cao crim - principal · 2020-06-01 · boletim criminal comentado junho -2020 - (semana nº 1) 3...

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CAO – Crim Boletim Criminal Comentado n° 094 Procurador-Geral de Justiça Mário Luiz Sarrubbo Secretário Especial de Políticas Criminais Arthur Pinto Lemos Junior Assessores Fernanda Narezi Pimentel Rosa Ricardo José Gasques de Almeida Silvares Rogério Sanches Cunha Valéria Scarance Paulo José de Palma (descentralizado) Analista Jurídica Ana Karenina Saura Rodrigues

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Page 1: CAO Crim - Principal · 2020-06-01 · Boletim Criminal Comentado Junho -2020 - (semana nº 1) 3 ESTUDOS DO CAOCRIM 1-Tema: AGRAVO REGIMENTAL/INTERNO COM PEDIDO DE URGÊNCIA DE RECONSIDERAÇÃO

CAO – Crim Boletim Criminal Comentado n° 094

Procurador-Geral de Justiça

Mário Luiz Sarrubbo

Secretário Especial de Políticas Criminais

Arthur Pinto Lemos Junior

Assessores

Fernanda Narezi Pimentel Rosa

Ricardo José Gasques de Almeida Silvares

Rogério Sanches Cunha

Valéria Scarance

Paulo José de Palma (descentralizado)

Analista Jurídica

Ana Karenina Saura Rodrigues

Page 2: CAO Crim - Principal · 2020-06-01 · Boletim Criminal Comentado Junho -2020 - (semana nº 1) 3 ESTUDOS DO CAOCRIM 1-Tema: AGRAVO REGIMENTAL/INTERNO COM PEDIDO DE URGÊNCIA DE RECONSIDERAÇÃO

Boletim Criminal Comentado n° 094 - Junho 2020

2

SUMÁRIO

SUMÁRIO .................................................................................................................................. 2

ESTUDOS DO CAOCRIM .............................................................................................................. 3

1- Tema: AGRAVO REGIMENTAL/INTERNO COM PEDIDO DE URGÊNCIA DE RECONSIDERAÇÃO DA

MEDIDA LIMINAR CONCEDIDA PELO STJ .............................................................................................. 3

2- Tema: NOTA TÉCNICA N° 3 OBSERVAÇÕES SOBRE A SITUAÇÃO PRISIONAL NA PANDEMIA DO

CORONAVÍRUS ..................................................................................................................................... 3

3 – Tema: Pena restritivas de direitos e hipóteses de conversão ......................................................... 3

STF/STJ: decisões de interesse institucional COMENTADAS PELO CAOCRIM .................................. 6

DIREITO PROCESSUAL PENAL ...................................................................................................... 6

1 – Tema: Caso Marielle. Investigação sobre mandantes do crime fica no âmbito da Justiça Estadual

do Rio de Janeiro ................................................................................................................................... 6

DIREITO PENAL: .......................................................................................................................... 9

1- Tema: Prescrição da pretensão executória. Início da contagem do prazo. Impossibilidade.

Cumprimento de pena decorrente de condenação imposta em outro processo. Inteligência do

artigo 116 do Código Penal ................................................................................................................... 9

2- Tema: Livramento condicional. Descumprimento das condições. Requisito subjetivo. Concessão

de indulto. Não impedimento ............................................................................................................. 10

MP/SP: decisões do setor art. 28 do CPP .................................................................................... 11

1- Tema: natureza jurídica do crime do art. 308 do CTB: de concurso eventual ou necessário? 11

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Boletim Criminal Comentado n° 094 - Junho 2020

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ESTUDOS DO CAOCRIM

1- Tema: AGRAVO REGIMENTAL/INTERNO COM PEDIDO DE URGÊNCIA DE RECONSIDERAÇÃO DA

MEDIDA LIMINAR CONCEDIDA PELO STJ

No último dia 29 de maio de 2020, o Procurador-Geral de Justiça recorreu da decisão liminar do STJ,

em Habeas Corpus, que libertou, de uma só vez, 187 presos da Penitenciária 2 de Potim.

No link abaixo, segue o recurso manejado na referida Corte Superior, pleiteando seja reconsiderada

a decisão provisória que determinou a soltura dos presos. Clique aqui

2- Tema: NOTA TÉCNICA N° 3 OBSERVAÇÕES SOBRE A SITUAÇÃO PRISIONAL NA PANDEMIA DO

CORONAVÍRUS:

O CAOCRIM analisou as estatísticas da semana passada fornecidas pela Secretaria da Administração

Penitenciária, que revelaram o estado de contaminação da COVID em presos e agentes

penitenciários. A Nota Técnica demonstra o bom controle da contaminação da COVID na população

prisional e o contexto dos pedidos de revogação de prisão preventiva e benefícios aos

Sentenciados. Clique aqui para ter acesso. Estamos monitorando tais estatísticas e, praticamente

em tempo real, fornecendo as informações às procuradorias de justiça e às promotorias criminais.

3 – Tema: Pena restritivas de direitos sua conversão:

Reza o art. 181 da LEP:

“Art. 181. A pena restritiva de direitos será convertida em privativa de liberdade nas hipóteses e

na forma do artigo 45 e seus incisos do Código Penal.

§ 1º A pena de prestação de serviços à comunidade será convertida quando o condenado:

a) não for encontrado por estar em lugar incerto e não sabido, ou desatender a intimação por

edital;

b) não comparecer, injustificadamente, à entidade ou programa em que deva prestar serviço;

c) recusar-se, injustificadamente, a prestar o serviço que lhe foi imposto;

d) praticar falta grave;

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e) sofrer condenação por outro crime à pena privativa de liberdade, cuja execução não tenha sido

suspensa.

§ 2º A pena de limitação de fim de semana será convertida quando o condenado não comparecer

ao estabelecimento designado para o cumprimento da pena, recusar-se a exercer a atividade

determinada pelo Juiz ou se ocorrer qualquer das hipóteses das letras “a”, “d” e “e” do parágrafo

anterior.

§ 3º A pena de interdição temporária de direitos será convertida quando o condenado exercer,

injustificadamente, o direito interditado ou se ocorrer qualquer das hipóteses das letras “a” e “e”,

do § 1º, deste artigo”.

Ao referido artigo soma-se o art. 44, §§ 4º. e 5º., do CP:

Ҥ 4o A pena restritiva de direitos converte-se em privativa de liberdade quando ocorrer o

descumprimento injustificado da restrição imposta. No cálculo da pena privativa de liberdade a

executar será deduzido o tempo cumprido da pena restritiva de direitos, respeitado o saldo

mínimo de trinta dias de detenção ou reclusão.

§ 5o Sobrevindo condenação a pena privativa de liberdade, por outro crime, o juiz da execução

penal decidirá sobre a conversão, podendo deixar de aplicá-la se for possível ao condenado

cumprir a pena substitutiva anterior”.

Discute-se se a prisão cautelar em processo diverso é suficiente para implicar na reconversão da

PRD em privativa de liberdade. Entendemos que não.

liberdade por outro crime que inviabilize o cumprimento simultâneo, a melhor solução é requerer a

suspensão da PRD, acompanhada de pedidos bimestrais de informações sobre o estado do novo

procedimento/processo.

Nesse sentido:

por outro crime que inviabilize o cumprimento simultâneo, tratando-se, apenas, de prisão cautelar,

melhor solução, neste caso, a fim de ev

PROVIDO.

(Agravo 7 7 7 9

.

Em sentido contrário:

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EXECUÇÃO PENAL. PENAS RESTRITIVAS DE DIREITOS. CONVERSÃO EM PENA PRIVATIVA DE

LIBERDADE. POSSIBILIDADE. PRISÃO PREVENTIVA SUPERVENIENTE. PENA SUBSTITUTIVA.

INVIABILIDADE DE CUMPRIMENTO. ART. 116 DO CPP. NÃO AFASTA A CONVERSÃO. 1. É adequada a

conversão da pena restritiva de direitos em pena privativa de liberdade, diante da prisão preventiva

decretada em outro processo, confirmada em sentença condenatória, tendo sido expedida a

respectiva ficha individual e instaurada a execução provisória, pois a situação representa a

inviabilidade de cumprimento simultâneo das penas. 2. O artigo 116 do Código Penal não

representa autorização legislativa para se deixar de converter as penas restritivas de direitos em

privativa de liberdade, de forma a apenas suspender o curso do prazo prescricional até o desfecho

do processo pelo qual o condenado está recolhido (TRF-4 - EP: 50209071520174047000 PR

5020907-15.2017.404.7000, Relator: BIANCA GEORGIA CRUZ ARENHART, j. 1/8/2017, SÉTIMA

TURMA).

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STF/STJ: decisões de interesse institucional COMENTADAS PELO CAOCRIM

DIREITO PROCESSUAL PENAL:

1 – Tema: Caso Marielle. Investigação sobre mandantes do crime fica no âmbito da Justiça

Estadual do Rio de Janeiro

Em decisão unânime, a Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) julgou improcedente,

nesta quarta-feira (27), o incidente de deslocamento de competência ajuizado pela Procuradoria-

Geral da República (PGR) que buscava transferir para a esfera federal a investigação sobre os

mandantes do assassinato da vereadora Marielle Franco e de seu motorista Anderson Gomes,

ocorrido em 2018 no Rio de Janeiro.

A ministra Laurita Vaz, relatora, defendeu a manutenção do caso sob a competência da Justiça

estadual, da Polícia Civil e do Ministério Público do Rio de Janeiro (MPRJ). Para ela, o caso não

preenche os requisitos necessários para a federalização. A ministra disse que não é possível

verificar desídia ou desinteresse por parte das autoridades estaduais nas investigações para

solucionar o crime.

COMENTÁRIOS DO CAO-CRIM

Esta notícia nos obriga a comentar, ainda que sucintamente, o denominado incidente de

descolamento de competência (IDC), estabelecido no art. 109, § 5º, da Constituição Federal,

lembrando que a justiça paulista enfrenta igual pedido, mais precisamente no episódio conhecido

“Mães de M ” (1).

Reza o art. 109, §5º, da CF:

“Art. 109 CF

1

Há exatos dez anos, entre os dias 12 e 20 de maio de 2006, pelo menos 564 pessoas foram mortas no estado de São

Paulo, segundo levantamento da Universidade de Harvard, a maioria em situações que indicam a participação de policiais.

A maior parte dos casos, apontam pesquisadores, fazia parte de uma ação de vingança dos agentes de segurança do

Estado contra os chamados ataques da facção Primeiro Comando da Capital (PCC), que se concentraram nos dois

primeiros dias do período. A chacina daquele ano ficou conhecida como Crimes de Maio, a maior do século 21 e talvez a

maior da história do país - para efeito de comparação, em toda a última ditadura civil-militar, que durou 21 anos, 434

pessoas foram mortas pelo Estado. Uma década depois do massacre de 2006, apenas um agente público foi

responsabilizado pelas mortes. Condenado, ele responde a recurso em liberdade e continua atuando como policial

militar. O gritante número de assassinatos e o desinteresse da Justiça em punir os responsáveis deu origem ao

movimento Mães de Maio, formado principalmente por familiares das vítimas do massacre.

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Boletim Criminal Comentado n° 094 - Junho 2020

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(...)

§ 5º Nas hipóteses de grave violação de direitos humanos, o Procurador-Geral da República, com

a finalidade de assegurar o cumprimento de obrigações decorrentes de tratados internacionais de

direitos humanos dos quais o Brasil seja parte, poderá suscitar, perante o Superior Tribunal de

Justiça, em qualquer fase do inquérito ou processo, incidente de deslocamento de competência

para a Justiça Federal”.

Incidência: grave violação dos direitos humanos – “ ”

repercussão no âmbito coletivo.

Neste primeiro requisito já conflitam duas correntes. Uma primeira defendo que o incidente pode

ser tanto na esfera criminal, quanto na cível (ilícitos de maneira geral que importam em violação de

direitos humanos). Outra, leciona que somente pode incidir na esfera criminal.

Finalidade: assegurar o cumprimento de obrigações decorrentes de tratados internacionais de

direitos humanos. Aqui necessário recordar o papel dúplice da União, que representa uma parte do

Estado-federal, mas também representa o Estado federal, pois quem celebra contratos é a União.

Oportunidade: “ ” (

“ ” razão pela qual, como vimos, para uma corrente o instituto alcança também o

civil).

Nas academias se ensina “ h ” h

estão positivados ou quantificados; logo, são ilimitados no tempo e no espaço. Não podem ser

“ ” -------------------- positivados, limitados no território e no

tempo em decorrência de seu reconhecimento formal. Para dar ensejo ao deslocamento de

competência, qual violação deve ser constatada: dos direitos humanos ou dos fundamentais? A

doutrina vem ditando que a melhor solução, tendo em conta a concordância prática dos preceitos

constitucionais, é de que o deslocamento deve ser aplicado aos direitos humanos, e não apenas aos

direitos fundamentais reconhecidos no texto constitucional.

Legitimidade: Procurador-Geral da República apenas.

Competência: STJ. Por que o STJ e não o STF, já que envolve questão de natureza federativa?

Porque ele é responsável por dirimir os conflitos de competência. Contudo, isso não inibe o uso de

recurso extraordinário ao STF.

De forma implícita (construção do Direito Internacional e do Direito Constitucional de alguns

países), mais um requisito se apresenta:

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Subsidiariedade: “ ” h -

membro ou fundado receio de impunidade.

Crítica: O incidente nos parece totalmente desnecessário no Estado Democrático de Direito, pois

existem instrumentos já consagrados para lidar com eventuais falhas no sistema de justiça local: a)

federalização (unificação) das investigações: de acordo com o disposto no art. 1º, inciso III, da Lei nº

10.446/02 – que regulamenta o art. 144, § 1º, inciso I, da CF/88 – é possível a atuação da Polícia

Federal em casos de violação de direitos humanos, sem prejuízo da responsabilidade dos órgãos

estaduais de segurança pública; b) desaforamento no rito do Júri quando os jurados forem

suspeitos ou comprometidos (art. 424 do CPP); c) intervenção federal no Estado-membro para

assegurar a observância dos direitos da pessoa humana (art. 34, inciso VII, b, da CF/88). Se existem

estes expedientes, não há papel relevante para o incidente de descolamento de competência.

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DIREITO PENAL:

1- Tema: Prescrição da pretensão executória. Início da contagem do prazo. Impossibilidade.

Cumprimento de pena decorrente de condenação imposta em outro processo. Inteligência do

artigo 116 do Código Penal.

INFORMATIVO 670 STJ-QUINTA TURMA

O cumprimento de pena imposta em outro processo, ainda que em regime aberto ou em prisão

domiciliar, impede o curso da prescrição executória.

De acordo com o parágrafo único, do artigo 116, do Código Penal, "depois de passada em julgado a

sentença condenatória, a prescrição não corre durante o tempo em que o condenado está preso

por outro motivo".

PROCESSO AgRg no RHC 123.523-SP, Rel. Min. Jorge Mussi, Quinta Turma, por unanimidade,

julgado em 13/4/2020, DJe 20/4/2020.

COMENTÁRIOS DO CAO-CRIM

Tal qual a prescrição da pretensão punitiva, a prescrição da pretensão executória pode ser

suspensa (art. 116, parágrafo único, CP) e interrompida (art. 117, incisos V e VI, CP).

Dispõe o art. 116, parágrafo único:

“Depois de passada em julgado a sentença condenatória, a prescrição não corre durante o tempo

em que o condenado está preso por outro motivo”.

É conditio sine qua non ao cômputo prescricional que o condenado possa ser preso para o

cumprimento da sentença transitada em julgado. Se o Estado não pode executar a pena porque o

condenado está preso por outro motivo, não é razoável que se imponha a prescrição, porque,

afinal, não se trata da inércia que fundamenta a extinção da punibilidade

Ao interpretar o referido dispositivo legal, esta Corte Superior de Justiça pacificou o entendimento

de que o cumprimento de pena imposta em outro processo, ainda que em regime aberto ou em

prisão domiciliar, impede o curso da prescrição executória.

Assim, não há que se falar em fluência do prazo prescricional, o que impede o reconhecimento da

extinção de sua punibilidade.

Quanto ao ponto, é imperioso destacar que o fato de o prazo prescricional não correr durante o

tempo em que o condenado está preso por outro motivo não depende da unificação das penas.

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Boletim Criminal Comentado n° 094 - Junho 2020

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2- Tema: Livramento condicional. Descumprimento das condições. Requisito subjetivo. Concessão

de indulto. Não impedimento.

INFORMATIVO 670 STJ-QUINTA TURMA

O descumprimento das condições impostas para o livramento condicional não pode ser invocado

para impedir a concessão do indulto, a título de não preenchimento do requisito subjetivo.

PROCESSO: AgRg no HC 537.982-DF, Rel. Min. Jorge Mussi, Quinta Turma, por unanimidade, julgado

em 13/4/2020, DJe 20/4/2020.

COMENTÁRIOS DO CAO-CRIM

Na decisão em comento discutiu-se a possibilidade de se considerar o descumprimento das

condições do livramento condicional como falta grave, apta a obstaculizar a concessão do indulto.

De acordo com a jurisprudência do STJ, para a análise do pedido de indulto ou comutação de

penas, o magistrado deve restringir-se ao exame do preenchimento dos requisitos previstos no

decreto presidencial, uma vez que os pressupostos para a concessão da benesse são da

competência privativa do presidente da República. Dessa forma, qualquer outra exigência

caracteriza constrangimento ilegal.

O art. 3º do Decreto n. 7.873/2012 prevê que apenas falta disciplinar de natureza grave prevista na

Lei de Execução Penal cometida nos 12 (doze) meses anteriores à data de publicação do decreto,

pode obstar a concessão do indulto.

É cediço, portanto, que o descumprimento das condições do livramento condicional não encontra

previsão no art. 50 da Lei de Execuções Penais, o qual elenca de forma taxativa as faltas graves.

Eventual descumprimento de condições impostas não pode ser invocado a título de infração

disciplinar grave a fim de impedir a concessão do indulto.

Desse modo, decidiu a Corte não há amparo no decreto concessivo para que faltas disciplinares não

previstas na LEP sejam utilizadas para obstar a concessão do indulto, a título de não preenchimento

do requisito subjetivo.

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Boletim Criminal Comentado n° 094 - Junho 2020

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MP/SP: decisões do setor do art. 28 do CPP

1- Tema: natureza jurídica do crime do art. 308 do CTB: de concurso eventual ou necessário?

Código de Processo Penal, art. 28

Autos n.º 1500006-62.2020.8.26.0185 – MM. Juízo do Foro de xxxxxx

Autor: xxxxx

Assunto: revisão de promoção de arquivamento de inquérito policial

Cuida-se de investigação criminal instaurada para apurar a conduta perpetrada por R.P.C.B..

Consta dos autos que, no dia 2 de janeiro de 2020, por volta das 18h00, na rua Jundiaí, bairro xxx,

na cidade de xxx, o investigado R. com sua motocicleta Honda/CG Titan, placas AxP 4xx7, quando,

ao passar pelo local supracitado, empinou o veículo e passou a andar por vários metros apenas com

a roda traseira da moto.

Na sequência, o investigado virou na rua Minas Gerais e, logo em seguida, repetiu a manobra e

empinou novamente a motocicleta na via pública.

A testemunha R.C.P., ouvido as fls. 09, informou que é policial civil e, no dia dos fatos, quando saía

de sua residência na rua Jundiaí, avistou R. vindo em sua direção com sua motocicleta e, quando se

aproximou, o investigado empinou o veículo e andou alguns metros apenas com a roda traseira.

Mesmo sabendo que a testemunha é policial civil, o investigado virou na esquina e novamente

repetiu a manobra arriscada em via pública, como forma de provocação ao referido policial.

Ouvido na delegacia, R. negou ter empinado a motocicleta na via pública (fls. 10).

O laudo pericial de fls. 37/44, que analisou as imagens captadas por uma câmera de segurança,

comprovou que o investigado empinou sua motocicleta na via pública.

Relatado o feito (fls. 49/50), a Douta Promotora de Justiça pleiteou o arquivamento do expediente,

pela atipicidade da conduta.

Argumentou que, mesmo com as alterações promovidas no artigo 308 do CTB pela Lei n.

5 6 7 “ cia

“ ”

para sua configuração (crime de concurso necessário ou plurissubjetivo).

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O MM. Juiz, contudo, discordou do pleito de arquivamento, por entender que, ao menos na

específica modalidade exibição ou demonstração de perícia em manobra de veículo automotor,

introduzida pela Lei nº 13.546, de 19 de dezembro de 2017, a infração penal não é de concurso

necessário, bastando o risco.

Eis a síntese do necessário.

A razão socorre o Digníssimo Magistrado, com a devida vênia da Ilustre Representante Ministerial;

senão, vejamos.

De fato, a materialidade do delito está comprovada, notadamente em face do laudo pericial de

analisou as imagens captadas no dia dos fatos e comprovou que o investigado empinou sua

motocicleta na via pública.

Da mesma forma, restou comprovada a autoria.

E a conduta do investigado se amolda ao tipo do artigo 308 do Código de Trânsito Brasileiro.

Num primeiro momento, afigura-se sedutor o argumento de que o delito do art. 308, do CTB, com a

redação dada pela Lei nº 13.546/17, será sempre um crime de concurso necessário.

A tese, contudo, embora respeitável, não se sustenta.

Trata-se de norma penal de conteúdo variado, misto, alternativo. A premissa de que o delito é de

concurso necessário se revela verdadeira apenas no tocante à primeira parte do preceito primário

da norma penal:

Art. 308. Participar, na direção de veículo automotor, em via pública, de corrida, disputa ou

competição automobilística...

“ h ”

não autorizada se houver pelo menos dois condutores.

Mas não é verdadeira a premissa no tocante à segunda parte da norma penal:

...ou ainda de exibição ou demonstração de perícia em manobra de veículo automotor, não

autorizada pela autoridade competente, gerando situação de risco à incolumidade pública ou

privada.

Isso porque a manobra de exibição de perícia, em via pública, gerando situação de risco à

incolumidade pública ou privada, não exige a atuação de mais de um condutor para que o delito se

perfaça.

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Boletim Criminal Comentado n° 094 - Junho 2020

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Essas peripécias, na maioria das vezes, conforme demonstra a experiência ordinária, são

executadas por um só condutor, como que num inaceitável exibicionismo, colocando em risco a

vida e a integridade corporal de outros condutores e transeuntes.

Além disso, é importante lembrar que as famigeradas manobras perigosas na via pública, como

“ ” “ ” “ ”

empinando o guidão etc., antes da mudança implementada ao art. 308, do Código de Trânsito,

alteração que se tornou eficaz em 19 de abril de 2018, se adequavam à vetusta figura

contravencional do art. 34, da Lei das Contravenções Penais (Decreto-lei 3.688/41), de direção

perigosa de veículo na via pública, além das infrações administrativas correlatas, previstas nos arts.

173 a 175, do Código de Trânsito.

E, tendo em vista o princípio da continuidade típico-normativa, a realidade é que o legislador não

revogou a contravenção penal, mas derrogou-a, passando a cuidar da matéria por ela até então

tratada, pois a direção perigosa de veículo automotor em via pública continuou a ser ilícito penal,

porém agora sob outra roupagem, configurando o crime do art. 308, do Código de Trânsito, além

das infrações administrativas acima reportadas.

Há de se levar em conta, ainda, a mens legis, ou seja, a finalidade do legislador ao editar a norma:

ao ampliar o alcance da figura típica do art. 308, para incluir, além das competições, corridas ou

disputas na direção de veículo automotor, as manobras de exibição de perícia, o que o legislador

penal quis foi tornar mais abrangente o espectro de proteção da norma penal, não restringi-lo,

como se dá caso se entenda que, mesmo nessas manobras de exibição de perícia, o crime será

sempre de concurso necessário ou de autoria plúrima.

Se não bastasse, estamos num dos países do mundo em que as pessoas mais perdem suas vidas (2)

em acidentes do trânsito, além das sequelas incapacitantes. Infelizmente, somente a pandemia do

novo Corona vírus tem superado diariamente as mortes em acidentes de tráfego, que constituem

triste cifra que nos coloca entre os cinco países do mundo em que mais pessoas perdem a vida em

acidentes de trânsito.

Nesse contexto, o bem jurídico segurança viária, ou segurança no trânsito, proclamado no art. 1º, §

1º, do Código de Trânsito, como um direito de todos e dever do Estado e dos órgãos integrantes do

Sistema Nacional de Trânsito, assume o caráter de direito fundamental.

2

Com 40.721 vítimas em 2019, segundo relatório anual da Líder, administradora do seguro DPVAT, as mortes no trânsito são a décima principal causa de mortalidade do Brasil. O ranking é encabeçado pelas vítimas de problemas de saúde como câncer (223.757) e doenças do coração (175.950) e cerebrovasculares (99.904), segundo o Datasus de 2018 – último ano atualizado -, plataforma de dados sobre mortalidade do Ministério da Saúde. Disponível em: https://veja.abril.com.br/brasil/coronavirus-ja-mata-mais-que-acidente-de-transito-por-dia-no-brasil/ - acesso em 16 de maio de 2020.

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Boletim Criminal Comentado n° 094 - Junho 2020

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E assim já foi declarado pelo Tribunal da Cidadania (STJ), em Acórdão da lavra do Eminente Ministro

Herman Benjamin, ao julgar o Recurso Especial nº 1677380/RS:

EMENTA: PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. TAXISTA. TESTE DE ALCOOLEMIA, ETILÔMETRO

OU BAFÔMETRO. RECUSA EM SE SUBMETER AO EXAME. SANÇÃO ADMINISTRATIVA. ART. 277, §3º

C/C ART. 165 DO CTB. AUTONOMIA DAS INFRAÇÕES. IDENTIDADE DE PENAS. DESNECESSIDADE DE

PROVA DA EMBRIAGUEZ. INFRAÇÃO DE MERA CONDUTA. DEVER INSTRUMENTAL DE FAZER.

PRINCÍPIO DA NÃO 1 Com 40.721 vítimas em 2019, segundo relatório anual da Líder,

administradora do seguro DPVAT, as mortes no trânsito são a décima principal causa de

mortalidade do Brasil. O ranking é encabeçado pelas vítimas de problemas de saúde como câncer

(223.757) e doenças do coração (175.950) e cerebrovasculares (99.904), segundo o Datasus de

2018 – último ano atualizado -, plataforma de dados sobre mortalidade do Ministério da Saúde.

Disponível em: https://veja.abril.com.br/brasil/coronavirus-ja-mata-mais-que-acidente-de-transito-

por-dia-no-brasil/ - acesso em 16 de maio de 2020. AUTOINCRIMINAÇÃO. INAPLICABILIDADE.

INDEPENDÊNCIA DAS INSTÂNCIAS PENAL E ADMINISTRATIVA. TIPO ADMINISTRATIVO QUE NÃO

CONSTITUI CRIME. SEGURANÇA VIÁRIA. DIREITO FUNDAMENTAL. DEVER DO ESTADO. DIGNIDADE

DA PESSOA HUMANA RESPEITADA. SÚMULA 301/STJ. PREVISÃO DE EFEITOS LEGAIS CONTRÁRIOS A

QUEM SE RECUSA A SE SUBMETER A PROVA TÉCNICA. TEMA NÃO EXCLUSIVO DO CTB E SUMULADO

PELO STJ. INFRAÇÃO COMETIDA NO EXERCÍCIO DA PROFISSÃO DE TRANSPORTE REMUNERADO DE

PASSAGEIROS. ATIVIDADE DEPENDENTE DE AUTORIZAÇÃO ESTATAL. SERVIÇO DE UTILIDADE

PÚBLICA REGIDO PELA LEI 12.587/2012. OBRIGAÇÃO DE CUMPRIR A LEGISLAÇÃO DE TRÂNSITO

REFORÇADA.

Além disso, o princípio da vedação à proteção deficiente de bens jurídicos não se coaduna com a

interpretação no sentido de exigir sempre o concurso necessário para que o delito se perfaça,

restringindo o alcance da norma penal e deixando desprotegido da incidência do Direito Penal bem

jurídico fundamental.

“ ”

exigência do concurso necessário, de se convir que o fundamento invocado não se justifica, pois um

condutor pode perfeitamente no trânsito tomar parte de (e no trânsito, somos todos partícipes,

sejamos condutores ou pedestres) execução de manobra de exibição de perícia, sem autorização da

autoridade competente, em via pública, gerando situação de risco, realizando, portanto, o tipo

penal.

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Boletim Criminal Comentado n° 094 - Junho 2020

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ô “ ” (3). Portanto, quem executa ou lida com manobras de

exibição de perícia em via pública, sem autorização da autoridade de trânsito competente, incorre,

sem dúvida, no tipo penal do art. 308, do Código de Trânsito Brasileiro, ainda que aja isoladamente.

Não se trata, com efeito, de crime de concurso necessário, nessa segunda modalidade.

No sentido de que o delito em comento poder ser praticado por apenas um condutor, os sempre

precisos comentários do professor ROGÉRIO SANCHES CUNHA:

“ º 5 6 7 caput do art. 308 do CTB para incluir, entre as situações nas

quais o crime se verifica, a exibição ou demonstração de perícia em manobra de veículo automotor.

Embora a exibição de perícia caracterizasse infração administrativa no mesmo dispositivo da

competição (art. 174 do CTB) e já impedisse a transação penal nos crimes de trânsito (art. 291, § 1º,

8 (‘ h ’ crime

efetuar manobras nas quais o motorista pretende demonstrar especial habilidade, como o

‘ --------- de- ’

a motocicleta em apenas uma roda, isso desde que o condutor esteja na via pública, não tenha

(4).

Nesse contexto, forçoso convir que há base empírica suficiente para a persecução criminal em juízo

pelo delito do art. 308, do Código de Trânsito Brasileiro.

Diante do exposto, designa-se outro membro ministerial para oferecer denúncia, devendo

prosseguir no feito em seus ulteriores termos, facultada a observação do disposto no art. 4-A do

Ato Normativo n.º 302 (PGJ/CSMP/CGMP), de 07 de janeiro de 2003, com redação dada pelo Ato

Normativo n.º 488 (PGJ/CSMP/CGMP), de 27 de outubro de 2006.

O D. Promotor de Justiça designado poderá avaliar o eventual cabimento do Acordo de Não

Persecução Penal, nos termos do art. 28-A, do Código de Processo Penal, com a redação dada pela

Lei nº 13.964/19.

Expeça-se portaria designando o substituto automático.

São Paulo, 18 de maio de 2020.

Mário Luiz Sarrubbo

3 https://www.dicio.com.br/participar/ - acesso em 16 de maio de 2020.

4 Disponível em: https://meusitejuridico.editorajuspodivm.com.br/2017/12/20/lei-13-54617-altera-disposicoes-codigo-

de-transito-brasileiro/Acesso em 17 de maio de 2020.

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Procurador-Geral de Justiça