campus impresso - ano 42 número 386

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Campus Brasília, 4 a 10 de dezembro de 2012 Número 386 Ano 42 Falta escola em Águas Claras Apesar de haver 28 terrenos reservados para construção de colégios e creches públicas, alunos como Erica Khurla precisam ir a outras cidades para estudar Fonte à beira da pista Soropositivos em risco Jogadores sem jogo Nascente abastece população mesmo sem ser reconhecida por órgãos oficiais (pág. 3) Atletas do futebol de Brasília driblam amadorismo e jornada dupla de trabalho (pág. 6) Casa de apoio a portadores de HIV no Recanto das Emas pode perder sede (pág. 7) Irina Adão

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Jornal-laboratório da Faculdade de Comunicação (FAC) da Universidade de Brasília (UnB).

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Page 1: Campus impresso - ano 42 número 386

Campus Brasília, 4 a 10 de dezembro de 2012 Número 386 Ano 42

Falta escola em Águas ClarasApesar de haver 28 terrenos reservados para construção de colégios e creches públicas, alunos como Erica Khurla precisam ir a outras cidades para estudar

Fonte à beira da pista Soropositivos em riscoJogadores sem jogoNascente abastece população mesmo sem ser reconhecida por órgãos oficiais (pág. 3)

Atletas do futebol de Brasília driblam amadorismo e jornada dupla de trabalho (pág. 6)

Casa de apoio a portadores de HIV no Recanto das Emas pode perder sede (pág. 7)

Irina

Adã

o

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Lucas Vidigal

O jornal Campus volta a cir-cular de cara nova, como aconte-ce em cada início de semestre leti-vo do laboratório de jornalismo da Universidade de Brasília (UnB). A publicação ganhou novo projeto gráfico e editorial, tudo isso para permitir a experiência da formação de um impresso em todas as fases.

A primeira edição começa com a história de uma nascente às mar-

Diagramação: Camila Rodrigues

Campus | Brasília, 4 a 10 de dezembro de 2012 2

Carta do Editorgens da Estrada Parque Paranoá (EPPR), cuja água é utilizada para consumo de moradores da região e de quem passa pela pista. A matéria mostra que nem mesmo órgãos pú-blicos que deveriam cuidar dos re-cursos hídricos do Distrito Federal conhecem todas as fontes que abas-tecem a região.

Em seguida, o Campus de-nuncia a falta de escolas públicas em Águas Claras, região que cresce cada vez mais no DF. O direito constitu-

cional à educação gratuita fica longe dos moradores da cidade. Em com-pensação, cresce o número de insti-tuições particulares ali, o que não tira do Estado a responsabilidade de ga-rantir ensino público de qualidade a todas as classes sociais.

A edição também conta a roti-na de jogadores de futebol de times brasilienses que precisam de outras fontes de renda. O DF não tem ne-nhuma equipe nas duas primeiras divisões do Campeonato Brasilei-

ro da modalidade e o último jogo foi no fim de outubro, enquanto a próxima temporada só vai começar em meados de janeiro. Isso tudo na cidade que vai receber estádio com capacidade para mais de 70 mil pes-soas em 2013.

No Recanto das Emas, uma casa de apoio que abriga portado-res de doenças crônicas e soroposi-tivos teve ordem de despejo emiti-da pela Agência de Fiscalização do DF (Agefis), que não apresentou

solução para realocar os pacientes. Sem ter para onde ir, moradores do abrigo convivem com a insegurança além de batalhar diariamente con-tra a doença e o preconceito.

Por fim, o Campus estreia a Página Oito, espaço para experi-mentação livre de gêneros jornalís-ticos diferentes da reportagem. Para começar, os trabalhos dessa nova ex-periência, um artigo sobre a questão do preconceito que homossexuais sofrem além da própria homofobia.

OmbudsmanPedro Augusto Correa

Os trabalhos do 1º semestre de 2012 no Campus terminaram com repetição de erros, mas tam-bém com acertos louváveis. O es-paço de opinião foi feliz ao trazer um assunto urgente e praticamente desconhecido para quem não vive no meio jornalístico: como o go-verno usa a compra de espaços pu-blicitários para mandar na impren-sa. Por outro lado, a coluna Fala,

Rovérsio confirmou a tendência para o erro e soou como um om-budsman de mau gosto. Querem tirar o meu trabalho?

Pesquisas continuam mesmo com a greve é uma reportagem bem escrita, mas pecou na hora de escolher o direcionamento. O que vão fazer os pós-graduandos que precisam continuar suas ativida-des, mas encontram dificuldades devido à greve dos servidores? O texto entrou apenas superficial-

mente nesse ponto, que talvez pudesse ter sido um foco mais in-teressante para a reportagem. Das tribos ao pelotão é uma matéria construída com base em impres-sões dos repórteres. O assunto é muito rico, mas foi mal explorado.

É preciso parabenizar a repór-ter Jéssica Paula por A fronteira sem luz. Com personalidade e estilo, o texto consegue fazer o leitor sentir o drama de pessoas que vivem sem energia elétrica ao lado da capital

do país. Faltou apenas bater na porta das autoridades para cobrar uma explicação.

Nadando contra o consumo se esforça para desfazer o estereótipo de “radical” que envolve veganos e straight edgers. Muitos mitos surgem quando esse assunto é co-locado em pauta. A reportagem merecia um espaço maior para res-ponder a todas as perguntas.

O desafio de dormir menos é sensível ao trazer um problema

cada vez mais presente na vida de todos. A reportagem ganha ine-ditismo com as informações de-talhadas e multiangulares sobre o sono polifásico.

O Campus se despede com a vida pós-fama de Carlos Maltz, ex-baterista da banda Engenheiros do Hawaii. Essa foi mais uma re-portagem para a qual faltou espa-ço. Ficou um gostinho de quero mais sobre a atuação do músico como psicólogo.

MemóriaA partir do título Antigos fan-

tasmas assustam a educação no DF, o Campus revelou na edição nº 184, em 1994, que os problemas no se-tor educacional já eram recorrentes. Entre as dificuldades, estavam os baixos salários, a escassez de escolas, a carência de professores e o aumen-to nas contratações temporárias.

A repórter Valéria Blasi apon-tou o investimento insuficiente no setor como principal responsável pela redução da qualidade do en-

sino. No DF, segundo a Secretaria de Educação, as regiões mais afeta-das pela escassez de recursos eram Gama e Brazlândia. Na mesma época, o Congresso Nacional apro-vou a desvinculação de 18% dos recursos da União para a educação.

O texto observou, ainda, os problemas estruturais dentro das salas de aula do DF. No Paranoá, por exemplo, as escolas estavam sem vidros nas janelas e os bebe-douros precisavam de reformas.

Expediente: Campus Jornal-laboratório da Faculdade de Comunicação da Universidade de Brasília Editor chefe: Lucas Vidigal; Secretária de redação: Isabella Corrêa; Editores: Elis Tanajura, Iasminny Thábata e João Paulo Cabral; Repóteres: André Vaz, Ezequiel Trancoso, Fellipe Matheus Bernadino, Kelsiane Nunes e Lorena Soares; Diretor de imagem: Ivan Sasha Stemler; Fotógrafos: Irina Adão e Laila Leite, Diagramadores: Camila Rodrigues, Celina Guerra e Paulo Figueiredo Júnior, Ilustrações: Tais Koshino, Projeto gráfico: Celina Guerra, Ivan Sasha Stemler, Lorena Soares, Rafaela Lima, Ramilla Rodrigues e Vanessa Arcoverde, Professores: Sérgio Sá e Solano Nascimento, Jornalista: José Luiz SilvaGráfica: Palavra Comunicação Tiragem: 4 mil exemplares

Campus Darcy Ribeiro, Faculdade de Comunicação, ICC Ala Norte. Contato: 61 3107-6498/6501 CEP: 70.910900 E-mail: [email protected]

Porém, a matéria ressalta que, apesar dos problemas enfren-tados no setor, não havia crianças em idade escolar fora das salas de aula – o que não se aplica aos me-nores de rua. A Secretaria de Edu-cação realizava pelo segundo ano consecutivo o programa A Escola Bate à Sua Porta, pelo qual crian-ças não matriculadas em período normal eram procuradas por vo-luntários do órgão para não per-derem o ano escolar.

Acesse www.fac.unb.br/campusonline e conheça o jornal laboratório virtual da Faculdade de Comunicação da Universidade de Brasília.

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Campus | Brasília, 4 a 10 de dezembro de 2012

Uma fonte frequentada e incertaMotoristas param no acostamento de estrada no Setor de Mansões do Lago Norte para coletar e beber água que jorra de dois canos e não é conhecida pelas autoridades

Diariamente, o motorista Ednal-do Dias passa pela estrada que liga o Paranoá ao Varjão. Há três anos, ele adicionou um hábito a sua rotina: beber água que brota da terra no percur-so utilizado várias vezes ao longo do dia. Quando percebe que a garrafa que carrega está vazia, ele para no acostamen-to da Estrada Parque Paranoá (EPPR) e abastece o recipiente com água de nascentes. Dias garante que durante esses anos de consumo nunca passou mal por conta do líquido. “Pelo gosto da água dá para saber que a qualidade é boa”, afirma.A água que jorra crista-

lina e aparentemente sem cheiro ou gosto às mar-gens da EPPR faz motoris-tas estacionarem ao longo do acostamento, próximo à entrada C do Núcleo Rural Palha.

mineral pudesse ser aproveitado por toda a comunidade.

Além de consumir, o marce-neiro Silvio Landim coleta a água para colocá-la no carburador do Marea preto. Ele confia que o líqui-do seja bom para o consumo. “Já vi outras pessoas bebendo”, explica.

Apesar de recolher duas garra-fas de dois litros e três de 600 ml para ingestão, o entregador de pro-dutos alimentícios Davi Félix não acredita plenamente na pureza da água. “Muita gente frequenta aqui e às vezes deixa lixo perto”, afirma, justificando a desconfiança. Félix armazena a água para consumir ao longo do dia e garante que a água que sai das nascentes é mais saboro-sa do que as oferecidas no mercado.

A proximidade de chácaras das nascentes é o que faz o pedrei-ro Vanderley Pereira não consumir a água. “Como aqui não tem rede de esgoto, imagino que as casas uti-lizem fossas, o que pode poluir o solo”, destaca. Pereira afirma que

utiliza a água esporadicamente ape-nas para lavar as mãos e misturá-la com veneno para insetos.

Insalubridade Localizadas em um raio de

300m de uma região com 12 chá-caras, uma dessas com rebanho de caprinos, as nascentes que abaste-cem os visitantes estão muito próxi-mas da estrada e é possível que ani-mais silvestres tenham contato com elas. Por essas razões, a coordenado-ra e professora da área de recursos hídricos e saneamento do Departa-mento de Engenharia Civil e Am-biental da Universidade de Brasília (UnB), Cristina Silveira Brandão, faz um alerta ao consumo do mine-ral. “A configuração local é um fator de risco para a poluição da água”, afirma. No entanto, ela explica que para descobrir se o recurso hídrico é próprio para consumo humano se-riam necessários monitoramentos periódicos das nascentes.

Kelsiane Nunes Em 50 minutos de observação, o Campus flagrou cinco pessoas fa-zendo isso na semana passada. Ali, nove litros de água por minuto caem de dois canos para quem qui-ser usufruir. A água, que está aces-sível de forma gratuita e é utilizada para diversos fins como ingestão, armazenamento e lavagem de car-ros há pelo menos cinco anos, não possui certificação de qualidade do órgão responsável.

Segundo moradores da região, a captação e uso da água começaram em 2007, quando ocorreu a dupli-cação da estrada. Com a ampliação da via, foi construída uma pista de mão única, no sentido Paranoá-Var-jão, a poucos metros das nascentes localizadas no núcleo rural. Antes do surgimento dessa estrada, apenas a comunidade local tinha conhe-cimento das fontes. Depois de ob-servar a água das nascentes escorrer pela encosta e desaguar à beira da es-trada, um morador antigo da região decidiu instalar os canos para que o

Edição: Iasminny Thábata Diagramação: Ivan Sasha

A Agência Reguladora de Águas, Energia e Saneamento Bási-co do Distrito Federal (Adasa) não faz monitoramento sistemático da-quelas nascentes porque elas não abastecem de forma substancial o lago Paranoá.

Como não há certeza a respei-to da salubridade das nascentes, a Adasa não recomenda a utilização da água. Para o órgão, a captação de água no lago Paranoá e consequen-temente das nascentes que o abas-tecem só pode ser feita de forma subterrânea, após a autorização da agência. Assim, a Adasa considera a captação superficial da água para consumo uma prática irregular.

Mesmo assim, o entregador Davi Félix acredita que a não cap-tação dessa água é um desperdício. “Essa água deve ser utilizada pela população”, defende. “O governo poderia cuidar mais dessa região para não ter sujeira e providen-ciar um registro que controlasse a saída da água.”

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Manancial

Há pelo menos cinco anos, comunidade recolhe água de nascentes para consumo. Em 50 minutos, cinco pessoas coletaram a água como Ednaldo Dias (E) e Daniel Rodrigues (acima)

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André Vaz

Natural de Luziânia (GO), Erica Khurla se mudou aos quatro anos para Águas Claras. Ape-sar de morar próximo a um dos 28 terrenos reservados pela Administração da cidade para construção de escolas e creches públicas, Erica precisou nes-ta década freqüentar escolas do Núcleo Bandeirante e de Taguatinga, onde atualmente estuda no Centro de Ensino Médio Ave Branca (Cemab).De segunda a sexta, a rotina

da estudante consiste em utilizar ônibus ou táxi de casa até a esta-ção do metrô. Pega um trem e vai até o centro de Taguatinga. De-pois disso, caminha por cerca de 15 minutos até a escola. Ela che-ga a desembolsar R$ 120 mensais com táxis. No regresso a casa, Eri-ca volta a pé do metrô para evitar maiores despesas. O percurso total chega a durar uma hora nos horá-rios de pico. “Já chego cansada”, afirma a estudante. “Se tivéssemos uma escola aqui (em Águas Claras) ganharia tempo e gastaria menos.” Erica mora na área conhecida por Águas Claras vertical, que, ape-sar de contar com cerca de 600 edi-fícios e abrigar aproximadamente 80 mil moradores, não possui esco-la nem creche pública.

Alternativa cara

A cidade conta com diversos estabelecimentos de ensino priva-do e é composta, em sua maioria, por moradores com alta renda fa-miliar mensal (R$ 9.175 segundo Pesquisa Distrital por Amostra de Domicílios de outubro de 2010) se comparada a Arniqueira e Are-

Prédios demais, escolas e creches de menos Estudantes precisam deixar a cidade de Águas Claras para estudar. Mesmo com mais de 80 mil habitantes, região conhecida por seus edifícios ainda não possui rede pública de ensino

Campus | Brasília, 4 a 10 de dezembro de 2012

Ensino público

al, que também compõem a mes-ma Região Administrativa.

Para Patrícia Fleury, asses-sora de Planejamento da Admi-nistração de Águas Claras, há demanda suficiente para a insta-lação da rede pública de ensino. “Águas Claras abrigou, desde o começo, pessoas que vieram de outras cidades, outros estados. Muitas delas carregam a tradição de educar os filhos em escolas públicas. Além disso, pessoas que exercem serviços em residências na cidade não possuem condições financeiras de matricular os filhos em escolas particulares”, diz.

Grandes instituições priva-das de ensino abriram unidades na cidade no decorrer dos últi-mos sete anos. Para o adminis-trador de Águas Claras, Carlos Sidney de Oliveira, a forte pre-sença de escolas particulares mascara a necessidade do ensi-no público na cidade. “O fato de possuirmos muitas escolas particulares não necessariamen-te representa um abastecimento adequado de ensino. Não po-demos ignorar que em toda a Região Administrativa temos moradores da classe A à classe E. E Águas Claras l não é dife-rente disso, guardadas, claro, as devidas proporções”, afirma.

O ensino privado oferecido na cidade, por exemplo, possui mensalidades relativamente altas, mesmo a elevados padrões de ren-da familiar mensal de parte dos moradores. O valor médio que um pai desembolsa para manter o filho no ensino fundamental II em uma escola particular, por mês, é de R$ 938.

Sem respostas

Segundo a Administração de Águas Claras, os pedidos à Secre-taria de Educação do Distrito Fe-deral para construção de escolas e creches são recorrentes. “A cada mudança de administrador, desde

Prédios de luxo abrigam famílias de alta renda, mas administração reconhece demanda de escola pública

2003, é realizado o pedido junto à secretaria. Foram 15 trocas de cargo. No entanto, a nenhum destes pedidos houve resposta do órgão a favor da construção de es-colas”, afirma Patrícia.

A Secretaria de Estado de Educação do Distrito Federal foi procurada diversas vezes pelo Campus para esclarecer o não atendimento aos pedidos para construção de escolas e creches públicas em Águas Claras. No en-tanto, até o fechamento desta edi-ção, não houve resposta do órgão.

A falta de creches afeta Maria Eduarda Braga Santos. Há três meses, a funcionária pública começou a levar a filha,

A Região Administrativa de Águas Claras possui 135 mil habitantes e compreende as áreas de Arniqueira, Areal e Águas Claras vertical, cujo nome é explicado devido à verticalidade das construções. Essa é a maior parte da Região Administrativa e foi considerada o maior canteiro de obras da América Latina, em 2007. Concentra hoje mais de 90% dos prédios da RA.A área verticalizada foi planejada pelo arquiteto e urbanista Paulo Zimbres e no início da década de 90 já começava a ser construída. Em 2003, a área deixou pertencer à Região Administrativa de Taguatinga e passou a compor a Região Administrativa de Águas Claras.

Reprodução/Internet

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Edição: Iasminny Thábata Diagramação: Celina Guerra, Ivan Sasha, Paulo Figueiredo Junior e Camila Rodrigues

Prédios demais, escolas e creches de menos Estudantes precisam deixar a cidade de Águas Claras para estudar. Mesmo com mais de 80 mil habitantes, região conhecida por seus edifícios ainda não possui rede pública de ensino

600prédios

é o que possui a região de Águas

Claras vertical

Caminhada, táxi e metrô: o percurso de Erica para se deslocar de casa em Águas Claras e chegar à escola em Taguatinga dura até uma hora

4 e 5

80mil habitantes

0escola

Ana Júlia, de 1 ano e 5 meses, diariamente a uma creche pú-blica localizada próxima ao tra-balho, no Setor Comercial Sul. Mesmo tendo que submeter a criança a engarrafamentos de trânsito, recorrentes no per-curso de volta a casa, Maria Eduarda diz não ter escolha. “Se tivéssemos uma creche pú-blica em Águas Claras, poupa-ria minha filha de todos esses transtornos. Quando voltamos do Plano Piloto, há momentos em que ela chora de fome e não posso fazer nada, pois estou na direção. Estando em Águas

Claras, teria mais tranquilidade e ela, maior conforto”, afirma.

Para Carlos Sidney de Oli-veira, problemas como o de Maria Eduarda e Erica já po-deriam ter sido solucionados caso representantes da comu-nidade tivessem dado preferên-cia à educação no orçamento participativo. “Esse orçamento é montado anualmente e deve refletir a vontade da popula-ção. Infelizmente, os líderes comunitários preferem priori-zar recursos para o transporte a demandá-los à educação, por exemplo”, critica. “Com isso,

nossos pedidos junto à Secreta-ria de Educação não ganham a importância que a atual situa-ção exige.” Além da ausência de centros educacionais públicos, a cidade possui outras defici-ências estruturais, tais como a falta de delegacia policial e pos-tos de saúde, o que dificulta o estabelecimento de prioridades nas obras para a educação.

Futuro

No início deste mês, o ad-ministrador de Águas Claras se reunirá com representantes da

Secretaria de Educação a fim de discutir a implementação de dois Centros de Educação da Primei-ra Infância (CEPI’s) na região do Areal, e da primeira creche pú-blica em Águas Claras. Segundo Patrícia Fleury, creches e escolas de ensino infantil e fundamental I, que compreende alunos até o quinto ano, são prioridade nos pedidos à Secretaria de Educação. “Águas Claras é formada, majori-tariamente, por famílias jovens, e muitas delas possuem filhos pequenos. Precisamos atender, primeiramente, a essa principal demanda”, conta.

é a estimativa de moradores que possuía a cidade de Águas

Claras em 2010

é o número de instituições de ensino públicas existentes

em Águas Claras

Laila Leite

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Ezequiel Trancoso

Clubes na briga contra o rebaixa-mento, título decidido nas rodadas finais, sofrimento e euforia das torcidas. Essa rea-lidade, vivida nas últimas se-manas pelas equipes presentes nas quatro competições nacio-nais em disputa no Brasil (sé-ries A, B, C e D), passou longe dos clubes do Distrito Federal. Desde 27 de outubro, data da última partida do Brasiliense na Série C, não existe atividade profissional de futebol no DF. Até o início do estadual de

2013, previsto para 19 de janeiro, serão quase três meses de total ina-tividade. Somado ao baixo investi-mento das equipes locais, esse cená-rio obriga a maioria dos jogadores a buscar outras atividades profissionais durante o período sem competições.

É o caso de Francisco Wes-ley da Silva, 29 anos, conhecido no meio futebolístico como Japão. Joga-dor profissional desde os 16 anos e com passagens pelo futebol alemão e espanhol, Japão jogou o último cam-peonato brasiliense da 2ª divisão pela equipe do Paranoá. Foram apenas três meses de atividade, sendo dois deles sem receber salário. Esse tipo de insegurança fez com que Japão pro-curasse outras formas de sustento.

Desde 2011, o volante man-tém o quiosque Açaí do Japa. “No primeiro ano foi difícil, tive que correr atrás de muita coisa. Foi um ano de sacrifício, precisei pegar di-nheiro emprestado para poder in-vestir.” Os lucros obtidos fizeram Japão conciliar as atividades de jo-gador profissional e comerciante, o que exigiu uma rotina desgastante: manhãs e noites eram dedicadas ao comércio, enquanto as tardes eram

Diagramação: Celina Guerra

Outro campo de jogo Atletas de clubes de futebol no DF procuram empregos para garantir remuneração que não conseguem nos gramados

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Boleiros

reservadas aos treinamentos da equipe do Paranoá.

A dificuldade financeira fez com que Japão ajudasse os compa-nheiros de equipe mais novos. “Às vezes, os garotos não tinham di-nheiro para passagem, e eu ajuda-va. Ou faltava água e gelo para o time e eu e o Alex (Oliveira, ex-trei-nador do Paranoá), comprávamos”, conta o volante.

Apesar dos problemas, Japão desfruta de um luxo que facilita o cotidiano: a flexibilidade nos ho-rários. Átila Lima, 19 anos, joga-dor que estreou profissionalmente em 2012 pelo Legião, vive situação distinta. O emprego no call center da universidade Unicesp, primeira profissão dele fora do futebol, alte-rou a rotina do jogador.

Tendo que escolher entre trei-nar no time sub-19 do Gama para a disputa da Copa São Paulo de Futebol Júnior e o emprego no call center, Átila ficou com a segunda opção. “Aqui eu ganho em dia, já é um começo”.

Além disso, os benefícios e a bolsa para cursos da instituição dada aos funcionários são pontos que mexem com os planos do jo-gador. “Vou tentar jogar o próxi-mo candango pelo Legião. Se não der, começo a faculdade”, relata o atleta, que está em dúvida entre os cursos de Odontologia, Gestão Ambiental e Direito. A fragili-dade dos clubes do DF tam-bém causa preocupação a Átila: “O que mais quero é ser jogador, mas se for pra ficar jogando sempre em Brasília, não dá”.

Mais experiente, Beneval-do Soares, lateral esquerdo de 30 anos com passagens por clubes como Guará, Brasília e Duque de

Caxias, está próximo de realizar algo raro entre jogadores de fute-bol ainda em atividade: concluir o curso superior. No último semestre de Radiologia, Bené, apelido dele nos campos de futebol, ainda tem que dividir seu tempo entre o tra-balho de vigilante no jardim botâ-nico, professor de futebol no proje-to social União Júnior, que atende crianças e adolescentes no Paranoá, e ainda manter a forma de jogador profissional. “Já me considero um ex-atleta. O que aparecer a gente faz, mas foi-se o tempo em que eu corria atrás do futebol. Se não tiver mais tempo para jogar, não jogo.”. Bené jogou o último campeonato candango da 2ª divisão pelo Para-

noá, mas não sabe se continuará em atividade em 2013.

Apesar da proximidade do di-ploma, nem sempre Bené pôde se dedicar aos estudos. “Terminei o ensino médio com 24 anos. Dei-xei de estudar por causa do futebol, mas sempre tive o pensamento de fazer uma faculdade”, conta o vigi-lante, revelando preocupação com os estudos, algo que passa ao filho de nove anos, que sonha ser joga-dor de futebol, assim como o pai.

Mesmo com os problemas e o fim da carreira mais próximo, Bené olha para o passado e, sempre ale-gre, revela: “Infelizmente não foi do jeito que eu planejei, mas não me arrependo de nada”.

“Foi-se o tempo em que eu corria atrás do futebol”

Benevaldo Soares, vigilante do Jardim Botânico

866jogadores

profissionais inscritos na Federação

Brasiliense de Futebol

Os atletas Benevaldo Soares e Francisco Wesley: com outras prioridades, o futebol passou de sonho a hobby

Fotos: Irina Adão

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Fellipe Bernardino

Maicon da Costa tem 29 anos e é portador de HIV há dez. Doenças oportunistas o fize-ram perder fala e movimento das pernas. Os pais, de idade avançada, não podem dar as-sistência ao filho e o único irmão vive na Irlanda. Fora eles, não tem mais ninguém. Da Costa procurou institui-ções em São Paulo, mas não se adaptou. Foi então que, mesmo distante dos pais, veio em busca de apoio na Fra-ternidade Assistencial Lucas Evangelista (Fale), localizada em Recanto das Emas. André Gomes, 33 anos, tam-

bém vive sem família. Veio de San-tos (SP) para Brasília procurar em-prego e foi na capital que soube que era portador do HIV. Há pouco mais de dois meses na Fale, tenta normalizar a vida. “Se não fosse a Fale, estaria sem moradia e sem ali-mentação.” Gomes e Da Costa cor-rem novo risco.

No dia 19 de novembro, a Fale recebeu notificação judicial do Go-verno do Distrito Federal (GDF) e pode sofrer ação de despejo. Segun-do Jussara Santos Meguerian, presi-dente da Fale, mais da metade dos 183 moradores ficarão sem abrigo se isso ocorrer. “Muitos não têm família, não têm para onde ir”, diz. “Literalmente.”

O terreno que a instituição ocupa foi concedido na penúltima gestão do ex-governador Joaquim Roriz, mas a decisão foi revogada e o contrato julgado inconstitucional pelo Tribunal de Contas do Distri-to Federal (TCDF) em 2007.

Edição: Elis Tanajura Diagramação: Paulo Figueiredo Junior

Um risco além do vírus Moradores de instituição para portadores do HIV ficarão sem abrigo se governo cumprir ordem de despejo e não encontrar alternativa

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Despejo

Baseada nessa decisão, a Agência de Fiscalização do Distri-to Federal (Agefis) entregou à Fale a intimação de demolição do local, com prazo máximo de 15 dias para desocupação. Outros 23 ocupan-tes de chácaras vizinhas também foram intimados.

A Secretaria de Estado de Ha-bitação, Regularização e Desenvol-vimento Urbano (Sedhab) pretende construir um conjunto habitacional na área. A região vai abrigar 20 mil moradias destinadas a famílias com renda de até R$ 5 mil mensais, por meio de linhas de financiamento do programa Minha Casa, Minha Vida, do governo federal.

Segundo nota oficial divul-gada pela Sedhab, o GDF busca-rá realocação para organizações da área desapropriada que prestem serviços sociais e educacionais. O documento informa que a Terra-cap fará análise de cada caso. Pro-curada pelo Campus, a Terracap informou por meio da assessoria de comunicação não ter nenhu-ma responsabilidade nesse tipo de questão. Sua atribuição seria ape-nas a venda do terreno, enquanto a parte de interesse social recairia sobre a própria Sedhab. Procu-rada mais uma vez, a secre-taria reafirmou que a res-ponsabilidade é da Terracap.

o local conta com bazar, padaria e sala de informática, que ainda está fora de funcionamento por falta de monitores.

Ao fundo, escondidas por uma pequena ladeira, ficam as pequenas casas coloridas dos ha-bitantes do local, bem próximas umas das outras. Em cada uma vive pelo menos um soroposi-tivo, alguns já em estado ter-minal. Próximo às casas há um pequeno pavilhão onde são ser-vidas quatro refeições diárias para os moradores.

Uma vez na Fale, os mora-dores criam laços na instituição, principalmente os órfãos de pais soropositivos. É o caso de Tiago dos Santos, que não é portador do vírus HIV. A história do ado-lescente de 16 anos parece ter dei-xado marcas nas expressões faciais de quem, muito cedo, aprendeu a sofrer sozinho. O garoto de olhar distante e ar contemplativo foi abandonado pela mãe, portado-ra do HIV, nas ruas de Vitória da Conquista, na Bahia.

Dos dez aos 11 anos, Tiago passou por ruas de vários estados, sem qualquer companhia. Quan-do retornou a Vitória da Conquis-ta, soube, por assistentes sociais que o acompanhavam, que a mãe havia morrido em Brasília. Um ano depois chegou à Fale, onde vive até hoje.

O irmão, que nasceu com al-guns problemas de fala, já morava com a mãe enquanto Tiago habita-va as ruas do país e permanece na instituição. Tiago vive hoje com outros três adolescentes numa das casas da entidade. Quando os pais soropositivos morrem, muitos ór-fãos não têm outro lugar para viver a não ser a Fale.

“Se não fosse a Fale, estaria sem moradia e sem alimentação”

André Gomes,morador da Fraternidade

Tiago dos Santos morou nas ruas até encontrar abrigo em uma casa de apoio no Recanto das Emas, a Fale

Lorena Soares

Jussara afirma que, até o momen-to, não recebeu nenhuma pro-posta do governo para realocação da entidade.

A instituição

A primeira unidade da Fale foi fundada por Jussara, em Uber-lândia (MG), em 1991. O objetivo era acolher soropositivos que não tinham condições de se manter com o tratamento sem assistência.

A Fale passou a atuar tam-bém no Distrito Federal em 1994. Atualmente, abriga 183 pessoas, em 39 casas, no Recan-to das Emas. Além das moradias,

Laila Leite

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Discriminação no armário

ArtigoPágina 8

Além da orientação sexual, fatores como machismo, cultura, situação econômica e padrões de beleza levam homossexuais a serem excluídos entre os próprios gays

Lucas Vidigal

Frente a mais de 50 mil fãs no es-tádio do Morumbi no dia 11 de novembro, a norte-americana Lady Gaga entoa palavras de autoestima en-quanto toca no piano a can-ção Hair (cabelo, em portu-guês), composição que fala sobre “ser livre como o ca-belo”. A cantora nova-ior-quina é reconhecida por fãs e ativistas como símbolo dos direitos de homossexuais, assim como Madonna o foi na década de 1980, época em que havia ainda mais tabus em relação aos gays – o que reforça a comparação entre as duas cantoras pela imprensa especializada.Conhecidos como little

monsters, ou monstrinhos, em português, os fãs mais afoitos da artista geralmente não se encai-xam nos padrões tradicionais da sociedade. Difícil precisar quan-tos, mas é seguro que mais da me-tade desses admiradores intensos de Lady Gaga é composta por jo-vens homossexuais.

Geralmente, os monstrinhos também são rotulados por não fa-zerem o tipo físico mais vendi-do pelo padrão de beleza atual: é possível ver nas filas dos shows de Gaga uma quantidade considerável de magricelas e gordinhos alvos de piadas constantes pelo porte e pelas fantasias que utilizam em shows e encontros de fãs.

Edição: Elis Tanajura Diagramação: Celina Guerra

Se o estereótipo dos monstri-nhos fosse personagem de novela, seria retratado como o gay carica-to. O do núcleo de humor. O que se ajoelha aos pés de uma “diva”. O que é apenas homossexual, jamais protagonista. Em compensação, a dramaturgia – não só por aqui, mas nos filmes hollywoodianos também – faz merchandising social com ho-mossexuais ao mostrar o casal “não afetado”. “Nem parecem gays”, di-riam alguns telespectadores.

Aquela mesma sociedade que recriminava homossexuais pelo fato de preferirem pessoas do mesmo sexo agora recrimina os que pare-cem aquelas personagens dos fil-mes, séries e novelas. O curioso é que há até gays e lésbicas que se co-locam em um pedestal por não esta-rem dentro desses estereótipos.

O homossexual masculino fora de forma, de origem mais hu-milde e mais afeminado recebe ape-lidos como “bicha poc” e “pão com ovo” entre aqueles que também pre-ferem pessoas do mesmo sexo e são de classes mais abastadas, com me-lhor forma física e “masculinidade”.

É a “bicha poc”que sempre é o coadjuvante humorístico do filme, nunca o herói ou personagem de merchandising social. É o “pão com ovo” que não consegue emprego pelo chefe julgá-lo afeminado de-mais para a vaga.

O little monster é a metáfo-ra da maior vítima da homofobia que não discrimina pela orienta-ção sexual por si só, mas também pelas condições físicas e sociais. É

com eles que podemos ver que a luta contra o preconceito, muito mais complexo que questões relati-vas apenas à sexualidade, ainda está bem longe do fim.

Em 2012, o preconceito ainda existe. A homofobia não é crime no Brasil e homossexu-ais ainda são alvos de discrimina-ções e estigmas morais e físicos. Mas não há como negar que avan-ços foram feitos. Já se aceita, pelo menos juridicamente, a união es-tável entre pessoas do mesmo sexo. Não é casamento civil, mas é al-guma coisa. O que é chamado de “patrulha do politicamente corre-to” por quem reforça preconceitos já bate de frente quando se depa-ra com piadas homofóbicas ou co-mentários discriminatórios.

Isso mostra que alguns direi-tos foram conquistados. Tem “po-liticamente incorreto” por aí que diz até que “os homossexuais já têm mais direitos do que héteros” e, portanto, podiam parar de lutar por igualdade. Há quem diga que “vivemos num mundo que já os aceita e respeita”.

Por isso, quando Lady Gaga canta – assim como outros artis-tas engajados – palavras de ordem para mais de 50 mil pessoas contra o preconceito, não é simplesmente uma ode à aceitação do amor entre pessoas do mesmo sexo. A discri-minação só vai terminar quan-do todos, independente do rótulo que se coloque, sejam vistos como humanos por inteiro, não apenas como estereótipo.

Ilustração: Taís Koshino

Campus | Brasília, 4 a 10 de dezembro de 2012