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Renato Sérgio de Lima Gerard Viader Sauret Gustavo Henrique Brasil de Barros Jonas Sobral Moreno o quebra-cabeça dos dados nAs políticas de Segurança Cadernos sobre Segurança e Prevenção da Violência na América Latina 2

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Renato Sérgio de LimaGerard Viader SauretGustavo Henrique Brasil de BarrosJonas Sobral MorenoParte deste Programa, o Projeto URBAL -

Políticas Locais de Prevenção da Violência tem o objetivo de contribuir para o fortalecimento de políticas públicas de prevenção da violência e de promover a coesão social.

O Projeto é executado pelo Governo do Estado de Pernambuco – Brasil, representado pela Secretaria de Defesa Social, em parceria com os Governos Locais da Região Loreto - Peru, da Intendência de Paysandu – Uruguai, da Municipalidade de Bérgamo – Itália e com Cesvi Fundação.

Realização:

Parceria:

URB-AL III é um programa de cooperação descentralizada da União Europeia, dirigido a governos (locais e regionais) da União Europeia e da América Latina. Atualmente, o Programa encontra-se em sua terceira fase de execução (2008-2012). URB-AL III tem como objetivo geral contribuir para incrementar o grau de coesão social e territorial entre coletividades subnacionais na América Latina. Seu objetivo específico é consolidar ou promover, apoiando-se em parcerias e troca de experiências, processos e políticas de coesão social que se possam converter em modelos de referência capazes de gerar debates e indicar possíveis soluções aos governos que desejem impulsionar dinâmicas de coesão social.

URB-AL III conta com 20 projetos que desenvolvem ações na América Latina.

IntendenciaDepartamentalde Paysandú

o quebra-cabeça dos dados nAs políticas de Segurança

Cadernos sobre Segurança e Prevenção da Violência na América Latina

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Enquanto ator ativo da discussão sobre políticas de segurança e de prevenção da violência, o Projeto URBAL desempenhou, em seus quatro anos de atuação, um papel localizado junto a três governos locais da América Latina.

A proposta de lançar a série “Cadernos sobre Segurança e Prevenção da Violência na América Latina” surge no exato momento em que o Projeto se prepara para a despedida e avalia o caminho percorrido. Como compartilhar e não deixar se perder o conhecimento adquirido? Como ampliar a nossa contribuição, mesmo que de forma modesta, aos debates atuais?

1ª ORELHA2ª ORELHA

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Renato Sérgio de LimaGerard Viader SauretGustavo Henrique Brasil de BarrosJonas Sobral MorenoParte deste Programa, o Projeto URBAL -

Políticas Locais de Prevenção da Violência tem o objetivo de contribuir para o fortalecimento de políticas públicas de prevenção da violência e de promover a coesão social.

O Projeto é executado pelo Governo do Estado de Pernambuco – Brasil, representado pela Secretaria de Defesa Social, em parceria com os Governos Locais da Região Loreto - Peru, da Intendência de Paysandu – Uruguai, da Municipalidade de Bérgamo – Itália e com Cesvi Fundação.

Realização:

Parceria:

URB-AL III é um programa de cooperação descentralizada da União Europeia, dirigido a governos (locais e regionais) da União Europeia e da América Latina. Atualmente, o Programa encontra-se em sua terceira fase de execução (2008-2012). URB-AL III tem como objetivo geral contribuir para incrementar o grau de coesão social e territorial entre coletividades subnacionais na América Latina. Seu objetivo específico é consolidar ou promover, apoiando-se em parcerias e troca de experiências, processos e políticas de coesão social que se possam converter em modelos de referência capazes de gerar debates e indicar possíveis soluções aos governos que desejem impulsionar dinâmicas de coesão social.

URB-AL III conta com 20 projetos que desenvolvem ações na América Latina.

IntendenciaDepartamentalde Paysandú

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Cadernos sobre Segurança e Prevenção da Violência na América Latina

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Enquanto ator ativo da discussão sobre políticas de segurança e de prevenção da violência, o Projeto URBAL desempenhou, em seus quatro anos de atuação, um papel localizado junto a três governos locais da América Latina.

A proposta de lançar a série “Cadernos sobre Segurança e Prevenção da Violência na América Latina” surge no exato momento em que o Projeto se prepara para a despedida e avalia o caminho percorrido. Como compartilhar e não deixar se perder o conhecimento adquirido? Como ampliar a nossa contribuição, mesmo que de forma modesta, aos debates atuais?

1ª ORELHA2ª ORELHA

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o quebra-cabeça dos dados nAs políticas de Segurança 2

Renato Sérgio de LimaGerard Viader Sauret

Gustavo Henrique Brasil de Barros

Jonas Sobral Moreno

Organização:

Júlia Loonis OliveiraMariângela Ribeiro

Edna Jatobá

1ª EdiçãoRecife-PE

Editora: Provisual2012

Esta publicação foi elaborada com o apoio financeiro da União Européia. O conteúdo desta publicação é responsabilidade exclusiva dos autores e entrevistados e de modo algum se deve considerar que reflita a posição da União Européia ou das instituições parceiras do Projeto URBAL – Políticas Locais de Prevenção da Violência.

Distribuição gratuita. A reprodução de todo este documento ou parte dele é permitida somente para fins não lucrativos, desde que citada a fonte.

Q3 O quebra-cabeça dos dados nas políticas de segurança / Renato Sérgio de Lima ... [et al.].; organização Júlia Loonis Oliveira, Mariângela Ribeiro, Edna Jatobá. – Recife : Provisual, 2012.

64p. : il.

Inclui referências.

1. SEGURANÇA PÚBLICA – BRASIL. 2. VIOLÊNCIA – BRASIL – ASPECTOS SOCIAIS. 3. VIOLÊNCIA – BRASIL – PREVENÇÃO. 4. POLÍTICAS PÚBLICAS. 5. RESPONSABILIDADE SOCIAL. 6. LIMA, RENATO SÉRGIO DE – ENTREVISTA. 7. FORUM BRASILEIRO DE SEGURANÇA PÚBLICA. 8. PACTO PELA VIDA – PERNAMBUCO – ESTATÍSTICA. I. Lima, Renato Sérgio de. II. Oliveira, Júlia Loonis. III. Ribeiro, Mariângela. IV. Jatobá, Edna.

CDU 351.78CDD 351.75

PeR – BPE 12-0521ISBN 978-85-65783-03-3

Sumário

Apresentação

IntroduçãoPor: Mariângela Ribeiro

Entrevista: Renato Sérgio de Lima

Implantação do sistema de informação de mortes de interesse policial

e pulseira de identificação de cadáverPor: Gerard Viader Sauret, Gustavo Henrique Brasil de Barros,

Jonas Sobral Moreno

Vidas salvas: metodologias de cálculo aplicadas ao Pacto pela Vida

Por: Gerard Viader Sauret

Aprofundando: O que é o Latinobarómetro?

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Projeto URBAL – Políticas Locais de Prevenção da Violência

COORDENAÇÃO GERAL

Mariângela Ribeiro

ADMINISTRAÇÃO GERAL

Aurora Oggioni

Escritório Brasil

ASSESSORIA TÉCNICA

Edna Jatobá

Giulia Donnici

Júlia Loonis Oliveira

ASSISTÊNCIA DE PROJETO

Marta Pontoglio

APOIO LOGÍSTICO

Osvaldo Romão Batista

Escritório Uruguai

COORDENAÇÃO LOCAL

Fernanda Martinez

ASSESSORIA DE CAMPO

Judith Algalarrondo

Escritório Peru

COORDENAÇÃO LOCAL

Victor-Hugo Ruiz Tapayuri

ASSESSORIA DE CAMPO

Jeniffer Karina Polanco Diaz

Escritório Bérgamo

COORDENAÇÃO LOCAL

Sara Colombo

Secretaria de Defesa Social Governo de Pernambuco/ Brasil

SECRETARIA ESTADUAL

Wilson Salles Damázio

GERÊNCIA GERAL DE ARTICULAÇÃO,

INTEGRAÇÃO INSTITUCIONAL E COMUNITÁRIA

Manoel Caetano Cysneiros de Albuquerque Neto

REFERÊNCIA INSTITUCIONAL DO PROJETO URBAL

Vladimir Sales Brasiliano

Governo Regional de Loreto/ Peru

PRESIDÊNCIA REGIONAL E REFERÊNCIA INSTITUCIONAL DO PROJETO URBAL

Yván Enrique Vásquez Valera

Intendência de Paysandú/ Uruguai

INTENDÊNCIA

Bertil Randolf Bentos Scagnegatti

REFERÊNCIA INSTITUCIONAL DO PROJETO URBAL

Mauro Soto

Comune de Bérgamo

DIREÇÃO DE POLÍTICAS SOCIAIS

Leonio Callioni

REFERÊNCIA INSTITUCIONAL DO PROJETO URBAL

Massimo Chizzolini

Cesvi Fundação

RESPONSÁVEL PARA AMÉRICA LATINA

E REFERÊNCIA PROJETO URBAL

Stefania Cannavó

FOTOS Capa e abertura capítulo 2: Acervo do projeto URBAL Fotos internas: Veronica Sanz (OCO Barcelona)

PROJETO GRÁFICO E DIAGRAMAÇÃOVia Design Criação Estratégica

EDITORAProvisual Gráfica e Editora

“Neste capítulo Beremiz Samir, o Homem que Calculava, conta a história de sua vida. Como fiquei informado dos cálculos prodigiosos que realizavae porque nos tornamos companheiros de jornada”

O Homem que Calculava

Malba Tahan

O surgimento do Projeto URBAL – Políticas Locais de Prevenção da Violência se enraíza, em primeira instância, no momento vivido pela América Latina. Altos índices de crimi-nalidade e manifestações variadas de violência demandam cada vez mais uma resposta pública e a busca por soluções inovadoras.

Em segunda instância, a decisão de criar este projeto de cooperação descentralizada repousa no entendimento cada vez mais consensual de que a Segurança é um tema da sociedade, no qual atores tão diversos, como governos nacionais, governos locais, academia, sociedade civil, polícias e setor privado, têm um papel a desempenhar.

O objetivo geral do projeto foi contribuir para a promoção e a consolidação dos pro-cessos e das políticas de prevenção da violência como base para fortalecer a coesão social nos seus territórios de atuação. De fato, apesar de se tratar de dois conceitos que continuam sendo abordados de forma desvinculada, o alcance da segurança cidadã é um dos componentes-chave de uma sociedade coesa.

Enquanto ator ativo da discussão sobre políticas de segurança e de prevenção da vio-lência, o Projeto URBAL desempenhou, em seus quatro anos de atuação, um papel localizado junto a três governos locais da América Latina. Desse lugar privilegiado foi possível observar não só tudo aquilo que já foi ou ainda precisa ser feito no campo das políticas públicas, mas, acima de tudo, foi possível constatar que esse campo de atuação

Apresentação

tem produzido, nas últimas duas décadas, um vasto conhecimento, debates estimulan-tes e experiências inovadoras e exitosas.

A proposta de lançar a série “Cadernos sobre Segurança e Prevenção da Violência na América Latina” surge no exato momento em que o Projeto se prepara para a despedida e avalia o caminho percorrido. Como compartilhar e não deixar perder-se o conheci-mento adquirido? Como ampliar a nossa contribuição, mesmo que de forma modesta, aos debates atuais?

Escolhemos este formato, que alia pequenos textos e entrevistas com atores estratégi-cos e que, esperamos, possa contribuir para difundir, de forma simples e acessível, ideias, conceitos e experiências que nos animam.

Aproveitamos a oportunidade e o espaço para agradecer àqueles que diversas vezes contribuíram para os trabalhos do Projeto em seus diferentes territórios. E, para a com-posição desta série, agradecemos, em particular, ao Prof. José Luiz Ratton, do Núcleo de Estudos e Pesquisas em Criminalidade, Violência e Políticas Públicas de Segurança (NEPS) da Universidade Federal de Pernambuco, pela profícua interlocução, pelo apoio em articular colaboradores e, sobretudo, por seus conselhos judiciosos.

Boa leitura!

Juntando peças: produção de informações e políticas de segurança

Nas últimas décadas, os processos de redemocratização na América Latina trouxeram em seu bojo a luta pelos Direitos Humanos e por instituições republicanas, isto é, que sejam organizadas por regras e princípios orientados para o bem comum, a coisa pública. Nesse contexto, ampliou-se o debate em torno do que “o governo escolhe fazer ou não fazer”, ou como pensa, executa e acompanha as políticas públicas que influenciam a vida da população.

Este tema ganha força, sobretudo, a partir dos anos 90, quando o fluxo de informa-ções toma proporções antes inimagináveis e as ações governamentais passam a sofrer cada vez mais as pressões de grupos de interesse e da sociedade civil. Controle Social, Accountability e Governança passam a fazer parte tanto do discurso dos analistas de políticas públicas e da Opinião Pública quanto dos próprios políticos e decisores públicos. Acredita-se que para a consolidação do Estado Democrático de Direito, faz-se necessário a criação de estruturas (conjunto de regras e instrumentos) que orientem a formulação, execução e avaliação das políticas públicas.

Na prática, e contando com modernas tecnologias, os novos modelos de gestão pro-postos estão se fundamentando numa produção cada vez maior de dados e informa-ções, sobretudo, quantitativos. Porém, estudiosos apontam que o simples aumento na produção de dados não garante uma melhor gestão ou melhores resultados. Inclusive, mesmo que em menor escala, os governos são históricos produtores de estatísticas em praticamente todas as esferas políticas. Da mesma maneira, destacam a importância de

IntroduçãoPor: Mariângela Ribeiro¹

1 Mestre em Sociologia pela UNICAMP e Coordenadora do Projeto URBAL – Políticas Locais de Prevenção da Violência

se perceber que a simples inovação tecnológica (sistemas informáticos complexos e de altíssimo custo) não é solução automática para os dilemas da administração pública. Os problemas estão, pois, nas metodologias, na confiabilidade, na interpretação e na função dessa produção.

Nesse cenário, a discussão sobre a produção e o tratamento de dados oficiais também toma fôlego. O debate atual reivindica a adequação (ou criação) de sistemas de informa-ção que atendam às demandas reais, que sejam subsídios para a tomada de decisão po-lítica e o planejamento de políticas públicas eficientes, bem como instrumentos de trans-parência.

No campo da Segurança Pública, esse tema ainda apresenta alguns elementos específicos, visto que em seu sentido mais tradicional dizia respeito à proteção do Estado e, portanto, seus dados eram tratados como segredos. Segundo pesquisas, apesar da substituição da noção de “Segurança Nacional” (proteção de e para o Estado-Nação) pela noção de “Se-gurança Pública” (proteção para todos os cidadãos), bem como os esforços institucionais realizados nas últimas décadas em prol de um enfoque multidimensional que responda às demandas e anseios sociais, o aparelho de segurança e justiça criminal pouco se modifi-cou na América Latina.

Por um lado, um estudo realizado pela OEA (Organização dos Estados Americanos) em 2008 aponta que as estatísticas oficiais da Segurança ainda apresentam um conjunto de limitações e obstáculos em praticamente todos os países da região: falta de sistemas em nível local e nacional padronizados; inconsistência dos dados produzidos (diferenças con-sideráveis entre o número de crimes efetivamente praticados e o número daqueles que fazem parte das estatísticas oficiais); baixos níveis de confiança da população em relação às instituições policiais e jurídicas; precária complementaridade entre as pesquisas de vitimi-zação e as estatísticas oficiais; descontinuidade de tempo e métodos empregados.

Por outro, há recentemente uma grande movimentação dentro e fora dos governos pen-sando e propondo a produção, o tratamento e a interpretação de dados criminais que sejam os mais confiáveis possíveis e que facilitem o desenho e a definição de estratégias de controle e de prevenção de delitos. É nesse movimento que se insere esta publicação. Afinal, o tema, que em uma primeira leitura revela uma dimensão técnica preponderante, não pode se resumir a uma discussão de especialistas. A entrevista com Renato Sérgio de Lima nos fala precisamente dos rebatimentos e implicações que a discussão sobre siste-mas de informação e gestão de dados, na área de Segurança Pública, tem sobre a própria compreensão e o modo de fazer políticas de segurança, e nos mostra que os principais obstáculos nem sempre são, como se poderia esperar, de ordem técnica.

Os dois textos seguintes apresentam exemplos concretos das inovações que vêm sendo geridas no âmbito da Segurança Pública no Estado de Pernambuco, Brasil. A equipe res-ponsável pelo levantamento, processamento e sistematização dos dados de homicídio no estado compartilham sua reconhecida experiência, nos ajudando a difundir práticas e metodologias que já vêm sendo estudadas e replicadas em outros estados brasileiros. Para além dos casos práticos apresentados, os autores Gerard Sauret, Gustavo Brasil e Jonas Sobral Moreno mostram-nos, dialogando com a própria fala do Renato, que a metodolo-gia e as técnicas estão ao alcance dos governos.

Não poderíamos também deixar de mencionar o fato de que a busca por trazer uma discussão de âmbito regional enfrentou um obstáculo considerável: a dificuldade em identificar instituições e autores que pudessem contribuir para este debate. Se as experi-ências localizadas de criação de instituições voltadas à coleta e análise de dados como Observatórios Municipais da Violência estão se multiplicando na América Latina, essas vêm sendo desenvolvidas de modo fragmentado, e ainda não é possível obter-se um pa-

norama harmonizado, apesar dos esforços realizados pelo Observatório Interamericano de Segurança (Crime e Violência) da OEA. Nesse sentido, o depoimento dado por Marta Lagos, diretora do Latinobarómetro, reconhecido estudo regional de opinião pública que inclui entre seus indicadores os temas de (in)segurança, nos fornece algumas pistas sobre os desafios latinoamericanos no campo da produção regional de informações.

Por fim, este segundo caderno traz um tema que, a princípio, pode parecer distante do debate da prevenção da violência. Como Renato Sérgio de Lima observa na entrevis-ta concedida para esta publicação, a variável prevenção não é uma agenda específica nos sistemas de informação da Segurança Pública. Então, pode-se perguntar, por que o Projeto URBAL - Políticas Locais de Prevenção da Violência decidiu por dar destaque ao tema?

Primeiramente, porque queremos chamar a atenção para como as ações de prevenção da violência podem ser fortalecidas se desenhadas e monitoradas em consonância com informações sólidas sobre vulnerabilidades e violências territoriais produzidas pelo campo da Segurança Pública. Afinal, mesmo que atuem também com foco na inclusão e coe-são social, as políticas de prevenção da violência se diferenciam das políticas sociais de caráter universalista, devendo ser focalizadas nos grupos que estão mais próximos das “oportunidades” que incitam a produção da violência/crime e/ou de circunstâncias que contribuem para a vitimização. Além disso, porque acreditamos que fortalecendo as ca-pacidades institucionais de gestão da Segurança, contribuiremos para uma atuação mais “racional”, que ultrapasse os modelos antigos pautados em estereótipos sobre o crime e a violência (sobre potenciais produtores, vítimas e circunstâncias) e que se fundamente em uma lógica onde controle e prevenção da violência sejam vistos como elementos complementares.

Apresentação do entrevistado

Renato Sérgio de Lima é atualmente membro do Conselho de Administração do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, do qual foi Secretário Executivo entre 2008-2012, e é editor da Revista Brasileira de Segurança Pública. Doutor em Sociologia pela Universidade de São Paulo (USP) e com Pós-Doutorado pelo Instituto de Economia da UNICAMP, vem desenvol-vendo trabalhos nas áreas da estatística e gestão da informação, com foco na Segurança Pública.

Foi coordenador-geral de análise da informação da SENASP (2000 e 2003) e chefe da Divisão de Estudos Socioeconômicos da Fundação Sistema Estadual de Análise de Dados - SEA-DE (2004-2009). Também foi professor do Departamento de Sociologia da USP em 2004 e 2005.

Renato também faz parte do Conselho Fiscal da Sociedade Brasileira de Sociologia - SBS (2012-2013) e é Diretor Científico da Anipes - Associação Nacional das Instituições de Pla-nejamento, Pesquisa e Estatística.

ENTREVISTA – RENATO SÉRGIO DE LIMAPor: Júlia Loonis Oliveira

Abril de 2012

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Eu gostaria que você apresentasse um pouco o que é o Fórum Brasileiro de Segurança Pública do qual você é Secretário Executivo, e como surgiu essa iniciativa.

O Fórum nasceu em 2006. É uma OSCIP – Organização da Sociedade Civil de Interesse Público, título outorgado pelo Ministério da Justiça. Na prática, a ideia é exatamente como o nome diz: construir um fórum para discutir o modelo de Segu-rança Pública brasileira, entendida enquanto a forma como a sociedade e o Estado lidam com a temática da segurança, não restrita apenas à dimensão policial. Quan-do começamos a trabalhar em 2006, nós éramos aproximadamente quarenta. Hoje somos quase cem.

O Fórum nasceu na ideia de que nos últimos 15 anos o Brasil avançou bastante em relação a uma agenda política de reforma da Segurança Pública, que infelizmente não se transformou numa agenda de reforma legislativa. Desde a Constituição de 88, não conseguimos regulamentar, seguindo o Artigo 144 da Constituição, o que fazem as instituições encarregadas de prover Segurança Pública. Então o Fórum nasce no momento em que temos um dinamismo muito intenso por parte da so-ciedade civil, de centros universitários, centros de pesquisa, entidades da sociedade civil, associações, até mesmo associações de caráter mais sindical/corporativas de policiais, de guardas municipais, fazendo uma pressão muito forte sobre o Estado, pensado enquanto municípios, estados, União, enfim, enquanto ente maior, em re-lação à constatação de que era necessário mudar algumas das práticas de hoje. Essa pressão feita pela sociedade civil, pela Universidade, de algum modo ecoa-va pouco para dentro dos operadores da Segurança Pública, sobretudo policiais e, mais recentemente, guardas municipais. Você tinha quase dois mundos apartados, muitas vezes em conflito, em desconfianças mútuas. Até falavam as mesmas pala-vras, mas essas tinham significados completamente diferentes se utilizadas por um operador da segurança, um policial ou por um pesquisador, um representante da sociedade civil. Nesse sentido, o Fórum vem para fazer pontes e traduções entre esses diferentes segmentos, incluindo a mídia, para que as palavras utilizadas sejam as mesmas com os mesmos significados.

Não é um desafio fácil, nem trivial. Era interessante que incentivássemos esse de-bate, que aproximássemos esses segmentos, que tentássemos vencer alguns dos preconceitos mútuos em relação a quem é o policial brasileiro, quem é a sociedade civil, quem é o pesquisador, e como eles se articulam. A ideia era aproximar esses públicos por meio de uma produção intensa de referências técnicas e de informa-ções. Nós fizemos uma aposta muito forte na ideia da produção de dados, infor-mações e referenciais técnicos como tática para conseguir pautar os temas que de alguma forma eram temas tabus. Começamos então a organizar o Encontro Anual, que em 2012 chega à 6ª edição. Nós já tivemos encontros em Pernambuco, Minas Gerais, no Espírito Santo, em São Paulo e em Brasília. Nesses encontros, a média é

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de 1.000 participantes (em São Paulo chegamos a 1.500 pessoas). O formato, acadê-mico, é de mesas redondas, oficinas, para discutir tanto temas de caráter estrutural como conjuntural e operacional. Isso faz com que tenhamos criado um ambiente de troca e de intercâmbio muito interessante. Até hoje, com exceção do Encontro do Fórum, os espaços existentes são os espaços das feiras. São importantes para você conhecer a tecnologia, mas são para comprar, para ver o melhor computador, etc. São mais um happening comercial do que para pensar revisão de processos. Então o Encontro do Fórum foi se constituindo como espaço de reflexão muito importante.

Junto a isso, o Fórum atua por meio de uma série de outras ações. Temos a Revista Brasileira de Segurança Pública, que é um periódico científico, com uma propos-ta de produzir reflexões sobre polícia com uma diferença: convidando os policiais a escreverem. Muitos policiais produzem academicamente, mas não têm os seus espaços reconhecidos. Às vezes com qualidade até muito superior à média da pro-dução acadêmica. A Revista tem, portanto, o adicional de incentivar a disseminação da produção dos policiais, dentro das linguagens, das exigências, dos requisitos da Universidade.

E finalmente, o que podemos considerar o nosso produto de maior visibilidade: o Anuário. O Anuário nasceu da ideia de trabalhar com a compilação de dados já existentes (nós não produzimos os dados que publicamos), porque sabíamos que os dados estavam todos dispersos. Por exemplo, dados sobre despesas de Seguran-ça Pública há muitos anos estavam no site da Secretaria do Tesouro Nacional, mas pouca gente sabia que estavam lá. Era uma informação para especialistas de finan-

O que é o Fórum Brasileiro de Segurança Pública?

O Fórum Brasileiro de Segurança Pública é uma organização não-governamental cuja missão é atuar como um espaço de referência e cooperação técnica da atividade policial e da gestão da Segurança Pública no Brasil. Para isso, as principais ferramentas do Fórum são a promoção do intercâmbio, da cooperação técnica, a manutenção de canais permanentes para o diálogo e a ação conjunta entre seus associados, filiados e parceiros.

Desde sua criação, em 2006, com o apoio, entre outras instituições, da Fundação Ford, do Open Society Institute e da Fundação Tinker, e em parceria com o Ministério da Justiça, o Fórum tem atuado com particular ênfase no debate sobre transparência dos dados e avaliação das políticas de Segurança Pública. Hoje, produtos como o Anuário Brasileiro de Segurança Pública (compêndio de dados e estatísticas de Segurança Pública) e o En-contro Anual do Fórum se tornaram referências nacionais.

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ças. Em relação aos dados criminais, nós tínhamos um problema no Ministério da Justiça, ligado ao SINESP (Sistema Nacional de Informações de Segurança Pública), no qual o dado apresentava problemas metodológicos. Ele trazia consigo dilemas políticos: divulgar um dado, comparar um estado bom com um estado ruim... O Ministério da Justiça tinha certa dificuldade em publicar essa informação. O que fizemos? Fizemos um acordo com o Mi-nistério para organizar os dados e passamos a publicá-los. Isso gerou, no primeiro momen-to, uma grande comoção. “Como? O dado está errado!”. Aos poucos fomos percebendo que o dado podia estar errado, mas ele revelava fragmentos importantes da realidade social e institucional, e, aos poucos, os dados começaram a melhorar. Começamos um debate no Brasil sobre a qualidade da informação criminal e sobre como essa informação criminal servia como insumo de planejamento e operacional.

Se de um lado conseguimos legitimar o dado e a informação criminal como insumos do planejamento e da gestão, ainda há uma necessidade de pensar o dado na agenda de accountability, de prestação de contas, ainda mais agora com a nova lei de acesso à informação, que vai fazer com que todos tenham que fornecer essas informações. Não tem mais a possibilidade de você alegar o segredo, senão classificando o dado como sigiloso, mas aí haveria de criar um embasamento jurídico para justificar o sigilo. Daí muitos dos argumentos se esvaem. Temos então um momento positivo de tensão de-mocrática propício para pensarmos uma agenda democrática de transparência. A nossa aposta foi: por meio das referências técnicas existentes, induzir um debate sobre trans-parência e accountability e fazer com que esse debate provoque tensões no modelo de organização da Segurança Pública brasileira. Ou seja, usar a técnica para discutir ques-tões substantivas, entrar no debate sobre análise criminal para discutir como melhorá--la, mostrando que vai chegar o momento em que a análise vai precisar de pactuações sobre o que se quer contar. Homicídio para uns é uma coisa, para outros é outra coisa. E não adianta ter o melhor registro, o melhor sistema tecnológico, se eu não tiver uma pactuação sobre como contar determinados fatos. Ao fazer isso, vamos destacando a relevância da dimensão política numa perspectiva Arendtiana, de espaço público.

O Fórum completa seis anos em 2012 com esse papel muito claro de pautar a discussão, urgente, sobre a reforma da Segurança Pública brasileira por meio da explicitação dos nos-sos dilemas como, por exemplo, um custo altíssimo, uma baixíssima eficiência, o convívio com violência policial, com violência criminal, com letalidade e vitimização policial. Em um cenário onde, de alguma forma, por várias razões que não cabe nem refletir aqui, de um lado se guetificou as entidades de direitos humanos, nós falamos: “É mais que legíti-mo o discurso dessas entidades, e esses temas precisam estar na agenda, sim”. Porque se você não coloca esses temas – faz parte de todas as organizações, não só das polícias, se fecharem nos seus problemas, falarem que os problemas são menores do que realmente são –, vamos viver um quadro de constante insulamento, de constante reprodução, de mais do mesmo. E, enfim, está mais do que escancarado que o “mesmo” já não atende às expectativas do Brasil. Chego até a pensar que em breve o Brasil não vai ter fôlego para conseguir fazer mais do mesmo, porque o custo é altíssimo em vidas, altíssimo em re-

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cursos financeiros e altíssimo em garantia de direitos. Nós deixamos muito a desejar, seja pensando em déficit democrático ou em déficit econômico, ainda estamos longe de ser o Brasil desenvolvido que gostaríamos.

O Anuário, onde os estados brasileiros são classificados em grupos em função da confiabilidade de seus dados, tornou-se uma das referências anuais para qual-quer tipo de pesquisa, de análise sobre homicídio. Outra referência é o Mapa da violência do Instituto Sangari, construído com os dados da saúde. Os dois são ini-ciativas privadas. No âmbito público, existe o Sistema Nacional de Informações de Segurança Pública, do Ministério da Justiça, do qual você falou. Afinal, qual é a realidade dessa questão dos dados no Brasil? Ainda estamos com muitas fontes diferentes?

Na verdade estamos com menos fontes do que já tivemos. A minha tese de doutorado foi sobre a história das estatísticas criminais no Brasil. As primeiras referências estatísticas criminais são de 1871, na lei que cria o Inquérito Policial. Essa lei foi regulamentada em 1878. São 50 páginas de estatísticas. Nesse mesmo ano de 1878, a Secretaria de Governo, que era responsável pela Diretoria Geral de Estatísticas, criou mais outra lei pedindo uma grande quantidade de estatísticas que, de alguma forma, marcou a história das estatísticas das informações no país. Nós sempre tivemos uma produção bifurcada e extremamente profícua em relação a essa área. Quando eu tenho na área da saúde uma autorização de internação, as AIHs – Autorizações para Internação Hospitalar, a finalidade dessa au-torização é o documento, registro administrativo para fins de pagamento dos custos de internação. Mas no debate da área da saúde, onde a questão da informação no dado é mais consolidada, descobriram que a AIH poderia servir para produzir estatísticas muito poderosas sobre morbidade e sobre a forma como o sistema de saúde aborda a questão das epidemias e das próprias doenças.

Na área da segurança temos muitos dados, porque envolve também todo o sistema de justiça. Nós temos desde os anos 1940 a legislação (artigo 809, do CPP) que estabelece que teríamos que produzir dados de forma longitudinal, envolvendo o Ministério Público, Sistema Prisional, Poder Judiciário. Isso não acontece. Nós temos milhões e milhões de registros de dados, porém não conseguimos transformá-los em informação. Essa é a nos-sa grande carência.

No meu ponto de vista, essa transformação em informações não acontece por dois mo-vimentos: de um lado, é porque ela nunca foi vista como instrumento de planejamento e gestão, como agora tem acontecido. De outro lado, é a ideia que o dado não serve como uma ferramenta de prestação de contas, de accountability, de atribuição de responsa-bilidade que seria, dentro de uma democracia, o ideal. Ou seja, o dado serve para você fazer operação, mas ele também reflete a forma como a sociedade enxerga a instituição,

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enxerga o que está acontecendo. E, numa tradição ainda extremamente tributária de uma visão autoritária, o país não consegue ver importância em prestar contas, que eu acho ser o grande desafio agora da nova lei. O Brasil ainda enfrenta o desafio de fazer com que o gestor – que tem problemas de falta de recurso, baixos salários, cuja reação é “eu ainda te-nho que prestar contas à população?” – entenda que sim, porque talvez aí esteja o grande ponto forte, e não o ponto fraco como ele imagina.

Nesse processo de coleta de dados, gerar informação e utilizar essa informação no planejamento, quais são os obstáculos que ainda existem: são orçamentários, políticos, culturais?

Eu diria que temos um desafio eminentemente político. Problemas metodológicos exis-tem. Eu tenho uma carreira de 20 anos em instituições de estatística pública e eu fui apren-dendo que nenhum dado revela a realidade na sua totalidade. Existe ainda certo fetichismo, seja da tecnologia ou do número, herdado de uma visão tributária ao positivismo, de que nós vamos conseguir descrever a verdade, a realidade. Isso não existe. Vamos descrever um determinado momento histórico, um determinado recorte de olhar que serviu para guiar uma ação. Quando eu estou falando de crime eu estou falando dos crimes tipifica-dos no Código Penal a partir de determinado momento cultural. Ou seja, se eu for pen-sar problemas metodológicos, eu não saio do lugar, porque eles são muitos. A questão é: se eu tenho clareza sobre quais são as questões metodológicas envolvidas, aí, sim, o dado pode se transformar rapidamente numa informação e gerar conhecimento para ser aplicado nas políticas públicas.

Uma das discussões metodológicas mais importantes é a constituição de um sistema de Metadados, que consiste em dizer como esse dado foi construído, quando, por quem, com que finalidade. Esse é um desafio. O Brasil tem experiência para isso. Na União Eu-ropeia há uma iniciativa interessantíssima: o Eurostat, que fica em Luxemburgo, onde há discussão clara sobre a produção de Metadados: como organizar, como transformar realidades jurídicas diferentes, como a da França, Itália, Luxemburgo, Bélgica... Como con-tar crimes, homicídios nesses quatro países? O Eurostat faz um esforço muito grande de pactuação, com uma equipe pequena, com dados que não são de ontem, mas do ano anterior. Eles produzem um informe pequeno de 10 páginas, só que a contribuição deles é muito efetiva no planejamento das relações da União Europeia. Inclusive, o Eurostat é uma iniciativa que o Fórum foi conhecer, para tentar estabelecer parcerias e uma agenda de trabalho de cooperação.

Então, para retomar um pouco do que eu tinha dito, o problema da informação no Brasil hoje é eminentemente político. Trata-se de uma decisão do Estado brasileiro de fazer com que a informação seja, de um lado, insumo de gestão, e do outro, uma ferramenta básica de accountability e de pressuposto democrático. Há 15 anos começamos a fazer isso, mas ainda temos pouco a comemorar, mesmo reconhecendo que foram dados os passos, foram construídas as bases, que o sistema do Ministério da Justiça é uma iniciativa. Tanto que o Fórum opta por divulgar esses dados, com todos os defeitos do

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sistema. Isso exige que criemos grupos de qualidade da informação, façamos testes estatísticos mais sofisticados que nem sempre são claros para a população. Seria muito cômodo pegar os dados da saúde, mas esses dados da saúde têm uma infor-mação ou duas sobre violência letal. Eles não falam de homicídio, eles falam: morte por agressão. Num processo onde você só tem aquela informação do DataSus, você “coisifica” ou “reifica” essa informação, quando o Sistema do Ministério da Justiça avançou muito e que, em vários casos, a informação que ele fornece é de melhor qualidade para os fins de acompanhamento de prevenção criminal e da violência que os da saúde. A saúde se preocupa com o controle epidemiológico. A morte é um problema de saúde pública, mas a morte em si revela muito mais, então temos que pensar um pouco nisso. Essas equivalências são importantes de serem pactuadas. É importante que tenhamos o Ministério da Saúde, que o Instituto Sangari publique o Mapa da Violência. É fundamental. Mas eu não posso ver o Mapa da Violência, por exemplo, ou os dados do DataSus, sobretudo, como a única informação verdadeira.

Se eu quero pensar a modernização de um modelo, a informação que vai contribuir é a dos dados dos estados, porque vão revelar o estágio atual do desenvolvimento desses sistemas. Que adianta ter a informação se eu não consigo induzir melhorias de ferramentas de análise, de captação de registro? Então eu diria que, nesse momento, há uma multiplicidade de atores começando a se interessar pela dimensão política da pactuação sobre os conteúdos da informação. É como eu disse: temos muitos dados. Mas agora as pessoas começam a se interessar, transformar isso em informação e for-çar, com base nessa informação, políticas públicas mais eficientes, menos violentas e que façam com que a prevenção da violência seja, de fato, uma variável que norteia a política pública.

E aí você tem outra questão embutida que é uma questão mais de fundo. A partir da Constituição de 88, temos uma ruptura em relação ao modelo de Segurança Pública, mas é uma ruptura, ainda, apenas discursiva, que depende de várias reformas. Até então as polícias haviam quase sido sequestradas por um modelo que as colocavam, assim como os demais órgãos de segurança, como guardiãs da defesa dos interesses do pró-prio estado, com todas as questões que isso envolve, inclusive, no modelo patrimonia-lista – fazendo uma reflexão mais sociológica da questão. A partir de 88, entramos num momento importante para a defesa dos interesses da sociedade. O que isso significa? É um processo de aprendizado que ainda está em curso. Como a sociedade civil intera-ge? Como as relações estão se dando? Como divulgamos e publicamos dados? Como aprender que gestão e divulgação são faces de uma mesma moeda? Como isso nos fortalece em vez de nos enfraquecer? Então vamos quebrando a lógica do segredo, do sigilo, e com isso vamos induzindo e permitindo um debate um pouco mais qualificado.

Todo esse caminho para dizer que estamos num momento onde conseguimos ten-sionar o modelo de defesa do estado, conseguimos inflexionar o discurso. São pou-cas as pessoas que têm coragem, hoje, de defender o segredo da não divulgação das

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estatísticas. Mas ainda não conseguimos, seja com o Anuário do Fórum, seja com o Mapa da Violência, seja com todas as informações disponíveis, mudar o modus operandi do sistema de Segurança Pública brasileiro. Ainda temos o desafio de mudar o cotidiano e as práticas que já estão informadas e tensionadas pelos ares da democracia, mas o risco de retrocesso ainda não está muito longe.

Como o fato de ter um bom sistema de gestão da informação, de análise da informação pode contribuir para a transformação deste modus operandi? O fato de existir a discussão sobre o processo de transformação está con-tribuindo também para a discussão de políticas de prevenção, com um novo olhar?

Numa perspectiva um pouco pessimista, eu diria que para o olhar da prevenção, não. Numa perspectiva mais otimista, eu diria que acaba contribuindo, mas seja numa forma ou noutra, a questão fundamental é que o debate sobre sistema de informa-ção e a produção de dados no país ajudou, sem dúvida nenhuma, na discussão sobre mecanismos de transparência e controle. E aí, sim, com base nesses mecanismos de transparência e controle, torna-se visível a incapacidade do sistema de pensar em ter-mos preventivos. Alguns acadêmicos vão dizer que polícia não tem que fazer pre-venção coisa nenhuma, que a repressão acaba sendo preventiva, mas que o papel da polícia é de reprimir crime ou situações que vão contra a ordem, seja lá o que significa ordem pública no Brasil. De qualquer maneira, percebemos que o debate sobre produção da informação ajudou a pautar um pouco a forma como as instituições acabaram tendo que prestar contas à população. E aí, sim, você começa a discutir por que não se tem programas preventivos.

O debate da informação nasce mais ou menos a partir da promulgação da lei que exige a publicação trimestral dos dados de São Paulo, em 1995. É uma lei simples, não é nenhuma grande lei em termos técnico-jurídicos, mas ela signifi-cou um momento de ruptura muito importante em termos políticos, em termos institucionais, porque a partir daí as instituições não puderam mais reivindicar o segredo. A partir daí, elas tiveram que prestar contas, dizer o que estava aconte-cendo, por que estava acontecendo. Por exemplo, por que determinados crimes

percebemos que o debate sobre produção da informação ajudou

a pautar um pouco a forma como as

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contas à população. E aí, sim, você começa

a discutir por que não se tem programas

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estão acontecendo em certos lugares e não noutros? Por que não tem viatura em determinados lugares e tem várias em outros? Nessa perspectiva, os sistemas de informação tensionaram e são os grandes responsáveis por permitir que essas questões fossem formuladas.

Mas eu acho que a variável prevenção não é uma agenda específica desse debate sobre informação. O debate foi muito mais o da divulgação, o da gestão. O ganho para a prevenção, se houve (e eu acho que houve), foi mais indireto. Foi na perspec-tiva de que a prevenção começa a se beneficiar de um momento onde se mostra que o modelo repressivo não funciona. Está esgotado. O que você coloca no lugar? Aí começam as discussões que aproximam a sociedade civil, a Universidade, a pró-pria imprensa. Então não é uma relação de causa e efeito direto. Eu diria que é uma relação de interveniência indireta.

Pensando em iniciativas menores, no nível dos governos locais estamos vendo a criação de Observatórios de Segurança e Violência em vários mu-nicípios, como Canoas, por exemplo. São dimensões diferentes do que ví-nhamos falando, mas relacionadas à questão mais ampla da informação como subsídio da gestão da Segurança Pública. Quem são os atores que têm que estar envolvidos na produção de dados e informação – são atores municipais, federais?

No plano subnacional, temos que pensar duas coisas: uma é a experiência dos Consórcios Metropolitanos que aconteceram no país no final dos anos 90 e co-meço dos anos 2000. De algum modo o de São Paulo. Eu acho que aqui no Nordeste teve alguns. Essa experiência deu o tom de como mobilizar. Qual era o pressuposto por trás dos Consórcios? O município tinha um papel fundamental, porém, em áreas conturbadas você precisava articular os esforços junto aos vários municípios. Isso é uma premissa que, tecnicamente falando, ainda se mostra forte, mas de difícil operacionalização.

O município tem que ser pensado enquanto um dos entes fundamentais, que ga-nha um pouco com todo o debate nesses últimos anos. Associado a ele você tem o discurso forte em relação ao papel do estado, das unidades da federação, ligado à crise de identidade dos estados desde a Constituição. Porque a Constituição foi, ao mesmo tempo, e até contraditoriamente, centralizadora – atribuindo à União uma série de responsabilidades – e descentralizadora – atribuindo aos municípios uma série de outras responsabilidades. Os estados ficaram no meio do caminho, sem ao certo saberem o que eles podem fazer. Então temos uma discussão federativa sobre o papel do estado. Ele gerencia recursos da educação, mas a partir de critérios nacio-nais, e passa a verba da educação básica para o município. O mesmo acontece com a saúde. Ou seja, existe um sistema de coordenação que de algum modo funciona, mas esse foi quase – eu vou usar um termo forte – uma gambiarra para conseguir

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dizer que os estados são importantes. No caso da Segurança Pública há uma inversão disso, e claramente os estados foram fortalecidos. Foi estabelecido que o gerencia-mento das polícias civil e militar é dos estados, mas, ao mesmo tempo, fez-se com que esses estados estivessem completamente comprometidos com pagamento apenas de salários. Eles não têm capacidade de investimento e de inovação nessa área. Então, trata-se de uma discussão onde há um ator legalmente importante, que é o estado, mas que, na prática, é um ator extremamente – outro termo forte – débil, no sentido de suas capacidades institucionais.

Por outro lado, há outro ator que vem reivindicando espaço: o município. Porém esse município também não sabe nem como formular a questão da prevenção da violên-cia, por exemplo. Aliás, no campo da Segurança Pública, os municípios reivindicaram a prevenção da violência porque era um nicho não ocupado pelas polícias. Mas de que tipo de prevenção estamos falando? De prevenção primária, secundária, terci-ária? Como se constrói uma agenda? Criam-se as guardas municipais para parecer que o prefeito tem a sua polícia? Então quando você fala do Sistema de Informação nesse ponto é interessante, porque os dados foram revelando essa complexidade. E os dados, não só na sua descrição fática (como, por exemplo, a quantidade de mu-nicípios que têm programa de policiamento, como consta na MUNIC do IBGE), mos-tram que em determinado território a violência está crescendo, que ali a Prefeitura tem um papel, tem um programa. De algum modo, assim se conseguiu reorganizar o debate público, forçar uma reflexão sobre novos atores. Nesse ponto, como trazer a sociedade civil para participar? No modelo das CONSEG’s? No modelo de uma polícia comunitária? Como se constrói envolvendo, por exemplo, as Ouvidorias? As Ouvido-rias hoje têm força ou não para dialogar com as instituições de Segurança Pública?

Neste cenário complexo, sem começo nem fim, a tensão gerada pela introdução da transparência e pela compilação e organização de dados que já existiam funcionou trazendo à tona não só um novo ator como o município, mas uma nova gramática em relação à Segurança Pública. No final dos anos 90, não à toa, tínhamos generais como Secretários de Segurança. Foi a década dos generais. Hoje são delegados de polícia federal. Mas já se trata de uma mudança: substituiu-se um problema militar por um problema policial. Eu acho que caminhamos para discutir Segurança Pública como algo bem além de enfoques apenas repressivos. Aí, sim, eu consigo ver uma contribuição positiva desse movimento de publicização de dados, sejam eles os mais heterogêneos possíveis.

Qual é a situação da América Latina nesse tema e qual a situação do Brasil em relação aos outros países?

O Brasil faz feio. Faz feio porque, na prática, em termos de patamar da violência, o Brasil está junto com países que estão com conflitos deflagrados, como Colômbia, México, El Salvador, Guatemala, Honduras, onde os territórios estão ocupados por

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grupos de narcotraficantes, de crime organizado. Isso só aumenta a indignação, porque temos no Brasil um Estado muito mais forte, muito mais consolidado do que certos países que estão re-almente sem nenhuma capacidade institucional.

De algum modo, temos que colocar no debate o questionamento: o que o Brasil quer fazer? Se compararmos com um Estado grande como o México, por exemplo? O México fez uma esco-lha: entre prevenir violência e reprimir o crime organizado, ele optou por reprimir. O efeito per-verso disso é que a violência subiu às alturas! Nas UPPs no Brasil, para usar um exemplo de repercussão internacional, por mais que não se possa explicitar isso, se fez a opção contrária, ou seja, controle territorial e prevenção da violên-cia. Não se busca reprimir o narcotráfico. E isso

de alguma forma tem mostrado resultados na prevenção da violência. Isso con-tradiz o discurso mais repressivo, associado à ideia de que reprimir o narcotráfico ou outras modalidades do crime organizado significa prevenir violência. É preciso ter clareza, inclusive desprendimento, para fazer um debate sobre o que significa falar de prevenção da violência. Muitas vezes é aceitar que determinadas situações precisam ser explicitadas, como o próprio Presidente da Colômbia reconheceu, por exemplo, na Cúpula das Américas, a necessidade de um debate maior sobre o papel das políticas sobre drogas. É fundamental. E vindo do presidente da Co-lômbia, vindo inclusive do próprio presidente Barack Obama, quando ele diz que descriminalizar não é a solução, mas que ele não refuta isso, é um enorme avanço simbólico diplomático.

O Brasil por outro lado, por mais que se sinta diferente da América Latina, ele não o é em muitas questões. As estruturas de Segurança Pública brasileiras são muito similares às da América Latina, porque foram em muito tributárias da Guerra Fria, do modelo de defesa nacional que depois foi transmutado para o modelo de segurança nacional, dos interesses do Estado. No modelo de defesa nacional, você tinha no ini-migo externo o seu antagonista. Os regimes autoritários perceberam que era neces-sário transmutar o conceito para o de segurança nacional, para ter a possibilidade de reprimir o inimigo interno. E ao fazer essa inflexão, se perenizou um discurso muito forte entre um modelo de segurança e desenvolvimento que ainda nos assombra e nos persegue, e que é o nosso grande desafio hoje.

O Brasil tem taxas muito altas. Países como o Uruguai, o Peru, até mesmo a Argenti-na têm taxas de violência muito menores que as nossas. Essas taxas mostram que a relação entre pobreza e violência não é, como muitos afirmam, direta. Que a ques-

o Brasil tem um modelo de desenvolvimento que faz com que várias questões o coloquem como protagonista do cenário internacional, mas com chagas e situações que nos colocam como os piores exemplos a serem seguidos.

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tão do desenvolvimento é, sim, um fator, mas que, na prática, a segurança é um fator de desenvolvimento, não o contrário. Isso abre uma agenda mais estratégica que nos desafia a pensar qual é o papel da segurança, frente, por exemplo, aos grandes eventos como Olimpíadas, Copa do Mundo, frente à nova posição do país no mundo como um dos BRIC’s, como país de médio desenvolvimento e sexta maior economia do mundo. Ou seja, o Brasil tem um modelo de desenvolvimento que faz com que várias questões o coloquem como protagonista do cenário inter-nacional, mas com chagas e situações que nos colocam como os piores exemplos a serem seguidos.

E em termos de processamento de dados, de coleta e análise de dados?

Em termos de tecnologia nós não devemos nada aos modelos mais desenvolvidos. Nós temos capacidade, equipamentos, tecnologia, softwares, inovação, criação. Te-mos tudo isso. Temos exemplos e cases de sucesso.

O problema é que nos falta capacidade de articular tudo isso com a realidade que eu já descrevi, para mudar a chave e fazer com que isso se transforme em políticas mais eficientes. Um exemplo claro é que temos, já há muito tempo, o controle das informações sobre letalidade policial. Alguns analistas vão dizer que é preciso analisar as características do crime no Brasil, que temos que entender que a população anda muito armada. Mas não é verdade. Nos Estados Unidos, por exemplo, a população anda muito mais armada e a taxa de homicídio é muito menor do que a brasileira. Então significa analisar o valor que damos a alguns pressupostos, como por exemplo, em relação à forma como enfrentamos isso e ao valor que se dá à vida. Como esses tabus são enfrentados? Não à toa puxei esse tema da letalidade porque só alguns estados brasileiros divulgam os seus dados, os outros não divulgam, não falam o que acontece. Com esse tipo de zona de sombra, o Brasil está mantendo obstáculos, e não pequenos, pelo contrário, grandes, ao desenvolvimento. Pode-se até fazer um debate sobre de que modelo de desenvolvimento estamos falando, mas, na prática, trata-se de um modelo de desenvolvimento que ofereça, no mínimo, qualidade de vida e direitos para a população. O mote governamental dessa gestão do governo é “País rico é um país sem pobreza”. Essa é uma questão fundamental. Isso não quer dizer que deva ser todo mundo rico, porque isso não existe nem na Suíça. Mas na prática temos que oferecer condições mínimas de vida para a população.

Você estava falando em “sombras”. Pensando nas recentes polêmicas so-bre a fidedignidade dos dados de Minas Gerais ou do Rio, onde se mostrou que a diminuição de homicídios era paralela ao aumento da taxa de mor-tes a esclarecer, o que isso nos diz?

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Isso remete à questão que eu lhe falei, das resistências em mudar o modus operan-di. Mudamos o discurso, mas o modus operandi não. Já temos o pudor de fazer um discurso diferente. Mas na prática não sabemos ainda bem como construir algo que não seja só um novo discurso. Nós temos as técnicas mais modernas: análise cri-minal, métodos quantitativos, tecnologia. Mas o mais importante é converter tudo isso em práticas de accountability.

Qual seria o exemplo mais exitoso, atualmente?

Eu diria que atualmente o modelo mais interessante de coordenação e de esforços é o Pacto pela Vida, de Pernambuco. Este também é vinculado à Secretaria de Pla-nejamento, que controla recursos, e vinculado ao núcleo estratégico do governo, que está encarregado do monitoramento. Qual a vantagem? Confere maior von-tade política, centralidade e independência das reformas legais (que nunca acon-tecem), e possibilidade de funcionamento. Mas qual é o risco embutido? Que ao mudar o dirigente tudo vai para o espaço e todo mundo volta a fazer aquilo que sempre soube fazer.

Então o que fazer? Qual seria a solução para fortalecer justamente coisas que funcionam, como funcionaram em Minas, e agora estão funcionando em Pernambuco.

Em termos políticos, um dos passos a serem dados seria (fazendo uma analogia com o nome do programa de Pernambuco) fazer um “Pacto de Governadores pela Vida”. O governo federal não tem nem disposição, nem condições de fazer sozinho esse trabalho de coordenação. Quando eu falo que não tem condições é porque, pelo próprio lugar que ele ocupa, ele não pode subordinar os governos. Estamos diante de um dilema federativo fundamental, que faz com que os governadores po-deriam puxar um debate que influenciaria o Congresso, as suas Assembleias Legis-lativas e o próprio Governo Federal. Poderia se pensar em espaços de coordenação, sem subordinação, sentando junto para definir o que significam algumas categorias, como contar, como somar? Quem são as pessoas que estão negociando essas ca-tegorias? Elas têm mandatos para isso? Então à pergunta: o que está dando certo? Acho que a resposta é: aquilo onde você tem os mandatos mais delimitados.

Aconteceu isso em Minas, em São Paulo: no momento que você fragiliza o man-dato, você fragiliza o próprio exemplo. E nesse sentido a lição que fica é que pre-cisamos delimitar mandatos, explicitar responsabilidade, deixar claro a questão da transparência, da accountability, do controle. Parece retórico, mas está longe de ser. É um belo desafio de uma agenda política de médio e longo prazos. Porque por trás

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2 United Nations on Drugs and Crimes, ou Escritório das Nações Unidas para Crimes e Drogas (ONUDC)

de um item muito técnico, como o dado, você está embutindo uma das maiores batalhas da atualidade que é, no caso brasileiro, definir qual é o sentido do Estado. Para que serve o Estado moderno?

Última pergunta, de uma perspectiva regional de novo. Se queremos hoje buscar dados comparativos entre países latinoamericanos, existe alguma iniciativa de compilação, estudo, ou ainda estamos muito longe de chegar a isso?

Existem algumas iniciativas, mas que não conseguiram escala para padronizar em nível nacional. O mais famoso de todos é o Latinobarómetro que faz uma pesquisa de vitimização com todos os países. Só que pesquisa de vitimização é fácil. Você fecha os requisitos e aplica. Mas em termos de registro administrativo de estatísti-cas, não. A ONU tem um investimento grande, pela UNODC2 , para se ter o mapa pelo menos dos homicídios do país, separando dados do Ministério da Saúde e Ministério da Justiça. Sofre de uma defasagem temporal, metodológica, mas existe esse esforço. O México está fazendo um grande esforço, inclusive esse ano orga-niza uma reunião para pensar metodologias de pesquisa sobre crime. O BID tem um projeto de padronização de metodologias que envolve Colômbia, Chile, Peru e mais uns cinco países da região, mas tudo como micro ações. Então não consegui-mos escala suficiente. O analista que quiser comparar os dados neste campo vai ter que fazer uma série de traduções e pontes. Mas dá para usar e comparar, com um pouquinho de trabalho. Infelizmente não temos na região uma iniciativa como o Eurostat na União Europeia, onde se conseguiu coordenar esforços (o MERCOSUL foi uma iniciativa que se enfraqueceu). Ainda falta um Stat latino-americano que dê conta disso. Talvez isso seja uma agenda para a cooperação, até porque não só as formas de cooperação estão mudando muito, como os temas também. E no caso da Europa, pela crise nos países financiadores, a cooperação está indo muito pelo caminho da questão do desenvolvimento, da violência armada. Se você pensa na prevenção da violência, você tem que pensar nas capacidades institucionais, ne-cessárias para saber exatamente o tamanho do problema. Hoje, não conhecemos o tamanho do problema.

Apresentação dos Autores

Gerard Viader Sauret é formado em sociologia e antropologia pelas Universidades de Barcelona (UB) e Autônoma de Barcelona (UAB), respectivamente, e mestre em Saúde Coletiva (área de concentração em Epidemiologia) pela Universidade Federal de Per-nambuco (UFPE). Desde junho de 2007 ocupa o cargo de gerente de análise criminal e estatística na Secretaria de Defesa Social de Pernambuco (GACE/SDS-PE). Também tem sido professor da especialização em Políticas Públicas de Segurança (Facipe).

Gerard é autor e organizador do livro “Estatísticas pela Vida. A coleta e análise de informações criminais como instrumentos de enfrentamento da violência letal”, pu-blicado pela editora Bagaço (2012).

Gustavo Henrique Brasil de Barros é formado em Administração de Empresas (FOC-CA) e Direito (FIR), pós-graduado em gestão de pessoas pela FADEPE e pós-graduan-do em políticas publicas de segurança pela FACIPE – SENASP. Desde maio de 2008, ocupa o cargo de chefe da Unidade de Coleta e Tratamento de Dados da Gerência de Análise Criminal e Estatística na Secretaria de Defesa Social de Pernambuco (GACE/SDS-PE). É instrutor de análise criminal e estatística e boletim de ocorrência eletrônico na SDS-PE.

Jonas Sobral Moreno é Capitão da Polícia Militar, Bacharel em Direito pela Universi-dade Salgado Filho (UNIVERSO) e advogado com registro na OAB-PE. Pós-graduando em Análise Criminal pela Faculdade LIONS – Fundação Educacional de Goiás. Desde janeiro de 2007, ocupa o cargo de chefe da Unidade de Análise e Interpretação de Dados da Gerência de Análise Criminal e Estatística na Secretaria de Defesa Social de Pernambuco (GACE/SDS-PE). Também tem sido professor dos cursos de formação de oficiais, sargentos, praças e de capacitação de cursos na área jurídica e no âmbito da análise criminal.

IMPLANTAÇÃO DO SISTEMA DE INFORMAÇÃO DE MORTES DE INTERESSE POLICIAL E

PULSEIRA DE IDENTIFICAÇÃO DE CADÁVER*

*Texto baseado no 1º capítulo do livro organizado por G.V. Sauret (2012): Estatísticas pela Vida: a coleta e

análise de informações criminais como instrumentos de enfrentamento da violência letal.

Por: Gerard Viader Sauret, Gustavo Henrique Brasil de Barros,

Jonas Sobral Moreno

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No Brasil, é conhecida a tendência das secretarias estaduais de segurança em monitorar a criminalidade segundo critérios próprios que avaliam como mais acertados, amparando-se em prerrogativas constitucionais. É o caso das esta-tísticas de homicídios, que sofrem com uma diversidade de metodologias de contabilização, classificação e agregação desses eventos fatais, apesar de ser o principal indicador que informa do processo de violência na sociedade (CANO; SANTOS, 2007; MIRANDA et al., 2007; WAISELFISZ, 2007). Contudo, nesses últi-mos anos tem havido um reconhecimento do parâmetro internacional adotado pela Organização Mundial da Saúde (OMS), que considera como epidêmica a situação de violência que ultrapassar o limiar dos 10 homicídios por cada grupo de 100 mil habitantes. Ora, resulta num paradoxo considerar como meta o parâ-metro da OMS, quando este é um critério do setor saúde que diverge do comu-mente adotado pelas secretarias de segurança no país.

A OMS (2003) aponta como homicídio todos os casos de morte por agressão heteroinflingida, com base na 10ª Classificação Intencional das Doenças e Pro-blemas Relacionados à Saúde (CID-10). Já o setor segurança no Brasil tem tido a propensão de adotar o critério jurídico do Código Penal, de 1940 (BRASIL, 2010), distinguindo os homicídios dolosos de outras mortes violentas intencionais que ganharam capitulação penal diversa, como os latrocínios e as lesões corporais seguidas de morte.

Para contornar esse problema, uma possível solução é seguir o critério da Se-cretaria Nacional de Segurança Pública (SENASP), que propôs, anos atrás, a criação do indicador agregado de Crimes Violentos Letais Intencionais (CVLI), reunindo, sob uma mesma rubrica, aqueles três tipos penais (BRASIL, 2006). O CVLI, portanto, congrega as cifras das principais mortes violentas dolosas7 e re-sulta numa iniciativa promissora para consolidar diante da sociedade o principal indicador de violência gerado a partir de fontes policiais. Desta feita, o CVLI teria a virtude de tornar praticamente equivalentes – em tese – os níveis de crimi-nalidade letal registrados pelo setor segurança com os catalogados pela saúde sob critérios epidemiológicos.

Cabe considerar, ainda, que o sistema da Segurança Pública no Brasil caracteri-za-se por uma fragmentação organizacional considerável entre as polícias civil, militar e institutos periciais. Do ponto de vista das informações, esse fraciona-mento se constitui em mais um empecilho na produção de dados confiáveis de

7 A Senasp poderia ter incluído no CVLI outras situações legais mais graves do que a lesão corporal seguida de morte (pena de 4 a 12 anos). É o caso, por exemplo, da tortura seguida de morte (pena de 8 a 16 anos), do estupro seguido de morte (pena de 12 a 30 anos) e da extorsão mediante sequestro seguida de morte (pena de 24 a 30 anos). Em Pernambuco, qualquer morte violenta intencional cuja pena média teórica iguale ou supere a da lesão corporal seguida de morte (média= 8 anos) é compu-tada como CVLI.

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mortes violentas. Pois não são poucas as secretarias de segurança que se ba-seiam apenas em uma fonte (geralmente os BOs da PC). Isso pode resultar em subnotificação quando aquele órgão vem a sofrer vieses e problemas, embora conjunturais, de cobertura ou continuidade no serviço prestado no conjunto do território. Todos esses fatores convergem para que muitas pastas de segu-rança apresentem estatísticas de mortes violentas aquém das notificadas pelo setor saúde (FBSP, 2011). Nesse contexto, porém, a Secretaria de Defesa Social de Pernambuco (SDS-PE) tem despontado como uma notável exceção.

Pernambuco figurou durante muitos anos entre os piores colocados nos rankin-gs nacionais da violência divulgados por instituições diversas (BRASIL, 2006; FBSP, 2007; WAISELFISZ, 2007). Em 2007, foi implantado o 1º Plano Estadual de Segurança Pública, denominado Pacto pela Vida (PPV), que reconheceu os ho-micídios como o problema de segurança mais grave no Estado8. Para enfrentar os altos índices registrados, o PPV propôs uma diversidade de medidas, aplican-do a filosofia da gestão por resultados e estabelecendo a meta de reduzir em 12% ao ano as taxas de mortalidade violenta intencional (PERNAMBUCO, 2007). Para dar conta de tamanho desafio, a SDS-PE adotou desde cedo o indicador CVLI9 como critério para monitorar a mortalidade violenta intencional. Tam-bém, através da Gerência de Análise Criminal e Estatística (GACE/SDS-PE), tem desenvolvido uma metodologia de coleta de dados rigorosa e eficiente, base-ada no cruzamento de informações provenientes de todas as fontes policiais (PC, PM, IML e IC).

Neste texto apresenta-se a experiência de implantação da referida metodologia de trabalho, que tem resultado na construção do Sistema de Informações de Mortes de Interesse Policial (SIMIP/SDS-PE), verdadeiro alicerce informacional do PPV. Serão detalhadas as características do SIMIP e os fluxos das informa-ções que o alimentam. Por último, será apresentado o projeto da Pulseira de Identificação de Cadáver, ferramenta colocada nos corpos das vítimas fatais. Trata-se de uma solução inovadora, implantada entre 2009 e 2011, e que vem sendo altamente funcional, pois contém um número serial a ser replicado nos formulários de todas as fontes policiais do SIMIP, possibilitando a controle efi-ciente da informação.

8 O Pacto pela Vida diagnosticou que Pernambuco é um Estado com mais de 8 milhões de habitantes (em 2000) e onde mor-reram assassinadas aproximadamente 42 mil pessoas no lapso de dez anos (de 1996 a 2005), atingindo-se taxas superiores ao patamar das 50 vítimas por 100 mil habitantes. (PERNAMBUCO, 2007).

9 Em Pernambuco a estatística de mortes violentas intencionais inclui todos os casos que, pela sua tipicidade, se enquadram nas definições legais dos crimes previstos no indicador CVLI. Desse modo, não são realizadas considerações jurídicas acerca de excludentes de ilicitude dos atos típicos ou acerca da culpabilidade dos seus autores. Consequentemente, casos de homicídios perpetrados por cidadãos motivados por legítima defesa ou de terceiros; casos de estrito cumprimento do dever legal protago-nizados por policiais ou homicídios/latrocínios cometidos por adolescentes (considerados legalmente inimputáveis e, portanto, isentos de culpa jurídica) são incluídos no indicador CVLI.

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Sistema de informações de mortes de interesse policial

A principal característica que singulariza a estatística de CVLI em Pernambuco com relação à produzida em outros estados é a de se dispor de um banco de dados especí-fico para tal fim. Ou seja, a estatística oficial de homicídios é elaborada mediante uma sistemática à parte, independente da que processa outros crimes diretamente a partir dos boletins de ocorrência (BO´s). O referido banco pode ser conceituado como um sistema “multifonte”, pois os casos nele registrados provêm do cruzamento de diversas fontes de informação documentais. Portanto, não possui um instrumento de coleta único, a modo do BO ou da Declaração de Óbito. Pelo contrário, o banco é alimentado a partir das informações constantes em relatórios administrativos da PC, do IML, da PM e do IC. Esses relatórios consistem em planilhas diárias com dados detalhados das ocorrências fatais.

Tal metodologia está embasada na técnica de triangulação de fontes e é praticamente inédita no Brasil10 . A sua originalidade reside no fato de não se deter apenas nos dados de homicídios coletados pela PC e PM. Pois apesar da preocupação com as informa-ções, ambas apresentavam dificuldades para notificar casos cujas mortes não se con-sumavam no local do crime, mas em unidade hospitalar. Para contornar tal problema, os dados das polícias passaram a ser diariamente cotejados dentro do Sistema de Infor-mação de Mortes de Interesse Policial (SIMIP/SDS) com os dos relatórios do IML, que re-cebe os corpos das vítimas de mortes violentas, inclusive os de procedência hospitalar. Desta feita, o cruzamento das informações permitiu reunir num mesmo Sistema todos os casos de CVLI notificados pelos diversos órgãos operativos da SDS.

Para visualizar melhor a complexa rede que compõe o sistema integrado de informa-ções de homicídios de Pernambuco, foram esboçados dois fluxogramas. Na imagem 1 apresenta-se o que descreve o fluxo das informações dos órgãos operativos que se fa-zem presentes no local onde ocorre um evento violento letal e os respectivos relatórios oficiais produzidos e enviados à GACE/SDS. A imagem 2 representa o fluxo da informa-ção para os casos de violência que são registrados em hospitais, local de consumação da morte. A seguir, detalha-se a abrangência e especificidade de cada fonte de informa-ção, explicando, por ordem cronológica, as razões da sua inclusão no sistema.

Os primeiros procedimentos metodológicos de cruzamento de informações que possibilitaram a criação do SIMIP foram desenvolvidos em 2002 por técnicos da Unidade de Coleta e Tratamento de Dados (Unicotd/GACE/SDS). O banco de da-dos surgiu justamente da necessidade de o Estado dispor de informações confi-áveis e abrangentes, em tempo oportuno, sobre as mortes violentas intencionais. Atendia-se, assim, às demandas gerenciais por informação, bem como às pressões externas que o contexto midiático e político impunham ao poder público, à época,

10 Uma técnica da Secretaria de Segurança Pública de Sergipe informou que naquele Estado também realizam levantamento de todas as fontes policiais disponíveis para apuração do número de homicídios.

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Local do CrimeFluxograma da Informação deCrimes Letais I

EVENTO VIOLENTO LETAL

POLÍCIA CIVIL

INSTITUTO DE MEDICINA LEGAL

Relatório Diário de Necrópscia

GACE/SDSEstatísticas Oficiais de CVLI

Relatório diário da PC

Planil has DP Seccionaisdo Interior (Mensal)

(2008)

Sistema INFOPOL(BOs) 2007

Relatório diário do IC

Relatório Diário PM

POLÍCIA MILITAR

INSTITUTO DE CRIMINALÍSTICA

Imagem 1: Fluxograma da informação de crimes letais em local de crime

Cenário HospitalarFluxograma da Informação deCrimes Letais II

EVENTO VIOLENTO LETAL

POLÍCIA CIVIL

INSTITUTO DE MEDICINA LEGAL

Relatório Diário de Necrópscia

GACE/SDSEstatísticas Oficiais de CVLI

Sistema INFOPOL(BOs) 2007

PESSOAL SANITÁRIO

Imagem 2: Fluxograma da informação de crimes letais em cenário hospitalar

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para elaboração de uma estatística oficial de homicídios. Após a demonstração técnica do sucesso no cruzamento de dados, o referido sistema foi oficializado11 , mediante um Decreto Estadual (PERNAMBUCO, 2003) e uma Portaria reguladora (PERNAMBUCO, 2004).

Essa portaria, que foi atualizada dois anos mais tarde (PERNAMBUCO, 2006), esta-beleceu que os técnicos da GACE teriam 15 dias para consolidar as informações de homicídios subsequentes ao mês que se encerra. Também definiu que as fontes de informação oficiais seriam os Relatórios Diários das Necropsias efetuadas no IML-PE – sediado no Recife e com sucursais em Caruaru e Petrolina – e o Relatório Diário da Coordenação dos Plantões da Polícia Civil (Coordepol/PCPE), no qual estão centra-lizadas informações de ocorrências graves (inclusive homicídios) das 217 circunscri-ções e dos plantões policiais em todo o Estado. Todos esses relatórios são enviados por e-mail à GACE, onde técnicos de coleta analisam os dados relativos a mortes e alimentam o SIMIP/SDS.

Na vigência do PPV, uma terceira portaria (PERNAMBUCO, 2008) concebeu a ne-cessidade de institucionalizar outras fontes para consolidação das informações es-tatísticas de mortes de interesse policial. No caso, determinou que a GACE/SDS deveria recuperar informações complementares desses crimes dos relatórios diários de homicídios da inteligência da PM12 e dos relatórios de perícias das unidades do IC de Recife, Caruaru, Salgueiro e Petrolina. Também nessa portaria estabeleceu-se mais um mecanismo de controle no envio das informações da PC, ao definir-se que as delegacias seccionais do interior do Estado deviam compilar mensalmente aquelas informações que eram comunicadas diariamente pelas delegacias circuns-cricionais à Coordepol. Com isso, objetiva-se que eventuais falhas ou descontinui-dades na comunicação dos dados informados diariamente venham a ser corrigidas no período posterior da consolidação mensal.

Para a análise criminal em Pernambuco, a criação do SIMIP representou um salto de qualidade imenso, superando abismos estatísticos existentes entre os dados do setor saúde e os da defesa social. Dessa feita, Pernambuco hoje é um dos poucos estados cujos dados de homicídios baseados em fontes policiais conseguem superar – em números absolutos – os do Sistema de Informações de Mortalidade do Ministério da Saúde (SIM/MS) (ver imagem 3). Cabe salientar que o SIM/MS é a fonte preferida pela maioria dos pesquisadores na área, por ser considerada a mais confiável e abrangen-te em nível nacional (CRUZ et al., 2008; CANO; SANTOS, 2007; SOARES, 2008). Isso constitui uma mostra indiscutível da seriedade do trabalho de monitoramento dos homicídios que vem sendo feito na Unicotd/GACE/SDS-PE.

11 Inicialmente foi denominado sistema de estatística de Mortes Não Naturais (MNN), embora essa denominação já estivesse ultrapassada ao ter sido substituída pela OMS, desde 1996, pelo rótulo “Causas Externas”.

12 Apesar disso, atualmente a Coordenação de Inteligência e Estatística da Diretoria Geral de Operações (CIE/DGO-PMPE) é o setor que produz o melhor relatório diário de homicídios da PM, o qual também é remetido para a GACE/SDS-PE.

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Pulseira de identificação de cadáver

A nova metodologia de coleta e validação de informações de CVLI desenvol-vida pela GACE/SDS resolveu satisfatoriamente o problema da subnotificação, reduzindo-o a proporções residuais. Entretanto, a estratégia “multifonte” abriu brechas a possível supernotificação de casos. Pois na hora de realizar o cruza-mento das informações, foi verificado um risco latente, pequeno, mas real, de que os técnicos da coleta cometam o erro de contar duas vezes um mesmo caso. Isso pode acontecer quando o nome da vítima do homicídio ou o local da ocorrência do crime são registrados de forma diferente pelas diversas fontes de informação.

Observando essa possibilidade, em junho de 2009, a GACE/SDS, como apoio da Gerência Geral de Polícia Científica (GGPOC/SDS-PE), implantou o Projeto Pul-seira de Identificação de Cadáver na RMR. No caso, os peritos do IC vinculados às três Forças-Tarefa de Homicídios do DHPP foram incumbidos de colocar nos tornozelos dos cadáveres periciados pulseiras lacradas e devidamente numera-das (ver imagem 4).

Imagem 3: Número de vítimas de mortes por agressão no SIM e de CVLI no Infopol/SDS. Pernambuco, 2003 a 2010

Fontes: SIM/MS e Infopol/SDS-PE. Elaboração própria

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Mediante um sofisticado processo de notificação, que foi transformado em Procedimento Operacional Padrão (POP) da SDS-PE, todos os órgãos opera-tivos e as polícias científicas devem incorporar o Número de Identificação de Cadáver (NIC), contido na própria pulseira, nos seus relatórios diários de homi-cídios, de acordo com os fluxogramas estabelecidos nas imagens 1 e 2. Assim, os dados chegam aos técnicos da coleta estatística de forma segura, permitin-do a identificação de divergências entre as fontes e a apuração de duplicidades no SIMIP/SDS.

Os peritos criminais foram selecionados para a colocação da pulseira nos cadá-veres no local da ocorrência pelo fato de serem atores que não têm inconveniên-cia em manusear o corpo da vítima. Os peritos também foram apontados como os profissionais mais apropriados a preencher o documento, com três vias auto-copiativas, denominado Boletim de Identificação de Cadáver (BIC), que atesta e relaciona o Número (NIC) com a Pulseira (PIC) (ver imagem 5). Trata-se de um instrumento que auxilia o perito criminal na anotação formatada de informações sobre a identidade da vítima no local do crime.

Após o preenchimento do BIC, o perito, que fica com uma via até ser recupe-rada pela GACE/SDS, deve informar o NIC ao Centro Integrado de Operações de Defesa Social (Ciods) para que o mesmo seja incorporado ao relatório de homicídios da PM. As outras duas vias do BIC, por sua vez, são entregues, respectivamente, pelo perito criminal à autoridade policial presente na local do crime e aos auxiliares do IML que efetuam a remoção do cadáver. De volta às dependências da Força-Tarefa de Homicídios, o perito anota o NIC no livro de registros para que posteriormente seja transcrito no Relatório Diário de Pe-rícias de Homicídios. Também deve escanear o BIC e incorporá-lo ao laudo pericial.

Imagem 4: modelo de Pulseira de Identificação de Cadáver (SDS-PE).

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Imagem 5: modelo de Boletim de Identificação de Cadáver utilizado em 2010 (SDS-PE). Exemplo com dados fictícios.

Os policiais civis devem registrar o NIC no histórico da ocorrência (BO) e repas-sá-lo à Coordepol/PC para que seja transcrito no relatório diário daquele depar-tamento. Já o IML só deve aceitar a entrada de cadáveres que estejam com a pulseira devidamente lacrada no tornozelo (ou no punho), acompanhados do BIC. Finalmente, o médico legista inspeciona e fotografa o NIC contido na pul-seira e o anota no Laudo da Necropsia e no cabeçalho da Declaração de Óbito (DO). O setor administrativo do IML deve registrar o NIC no livro e no Relatório Diário de Necropsias, que é encaminhado diariamente à GACE/SDS-PE.

Como 25% dos casos de óbito por agressão na RMR consumam-se em hospitais, o Projeto Pulseira demandou articulação junto à Secretaria Estadual de Saúde (SES) e os postos policiais nos hospitais. Observou-se que os auxiliares de ne-crotério da unidade hospitalar eram os agentes mais apropriados para a tarefa. Mesmo assim, como o interesse na coleta da informação é da SDS, ficou definido que seriam os policiais civis do posto hospitalar os incumbidos de preencher os Boletins (BIC) e administrar a entrega das respectivas pulseiras aos auxiliares de necrotério. Esses policiais também ficaram responsáveis por testemunhar a colo-cação da pulseira por parte dos auxiliares de necrotério e prezar para não haver erros nem irregularidades no processo.

Definiu-se também que o auxiliar da saúde deve ceder momentaneamente ao policial a Guia de Remoção Hospitalar (GRH), para que esse possa replicar os

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dados da vítima, da data em que a mesma ingressou no hospital e, não raras vezes, do local da procedência, informações caras para a investigação policial. Esse feedback tem por objetivo facilitar o preenchimento do BIC e a posterior lavratura de BOE. Em contrapartida, o policial deve fornecer uma via do BIC ao auxiliar de necrotério, a qual seguirá obrigatoriamente para o IML, acompanhan-do o cadáver, além da GRH. Nas dependências do IML serão tomadas as mesmas providências previstas para os casos encaminhados pelo DHPP, sendo que todo cadáver proveniente de hospital onde estiver implantado o Projeto Pulseira só será aceito se os procedimentos previstos estiverem em regra.

Como se vê, essa estratégia obriga os policiais do posto a se deslocarem até o necrotério a cada vez que são avisados da chegada de um cadáver a ser en-caminhado ao IML. Com isso, os policiais tomam conhecimento de todas as mortes violentas ou a esclarecer ocorridas naquele hospital, inclusive dos casos de morte hospitalar tardia que de outro modo dificilmente seriam rastreados. Essa estratégia oportuniza, por exemplo, que o policial faça um BOE de um caso de tentativa de homicídio que deu entrada no hospital, e dias ou semanas depois, caso a vítima venha a falecer, realize um BOE complementar de homi-cídio consumado, após ter participado do processo de colocação da pulseira. Na lavratura do BOE também deve ser mencionado o Número NIC, que será contrastado pelos técnicos da coleta da GACE/SDS com os dados do Relatório das Necropsias do IML.

Ao final de 2010 foi publicada no DO-PE portaria conjunta entre a SDS e a SES com vista a implantar a pulseira, o boletim e o número de Identificação de Cadá-ver no âmbito de todo o Estado (PERNAMBUCO, 2010). Nesse caso, deu-se um passo adiante ao abarcar, não somente os casos de homicídio, mas todas as mor-tes de interesse policial, sejam violentas (inclusive acidentais) ou com suspeita de violência (mortes a esclarecer). A citada portaria traz cinco anexos corresponden-tes ao Procedimento Operacional Padrão (POP). A diversidade e complexidade dos POPs denotam tanto a diversidade de situações em que os órgãos operativos têm que lidar com casos de morte de interesse policial no Estado, como as espe-cificidades das interações entre os mesmos.

Dessa feita, o projeto expandiu-se para todas as unidades de Polícia Científica que lidam com cadáveres no Estado (POP´s1 e 2), bem como para todos os hospitais públicos com posto policial e BOE em funcionamento (POP 3). Ademais, a nova portaria determinou que onde não há posto policial ou realização de perícia cri-minal, as delegacias circunscricionais ou de plantão da PC (segundo competência) são incumbidas pela administração das pulseiras e boletins, com o auxílio dos res-ponsáveis pela remoção do cadáver (POP´s 4 e 5). A portaria prevê também que o BIC contenha quatro vias, em vez das três previstas no projeto inicial, de modo que as guarnições da PM que fazem o isolamento do cadáver possam receber também o documento e incorporar o registro dos NIC nos seus BO´s.

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Alicerce informacional

A estratégia de triangulação de múltiplas fontes de informação sobre homicídios em Pernambuco demandou procedimento metodológico de controle para faci-litar a detecção de duplicidades e zelar pela redução de erros. Nesse sentido, o Projeto da Pulseira de Identificação de Cadáver mostrou-se altamente funcional à arquitetura multifonte daquele sistema de informação e à nova política de segu-rança deflagrada com o PPV. Dessa feita, o novo modelo de gestão por resultados encontrou no SIMIP e no Projeto Pulseira seus principais alicerces informacionais. A ampla cobertura atingida pela estratégia de gestão da informação e a confiabi-lidade dos seus registros deram crédito e legitimidade à nova empreitada.

Uma interessante qualidade do Projeto Pulseira é que a sua execução faz com que todos os órgãos operativos devam coincidir e interagir nos locais onde ocorrem mor-tes violentas intencionais, o que é o ideal para o trabalho integrado entre as forças policiais nesse tipo de situação. Isso converte a pulseira de cadáver em verdadeiro símbolo da integração informacional na Segurança Pública em Pernambuco.

Nos cenários hospitalares, o Projeto Pulseira confere relevância ao trabalho dos agentes e comissários lotados nos postos policiais, convertendo-os em atores privilegiados na coleta de informações estratégicas em segurança. Seus esforços contribuem para detectar a informação correta sobre a procedência das vítimas de homicídio removidas para os hospitais. Com isso, facilitam a remessa posterior dos laudos do IML e reduzem à mínima expressão o número de casos com local do crime não informado. O que é fundamental para alicerçar a sistemática de gestão por resultados, baseada na responsabilização territorial dos gestores policiais de área, incumbidos de apurar e coibir crimes.

O Número NIC poderá servir para o rastreamento futuro dos casos de crimes letais no sistema de justiça criminal. Atualmente ele já foi incorporado no cadastro das vítimas de CVLI existente no sistema “semidigital” de inquéritos do DHPP/PCPE, o chamado Sistema PCPE Virtual. E com a informatização em curso no IC-PE e pro-gramada no IML-PE, a expectativa é de que a incorporação do NIC venha a facilitar o rastreamento de casos e o cruzamento de dados, especialmente útil no tocante à remessa de laudos criminais e médico-legais, de modo a podê-los vincular de forma inequívoca aos inquéritos policiais.

Com a expansão do Projeto Pulseira em todo o Estado e a inclusão de todas as mor-tes de interesse policial, a GACE/SDS ampliou o escopo do seu banco de dados, an-teriormente restrito aos homicídios. Desse modo, desde janeiro de 2011 está sendo possível quantificar em tempo quase real13 o volume dessas outras mortes violentas/acidentais e a esclarecer com o mesmo nível de rigor e qualidade com que hoje vêm

13 N-1. Ou seja, no final de um dia útil, a GACE consegue informar o quantitativo de mortes de interesse policial registradas no dia anterior.

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sendo quantificados os homicídios. Essa demanda, ademais, vem sendo posta em pauta pelo aumento dos acidentes de trânsito, atrelado à rápida expansão da frota de veículos.

Por último, porém não menos importante, cumpre ressaltar a valorosa contribui-ção dos técnicos da GACE/SDS, verdadeiros artífices e guardiões dessa sistemá-tica de gestão da informação. Nos últimos anos, eles participaram com entusias-mo na construção e alimentação do banco de dados de homicídios no Infopol/SDS, bem como na discussão, elaboração e implantação do Projeto Pulseira de Identificação de Cadáver. No cenário atual, a sua permanente preocupação com a fidedignidade das informações é extremamente relevante para a execução, monitoramento e avaliação do Pacto pela Vida. Política pública que visa ao efeti-vo enfrentamento da violência letal no Estado de Pernambuco.

Referências bibliográficas

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Apresentação do Autor

Gerard Viader Sauret (vide capítulo anterior)

VIDAS SALVAS: METODOLOGIAS DE CÁLCULO APLICADAS AO PACTO PELA VIDA*

Por: Gerard Viader Sauret

*Texto baseado em trabalho apresentado pelo autor no 1º Seminário de Estatística e Análise Criminal do Nordeste, realizado pela SDS-PE em Recife, em 19 e 20 de abril de 2012, com o apoio do Projeto URBAL.

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É fato comum ouvir entre os operadores de segurança que não há polícia no mun-do que consiga evitar a consumação de certos crimes de proximidade, especial-mente os homicídios que acontecem no âmbito doméstico. Neste argumento, referendado por BEATO (2001), está implícita a suposição de que existem outras situações em que a ação policial é capaz de impedir, sim, o desenlace fatal de ações homicidas. É que não são poucos os casos de ações heroicas que efetivamente conseguiram evitar o derramamento de sangue ou mesmo a morte de vítimas de homicídios tentados.

Em Pernambuco, por exemplo, no bojo de grandes operações de inteligência poli-cial contra redes criminosas, por vezes obtém-se informações de que um elemento X irá ser morto em determinada data, hora e lugar. Nessas circunstâncias, equipes policiais podem intervir como verdadeiros anjos da guarda, acionando o policia-mento da área para inibir a ação letal, sem atrapalhar o grosso da investigação3 . Já no âmbito do Corpo de Bombeiros Militar, entre as equipes que realizam resgates e atendimento pré-hospitalar com ambulâncias a vítimas de acidentes e violência, a missão de salvar vidas é precípua à própria ação profissional. Para esses casos, não é difícil imaginar a criação de indicadores diretos que deem conta da missão de contabilizar as ações heroicas dos profissionais da defesa social.

Transplantando para a Segurança Pública o esquema preventivo clássico da saú-de pública (LEAVELL; CLARCK, 1958 apud ALMEIDA FILHO; ROUQUAYROL, 2002), deve-se reconhecer que ações como as anteriormente descritas podem ser clas-sificadas no nível da prevenção secundária, pois se desenrolam na iminência da ocorrência do evento, estando destinadas a evitar ou minimizar as consequências imediatas e reduzir os danos (aqui, a consumação da morte e as sequelas mais severas). Em contraposição, a prevenção primária corresponderia a um conjunto de medidas desenvolvidas antes da ocorrência dos eventos, como campanhas de mídia, de mobilização, de conscientização da população sobre fatores de risco e de proteção, etc. Já a prevenção terciária concentraria as ações públicas no momento posterior ao crime e que, em segurança, equivaleriam às ações de controle: retirada de circulação, punição e reinserção dos criminosos4.

Na mesma perspectiva, Sherman e colaboradores (1998 apud SILVEIRA 2008) apon-taram que não haveria contradição entre medidas preventivas e medidas repressi-

3 Nesse sentido, Simone Duque Romeu (2008) frisa que o ex-subsecretário de inteligência do Rio de Janeiro, Cel EB Romeu Antônio Ferreira, teria cunhado o neologismo antecrime, com o qual visa destacar o potencial do instrumento da interceptação telefônica para oportunizar situações de evitação de crimes. A desvinculação do órgão de inteligência e seus agentes do braço operacional incumbido de tomar as providências que impeçam o cometimento do crime decorre da necessidade de não expor os agentes nem o instrumento de obtenção da informação.

4 Outra concepção da prevenção contida no relatório mundial sobre violência e saúde, elaborado pela Organização Mundial da Saúde (OMS, 2003), considera que os três níveis de prevenção deveriam ser ordenados de acordo com o nível de generalidade/especificidade do público-alvo do programa. Se for universal, isto é, para toda a população (primária), se for grupo de risco (se-cundária), se for população efetivamente atingida pela violência: vítimas e autores (terciária). Em verdade, observa-se como as duas abordagens se sobrepõem, não sendo contraditórias, mas complementares.

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vas contra o crime, uma vez que a prevenção ao crime é um resultado, sendo a puni-ção uma das ferramentas possíveis para atingir esse resultado. Aqui, crime prevenido seria, então, conceitualmente equivalente a crime evitado. Ora, no contexto de uma política pública de enfrentamento à violência ou de um programa concreto voltado à redução de homicídios, caberia perguntar: é possível criar indicadores que mos-trem o número de crimes que foram prevenidos/evitados após a sua implantação? É possível (ou, inclusive, é lícito) representarmos mentalmente uma política X ou um programa Y como um herói que salva vidas?

Uma resposta positiva à primeira pergunta se fundamenta no fato de que o conjunto de ações que costumam ser executadas nessas políticas/programas tem efeito inibi-tório sobre o conjunto da criminalidade letal, o qual pode ser mensurado observando as estatísticas criminais. Sob essa ótica, a contabilização dos crimes teoricamente prevenidos/evitados seria o indicador ideal para avaliar os programas destinados à redução do crime. No caso, porém, esses quantitativos não podem ser calculados senão de forma indireta. Isto é, comparando os níveis reais de criminalidade após a implantação do programa, com os níveis anteriormente observados.

Apesar da correção lógica contida nesse raciocínio científico, a prática é mais com-plexa, pois existe uma diversidade de metodologias com potencial para produzir re-sultados surpreendentemente diferentes, o que pode confundir e até desinformar os gestores e a opinião pública. Visando a lançar luz sobre questão tão pouco estudada, o presente texto objetiva apresentar e comparar diferentes formas de estimação do número de crimes evitados. Esse exercício permitirá discutir a pertinência da aplicação das diversas opções metodológicas, não somente à luz de critérios científicos, mas também éticos e políticos, circunscrevendo o debate no contexto contemporâneo das políticas públicas de segurança no Brasil.

Geralmente, o gestor almeja enxergar os méritos de sua administração, destacando os benefícios sociais da mesma. Para avaliar devidamente as políticas públicas, de acordo com Borges (2009), é preciso dispor de indicadores de eficácia, eficiência e efetividade. A eficácia busca aquilatar os resultados alcançados com relação às metas estabelecidas. A eficiência confronta o custo das ações com os benefícios alcan-çados. E a efetividade se propõe a mensurar o impacto das ações programáticas que pode ser efetivamente atribuído à transformação do fenômeno enfrentado. Para Greenwood (1998 apud ANDRADE; PEIXOTO, 2008), a estimativa dos crimes evitados seria o parâmetro adequado para o cálculo da efetividade, oportunizando compor a fórmula econômica de custo/efetividade.

Apesar de o país estar vivenciando uma fase de maior transparência na divulgação de estatísticas criminais, a enorme quantidade de dados publicizados às vezes produz opacidade por excesso de exposição, e as informações nem sempre se transformam em conhecimento (LIMA, 2009). É pertinente, então, realizar o exercício aqui propos-to pela necessidade prática que existe hoje de se compreender melhor a construção

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dos indicadores avaliativos de segurança. Ademais, um debate aberto ao respeito será o melhor antídoto para não cair no “fetichismo da metodologia”, denunciado por Ferrell (2012) no âmbito da criminologia contemporânea.

Para tornar o exercício mais didático, serão aplicadas as diferentes opções metodo-lógicas propostas na avaliação de um programa atual e real de redução de homicí-dios: o Pacto Pela Vida (PPV), política pública de segurança do Governo de Estado de Pernambuco. No caso, aqui será utilizado o principal indicador do PPV: o CVLI (Crimes Violentos Letais Intencionais). Trata-se de um indicador agregado, criado pela SENASP (BRASIL, 2006) que inclui o número de vítimas de homicídio doloso (inclusive por confronto policial), latrocínio e lesão corporal seguida de morte. Os dados foram extraídos do Sistema de Informações de Mortes de Interesse Policial da Secretaria de Defesa Social do Estado (SIMIP/INFOPOL/SDS-PE). A série histórica dis-ponibilizada pela Gerência de Análise Criminal e Estatística (GACE/SDS-PE) abrange o período de 2004 a 2012. Visando os diversos cálculos de crimes evitados, serão efetuadas comparações e projeções entre os períodos anteriores e posteriores ao início do PPV (em maio de 2007).

Cabe salientar que, recentemente, o PPV cumpriu seu quinto aniversário. Desse modo, os resultados das análises expressarão o número acumulado de mortes prevenidas (ou “vidas salvas”, como são mais comumente referenciadas no âmbito do PPV) ao longo dos 60 meses de existência do programa. O que também será, indiretamente, uma forma de elogiar a sua existência e mostrar os benefícios objetivamente mensu-ráveis que têm trazido, até hoje, à sociedade pernambucana.

Resultados alcançados pelo Pacto pela Vida

Com o intuito de reverter os altos índices registrados em Pernambuco, o PPV esta-beleceu a meta de reduzir em 12% ao ano as taxas de mortalidade violenta inten-cional (PERNAMBUCO, 2007), aplicando a filosofia da gestão por resultados. Sob a tutela do próprio governador do Estado, o modelo de gestão instaurado oportuniza a articulação de diversas secretarias e poderes para o enfrentamento do problema. A Secretaria de Planejamento e Gestão (SEPLAG) monitora semanalmente os indi-cadores de desempenho e de resultado junto com os responsáveis da Secretaria de Defesa Social (SDS) e seus órgãos operativos (PC, PM, CBM, polícia científica), do sistema prisional (SERES) da pasta de Desenvolvimento Social e Direitos Humanos (SDSDH) e da pasta de articulação social e regional (SEART), em articulação com o Ministério Público e o Poder Judiciário. Com isso, o PPV desenvolveu um largo con-junto de medidas de repressão qualificada, prevenção social e modernização das agências de segurança que vêm sendo aprimoradas com o passar dos anos.

Desta feita, o PPV encerrou o quinto ano de sua existência com notáveis resulta-dos de redução da criminalidade violenta, que é seu objetivo precípuo. Que são:

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redução acumulada de 33,0% na taxa de mortes violentas intencionais no Estado, 44,3% na Capital; 35,5% na RM; 27,0% no Sertão; 25,1% na Zona da Mata e 23,2% no Agreste. Em termos absolutos, a região que contribuiu com o maior volume de redução de mortes foi a Metropolitana (-508 mortes a menos), seguida da Capital (-463), do Agreste (-165), da Zona da Mata (-141) e, por último, do Sertão (-111) (ver tabelas 1 e 2).

RECIFE

REGIÃO METROPOLITANA

ZONA DA MATA

AGRESTE

SERTÃO

NÃO INFORMADO

PERNAMBUCO

1.100

1.607

644

877

510

1

4.739

637

1.099

503

712

399

3

3.353

-463

-508

-141

-165

-111

2

-1.386

mai/abr

2006/2007

mai/abr

2011/2012 Diferença

Tabela 1: Comparação do número de vítimas de CVLI por região – Pernambuco, maio-abril 2006/2007 versus maio-abril 2011/2012.

RECIFE

RM

MATA

AGRESTE

SERTÃO

PERNAMBUCO

73,67

77,98

50,68

41,23

34,07

56,09

41,05

50,26

37,94

31,66

24,88

37,60

-44,3%

-35,5%

-25,1%

-23,2%

-27,0

-33,0%

mai/abr

2006/2007

mai/abr

2011/2012 Diferença

Tabela 2:Comparação das taxas (12 meses) de CVLI por 100 mil habitantes por região – Pernambuco, maio-abril 2006/2007 X maio-abril 2011/2012.

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No primeiro ano do PPV (de maio 2007 até abril de 2008), foi possível aferir uma redução de 278 mortes com relação aos 12 meses imediatamente anteriores à sua implantação (maio 2006/abril 2007) – período aqui chamado de “ano zero”. No segundo ano (maio 2008/abril 2009), apenas 17 mortes a menos com rela-ção ao primeiro. Já no terceiro (maio 2009/abril 2010), foram 609 vítimas fatais a menos que no segundo. No quarto (maio 2010/abril 2011), 302 a menos que no terceiro. E no quinto (maio 2011/abril 2012), 180 a menos que no quarto. Esses números, somados, dão a cifra de 1.386 mortes a menos, que, de fato, é o equivalente aritmético da subtração do número de vítimas de CVLI no quinto ano do PPV com relação ao ano zero (ver gráfico 1). Mas, será que são esses realmente os números acumulados que podemos convir a chamar de vidas salvas ou crimes prevenidos/evitados, desde o início do programa?

Gráfico 1: Número de vítimas de CVLI em Pernambuco desde o início do PPV

Método 1: projeção do nível absoluto de crime

Inicia-se a apresentação dos métodos sobre cálculo de vidas salvas com o mais simples dos quatro que aqui serão mostrados. Aqui é denominado método de pro-jeção do nível absoluto de crime porque o período de referência da série histórica de CVLI indica o nível de criminalidade em números absolutos existente no Estado no momento imediatamente anterior ao início do PPV. No caso, como se pretende avaliar o PPV nos seus cinco anos de existência, ano a ano e no seu conjunto, a uni-dade temporal aqui analisada serão períodos de 12 meses. E o período de referência serão os 12 meses imediatamente anteriores ao PPV (o “ano zero” – acima exposto: de maio 2006 até abril de 2007).

Assim observa-se que no “ano zero” ocorreram 4.739 mortes violentas intencionais em Pernambuco. Esse nível de criminalidade é projetado para frente, nos cinco anos

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2007/081º ano PPV

2008/092º ano PPV

2009/103º ano PPV

2010/114º ano PPV

2011/125º ano PPV

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Gráfico 2: Número de vidas salvas (calculadas pelo método 1) em Pernambuco desde o início do PPV

de vigência do PPV. Gera-se, assim, uma projeção contrafactual hipotética (valores esperados), que é contraposta com os dados reais das mortes que efetivamente aconteceram e foram registradas no Estado ao longo do programa (valores obser-vados). A subtração desses dois parâmetros, ou seja, a diferença aritmética, ano a ano, desses dois valores é o que nos dá o resultado de crimes prevenidos. E a soma desses resultados resulta no indicador acumulado de vidas salvas do PPV nos cinco anos de sua existência. No caso, pelo método 1 pode-se estimar que houve 4.069 vidas salvas no Estado durante os cinco primeiros anos do PPV (ver gráfico 2).

A pertinência desse raciocínio aparece mais convincente se imaginarmos a situ-ação inversa a de um programa de redução de mortes, como poderia ser uma guerra. Para aferir a quantidade de mortes intencionais atribuíveis a um conflito armado, de forma indireta, bastaria aferir qual o nível de mortalidade anterior ao início do conflito, projetá-lo para os anos do conflito e considerar o excedente como a incidência de mortalidade atribuível ao mesmo, somando os excedentes anuais em um indicador acumulado. Essa lógica de cálculo guarda semelhança com a utilizada para o indicador de “risco atribuível”, usado em epidemiologia (ALMEIDA FILHO; ROUQUAYROL, 2002).

Método 2: projeção do nível relativo de crime

O segundo método aqui abordado, semelhante ao anterior, traz a novidade de in-troduzir o cálculo de vidas salvas a partir de números relativos. Ou seja, a partir de taxas de CVLI por 100 mil habitantes. Também conhecidas como coeficientes, as taxas são um valioso instrumento de análise que permitem a adequada compara-ção do risco de incidência dos eventos – aqui letais – ao ponderar a frequência dos

4.739

4.739

Vidas Salvas

Núm. CVLI

Contrafacto4.461

278

4.444

295

3.835

904

3.533

1.206

3.353

1.386

2006/07Ano 0

2007/081º ano PPV

2008/092º ano PPV

2009/103º ano PPV

2010/114º ano PPV

2011/125º ano PPV

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mesmos pela população residente naquele espaço/tempo. No caso, o seu emprego permite contornar o problema que surge em decorrência do aumento da população, garantindo que a interpretação dos dados não venha a sofrer distorções (ALMEIDA FILHO; ROUQUAYROL, 2002).

O cálculo das taxas de CVLI consiste na divisão da frequência das vítimas (numera-dor) pela população (denominador), multiplicando por uma constante (100 mil). O procedimento mais correto é o de utilizar a população referente ao momento inter-mediário do período sob análise, convencionado em 1º de julho para os anos cíveis. No caso do PPV, iniciado em maio de 2007 e avaliado em períodos de 12 meses, uti-liza-se a população de 1º de novembro de cada período5 . Neste trabalho estimaram--se as bases populacionais com a fórmula do crescimento da população, tomando por base as contagens dos Censos do IBGE dos anos 2000 e 2010. Para os períodos intercensitários, as bases populacionais foram estimadas por interpolação mensal. Para os períodos posteriores a 2010, estimaram-se por projeção mensal.

Ressalvando essas questões técnicas, o método 2 ora em pauta guarda a mesma ló-gica que o método 1. O período de referência da série histórica de CVLI refere-se ao nível de criminalidade relativo (por cada 100 mil habitantes) existente no Estado no momento em que se iniciou o PPV (12 meses antes). É esse o nível que é projetado ao longo do período de comparação (ver gráfico 3). Finalmente, para operacionalizar o cálculo dos crimes prevenidos devem ser transformadas as taxas contrafactuais dos valores esperados em números absolutos de mortes intencionais, levando em conta a população do ano em que se opera a projeção. Finalmente, os valores espe-rados, convertidos em números absolutos (inteiros arredondados), são comparados com os números absolutos observados, subtraindo as diferenças anuais entre os mesmos e obtendo os números teóricos de vidas salvas, que devem ser somados para alcançar o resultado acumulado (ver gráfico 4).

O método 2 baseia-se no pressuposto que, quando se fala em “nível de crimina-lidade”, deve referir-se à taxa por 100 mil habitantes em determinado período, e não ao número absoluto de crimes. O seu fundamento é a asseveração de que a população de uma determinada sociedade não é a mesma ao longo dos anos, e pode crescer ou decrescer mais ou menos rapidamente ao longo do tempo. No caso de Pernambuco, a população do Estado, em outubro de 2006, era de aproxi-madamente 8,45 milhões de habitantes, crescendo a um ritmo médio aproximado de 1% ao ano, o que equivale a 84,5 mil pessoas a mais por ano. Em outubro de 2012, estima-se que essa população já beire os 8,92 milhões: 470 mil pessoas a mais, as quais também estão sujeitas às mesmas dinâmicas sociais que produzem mortes violentas, igual ao resto da população.

5 Estes são os procedimentos demográficos estimativos atualmente seguidos pela Gerência de Análise Criminal e Estatística, da Secretaria de Defesa Social de Pernambuco (GACE/SDS-PE), assim como pela Agência Estadual de Planejamento e Pesquisas de Pernambuco (CONDEPE FIDEM).

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6056,1

56,152,2 51,5

44,0

40,137,6

2006/07Ano 0

2007/081º ano PPV

2008/092º ano PPV

2009/103º ano PPV

2010/114º ano PPV

2011/125º ano PPV

Taxa CVLI

Contrafacto

Gráfico 3: Taxa de CVLI e taxa contrafactual (método 2) em Pernambuco desde o início do PPV

Assim, projetar a taxa existente em Pernambuco nos 12 meses anteriores ao início do PPV, de 56,1 vítimas por 100 mil habitantes, quando morreram efetivamente 4.739 pessoas, equivale a assumir que, no quinto ano do PPV, com quase ½ milhão de ha-bitantes a mais, esse mesmo nível de criminalidade resultaria na morte de 5.004 pes-soas. Esses dados representam um acréscimo teórico médio de 53 mortes por ano, ao volume inicial de mortes violentas intencionais. Obviamente, num contexto de cres-cimento populacional, o indicador de vidas salvas do método 2 trará resultados mais promissores do que no método 1. No caso concreto, estimou-se em 4.849 o número de vidas salvas pelo PPV nos seus cinco anos de existência.

4.739

4.739

4.461

329

4.790

4.444

397

4.841

3.835

1.058

4.893

1.414

3.533

4.947

1.651

3.353

5.004

2006/07Ano 0

2007/081º ano PPV

2008/092º ano PPV

2009/103º ano PPV

2010/114º ano PPV

2011/125º ano PPV

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5000

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Vidas Salvas

Núm. CVLI

Contrafacto

Gráfico 4: Número de vidas salvas (calculadas pelo método 2) em Pernambuco desde o início do PPV.

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Método 3: projeção da tendência absoluta de crime

O terceiro método aqui proposto está baseado em trabalho de Beato, Silva e Tavares (2008). Esses autores, pesquisadores da UFMG, calcularam o número de crimes sérios evitados no período de implantação de um programa de redução da criminalidade em Belo Horizonte – MG, entre fevereiro 2001 e outubro 2002. Para tanto, lançaram mão da linha de tendência do crime observada na série temporal do período de referência anterior à implantação do projeto (os meses foram a unidade de análise). Essa tendência linear consiste na reta de melhor aderência, ajustada pelo método de regressão linear às observações efetuadas no período de referência e que depois é projetada ao longo do período de comparação6.

6 Os autores ainda calcularam o número teórico de crimes que poderiam ter sido evitados no período posterior à extinção do projeto, quando se observou retomada virulenta dos índices de criminalidade. Para tanto, projetaram a linha de tendência do perí-odo da intervenção e a projetaram para o período posterior, subtraindo, de novo, os valores observados nesse terceiro período dos esperados, de acordo com a projeção do segundo período.

Gráfico 5: Número de vidas salvas (calculadas pelo método 3) em Pernambuco desde o início do PPV (valores esperados projetados do período 1 X valores observados no período 2).

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2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012

526,2

CVLI Evitados CVLI Real TENDÊNCIA Jan 04 a Abr 07

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Gráfico 6: Número de vidas salvas (calculadas pelo método 3) em Pernambuco desde o início do PPV (valores esperados projetados do período 1 X valores esperados no período 2)

Semelhante ao que foi calculado anteriormente, o número de crimes evitados ao longo do projeto de intervenção equivale à área compreendida entre os valores reais efetivamente observados naquele período e os valores esperados pela projeção de reta de regressão do período de referência anterior.

Trazendo essa metodologia para o case do PPV, foi possível construir o gráfico 5. Primeiro determinou-se a linha de tendência e o período de referência anterior ao programa. Observou-se, empiricamente, que após a promulgação do estatuto do desarmamento, em dezembro de 2003, houve uma quebra importante nos números mensais de homicídios em Pernambuco. Mas, logo depois (de janeiro de 2004 em diante) os números cresceram ininterruptamente até a implantação do PPV. Essa tendência de aumento foi estatisticamente significativa (p<0,01) para o número de observações do período de referência (40 meses). A equação da reta que informa esta tendência é:

Período de referência: y=1,910x+335,254

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2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012

CVLI EvitadosDiferença Estimativas CVLI Real TENDÊNCIA Mai 07 a Abr 12

TENDÊNCIA Jan 04 a Abr 07

526,2

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O coeficiente Beta, de 1,910, revela que nesse período os homicídios foram au-mentando a um ritmo mensal médio de quase duas vítimas a mais que no mês anterior, passando de um nível teórico de 335 vítimas fatais antes do início da série (dezembro 2003) para outro de 412 mortes no final (abril 2007). Se projetarmos esse ritmo de crescimento para os 60 meses em que se estendeu o PPV nos seus pri-meiros cinco anos, chega-se à suposição de que, se nada tivesse mudado, ou seja, mantendo-se inalteradas as condições do período de referência (ceterus paribus), o número de mortes violentas teria chegado a 526 em abril de 2012. Logo, o número de vidas salvas seria o equivalente da subtração dessa projeção aos números reais observados desde maio 2007. Por essa conta, na ponta do lápis, chega-se à impres-sionante cifra de 8.567 vidas salvas nos cinco anos de PPV.

Assim mesmo, pode-se calcular a linha de tendência ao longo dos meses do PPV (n=60), que também foi estatisticamente significante (p<0,01) e decresceu, coincidentemente, a um ritmo médio de 2 mortes a menos a cada mês. A equação é:

Período de intervenção: y=-2,021x+388,373

Os valores teóricos que esta segunda reta nos informa despencam de 389 mortes logo antes do início do PPV (abril 2007) para 267 em abril de 2012. Cabe salientar que, algebricamente, a área compreendida entre as duas retas de regressão ao longo do período do PPV coincide exatamente com o número de vidas salvas calculado anteriormente: 8.567. Isso se compreende porque essas retas não expressam nada mais do que os ritmos médios de crescimen-to e decrescimento dos valores esperados nos seus respectivos períodos (ver gráfico 6).

Método 4: projeção da tendência relativa de crime

O último método ora apresentado é baseado num misto de conceitos dos métodos 2 e 3. Traz a análise de tendência da série histórica antes e depois do PPV, como o método 3, mas em vez de trabalhar com números absolutos, trabalha de novo com taxas por 100 mil habitantes, como no método 2, que são finalmente recalculadas em números absolutos de crimes observados, esperados e prevenidos. Desta vez, como a unidade temporal de análise são os meses, as taxas também são mensais. Para tanto, lançou-se mão das bases demográficas mensais, previamente calcula-das, que informam um aumento médio da população em Pernambuco de 8 mil habitantes a cada mês, aproximadamente, ao longo desse período.

A série histórica das taxas mensais de CVLI em Pernambuco é segmentada, de novo, entre o período de referência e período de comparação. Agora os dados se tornam mais abstratos e de difícil compreensão. De acordo com a linha de tendên-

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cia do período de referência anterior ao PPV, observa-se como o aumento vai de 4,1 vítimas mensais de CVLI por 100 mil habitantes logo no início da série temporal, para 4,9 vítimas mensais por 100 mil habitantes antes do início do PPV.

Já a linha de tendência posterior à implantação do PPV informa um decréscimo médio de 4,6 CVLI mensais por 100 mil habitantes no início do programa até 3,0/100 mil no final do quinto ano. As respectivas retas de regressão nos dois períodos são:

Período de referência: y=0,019x+4,094

Período de intervenção: y=-0,027x+4,563

Gráfico 7: Número de vidas salvas por 100 mil habitantes (calculadas pelo método 4) em Pernambuco desde o início do PPV (valores esperados projetados do período 1 X valores esperados no período 2).

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Em qualquer caso, relevante é que quando transformamos esses números re-lativos em absolutos obtém-se uma vantagem comparativa com relação ao método 3, semelhante ao que aconteceu entre os métodos 2 e 1. Isso porque, por conta do aumento populacional, uma taxa mensal projetada de 6,0 mortes mensais por 100 mil habitantes no último mês da série histórica (abril de 2012) equivale a 537 mortes violentas (ver gráfico 8), enquanto que, pelo método 3, a projeção de números absolutos de mortes equivaleria a 526 casos naquele mês (ver gráfico 5). Dessa feita, a área compreendida entre as duas retas de regressão do gráfico 8 dão um saldo de 8.840 vidas salvas, o maior dentre os quatro mé-todos analisados.

Gráfico 8: Número de vidas salvas em números absolutos (calculadas pelo método 4) em Pernambuco desde o início do PPV (valores esperado projetados do período 1 X valores esperados no período 2).

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Discussão

A apresentação detalhada dos quatro métodos para o cálculo de vidas salvas permite-nos compreender como esses se estruturam em torno a dois critérios: 1) se a projeção contrafactual é feita a partir do nível de crime ou a partir de uma reta de tendência dos crimes anteriormente observados; 2) se são empregados números absolutos ou relativos (taxas).

A tabela 3, de entrada dupla, sumariza os resultados obtidos no cômputo de vidas salvas a partir desses dois critérios. Cabe considerar que as projeções de tendên-cia, geradas a partir de uma reta que expressa a velocidade linear de crescimento da violência, geram estimativas de vidas salvas bem maiores do que as que é possível obter a partir das projeções de nível, geradas a partir de um ponto que expressa a magnitude do crime antes do início do programa. Assim mesmo, os cálculos que utilizaram taxas por 100 mil habitantes obtiveram vantagem numé-rica (embora não tanta como no critério anterior) frente às estimativas de vidas salvas obtidas diretamente a partir dos números absolutos. No entanto, cabe a pergunta, é sempre a maior estimativa a melhor?

Projeção

Magnitude/ Nível do Crime

Tendência Crime

Método 1 -4.069v.s.

Método 3 -8.567v.s.

Método 2 -4.849v.s.

Método 4 -8.840v.s.

Números

Absolutos Relativos

Tabela 3: Resumo dos resultados das estimativas de vidas salvas nos cinco anos do PPV de acordo com os critérios metodológicos de tipo de projeção e tipo de números empregados.

Com relação a esse questionamento, há firme convicção na idoneidade de se trabalhar com taxas e não números absolutos, devido ao rigor formal que intro-duzem nos cálculos, permitindo controlar o viés que produz o aumento demo-gráfico da população. Ora, com relação ao critério de projeção de magnitude X projeção de tendência, foi necessário elencar uma série de vantagens e incon-venientes, associados a essas duas opções metodológicas, para identificar a mais conveniente, não somente do ponto de vista científico, como também ético e político.

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Por essa discussão chegou-se ao entendimento de que as projeções de magnitu-de, ao gerarem estimativas menores que as de tendência (se a tendência anterior for crescente, claro), tornam-se menos atrativas do ponto de vista da gestão po-lítica. Também, por serem menos sofisticadas, metodologicamente, poderiam ser consideradas cientificamente menos atraentes.

Contudo, a metodologia mais simples da projeção de magnitude é mais fácil de assimilar pela opinião pública e pelos agentes envolvidos no sistema de seguran-ça, o que é o ideal no cenário das políticas públicas, gerando maior aceitação e credibilidade. Já a metodologia da projeção de tendência é mais difícil de inter-pretar e de assimilar pelo “cidadão médio”.

Ademais, do ponto de vista ético, as projeções de magnitude se tornam mais convincentes, pois, afinal das contas, está se discutindo acerca de vidas hu-manas, e a honestidade intelectual não pode deixar espaço à livre especula-ção científica. Lembre-se que o processo de violência, na maioria dos estados do Brasil, ainda alcança proporções epidêmicas. As estimativas de magnitude correspondem ao que poderia convencionar-se em chamar “a hipótese mais conservadora”, aquela que parte do suposto que a violência, embora estives-se aumentando anteriormente, não o faria indefinidamente, o que seria um suposto duvidoso. Gera-se, assim, uma projeção “neutral”: nem de aumento nem de redução do crime, salvo aquele atribuível ao aumento da população (método 2).

Ademais, as projeções de tendência produzem resultados sobredimensionados que distorcem a realidade, o que poderia levar, em certas situações, a um uso “tendencioso” dos mesmos – valha a ironia. Já com as de magnitude obtêm-se uma imagem mais prudente da realidade, conduzindo a um uso mais equilibrado e ético dos resultados.

Conclusões

Pelos argumentos acima expostos, conclui-se que o método 2, o da projeção da magnitude relativa de crime, é o mais adequado para ser utilizado em políticas públicas de segurança no Brasil. De fato, é aplicado hoje em Pernambuco.

Desta feita, deve-se arguir que nem sempre o método mais sofisticado, aquele aparentemente mais científico, com maior embasamento metodológico-estatís-tico, é o mais sensato, mais ético e mais correto. As políticas públicas de seguran-ça demandam da utilização de indicadores “pé no chão”, que sejam embasados em suposições rigorosas, corretas e precisas, mas que ao mesmo tempo atraiam

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pela sua simplicidade, sendo compreensíveis para o máximo número possível de pessoas. Esse é o espírito da coisa pública.

Para que os indicadores ganhem legitimidade e possam ser apropriados social-mente, é preciso mostrar nem somente o resultado, mas ensinar pedagogica-mente como esses são construídos. Os analistas criminais e os gestores de esta-tística criminal, portanto, têm que se esforçar por transmitir corretamente os seus trabalhos, tornando-os inteligíveis aos integrantes dos sistemas de segurança e aos cidadãos.

Leve-se em conta que com a redemocratização do Brasil, ainda recente, está começando a se superar o legado de uma cultura do segredo burocrático em torno das estatísticas criminais. Deve ser exorcizada, portanto, a tentação de tirar proveito das metodologias de cálculo de vidas salvas mais rentáveis do ponto de vista político e apostar naquelas que nos blindem contra o oportunismo de certas retóricas científicas demasiadamente positivistas.

Para finalizar, voltamos à questão inicial formulada na introdução: é lícito repre-sentarmos mentalmente uma política X ou um programa Y, como um herói que salva vidas? Viu-se como a expressão “vidas salvas” é equivalente lattu sensu a de mortes prevenidas/evitadas e, certamente, incide sobre a percepção da grandeza moral do projeto. Contudo, deve-se ponderar que, sociologicamente, as institui-ções não ganham vida própria além da de seus integrantes.

Apesar da ilusão que os números possam gerar, não é tão somente a política pública ou o programa de redução da violência aquele que deve ser elogiado por suas propriedades heroicas. E sim todas as pessoas que colaboraram para seu êxito, que realizaram sacrifícios em prol do bem coletivo, além do seu estrito cumprimento do dever profissional. São eles os que merecem ser elogiados e tratados como verdadeiros heróis. Nesse rol, entram os formuladores do pro-grama, seus financiadores, os gestores e seus executores. Quando os esforços preventivos dão fruto, evitando que o drama da violência se perpetue indefinida-mente, todos estão de parabéns.

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O quebra-cabeça dos dados nas políticas de segurança

A Corporação Latinobarómetro é uma Organização Não Governamental sem fins lucrativos com sede em Santiago de Chile. A Corporação é responsável pela produ-ção e publicação dos dados que compõem o estudo de opinião, principal produto do Latinobarómetro.

Anualmente, são 19.000 entrevistas aplicadas em 18 países da América Latina, re-presentando mais de 400 milhões de habitantes. O estudo aborda temas relativos ao desenvolvimento da democracia, a economia e a sociedade em seu conjunto, utilizando indicadores de opinião pública que medem atitudes, valores e comporta-mentos. Única fonte de dados de amplitude regional, os trabalhos e banco de dados do Latinobarómetro servem de subsidio aos atores sócio-políticos da região, atores internacionais, governamentais e mídia.

A diretora executiva do estudo é Marta Lagos, entrevistada para esta publicação.

APROFUNDANDO:O que é o latinobarómetro?

Traduzido do espanhol por: Poliglota Brasil Traduções

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O Latinobarómetro continua sendo uma das únicas organizações na Amé-rica Latina, ou pelo menos a mais confiável, que trabalha dados de segu-rança e vitimização na perspectiva regional. O que isso nos diz? Existem obstáculos a esse tipo de trabalho em nível regional? Quais seriam es-ses?

A América Latina não tem instituições representativas da região, não tem ins-tituições de integração. Existem acordos de comércio e acordos de integração sub-regional, mas nenhum destes acordos, tratados ou quaisquer dessas insti-tuições abordam problemáticas a partir de uma perspectiva regional. Essa é uma deficiência da América Latina em termos de sua capacidade de agir como uma região no mundo.

O Latinobarómetro, portanto, preenche um vácuo no sentido de que é o único instrumento regional que está em todos os países. Esse é um problema de desen-volvimento regional. Não há América Latina.

O Latinobarómetro aborda a questão da segurança a partir de pesquisas de opinião e de vitimização. Na sua opinião, por que essas informações são importantes para a gestão de políticas públicas de segurança?

Hoje em dia é praticamente impossível fazer política pública sem uma pesquisa de opinião. A pesquisa de opinião revela aspectos ocultos do que pensa a popu-lação, aspectos que são cruciais tanto para o desenho como para a comunicação sobre as políticas públicas. Muitas políticas públicas falharam por causa das expec-tativas equivocadas sobre seu impacto.

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O quebra-cabeça dos dados nas políticas de segurança

Sobre o tema da segurança, é particularmente importante saber a diferença entre a expectativa da população sobre a questão, os medos, as percepções de vitimização e os dados objetivos. Os dados existentes mostram que são essas diferenças que produzem as complicações na política pública, não a dimensão de cada um dos fenômenos, mas sim a distância entre cada um deles.

Observa-se que muitas vezes há uma discrepância entre os dados de vi-timização e de percepção da violência e (in)segurança. Em sua opinião, quais são as possíveis correlações entre esses dois fatos?

A discrepância se dá entre a percepção da vitimização e a importância da ques-tão da criminalidade em nível nacional. Não há discrepância entre os níveis de violência e a percepção da vitimização. Portanto, há uma alta correlação entre vitimização e violência e uma muito baixa correlação entre a importância do tema criminalidade e a vitimização. Isso se produz quando um país tem outros problemas que são mais importantes que o tema da delinquência, embora a vitimização ou mesmo a taxa de homicídios possa ser extremamente elevada, como no caso da Venezuela e Honduras.

Esse fenômeno, que incide sobre o peso que o tema da violência vai ter na agen-da informativa, é o “acostumamento”, ou o nível de tolerância. A população se acostuma com certos níveis de violência, corrupção, problemas sociais e não manifesta a importância desses fenômenos senão em uma base relativa e de acordo com a sua dedução.

No contexto regional, existem evidências de uma correlação entre crimi-nalidade, (in)segurança e conjuntura democrática?

Não, não há nenhuma evidência. O crime é um fenômeno como outros proble-mas que, com a liberdade, a democracia, se manifesta e se externaliza mais. A criminalidade também existia na época da ditadura na maioria dos países. Entre-tanto, é a partir do momento em que começa a democracia que a criminalidade se transforma em um problema, porque é socializado, devido ao grau de liber-dade que passa a existir. Mas eu não diria que isso afeta a democracia, nem há qualquer evidência empírica que o demonstre. Pelo contrário, a democracia abre espaço para a criminalidade existir como um fenômeno social, para além de um fenômeno individual, como já existia na época das ditaduras.

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Renato Sérgio de LimaGerard Viader SauretGustavo Henrique Brasil de BarrosJonas Sobral MorenoParte deste Programa, o Projeto URBAL -

Políticas Locais de Prevenção da Violência tem o objetivo de contribuir para o fortalecimento de políticas públicas de prevenção da violência e de promover a coesão social.

O Projeto é executado pelo Governo do Estado de Pernambuco – Brasil, representado pela Secretaria de Defesa Social, em parceria com os Governos Locais da Região Loreto - Peru, da Intendência de Paysandu – Uruguai, da Municipalidade de Bérgamo – Itália e com Cesvi Fundação.

Realização:

Parceria:

URB-AL III é um programa de cooperação descentralizada da União Europeia, dirigido a governos (locais e regionais) da União Europeia e da América Latina. Atualmente, o Programa encontra-se em sua terceira fase de execução (2008-2012). URB-AL III tem como objetivo geral contribuir para incrementar o grau de coesão social e territorial entre coletividades subnacionais na América Latina. Seu objetivo específico é consolidar ou promover, apoiando-se em parcerias e troca de experiências, processos e políticas de coesão social que se possam converter em modelos de referência capazes de gerar debates e indicar possíveis soluções aos governos que desejem impulsionar dinâmicas de coesão social.

URB-AL III conta com 20 projetos que desenvolvem ações na América Latina.

IntendenciaDepartamentalde Paysandú

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Cadernos sobre Segurança e Prevenção da Violência na América Latina

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Enquanto ator ativo da discussão sobre políticas de segurança e de prevenção da violência, o Projeto URBAL desempenhou, em seus quatro anos de atuação, um papel localizado junto a três governos locais da América Latina.

A proposta de lançar a série “Cadernos sobre Segurança e Prevenção da Violência na América Latina” surge no exato momento em que o Projeto se prepara para a despedida e avalia o caminho percorrido. Como compartilhar e não deixar se perder o conhecimento adquirido? Como ampliar a nossa contribuição, mesmo que de forma modesta, aos debates atuais?

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Renato Sérgio de LimaGerard Viader SauretGustavo Henrique Brasil de BarrosJonas Sobral MorenoParte deste Programa, o Projeto URBAL -

Políticas Locais de Prevenção da Violência tem o objetivo de contribuir para o fortalecimento de políticas públicas de prevenção da violência e de promover a coesão social.

O Projeto é executado pelo Governo do Estado de Pernambuco – Brasil, representado pela Secretaria de Defesa Social, em parceria com os Governos Locais da Região Loreto - Peru, da Intendência de Paysandu – Uruguai, da Municipalidade de Bérgamo – Itália e com Cesvi Fundação.

Realização:

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URB-AL III é um programa de cooperação descentralizada da União Europeia, dirigido a governos (locais e regionais) da União Europeia e da América Latina. Atualmente, o Programa encontra-se em sua terceira fase de execução (2008-2012). URB-AL III tem como objetivo geral contribuir para incrementar o grau de coesão social e territorial entre coletividades subnacionais na América Latina. Seu objetivo específico é consolidar ou promover, apoiando-se em parcerias e troca de experiências, processos e políticas de coesão social que se possam converter em modelos de referência capazes de gerar debates e indicar possíveis soluções aos governos que desejem impulsionar dinâmicas de coesão social.

URB-AL III conta com 20 projetos que desenvolvem ações na América Latina.

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Enquanto ator ativo da discussão sobre políticas de segurança e de prevenção da violência, o Projeto URBAL desempenhou, em seus quatro anos de atuação, um papel localizado junto a três governos locais da América Latina.

A proposta de lançar a série “Cadernos sobre Segurança e Prevenção da Violência na América Latina” surge no exato momento em que o Projeto se prepara para a despedida e avalia o caminho percorrido. Como compartilhar e não deixar se perder o conhecimento adquirido? Como ampliar a nossa contribuição, mesmo que de forma modesta, aos debates atuais?

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