, precisamente para que fosse possívelterminar as negociações e chegar a um acordo entre os acionistas da pe-

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69 Decreto-Lei 145-A/95 de 19 de junho.70 Vicente (2002, 266). 71 Decreto-Lei 145-A/95 de 19 de junho.

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trolífera nacional.72 Esta solução não trazia encaixe financeiro para o Es-tado, mas garantia-lhe direito de preferência caso os acionistas privadosquisessem vender algumas ações, assim como garantia à Petrocontrol odireito de preferência caso o Estado quisesse vender capital da Petrogal.73

Estava assim finalmente resolvido o problema da primeira fase da pri-vatização da Petrogal. Iniciado em 1992, este processo foi duro e confli-tuoso, essencialmente pelas dificuldades de entendimento dos acionistasprivados, representados pela Petrocontrol, com o Estado. Podemos assimconcluir que os sucessivos problemas que a empresa enfrentou logo apósa fase inicial de privatização, com a questão do fundo de pensões, coma acumulação de prejuízos, e com os problemas decorrentes da constru-ção da Expo’98 e a consequente saída das instalações da Petrogal da zonade Cabo Ruivo, não facilitaram as relações no seio da sua administração.Mas «o Estado, como ‘pessoa de bem’, não poderia ficar indiferente naprocura de uma solução consensual entre o público e o privado». Acimade tudo, caso o Estado decidisse avançar com o processo como tinha fi-

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72 Resolução do Conselho de Ministros n.º 49-A/95, de 25 de maio de 1995. 73 «Petrogal tem novas regras de privatização», Semanário Económico, 25-5-1995, 13.

Refinaria de Cabo Ruivo antes das obras da Exposição Internacional de Lisboa de 1998.

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cado previsto em 1992, corria seriamente o risco de ter de renacionalizara Petrogal, uma vez que estava comprometido, conforme se assinalouacima e com exceção de um bloco de 5% que se encontrava sujeito a re-versão não onerosa, a voltar a comprar as ações detidas pela Petrocontrol(ao preço da compra em 1992, o que equivaleria a 30 milhões de contos),e seria «obrigado a fazer a sua recapitalização sozinho, desacreditando oprocesso de privatização».74

Tal como reconheceu Mira Amaral, o desfecho encontrado para a pri-meira fase do processo de privatização da Petrogal acabou por ser o maisvantajoso quer para o Estado, quer para a própria empresa, não deixandode considerar «os legítimos interesses do grupo privado». Segundo oentão titular da pasta da Indústria e Energia, este «ajustamento» no pro-cesso de reprivatização permitiu evitar que o Estado tivesse de efetuar «odesembolso imediato de 70 milhões de contos» e que pudesse «controlarno futuro a evolução da estrutura acionista privada», sem que, no en-tanto, ficasse «vinculado a qualquer data para realização de novas fasesde privatização». Do mesmo modo, para a empresa, o acordo alcançadono verão de 1995 daria à Petrogal condições quer «de competitividadefinanceira», quer de «estabilidade acionista e de gestão», indispensáveispara o seu «desenvolvimento estratégico».75

Com esta alteração efetivada em junho de 1995, também se deu umaalteração na composição do Conselho de Administração da Petrogal, quefoi alargado para 15 membros. Passou a adotar-se uma presidência dupla,em que Viana Baptista se manteria como presidente do Conselho de Ad-ministração e administrador designado para efeitos da golden share do Es-tado, se bem que sem qualquer função executiva, tendo sido nomeadopara a presidência da Comissão Executiva Manuel Ferreira de Oliveira,«nome consensual entre os privados».76 Outro administrador não execu-tivo era Jorge Armindo, do grupo Amorim, designado pela Petrocontrol.Os demais vogais da Comissão Executiva seriam António Manuel Sal-vador Pinheiro, António José Chalmique Chagas, Raul Sant’Anna Coe-lho e Carlos Eugénio Corrêa da Silva, os últimos dois nomeados pelosprivados.77 A reformulação definitiva da estrutura administrativa da Pe-trogal ocorreu em outubro de 1995, com a renúncia de Viana Baptista ea designação, por ambos os acionistas, de Ferreira de Oliveira para os car-

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74 Vicente (2002, 266).75 Amaral e Durães (1995, 65). 76 «Manuel Oliveira à frente na Petrogal», Diário de Notícias, 31-5-1995, 4. 77 «Petrogal: privados pagam 67 milhões», Expresso, 10-6-1995, C4.

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gos de presidente do Conselho de Administração e da Comissão Execu-tiva, passando o engenheiro Joaquim Nunes Barata a ser o administradordesignado pelo Estado, para efeitos de exercício dos direitos referentes àgolden share.78

A 31 de julho de 1995, prazo limite para a concretização da segundafase da privatização, foi assinado o acordo parassocial entre o Estado e aPetrocontrol. Este acordo, que não foi tornado público, estipularia a «ra-cionalidade económica da gestão» da empresa, representando a parceriaestratégica entre os acionistas da Petrogal.79 Segundo Pedro Pires de Mi-randa, fechava-se assim o entendimento dos acionistas «sobre a evoluçãoestratégica da atividade» da empresa, com vista a «melhorar a sua renta-bilidade», levando a Petrogal para as atividades de «prospeção e entradano negócio do gás natural, bem como na procura do ‘parceiro estratégicoestrangeiro’».80 Na realidade, o acordo parassocial acabava por garantiraos acionistas privados a gestão de facto da Petrogal, segundo afirmara o

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78 Vicente (2002, 267). 79 «Petrogal: tudo bons rapazes», Diário de Notícias, 1-8-1995, 2. 80 Vicente (2002, 267).

Tomada de posse do segundo governo de Cavaco Silva, sendo Luís Mira Amaral ministroda Indústria e Energia (1987-1991).

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deputado do Partido Comunista Português, Lino de Carvalho, no de-curso de um debate parlamentar.81

Para a história da privatização da Petrogal, a «operação harmónio» e oacordo parassocial que se lhe seguiu tiveram um duplo sentido: por umlado, foi a solução para que o Estado garantisse o sucesso da privatizaçãoe sobretudo para evitar que tivesse de arcar com as consequências dos pro-blemas da primeira fase de privatização da Petrogal, iniciada em 1992; poroutro lado, era uma operação de alto risco, que entregava nas mãos dosprivados o controlo da empresa sem que estes detivessem a maioria do ca-pital social, sendo, desta forma, sujeita a críticas. Em finais de dezembrode 1995, já com o governo liderado pelo Partido Socialista em funçõesdesde finais de outubro desse ano, o deputado do PCP, Lino de Carvalho,interpelou na Assembleia da República, o secretário de Estado do Tesouroe das Finanças, Fernando Teixeira dos Santos, que respondeu mostrando--se muito crítico relativamente à condução do processo de privatização daPetrogal pelo executivo anterior de Cavaco Silva (PSD).

Teixeira dos Santos começou por concordar com o deputado comunista,afirmando que o processo de privatização «não pode [...] ser consideradoum processo exemplar», constituindo «mais uma privatização-problema»e salientando que a solução encontrada para a conclusão da primeira fasede privatização «merece [ao governo socialista] algumas reservas pela suafalta de transparência e rigor de procedimentos». Porém, o problema eraque, caso se aprovasse a moção interposta pelo PCP (e que originou estedebate seis meses após a aprovação do Decreto-Lei 145-A/95, de 19 dejunho) que pretendia impedir a ratificação desse mesmo decreto, corriam--se sérios riscos de anular uma operação que tinha criado já «uma nova si-tuação de facto» e que comportava «direitos para a parte privada». Segundoo secretário de Estado, um eventual chumbo pela Assembleia da Repúblicadesta peça legislativa poderia «acarretar consequências com custos deveraselevados». Entre estes salientava-se o prejuízo para a própria empresa,«comprometendo, por muitos anos, o seu processo de reprivatização»; odano que faria à imagem do Estado português como «pessoa de bem»,uma vez que seria de antecipar «um processo judicial longo», algo que era«importante preservar»; e, finalmente, implicaria a reposição «da situaçãoanterior a todo o processo de reprivatização, com custos elevadíssimos parao Estado».82 Deste modo, a conclusão de Teixeira dos Santos, era a mesma

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81 Intervenção do Sr. deputado do PCP Lino de Carvalho, Diário da Assembleia da Re-pública, 9-12-1995, 405.

82 Intervenção do secretário de Estado do Tesouro e das Finanças, Francisco Teixeira dosSantos, na Assembleia da República, Diário da Assembleia da República, 9-12-1995, 411.

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que tinha levado à adoção desta solução no primeiro semestre de 1995:no fundo, era a única solução possível para não regredir no processo deprivatização da Petrogal, algo que afetaria tanto a própria Petrogal comoas futuras iniciativas de privatização que se iriam desenrolar noutros secto-res da economia portuguesa.

A partir do momento em que a equipa de gestão da Petrogal ficou fi-nalmente definida, a atividade da empresa entrou numa fase de «estabili-dade e de reforço estratégico e operacional»,83 sendo o ano de 1995 o úl-timo de prejuízo nas contas da empresa. De facto, o resultado líquido de1996 foi já de 6,6 milhões de contos positivos, assente na reestruturaçãofinanceira possibilitada pelo saneamento das contas aquando da finaliza-ção da primeira fase da privatização e no «início da operação da Compa-nhia Logística de Combustíveis (incluindo o pipeline multiproduto entreSines e as instalações de Aveiras)».84 A empresa conheceu então um pe-ríodo de crescimento justificado pelo aumento das margens de refinação,pela reestruturação financeira conseguida na sequência do saneamento fi-nanceiro alcançado em 1995 e pelo fim dos conflitos entre acionistas.

A par da assinatura do acordo parassocial, também a mudança na ad-ministração deixou antever alterações estratégicas ao nível da expansãode negócio da Petrogal. Logo em 1995 foi delineado o programa «Petro-gal 2000», no qual ficavam definidas as linhas estratégicas de atuação daempresa para os cinco anos seguintes. Visando o aumento da rentabili-dade e a liderança no mercado interno, o programa «Petrogal 2000» eraconstituído, no essencial, por três vias de ação, a saber, aumento da efi-ciência operacional, com vista à redução de custos e aumento da produ-tividade da empresa; o equilíbrio financeiro com reforço dos capitaispróprios da empresa; e o reposicionamento estratégico da empresa. Esteúltimo objetivo implicaria aumentar o investimento em Espanha, na ex-tração de hidrocarbonetos, maior participação no projeto de gás naturalde Portugal em curso, e o estabelecimento de uma aliança estratégica naárea da refinação com um operador internacional.

Na «definição de prioridades internacionais da empresa» estava aindaa aproximação aos PALOP, em particular a Angola, de forma a estabeleceruma parceria com a Sonangol para potenciar a entrada da Petrogal nomercado da África do Sul. Esta nova estratégia era tida como «bemaceite» entre os acionistas privados já que ia potenciar «sinergias» cominteresses da maioria do capital da Petrocontrol, detido pela Finpetro.

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83 Santos (2011, 202).84 Vicente (2002, 267).

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Dentro desta sub-holding, o grupo Espírito Santo podia ver «maximiza-dos» os seus interesses financeiros na África Austral, ao mesmo tempoque Manuel Boullosa continuava com interesses no mercado moçambi-cano e na distribuição na África do Sul. A moeda de troca desta aproxi-mação à Sonangol era a entrada desta empresa no capital da Petrogal,«um projeto há anos mantido em aberto».85

A estratégia desenhada em 1995 revelou resultados positivos, o queaponta para as vantagens da estabilidade de gestão. Assim, a nível opera-cional, logo em 1998, a rentabilidade dos capitais empregues atingiu onível da média do sector na Europa e, ao nível financeiro, os capitaispróprios atingiram 48,8% do passivo total da empresa, quando em 1995representavam apenas 33,6%.86 Por outro lado, a entrada no upstreamconsumou-se com os investimentos nos blocos petrolíferos em Angola,que vieram a mostrar-se altamente rentáveis. Em 1998 os investimentosem Angola aumentaram significativamente com a exploração de maistrês blocos.87 Do mesmo modo, a implantação da Petrogal espanholalevou a uma presença cada vez mais forte. A participação no projeto dogás natural foi igualmente consumado, na alta e na baixa pressão, com a

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85 «Petrogal ‘ataca’ África a partir de Luanda», Expresso, 8-7-1995, C1. 86 Relatório e Contas 1998 da Petróleos de Portugal – Petrogal, SA, 6, 7, e 50-51.87 Vicente (2002, 268).

Luanda, Angola: um dos destinos de investimento da Petrogal na exploração de petróleo.

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entrada em 1996 na Transgás e o reforço da participação da Petrogás nasdistribuidoras de gás, ao longo da segunda parte da década.88

Já relativamente à prossecução da parceria internacional na área da re-finação, entre 1996 e 1997, o Estado português estabeleceu contactoscom empresas produtoras de «crude» para promover a sua entrada nocapital da petrolífera portuguesa. Dos contactos estabelecidos com ossauditas da Saudi Aramco, os angolanos da Sonangol, e os venezuelanosda Petróleos de Venezuela, resultaram avanços negociais com a empresado Médio Oriente, a maior produtora mundial de «crude». O Estado es-tava então disposto a vender um terço do capital à Saudi Aramco, a re-servar outro terço para a Petrocontrol, a manter 20% do capital nas suasmãos e a alienar 10% à Sonangol. No entanto, os investidores sauditas eangolanos não demonstraram interesse em concluir as negociações.89

Por fim, os diferendos entre o acionista Petrocontrol e o Estado, quehaviam sido marcantes e determinantes, ao longo do triénio 1992-1995,foram finalmente sanados em 1998. Através de um acordo alcançado emarbitragem, foi definido o valor de 34,8 milhões de contos como «valortotal a atribuir à Petrogal a título de compensação» pelos montantes quea empresa teve de despender, «resultantes de certos factos e decisões degestão determinados pelo Estado», quantia que deveria ser paga até 2002.

Assim, percebemos que as exigências da Petrocontrol, reclamadasdesde que tinha sido escolhida como o consórcio vencedor da primeirafase de privatização da Petrogal, tinham finalmente sido atendidas peloEstado. Esta indemnização de 34,8 milhões de contos dizia respeito àconclusão do litígio entre os acionistas da petrolífera portuguesa, centra-dos na questão do «desmantelamento de Cabo Ruivo em virtude daExpo’98 e de acertos no Fundo de Pensões» que, como vimos anterior-mente, foram dois dos principais problemas que afetaram as relaçõesentre o acionista Estado e o grupo privado Petrocontrol.90 A partir daquia Petrogal pôde estabilizar a sua gestão. A segunda metade da década de1990 foi caracterizada pela concretização das várias opções estratégicasdefinidas em 1995 no programa «Petrogal 2000». Só no final da décadase daria mais um passo para uma nova fase de privatização, também mar-cada por uma série de sobressaltos.

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88 Relatório e Contas 1999 da Petróleos de Portugal – Petrogal, SA, 70-71. No final de 1999a Petrogás SGPS detinha participações na Portgás (20,28%), Lusitâniagas (35,33%) e Ta-gusgás (20%).

89 Vicente (2002, 268-269).90 Vicente (2002, 268).

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Capítulo 3

O tempo da Galp Energia, 1999-2012

Em 1999, na sequência de estudos encomendados pelo governo a con-sultoras internacionais, o executivo decidiu concentrar as suas participa-ções financeiras na Petrogal, na Gás de Portugal e na Transgás, numanova empresa criada para o efeito: a Galp – Petróleos e Gás de Portugal,SGPS, S. A., ou Galp Energia. Com esta medida, o governo pretendiatornar o sector energético português «internacionalmente competitivo»,defendendo para esse efeito uma articulação mais eficaz dos sectores dopetróleo e do gás natural, tendo em vista uma «melhor racionalizaçãodos investimentos». Esta operação foi a concretização «de uma políticade integração. Apesar da relativa instabilidade que um processo deste gé-nero originaria, a verdade é que a Petrogal se tinha tornado numa em-presa com «capacidade para competir com eficácia num contexto pro-fundamente concorrencial».1 A partir do ano 1999, a Galp entraria numanova fase da sua vida, com a entrada da Ente Nazionale IdrocarburiS.p.A. (Eni), da Electricidade de Portugal (EDP) e da Iberdrola na estru-tura acionista da empresa. Na ótica do governo, essa racionalização ge-raria, «de forma quase imediata, benefícios para os consumidores, tantoempresariais como residenciais» e assumiria «um carácter permanente»,uma vez que a nova empresa teria o «centro de decisão em Portugal».De acordo com o diploma que lhe deu vida, ficou ainda estabelecidoque os direitos do Estado como acionista seriam exercidos por represen-tante «designado por despacho conjunto do ministro das Finanças e doministro da Economia».2 Nos anos seguintes, este ponto faria corrermuita tinta.

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1 Relatório e Contas da Petrogal, 1999, 66-67.2 Decreto-Lei n.º 137-A/99 de 22 de abril, Diário da República, 1ª Série-A, n.º 94, 22-4-

-1999.

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Tal como ficara estabelecido no Decreto-Lei que criou a Galp, três mesesdepois o Ministério das Finanças, então liderado por António de SousaFranco, elaborou um Decreto-Lei que definia os moldes em que se deveriaprocessar a articulação da criação da nova empresa com a privatização daPetrogal. No seu preâmbulo, era expressamente referido que uma vez queexistia um processo de reprivatização anterior, havia que «coordenar as so-luções» adotadas e que essa coordenação implicava atribuir ao acionistaprivado da Petrogal, a Petrocontrol, a «possibilidade de participar na repri-vatização da Galp» em termos que refletissem a sua posição na Petrogal.Com o argumento da «longa permanência no sector de tal acionista» e das«expetativas que lhe foram criadas pelo atual quadro legislativo», o Estadoatribuía à Petrocontrol o direito de «subscrever e realizar em dinheiro asações adicionais necessárias [par]a perfazer uma participação equivalente

a 33,34% do capital social» da nova em-presa, direito que era apresentado como ummeio de os privados minorarem «o efeitode diluição da sua participação resultantedo processo em causa».3

O mesmo diploma legal estabelecia ainda que, após concluída a pri-meira fase de reprivatização da Galp, que seria concretizada através de umaumento de capital e da troca das participações de outros acionistas dasempresas que vieram a integrar a Galp (além do caso da Petrocontrol naPetrogal, a EDP, a CGD, a Portgás e a Setgás eram acionistas da Transgás),o Estado iniciaria uma nova fase de reprivatização da empresa, «destinadaà alienação, por venda direta, de uma participação a um ou vários parcei-ros estratégicos». Esta nova fase era justificada em nome do «interesse na-cional», uma vez que, no entender do governo, esses parceiros reforçariama «solidez financeira» e a «viabilidade económica de um operador energé-tico português» que se pretendia «internacionalmente competiti vo».4

A criação da Galp, SGPS inseria-se assim numa estratégia que passava pelaformação de dois grandes grupos no sector da energia, juntamente com aEDP, tendo em vista a posterior atração de investimento privado.

Nesse mesmo ano de 1999 foi iniciado o processo de consulta a empresasestrangeiras com o intuito de escolher um parceiro estratégico que deveriaadquirir até 15% do capital da Galp, através de um concurso internacional.Deixando de fora as duas grandes petrolíferas do país vizinho, a Repsol e aCepsa, foram convidadas a participar no processo de seleção 15 empresas.

Os Petróleos em Portugal

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3 Decreto-Lei n.º 261-A/99 de 7 de julho, Diário da República, 1.ª Série-A, n.º 156, 7-7--1999.

4 Ibid.

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No dia 2 de junho de 1999, Henrique Bandeira Vieira, presidente do Con-selho de Administração da Galp, enviou uma carta-convite a essas 15 em-presas, esclarecendo que o governo «procurava parceiros estratégicos quepudessem contribuir para o negócio de uma forma significativa nos sectoresdo petróleo e do gás», e que um dos principais critérios de seleção seria ocontributo que esse parceiro poderia trazer para a Galp nos domínios co-mercial, de abastecimento, logística e know-how técnico, ficando ainda es-tipulado que «a escolha final dos parceiros estratégicos teria de ser do acordodo governo e da Petrocontrol». Juntamente com a carta, seguiram minutasde acordos de confidencialidade, nos quais o presidente do Conselho deAdministração da Galp, em representação da empresa e do Estado portu-guês, se disponibilizava a entregar documentação relativa à avaliação daempresa. Seis das empresas consultadas manifestaram interesse, devolvendoos acordos de confidencialidade devidamente assinados. Foram elas a Elf,a Williams, a Shell, a Sonatrach, a Eni e a Iberdrola. Uma vez que a Sona-trach não respondeu dentro do prazo estipulado, esta empresa ficou auto-maticamente excluída do processo.5

A entrada da EniEntre todas as empresas que responderam ao convite, apenas a Eni e

a Iberdrola apresentaram propostas «firmes». A primeira, para a comprado máximo definido pelo governo, e a segunda para adquirir 4% do ca-pital da empresa.6 A oferta vinculativa da Eni foi entregue no dia 30 desetembro de 1999. A empresa italiana propunha-se adquirir 15% da Galppor 430 milhões de euros.7 No dia seguinte, fonte oficial da Eni confir-mava que apenas aquelas duas empresas tinham apresentado candidatu-ras à reprivatização e que até ao final desse ano o processo deveria ficarconcluído. A Galp tinha sido avaliada em 2,4 mil milhões de euros, peloque a participação de 15% que o Estado pretendia alienar correspondiaa cerca de 360 milhões de euros.8 A proposta da Eni avaliava a empresaem aproximadamente 2,9 mil milhões de euros.

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5 Relatório final da Comissão de Inquérito Parlamentar para apreciação dos Atos doGoverno referentes à participação da Eni e da Iberdrola no capital da Galp, SGPS, Diárioda Assembleia da República, II Série – B, n.º 11, 6-1-2001.

6 Vicente (2002, 270). 7 Relatório final da Comissão de Inquérito Parlamentar para apreciação dos Atos do

Governo referentes à participação da Eni e da Iberdrola no capital da Galp, SGPS, Diárioda Assembleia da República, II Série – B, n.º 11, 6-1-2001.

8 «Governo decide entre Eni e Iberdrola para parceria estratégica com a Galp», Negóciosonline, 1-10-1999.

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Contudo, no final do mês de outubro, a Eni revelava que pretendiaadquirir uma percentagem mais elevada, entre 25% a 30% da petrolíferaportuguesa, desejo que era partilhado com a EDP, que também demons-trou interesse em reforçar os 3,27% que detinha na Galp para uma parti-cipação na ordem dos 15% a 20%. Estas intenções tornavam muito cobi-çada a fatia detida pela Petrocontrol no capital da Galp. De acordo coma imprensa económica, a Eni estava a exercer pressão para que o grupoprivado português abandonasse a sua posição.9 Por outro lado, a empresaque juntava os grupos portugueses na Galp estava nesse momento a atra-vessar um período de alguma instabilidade, uma vez que o seu maior acio-nista, o Banco Totta & Açores, tinha sido vendido pouco antes por An-tónio Champalimaud ao Banco Santander Central Hispano, instituiçãofinanceira com interesses nas empresas de energia espanholas. A Petro-control corria assim o risco de ter de admitir no seu seio um importante

acionista do país vizinho com ligações ao sector ener-gético. Este cenário só poderia ser evitado de duas for-mas: ou os restantes acionistas exerciam o direito de pre-ferência e compravam a posição detida pelo BancoTotta, ou o Santander vendia a sua posição a um ter-ceiro, perfilando-se como principal interessada a Eni quejá tinha demonstrado interesse em adquirir mais do queos 15% inicialmente previstos.10

No final de novembro de 1999, através do Banco Rothschild, a Enidirigiu-se à Petrocontrol, manifestando o seu interesse em adquirir a po-sição desta na Galp. A resposta da Petrocontrol foi transmitida a 29 denovembro, sendo que a empresa não estava «vendedora de quaisquerações, salvo se, de acordo com o interesse nacional, o governo portuguêsmanifestar o desejo de ver a Petrocontrol participar no desenho de umanova solução para o sector energético nacional».11 Contudo, duas sema-nas mais tarde, a imprensa revelava que a Petrocontrol estava disposta aceder a sua posição à Eni, caso esta estivesse disposta a adquirir a totali-dade da posição que a Petrocotrol detinha na Galp, ou seja, 33,34%.12

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9 «Eni quer entre 25% a 30% na Galp», Negócios online, 25-11-1999.10 «Petrocontrol não quer Santander como acionista», Negócios online, 7-12-1999. 11 Relatório final da Comissão de Inquérito Parlamentar para apreciação dos Atos do

Governo referentes à participação da Eni e da Iberdrola no capital da Galp, SGPS, Diárioda Assembleia da República, II Série – B, n.º 11, 6-1-2001.

12 «Acionistas da Petrocontrol só vendem a totalidade da sua posição na Galp», Negóciosonline, 15-12-1999.

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A forma de a Petrocontrol «participar no desenho de uma nova solu-ção para o sector energético nacional» passou, de um momento para ooutro, pura e simplesmente pelo seu afastamento e liquidação. Uma vezque o Estado só estava disposto a alienar 15% e que passara a pretenderenvolver, não um, mas dois parceiros estratégicos, vendendo 11% à Enie 4% à Iberdrola, e dado que a Eni tinha transmitido que se ficasse apenascom 11% da Galp não se considerava uma parceira estratégica da petro-lífera portuguesa,13 assistiu-se a uma mudança de 180º na posição domaior acionista da Galp Energia. Segundo o então apenas ministro daEconomia, Joaquim Pina Moura, esta alteração prendia-se com o factode a Eni representar uma resposta «à alteração do mapa energético euro-peu» e a Iberdrola constituir-se como «porta para o mercado espanhol».O ministro chegaria mesmo a afirmar que «todos os pré-classificados sa-biam da intenção da Petrocontrol em alienar a sua posição na Galp».14

No entanto, mesmo no seio do governo, esta posição não era consen-sual. Sousa Franco, o responsável pela pasta das Finanças, tinha uma opi-nião bastante diferente. Além de defender que «a estratégia para o sectorenergético nacional assentaria em dois pilares: o Estado e a Petrocontrol»,15

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13 «PCP quer caso da Galp na PGR», Negócios online, 30-11-2000. 14 «Eni, EDP e Iberdrola sem direitos de preferência no IPO da Galp Energia», Negócios

online, 22-11-2000. 15 «Eni, EDP e Iberdrola sem direitos de preferência na IPO (Initial Public Offering) da

Galp Energia», Negócios online, 22-11-2000. «Relatório final da Comissão de InquéritoParlamentar para apreciação dos Atos do Governo referentes à participação da Eni e daIberdrola no capital da Galp, SGPS», Diário da Assembleia da República, II Série – B, n.º 11, 6-1-2001.

Visões contrastantes sobre a privatização da Petrogal: António de Sousa Franco (1942-2004), ministro das Finanças,entre 1995 e 1999, e Joaquim PinaMoura (1952-), ministro das Finanças e da Economia, entre1999 e 2002.

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visão que era corroborada querpelos acordos parassociais esta-belecidos entre estas duas par-tes, quer pela carta-convite dejunho de 1999, revelou algumdesagrado por ter tido conhe-cimento de que o arranque doprocesso tinha sido desenca-deado por um mandato verbal,transmitido por Pina Moura aopresidente da Galp, BandeiraVieira, sem que lhe tivesse sido

dado conhecimento. O facto de a empresa estar sob a dupla tutela dosMinistérios das Finanças e da Economia implicava, em sua opinião, quea atuação de Bandeira Vieira fosse considerada «irregular e ilegal». Estaopinião era partilhada pelo presidente da Petrocontrol, Diogo Freitas doAmaral, que defendeu que se tinha verificado uma «falha na dupla tutela»e que considerou abusivo que Bandeira Vieira tivesse agido em nome daempresa e em nome da República Portuguesa no início do processo ne-gocial, uma vez que «nem mesmo os ministros» poderiam assinar emnome do Estado sem qualquer autorização escrita.16

Em outubro de 1999, realizaram-se eleições legislativas. O PS, lideradopor António Guterres, obteve uma nova vitória eleitoral e constituiu umnovo governo, que tomou posse a 25 de outubro de 1999. O antigo mi-nistro da Economia do anterior governo foi reconduzido, tendo-lheainda sido entregue a pasta das Finanças. O problema da dupla tuteladeixou de se colocar. Esta alteração deu-se em pleno processo de vendada Galp. Dois meses e meio após a entrada em funções do novo governocomeçava a ser revelada a nova estratégia desenhada por Pina Moura.

No início de janeiro de 2000, o semanário Expresso afirmava que onovo superministro pretendia criar um gigante ibérico, através da fusãoda EDP, Galp e Iberdrola, capaz de competir com a Endesa, a Cepsa oua Repsol, cenário que dependia da prévia alienação da participação daPetrocontrol na Galp aos italianos da Eni e à EDP.17 Uma semana maistarde, um despacho do ministro das Finanças e da Economia autorizavaa alienação da posição da Petrocontrol na Galp às suas acionistas e, destas,à Eni. Em paralelo, o secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, Manuel

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16 «PCP quer caso da Galp na PGR», Negócios online, 30-11-2000.17 «Pina Moura quer fusão ibérica», Negócios online, 10-1-2000.

Diogo Freitas do Amaral (1941-), presidenteda Petrcontrol.

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Baganha, autorizava o diferimento da aplicação do imposto sobre mais--valias ao negócio projetável.18

Removidos todos os obstáculos à conclusão do negócio, a Petrocontrolanunciou, a 17 de janeiro de 2000, que tinha resolvido deixar de ser acio-nista da Galp, vendendo 22,34% do capital que detinha na petrolífera àEni e os restantes 11% à EDP. Os contratos só foram fechados no finalde abril e ficaram dependentes de aprovação pela Comissão Europeia.Após o aval das autoridades europeias, a Eni pagaria os 645,94 milhõesde euros pelos 22,34% adquiridos à Petrocontrol e os 318,23 milhões deeuros pela participação de 11% do Estado.19 Os sócios da Petrocontrolobtiveram assim uma mais-valia de 523 milhões de euros (uma rentabi-lidade anual média de 14,5%, durante os oito anos em que estiverampresentes no capital da Galp), que ficou isenta do pagamento do respe-tivo imposto, estimado em cerca de 165 milhões de euros, dando origema nova polémica uma vez que a Petrocontrol, enquanto sociedade gestorade participações sociais, só poderia ficar isenta se reinvestisse o valor ob-tido com a venda, o que acabou por não acontecer. Tal situação foi agra-vada pelo facto de a isenção aprovada por despacho governamentalabranger também os sócios individuais da Petrocontrol.20

A 30 de junho de 2000, aComissão Europeia aprovou acompra de 33,34% do capitalsocial da Galp pela Eni.21 Ositalianos tornaram-se assim ossegundos maiores acionistas dapetrolífera, atrás do Estado por-tuguês que continuava a deter34,81% do capital, após ter ven-dido 11% à Eni e 4% à Iber-drola. Seguia-se a EDP com14,27%, a CGD com 13,50% ea Portgás e Setgás com 0,01%. Os privados portugueses, com a exceção deManuel Boullosa, que antes de morrer deu instruções aos seus herdeiros

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18 Relatório final da Comissão de Inquérito Parlamentar para apreciação dos Atos doGoverno referentes à participação da Eni e da Iberdrola no capital da Galp, SGPS, Diárioda Assembleia da República, II Série – B, n.º 11, 6-1-2001.

19 «Eni paga participação na Galp em Julho», Negócios online, 8-5-2000. 20 «Governo isentou Petrocontrol de 33 milhões de impostos», TSF.pt, 24-10-2000;

«Pina Moura diz Petrocontrol obrigada a investir mais-valias», Negócios online, 30-6-2000.21 «CE aprova entrada da Eni na Galp Energia», Negócios online, 30-6-2000.

Manuel Boullosa (1905-1998), de regresso aos petróleos em Portugal.

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no sentido de não venderem as ações que detinha na Petrocontrol à Eni,22

congratularam-se com a solução encontrada. Boullosa era dos poucos acio-nistas da Petrocontrol que tivera prévias ligações ao sector petrolífero, e oseu en volvimento neste projeto não seria motivado pela obtenção de mais--valias a curto ou médio prazo. Patrick Monteiro de Barros, um dos acio-nistas da Petrocontrol, defendeu que a entrada da Eni tinha sido «a melhoropção para o projeto da Galp», por se tratar de uma «grande produtora degás natural» e ser a empresa que melhor se enquadrava na Galp.23 SegundoPina Moura, este era o caminho que garantiria «a concorrência face aos gi-gantes ‘multi-utilities’». Fonte da empresa italiana chegava mesmo a afirmarque o responsável português apoiava o desejo da Eni de, a médio prazo,dominar a holding nacional de energia.24

Foi esta alteração estratégica, preconizada por Pina Moura, que estevena origem da constituição de uma comissão de inquérito parlamentar àentrada da Eni e da Iberdrola no capital da Galp, que viria a ser presididapor José Penedos.25 A iniciativa partiu do PSD, que considerou que o

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22 Estas indicações foram cumpridas, as ações de Manuel Boullosa acabaram por servendidas diretamente à EDP. «Bulhosa impediu venda da Petrocontrol a italianos», Pu-blico.pt, 20-11-2000.

23 «Entrada da Eni na Galp é ‘melhor opção’», Negócios online, 6-6-2000. 24 «Eni quer maioria na Galp SGPS», Negócios online, 21-1-2000. 25 «Inquérito parlamentar n.º 5/VIII», Diário da Assembleia da República, II Série – B,

n.º 31, 8-7-2000.

Alteração da estrutura acionista da Galp SGPS com a entrada da Eni.

Estadoportuguês49,81% Eni

33,34%

EDP3,27% CGD SA

13,51%

Portgás0,04%

Setgás0,04%

Estadoportuguês34,81%

EDP14,27%

Petrocontrol33,4%

CGD SA13,51%

Portgás0,04%

Setgás0,04%

Iberdrola4,00%

Estrutura acionista a 31-12-1999

Estrutura acionista a 13-6-2000

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«reajustamento acionista na Galp» realizado em janeiro de 2000 tinhasido «francamente obscuro para o país e de alcance absolutamente con-trário à estratégia de criação de um grupo português no domínio do sec-tor energético». O receio era de que as dificuldades orçamentais que sefaziam sentir levassem o governo a «reduzir significativamente a posiçãodo acionista público nacional» e a permitir que «o grupo estrangeiro maisforte – a Eni –, pudesse vir a deter mais de 50% no capital da Galp, «al-cançado, assim, a completa predominância sobre a holding da energia»,intenção que já fora «publicamente assumida pela Eni». O maior partidoda oposição registava ainda que «os fundados receios que perpassavama sociedade portuguesa de este negócio envolver um irreparável prejuízopara a prossecução do interesse nacional» tinham sido reforçados com ademissão do presidente da Petrogal, Manuel Ferreira de Oliveira, em di-vergência com as opções tomadas pelo governo.26

Ouvido na comissão parlamentar de inquérito, o ministro Pina Mouraafirmou que nem a Eni nem a Iberdrola teriam direito de preferência naoferta pública inicial (Initial Public Offering ou IPO) que o governo preten-dia realizar tendo em vista aalienação de 21% do capital daGalp. No entanto, reconheciaque no acordo parassocial cele-brado entre o Estado e a em-presa italiana ficara estipuladoque a Eni não poderia ser des-criminada em relação a outrosacionistas e a outras empresasde petróleo e de gás, e que nãoseriam tomadas medidas queimpedissem a Eni de adquirirno mercado ações da Galp após o lançamento da oferta pública. PinaMoura reconheceu ainda que do acordo assinado com a Eni constavauma cláusula que estipulava que caso o Estado não organizasse a referidaoferta pública inicial até 30 de junho de 2002, este seria obrigado a realizar«uma ou duas vendas por ajuste direto aos parceiros estratégicos, com aEni incluída». Segundo os acordos parassociais entre o Estado e a Eni, sea oferta pública de venda não se realizasse até 30 de junho de 2002, o Es-

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26 «Inquérito parlamentar n.º 5/VIII», Diário da Assembleia da República, II Série – B,n.º 21, 15-4-2000.

Em 2000 e 2001, a Assembleia da Repúblicalevou a cabo um inquérito parlamentar sobre aprivatização da Galp Energia.

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tado venderia diretamente aos restantes acionistas privados 20% da suaparticipação, contando a CGD como fazendo parte do sector público, enão podendo participar no rateio. Dessa forma, a Eni veria a sua partici-pação subir para 46,24%. Estava ainda previsto que, se até dezembro de2005, não se realizasse a oferta pública, o Estado venderia diretamentemais 10% da sua participação, nas mesmas condições. Estes cenários nãose concretizariam devido a negociações realizadas posteriormente, comalguma tensão, entre o Estado português e a Eni, tendo esta abdicado dodireito de compra. Se a venda se tivesse concretizado, a Eni ficaria com amaioria absoluta do capital social da Galp, apenas prevalecendo a regrareferida verbalmente pelo ministro de que nenhum parceiro poderia determais de 50%. O então ministro Pina Moura defendeu ainda que o inte-resse nacional ficaria assegurado pela manutenção de uma golden share nocapital da empresa e que a oferta tinha como objetivo a dispersão do ca-

pital, sendo que nenhum dosparceiros estratégicos poderiadeter mais de 50% do capital.27

A comissão de inquéritoouviu os principais interve-nientes no processo: os diri-gentes das empresas nacionaise estrangeiras envolvidas, osresponsáveis políticos, repre-sentantes de vários organismoscomo a comissão de trabalha-dores da Petrogal e associaçõesde consumidores, de revende-

dores de combustíveis, entre outros. Deste modo, a comissão teve acessoa um vasto conjunto de documentos, nomeadamente relatórios de au-ditoria, acordos parassociais e correspondência trocada. No entanto, osinquéritos produziram poucas consequências. Da matéria de facto apu-rada, regista-se que a alienação da posição acionista da Petrocontrol naGalp constituiu um «volte-face relativamente à estratégia inicialmenteprosseguida de conservar em mãos nacionais uma minoria de bloqueio»,uma vez que tendo em linha de conta os acordos parassociais outorgadosentre o Estado e a Petrocontrol em junho de 1995 e em dezembro de1999 era «pacífico sufragar-se o entendimento de que a Petrocontrol era

27 «Eni, Edp e Iberdrola sem direitos de preferência no IPO da Galp Energia», Negóciosonline, 22-11-2000.

Manuel Ferreira de Oliveira (1948-), presidenteda Galp Energia, entre 2007 e 2015.

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considerada a acionista de referência nacional incontornável, [à qual]competiria sempre o controlo da empresa e a manutenção do centro es-tratégico de decisão nacional em Portugal».28

Por outro lado, concluiu-se também que a alteração da orientação datutela relativamente à Galp se verificou após a tomada de posse do se-gundo governo liderado por António Guterres. Para a comissão de in-quérito, essa alteração não se fundamentara em qualquer razão estraté-gica, sublinhando-se que a nova estratégia implementada para a Galpnão era «suscetível de encontrar uma explicação consensual no domíniodo interesse nacional ou/e da racionalidade empresarial», radicasse ela«em fatores exógenos, endógenos ou de qualquer outra natureza». Final-mente, a comissão considerou que perante as dúvidas de regularidadedo mandato do presidente da Galp, Bandeira Vieira, se justificava o envioda carta-convite e dos seus anexos para a Procuradoria-Geral da Repúblicae recomendou que o processo de privatização em curso preservasse «amanutenção do centro de decisão da Galp em Portugal» e que fosse «as-segurada a prevalência de um núcleo acionista português de referência»,cabendo ao Estado «fazer uso de todos os instrumentos de que possadispor de forma a permitir a substituição da Petrocontrol por outros gru-pos de acionistas nacionais» que dessem continuidade «à vontade sempreafirmada em todos os decretos-leis e resoluções de Conselho de Ministrosproduzidos sobre a reestruturação do sector do petróleo e do gás, de man-ter uma componente empresarial nacional neste sector». Esses novos gru-pos nacionais, «em articulação com o parceiro privado e o Estado», de-veriam ser o garante da solidez e coerência estratégica num sector deinteresse relevante para o abastecimento energético do país.29

A carência de fundamentos estratégicos para a mudança de posiçãodo Estado viria em breve revelar as suas consequências. Em setembro de2000, os responsáveis das elétricas espanholas, Endesa e Iberdrola, reco-nheceram que mantinham conversações com vista à eventual fusão atra-vés da absorção da Iberdrola pela Endesa.30 Apesar de o governo espa-nhol ter aprovado o negócio, o mesmo não se chegou a concretizardevido à imposição por parte das autoridades europeias no sentido de asduas empresas efetuarem uma venda de ativos superior ao por elas dese-

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28 Relatório final da Comissão de Inquérito Parlamentar para apreciação dos Actos doGoverno referentes à participação da Eni e da Iberdrola no capital da Galp, SGPS, Diárioda Assembleia da República, II Série – B, n.º 11, 6-1-2001.

29 Ibid.30 «Espanha: Iberdrola e Endesa em fusão», TSF.pt, 22-9-2000.

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jado.31 Ficavam claras as fragilidades do modelo desenhado por PinaMoura, que assentava em premissas que o governo português não podiacontrolar. Em resposta às movimentações no sector energético espanhol,começaram-se a desenhar cenários para a futura estrutura acionista daGalp que passavam pela saída da Iberdrola, que venderia a sua participa-ção à EDP, uma eventual participação do BCP, e a entrada da Cepsa, hi-pótese que, segundo um responsável da Eni, representaria «um grave pre-cedente político».32

Este contexto, já de si complexo, foi agravado pela abertura de umacrise política. A 16 de dezembro de 2001, após divulgados os resultadosdas eleições autárquicas, o líder do Partido Socialista e primeiro-ministrode Portugal, António Guterres, anunciou que renunciava ao cargo. Apre-sentado o pedido de demissão, o presidente da República agendou a rea-lização de eleições legislativas para o dia 17 de março de 2002. Após seteanos na oposição, o Partido Social Democrata (PSD), liderado por DurãoBarroso, regressava ao poder aliado ao Centro Democrático e Social(CDS), então chefiado por Paulo Portas.

No sector energético, o novo executivo deparou-se com um pro-blema. O anterior governo, seguindo o modelo implementado por PinaMoura, tinha-se comprometido a realizar uma oferta pública inicial(IPO) de capital da Galp até ao final do segundo semestre de 2002.Acontece que neste, como noutros domínios, o governo de Durão Bar-roso tinha ideias próprias que passavam pela «modificação do quadroestrutural do sector» e pela «reorganização da oferta energética», estabe-lecendo como prioritárias algumas medidas que implicavam uma res-truturação, preconizando nomeadamente: «o reforço dos mecanismosde concorrência e de abertura dos sectores de eletricidade e gás natural»,«a concretização do Mercado Ibérico da Eletricidade, com defesa in-transigente dos interesses nacionais»; e a «reponderação da filosofia deconcentração das fileiras energéticas, no domínio dos petróleos, gás na-tural e eletricidade».33

O primeiro passo do novo governo foi no sentido de adiar a realizaçãoda oferta pública inicial da Galp Energia, estabelecendo contactos coma Eni com vista a obter a concordância dos italianos que, recorde-se, emcaso de litígio tinham do seu lado argumentos jurídicos que lhe permi-

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31 «Endesa e Iberdrola cancelam fusão», Negócios online, 5-2-2001.32 «EDP, CGD e BCP constituem núcleo duro da Galp Energia», Negócios online, 25-

-1-2001. 33 Programa do XV Governo Constitucional, Lisboa, 2002.

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tiam forçar o Estado a vender parte do capital da empresa. No final de2002, o governo obteve da Eni concordância para que a oferta públicainicial fosse adiada até ao final de 2003 e, no mês seguinte, nomeou JoãoTalone, que tinha sido responsável pela elaboração do modelo de extin-ção do Instituto de Participações do Estado (IPE) e anteriormente admi-nistrador do BCP, como encarregado de missão junto dos ministros dasFinanças e da Economia, com a responsabilidade de elaborar «uma pro-posta das linhas de orientação estratégica e do modelo organizativo e deprivatização do sector energético português».34

A 31 de março de 2003, João Talone apresentou as conclusões do seuestudo e, no início do mês seguinte, o Conselho de Ministros tornoupúblicas as «linhas gerais do quadro estratégico e organizativo do sectorenergético». Nelas se sublinhava que «as sinergias e complementaridadesestratégicas na combinação gás/petróleo» existiam «essencialmente noupstream, onde a exploração de um produto é normalmente associada àdo outro, na medida em que a perfuração para a exploração do petróleotraz frequentemente a libertação de apreciáveis depósitos de gás natural»,situação que, à data, não acontecia no operador nacional; que existia umlargo consenso a nível internacional «sobre as maiores sinergias e com-plementaridades estratégicas na ligação gás/eletricidade do que na ligaçãogás/petróleo», uma vez que as elétricas eram as grandes consumidoras degás, razão que levava o governo a manifestar-se favorável à «junção da fi-leira do gás à da eletricidade, combinando numa mesma organizaçãoempresarial a oferta dos dois tipos de energia», opção que permitiria «umamelhor exploração das respetivas sinergias e complementaridades».

No documento apontavam-se ainda alguns indicadores que revelavamque a junção do gás com a eletricidade possibilitaria a criação de um ope-rador energético de escala ibérica, e sublinhava-se que o executivo nãopretendia «impor unilateralmente» a sua visão aos outros acionistas dasempresas do sector, mas que pretendia «partilhá-la» e que iria «adotar asmedidas consistentes com a opção formulada». Neste contexto, o go-verno anunciava que iria «promover e apoiar a constituição de uma em-presa» que reuniria as infraestruturas reguladas de gás e eletricidade, a«Redes Energéticas Nacionais», com o intuito de a mesma vir a ser cotadaem bolsa.35 Entre as várias críticas que então se fizeram ao modelo dese-

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34 «Talone elabora proposta para privatização do sector energético até março», Negóciosonline, 10-1-2003.

35 «Resolução do Conselho de Ministros n.º 68/2003», Presidência do CM, 3-4-2003,Diário da República, I Série-B, n.º 108, 10-5-2003.

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nhado por João Talone e apadrinhado pelo ministro da Economia, Car-los Tavares, a principal prendia-se com o facto de ter sido apresentadocomo benéfico para os consumidores finais. Sobre este assunto, um co-mentador de assuntos económicos escreveu com ironia: «será a primeiravez, provavelmente em todo o mundo, que a criação de um monopólionos lares domésticos reduz preços, em vez de os aumentar».36

No mês seguinte, o governo anunciava a aprovação da terceira fase deprivatização da Galp Energia. Seguindo a política energética previamentedefinida, e tendo em vista a integração da estrutura de transporte do gásnatural (Transgás) na REN, até então apenas responsável pelo transportede eletricidade, bem como a saída do negócio do gás natural da Galp, oEstado decidiu privatizar 18,3% da Galp Energia, vendendo essa posiçãopor ajuste direto à REN (13,5% seriam provenientes da CGD e os res-tantes 4,8% diretamente da participação estatal).37 Estas alterações foramenquadradas a nível legislativo pelo Decreto-Lei n.º 124/2003, aprovadono dia 2 de maio de 2003 pelo Conselho de Ministros, que definia osparâmetros da terceira fase da privatização da Galp, de acordo com onovo modelo apadrinhado pelo governo.38

O projeto do governo implicava ainda a saída da Eni da Galp, que emtroca passaria a deter 49% de uma nova empresa, a EDP Gás, na qual aEDP controlaria os restantes 51%. Em outubro de 2003, a imprensa reve-lava que a elétrica portuguesa e a empresa italiana estavam perto de fina-lizar um acordo nesse sentido e, em março de 2004, o governo publicouum despacho que abria caminho à recomposição acionista da Galp, pre-vendo a saída da Iberdrola e da Eni, uma vez constatada «a incompatibi-lidade dos objetivos subjacentes ao estabelecimento de parcerias estraté-gicas entre a Galp e a Eni e a Iberdrola com os novos objetivos definidospara o sector energético nacional».39 O mesmo despacho autorizava a Galpa adquirir as ações representativas do seu capital de que era titular a Iber-drola e validava a celebração de um acordo entre a Parpública e a Enitendo em vista a venda da participação desta na Galp, assim que estives-sem «verificadas determinadas condições». A Parpública ficava desde logo«autorizada a iniciar o processo tendente à alienação das ações represen-tativas de uma participação não inferior a 33,34% do capital social daGalp, através de um procedimento de negociação particular», cabendo aesta entidade o envio de convites para a apresentação de propostas, diri-

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36 «A EDP, naturalmente», Negócios online, 10-4-2003. 37 «Governo aprova terceira fase da privatização da Galp Energia», Público.pt, 2-5-2003. 38 Decreto-Lei n.º 124/2003 de 20 de junho, Diário da República, I série-A, n.º 140.39 «Italianos devem ficar com até 49% do Gás Natural», Publico.pt, 7-10-2003.

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gidos «aos investidores que manifestaram ao governo o seu interesse emvir a adquirir uma participação na Galp».40

Para encontrar um novo acionista que viesse a substituir a Eni no ca-pital da petrolífera, o governo nomeou um «comité de sábios» que tinhacomo funções auxiliá-lo no processo de seleção das quatro propostasapresentadas pelos consórcios Luso-Oil, liderado pelos norte-americanosdo Carlyle Group, e que integrava um conjunto de grupos portuguesesincluindo o Grupo Espírito Santo, Amorim, Fomentivest, FundaçãoOriente e Ilídio Pinho; a Petrocer, liderada pela Viacer (grupo Unicer), aque se juntava o grupo Violas, Arsopi e BPI; o grupo Mello, e o grupobritânico de capital de risco CVC. Do comité, que se reuniu pela primeiravez no dia 11 de maio de 2004, faziam parte Eduardo Catroga, ex-mi-nistro das Finanças, João Morais Leitão e José Luís Sapateiro.

Problemas de estratégia

As bruscas mudanças de estratégia do Estado português, para as diver-sas empresas que direta ou indiretamente controlava no sector da energia,teve consequências na vida da Galp, para a qual, como tivemos oportu-nidade de observar, cada alteração política ao nível governativo tinha im-plicações diretas. A inconstância do principal acionista afetou os planosque as sucessivas administrações delinearam para a empresa: deveria aGalp assumir-se como uma empresa industrial, afirmar-se como uma em-presa de serviços, ou procurar conciliar estas duas vertentes?

Como observámos, em 1999, o executivo, então liderado por AntónioGuterres, decidiu concentrar as participações do Estado na Petrogal, Gásde Portugal e Transgás numa nova empresa, a Galp Petróleos e Gás dePortugal, SGPS, S. A., privilegiando desta forma a junção dos negóciosdo petróleo e do gás. Foi esta opção que, em larga medida, justificou aentrada de um novo acionista, a Eni, empresa que se tinha vindo a afir-mar no sector do gás europeu e que estava interessada em acompanharo processo de introdução do gás natural em Portugal. A junção destesdois ramos do sector energético procurava criar um operador à escalaibérica. Este desiderato era acompanhado pela administração da empresa,então presidida por Henrique Bandeira Vieira, que sabia que o mercado

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40 Despacho conjunto n.º 190-A/2004 dos Ministérios das Finanças e da Economia,19-3-2004, Diário da República II Série, n.º 76, 30-3-2004.

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ibérico era uma das regiões da Europa de mais elevado «ritmo de cresci-mento da procura de energia».

Paralelamente, o ano de 1999 foi também marcado por importantesacontecimentos no domínio da pesquisa e produção petrolífera. Em An-gola, a Petrogal obteve uma participação de 5% nos blocos 32 e 33 dooffshore ultra-profundo de Angola e deu-se início à produção extraída dojazigo de Kuito, situado em Cabinda, em que a petrolífera portuguesadetinha uma participação de 9% desde a segunda metade dos anos 90(bloco 14). Do Kuito começaram a ser extraídos 75 000 barris por dia(bpd) de crude e previa-se que a sua produção diária viesse a atingir os85 000 bpd. Nos últimos dias de 1999, deu-se ainda um importante passono domínio da prospeção, através da constituição da Petrogal Brasil, em-presa sediada no Recife e que pretendia participar nos concursos de con-cessão da exploração e desenvolvimento de petróleo e gás natural a lançarpelas autoridades brasileiras.

No sector da comercialização deu-se continuidade à estratégia de ex-pansão em Espanha e nos países africanos de língua portuguesa atravésda abertura de 19 novos postos de abastecimento. Neste sentido, os ob-jetivos futuros passavam pela «implementação da Galp como operadorintegrado de petróleo e gás» e pela conjugação da vertente de exploração,mediante a «procura de novas oportunidades de investimento na área depesquisa e produção de petróleo bruto e gás natural», que deveria serconjugada com «o reforço da posição no mercado espanhol de comer-cialização de produtos petrolíferos».41 A administração pretendia com-patibilizar a transformação da Galp como um operador no sector petro-lífero e do gás, em Portugal e em Espanha, e paralelamente continuavaa apostar no domínio da pesquisa e exploração, reforçando a integraçãovertical da empresa em todos os processos do negócio, desde a extraçãoaté ao consumidor final. Em execução desta estratégia, a empresa, atravésda Petrogal Brasil, participou, em 2000, no concurso de atribuição de li-cenças promovido no Brasil pela Agência Nacional do Petróleo e obteveem consórcio com a Petrobras a concessão de duas participações de 10%em blocos de águas ultra-profundas na bacia de Santos, os chamados blo-cos BM-S-8 e BM-S-11.

Em fevereiro de 2001, após a renúncia de Bandeira Vieira, deu-se umaalteração nos órgãos sociais da empresa. A partir dessa data, o presidentedo Conselho de Administração deixou de presidir à Comissão Executiva,passando a verificar-se uma divisão entre estes dois órgãos. Para o cargo

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41 Relatório de Gestão do Exercício de 1999; ver também Santos (2011, 203).

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de presidente do Conselho de Administração foi eleito Rui Vilar, antigopresidente do Conselho de Administração da Caixa Geral de Depósitos,e a Comissão Executiva passou a ser dirigida por António Mexia, quetinha sido presidente da Gás de Portugal.

As alterações que ocorreram nos órgãos sociais da empresa estariamrelacionadas, de acordo com a versão oficial, com os preparativos daoferta pública de venda (IPO), que deveria realizar-se até junho de 2002.No entanto, segundo as notícias divulgadas pela imprensa económica, oque estava em causa eram divergências estratégicas para as áreas do pe-tróleo e do gás natural, combustível que tinha sido eleito como prioritá-rio pelo governo. Estas mudanças eram acompanhadas com algumapreocupação pelo maior acionista privado da empresa, a italiana Eni,tendo o seu presidente, Vittorio Mincato, efetuado uma deslocação aPortugal para se encontrar com o ministro da Economia, Mário Cristinade Sousa, e o ministro das Finanças, Pina Moura.42 O objetivo era o deserem dados esclarecimentos sobre a situação interna da Galp Energia,nomeadamente sobre a substituição de Bandeira Vieira e sobre a Comis-são de Inquérito Parlamentar.43 Sinal da existência de problemas internosno seio da empresa, logo após ter sido confirmado pela Assembleia Geralcomo novo presidente do Conselho de Administração, Rui Vilar afirmouque o seu «objetivo prioritário» passava pelo «estabelecimento de umclima de confiança na empresa e a motivação de todos para os fins

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42 Em setembro de 2000, Cristina de Sousa substituira Pina Moura na Economia, man-tendo-se este como ministro das Finanças.

43 «Bandeira Vieira pede demissão do responsável pelo gás natural», Negócios online, 2-2-2001; «António Mexia ganha ‘guerra’ pela gestão da Galp Energia», Diário Económico,9-2-2001; «Governo esclarece Eni sobre Energia», Negócios online, 2-2-2001.

António Mexia (1957-), da presidência da Galp para o Ministério das Obras Públicas, Transportes e Comunicações.

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comuns, designadamente a criação de condições de sucesso para a reali-zação da oferta pública de venda inicial no prazo fixado».44

Todavia, a queda do governo de António Guterres colocara em causao processo de privatização nos moldes em que este tinha sido delineado.Como vimos, o novo exe cutivo de Durão Barroso defendeu modificaçõesno «quadro estrutural do sector» e uma «reorganização da oferta energé-tica», e procurou convencer os italianos da Eni a aceitarem o adiamentoda oferta pública inicial.45 No entanto, o novo presidente da Galp Energiaafirmou que embora faltasse «quase tudo para concluir o processo de rees-truturação da empresa», a colocação em bolsa não estava comprometida.46

Apesar das alterações na liderança de tudo, a empresa continuou a con-correr a blocos petrolíferos no Brasil e, em junho de 2001, integrou com20% o consórcio que venceu o leilão do bloco BM-S-21, e com 20% oconsórcio que arrecadou a concessão do bloco BM-S-24, ambos localiza-dos na bacia de Santos.47

No entanto, a maior aposta da administração da empresa à data passoua ser o desenvolvimento da rede de lojas de conveniência e pelo reforçoda posição no mercado espanhol. Em agosto de 2001, a Galp Energia es-tabeleceu uma parceria com o grupo Sonae tendo em vista a abertura de100 lojas de conveniência até ao final de 2003. De acordo com a petrolífera,a área da prestação de serviços nos postos de combustíveis atingia «cadavez mais elevado interesse económico» e a Galp Energia pretendia lideraro mercado das lojas de conveniência, pois essa era uma forma de desen-volver uma «maior proximidade com os clientes». A parceria com a Sonae,que detinha uma participação de 25% neste negócio, previa a criação dedois tipos de loja, batizadas de M24, as de tipo urbano e as situadas nasautoestradas. A intenção da Galp Energia era conseguir que em três anosas áreas non fuel viessem a representar 30% dos resultados da empresa, apro-ximando-se dos modelos praticados nos mercados mais maduros, sendoque em 2000 essa área de negócio apenas tinha sido responsável por 5%do total dos resultados gerados pela petrolífera. Paralelamente, a Galp es-tava a ensaiar uma parceria no campo da assistência técnica automóvelcom a empresa Midas, estimando a abertura de cerca 50 a 60 oficinas, e a

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44 «AG da Galp Energia aprova Rui Vilar para presidente», Negócios online, 19-2-2001. 45 Programa do XV Governo Constitucional, Lisboa, 2002.46 «Reestruturação da Galp Energia ainda em fase inicial; IPO não está comprometido»,

Negócios online, 15-5-2001. 47 «Petrogal vence leilão de bloco petrolífero no Brasil», Negócios online, 20-6-2001; «Pe-

trogal garante 9% de consórcio vencedor do bloco BM-2-24 no Brasil», Negócios online,23-6-2001.

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estudar a criação de uma joint venture com um líder europeu na área da la-vagem de carros para o lançamento de novos postos de lavagem.48

Relativamente ao mercado espanhol, a intenção da administração da em-presa passava por transformar a empresa num «operador ibérico» que viessea ser responsável por uma quota de 16% no mercado da Península nos sec-tores do gás e do petróleo, ou seja, o objetivo passava por conquistar mais5% desse mercado, uma vez que a Galp Energia já era responsável por cercade 11%. Para atingir esse fim, a petrolífera portuguesa pretendia triplicar aquota de 2% que detinha do mercado da venda de combustíveis a retalhoem Espanha, crescimento que seria realizado tanto através do estabeleci-mento de parcerias, como mediante aquisições, e aspirava vir a tornar-se nosegundo maior operador ibérico na área do gás natural.49

Este posicionamento à escala ibérica era visto como indispensável parao sucesso da dispersão do capital em bolsa. Na apresentação dos resulta-dos referentes ao primeiro semestre de 2001, Rui Vilar sublinhou a ne-cessidade de que a Galp Energia fosse reconhecida como um «operadoribérico» e que o sucesso da operação passava por conseguir sinergias dasunidades de negócios, por estabelecer novas parcerias e reduzir os custos«de modo a construir uma marca forte».50 Entre as parcerias desejadasencontrava-se o estabelecimento de uma aliança com a Agip, empresacontrolada pela Eni, então detentora de uma quota de 1,7% do mercadoespanhol, que poderia criar em Espanha uma rede de 800 postos de abas-tecimento.51 Ao mesmo tempo que procurava obter a concordância daEni para o adiamento da entrada em bolsa do capital da Galp Energia, ogoverno preparava o lançamento da IPO e contratou a Caixa Geral deDepósitos e a Merrill Lynch para coordenarem a oferta pública agendadapara o primeiro semestre de 2002.52

Em novembro de 2001, António Mexia fez declarações sobre o futuroda empresa e a estratégia que pretendia implementar. Durante a realiza-ção de um congresso luso-espanhol subordinado ao tema «o mercadoibérico de energia», Mexia referiu aos jornalistas que a Galp Energia não

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48 «Galp realiza parceria com Sonae para abertura de 100 lojas de conveniência até2003», Negócios online, 21-8-2001; «Galp Energia e Sonae investem até 25 milhões no de-senvolvimento de lojas de conveniência», Negócios online, 23-8-2001.

49 «Galp Energia quer 16% de quota no mercado ibérico; admite novas parcerias», Ne-gócios online, 6-9-2001.

50 «Galp Energia mantém calendário de IPO para primeiro semestre de 2002, Negóciosonline, 6-9-2001.

51 «Galp quer 800 postos de abastecimento em Espanha», Negócios online, 8-9-2001.52 «Governo confirma CGD e Merryl Lynch para coordenar IPO da Galp Energia»,

Negócios online, 22-11-2001.

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estava interessada em «mais blocos no Brasil» e afirmou: «temos que nosfocalizar em Espanha».53 Esta notícia chegou rapidamente ao Brasil. Nodia seguinte, o conceituado jornal económico brasileiro Gazeta Mercantil,divulgava que a empresa petrolífera portuguesa tinha desistido de conti-nuar a investir na aquisição de novos blocos de petróleo no Brasil, umavez que a prioridade passara a ser Espanha, onde a Galp pretendia chegara uma rede alargada de postos de combustíveis.54

A antiga política que procurava complementar o crescimento da redecomercial, tanto em Portugal como nos países africanos de língua portu-guesa, e, especialmente, em Espanha, com a realização de investimentosno domínio da exploração petrolífera, parecia ter chegado ao fim. Empe-nhada no sucesso da colocação em bolsa, na notoriedade da marca e nacriação de valor para o acionista no curto prazo, a gestão da empresa rele-gou para segundo plano os investimentos que requeriam estratégias delongo prazo, investimentos que eram mais arriscados, mas em caso de su-cesso garantiriam taxas de retorno mais elevadas. Ao abrir o relatório deapresentação de contas referentes a 2001, o presidente do Conselho de Ad-ministração, Rui Vilar, não escondia esta nova visão para a empresa, des-crevendo-a como «um operador energético ibérico, centrado nas atividadesde downstream, orientado para o serviço ao cliente e focado na criação devalor», que procurava «gerar valor para o acionista» e «satisfazer o cliente».55

As operações da indústria petrolífera podem ser divididas em três fases.A primeira é a fase da exploração, perfuração e produção; a segunda éaquela em que se procede à transformação das matérias-primas em pro-dutos petrolíferos, ou seja a refinação; e a terceira diz respeito, essencial-mente, à parte logística, englobando o transporte dos produtos desde asrefinarias até ao consumidor final, atividade que compreende o trans-porte, a distribuição e a comercialização. De acordo com a nova estratégiadefendida pela administração da Galp Energia, a empresa deveria focar--se prioritariamente na última fase, relegando para segundo lugar as ati-vidades de exploração, de produção e de refinação. Se, até 2002, a ex-ploração e produção de petróleo surgia nos relatórios como uma unidadede negócio independente que merecia um subcapítulo, em 2002 estasatividades da empresa deixaram de ser referidas num subcapítulo próprioe passaram a estar integradas no último ponto das diversas unidades de

53 «Galp Energia desiste de investir na produção de petróleo no Brasil», Negócios online,29-11-2001.

54 «Galp desiste de comprar novos blocos no Brasil», Gazeta Mercantil, 30-11-2001.55 Relatório de Gestão do Exercício de 2001.

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negócio sob o tema: «outras unidades de negócio», revelando destaforma a menor importância que então se dava às atividades de explora-ção.56

O objetivo de colocação da empresa em bolsa, no primeiro semestrede 2002, terá contribuído para a consolidação desta estratégia. Paralela-mente, a quebra das margens de refinação, verificada em 2001, tambémterá contribuído para a secundarização das atividades industriais da em-presa. Por outro lado, registavam-se resultados positivos no sector do gás,onde se verificaram elevadas taxas de crescimento (29% no segmento in-dustrial e 31% na distribuição) e no retalho, em que as vendas aumenta-ram 4% em relação ao ano anterior. Desta forma, procurando atingir osobjetivos delineados, a empresa focou-se essencialmente em dois grandesvetores: reforço da marca e crescimento orientado para o mercado ibérico.

Relativamente ao primeiro aspeto, foi desenvolvida uma nova imagemda Galp Energia que recuperava o antigo símbolo do «G». Menos de doisanos depois de a empresa ter apostado numa imagem que procurava afas-tar-se de qualquer uma das empresas que tinha originado a Galp Energia,e de ter sido aprovado um novo logótipo, o Flowerman, constatou-se queo novo símbolo não tivera o reconhecimento desejado e voltou-se a in-vestir na criação de uma nova imagem. Depois de escolhido o novo lo-gótipo, baseado na letra G (de Galp) e na cor laranja, iniciou-se o processode renovação dos postos de combustível. Para apoiar os esforços de re-conhecimento da marca Galp, a empresa contratou Luís Figo, futebolistainternacional português com carreira em Espanha.57

Quanto à aposta no mercado espanhol, logo nos primeiros dias de ja-neiro de 2002, o presidente executivo da Galp Energia anunciou que aempresa portuguesa previa investir 748 milhões de euros em Espanha,de modo a conseguir vir a ser a «segunda maior companhia de energiada Península Ibérica», necessitando para isso de «triplicar ou quadrupli-car» a sua presença no país vizinho onde então contava com uma redede 200 postos de abastecimento. Mexia revelou ainda que tinha reque-rido ao ministro das Finanças que a dispersão de ações em bolsa da com-panhia que dirigia fosse realizada não só na bolsa de Lisboa, mas tambémna de Madrid, e que a sua intenção era colocar cerca de 20% do capitalda Galp Energia não apenas junto de clientes institucionais, mas tambémde particulares, reafirmando-se preparado para colocar a empresa em

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56 Relatório de Gestão do Exercício de 2002.57 «Galp Energia investe 35 milhões de euros para renovar postos de combustível», Ne-

gócios online, 14-1-2002.

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bolsa no prazo estipulado, ou seja, até ao final de junho desse ano, casoessa fosse a decisão dos acionistas.58

Mexia revelou ainda que o seu objetivo era que a Galp Energia viessea ser avaliada na ordem dos 3,5 mil milhões de euros (estava então ava-liada em cerca de 2,5 mil milhões), e que, para isso, iria centrar a sua ati-vidade na Península Ibérica, onde pretendia desenvolver as suas capaci-dades para «criar novas ideias e criar novos clientes», estabelecendo metasconcretas que passavam por transformar a empresa numa das três maioresempresas não financeiras portuguesas e colocá-la entre as 15 maiores àescala ibérica e entre as 75 maiores à escala europeia.59

Em fevereiro de 2002, o governo divulgou que tinha decidido adiar aoferta pública inicial (IPO) da Galp e que o novo calendário deveria serapresentado até ao final do primeiro semestre.60 No entanto, este adia-mento não alterou a estratégia que vinha sendo empreendida pela lide-rança executiva da petrolífera. Em abril, a Galp Energia anunciou que iriainvestir 17 milhões de euros em 100 lojas de conveniência em Espanha eque pretendia continuar a alargar a sua atividade em áreas non fuel, no-meadamente em lojas de conveniência, espaços de restauração e de assis-tência automóvel.61 No mês seguinte, a estratégia de crescimento no paísvizinho conheceu mais um desenvolvimento com a celebração de umacordo de troca de postos de combustível entre a Galp e a Cepsa. Esteacordo, que numa primeira fase envolveu a troca de 20 postos de abaste-cimento, permitiria à Galp aumentar a sua quota no mercado espanholde 2% para 2,5%.62 Paralelamente, prosseguindo a ideia de alcançar ummelhor relacionamento com os seus clientes, a petrolífera portuguesa, emassociação com a Brisa, desenvolveu um serviço que permitia o paga-mento através do sistema Via Verde nos seus postos de abastecimento.63

Entretanto, no final de maio de 2002, realizou-se uma AssembleiaGeral da Galp Energia, que aprovou a substituição na presidência da em-presa de Rui Vilar, que renunciou ao cargo para presidir à Fundação Ca-louste Gulbenkian, por Joaquim Ferreira do Amaral, antigo ministro das

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58 «Galp Energia investe 748 milhões de euros em Espanha; quer cotar em Madrid»,Negócios online, 14-1-2002.

59 «Galp Energia com objetivo de avaliação de 3,5 mil milhões de euros», Negócios on-line, 14-1-2002.

60 «Governo adia IPO da Galp Energia», Negócios online, 21-2-2002. 61 «Galp Energia investe 17 milhões de euros em 100 lojas de conveniência em Espa-

nha», Negócios online, 11-4-2002. 62 «Galp Energia com 4% de quota em Espanha depois de acordo com Cepsa», Negócios

online, 13-5-2002. 63 «Brisa Serviços quer faturar 57 milhões de euros este ano», Negócios online, 19-4-2002.

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Obras Públicas durante os governos de Cavaco Silva. A recondução deAntónio Mexia como presidente da Comissão Executiva foi votada naprimeira reunião do novo Conselho de Administração saído da Assem-bleia Geral. O presidente executivo assumiu ainda a presidência do Con-selho de Administração da Petrogal e da Gás de Portugal, subsidiárias daGalp Energia para as áreas petrolíferas e do gás natural.64 António Mexiacontinuou empenhado na entrada da empresa em bolsa. Dias depois deter sido reconduzido na presidência, o gestor sublinhou que não forapor motivos internos que a colocação de parte do capital social da GalpEnergia no mercado bolsista sofrera um adiamento, defendendo que amesma deveria ocorrer no primeiro semestre de 2003.

O presidente executivo continuava a revelar-se mais concentrado nesteobjetivo, afirmando que a Galp era «um produto vendável» e que estavaempenhado em «duplicar o cash-flow e os resultados nos próximos doisanos», ao mesmo tempo que esperava conseguir reduzir o endivida-mento, então muito elevado, e que colocava a empresa portuguesa entre«uma das mais endividadas a nível europeu no seu sector». Como atra-tivos para compra de ações da Galp eram apresentados alguns fatorescomo «a notoriedade da marca, a base de clientes na ordem dos 2,5 mi-lhões, as infraestruturas e a exclusividade do negócio do gás natural».65

Porém, este último fator estava a ser posto em causa pelas posições dogoverno relativamente ao funcionamento e desenho do mercado da ener-gia em Portugal, conforme já anteriormente se descreveu.

A equipa liderada por António Mexia continuou a centrar-se em trêsgrandes objetivos, nomeadamente o crescimento em Espanha, o cresci-mento no retalho e o aumento da notoriedade da marca. Em relação aosdois primeiros, em julho de 2002, a Galp Energia e a Agip, do grupo Eni,concluíram um acordo para adquirir a rede de 186 postos da Total FinaElf em Espanha. O acordo implicava a cedência à Total, por parte daGalp, de 111 estações de serviço localizadas em território nacional e per-mitiam um reforço da posição da petrolífera portuguesa no mercado es-panhol.66 Os acordos celebrados visavam permitir à Galp duplicar as ven-das de combustível em Espanha (de 450 milhões de litros para 900milhões de litros) e aproximar-se dos 400 postos no país vizinho, acer-

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64 «António Mexia na presidência da Petrogal e Gás de Portugal», Negócios online, 11-6--2002.

65 «Mexia estima IPO da Galp Energia primeiro semestre 2003; quer Euronext 100»,Negócios online, 20-6-2002.

66 «Galp e Eni trocam postos de combustível com Total Fina Elf», Negócios online, 10--7-2002.

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cando-se assim dos objetivos traçados, que passavam pela «transformaçãoda Galp Energia numa empresa ibérica».67 No mesmo contexto, inse-riam-se as negociações para troca de postos de abastecimento com a Rep-sol, a maior petrolífera espanhola. No entanto, estas últimas negociaçõesarrastaram-se durante longos meses e só foram retomadas em março de2004.68 De qualquer forma, a empresa previa um ambicioso programade investimentos para garantir a expansão das suas atividades a nível ibé-rico, num montante de 1,5 mil milhões de euros a serem aplicados emtrês anos.69

No seguimento desta estratégia, a Galp Energia adquiriu, em novem-bro de 2002, 5% da Compañia Logística de Hidrocarburos (CLH), ga-rantindo assim uma boa penetração no mercado espanhol, uma vez queesta empresa detinha 39 unidades de armazenamento distribuídas geo-graficamente por toda a Espanha e era responsável por uma grande redede oleodutos no país vizinho.70 Outra parte deste investimento seria ca-nalizado no desenvolvimento de um novo tipo de lojas de conveniência,a implementar em Portugal e em Espanha. Depois da parceria com aSonae para a implementação das lojas M24, a Galp Energia desenvolveuum conceito similar para lojas de menor dimensão, que foram designadaspor Tangerina, prevendo a abertura de 70 a 100 lojas nos cerca de 200postos detidos pela empresa em Espanha.71

O sector das vendas a retalho de produtos non fuel continuava assim amerecer forte empenho por parte da gestão da empresa. Na apresentaçãoda primeira loja da marca Tangerina, o presidente executivo declarou quepretendia que no espaço de dois a três anos a parte dos lucros da empresacom origem nas áreas non fuel, como as lojas de conveniência e os serviçosde lavagens de viaturas, crescessem do nível de 10% que se verificava naaltura, para 30%. Depois de afirmar que esperava que com esta alteraçãoas lojas viessem a «vender quatro vezes mais do que vendiam», AntónioMexia revelou que a Galp Energia ganhava «tanto com a venda de um

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67 «Galp Energia disponível para mais trocas de postos de abastecimento em Espanha»,Negócios online, 10-7-2002.

68 «Galp Energia negoceia troca de postos de abastecimento com Repsol», Negócios on-line, 22-7-2002; «Galp retoma negociações para troca de postos com Repsol, Negócios on-line, 24-3-2004.

69 «Galp Energia investe 1,5 mil milhões em três anos», Negócios online, 1-10-2002. 70 «Galp Energia negoceia adiamento de opção de compra mais 5% CLH para junho»,

Negócios online, 21-11-2002. 71 «Galp Energia aposta em marca própria nas lojas de conveniência», Negócios online,

1-10-2002.

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abastecimento de combustível de cerca de 25 litros como com a vendade uma garrafa de 1,5 litros de refrigerante». Mexia defendeu ainda quea Galp Energia era muito afetada por fatores exógenos, que influencia-vam especialmente as margens de refinação, sendo que metade dos ati-vos da Galp Energia se encontravam na área da refinação.72 A aposta noretalho non fuel e nos serviços era assim uma forma de procurar diversi-ficar as fontes de receita da empresa e de a preparar para a nova fase deprivatização: a «redução da dívida, a aposta nas lojas de conveniência ea troca de postos são passos decisivos para credibilizar a empresa para aIPO».73

Relativamente ao aumento de notoriedade da marca, depois de ado-tada a nova imagem e de realizado o volumoso investimento de adapta-ção e modernização dos postos de venda, a empresa procurou chegar aogrande público associando-se ao fenómeno desportivo mais popular naPenínsula Ibérica: o futebol. Assim, a Galp tornou-se patrocinadora daliga portuguesa de futebol, tendo a empresa revelado que com esta ini-ciativa pretendia «projetar a imagem da companhia antes da entrada embolsa» que estava prevista ocorrer no primeiro semestre de 2003, «pro-mover os seus produtos e aumentar as suas receitas». O campeonato na-cional passaria assim a designar-se por «superliga Galp Energia».74

Em fevereiro de 2003, o envolvimento da Galp Energia com o mundodo futebol alcançou um novo patamar, quando a empresa se tornou nosegundo patrocinador oficial da organização do campeonato europeu defutebol em Portugal, no ano de 2004. O acordo estabelecido com a Fede-ração Portuguesa de Futebol previa a exclusividade de abastecimento decombustível a veículos da organização do campeonato europeu e a vendade bilhetes nos postos e, segundo António Mexia, iria permitir à Galp au-mentar a sua quota de mercado.75 Na sequência da assinatura deste acordo,a Galp Energia realizou um conjunto de iniciativas de promoção do Euro2004 em Espanha. Ao associar-se a este evento desportivo, a empresa pro-curava mais uma vez revelar o seu posicionamento como um «operadorverdadeiramente ibérico, com lojas ibéricas e clientes ibéricos», canali-

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72 «Galp Energia estima 30% dos lucros em 2005 com áreas de ‘não combustíveis’»,Negócios online, 2-10-2002.

73 «Galp aposta na expansão para preparar IPO», Negócios online, 2-10-2002. 74 «Galp Energia patrocina Liga Portuguesa de Futebol», Negócios online, 16-8-2002;

«Galp Energia assina contrato para patrocinar Liga Portuguesa de Futebol», Negócios online,16-8-2002.

75 «Patrocínio do Euro 2004 aumenta quota da Galp Energia», Negócios online, 17-2--2003.

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zando investimentos que anteriormente eram destinados a patrocínios naárea da competição automóvel para o futebol.76

A outra aposta da empresa era no sector do gás natural. Também nestedomínio os objetivos da companhia eram muitos claros. A administraçãoda Galp Energia pretendia alcançar uma quota «entre 10 e 15% no gásnatural» na Península Ibérica, e tornar-se o «segundo jogador ibérico nogás natural» nestes dois países, a seguir à empresa espanhola Gás Natural.Para que este objetivo fosse cumprido, a energética portuguesa defendia,por um lado, um reforço das parcerias com produtores de gás e, poroutro, tal como vinha fazendo no domínio do petróleo, advogava a trocade ativos com congéneres espanholas.77

Todavia, a dispersão do capital da empresa em bolsa continuava a serfoco de atenção da administração da Galp Energia. Em novembro de2002, António Mexia revelou que o governo português pretendia alienaruma parcela de 20 a 25% da empresa numa oferta pública de venda des-tinada a investidores institucionais e particulares, a realizar simultanea-mente em Lisboa e em Madrid. O responsável da empresa, Mexia, su-blinhou a importância da Galp Energia vir a ser cotada em Madrid, poisessa era uma forma de «reforçar o interesse numa estratégia ibérica daGalp Energia», empresa que pretendia vir a obter até 2004 uma quota de15% no mercado ibérico, dos quais 35% em Portugal e 8% em Espanha.Revelou ainda que pretendia que a Galp viesse a ser uma das 20 maioresempresas não financeiras cotadas na praça madrilena e que os objetivospassavam por garantir que, no futuro, «25% da criação de valor da GalpEnergia» fosse oriunda de Espanha.78

Estas declarações do presidente executivo da Galp Energia não forambem recebidas pelo seu principal acionista, que revelou publicamente oseu desagrado. No dia seguinte, o ministro da economia, Carlos Tavares,afirmou que era prematuro avançar com o modelo de privatização da GalpEnergia e que ainda havia «muito que trabalhar na definição do modelo».O ministro defendeu ainda que neste domínio apenas o governo podiaficar vinculado por aquilo que ele próprio afirmava, e sublinhou que quemtinha «competência para se pronunciar sobre as operações de privatização»era o governo e em «particular os ministérios envolvidos». Esclareceu, no

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76 «Galp Energia investe 5 milhões na promoção Euro 2004 na Península Ibérica», Ne-gócios online, 16-7-2003.

77 «Galp Energia quer quota entre 10 a 15% no mercado de gás natural ibérico», Negó-cios online, 22-10-2002.

78 «Governo aponta para venda de 20 a 25% da Galp Energia em OPV», Negócios online,21-11-2002.

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entanto, que nada seria decidido antes de ser ouvido o presidente do Con-selho de Administração, Ferreira do Amaral, que, na sequência destas de-clarações de Carlos Tavares, defendeu que a condução do processo de pri-vatização cabia ao governo e que «nem podia ser de outra forma».79

De facto, apesar de a gestão da empresa pretender uma rápida entradaem bolsa, as negociações entre os principais acionistas não foram fáceis,uma vez que o executivo não pretendia apenas privatizar a Galp Energia,englobando este processo de privatização num mais vasto plano de orga-nização do sector energético nacional, que afetava os interesses do maioracionista privado da petrolífera portuguesa. Esta complexidade levou o go-verno a adiar novamente a oferta pública inicial da Galp Energia até 31 dedezembro de 2003, após ter obtido a concordância da Eni, que abdicavade reforçar a sua posição na Galp Energia e reconhecia a necessidade daexistência de um núcleo duro de acionistas portugueses na empresa.80

A opção do governo em integrar as fileiras do gás natural e da eletrici-dade, expressa nas «linhas de orientação estratégica e do modelo organi-zativo e de privatização do sector energético português»,81 como vimos,veio agravar as tensões existentes entre o ministro que tutelava a GalpEnergia, Carlos Tavares, e a administração da empresa. A imprensa eco-nómica revelou que a reestruturação do sector energético desenhada porJoão Talone e aprovada pelo governo ia «contra os planos e a vontadeda gestão da Galp», e referia a existência de uma guerra aberta entre oministro e os mais altos responsáveis pela petrolífera portuguesa.82

Como tivemos oportunidade de observar, a lógica empresarial nemsempre foi seguida ao longo do processo de privatização da Galp Energia.No entanto, apesar das constantes alterações estratégicas do Estado en-quanto principal acionista, a Galp Energia conseguiu adaptar-se às diver-sas orientações, revelando uma grande capacidade de adaptação e resi-liência.

Apesar de relegadas para um lugar secundário, as atividades de pros-peção e extração de petróleo não foram completamente abandonadas ea Galp Energia não chegou a transformar-se numa mera empresa reta-

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79 «Governo ainda não definiu modelo para privatização da Galp Energia», Negóciosonline, 22-11-2002; «Ferreira do Amaral esclarece privatização da Galp Energia», Negóciosonline, 22-11-2002.

80 «Governo e Eni acordam adiamento do IPO da Galp Energia», Negócios online, 2-1--2003.

81 «Resolução do Conselho de Ministros n.º 68/2003», Presidência do CM, 3-4-2003,Diário da República, I Série-B, n.º 108, 10-5-2003.

82 «No lugar do morto», Negócios online, 12-1-2004.

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lhista e vendedora de serviços. Tanto que, em junho de 2004, a empresavoltou a manifestar interesse em participar numa nova ronda de licitaçõespara explorar blocos petrolíferos no Brasil, que estava a ser levada a cabopela Agência Nacional de Petróleo.83 Apesar de a administração ter su-blinhado que se tratava de um investimento com menos risco do que osque tinham sido realizados pelos seus antecessores, uma vez que se tra-tava de blocos em águas pouco profundas, a empresa procurava adaptara sua estratégia a um novo modelo que resultaria da potencial saída donegócio do gás natural e que obrigava a Galp Energia a recentrar a suaatenção no negócio do petróleo.84

No dia 1 de junho de 2004, a Parpública, entidade responsável pelagestão das participações do Estado, anunciou que tinham selecionadosex-aequo o consórcio Petrocer e o grupo Mello para negociarem com ogoverno a compra de pelo menos 33,34% do capital da Galp. Esta re-comendação, subscrita unanimemente, iria ser acatada, passando-se àfase de negociações diretas com os dois candidatos, depois de consulta-dos a ministra das Finanças, Manuela Ferreira Leite e o ministro da Eco-nomia, Carlos Tavares.85 No final de junho, foi revelado que o Estadotinha optado pela proposta apresentada pela Petrocer. O grupo Mellocriticou o desempenho da Parpública durante as negociações, acusando--a de ter recusado discutir a sua proposta, que, entre outros aspetos, in-cluía um projeto industrial que passava pela integração do sector quí-mico da CUF na empresa petrolífera.86 Posteriormente viria também aser criticado o facto de a proposta vencedora prever que parte do paga-mento fosse proveniente de dividendos futuros da empresa.87 Uns diasmais tarde, Carlos Tavares anunciava que a Petrocer tinha sido selecio-nada para comprar os 33,34% da participação da Eni, por 700 milhõesde euros e mais 7% da participação da EDP, por 146,2 milhões de euros.Ficava ainda acordado que, no ano seguinte, a Parpública teria de com-prar os restantes 7,25% da participação da EDP, esperando o Estado ar-

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83 «Relações com Petrobras motivam reforço da Galp no petróleo brasileiro», Negóciosonline, 4-6-2004.

84 «Galp quer novas explorações de petróleo no Brasil», Negócios online, 4-6-2004. 85 «Galp Energia: sábios escolhem Petrocer e grupo José de Mello ‘ex-aequo’», Público.pt,

1-6-2004.86 «Galp Energia: sábios escolhem Petrocer e grupo José de Mello ‘ex-aequo’», Público.pt,

1-6-2004. Ver também «Venda da Galp à Petrocer deve ser formalizada hoje», Público.pt,29-6-2004 e «Intervenção estatal baralha futuro da petrolífera», DN.pt, 22-12-2004.

87 «Galp Energia: sábios escolhem Petrocer e grupo José de Mello ‘ex-aequo’», Público.pt,1-6-2004.

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recadar 1,2 mil milhões de euros com a posterior venda da Gás de Por-tugal.88 Esta decisão do governo foi anunciada na última semana de vi-gência do XV Governo Constitucional.

A 17 de julho, Durão Barroso pediu a demissão do cargo de primeiro--ministro, optando por aceitar o cargo de presidente da Comissão Euro-peia para que fora convidado. Mais uma vez, o processo de privatizaçãoda Galp seria afetado por uma crise política. Suceder-lhe-ia um governoliderado por Pedro Santana Lopes, que tinha como ministro das FinançasAntónio Bagão Félix e como ministro da Economia Álvaro Barreto eainda António Mexia, antigo presidente executivo da Galp Energia e pre-sidente dos conselhos de administração da Petrogal, Gás de Portugal,Transgás e Transgás-Atlântico, como ministro das Obras Públicas, Trans-portes e Comunicações.

No tocante à política energética, o programa do novo governo preco-nizava «a consolidação do processo de modificação do quadro estruturaldo sector» e a «reorganização da oferta energética», estabelecendo comoprioridades «o desenvolvimento do Mercado Ibérico de Eletricidade,com defesa intransigente dos interesses nacionais» e o aprofundamento«da recente filosofia de consolidação em cada uma das diferentes fileirasenergéticas, no domínio dos petróleos, gás natural e eletricidade», defen-dendo ainda a realização de um estudo sobre a «eventual separação entreas atividades de importação e distribuição de alta pressão e distribuiçãocapilar de gás natural, dentro dos termos dos contratos de concessão exis-tentes».89

Mas a vida continuava e, duas semanas após a tomada de posse do go-verno de Pedro Santana Lopes, a Parpública assinou um acordo com a Pe-trocer para a aquisição de cerca de 40% do capital da petrolífera. Ficouentão estabelecido que os privados poderiam nomear seis administradoresnão executivos, cabendo à Parpública a indicação dos nomes do presidentedo Conselho de Administração e mais cinco administradores não execu-tivos. O presidente executivo seria nomeado por comum acordo entre aspartes, durante o primeiro mandato deste núcleo de acionistas, passandono segundo mandato esta responsabilidade a ser atribuída à Petrocer. A comissão executiva seria composta por mais quatro gestores. Ficou tam-bém estipulado quais as matérias que tinham de ser decididas por maioriaqualificada (votadas favoravelmente por 14 dos 17 administradores), in-

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88 «Ministro confirma Petrocer na Galp», Jornal de Notícias online, 6-7-2004.89 Programa do XVI Governo Constitucional.

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cluindo questões relacionadas com alterações aos estatutos, aprovação dosobjetivos e linhas gerais de orientação estratégica da Galp e das empresasparticipadas, planos de investimentos ou de desinvestimentos estratégicossuperiores a 50 milhões de euros, emissões de valores mobiliários e em-préstimos superiores a 100 milhões de euros, participações estratégicas naárea energética e participação em negócios não incluídos na atividade prin-cipal da Galp. As duas partes manifestaram ainda a intenção de colocar aempresa na Bolsa em 2005 através da realização de uma oferta pública devenda inicial.90

Esta sucessão de episódios em torno da privatização da empresa foidescrita por um jornal com alguma ironia no dia seguinte à celebraçãodo acordo entre o Estado e a Petrocer:

A ministra das Finanças remetia para o colega da Economia. O ministroda Economia lavava as mãos e apontava para a Parpública, a holding do Es-tado que estava a intermediar a operação. A Parpública não tinha responsa-bilidades, porque era um mero executante, e acenava com os relatórios do«comité de sábios». O «comité de sábios», entretanto constituído, fazia aanálise técnica das propostas e escrevia no seu primeiro relatório que «nemo governo, nem obviamente a Galp, têm qualquer intervenção ou respon-sabilidade direta quer no processo quer naquela transação», sendo que tam-bém ele não pode assumir o ónus político da operação. E, por último, temoso governo (outro governo, mas dito de continuidade), a estabelecer novasregras à 25.ª hora e a provocar o adiamento por três vezes da assinatura doacordo. Só que este governo, dirão os seus membros, não é responsável pelasdecisões que herdou... O pecado original deste carrossel está em querer-setomar decisões políticas sem querer assumir o ónus que as decisões políticastêm. [...] E aí temos a Galp de novo em mãos portuguesas. Do BPI, Violase Arsopi, que vão entrar no capital da petrolífera, espera-se um comporta-mento mais digno do que o da famigerada Petrocontrol, que abandonou aempresa quando sentiu o cheiro dos milhões. Ser-lhes-á muito fácil ter maiorsentido de responsabilidade. Dos candidatos preteridos, a Luso-Oil lideradapela Carlyle e o Grupo Mello, está ainda por saber se vão protestar nos tri-bunais. Se têm dúvidas sustentadas, é por aí que devem ir. Isso é preferívelàs insinuações que nunca serão esclarecidas.91

Não sabia o articulista que afinal a solução seria outra, e que o processode privatização da Galp ainda estava longe de terminar. Logo que foi co-

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90 «Petrocer e Estado querem Galp na Bolsa em 2005», Negócios online, 3-8-2004.91 «Procuram-se pais!», Negócios online, 4-8-2004.

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nhecida a intenção do governo português de proceder à junção dos ne-gócios do gás e da eletricidade na EDP, Mário Monti, comissário europeuda Concorrência, afirmou que «teoricamente, a concentração numa em-presa dos dois segmentos de energia não era desejável nem seria o maiscorreto».92 Em meados de novembro de 2004, o ministro da Economia,Álvaro Barreto, reconheceu que a Comissão Europeia se preparava paravetar o negócio e a EDP revelou que tinha recebido um parecer negativodas autoridades europeias. O comissário afirmou ainda que «os consu-midores portugueses e os utilizadores industriais» já pagavam os preçosmais elevados de eletricidade na UE e que a concentração proposta nãoiria melhorar a situação nem provocar uma baixa nos preços.93

Seguindo os trâmites normais, o parecer do comissário foi enviadopara o comité consultivo para as concentrações, constituído pelas Auto-ridades da Concorrência de todos os Estados membros da União Euro-peia, organismo que no final de novembro de 2004 chumbou o negócio.João Talone, então presidente da eléctrica portuguesa, continuava empe-nhado na viabilização da solução que tinha desenhado e apresentou al-gumas propostas que visavam remover algumas das objeções colocadaspelas entidades europeias. No entanto, para o governo português, eracada vez mais claro que a transferência do gás para a órbita da EDP teriamuito poucas probabilidades de vir a efetuar-se, razão que o levava aequacionar uma alternativa que não viesse a colocar em causa a saída daEni da Galp e a sua substituição pela Petrocer, o que implicava garantiruma posição de 49% dos italianos no negócio do gás. Esta situação po-deria ser conseguida se, em vez da EDP, o parceiro maioritário da Gásde Portugal, com 51% do seu capital, viesse a ser a Parpública.94

No dia 9 de dezembro de 2004, a Comissão Europeia divulgou a suaposição final sobre o assunto, anunciando que proibia a EDP e a Eni deadquirem a Gás de Portugal. Segundo Bruxelas, a decisão tinha sido ado-tada «na sequência de uma investigação aprofundada» que concluíra que«a operação reforçaria a posição dominante da EDP nos mercados gros-sista e retalhista de eletricidade em Portugal e a posição dominante daGDP nos mercados do gás em Portugal» e que, deste modo, a operaçãode concentração «reduziria significativamente ou contrariaria os efeitosda liberalização dos mercados da eletricidade e do gás e aumentaria ospreços a nível dos clientes nacionais e industriais». Era ainda feita uma

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92 «Edp só quer negócio do gás se o controlar», Público.pt, 25-6-2003. 93 «Edp vai tentar ultrapassar obstáculos», TSF.pt, 19-11-2004.94 «Transferência do gás para a EDP leva novo ‘chumbo’», DN.pt, 27-11-2004.

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referência aos esforços que a EDP e a Eni tinham desenvolvido no sen-tido de serem ultrapassadas as objeções colocadas, afirmando-se que assoluções propostas por estas duas empresas eram «insuficientes para darresposta às preocupações em matéria de concorrência». A comissária daConcorrência, Neelie Kroes, sucessora de Mário Monti, sublinhou aindaque caso a concentração fosse adiante, os preços iriam subir e, conse-quentemente, iria assistir-se a uma «perda de competitividade da econo-mia portuguesa».95 A Comissão Europeia, liderada já por Durão Barroso,vetava assim o modelo proposto pelo mesmo Durão Barroso, quandoeste era primeiro-ministro de Portugal.

Esta decisão não afetava apenas a Gás de Portugal, a EDP e a Eni. O sector energético português tinha sido redesenhado de forma a serconseguida uma saída para a Eni e a sua substituição na Galp por acio-nistas privados nacionais. Inviabilizado o negócio que permitia a manu-tenção da Eni em Portugal e atribuía aos italianos uma posição relevanteno sector do gás, esta deixava de estar interessada em abandonar a Galp.Pelo contrário, perspetivava-se a possibilidade de os italianos reforçarema sua posição na petrolífera e obrigarem o governo português a realizaruma venda por ajuste direto, nos termos do acordo celebrado anos antescom Pina Moura.

A posição do consórcio vencedor nesta fase do processo de privatiza-ção da Galp ficava, assim, de um momento para o outro, muito fragili-zada. Ultrapassada pelos acontecimentos, a Autoridade da Concorrênciaportuguesa divulgava, no final de dezembro de 2004, a sua decisão sobrea operação de concentração promovida pela Petrocer e pela Parpúblicano capital da Galp, nos termos do acordo parassocial celebrado entre asduas entidades. No parecer do regulador, a operação em causa não erasuscetível de criar ou reforçar «uma posição dominante» da qual pudes-sem «resultar entraves significativos à concorrência efetiva nos mercadosdas vendas retalhistas de combustível, das vendas não retalhistas de com-bustível e do betume no território nacional».96 Todavia, os problemas,do ponto de vista da concorrência nos mercados, não estavam no sectorpetrolífero, mas sim na junção do gás com a eletricidade. O processo deprivatização da Galp entrava novamente num impasse.

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95 Comunicado da Comissão Europeia, «Concentrações: a Comissão proíbe a EDP ea Eni de adquirirem a GDP», IP/04/1455, 9-12-2004.

96 Decisão do Conselho da Autoridade da Concorrência. Ccent. 36/2004 – Petrocer,SGPS, Lda./Parpública – Participações Públicas, SGPS, S.A./Galp Energia, SGPS, SA,23-12-2004.

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Entretanto, no início de janeiro de 2005, a Eni, a Petrocer e a Parpú-blica chegaram a um acordo que adiava a concretização do processo queconduziria à saída da Eni da Galp e à sua substituição pela Petrocer, trocaque inicialmente estava prevista suceder até ao final de janeiro.97 Esteacordo permitiu o adiamento da compra do primeiro lote de ações(33,34%) da Galp pela Petrocer e evitou que a Eni exercesse uma opçãode compra sobre as ações da petrolífera, situação que lhe poderia dar amaioria do capital social da empresa.98 No entanto, perante este adia-mento, os concorrentes preteridos nesta última fase de privatização, quejá tinham apresentado queixas em tribunal sobre o modo como o pro-cesso tinha sido conduzido, defendiam agora que a prorrogação dos pra-zos para a efetivação do negócio poderia implicar o recomeço de todo oprocesso.99

A complexa situação acionista na Galp seria mais uma vez afetada poruma crise política. A 30 de novembro de 2004, o presidente da Repú-blica, Jorge Sampaio, anunciou a dissolução da Assembleia e a convoca-ção de eleições antecipadas. O governo liderado por Pedro Santana Lopesdeixava assim de ter legitimidade para decidir o futuro da empresa pe-trolífera. Caberia ao novo governo encontrar uma solução para um pro-blema que se arrastava há largos anos. As eleições legislativas realizaram-se no dia 20 de fevereiro de 2005 e deram a vitória por maioria absolutaao PS, dirigido por José Sócrates.

A entrada da Amorim Energia

O governo socialista tomou posse a 12 de março de 2005. A pasta dasFinanças começou por ser dirigida por Luís Campos e Cunha, que deixouo governo passados quatro meses, sendo substituído por Fernando Teixeirados Santos, e a pasta da Economia foi entregue a Manuel Pinho. Relativa-mente à política energética, o novo governo não apresentava qualquer so-lução, advogando a adoção, «a curto prazo», de um «novo modelo de or-ganização do sector energético público ou em curso de privatização» quetivesse em conta «a recente decisão da Comissão Europeia sobre esta ma-téria».100 Passados seis meses sobre a posse, o Conselho de Ministros apro-

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97 «Parpública, Petrocer e Eni acordam novas datas», TSF.pt, 19-1-2005.98 «Petrocer quer que o Estado cumpra o contrato de venda», RTP.pt, 1-2-2005.99 «Venda da Galp à Petrocer volta a gerar polémica», DN.pt, 7-2-2005.100 Programa do XVII Governo Constitucional, Lisboa, 2002.

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vou a «estratégia nacional para a energia». O documento referia que pre-tendia corrigir «algumas das orientações anteriores, designadamente as pre-vistas na Resolução do Conselho de Ministros n.º 68/2003, de 10 de maio,no que respeitava à orientação estratégica de juntar numa única entidadeempresarial as atividades de distribuição e de comercialização de eletrici-dade e gás e respetivas infraestruturas».101

Lembrando que uma das finalidades das políticas públicas neste do-mínio passava pelo incentivo à concorrência, defendia-se que «as empre-sas incumbentes dos sectores da eletricidade e do gás natural em vez dese limitarem a manter as suas áreas de atividade» as deveriam alargar, «tor-nando-se operadores em concorrência». Pretendia-se agora que cada ope-rador pudesse estar «simultaneamente presente nos sectores do gás e daeletricidade, de modo a contribuir para o reforço da concorrência e a re-dução do poder de mercado, em benefício dos consumidores». Nestecontexto, o governo anunciava que pretendia «estimular alterações dasparticipações nos capitais sociais das empresas relevantes» que facilitas-sem «o cumprimento dos objetivos definidos», e que desejava «continuara reduzir significativamente a presença do Estado no capital dessas so-ciedades». Era ainda divulgado que, na vertente regulamentar e regula-tória, o Executivo pretendia introduzir regras que incentivassem «a efi-ciência e o ambiente concorrencial nas fileiras da eletricidade, do gásnatural e do petróleo».102

Esta posição do governo foi conhecida um mês após a Gás Naturalter lançado uma Oferta Pública de Aquisição (OPA) sobre a Endesa. Nasequência do fracasso de uma operação idêntica sobre a Iberdrola, a GásNatural (que tinha entre os seus principais acionistas a La Caixa e a Rep-sol) voltava a liderar uma iniciativa de concentração em Espanha, destavez dirigida à maior operadora elétrica espanhola.103 Caso o processo ti-vesse sucesso, originaria o terceiro maior grupo do sector a nível mundial,situação que teria óbvias implicações no mercado ibérico.

Conhecida a orientação do executivo e as movimentações no país vi-zinho, a situação da posição da Eni no capital da Galp Energia voltava aser um dos principais problemas por resolver. O plano do governo im-plicava a criação de dois operadores concorrentes e a criação de condi-ções que permitissem à Galp Energia entrar no mercado elétrico e à EDP

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101 Resolução do Conselho de Ministros n.º 169/2005, aprovada a 6-10-2005, Diárioda República, 1.ª Série-B, n.º 204, 24-10-2005.

102 Ibid.103 «Ambiente propício a sucesso de OPA Gás Natural sobre Endesa», RTP.pt, 6-9-2005.

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ter acesso ao mercado do gás natural. Na pasta da Economia, ManuelPinho reconhecia que as negociações eram «extremamente complexas»e revelou estar empenhado em criar condições para que a composiçãoacionista da Galp Energia não condicionasse «esta estratégia». O ministrodefendeu ainda que «a entrada da Petrocer tinha pressupostos que já nãoexistem».104 Ficava claro que o novo modelo implicava, uma vez mais, osacrifício de um consórcio português.

As negociações entre o Estado e a Eni não seriam fáceis. No início deoutubro de 2005, a imprensa referia que as partes teriam chegado «a umacordo de princípios sobre a hipótese de os italianos trocarem a sua par-ticipação de 33,34% na Galp Energia por 50% do capital da GDP», pas-sando os restantes 50% a ser detidos pela própria Galp Energia. Em cimada mesa estava ainda a possibilidade de os italianos venderem a sua par-ticipação na petrolífera, ou comprarem mais 10% da empresa, recorrendoao que fora acordado com o Estado no ano 2000.105 O futuro do sectorenergético português estava assim nas mãos da Eni.

Em meados de novembro de 2005, a Eni revelava a sua força negocial.Os italianos questionavam porque tinham de optar entre sair da Galp Ener-gia ou estabelecer uma parceria com a GDP, e apresentaram uma contra-proposta que passava pela entrada de um parceiro português na Galp Ener-gia, parceiro que, em conjunto com o Estado, viesse a deter um mínimode 18% e um máximo de 33,34% do capital. No cenário proposto pelaEni, a empresa italiana deteria a maioria dos lugares na comissão executivada empresa (seis em onze pessoas) e nomearia o Chairman e o CEO (Chief

Executive Officer). Perfilaram-se, então, cinco gruposportugueses, a saber, a Petrocer, que manifestou in-teresse em trabalhar num modelo em que a Eni de-sempenhasse o papel de parceiro internacional,Américo Amorim, o grupo Mello, Pedro QueirozPereira, e o grupo Espírito Santo.106

No dia 5 de dezembro de 2005, o Jornal de Negócios revelava que Amé-rico Amorim estava prestes a formalizar um acordo para a compra dasparticipações da EDP (14,27%) e da REN (18,3%) e a negociar a aquisiçãodos 4% que a Iberdrola continuava a deter na Galp Energia.107 Confron-

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104 «Liberalização sem data», Jornal de Notícias.pt, 30-9-2005. 105 Ibid. 106 «Grupo Mello mantém interesse na Galp», Negócios online, 13-10-2005; «Petrocer

aceita parceira com a Eni», Diário Digital, 19-11-2005; «Privados tentam evitar rutura naGalp», DN.pt, 23-11-2005.

107 «Amorim negoceia posição da Iberdrola», Negócios online, 5-12-2005.

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tado com estes acontecimentos, o líder da Petrocer, Ferreira de Oliveira,manifestou surpresa, uma vez que se encontrava em andamento o pro-cesso de saída da EDP do capital da Galp Energia, referindo ainda que,relativamente à posição da REN, e uma vez que esta empresa era maiori-tariamente detida pelo Estado, exigia-se um «processo concorrencial». Su-gerindo que o governo deveria «dizer o que quer», o líder da Petrocer de-fendeu que os agentes económicos fariam então as suas propostas e umjúri decidiria.108 Ferreira de Oliveira revelou também que após a EDP terinformado o mercado que tinha recebido uma proposta de AméricoAmorim para vender as suas ações na Galp Energia, a Petrocer estava apreparar uma oferta para as ações da elétrica na Galp Energia, mas quedesconhecia que o negócio proposto por Amorim envolvia uma cláusulade proteção do acionista minoritário, dita de tag along, para a compra daparticipação da REN na petrolífera.109

Também o presidente da Eni, Paolo Scaroni, mostrou ter sido sur-preendido com esta notícia, tendo afirmado não acreditar que a EDPviesse a vender a sua posição na Galp Energia de forma direta, em vezde realizar um leilão que lhe permitisse «maximizar o preço». O italianoreafirmou o interesse da Eni na Galp Energia e mostrou-se disposto a«participar num leilão competitivo, em acordo com o governo portu-guês». Por seu lado, o presidente da EDP, João Talone, reconheceu queestava a analisar a proposta efetuada por Américo Amorim e que a deci-são sobre a venda seria rápida.110

A promessa de João Talone quanto à rapidez da decisão foi cumprida.No dia seguinte, 6 de dezembro, à noite, o Conselho de Administraçãoda EDP reuniu-se e decidiu vender a sua posição na Galp Energia à Amo-rim Energia, empresa detida pelo empresário Américo Amorim, pela pe-trolífera pública angolana, Sonangol, e por Isabel dos Santos, filha dopresidente da República de Angola, estimando encaixar com o negóciocerca de 690 milhões de euros. A proposta avançada por Américo Amo-rim avaliava a Galp Energia em aproximadamente 5000 milhões de euros,quase triplicando o valor implícito na proposta (700 milhões de euros)que tinha sido apresentado pela Petrocer, em 2004, para comprar 33,3%da empresa petrolífera (sem os ativos do gás). Em simultâneo, foi asse-gurada a compra dos 18,3% da REN ao mesmo preço, tendo a Amorimpago um valor de mais de 910 milhões de euros por essa posição. Com

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108 «Ferreira de Oliveira reclama transparência na Galp», RTP.pt, 6-12-2005. 109 «Petrocer preparava oferta para ações da Edp na Galp», Negócios online, 6-12-2005. 110 «Eni interessada em comprar posição da Edp na Galp», Negócios online, 6-12-2005.

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estas duas operações, o empresário da cortiça e os seus parceiros angola-nos estavam preparados para despender cerca 1,6 mil milhões de euros,numa operação que contava com o apoio e o financiamento de dois ban-cos espanhóis, o Banco Santander e a Caja Galicia.111

Américo Amorim emergia assim como a solução que permitia imple-mentar a «estratégia nacional para a energia» de Manuel Pinho, que pre-conizava a saída da EDP e da REN do capital da Galp Energia, seguindoa lógica de concorrência entre operadores definida pelo governo. A par-ceria entre a Amorim e a Sonangol, passava assim a ser o segundo maioracionista da Galp Energia, com cerca de 32,6% da petrolífera, logo atrásda Eni. O Estado português continuava a ser o terceiro maior acionista,detendo ainda, por várias vias, cerca de 30%. No entanto, nem tudo es-tava resolvido. A Eni continuava a poder forçar o Estado a vender-lhemais ações e a reforçar o seu peso na estrutura acionista da empresa.

No final de 2005, quando se estava a esgotar o prazo para um enten-dimento entre a Eni e o Estado, foram assinados dois acordos paralelos,envolvendo os acionistas da Galp Energia. O primeiro, subscrito entre aEni, a Amorim, a REN e a CGD, era válido até 2010, e garantia a ma-nutenção dos italianos no capital da empresa, que desistiam das opçõesde compra que lhes poderiam dar acesso a até 47% do capital da GalpEnergia. Ficava ainda salvaguardada a manutenção do presidente execu-tivo, Marques Gonçalves, e do presidente do Conselho de Administra-ção, Murteira Nabo, até ao final dos mandatos, em 2007. O segundo

O tempo da Galp Energia, 1999-2012

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111 «Amorim passa a segundo maior acionista da Galp», DN.pt, 7-12-2005; «EDP apro-vou venda da posição na Galp a Américo Amorim», Público.pt, 7-12-2005. Para as origensempresariais de Américo Amorim, ver Mendes (2015) e Lopes et al. (2016).

Américo Amorim (1934-):da indústria corticeira

para a banca e para os petróleos.

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acordo, estabelecido entre a Eni e o Estado, obrigava este último a trocara golden share que detinha na empresa por uma participação de 1% daCGD com «poderes especiais», e previa a preparação da dispersão embolsa de 10% a 20% do capital da Galp Energia, até ao final de 2006. 112

No entanto, a nova composição acionista da Galp Energia cedo impli-cou alterações no Conselho de Administração da empresa. No final demarço de 2006, surgiram os primeiros rumores que indicavam que o an-tigo líder da Petrocer iria regressar à Galp Energia, pela mão de Amorim.113

Afastadas as polémicas em torno do processo de venda das participaçõesda EDP e da REN, a 12 de abril, a Amorim Energia propôs o regresso deFerreira de Oliveira para o lugar deixado vago por Rui Cartaxo.114 Em pa-ralelo, tal como ficara estabelecido com a Eni, o Estado preparava umanova fase de privatização, tendo em vista a colocação no mercado de umapercentagem do capital social da empresa, que poderia passar a situar-seentre os 25% e os 27,5%.

Em agosto de 2006, o governo defendeu que o processo de venda de-veria ter por base uma avaliação mínima da empresa na ordem dos 6 milmilhões de euros, ou seja, uma valorização de 20%, em menos de umano, tendo em conta os valores envolvidos na entrada da Amorim, e de100% em dois anos, tendo em consideração os números anteriormenteapresentados pela Petrocer.115 No dia 23 de outubro de 2006, formali-zou-se a quarta fase do processo de reprivatização da Galp Energia atravésda sua entrada em bolsa. Foram colocadas no mercado ações represen-

tativas de 23% do seu capital social. Na se-quência da IPO, no início de janeiro de 2007,a Amorim Energia passou a deter a mesmaposição que os italianos da Eni. Cada grupocontrolava 33,34%. Esta situação de paridadeera no entanto compensada com o facto de aAmorim Energia ter conseguido impor na li-

derança da empresa Manuel Ferreira de Oliveira, que passou a ocupar ocargo de CEO, até então desempenhado por Marques Gonçalves, quepermaneceu na empresa como vice-presidente, com os pelouros de apro-visionamento, refinação e logística, compras e ambiente. O Estado con-

Os Petróleos em Portugal

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112 «Datas-chave do processo Galp/Eni», Negócios online, 30-12-2005. 113 «Estado abdica de poder na Galp a favor de Amorim», Público.pt, 31-3-2006. 114 «Ferreira de Oliveira entra hoje na Galp em substituição de Rui Cartaxo», DN.pt,

12-4-2006. 115 «Governo quer vender Galp acima dos seis milhões», Negócios online, 17-8-2006.

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tinuou a deter, diretamente, 5,004%, mais 2%, através da Parpública e1% por intermédio da CGD (participação com direito e poderes espe-ciais). Seguia-se a Iberdrola, que continuava a controlar 4%, o BPI, quetinha comprado cerca de 2% durante a quarta fase de reprivatização, e aCaixa Galicia com outros 2%. Os restantes 17% estavam dispersos embolsa.116

Um ano após a entrada em bolsa, a Galp Energia sofreu uma valori-zação de mais de 100%. Estes resultados eram explicados essencialmentepor dois fatores. Por um lado, a empresa beneficiou da subida dos preçosdo petróleo e dos consequentes aumentos das margens de refinação, poroutro, a empresa estava finalmente a obter resultados no domínio daprospeção petrolífera. Com as descobertas realizadas na bacia de Santosao largo do Brasil, a Galp passou a ter uma participação numa das maio-res jazidas de petróleo do Brasil e entrava pela porta grande no negócioda produção petrolífera, deixando de ser apenas refinadora e vendedorade produtos. Os bons resultados da empresa fizeram adormecer os pro-blemas na estrutura acionista da Galp Energia. No entanto, os conflitosentre os acionistas não tinham deixado de existir, e em breve o governoiniciaria a quinta fase da reprivatização da Galp Energia.

A 31 de julho de 2008, o Conselho de Ministros aprovou o Decreto--Lei que regulamentava a nova etapa de privatização. O governo optoupor um modelo de venda direta, que se concretizaria através da emissãopela Parpública de obrigações que tivessem como ativo subjacente açõesrepresentativas do capital social da Galp Energia e que fossem «suscetíveisde permuta ou de reembolso com ações representativas de um máximode 7% do capital social da Galp», esperando desta forma «conciliar oaprofundamento da dispersão das ações representativas do seu capitalsocial com a preservação da estabilidade do seu núcleo acionista». Esti-pulava-se ainda que a operação a ser levada a cabo pela Parpública era«dirigida a investidores institucionais nacionais ou estrangeiros».117

Contrariamente ao que o acionista público pretendia, o anúncio destaquinta fase de reprivatização da empresa não contribuiu para preservar aestabilidade do seu núcleo acionista. Pelo contrário, a medida divulgadapelo governo apenas serviu para revelar o mau relacionamento entre osprincipais acionistas da petrolífera, até então escamoteado pelo peso dosgrandes dividendos e das mais-valias potenciais.

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116 «Galp: uma prenda em perda», Expresso online, 8-1-2007. 117 Decreto-Lei n.º 185/2008 de 19 de setembro, Diário da República, I série, n.º 182.

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Apesar de detentora de um terço da companhia, a Eni não tinha se-melhante peso na condução dos negócios da empresa. Neste contexto,quando foi conhecida a intenção do governo, os italianos adotaram po-sições dúbias, ora manifestando o seu interesse em reduzir o seu envol-vimento na Galp Energia, ora revelando intenção de reforçar a sua posi-ção, adquirindo mais ações. Por outro lado, relativamente à parceria entrea Amorim e a Sonangol havia quem afirmasse que os angolanos preten-diam adotar uma postura mais ativa.118 A estes aspetos internos juntava--se ainda a deterioração dos mercados e a crise financeira, que acabarampor contribuir para o adiamento da nova fase de privatização.119

A quinta fase de reprivatização arrastar-se-ia, assim, durante cerca dedois anos. Apenas em agosto de 2010 o Conselho de Ministros aprovoua resolução que regulamentava as condições finais das operações ten-dentes à venda de uma nova fatia de capital. A operação era agora inte-grada no Programa de Estabilidade e Crescimento 2010-2013 e apresen-tada como contributo «para a diminuição da dívida pública e, por

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118 «O ultimato italiano», Negócios online, 11-8-2008. 119 «Sócrates afasta nova fase de privatização da Galp e da EDP», Público.pt, 27-11-2009.

Estrutura acionista da Galp Energia com o acordo entre o Estado e a Amorim Energia

Estrutura acionista Galp-Energia préviaao acordo Estado e Amorim Energia

a 6-12-2005

Estrutura acionistaa 31-1-2006

Estadoportuguês

17,72%

Eni33,34%

EDP3,27%

Parpública12,29%

Portgás0,04%

Setgás0,04%

Estadoportuguês

17,72%

Eni33,34%

Ren18,30%

Iberdrola4,00%

Iberdrola4,00%

Setgás0,04%

Parpública12,29%

Amorim Energia32,61%

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conseguinte, dos encargos dessa dívida» e como uma medida que se iriarepercutir «positivamente no esforço de consolidação orçamental»,sendo que o Orçamento de Estado tinha fixado em 1200 milhões deeuros a obtenção de receitas com privatizações, ou seja, 0,73% do PIB.Com este objetivo, o Estado propunha-se realizar a emissão de obriga-ções a serem colocadas junto de investidores institucionais nacionais eestrangeiros pela Caixa Geral de Depósitos e por outras instituições fi-nanceiras a serem selecionadas pela Parpública, que tinham como ativosubjacente um máximo de 58 077 000 ações representativas do capitalda Galp Energia.120

O processo ficou concluído no final de setembro de 2010. Um comu-nicado da Parpública anunciou que tinham sido concretizados os termose condições da quinta fase de reprivatização da empresa, numa operaçãoorçada em cerca de 900 milhões de euros. As obrigações tinham umprazo de maturidade de sete anos e uma taxa de juro anual fixa de 5,25%.O preço das obrigações foi fixado a um prémio de conversão de 25%sobre o preço de referência de 12,20 euros, dando origem a um preço de

conversão de 15,25 euros.121 O Estado conseguiu assim obter capital, e,ao mesmo tempo, manteve a sua posição na empresa durante os seteanos seguintes, reservando os seus direitos como acionista e recebendoos respetivos dividendos. Esta solução permitiu ao Estado arrecadar maisumas centenas de milhões de euros, mas não resolveu a questão da com-posição acionista da Galp Energia. Apenas adiou a resolução de um pro-blema que se arrastava há anos.

O tempo da Galp Energia, 1999-2012

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120 Resolução do Conselho de Ministros n.º 57-A/2010 de 5-8-2010, Diário da República,I série, n.º 158, 16-8-2010.

121 «Governo conclui privatização da Galp e paga juro de 5,25%», Negócios online, 23--9-2010.

Primeira descarga em Matosinhos de

petróleo produzido pelaGalp Energia

no campo «Lula», Santos,Brasil, em 2012.

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No início de 2011, a deterioração das relações entre os acionistas tor-nou-se evidente. A imprensa revelava que os parceiros angolanos de Amé-rico Amorim, a Sonangol e Isabel dos Santos, ligadas ao Estado angolano,estavam descontentes com a posição secundária a que estariam votados,e a Eni, constatando que não conseguiria obter o controlo da empresa,revelou interesse em vender a sua posição. Surgiu então a hipótese, apa-drinhada por Ferreira de Oliveira, da Petrobras entrar no capital da GalpEnergia, como novo parceiro estratégico internacional. Os brasileiros ma-nifestaram interesse em adquirir 25%, mas acabaram por recuar perante afalta de consonância estratégica e de clarificação da situação acionista daempresa.122 Estas movimentações tornaram-se mais visíveis porque, nofinal de 2010, tinha terminado o período em que, de acordo com o pactoparassocial, não poderiam efetuar-se alterações acionistas na empresa.

Pouco tempo depois, o presidente da Sonangol, Manuel Vicente, afir-maria em Luanda que a petrolífera angolana estava interessada em obteruma participação direta na Galp Energia.123 Paralelamente, surgiam no-tícias que indicavam uma eventual aproximação entre os acionistas an-golanos e os acionistas italianos, que estariam a discutir a substituição deFerreira de Oliveira, apenas apoiado por Amorim, na liderança da GalpEnergia.124 Em causa estava o desmembramento da Amorim Energia,com a saída da Sonangol e de Isabel dos Santos, que davam a entendero seu interesse numa posição direta no capital da Galp Energia atravésda holding Esperanza.125

Caso esse cenário se viesse a concretizar e os acionistas angolanos con-seguissem libertar-se dos laços que os amarravam à Amorim Energia, aposição direta dos angolanos na Galp Energia passaria a ser de 15%, ga-nhando uma grande relevância, uma vez que uma eventual aproximaçãoà Eni abriria caminho para o domínio dos italianos que, aliados aos an-golanos, passariam a controlar 48,34 % do capital da empresa. Em marçode 2011, alguns dos mais altos dirigentes da Eni, incluindo o seu presi-dente executivo, Paolo Scaroni, deslocaram-se a Luanda onde mantive-ram contactos com membros do governo angolano e com o presidenteda Sonangol, Manuel Vicente. Além de ter manifestado solidariedadeem relação à Sonangol nas suas pretensões de ter uma participação acio-

Os Petróleos em Portugal

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122 «Galp sem presidente», Expresso.pt, 14-5-2011. 123 «Sonangol quer participação direta na Galp», Público.pt, 25-2-2011. 124 «Palha da Silva desmente ter sido sondado para substituir Ferreira de Oliveira», Ne-

gócios online, 2-3-2011; «acionistas da Galp discutem sucessor de Ferreira de Oliveira», Ne-gócios online, 2-3-2011.

125 «Pequenos acionistas ganham mais poderes na Galp», Público.pt, 3-3-2011.

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nista direta na Galp Energia, Scaroni mostrou-se «desapontado com aevolução da situação da Galp» e terá sublinhado que «gostaria de ter tidouma relação mais profícua com a Sonangol, no desenvolvimento de pro-jetos comuns para a petrolífera portuguesa».126

O posicionamento da Eni relativamente à Galp Energia não era claro.Tanto negociavam a venda da sua participação com os brasileiros da Pe-trobras como com os angolanos da Sonangol, admitindo abandonar aempresa portuguesa, caso lhes fosse pago um prémio por ação acima dacotação média dos últimos meses precedentes, ora afirmavam que nãoestavam vendedores e que pretendiam permanecer na Galp Energia pormais dez anos. Tudo isto se passava num período conturbado da vida dacompanhia petrolífera italiana, que tinha um exigente programa de in-vestimento, a que se veio juntar, alguns meses mais tarde, a alteração po-lítica ocorrida na Líbia, com a queda de Kadafi. A Eni era o maior ex-portador de gás da Líbia e fora obrigada a suspender as atividades dasplataformas de gás offshore e num dos campos petrolíferos que explorava,tendo sofrido uma quebra de produção de gás e petróleo na ordem dosdois terços.127

A luta pelo controlo da Galp Energia passou ainda por uma tentativa,levada a cabo pela Eni, de alteração dos estatutos da empresa, visandoreforçar os poderes dos acionistas que detivessem entre 10% a 20% docapital, que passariam a estar diretamente representados no Conselho deAdministração. No dia 28 de março de 2011, realizou-se uma AssembleiaGeral extraordinária com esse propósito. No entanto, os votos contra doEstado (Parpública e CGD) e da Amorim Energia, inviabilizaram essaintenção.128 O governo, pela voz do seu representante na Galp Energia,Francisco Murteira Nabo, que desempenhava as funções de presidentedo Conselho de Administração, justificou esta decisão com o facto deainda não se ter conseguido uma «clarificação acionista».129 Um outroproblema prendia-se com a eleição dos novos órgãos sociais da empresa,

O tempo da Galp Energia, 1999-2012

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126 «Eni foi a Luanda para dar apoio à Sonangol na luta pela Galp», Negócios online, 7-3-2011.

127 «Angola admite usar fundo para entrar diretamente na Galp», Negócios online, 9-3--2011; «Eni só vende ações na Galp por valor acima do mercado», Público.pt, 10-3-2011;«Eni admite vender posição na Galp mas só se lhe derem um prémio pela participação»,Negócios online, 10-3-2011; «Eni admite vender participação na Galp se receber prémio»,Expresso.pt, 10-3-2011; «Eni só vende Galp por mais de 14,72 euros por ação», Económicoonline, 11-3-2011.

128 «Novos estatutos da Galp chumbados em assembleia geral», Público.pt, 28-3-2011. 129 «Estado e Amorim votaram contra alteração de estatutos da Galp Energia», Negócios

online, 28-3-2011.

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já que o mandato anterior terminara em dezembro de 2010 e, de acordocom o estipulado, a Amorim Energia e a Eni teriam de apresentar umalista conjunta para os órgãos sociais referentes ao mandato de 2011-2013.

Além dos problemas internos da empresa, mais uma vez a evolução dasituação política portuguesa teve implicações diretas nos destinos da em-presa. No dia 23 de março de 2011, o primeiro-ministro José Sócrates, apre-sentou o seu pedido de demissão, na sequência do chumbo pelo Parla-mento do IV Programa de Estabilidade e Crescimento. O governo entrouassim numa fase de gestão corrente, condicionando a nomeação dos futu-ros órgãos sociais da Galp Energia e a própria execução do plano de inves-timentos delineado até 2015 – plano que exigia um aumento de capital daPetrogal Brasil de aproximadamente 2 mil milhões de euros, que poderiapassar pela entrada direta de um novo acionista, ou por uma dispersão decapital em bolsa, operações que exigiam a concordância do acionista Es-tado.130 A Assembleia Geral, que estava prevista realizar-se a 26 de abril de2011, foi assim adiada para 30 de maio.131 Pelo que se sabe, este adiamentofoi utilizado pelos intervenientes no processo para estudarem várias alter-nativas. Umas passavam pela possibilidade de a holding Esperanza adquirir25% do capital da Galp Energia à Eni, que venderia em bolsa os restantes8%, e outras pela sempre desejada entrada dos brasileiros da Petrobras.132

Foi neste contexto que o presidente do Conselho de Administração daGalp deu uma entrevista ao jornal Público, onde não se furtou a comentaros problemas que afetavam a empresa. Em seu entender, o acionista decontrolo deveria ser um grupo nacional, mas Murteira Nabo reconheceuque «os acionistas não se conseguiram concertar» e que existiam diver-gências que eram públicas. O presidente da empresa chegou mesmo aafirmar que a instabilidade acionista resultava da falta de entendimentodentro da Amorim Energia, havendo, segundo ele, um diferendo entreAmérico Amorim, por um lado, e a Sonangol e Isabel dos Santos, poroutro, que começava a afetar a vida da empresa. Na verdade, a AssembleiaGeral que se avizinhava era eleitoral, e era necessário concertar uma lista.Referindo-se diretamente às divergências entre acionistas afirmou: «não épossível ter um projeto tão ambicioso como o da Galp, se quem governanão se sentir seguro em termos de estabilidade acionista, não é possível auma empresa viver nesta angústia de estar nos jornais no seu dia a dia só

Os Petróleos em Portugal

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130 «Impasse político condiciona nova gestão da Galp», Económico online, 28-3-2011. 131 «AG da Galp adiada para 30 de maio», Agência Financeira online, 4-4-2011. 132 «Angolanos mais perto dos 25% na Galp», Sol online, 24-4-2011; «Cavaco abre ca-

minho com Dilma», DN.pt, 31-3-2011.

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porque as pessoas se desentendem». Murteira Nabo disse ainda que tinhalutado para «que houvesse um reforço da posição portuguesa» mas quenão tinha sido fácil, porque a empresa estava bem cotada e os grupos em-presariais nacionais eram pequenos. Por esses motivos não acreditava queum grupo de empresas portuguesas pudesse entrar no capital da GalpEnergia adquirindo parte da participação da Eni:

Eu gostava que isso acontecesse, mas não estou a ver ninguém. Nos termosdo parassocial, eles têm de vender em bloco, tudo ao mesmo tempo, o quesão 4 mil milhões de euros. Em Portugal era bom que houvesse um grupoportuguês que comprasse. O modelo ideal para a Galp era um grande grupoportuguês ou vários grupos portugueses controladores, um grande free floate um ou dois parceiros estratégicos que fossem credíveis. Pode ser a Sonan-gol, ou a Eni ou outro, mas parceiros que pudessem ajudar no negócio, erao modelo conceptualmente ideal. Não vejo grupos com condições para isso,tenho pena, mas não vejo.133

Com a aproximação da realização da Assembleia Geral, aumentava apolémica relativa ao nome a indicar para presidir à comissão executivada Galp Energia. No dia 18 de abril, a Eni endereçou à Amorim Energiauma proposta formal com o nome de Jochen Weise para suceder a Fer-reira de Oliveira. Weise tinha um vasto currículo nos sectores do gás edo petróleo e tinha a particularidade de falar português, pois tinha vividono país, tendo trabalhado na Shell Portuguesa. Os italianos deixavamassim claro que não apoiavam a continuação do presidente executivo daempresa, mas Américo Amorim não cedeu no braço de ferro.134

No dia 13 de maio, terminou o prazo legal para a apresentação da listados novos representantes dos órgãos sociais da empresa sem que qualquerproposta tivesse sido entregue. Nem a Eni nem a Amorim Energia chega-ram a um entendimento quanto aos nomes que deveriam integrar a co-missão executiva, especialmente para a presidência executiva, nem a CaixaGeral de Depósitos, a quem, segundo o acordo parassocial, caberia desig-nar o presidente do Conselho de Administração, avançou com um nomepara o lugar de Murteira Nabo, alegando que não tinha legitimidade paraapresentar uma proposta, uma vez que a administração do banco públicoaguardava indicações do governo que viesse a sair das eleições agendadaspara 5 de junho.135

O tempo da Galp Energia, 1999-2012

113

133 Entrevista de Murteira Nabo ao Público, 26-4-2011. 134 «Eni quer alemão para o lugar de Ferreira de Oliveira», Económico online, 9-5-2011. 135 «CGD alega falta de legitimidade para propor novo ‘chairman’ da Galp», Económico

online, 16-5-2011.

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Como previsto, a Assembleia Geral realizou-se no dia 30 de maio semque tivesse sido discutido e votado o futuro da gestão da empresa. Nestedomínio apenas foi votada uma proposta conjunta apresentada pela Amo-rim Energia e pela Eni no sentido de se aumentar o número de adminis-tradores de 17 para 21, situação que pretendia acomodar futuras recom-posições acionistas. No entanto, como não foi apresentada nenhuma lista,Murteira Nabo e Ferreira de Oliveira continuaram provisoriamente à frentedos destinos da empresa, até que fossem votados novos mandatos.136

As eleições de 5 de junho deram a vitória ao PSD, liderado por PedroPassos Coelho. Duas semanas mais tarde, tomava posse o XIX GovernoConstitucional resultante de uma coligação do PSD com o CDS. O novo executivo tinha como principal missão aplicar o memorandonegociado com o Fundo Monetário Internacional, a Comissão Europeiae o Banco Central Europeu, vulgo troika, que estabelecia que o governoportuguês teria de eliminar «as golden shares e todos os outros direitos es-tabelecidos por lei ou nos estatutos de empresas cotadas em bolsa» queconcedessem «direitos especiais ao Estado» até ao final de julho de 2011.O memorando estabelecia ainda que o programa de privatizações deveriaser acelerado, sendo feita uma referência concreta à Galp Energia, comouma das empresas do sector da energia a privatizar rapidamente.137

Acontece que já pouco havia para privatizar na Galp Energia. Comovimos, no último trimestre de 2010, o Estado tinha vendido os últimos7% que estavam nas mãos da Parpública, através de uma emissão de obri -gações convertíveis em ações e as ações com direitos especiais não eramdetidas diretamente pelo Estado, mas pelo banco público, a CGD, quecontrolava 1% do capital, e esses direitos tinham sido definidos noacordo parassocial da empresa subscrito pela Amorim Energia, a Eni e aCGD, e não nos estatutos da empresa.

O governo seguiu o estipulado no memorando e, no início de julho,aprovou em Conselho de Ministros extraordinário um diploma que eli-minava os direitos especiais que o Estado, enquanto acionista, detinhana EDP, na Galp Energia e na Portugal Telecom.138 No caso da GalpEnergia, nas ações ainda detidas pela Parpública, os direitos especiais es-tavam estipulados nos estatutos da empresa e conferiam ao Estado opoder de vetar o nome do presidente do Conselho de Administração es-

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136 «Remunerações na Galp geraram 9,37% de votos contra», Negócios online, 30-5-2011. 137 «Memorando de entendimento sobre as condicionalidades de política económica»,

17-5-2011. 138 Decreto-Lei n.º 90/2011 de 25 de julho, aprovado em Conselho de Ministros a 5

de julho de 2011, Diário da República, I série, n.º 141.

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colhido pelos outros acionistas e de bloquear deliberações que pudessemcolocar em causa a segurança do abastecimento do país em petróleo, gáse eletricidade. Este direito foi assim formalmente removido após a en-trada em vigor do referido Decreto-Lei.

No entanto, relativamente à posição detida pela Caixa Geral de De-pósitos, a situação era diferente, já que os direitos especiais do banco nãoestavam descritos nos estatutos da empresa, mas sim no acordo parasso-cial, situação que ficava à margem do Decreto-Lei, uma vez que esses di-reitos, entre os quais se encontrava o poder de veto sobre o presidenteexecutivo escolhido pela Amorim Energia e pela Eni, tinha sido confe-rido pelos demais acionistas e permaneceria caso a participação da CGDna Galp Energia viesse eventualmente a mudar de mãos.139 Tendo comoponto único da agenda a alteração dos estatutos da empresa, a Assem-bleia Geral da Galp Energia reuniu-se no dia 3 de agosto de 2011. Maisuma vez ficou adiada a eleição do Conselho de Administração. Tratou--se apenas de remover dos estatutos os direitos especiais sobre as açõesde tipo A, ou seja aquelas que ainda eram detidas pela Parpública.140

Entretanto, no dia 13 de julho, o presidente executivo da Eni, PaoloScaroni, deslocou-se a Lisboa para se encontrar com o novo primeiro-mi-nistro, Passos Coelho. O encontro, apresentado publicamente como umamera visita de cortesia, terá sido um pouco mais do que isso. Segundo aimprensa, Passos Coelho teria apoiado a permanência dos italianos na GalpEnergia, e Scaroni terá deixado Portugal bastante satisfeito com a posturaassumida pelo novo governo.141 Ainda nesse verão era divulgada uma no-tícia que ajudava a explicar a satisfação do presidente da Eni. O governopretendia que até ao final do ano ficasse definida a saída da CGD do ca-pital da Galp Energia. Esta decisão governamental punha em causa o equi-líbrio até então existente entre os dois maiores acionistas da empresa, poisobrigaria à revisão do acordo parassocial e forçaria a Eni e a Amorim Ener-gia a procurarem uma nova base de entendimento.142 A alternativa seriauma agudização dos conflitos internos cujo desfecho era imprevisível.

Apesar de estar de saída, a CGD resolveu tomar a iniciativa e convidouDiogo Freitas do Amaral, ex-presidente da Petrocontrol, para ocupar o

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115

139 «Estado fora: o que muda na Galp», Dinheiro Vivo online, 5-7-2011. 140 «Galp altera estatutos e põe fim à golden share do Estado», Dinheiro Vivo online,

3-8-2011. 141 «Passos dá luz verde à Eni para continuar no capital da Galp», Económico online, 308-

-2011. 142 «Acionistas obrigados a novo acordo com saída da CGD», Económico online, 6-9-

-2011; «Acionista, credor e devedor. Amorim está em todas», I online, 7-9-2011.

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cargo de presidente do Conselho de Administração da Galp.143 Tanto aEni como a Amorim Energia demonstraram o seu desagrado pela formacomo a CGD tinha conduzido o processo, numa altura em que além deestar de saída, eram questionados os direitos especiais, nomeadamente odireito que um acionista com apenas 1% tinha para impor aos restantesa nomeação do presidente não executivo.144 Todavia, o Governo mantevea intenção de nomear Freitas Freitas do Amaral, conseguindo dessa formaque, pelo menos neste ponto, os dois maiores acionistas se procurassementender.145

Em outubro de 2011, a Eni, apesar das garantias dadas pelo governo,voltou a manifestar intenção de sair da Galp Energia. Paolo Scaroni re-velou que a sua empresa estava em negociações com vários interessadose que, apesar do mau momento que afetava toda a zona euro, particu-larmente sentido em Portugal, existiam boas perspetivas para a concreti-zação do negócio. Scaroni lembrou ainda que, quando resolveram entrarna Galp Energia, tinham como objetivo a integração da petrolífera por-tuguesa no universo da Eni e que este desiderato fora sucessivamente tra-vado quer pelos anteriores governos, quer pelo outro acionista de refe-rência, a Amorim Energia, com quem tinham partilhado a gestão «numclima de constante tensão».146

As profundas divergências que afetavam a companhia eram compen-sadas por sucessivas descobertas nas zonas onde a Galp Energia integravaconsórcios de exploração. Depois do petróleo brasileiro, sucederam-se di-versas descobertas de gás natural em Moçambique, na bacia do Rovuma.147

Para fazer frente aos avultados investimentos que a atividade de exploraçãoimplicava, e uma vez que não tinha sido possível chegar a qualquer tipode entendimento relativamente a um aumento de capital da holding, a Pe-trogal Brasil abriu o seu capital a um novo investidor, a chinesa Sinopec,o que se traduziu na entrada de 3,8 mil milhões de euros em troca de 30%do capital da empresa, montante que permitiu reduzir o rácio da dívidasobre os capitais próprios, que já tinha ultrapassado os 100%.148

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143 «Freitas do Amaral indicado para ‘chairman’ da Galp», Económico online, 8-9-2011. 144 «Eni e Amorim contra nomeação de Freitas do Amaral para a Galp», Negócios online,

30-9-2011. 145 «CGD segura Freitas do Amaral como futuro chairman na Galp», I online, 12-10-

-2011. 146 «Eni volta a negociar venda da posição na Galp», Económico online, 12-10-2011. 147 «Galp confirma descoberta de grande dimensão de gás natural em Moçambique»,

Negócios online, 20-10-2011. 148 «Encaixe da Galp com a Sinopec supera meta fixada pela gestão», Económico online,

14-11-2011.

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A recomposição acionista continuava assim por resolver quando, emmeados de novembro de 2011, Passos Coelho realizou uma visita oficiala Angola e defendeu que o seu governo não colocaria entraves aos planosda Sonangol para deter uma posição direta na Galp Energia.149 Na se-quência desta viagem, a empresária com ligações ao Estado angolano,Isabel dos Santos, reuniu com o ministro da Finanças português, VítorGaspar. Entre os vários pontos da agenda encontrava-se a situação naGalp Energia e a eventual saída da Eni.150 Dois meses mais tarde, o pre-sidente da Eni reafirmou publicamente que, apesar do investimento naGalp Energia ter sido «muito bom» (até 2012 a Eni já tinha recebido emdividendos e em benefícios fiscais os mil milhões que tinha investido naempresa), pretendia vender a participação na Galp Energia e não estavadisposto a fazê-lo por um valor «abaixo do preço de mercado».151

Este discurso era assim ligeiramente diferente do anterior. Scaroni jánão falava em prémio e em vender as ações por um preço acima das co-tações médias da ação da empresa. As negociações para a venda da posi-ção na Galp Energia, que em outubro pareciam estar bem encaminhadas,não tiveram o desfecho que então se perspetivara. Comentando a inten-ção manifestada pela Eni, o maior acionista português na empresa, Amé-rico Amorim, afirmou que os italianos vinham há muito tempo a mani-festar interesse em abandonar a Galp Energia e ironizou: «vende-sequando alguém compra».152 Por seu lado, os seus parceiros angolanosvoltavam a demonstrar interesse em reforçar a posição. Baptista Sumbe,administrador da Sonangol, revelou que a petrolífera angolana estava in-teressada na participação dos italianos e que estavam em curso negocia-ções para «consolidar essa pretensão», mas que ainda era «prematuroavançar mais informações», uma vez que o governo português tinha re-velado interesse em que empresas portuguesas também participassem noprocesso de saída da Eni.153

De acordo com o estabelecido no pacto parassocial, a saída de qual-quer um dos grandes acionistas da empresa, antes de fevereiro de 2014,exigia a concordância dos restantes. Nesse sentido, o abandono da Eni

O tempo da Galp Energia, 1999-2012

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149 «Passos promete não travar reforço da Sonangol na Galp», Económico online, 16-11--2011.

150 «Isabel dos Santos reúne-se com Vítor Gaspar», Sábado online, 16-12-2011. 151 «Eni quer sair da Galp», Dinheirovivo.pt, 15-2-2012. 152 «Américo Amorim desvaloriza decisão da Eni de vender a Galp», Económico online,

16-2-2012. 153 «Sonangol em negociações para comprar participação da Eni na Galp», Económico

online, 24-2-2012.

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teria de obter o aval da CGD e da Amorim Energia. Os acionistas daGalp Energia foram assim forçados a procurar um entendimento queviabilizasse a saída da Eni e não fechasse as portas à intenção da Sonangolem aumentar o seu envolvimento com a sua congénere portuguesa. Nofinal de fevereiro, a imprensa económica referia que Américo Amorim ea Sonangol tinham feito as pazes e que estavam a estudar formas de en-tendimento.154 No entanto, paralelamente continuavam a surgir notícias,prontamente desmentidas pelos italianos, que indicavam que a Sonangole a Eni estavam em negociações avançadas, que permitiram aos angola-nos adquirir metade (16,6%) da participação da Eni.155

Foi neste complexo contexto que o ministro das Finanças português,Vítor Gaspar, se deslocou novamente a Luanda para uma visita oficialde dois dias. Na agenda estava marcado um encontro com o ministro deEstado para a coordenação económica, Manuel Vicente, ex-presidenteda Sonangol, e o presidente da petrolífera, Francisco de Lemos.156 Comose previa, o caso Galp Energia foi um dos temas que dominou a viagemdo ministro português, que afirmou que eram de esperar «desenvolvi-mentos positivos», quanto à pretensão da petrolífera angolana Sonangolem ter uma participação direta no capital da Galp.157

Os desenvolvimentos positivos não tardaram a ser tornados públicos.Um dia depois das declarações do ministro das Finanças, foi divulgadoque a Amorim Energia iria adquirir parte da posição da Eni.158 Num pri-meiro passo, o consórcio liderado por Américo Amorim iria adquirir 5%do capital que a petrolífera italiana detinha da Galp Energia, abrindo-secaminho para a saída dos italianos, que deixavam de estar obrigados a ven-der em bloco a sua participação. Eni, Amorim Energia e CGD chegaramassim a um resultado que permitiu alterar o acordo parassocial e que previaque, uma vez formalizada a venda dos 5%, a Eni teria o direito de venderno mercado até mais 18%, sendo que nessa altura a CGD também poderiaalienar a sua posição de 1%. Concluído este processo, a Eni poderia alienar

Os Petróleos em Portugal

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154 «Amorim e Sonangol fazem as pazes para controlar a Galp», Negócios online, 27-2--2012.

155 «Sonangol quer metade da participação da Eni na Galp», Económico online, 13-3--2012; «Eni garante que não está a negociar venda da Galp com angolanos», Económicoonline, 16-3-2012.

156 «Vítor Gaspar chega domingo a Angola com diferendo por resolver nos diamantes»,Público.pt, 25-3-2012.

157 «Gaspar fala em ‘desenvolvimentos positivos’ sobre entrada direta da Sonangol naGalp», Público.pt, 27-3-2012.

158 «Amorim e angolanos compram hoje parte da posição da Eni na Galp», Negóciosonline, 28-3-2012.

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os 10,34% que lhe restavam, sendo que a Amorim Energia ficava comopção de compra ou com o direito de nomear outra parte interessada.159

O acordo entre os principais acionistas da Galp Energia permitiu aindaultrapassar a longa disputa em torno da gestão da empresa. Ferreira deOliveira continuaria como presidente executivo da empresa e AméricoAmorim passaria a desempenhar as funções de presidente do Conselhode Administração.160 Estas alterações foram aprovadas na AssembleiaGeral realizada no dia 24 de abril de 2012.161

Um mês antes do final do prazo estipulado, a Amorim Energia adqui-riu 5% da Galp Energia à Eni. Como tinha ficado acordado em março,os italianos receberam 590,8 milhões de euros, correspondentes a 14,25euros por ação, numa altura em que a cotação em bolsa rondava os 11 euros, ou seja conseguiram obter um prémio de aproximadamente30%. Com a consumação do negócio ficava sem efeito o antigo acordoparassocial e a Eni, que passava a deter 28,34% da companhia petrolíferaportuguesa, ficava com as mãos livres para poder reduzir ainda mais oseu envolvimento na Galp Energia.162

Associada a esta transação esteve a aquisição pelo Banco Santander de2,22% da empresa à Amorim Energia, de acordo com as condições esta-belecidas num contrato de equity swap celebrado com a Amorim Ener-gia.163 Poucos dias depois, o Conselho de Administração aprovou umconjunto de alterações que passavam pela saída de vários gestores italia-nos da Galp Energia.164 Estas mudanças, resultantes da saída da Eni, eramacompanhadas por outras que espelhavam a nova realidade da GalpEnergia, empresa que nos meses anteriores tinha visto reforçado a suaUnidade de Negócio de Exploração e Produção de Petróleo e Gás Naturalem virtude das sucessivas descobertas verificadas em concessões suas noBrasil e em Moçambique. Ferreira de Oliveira, que finalmente via recon-firmado o seu lugar na chefia executiva da Galp Energia e que deixou de

O tempo da Galp Energia, 1999-2012

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159 «Amorim Energia garante acesso a mais 15,34% da Galp Energia», Público.pt, 29-3--2012.

160 «Américo Amorim será o novo ‘chairman’ da Galp», Económico online, 29-3-2012. 161 «Amorim confirma Ferreira de Oliveira como CEO da Galp», Negócios online, 24-4-

-2012. 162 «Amorim Energia paga 590,8 milhões de euros por mais 5% da Galp Energia», Pú-

blico.pt, 20-7-2012. 163 «Santander compra 2,22% da Galp à Amorim Energia», Dinheiro vivo online, 20-7-

-2012. 164 «Antigo presidente da Petrobras entra na administração da Galp», Negócios online,

26-7-2012.

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ter de se preocupar com os conflitos entre acionistas, não deixava de su-blinhar que «vender gasolina já não era o mais importante».165

Cumprida a primeira fase do processo de saída da Eni da Galp Energia,as atenções voltaram-se para a posição da CGD no capital da petrolífera.A juntar aos avisos da União Europeia relativamente à manutenção dosdireitos especiais do Estado através do banco público, o memorando deentendimento do plano de assistência financeira a Portugal preconizavao fim desses direitos que tinham ficado plasmados no acordo parassocialrecentemente alterado para permitir a saída da Eni. O acordo entre aAmorim Energia, a CGD e a Eni abria também caminho para a saída dobanco estatal e a Comissão Europeia. O relatório da quinta avaliação rea-lizada pela troika não deixava de sublinhar que essa saída ainda não setinha verificado e que a mesma vinha sendo sucessivamente adiada.166

No final de novembro de 2012, o ditame da troika foi finalmente satis-feito. Nos termos do acordo celebrado entre os maiores acionistas da em-presa, no dia 27 desse mês a Eni colocou no mercado 4% do capital daGalp Energia, sendo acompanhada pela CGD que também vendeu asua participação. Em paralelo, a Eni colocou no mercado obrigações con-vertíveis em ações equivalentes a 8% do capital da empresa.167

Ao fim de 12 anos, a ligação que prendia a Galp Energia à Eni come-çou a ser desatada. A parceria liderada por Américo Amorim tomou asrédeas da petrolífera que teve uma vida atribulada desde o início do seuprocesso de privatização.

O longo processo de privatização teria certamente tido outro curso seo Estado não tivesse alterado as suas orientações estratégicas para o sectorenergético à razão de cada novo governo em funções. As sucessivas alte-rações do modelo energético nacional e a existência de poucos investi-dores nacionais com músculo financeiro suficiente para exercer o con-trolo da Galp Energia são as duas marcas mais profundas da história dareprivatização da petrolífera portuguesa. As indefinições, avanços e re-cuos tiveram elevados custos para o Estado. Até 2004, apenas em asses-sorias jurídicas e consultorias técnicas e estratégicas, o Estado portuguêsdespendera mais de 160 milhões de euros.168

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165 «Nova equipa na Galp: ‘vender gasolina já não é o mais importante’», Dinheiro vivoonline, 27-7-2012.

166 «Bruxelas volta a puxar as orelhas a CGD por ainda não ter vendido 1% da Galp»,Dinheiro vivo online, 12-10-2012.

167 Comunicado da Eni, 27-11-2012,www.cmvm.pt/documents/comunicado%eni%2027112012.pdf.

168 «Estado já gastou 160 milhões de euros em consultoria para privatizar a Galp», Pú-blico.pt, 25-6-2004.

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O tempo da Galp Energia, 1999-2012

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Com base num critério vago e difuso – o «interesse nacional» –, de-fendeu-se uma coisa e o seu contrário. Defendeu-se a entrada de um par-ceiro estratégico nacional, e esse mesmo critério foi depois usado parajustificar a saída desse parceiro estratégico, substituído por um parceiroestratégico internacional. Foi também em nome do «interesse nacional»que se pretendeu reunir o gás natural e a eletricidade sob a égide da EDPe meses mais tarde se concluiu que afinal o «interesse nacional» estavana promoção da concorrência interna entre a Galp Energia e a EDP. A Petrocer não chegou a desempenhar o papel que tinha cabido à Petro-control, e a Eni não abandonou a Galp Energia para se dedicar exclusi-vamente ao gás. A partir de 2005 o «interesse nacional» passou a estar re-presentado por Américo Amorim que, ao longo de sete anos, conduziuum longo braço de ferro não apenas com a Eni, que entretanto deixarade representar o «interesse nacional», mas com os seus próprios parceirosangolanos. A entrada em cena da troika e as necessidades financeiras doEstado português fizeram com que, em nome do «interesse nacional», oEstado deixasse de ter qualquer participação no capital social da GalpEnergia. E assim a mais valiosa empresa industrial do país passou final-mente para a esfera dos interesses privados, numa associação de capitaisportugueses e angolanos, entre outros, também estes nem sempre comestratégias concertadas ou bem definidas.

Estrutura acionista da Galp Energia com o acordo entre a Amorim Energia e a Eni (2006-2014)

Estrutura acionista Galp Energia préviaao acordo Amorim Energia com a Eni

31-12-2006

Estrutura acionistaa 30-9-2014

Eni33,34%

CGD1,00%

Parpública7,00%

Banco BPI2,07%

Cx Galicia2,00%

Eni8,00%

Amorim Energia38,34%

Iberdrola4,00%

Parpública7,00%

Free-float46,66%

Free-float17,25%

Amorim Energia33,34%

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Conclusão A história da privatização da Galp Energia apresenta caraterísticas úni-

cas relacionadas com a história da própria empresa e daquelas que a an-tecederam, com as especificidades dos mercados em que opera, e comos interesses variáveis dos governos e do Estado e dos acionistas privadosque investiram na empresa. Começando como uma empresa protegidapelo Estado, tendo como objetivo a produção em território nacional decombustíveis, numa altura em que a Europa fechava fronteiras e se pre-parava para uma guerra que então já era quase inevitável, a Sacor, umadas antecessoras da Galp Energia, viria a conhecer um arranque tímido,logo ultrapassado quando a guerra terminou e Portugal, a Europa e oresto do Mundo entraram numa das fases de maior crescimento econó-mico de que há memória. Paralelamente, outras empresas do sector, entreas quais se destacava a Sonap, de que a Galp Energia viria a ser tambémherdeira, conheceram grandes desenvolvimentos. Estes imprimiram con-corrência no mercado, sobretudo interno, mas também internacional, eforam enquadrados por um Estado com uma elevada propensão prote-cionista. Em todo esse período desde o longínquo ano de 1937 até à crisepetrolífera de 1973 e o fim do Estado Novo, em 1973 e 1974, os petróleosem Portugal viveram sob o signo da concorrência, mas num mercadoprotegido interna e externamente. Entre 1974 e 1976, com a revolução eas nacionalizações, tudo viria a mudar, ficando sobretudo marcada a con-centração e integração vertical do sector, que conduziria a então fundadaPetrogal para um novo patamar, ainda sob forte proteção do Estado,desta vez enquanto único proprietário da empresa.

A privatização da petrolífera nacional, iniciada em 1992, levou duasdécadas até ser totalmente cumprida. Esse longo processo foi pautadopor avanços e recuos por parte de sucessivos governos, mas também porparte dos investidores privados. A Galp Energia, entretanto formada, éuma empresa estratégica, no sentido em que opera num sector funda-mental da economia nacional, sendo a única empresa nacional, mas éestratégica também no quadro internacional, em que se verificaram alte-

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rações substanciais ao longo dos anos. A disputa pela posse e pelo seucontrolo da empresa foi acesa, o que se compreende pelo facto de nelase juntarem interesses privados, interesses públicos e interesses estratégi-cos. Os interesses da valorização acionista, da maximização do preço devenda por parte do Estado, e do controlo de uma parte do mercado deprodutos petrolíferos internacional, mostraram-se por vezes contraditó-rios, por vezes antagónicos, e por vezes inconciliáveis. Todavia, todos osproblemas acabaram por ser ultrapassados e a Galp Energia chegou aofim do processo de privatizações com uma estrutura acionista relativa-mente estável. Estes são os factores principais das especificidades quemarcaram a história da Galp Energia, das suas antecessoras, e da sua pri-vatização. A eles devem todavia juntar-se dois aspetos importantes, inti-mamente relacionados com conclusões mais gerais que se podem retirardesta história.

O primeiro tem a ver com a gestão do negócio ao longo dos tempos.Independentemente de uma análise detalhada levada a cabo em outrasobras, a verdade é que a circunstância de a Galp Energia ter chegado aofim de todo o processo aqui descrito como uma empresa saudável, comuma larga carteira de investimentos internacionais e nacionais, com umaforte componente tecnológica e em expansão, obriga à conclusão de quea sua gestão foi globalmente positiva. Essa gestão atravessou as vicissitu-des dos mercados internacionais, as perturbações políticas e também asdisputas em torno do controlo acionista. Seguramente que foram toma-das decisões menos vantajosas para a empresa, que foram encontradasdificuldades que a empresa não soube ultrapassar com a rapidez neces-sária, que houve hesitações ou recuos. Isto significa, acima de tudo, quea Galp e as empresas que a antecederam tomaram partido de uma histórialonga de décadas, da experiência acumulada de trabalhadores, gestores eadministradores, da participação num mercado internacional altamentecompetitivo em termos de produtos e de métodos de produção e de co-mercialização. Mas significa também que o Estado, mesmo quando in-terveio com mais acutilância, não constituiu verdadeiramente um pro-blema ao desenvolvimento do negócio. E, em alguns casos, comoaconteceu quando pacificou o sector através da integração vertical a se-guir à nacionalização, terá mesmo tido um papel positivo. Essa é a pri-meira conclusão geral que se pode retirar desta história.

A segunda conclusão geral decorre do facto de todo o processo teracabado com a preservação da Galp Energia enquanto empresa industrialindependente e de capitais maioritariamente portugueses, tendo sido ul-trapassadas as tentativas de a integrar em empresas multinacionais. As

Os Petróleos em Portugal

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vantagens desse resultado não são totalmente claras à partida, uma vezque o que interessa acima de tudo no funcionamento das empresas é arentabilidade dos seus capitais e investimentos, e não tanto de quem sãopropriedade ou se estão ou não integradas em outras empresas. Acresceque o interesse das empresas em manter níveis de rentabilidade elevadosé também do interesse dos consumidores, quer sejam empresas ou indi-víduos, pois as boas rentabilidades traduzem menores custos e preçosmais competitivos. Todavia, acontece que o mercado dos produtos pe-trolíferos não é um mercado como os demais, porque depende de uni-dades empresariais de grande concentração de capital, o que implica umamenor capacidade de ajustamento conjuntural, e refere-se a um produtocom características específicas nas economias nacionais. Essas caracterís-ticas fazem com que não seja totalmente indiferente a nacionalidade dapropriedade e a localização da atividade industrial e da gestão empresa-rial. O argumento da especificidade não deve ser levado longe demais,uma vez que no limite se pode aplicar a um grande leque de sectoreseconómicos. Para além disso, a Galp Energia é também uma empresaque opera internacionalmente, com vastos investimentos internacionaisem prospeção petrolífera de hidrocarbonetos. Todavia, é preciso ter ematenção um quadro internacional em que os principais países industriaiscom alguma dimensão têm a operar dentro de fronteiras empresas pe-trolíferas de capitais maioritariamente nacionais. Por outras palavras, a

Conclusão

125

Refinaria de Sines em 2012.

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globalização, a internacionalização da atividade económica têm vanta-gens do ponto de vista da concorrência, da eficiência, mas têm tambémlimites políticos. Mas a conclusão geral mais importante a este respeitoé o facto de ter havido ao longo dos tempos da privatização da GalpEnergia claramente uma linha de delimitação de interesses que não foiultrapassada, mesmo com erros, avanços e recuos.

Assim, a história da privatização da Galp Energia e das empresas deque foi herdeira dá-nos uma história de pacificação industrial, de inves-timento, de inovação tecnológica, de internacionalização, e de proteçãode interesses gerais ao nível nacional, que nos tem de conduzir a umaavaliação globalmente positiva do papel dos intervenientes. O saldo po-sitivo desta história não deve desviar a atenção de alguns atos por partede governos e empresários que de algum modo poderão ter prolongadoindevidamente o processo, e que porventura poderão também ter acar-retado custos financeiros ou sociais globalmente injustificados. É muitoimportante ter isso em consideração também e a história que aqui secontou fornece os elementos para essa avaliação. Tão importante quantoessa avaliação é a avaliação dos riscos futuros. E aqui os problemas redo-bram, já que o público tem objetivamente menor capacidade de obser-vação e de escrutínio dos gestos de gestão de uma empresa privada, emcomparação com uma empresa com capitais públicos. Este facto redobraa responsabilidade dos novos donos da empresa, assim como das insti-tuições reguladoras dos negócios do petróleo.

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Apêndices

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Apêndice 1 – Legislação relevante no processo de privatização da Galp Energia

Data DL/RCM Âmbito 5-9-90 Lei n.º 11/90 Lei-Quadro das Privatizações

20-9-91 DL 353/91 Concurso para a entrada no capital da Petrogal

17-1-92 RCM 3/92 Caderno de Encargos para Privatização

19-6-95 DL 145-A/95 Definição dos novos termos da operação de reprivatização da Petrogal

22-4-99 DL 137-A-99 Criação da Galp– Petróleos e Gás de Portugal, SGPS, SA

7-7-99 DL 261-A-99 1.ª Fase Privatização da Galp

1-3-00 DL 21-2000 2.ª Fase Reprivatização da Galp

20-6-03 DL 124-2003 3.ª Fase Reprivatização da Galp Energia

30-3-04 DC 190-A-2004 Alienação de Participações Sociais

14-8-06 DL 166-2006 4.ª Fase Reprivatização da Galp Energia

19-8-08 DL 185-2008 5.ª Fase Reprivatização da Galp Energia

DL – Dec. Lei e RCM – Resolução de Conselho de Ministros

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Objeto do normativo

Regime aplicável à privatização das empresas públicas

Lança condições para o concurso que estará na origem da entrada da Petrocontrol no capital daPetrogal

Estipula condições para processo de privatização e definição do preço da Petrogal de aquisição de cada ação da Petrogal de 1700 escudos

Oficializou uma nova forma de procedimento na privatização da Petrogal

Agrupou as participações estatais diretas na Petróleos de Portugal — Petrogal, SA, na GDP — Gás de Portugal, SGPS, SA, e na Transgás — Sociedade Portuguesa de Gás Natural, SA.

Aumento de capital da Galp aos acionistas privados das três empresas nela incorporada

Define processo de reprivatização da Galp mediante a alienação de ações à Eni, EDP e Iberdrola por venda direta

Propõe a junção da fileira do gás à da eletricidade

São autorizadas as transmissões pela Iberdrola à Galp e pela Eni à Parpública da totalidade das participações detidas pela Iberdrola e pela Eni no capital social da Galp.

Oferta Pública de Venda em Bolsa

Emissão de Obrigações Convertíveis em capital da Galp Energia

Apêndices

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Apêndice 2 – Principais alterações na estrutura acionista da Galp Energia e respetiva composição

21-4-1999

55,00%45,00%

100,00%

Acionista

Estado PortuguêsPetrocontrolEDPCGDPortgásSetgásEni Portugal Investment, S. p. A.Iberdrola, S. A.RenParpúblicaAmorim EnergiaFree-float

Total

31-12-1999

49,81%33,34%3,27%

13,51%0,04%0,04%

100,00%

31-12-2000

34,81%

14,27%13,51%0,04%0,04%

33,34%4,00%

100,00%

CriaçãoGALP, SGPS

e aumentode capital

de privados13-12-1999

49,81%33,34%3,27%

13,51%0,04%0,04%

100,00%

Entrada Enie Iberdrola

–15,00%–33,34%11,00%

33,34%4,00%

0,00%

Petrogal GALP Energia

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Apêndices

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31-12-2005

17,72%

14,27%

0,04%0,04%

33,34%4,00%

18,31%12,29%

100,00%

31-12-2006

17,72%

14,27%

0,04%33,34%4,00%

12,29%32,61%

100,00%

2-1-2007

1,00%

14,27%33,34%4,00%

7,00%33,34%21,32%

100,00%

30-9-2014

8,00%

7,00%38,34%46,66%

100,00%

Ajustes nasParticipações

do Estado00-05

–17,09%

–13,51%

18,31%12,29%

0,00%

Entrada AmorimEnergia

–14,27%

0,04%

18,31%

0,00%

IPOGalp

Energia

–17,72%

1,00%

–0,04%

–5,29%0,73%

21,32%

0,00%

Acordo Enie Amorim

Energia

–1,00%

–25,34%–4,00%

5,00%25,34%

0,00%

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Os Petróleos em

Portugal

Entre 1992 e 2012, decorreu o processo de privatização da Petrogal/GalpEnergia. Tive o privilégio de presidir a essas instituições durante 14 dessesanos e tenho o dever de conhecer bem o mesmo processo, incluindoconteúdos e eventos não publicados. Em 2014, desafiei o Prof. PedroLains a conceber e coordenar um projeto de investigação sobre o tema.Tinha consciência de que era uma tarefa difícil. O presente livro é o frutoda competência e da perseverança dos seus autores e representa umexcelente ponto de partida para se perceber o que se fez de bem equem o fez; assim como identificar o que se poderia ter feito melhor, oumuito melhor, e porque é que tal não aconteceu. Apesar das limitaçõesimpostas pela dificuldade de acesso a toda a informação inerente a umprojeto desta natureza, a obra é de leitura obrigatória para osprofissionais e investigadores que se interessam pela história dasprivatizações em Portugal e, em particular, pela história do setorpetrolífero nacional.

Manuel Ferreira de Oliveira, PetroAtlantic Energy Corporation, S. A.

Este livro condensa o que de melhor a história económica e empresarialpode oferecer para o conhecimento da GALP. Nele se conjuga a rigorosaanálise da informação e uma profundidade temporal que se projecta paraalém do horizonte estrito do início da privatização. Acresce a riqueza datrama explicativa, que integra a evolução da GALP nos ritmos dasvicissitudes políticas, das fricções pelo controlo accionista e darecomposição do mercado europeu de energia.

Álvaro Ferreira da Silva, Nova School of Business and Economics

A presente obra fornece-nos um excelente contributo para umconhecimento mais aprofundado da história e dinâmica empresarial dospetróleos e do gás em Portugal ao longo do século XX e inícios do século XXI bem como da sua contextualização, no âmbito da históriapolítica e económica do respetivo período.

José Amado Mendes, Universidade Autónoma de LisboaFoto da capa: Torre de cracking da Sacor, Cabo Ruivo, Lisboa

David Castaño, investigador doInstituto Português de RelaçõesInternacionais da Universidade Novade Lisboa.

Ana Mónica Fonseca,investigadora e professora convidadado Centro de Estudos deInternacionais e do Departamento de História do ISCTE-InstitutoUniversitário de Lisboa.

Pedro Lains, investigador doInstituto de Ciências Sociais daUniversidade de Lisboa e professorconvidado da Católica-Lisbon Schoolof Business and Economics.

Daniel Marcos, investigador eprofessor convidado do InstitutoPortuguês de Relações Internacionaise da Faculdade de Ciências Sociais eHumanas da Universidade Nova deLisboa.

Outros títulos de interesse:

Das Constituições dos Regimes Nacionalistasdo Entre-GuerrasPedro Velez

O Partido Republicano Nacionalista, 1923-1935Manuel Baiôa

A Vaga CorporativaCorporativismo e Ditaduras na Europa e na América LatinaAntónio Costa PintoFrancisco Palomanes Martinho(organizadores)

Sem FronteirasOs Novos Horizontes da Economia PortuguesaPedro Lains (organizador)

ICSwww.ics.ul.pt/imprensa

UID/SOC/50013/2013

ICS

Os Petróleosem Portugal

Do Estadoà Privatização

1937-2012

David CastañoAna Mónica Fonseca

Pedro LainsDaniel Marcos

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