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(IM)PRESCRITIBILIDADE DO ESTUPRO (IM)PRESCRIPTIBILITY OF RAPE Fernanda Sayuri Yoshida da Silva – [email protected] Graduanda em Direito – UniSALESIANO Lins Prof. Dr Pedro Lima Marcheri – UniSALESIANO Lins [email protected] RESUMO O presente artigo tem por objetivo analisar a possibilidade de tornar o estupro um crime imprescritível, assim como os previstos na Constituição Federal Brasileira. A pesquisa utilizou-se da metodologia dedutiva, e a problemática implica na inconstitucionalidade de tornar o estupro um crime imprescritível, assim como o racismo e a ação de grupos armados, civil ou militar, contra a ordem constitucional e o Estado Democrático, previstos no artigo 5º da Carta Magna. Inicialmente, apresentam-se os institutos da política criminal e os mandados de criminalização, que determinam e protegem os bens jurídicos mais importantes da sociedade, bem como o instituto da prescrição e seus tipos. Em seguida, explica o crime de estupro, apresentando a teoria do crime. Por fim, apresenta a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 64/2016 e seus aspectos, bem como o instituto da imprescritibilidade, seus fundamentos e sua repercussão no ordenamento jurídico. Palavras-chave: Imprescritibilidade; Estupro; Crimes Sexuais. ABSTRACT The present article aims to analyze the possibility of rape becoming an imprescriptible crime, as it happens in the Brazilian Federal Constitution. The research used the deductive methodology, and the problematic implies in the unconstitutionality of making rape an imprescriptible crime, as well as the racism and the action of armed groups, civil or military, against the constitutional order and the Democratic State, foreseen in Article 5 of the Brazilian Constitution. Initially, it presents institutes of criminal policy and mandates of criminalization, which determine and protect the most important juridical assets of society, as well as the 1

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(IM)PRESCRITIBILIDADE DO ESTUPRO(IM)PRESCRIPTIBILITY OF RAPE

Fernanda Sayuri Yoshida da Silva – [email protected] em Direito – UniSALESIANO Lins

Prof. Dr Pedro Lima Marcheri – UniSALESIANO [email protected]

RESUMO

O presente artigo tem por objetivo analisar a possibilidade de tornar o estupro um crime imprescritível, assim como os previstos na Constituição Federal Brasileira. A pesquisa utilizou-se da metodologia dedutiva, e a problemática implica na inconstitucionalidade de tornar o estupro um crime imprescritível, assim como o racismo e a ação de grupos armados, civil ou militar, contra a ordem constitucional e o Estado Democrático, previstos no artigo 5º da Carta Magna. Inicialmente, apresentam-se os institutos da política criminal e os mandados de criminalização, que determinam e protegem os bens jurídicos mais importantes da sociedade, bem como o instituto da prescrição e seus tipos. Em seguida, explica o crime de estupro, apresentando a teoria do crime. Por fim, apresenta a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 64/2016 e seus aspectos, bem como o instituto da imprescritibilidade, seus fundamentos e sua repercussão no ordenamento jurídico.

Palavras-chave: Imprescritibilidade; Estupro; Crimes Sexuais.

ABSTRACT

The present article aims to analyze the possibility of rape becoming an imprescriptible crime, as it happens in the Brazilian Federal Constitution. The research used the deductive methodology, and the problematic implies in the unconstitutionality of making rape an imprescriptible crime, as well as the racism and the action of armed groups, civil or military, against the constitutional order and the Democratic State, foreseen in Article 5 of the Brazilian Constitution. Initially, it presents institutes of criminal policy and mandates of criminalization, which determine and protect the most important juridical assets of society, as well as the institute of prescription and its types. Then it explains the crime of rape by introducing crime theory. Finally, it presents the Proposal for Amendment to the Constitution (PEC) 64/2016 and its aspects, as well as the institution of imprescriptibility, its foundations and its repercussion in the legal order.

Keywords: Imprescriptibility; Rape; Sexual Crimes.

INTRODUÇÃO

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A Constituição Federal Brasileira de 1988 em seu artigo 5º, inciso XLIV e XLIV

prevê como imprescritíveis apenas dois tipos de crimes, sendo eles,

respectivamente, a prática do racismo e a ação de grupos armados, civis ou

militares, contra a ordem constitucional e o Estado Democrático. Posto isto, é

possível perceber que em nosso ordenamento jurídico a prescrição é a regra geral,

enquanto a imprescritibilidade seria a exceção no atual ordenamento jurídico

brasileiro.

Ao tornar um crime imprescritível o estado perde o direito de punir o indivíduo

em decorrência do lapso temporal. Sendo assim, a prescrição nada mais é do que a

extinção do direito de punir que o Estado possui, em consequência ao decurso do

tempo.

A presente pesquisa analisará a prescrição e a imprescritibilidade a fim de

averiguar se o crime de estupro poderá ser inserido no artigo 5º da Constituição

Federal, sendo incluído como a exceção, juntamente com os crimes de racismo e a

ação de grupos armados, civis ou militares, contra a ordem constitucional e o Estado

Democrático.

1 A POLÍTICA CRIMINAL E OS MANDADOS DE CRIMINALIZAÇÃO

Não há sociedade sem a atuação da política. O estado utiliza da força para

impor suas escolhas na sociedade, para que dessa forma as necessidades e

desejos da entidade sejam atendidos.

Quando há um crime, por exemplo, o poder que o estado utiliza é a sanção

penal, e essa sanção deve ser medida e estruturada de forma correta e na medida

correta para que atenda as necessidades de uma sociedade que precisa da atuação

do Estado para sua proteção e pra um melhor andamento do convívio social.

Nesse sentido, Queiroz (2011 p. 23) ensina que a politica criminal, é "a

sistematização das estratégias, táticas e meios de controle social da criminalidade

penais e não penais, diz respeito, enfim, à gestão política dos conflitos humanos por

parte do Estado”.

Para Pierangeli e Zaffaroni (2015, p. 125) “A Política Criminal é a ciência ou a

arte de selecionar os bens (ou direitos) que devem ser tutelados jurídica e

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penalmente e escolher os caminhos para efetivar tal tutela, o que iniludivelmente

implica a crítica dos valores e caminhos já eleitos”.

Então, pode-se dizer que a política criminal é uma ciência, que tem como

objetivo principal a proteção dos bens jurídicos que são tutelados pelo Direito Penal,

visando a diminuição dos crimes. Dessa maneira, é necessário buscar a melhor

solução do conflito, com base em dados, para que a escolha seja a mais benéfica

para toda a sociedade.

É possível perceber, diante dos conceitos dispostos anteriormente, que a

política criminal é fortemente ligada ao bem jurídico, pois é através da política

criminal que o Estado impõe o seu poder legislativo e por meio deste poder é

possível elencar quais são os bens jurídicos que merecem a tutela fornecida pelo

Direito Penal. Política criminal consiste na crítica do Direito Penal, fundada em

argumentos jurídicos ou ideológicos, tendente a modificar, manter ou reformar os

institutos do direito penal vigentes, implicando no dinamismo desta disciplina.

Geralmente fundada em questões como o perfil do governo, metas

estabelecidas, destaques na imprensa ou perfil social, pode-se afrouxar ou

recrudescer a criminalização sobre determinado aspecto ou conduta.

Por outro lado, os mandados de criminalização para Ponte (2008, p. 152). “[...]

indicam matérias sobre as quais o legislador ordinário não tem a faculdade de

legislar, mas a obrigatoriedade de tratar, protegendo determinados bens ou

interesses de forma adequada e, dentro do possível, integral".

Os bens jurídicos elegíveis para serem protegidos pelo Direito Penal devem

ser analisados pela Carta Maior, pois o legislador constituinte fornece os

fundamentos e critérios necessários para tal imputação, pois é a Constituição que

estabelece quais são os valores essenciais para a sociedade.

Para certos valores o legislador ordinário fornece a faculdade de proteção por

meio do Direito Penal ou de outro ramo do direito, dependendo então de fatores

como a conveniência, oportunidade, momento social, cultura, etc.

Quando o legislador possui a obrigação de intervir por meio de edição das leis

e também regulamentando e criminalizando as condutas que põe em risco os bens

jurídicos que o legislador constituinte impôs como essenciais à sociedade, estamos

diante dos mandados de criminalização. Pois nessa hipótese não há mais faculdade

e sim a obrigatoriedade e necessidade de intervenção do legislador.

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Os mandados expressos de criminalização estão dispostos para que haja a

proteção dos bens jurídicos que necessitam de maior atenção, para que o legislador

tipifique as condutas e consequentemente essas condutas sofram a sanção

específica.

Para Gonçalves (2007, p. 162) “Os mandados de criminalização são ordens

para que o legislador ordinário edite leis considerando crimes as condutas que

menciona”.

Neste sentido, as ordens de penalização possuem fundamento no princípio da

proporcionalidade e obriga o legislador de legislar sobre determinada conduta, desse

modo o legislador não possui a liberdade de optar ou não pela criminalização.

Portanto os mandados possuem natureza de imperativo normativo.

Nas lições de Gonçalves (2007, p. 139), os mandados de criminalização

mostram a maneira como os direitos fundamentais devem ser protegidos. O

legislador possui o papel de garantir a proteção dos direitos fundamentais, assim

sendo, é obrigatório ao legislador tipificar as condutas.

As ordens de penalização são os responsáveis por garantir os direitos

fundamentais, haja vista que o Estado possui a obrigatoriedade de proteção à esses

direitos.

Nesse sentido, o Estado possui a necessidade e a obrigação de impedir que

os direitos fundamentais sejam violados tanto pelo governo quanto pelos

particulares. Desse modo, há a necessidade de criminalizar as condutas que lesem

os bens de maior importância e aplicar as regras na ordem criminal.

Ao reconhecer tal instituto, é possível observar duas consequências, sendo

elas: a possibilidade de reconhecimento da inconstitucionalidade por omissão,

quando não há lei penal determinada pela Constituição, e a inconstitucionalidade de

lei posterior que tem como objetivo descriminalizar a conduta objeto da lei.

Neste sentido, Gonçalves (2007, p. 166) diz que é inconstitucional revogar

uma lei que define um crime que é objeto do mandado de criminalização, se o fizer,

deverá colocar outro como substituto. Isto se dá por três razões: supremacia

constitucional, máxima efetividade das normas constitucionais e a proibição de

retrocesso na proteção de direitos fundamentais. Para Gonçalves “A obrigação de

criminalizar implica a proibição de descriminalizar”.

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Há dois tipos de mandados de criminalização: os mandados de criminalização

expressos e os implícitos. Os primeiros estão dispostos de forma clara e expressos

na Constituição, pelo legislador. Os implícitos, embora não estejam claros, são

reconhecíveis por meio de análise sistemática do texto contido na Constituição

Federal.

1.1 Do direito de punir, o “jus puniendi”O Direito Penal estabelece normas a fim de garantir direitos e definir deveres

a todos os cidadãos. A principal função dele é a tutela jurisdicional de bens jurídicos

de extrema importância para a sociedade, os quais devem ser protegidos e caso

sejam ameaçados, o Estado impõe sanções e medidas para que cada bem jurídico

seja protegido e possa garantir o bem estar social.

Os bens jurídicos são os valores com grande importância e que devem ser

protegidos na forma da lei. Prado (1997, p. 18) define “o bem jurídico em sentido

amplo é tudo aquilo que tem valor para o seu humano”.

O conceito de bem jurídico é algo de grande relevância para a sociedade e

que precisa de proteção do Estado, nos ensinamentos de Bianchini, Molina e Gomes

(2009, p. 232):[...] bem relevante para o indivíduo ou para a comunidade (quando comunitário não se pode perder de vista, mesmo assim, sua individualidade, ou seja, o bem comunitário deve ser também importante para o desenvolvimento da individualidade da pessoa) que, quando apresenta grande significação social, pode e deve ser protegido juridicamente. A vida, a honra, o patrimônio, a liberdade sexual, o meio-ambiente etc. são bens existenciais de grande relevância para o indivíduo.

Para Bitencourt (2017, p. 922), quando o fato criminoso é cometido, nasce

para o Estado o jus puniendi. Ele é uma pretensão punitiva que não deverá se

eternizar no espaço-tempo, por essa razão há critérios que limitam este direito de

punir, levando em conta a gravidade da conduta, sanção e o tempo.

De acordo com Bonfim e Capez (2017, p. 850), quando há o descumprimento

de uma lei que está prescrita na legislação penal, há que se ter uma sanção, essa

sanção deverá ser imposta apenas pelo Estado, que é o único titular do direito de

punir. No processo penal o ofendido tem apenas a legitimidade que dá início ao

processo, ou seja, o jus persequendi, enquanto o estado detém o jus puniendi.

1.2 A prescrição

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Quando há um lapso temporal e o Estado não age da forma que deveria agir,

configura-se a prescrição, ou seja, o Estado perde o direito de punir o crime

praticado em vista do decurso do tempo, neste sentido, Nucci (2017, p. 563) ensina

que:É a perda do direito de punir do Estado pelo não exercício em determinado lapso de tempo. Não há mais interesse estatal na repressão do crime, tendo em vista o decurso do tempo e porque o infrator não reincide, readaptando-se à vida social.

A prescrição, nas palavras de Capez e Bonfim (2017, p. 907), ocorre quando

o Estado perde o direito/poder/dever de punição, pois não exerceu a sua pretensão

punitiva ou da pretensão executória, ou seja, o Estado não aplicou a pena ou deixou

de exercê-la no tempo correto.

O Direito Penal, nas lições de Bitencourt (2017, p. 926), utiliza-se de duas

modalidades de prescrição, sendo elas: a prescrição da pretensão punitiva, que

ocorre antes do trânsito em julgado da sentença condenatória; e a prescrição da

pretensão executória, que ocorre após o trânsito em julgado da sentença final

acusatória. Essas lições serão vistas a seguir de maneira mais detalhada.

2. O ESTUPROO crime de estupro sempre esteve tipificado nos três Códigos Penais

existentes no Brasil, sendo eles: o Código Criminal do Império, de 1830; o Código

Penal dos Estados Unidos do Brasil, de 1890 e o atual Código Penal, de 1940.

O atual Código Penal de 1940, originalmente trazia a denominação “Dos

crimes contra os costumes” em seu Título VI, demonstrando desta maneira que a

tutela principal do legislador era, de acordo com Mirabete e Fabbrini (2010, p. 383) é

a “da moralidade sexual e do pudor público nos crimes sexuais em geral, ao lado, e,

às vezes, acima da proteção de outros bens jurídicos relevantes como a integridade

física e psíquica e a liberdade sexual”. Com a adoção deste título, é possível

perceber que a tutela principal dada pelo legislador não é a liberdade e a dignidade

sexual do ser humano, mas apenas valores sociais e éticos da sociedade.

Com o advento da Lei nº 12.015 de 7 de agosto de 2009, houve mudanças

significativas para o crime de estupro. A Lei alterou o Título VI, que obteve nova

redação: “Dos crimes contra a dignidade sexual”.

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O artigo 213 recebeu grandes alterações no caput, parágrafos e penas. A

antiga redação do artigo dispunha em seu caput que estupro era “Constranger

mulher à conjunção carnal, mediante violência ou grave ameaça” e a pena era de

reclusão de três a oito anos, e seu parágrafo único dispunha pena de seis a dez

anos “Se a ofendida é menor de catorze anos”.

Com a Lei nº 12.015, a conduta delitiva do estupro consiste em “constranger

alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou

permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso”, possuindo o crime pena de

reclusão de seis a dez anos. Foi acrescentado o parágrafo 1º que dispõe sobre o

resultado majorado pela lesão corporal grave e da vítima menor de 18 (dezoito) ou

maior de 14 (catorze) anos, no qual a pena é de reclusão de oito a doze anos. Se a

conduta resultar em morte a pena é maior, de doze a trinta anos. Vale ressaltar que

o crime permite que a vítima seja mulher ou homem, ou seja, é possível constranger

ambos os sexos.

O crime de estupro passou a abranger o crime de atentado violento ao pudor,

disposto anteriormente no artigo 214, que era o ato de “constranger alguém,

mediante violência ou grave ameaça, a praticar ou permitir que com ele se pratique

ato libidinoso diverso da conjunção carnal”. Desta forma, com a Lei 12.015/2009 o

atentado violento ao pudor foi revogado, porém não houve o abolitio criminis. De

acordo com Capez (2014, p. 25), “houve uma atipicidade meramente relativa, com a

mudança de um tipo para outro (em vez de atentado violento ao pudor, passou a

configurar também estupro, com a mesma pena)”.

3. A IMPRESCRITIBILIDADE

Como visto anteriormente, a prescrição é a perda do estado em punir uma

conduta tipificada em lei em detrimento do decorrer do tempo. Este instituto é a

regra do nosso ordenamento jurídico, desta forma, a imprescritibilidade é aplicada

apenas em casos descritos em lei, que estão previstos no artigo 5º, XLII e XLIV da

Constituição Federal, que descreve como imprescritíveis prática do racismo e a ação

de grupos armados, civis ou militares, contra a ordem constitucional e o Estado

Democrático, respectivamente.

Nas palavras de Cretella (1997 apud LIMA, 2015, p. 16):

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“A imprescritibilidade penal pode ser conceituada como a idoneidade ou ineficácia do decurso do tempo sobre o jus puniendi, de que é detentor o Estado e, assim, crime imprescritível é aquele cuja sanção é perene, podendo o Estado punir a qualquer tempo.

Sendo assim, com este instituto o Estado detém o poder de punição, podendo

aplicar uma sanção ao indivíduo a qualquer momento, diante do seu comportamento

contrário a lei.

Se o estado tem o poder de punir a qualquer tempo fica claro que o indivíduo

que cometeu o crime ficará sempre passível de ser punido, não importando o tempo

que tenha passado do cometimento.

Neste sentido o Ministro Marco Aurélio Mello no Habeas Corpus 82.424/RS,

disse que

O instituto da imprescritibilidade de crime conflita com a corrente das garantias fundamentais do cidadão, pois o torna refém, eternamente, de atos ou manifestações - como se não fosse possível e desejável a evolução, a mudança de opiniões e de atitudes, alijando-se a esperança, essa força motriz da humanidade -, gerando um ambiente de total insegurança jurídica, porquanto permite ao Estado condená-lo décadas e décadas após a prática do ato. (STF, HC 82.424/RS, Min. Marco Aurélio, p. 918).

A insegurança jurídica que a imprescritibilidade causa vai contra a

Constituição Federal, pois a mesma não permite pena de caráter perpétuo, de

acordo com o artigo. 5°, XLVII, b.

No entendimento de Eberhardt (2008, p. 69) há um retrocesso, pois se o

principal objetivo da imprescritibilidade, nos crimes que causem maior indignação e

comoção pela sociedade, seja necessário atribuir uma perseguição eterna contra o

criminoso para mostrar à sociedade segurança vai contra a lógica do sistema

normativo internacional. E mostra ainda que as garantias não são iguais para todo

mundo.

De acordo com Costa (2017, p. 38) O Estado democrático precisa manter a

relação entre a lei, Estado e sociedade e pleno equilíbrio para que dessa forma a

sociedade não seja vítima do poder do Estado. A imprescritibilidade é um grande

inimigo entre a lei e a sociedade, pois ela pode privar a pessoa de suas garantias

fundamentais como a ampla defesa e a segurança jurídica, pois o sujeito fica

subordinado ao Estado, que pode julgá-lo a qualquer tempo.

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A segurança jurídica e ampla defesa são garantias fundamentais com

previsão na Constituição Federal, essas garantias são essenciais para o Estado

democrático de Direito. A segurança jurídica garante a possibilidade do indivíduo

conhecer e saber quais a consequências que seus atos podem gerar e até que

ponto ele poderá ser punido.

Para Masieiro (2014, p. 52-53) a imprescritibilidade tem como base a justiça

retributiva, onde o sujeito responderá pelo seus atos de maneira correspondente ao

que cometeu, pagando, retribuindo o mal que causou. É visto como uma forma de

punição e de castigo, pois mesmo que o ato praticado pelo indivíduo tenha sido

esquecido, ele poderá ser punido posteriormente.

Destarte, é possível perceber que este instituto tem em seu âmbito um

sentimento de vingança aos crimes que permanecem na memória da sociedade,

para que sejam punidos e a sociedade possa sentir o sentimento de dever cumprido.

Como observou Masieiro (2014, p. 55) ao utilizar-se da justiça retributiva não

é possível que o crime cometido seja anulado e volte ao estado em que se

encontrava anteriormente. O tempo não pode ser usado como compensação, pois o

que deve ser analisado é um sistema jurídico que impeça que tais delitos sejam

cometidos.

A autora ainda observa que nenhum crime, mesmo que seja o mais grave,

deverá ser sujeito à imprescritibilidade, pois seria uma maneira de reviver a todo o

momento os fatos que ocorreram, e assim provocar dor nas vítimas e na sociedade.

Segundo Eberhardt (2008, p. 75-76) tornar um crime imprescritível faz com

que este conflito perdure durante anos, fazendo com que haja uma perseguição

entre o crime e o criminoso. Destarte, o tempo é descartado, dando possibilidade à

punição eterna.

Destaca ainda que em razão da variabilidade entre proteger a vítima e tutelar

os direitos do acusado, é gerada insegurança no mundo jurídico, pois este instituto,

juntamente com a perseguição eterna trás consigo a insegurança para aquele que

cometeu o crime e trás para a vítima uma guerra interminável no qual o tempo e a

humanidade não são preservados, pois não há um limite para o julgamento.

Como já comentado a Constituição Federal elenca em seu artigo 5º algumas

exceções à regra da prescrição. Porém, para Costa (2017, p. 41-43) mesmo algum

crime sendo grave, a imprescritibilidade não é justificável, pois as exceções não são

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instrumentos que eliminam a impunidade. Dessa forma, ao aceitar este instituto, de

maneira indireta, possibilitará penas com caráter perpétuo.

Ademais, é necessário o respeito ao princípio da dignidade humana, uma

garantia fundamental elencada pela Carta Magna, protegendo sua o indivíduo de

atos degradantes, protegendo a integridade da pessoa. Ressalta ainda que este

princípio colabora com a limitação da pena, e ao aplicar penas que são excessivas e

degradantes é considerado ilegal e viola o ordenamento jurídico.

A autora ainda ressalta que quando um crime é cometido é preciso que as

garantias fundamentais da pessoa humana sejam asseguradas. O Estado deve

saber equilibrar o principio da necessidade, proporcionalidade e intervenção mínima

quando aplicar a pena, para que não seja violado nenhum direito do indivíduo.

Dessa forma, o direito penal deverá intervir somente quando os demais ramos

do direito não puderem resolver o conflito, ou seja, o direito penal será utilizado

apenas como última opção. Ao criminalizar um ato, este será legitimo apenas se for

necessário proteger certo bem jurídico.

Como bem nota Pageú (206, P. 73) para que novos crimes entrem no rol da

imprescritibilidade é necessário que este esteja compatível com a ordem

constitucional brasileira. Porém, mesmo que a imprescritibilidade esteja elencada na

Carta Magna, a Constituição Federal ressalta a importância do respeito a valores

como a segurança jurídica, liberdade e a duração razoável do processo, deste

modo, a imprescritibilidade não seria possível, visto que tal instituto viola estes

grandes princípios, que pertencem a cada indivíduo. Sendo assim, as exceções

elencadas pelo constituinte deveriam ser as únicas.

Em uma análise sobre os crimes de racismo no Brasil foi possível constatar

que com a imposição da imprescritibilidade não houve o fim do crime, pois de acordo

com Costa (2017, p. 50) o problema está inserido na sociedade, não sendo a

imprescritibilidade um meio para o fim do crime de estupro.

Neste sentido temos o seguinte entendimento de Schmidt (1997, apud

EBERHARDT, 2008, p. 65)

São dois os fundamentos jurídicos da imprescritibilidade: a gravidade do ilícito praticado e a repressão à criminalidade. Ora, a gravidade de um delito não pode ser capaz de torná-lo imprescritível. Todos nós temos conhecimento de que existem crimes hediondos muito mais graves que a prática do racismo e a ação de grupos armados. Ou se consideram

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imprescritíveis todos os crimes de alta gravidade — o que é impossível, pois a gravidade só pode ser averiguada no caso concreto —, ou, então, não se excepcione à regra da prescritibilidade. De outra banda, será que algum delinquente deixará de praticar seu ato criminoso por ser este considerado imprescritível? A resposta negativa é evidente. Observa-se, destarte, que seus fundamentos jurídicos são ineficazes, não atingindo o fim a que se destinam. A imprescritibilidade é instituto que vai de encontro à evolução do Direito Penal, pois a incerteza acerca de um crime é, por vezes, muito mais grave que a sua própria consumação.

Desta forma vê-se que ao instituir a imprescritibilidade não há a diminuição do

cometimento dos crimes. Desta forma, para Masiero (2014, p. 65) o instituto da

imprescritibilidade é algo que está apenas no imaginário do legislador, pois o seu

objetivo é apenas o de desfazer o crime, configurando apenas uma utopia no direito

penal.

Para José de Faria Costa (2003, apud EBERHARDT, 2008, p. 70) tornar os

crimes imprescritíveis não é a solução, visto que o sistema jurídico e as leis não

funcionam da forma correta.

Por fim, percebe-se que tornar o crime imprescritível não é a solução ideal

para se alcançar a justiça no Direito Penal. Vemos que a prescrição além de ser a

regra no nosso sistema jurídico, ela pode servir como um impulso para que o crime

seja solucionado a fim do Estado não perder o poder do jus puniendi. Vê-se que a

imprescritibilidade seria um ato simbólico da justiça, necessitando o sistema penal

jurídico de muitas melhoras para que o crime de estupro fosse punido com a

severidade e justiça que merece.

CONCLUSÃO

O legislador, por meio da política criminal indica os bens e direitos que

merecem tutela jurídica e assim, mostrará o caminho mais adequado para que esta

tutela seja corretamente aplicada. Assim, os mandados de criminalização são a

obrigação do legislador em proteger certos bens e direitos, devendo ser protegidos

pela Constituição Federal, pois é a lei maior que decide os valores que são

essenciais ou não para a população.

Sabe-se que o Estado possui o direito de punir, devendo usá-lo em tempo

hábil para proteger os bens jurídicos elencados no ordenamento jurídico. Sua tutela

será exercida em um determinado tempo, assim, o Estado deverá impor sanção

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quando houver descumprimento à Lei Penal, neste sentido estarão presentes os

institutos da prescrição ou da imprescritibilidade.

Ao analisar o instituto da imprescritibilidade, vê-se que ele, além de ser a

exceção, sendo apenas em casos em que a Constituição previu em seu artigo 5º,

inciso XLIV e XLIV, é possível perceber que tal instituto trás grandes consequências

para o ordenamento jurídico, tais como a falta de segurança jurídica, a punição

eterna, a dispersão das provas durante o lapso temporal.

Todas essas características poderão dificultar um julgamento ou torna-lo

injusto. Neste último caso, o instituto não respeita a garantia constitucional da pena

não ser de caráter perpétuo, visto que ao instituir a imprescritibilidade o agente

poderá ser punido a qualquer tempo, não importando o lapso temporal passado

entre o ato praticado e a denúncia.

O que poderá dificultar o julgamento justo seria a perda de provas, pois com o

tempo as provas, principalmente no crime de estupro que em sua maioria deixam

vestígios, se perdem, dificultando tanto a acusação quanto a defesa, que não terá

meios para provar o fato alegado pela vítima.

É válido destacar que em razão da necessidade de proteção tanto da vitima

quanto do acusado gera insegurança no ordenamento jurídico, pois a

imprescritibilidade trás junto tanto insegurança para aquele que cometeu o crime

quanto para vítima, que cria uma guerra sem fim no qual o tempo e a humanidade

não são preservados, pois não há limite e tempo para o julgamento.

Quando um crime é realizado, é necessário que as garantias fundamentais da

pessoa humana sejam asseguradas. Assim, ao aplicar a pena o Estado deverá

encontrar o equilíbrio entre os princípios da necessidade, proporcionalidade e

intervenção mínima, para que não seja violado nenhum direito do indivíduo, tanto da

vítima quanto do autor.

Sendo assim, a proposta de emenda à Constituição (PEC) 64/2016 seria

inconstitucional, visto que o instituto da imprescritibilidade desrespeitaria princípios

constitucionais como a não caracterização de pena perpétua, da necessidade,

proporcionalidade e intervenção mínima, o que vai contra as garantias

constitucionais previstas na Carta Magna.

Percebe-se que tal proposta visa uma segurança fictícia, ou seja, o legislador,

a fim de oferecer o que a sociedade deseja, que são punições mais justas,

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possibilita o instituto da imprescritibilidade, porém o problema está no ordenamento

jurídico, sendo necessário a reforma ou adaptação de um sistema jurídico melhor e

mais justo, não sendo a imprescritibilidade a saída para a justiça.

É possível perceber que a prescrição auxilia na agilidade para que o Estado

aja, pois se este não agir, perderá o seu direito de punir. Sendo assim, é possível

que a imprescritibilidade tenha efeito contrário, deixando o processo ainda mais

lento.

O crime de estupro é um crime cruel e desumano, que atinge milhares de

crianças e adultos todos os dias, porém torna-lo imprescritível não é a solução ideal.

É necessário rever todo o ordenamento jurídico, não só a prescrição, sendo

necessários penas de caráter mais severo e o cumprimento integral das mesmas

para que assim a vítima sinta que a justiça fora feita, pois nada basta tornar um

crime imprescritível se outros institutos não funcionam, sendo assim precisa-se de

agilidade no processo e na condenação.

REFERÊNCIAS

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