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Universidade Federal do Rio de Janeiro
Centro de Ciências da Saúde
Instituto de Estudos em Saúde Coletiva
CAMILA ALVES BAHIA
Alterações nos marcadores hepáticos decorrente da exposição
ambiental a organoclorados em uma comunidade do Rio de Janeiro
Rio de Janeiro
Abril/2012
CAMILA ALVES BAHIA
Alterações nos marcadores hepáticos decorrente da exposição ambiental a
organoclorados em uma comunidade do Rio de Janeiro
Dissertação apresentada ao Programa de
Pós-graduação em Saúde Coletiva do Instituto
de Estudos em Saúde Coletiva, da
Universidade Federal do Rio de Janeiro, como
requisito parcial à obtenção do título de Mestre
em Saúde Coletiva.
Orientador: Prof. Dr. Raphael Mendonça Guimarães
Orientação conjunta: Profa. Dra. Carmen Ildes Rodrigues Fróes Asmus
Rio de Janeiro
Abril/2012
B151 Bahia, Camila Alves. Alterações nos marcadores hepáticos decorrente da exposição ambiental a organoclorados em uma comunidade do Rio de Janeiro/ Camila Alves Bahia. – Rio de Janeiro: UFRJ/ Instituto de Estudos em Saúde Coletiva, 2012. 88 f.; 30cm. Orientador: Raphael Mendonça Guimarães; Carmen Ildes Rodrigues Fróes Asmus. Dissertação (Mestrado) - UFRJ/Instituto de Estudos em Saúde Coletiva, 2012. Inclui bibliografia. 1. Inseticidas organoclorados. 2. Gastroenterologia. 3. Disruptores endócrinos. 4. Epidemiologia. 5. Meio ambiente. 6. Brasil. I. Guimarães, Raphael Mendonça. II. Asmus, Carmen Ildes Rodrigues Fróes. III. Universidade Federal do Rio de Janeiro, Instituto de Estudos em Saúde Coletiva. IV. Título. CDD 668.651
ii
CAMILA ALVES BAHIA
Alterações nos marcadores hepáticos decorrente da exposição ambiental a
organoclorados em uma comunidade do Rio de Janeiro
Dissertação apresentada ao Programa de
Pós-graduação em Saúde Coletiva do Instituto
de Estudos em Saúde Coletiva, da
Universidade Federal do Rio de Janeiro, como
requisito parcial à obtenção do título de Mestre
em Saúde Coletiva.
Banca Examinadora da Defesa
Raphael Mendonça Guimarães, PhD., IESC/UFRJ
Orientador
João Paulo Machado Torres, DSc., Instituto de Biofísica / UFRJ
Antonio Azeredo, DSc., IESC/UFRJ
Rio de Janeiro
Abril/2012
v
Agradecimentos
Agradeço a Deus, pela força, coragem e sustento em mais um passo da minha
vida acadêmica. A Ti toda honra e glória!
À minha família, que do seu jeitinho único, me apoiou, sustentou, incentivou, e
compreendeu. Possuo imenso orgulho de vocês, e sei que estão orgulhosos por mim.
Amo vocês!
À minha orientadora, Profª Drª Carmen Asmus, por ter me aceitado como
orientanda, e pelo inenarrável presente que me foi dado por ela: a orientação em
conjunto do Prof Dr Raphael Guimarães. Aos dois, obrigada pelos conhecimentos a
mim transferidos, incentivo, por compreenderem minhas limitações e as adversidades
que ocorreram neste período. Sinto-me profundamente orgulhosa por este período de
convívio com vocês. Sem dúvida alguma, meu aprendizado e principalmente esta
dissertação não “nasceria” e não seria a mesma sem vocês!
A todo corpo docente do IESC, em especial aos professores Volney, Armando,
Ana Maria, Teca, e Gabriel, com quem pude aprender o que é a saúde ambiental e a
minha temida toxicologia.
Ao Roberto, Geraldo, Ivisson, Carla, Fátima e Dentinho - técnicos
administrativos do IESC, sempre atenciosos, prestativos, e sem os quais eu não
conseguiria dar todos os passos que dei dentro do IESC.
Às queridas mestrandas e doutorandas da linha de Produção, Ambiente e
Saúde: Ludmila, Natalia, Tatiana, Aline, Patricia, Isabel e Thatiana. Obrigada pelo
carinho, apoio, caronas, e por dividirem comigo tantos momentos bons e difíceis nesse
período. Foi um grande prazer ter a companhia de vocês ao meu lado.
A Flavia Curi, por todas as caronas, por me ouvir, apoiar, dividir, por ficar feliz
com minhas vitórias, e me ensinar que nesta vida devemos cumprir cada etapa a seu
tempo.
À minha segunda família, a Micela: Fernanda Magalhães (e a Duda!), Luciana
Lima, Natália Duarte, Roberta Palmieri, Silvia Canatto e Vanessa Camargos, Amigas
queridas, verdadeiras irmãs. Perto ou longe; entre preferências e não preferências; entre
cafés da manhã e almoços, subidas e descidas da serra, casamentos, aniversários ou
simples comemorações, entre tantas conversas que nunca conseguimos terminar, entre
tantas risadas e choros; sucessos e fracassos (houve algum?), entre tantas “paranóias
delirantes” (piada interna), sei o quanto estimaram meu sucesso e apoiaram meus
vi
objetivos. Toda a minha vida pessoal e profissional não seriam as mesmas sem vocês.
Agradeço também a nossa escancarada versão masculina, porém bem mais calma e
silenciosa: Rafa, Tonho, Leo e Tio Marcelo. Obrigada a todas (os) pelo amor de
sempre, e por fazerem a caminhada se tornar mais feliz e leve.
A Erika Barretto e Moniky Oliveira. Obrigada pelo incentivo, preocupação,
apoio e por sempre estarem dispostas a me ouvir e ajudar no decorrer deste mestrado.
Ao Muller Fernandes, por todo amor, carinho, companheirismo, apoio,
amizade e credibilidade dada a mim.
Aos colegas e usuários do CAPS Rocinha, por compreenderem a necessidade
de minha ausência no trabalho que realizamos lá, quando entrei no curso de mestrado.
Em especial Angela, Mario, Roberta, Amanda e Luciana(s)... Minha equipe querida e de
quem sinto imensa saudade !
Aos colegas de equipe do Instituto de Dermatologia Sanitária, por sempre me
incentivarem nessa jornada. A Aline, Tânia, Marilena, Mirian, Ana Maria, Maria,
Carmelita, Valmir, Eliana, Maria das Graças, Soninha, Christine, Marcos, Luci, Elias e
Verinha: obrigada por sempre me ajudarem a ter um tempinho para ler no plantão.
Aos caros e nobres colegas: Lilian Lauria, Giselle Israel, Rosa Polari, Sergio
Aquino, Claudia Sá; além da Valéria Saraceni, Natália, Roberto e Aline. Obrigada por
me ensinarem sobre política de saúde, planejamento, gerência e epidemiologia. Sinto-
me profundamente grata pelos ensinamentos, bate-papos e por compreenderem minhas
ausências e dificuldades.
Por último, mas não menos importante, agradeço a Drª Monica Edelenyi. Não
só porque é minha querida chefa, mas porque sem ela eu não entraria no mestrado... E
acreditem, também não teria saído! Agradeço todo o apoio, incentivo, amizade, e
compreensão; por estar sempre a postos para resolver os mais diversos “pepinos” que
enfrentamos no trabalho (“Ai Jesus!”); por ter aguentado minha mania de arrumação de
mesa, gaveta e armário, e ter escutado todos os meus problemas e dúvidas
epidemiológicas por quase 2 anos. Obrigada por me ensinar tanto sobre a verdadeira
importância de uma pesquisa e de uma epidemiologia voltada, de fato, ao serviço e à
política pública em saúde. Ficaria honrada se um dia fosse metade da profissional que
és!
vi
SUMÁRIO
1. Introdução 16
2. Revisão bibliográfica 19
2.1 Pesticidas
19
2.2 Organoclorados 19
2.3 Sistema hepático 24
2.4 Avaliação hepática 26
2.5 Ação dos organoclorados sobre o fígado 31
2.6 Cidade dos Meninos 34
3. Justificativa
36
4. Objetivo geral 37
4.1 Objetivos específicos 37
5. Metodologia
38
5.1 Desenho do estudo 38
5.2 População e local do estudo 38
5.3 Variáveis de estudo 38
5.4 Fonte de dados 40
5.5 Análise de dados 43
5.6 Aspectos éticos 43
6. Resultados 45
7. Discussão dos resultados 64
8. Conclusão 72
9. Referências bibliográficas 74
vii
RESUMO
Introdução: Os compostos organoclorados possuem grande estabilidade no ambiente e
nos organismos vivos devido à sua capacidade de bioacumulação, biomagnificação, e
sua difícil degradação por processos naturais, o que pode levar a efeitos negativos na
saúde humana. Um dos casos conhecidos sobre exposição ambiental a organoclorados,
dioxinas e furanos, no Brasil, é o caso Cidade dos Meninos (Duque de Caxias – RJ);
local de funcionamento de uma antiga fábrica produtora de compostos organoclorados,
como HCH e DDT, e que após sua desativação permaneceu no local os resíduos dos
compostos produzidos ali, disseminando-se por via aérea, águas pluviais e carreamento
mecânico. Essa população exposta pode vir a apresentar efeitos hepáticos, já que o
fígado sofre ação direta destas substâncias, devido a sua função de metabolização de
compostos. Objetivos: avaliar a existência de alterações dos marcadores hepáticos
estudados decorrentes da exposição crônica a organoclorados; analisar as alterações
encontradas de acordo com as características sócio-demográficas e as variáveis de
exposição; relacionar as alterações encontradas com escores de exposição da população
de Cidade dos Meninos. Método: estudo do tipo observacional (seccional), tendo como
população aquela residente em Cidade dos Meninos, e que participou do inquérito de
saúde da população residente na área, no ano de 2007, realizado pelo INCA, como parte
do convênio estabelecido entre o INCA e a CGVAM (n = 1164). Foram calculadas as
taxas de alterações dos marcadores hepáticos, razões de chance (odds ratio) brutas e
ajustadas para os grupos de exposição e para os fatores de confusão, e seus respectivos
IC de 95%, através de regressão logística binária não-condicional. Resultados: Apenas
354 indivíduos foram incluídos na análise, devido à falta de informação nas variáveis
usadas para criar os grupos de exposição. A população era predominantemente do sexo
masculino, de faixa etária maior de 20 anos, com IMC adequado. A maior parte dos
casos apresentava níveis normais dos marcadores hepáticos e de colesterol total, HDL,
LDL, e triglicerídeos. Os indivíduos mais expostos aos compostos organoclorados
apresentavam mais alterações nos níveis séricos de LDL e colesterol total. Entretanto,
para os demais marcadores hepáticos, após a elaboração da regressão logística, não foi
encontrada significância estatística para os grupos de exposição. Conclusão: o achado é
coerente com os mecanismos toxicológicos dos organoclorados, que interferem no
sistema endócrino ao realizar feedback negativo na síntese de hormônios esteroidais,
especialmente o estrogênio, e com isso interferindo também no metabolismo lipídico.
Não houve condições de avaliação de lesão hepática, devido às limitações do estudo.
Palavras-Chave: Inseticidas Organoclorados. Gastroenterologia.
Disruptores endócrinos. Epidemiologia. Meio ambiente. Brasil.
viii
ABSTRACT
Introduction: Organochlorine compounds have great stability in the environment and
in living organisms due to its ability to bioaccumulate, biomagnification, and its
difficult to degrade by natural processes, which can lead to negative effects on human
health. One of the known cases of environmental exposure to organochlorines, dioxins
and furans, in Brazil, in the case of Cidade dos Meninos (Duque de Caxias - RJ), place
of operation of an old factory producing organochlorine compounds such as DDT and
HCH, and after deactivation stayed at the waste of the compounds produced there,
spreading by air, rainwater and mechanic entrainment. This exposed population might
have hepatic effects, since the liver suffers the direct action of these substances, due to
its function of metabolizing compounds. Objectives: To evaluate the existence of
changes in the markers studied liver resulting from chronic exposure to
organochlorines, to analyze the changes found in accordance with the socio-
demographic characteristics and exposure variables, relate the changes found with
scores of exposure of the population of Cidade dos Meninos . Method: an observational
study (sectional), with the population that lives in Cidade dos Meninos, and who
participated in a health survey of the resident population in the area, in 2007, organized
by INCA as part of the agreement established between the INCA and CGVAM (n =
1164). Rates were calculated from changes in hepatic markers, odds ratios (odds ratio)
crude and adjusted for exposure groups and for confounding factors, and their
respective 95%, by binary logistic regression non-conditional. Results: Only 354
individuals were included in the analysis due to lack of information in variables used to
create groups of exposure. The population was predominantly male, aged more than 20
years, with adequate BMI. Most of the cases had normal levels of liver markers and
total cholesterol, HDL, LDL and triglycerides. The individuals most exposed to
organochlorine compounds showed more changes in serum total and LDL cholesterol.
However, for other liver markers, after the establishment of logistic regression, we
found no statistical significance for the exposure groups. Conclusion: The finding is
consistent with the toxicological mechanisms of organochlorines, which interfere with
the endocrine system by performing negative feedback in the synthesis of steroid
hormones, especially estrogen, and thereby also interfering with lipid metabolism.
There was no opportunity to evaluate liver damage due to the limitations of the study.
Keywords: Organochlorine insecticides. Gastroenterology. Endocrine Disruptors,
Epidemiology. Environment. Brazil.
ix
Lista de tabelas
Tabela 1 – Distribuição por sexo, escolaridade, renda familiar, microárea de residência,
condição de nascimento em Cidade dos Meninos, grupos de exposição, IMC e uso de
álcool dos 354 habitantes de Cidade dos Meninos, Duque de Caxias, RJ; p. 46.
Tabela 2 – Tabela 02: Distribuição dos indivíduos, segundo sexo, nascimento em cidade
dos Meninos, microárea de residência, faixa etária, uso de álcool e IMC, e grupos de
exposição dos 354 habitantes de Cidade dos Meninos, Duque de Caxias, RJ, p.48.
Tabela 3 – Distribuição dos indivíduos, segundo variáveis sociodemográficas por
marcadores hepáticos, p. 50.
Tabela 4 – Distribuição dos indivíduos, segundo grupos de exposição por marcadores
hepáticos, p. 54.
Tabela 5 – Associação entre variáveis sociodemográficas, variável de exposição e
alterações em marcadores hepáticos por regressão logística, p. 56.
Tabela 6 – Associação entre variável de exposição e alterações em marcadores
hepáticos por regressão logística, p. 61.
x
Lista de Quadros
Quadro 01: Características das enzimas hepáticas, p. 28.
Quadro 02: Exames utilizados para avaliação da função hepática, p. 30.
Quadro 03: Efeitos hepáticos decorrentes da exposição crônica a DDT, HCH, Dioxinas
e furanos, p. 33.
Quadro 04: Exames coletados e valores de referência, p. 41.
xii
Lista de siglas e abreviações
ANVISA – Agência Nacional de Vigilância Sanitária
ATP - Adenosina trifosfato
ATSDR – Agency for Toxic Substances and Disease Registry
CGVAM - Coordenação de Vigilância em Saúde Ambiental do Ministério da Saúde
CM – Cidade dos Meninos
CONPREV - Coordenação de Prevenção e Vigilância
DDD – 1,1-dicloro-2,2-bis(p-clorofenil) etano
DDE – 1,1-dicloro-2,2-bis(p-clorofenil)etileno
DDT – 1,1,1-tricloro-2,2-bis(p-clorofenil) etano
EMBRAPA - Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária
EPA – Environmental Protection Agency
FEEMA – Fundação Estadual de Engenharia do Meio Ambiente
FIOCRUZ – Fundação Oswaldo Cruz
FUNASA - Fundação Nacional de Saúde
GABA – Ácido gama amino butírico
GGT - Gama glutamil transpeptidase
HCH - Hexaclorociclohexano
HDL – Lipoproteína de alta densidade
IARC - International Agency for Research on Cancer
IESC - Instituto de Estudos em Saúde Coletiva
INCA - Instituto Nacional do Câncer
IOMC - Inter-Organization Programme for the Sound Management of Chemicals
LDL – Lipoproteína de baixa densidade
MS – Ministério da Saúde
OC - Organoclorados
xiii
OPAS – Organização Pan-Americana de Saúde
PARA – Programa de Análise de Resíduos Sólidos
PCB – Bifenilas policloradas
PCDD - Dibenzo-p-dioxinas
PCDF - Dibenzo-furanos policlorados
PNDA - Plano Nacional de Defensivos Agrícolas
POP - Poluentes Orgânicos Persistentes
RE – Retículo endoplasmático
SINITOX - Sistema Nacional de Informações Toxico Farmacológicas
TGO - Aspartato aminotransferase
TGP - Alanina aminotransferase
UFRJ - Universidade Federal do Rio de Janeiro
xiv
NOTA INTRODUTÓRIA
O presente projeto é um dos produtos do Termo de Cooperação nº 74/2010
(processo nº 25000.153491/2010-00) estabelecido entre o Instituto de Estudos em Saúde
Coletiva (IESC) da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e a Coordenação de
Vigilância em Saúde Ambiental do Ministério da Saúde (CGVAM/MS) no ano de 2011.
Este Termo de Cooperação, nomeado “Análise dos Efeitos à Saúde decorrentes
da Exposição a Compostos Organoclorados em Cidade dos Meninos – RJ” tem como
objeto a análise do banco de dados produzido pelo Instituto Nacional do Câncer
(INCA), durante o ano de 2007, a partir de um convênio realizado, à época, entre o
INCA e a CGVAM.
O convênio estabelecido entre o INCA e a CGVAM teve como objeto a
realização de um inquérito de saúde da população residente na área denominada Cidade
dos Meninos, com coleta de dados clínicos, exame físico e exames laboratoriais. Ele foi
finalizado no ano de 2007 e o banco de dados produzido foi entregue ao MS.
No ano de 2011, o IESC/UFRJ foi chamado pelo MS para analisar este banco
de dados, através do Termo de Cooperação supracitado. O presente projeto de pesquisa
tem como objeto a análise dos dados e informações de saúde existentes neste banco
referentes aos efeitos da exposição a compostos organoclorados sobre o sistema
hepático da população de Cidade dos Meninos.
16
1. INTRODUÇÃO
Os pesticidas têm sido cada vez mais empregados devido ao crescimento da
população mundial e sua consequente demanda por mantimentos, já que na agricultura o
seu uso é a principal estratégia para o combate e prevenção de pragas agrícolas, o que
garante alimento em quantidade suficiente para a população (Caldas, 2000; Tajara,
1998). Outro uso que também aumentam a demanda por seu uso e produção é sua
eficácia no controle e combate de diversas doenças transmitidas por vetores, e o
incremento da industrialização com consequente aumento do consumo de produtos
(Carvalho, 1980; Silva, 2005).
No mundo são utilizadas aproximadamente 2,5 milhões de toneladas de
pesticidas por ano e o Brasil apresenta consumo superior a 300 mil toneladas por ano
(Embrapa, 2011). Dados disponibilizados pelo Sistema Nacional de Informações
Tóxico-Farmacológicas – SINITOX - mostram que dos 11484 casos de intoxicação por
pesticidas em geral no Brasil, no ano de 2009, 41,33% foram causados por tentativa de
suicídio, 38,14% por acidentes individuais, e 0,36% causados por acidente ambiental
(Sinitox, 2011).
Estes pesticidas, também chamados de praguicidas, agrotóxicos, defensivos
agrícolas, venenos, e biocidas, por estas serem nomenclaturas dadas a um mesmo grupo
de substâncias químicas, apesar dos benefícios que trouxeram à humanidade, são
compostos potencialmente tóxicos ao homem e ao ambiente, e capazes de poluir água,
solo, ar, além de alimentos (Allsopp, 2000; Mello, 2005; Pesquero, 1999).
Praguicidas, pesticidas, agrotóxicos ou defensivos agrícolas referem-se a um
amplo grupo de compostos produzidos por processos físicos, químicos ou biológicos, e
que possuem a finalidade de alterar a composição de fauna e flora, a fim de preservá-las
da ação danosa de seres vivos considerados nocivos. São usados nos setores de
produção, armazenamento e beneficiamento de produtos agrícolas; pastagens; proteção
de florestas e outros ecossistemas, tratamento de madeiras para construção,
domissanitários, além de ambientes urbanos, hídricos e industriais (Brasil, 1989; Oga,
2008; Tajara, 1998; Silva, 2005).
A produção de pesticidas em escala mundial teve inicio em 1930,
intensificando-se em 1940. A entrada no Brasil se deu na década de 1960, sendo
utilizado na agricultura e no combate de pragas e doenças, onde trouxeram importantes
benefícios, como a possibilidade de colheitas mais abundantes e profilaxia de endemias,
17
como malária, tifo, febre amarela e pragas que existiam nas lavouras (Carvalho, 1980;
Silva, 2005; Ribeiro, 2005; Casarett, 2007).
Seu uso e produção no país aumentou ainda mais em decorrência do Plano
Nacional de Defensivos Agrícolas – PNDA, lançado em 1975, o qual determinava a
obrigatoriedade de seu uso para quem pretendesse utilizar o crédito rural. Essa política
integrava a Revolução Verde e objetivava aumentar a produtividade agrícola a partir do
incremento da utilização de agrotóxicos, expansão das fronteiras agrícolas e aumento da
mecanização da produção (Silva, 2005; Ribeiro, 2005).
Apesar dos benefícios supracitados, os pesticidas são considerados um dos
mais importantes fatores de risco para a saúde humana, devido aos danos às populações
humanas, como envenenamento de trabalhadores; a intensa degradação do meio
ambiente (com contaminação de água e solo), e pelo aparecimento de resistência em
organismos-alvo, como pragas e vetores (Silva, 2005; Ribeiro, 2005).
Alguns dos pesticidas fazem parte do grupo de Poluentes Orgânicos
Persistentes ou POPs, os quais são extremamente difíceis de eliminar do ambiente
(Allsopp, 2000; Mello, 2005; Pesquero, 1999). Os POPs possuem grande estabilidade
no ambiente e nos organismos vivos devido à sua capacidade de bioacumulação,
biomagnificação, e sua difícil degradação por processos naturais, o que pode levar a
efeitos negativos na saúde humana.
Também por estas características, muitos deles foram amplamente difundidos
no ambiente, pelas correntes de ar, e água (rios e oceanos), chegando a se tornar
contaminantes globais; podendo ainda hoje ser encontrados no ambiente devido a
depósitos de resíduos industriais e à contaminação de água e alimentos (Allsopp, 2000).
Estes POPs foram elaborados e liberados pela indústria química de forma
intencional (produtos), e não intencional (subprodutos e resíduos). Em 2001, seu uso foi
proibido pela Convenção de Estocolmo - tratado internacional que visava reduzir ou
eliminar a produção, uso e disposição dos POPs ( IOMC, 2002).
Nesta Convenção foram instituídas doze substâncias que deveriam ser alvo de
políticas e ações, a fim de reduzir ou eliminar sua produção. Dentre as 12 substâncias,
as nove primeiras são compostos organoclorados: Aldrin, Clordano, DDT, Dieldrin,
Endrin, Heptacloro, Mirex, Toxafeno, Hexaclorobenzeno, Bifenilas Policloradas,
Dioxinas e Furanos. (IOMC, 2002).
18
Os compostos organoclorados apresentam vários efeitos sobre a saúde humana,
pois a exposição crônica a estes compostos pode levar ao aparecimento de efeitos
tóxicos em vários sistemas orgânicos, como neuropatia periférica, discrasia sanguínea,
aplasia medular, lesões renais, arritmias, promoção de tumores, alterações endócrinas,
alterações no sistema reprodutivo, óbito fetal e aborto espontâneo (Amato, 2002; Flores,
2004).
Os organoclorados foram utilizados na agricultura e em programas de saúde
pública, em toda a América Latina, e no Brasil (Allsopp, 2000). Apesar do Brasil ser um
dos líderes mundiais em consumo de pesticidas e com numerosa e diversificada
população exposta, os sistemas de informação mostram dados desarticulados e
limitados, no que se refere às informações sobre as exposições e intoxicações crônicas,
abrangendo em sua maioria casos agudos e mais graves (Faria, 2007; Faria, 2009; Silva,
2005).
Um dos casos conhecidos sobre exposição ambiental a organoclorados,
dioxinas e furanos, no Brasil, é o caso Cidade dos Meninos, região localizada no
município de Duque de Caxias - estado do Rio de Janeiro; onde funcionava o Instituto
de Malariologia (antiga fábrica produtora de compostos organoclorados, como HCH e
DDT), o Abrigo Cristo Redentor e uma vila de casas, nas quais residiam trabalhadores
da fábrica e do abrigo (Oliveira, 2003). Após a desativação da fábrica, os resíduos dos
compostos produzidos permaneceram no local, disseminando-se por via aérea, águas
pluviais e carreamento mecânico (MS, 2004).
Essa população, devido à exposição crônica aos organoclorados, está sendo
monitorada pelo sistema de saúde público e avaliada quanto aos possíveis efeitos
tóxicos destes compostos sobre a sua saúde. Dentre os efeitos desta exposição crônica
sobre o organismo humano está a ação tóxica que estes compostos possuem sobre o
sistema hepático, já que o fígado sofre ação direta destas substâncias, devido a sua
função de metabolização de compostos (MS, 2001; Oga, 2008).
Dessa forma, o presente estudo tem como objeto a ocorrência de alterações nos
marcadores hepáticos na população expostas aos compostos organoclorados em Cidade
dos Meninos.
19
2. REVISÃO BIBLIOGRÁFICA
2.1Pesticidas
Pesticida é qualquer substância ou mistura de substâncias destinadas a
prevenir, destruir ou controlar pragas, vetores de enfermidade, ou que interfiram na
produção. Dessa forma, podem ser utilizados em vários âmbitos, por seu efeito tóxico
sobre diferentes organismos. A classificação de acordo com a finalidade de uso é (Oga,
2008; Tajara 1998):
▪ Inseticidas: usados contra uma grande variedade de pragas (insetos, larvas e
formigas).
▪ Herbicidas: usados no combate a ervas daninhas;
▪ Fungicidas: combatem fungos;
▪ Raticidas
Os inseticidas são divididos em quatro grupos, a saber:
Organofosforados: compostos orgânicos derivados do ácido fosfórico, do ácido
tiofosfórico ou do ácido ditofosfórico;
Carbonatos: derivados do ácido carbâmico;
Organoclorados: compostos à base de carbono, com radicais de cloro. São
derivados do clorobenzeno, do ciclo-hexano ou do ciclodieno;
Piretróides: compostos sintéticos, apresentam estruturas semelhantes à piretrina
(substância existente nas flores do Chrysanthmum (pyrethrum) cinenariaefolium)
(OPAS, 1996).
2.2 Organoclorados
Os organoclorados são inseticidas que foram desenvolvidos a partir de meados
dos anos 1940, sendo amplamente utilizados na agricultura, silvicultura, domicílios e
saúde pública, nos programas de controle a vetores e doenças. Seu emprego tem sido
progressivamente restringido ou proibido em vários países, a partir da década de 1970,
principalmente por serem considerados os inseticidas mais persistentes e os que
oferecem maior risco à saúde humana. Acumulam-se na cadeia alimentar, e podem
originar metabólitos mais tóxicos ou persistentes, e com maiores efeitos nocivos
(Carvalho, 1980; Casaret, 2007; Tajara, 1998).
20
Esta restrição / proibição se deve principalmente à suas características de
bioacumulação, biomagnificação e persistência no ambiente por várias décadas (Albert,
1998; Oga, 2008; Tajara, 1998).
São hidrocarbonetos clorados, com estrutura cíclica e peso molecular entre 300
e 500, apresentando volatilidade limitada.
Compreendem um grupo diverso de agentes, pertencentes a três classes
químicas distintas, incluindo o diclorodifeniletano (DDT e análogos),
hexaclorociclohexano (HCH e isômeros); Ciclodienos; e o toxafeno e seus compostos
relacionados.
Os compostos organoclorados envolvidos no presente estudo são DDT, HCH e
dioxinas e furanos.
O DDT (dicloro difenil tricloroetano) é um pesticida que não é encontrado
naturalmente na natureza, sendo criado e amplamente usado para controle de insetos na
agricultura e àqueles que carreavam doenças (malária e tifo). Após 1972, seu uso não
era permitido nos Estados Unidos da América, exceto em casos de emergências de
saúde pública. Atualmente é usado em poucos países para o controle da malária
(ATSDR, 2002). É uma mistura de três formas: p,p’-DDT (85%), o,p’-DDT (15%), e
o,o’-DDT. Apresenta como subprodutos de sua degradação - sendo também usados
como pesticidas, porém em menor extensão que o DDT - o DDE (1,1-dicloro-2,2-bis(p-
clorofenil)etileno) and DDD (1,1-dicloro-2,2-bis(p-clorofenil) etano) (ATSDR, 2002).
De forma geral, a absorção é maior quando a via de exposição é oral, a qual
pode ocorrer acidentalmente ou intencionalmente (casos de suicídio) (ATSDR, 2002).
Já a absorção dérmica é considerada limitada, porém, sua capacidade de absorção
aumenta na presença de solventes (ATSDR, 2002).
O DDT e seus metabólitos – DDE e DDD – são lipossolúveis, e por isso, uma
vez absorvidos, são rapidamente distribuídos pelo organismo, via sistema linfático e
sanguíneo. Dessa forma, o DDT deposita-se em tecidos como medula óssea, fígado,
rins, coração, sistema nervoso central, e tecido adiposo (Oga, 2008).
A principal via de excreção de DDT é na urina, ocorrendo também nas fezes
(via excreção biliar) e leite materno (ATSDR, 2002, MS, 2003).
21
O hexaclorociclohexano (HCH) é uma substância química que possui oito
isômeros, sendo cada um destes nomeados de acordo com a posição do hidrogênio na
estrutura química do composto.
Sua forma é sólida, de cor branca, e que apresenta como resultado de sua
evaporação, um vapor incolor, com ligeiro odor de mofo. Outras formas de
apresentação são: poeira, pó, líquido e concentrado. Também está disponível na forma
de loção, creme ou shampoo para tratar e / ou controlar a sarna (ácaros) e piolhos em
humanos.
A absorção pode ocorrer através da via respiratória (ocorre a inalação de vapor
ou poeira do HCH – mais frequente em exposições ocupacionais), via dérmica ou via
digestiva ( esta ocorre em forma acidental), sendo a presença de solventes um fator que
acelera sua absorção. É bem distribuído pelo organismo humano (ATSDR, 2002).
Dibenzo-p-dioxinas (PCDD ou dioxinas) e dibenzo-furanos policlorados
(PCDF ou furanos) são duas classes de compostos altamente tóxicos, aromáticos
tricíclicos, com propriedades físicas e químicas semelhantes.
Não ocorrem naturalmente na natureza, sendo criados como subprodutos não
intencionais de vários processos envolvendo cloro ou substâncias que o contenham,
como por exemplo, produção de pesticidas, incineração de resíduos, e processos de
combustão (Pesquero, 1999).
Dessa forma, oferecem uma ampla rota de exposição, como emissões
atmosféricas, comtaminação de solo, produtos alimentícios, e água. Devido à sua
lipossolubilidade, é encontrada ainda em alimentos, como carne e derivados do leite
(Pesquero, 1999).
Estas subcategorias diferem em relação à dose tóxica, absorção cutânea,
acumulação no tecido adiposo, metabolismo e eliminação; apresentando similaridade
nos sinais e sintomas apresentados pelos humanos expostos (Casarett, 2007; Oga,
2008).
Em relação ao potencial carcinogênico, a International Agency for Research on
Cancer ( IARC) classifica alguns dos organoclorados (como por exemplo o DDT,
Hexaclorobenzeno e heptacloro), como pertencentes ao grupo 2B, ou seja,
possivelmente cancerígeno para a espécie humana (EPA, 2005).
22
Sua absorção pode ocorrer por via dérmica, respiratória e digestiva, sendo alterada pela
presença de veículos (solventes), gordura e pelo estado físico do próprio agrotóxico. A
via de absorção mais ligada à toxicidade é a digestiva (Hughes, 2005). Devido à sua alta
lipossolubilidade, são rapidamente absorvidos, bem distribuídos no meio ambiente e no
organismo humano, e depositados no tecido adiposo e leite humano (Albert, 1988;
Hughes, 2005; Tajara, 1998).
Sua biotransformação é lenta, devido aos anéis aromáticos e ao número de
átomos de cloro presentes em sua estrutura química, sendo a remoção destes últimos
muito difícil de ocorrer pelos processos enzimáticos disponíveis no organismo humano.
Isso favorece ao aumento da permanência do composto nos organismos vivos e no meio
ambiente (Casarett, 2007, Hughes, 2005).
As rotas de biotransformação são complexas e incluem fase I (declorinação e
demetilação) e fase II (Conjugação), seguido de eliminação (Hughes, 2005).
As exposições podem ocorrer no setor agropecuário, saúde pública firmas
desinsetizadoras, e em seu transporte, comercialização e produção; sendo os indivíduos
expostos tanto os trabalhadores que lidam direto com os compostos, quanto suas
famílias, a população circunvizinha a uma unidade produtiva, e população que ingere o
alimento com resíduos, ou sofre exposição dérmica em aplicações domésticas ou
pulverizações, ou por inalação durante a aplicação de spray (Silva, 2005; Tajara, 1998).
Devido à capacidade dos compostos e seus metabólitos serem excretados no
leite humano, mulheres expostas transferem estes compostos para seus filhos, durante a
amamentação. Outra fonte de exposição são as carnes de animais e ovos de galinha, se a
alimentação destes animais contiver resíduos dos compostos (Albert, 1988).
Os organoclorados possuem ação tóxica prevalente sobre o sistema nervoso,
devido à sua lipossolubilidade, apresentando efeito estimulante sobre o sistema nervoso
central (Tajara, 1998; OPAS, 1996).
Os efeitos agudos aparecem várias horas (6 a 24 h) após a exposição, e
geralmente são parestesia da língua, lábios e face; hipersensibilidade à luz, toque e som;
irritabilidade, tontura e vertigem, tremores e convulsões tônico-clônicas. Isso se dá
porque estes compostos levam à redução da velocidade em que ocorre a despolarização,
aumentando a sensibilidade dos neurônios a pequenos estímulos (Casarett, 2007).
Embora pertençam ao mesmo grupo, os organoclorados possuem certas
particularidades. Por exemplo, o hexaclorociclohexano e o ciclodieno possuem
23
mecanismos de ação sobre o sistema nervoso diferentes do DDT, pois a ação deste
último é mais localizada na parte sensorial do sistema nervoso, e dos outros, a ação é
localizada no próprio sistema nervoso central, através do antagonismo à ação do
neurotransmissor ácido gama-aminobutírico (GABA). Os compostos atuam sobre os
receptores GABA e bloqueiam a captação de GABA, o que leva a hiperatividade.
Inibem ainda os íons Na +, K
+-ATPase , Ca
2++-ATPase, Mg
2 +-ATPase, essenciais para
o transporte (absorção e libertação) de cálcio através das membranas, o que resultará em
despolarização e hiperexcitação de membranas pós-sinápticas (Casarett, 2007).
Os efeitos crônicos sobre a saúde humana são mais prejudiciais que os agudos,
porém os agudos são mais fáceis de detectar, por apresentarem e possuírem sinais e
sintomas clínicos bem conhecidos e descritos na literatura. (Tajara, 1998). A maioria
dos efeitos decorrentes da exposição crônica aos compostos organoclorados sobre a
saúde humana são difíceis de detectar também devido às dificuldades metodológicas e
da extrapolação dos resultados (Tajara, 1998).
Alguns efeitos crônicos da exposição ao DDT são dores de cabeça, visão turva,
nistagmo horizontal, parestesia em pernas, perda de memória, diminuição do
desempenho escolar, comportamento impulsivo, mudanças em personalidade, agitação e
fadiga, baixa auto-estima, depressão, redução da espermatogênese, indução de enzimas
e / ou propriedades estrogênicas, com interferência direta ou indireta na fertilidade e
reprodução (Casarett, 2007; Hughes, 2005).
Outras manifestações da exposição crônica são neuropatias periféricas,
(inclusive com paralisias), discrasias sangüíneas, aplasia medular, lesões renais,
arritmias cardíacas, cloroacne, além de lesões hepáticas com alterações das
transaminases e da fosfatase alcalina . Em altas doses são indutores das enzimas
microssômicas hepáticas. (OPAS, 1996). Agem sobre o córtex da supra - renal e
ocasionam manifestações anti esteroidais e induzem as enzimas microssomais .
Induzem a teratogênese e mutagênese.(Albert, 1988).
Ao se realizar a busca sobre artigos nesse tema, percebemos a escassa
quantidade de informações sobre os efeitos em humanos, sendo a maioria dos achados
decorrentes de estudos que realizam a leitura e comparação das concentrações séricas e
em tecido adiposo dos clorados (Tusscher, 2007; Kang, 1997), e estudos em animais,
nos quais o fígado aparece como um dos primeiros alvos da ação tóxica dos
organoclorados (ATSDR, 2002).
24
A maioria dos estudos nacionais e internacionais publicados sobre efeitos sobre
a saúde humana decorrentes da exposição crônica a organoclorados tratam de estudos
onde os sujeitos de observação são animais e trabalhadores. Isso se deve ao fato de que
muitas vezes é difícil excluir variáveis confundidoras no caso de uma exposição
ambiental a organoclorados e outros compostos persistentes, como as dioxinas e
furanos, (Guzelian, 1985).
2.3 Sistema hepático
O fígado é o maior órgão do corpo humano. É altamente vascularizado,
possuindo aporte do sistema sanguíneo e do sistema linfático. Possui capacidade de
regeneração de seu tecido, mesmo no indivíduo adulto (Gayotto, 2001; Mendes, 2008).
A unidade básica do tecido hepático é o lóbulo hepático, o qual comporta em
cada um de seus ângulos os espaços porta (que por sua vez, comportam a tríade portal -
ducto hepático, artéria hepática e veia porta); e centralmente a veia hepática terminal
(Gayotto, 2001) – Figura 01.
Os hepatócitos são células poligonais, que perfazem cerca de 70% do volume
hepático. Seu citoplasma é dividido em três zonas e possui uma organização própria,
onde membranas do retículo endoplasmático (RE) estão em continuidade com a
membrana nuclear externa, formando cisternas paralelas ou associadas a mitocôndrias.
A síntese protéica destinada ao uso fora do hepatócito ocorre na zona 1, onde o
RE granular é mais abundante . Já a síntese protéica para uso intrínseco é realizada por
polissomos livres no citoplasma.
O RE liso está situado em continuidade com o RE granular, e suas membranas
são ricas em citocromo P450, o qual possui a função de detoxificação de drogas.
Funções importantes do RE liso são a síntese de ácidos biliares, síntese lipídica,
metabolismo do glicogênio e de glicoproteínas e depósito de cálcio (Gayotto, 2001).
Sua localização estratégica entre o trato intestinal e o resto do corpo, o facilita
a manter a homeostase corporal, o faz metabolizar nutrientes ingeridos, vitaminas,
metais, drogas, toxinas ambientais, e resíduos de bactérias, pois o sangue venoso
proveniente do estômago e intestinos é direcionado para a veia porta e segue através do
fígado (onde ocorrem catabolismo, armazenamento e / ou excreção através da bile)
antes de entrar na circulação sistêmica (Casarett, 2007).
25
Em relação às suas funções, o fígado realiza a síntese protéica de albumina,
fatores de coagulação (como o Fibrinogênio (fator I), Protrombina (fator II), e Fatores
V, VII e X), além de glicoproteínas e enzimas intracelulares. Realiza também síntese
lipídica de triglicérides, colesterol e ácidos biliares; algumas funções metabólicas, como
metabolismo de carboidratos, aminoácidos, bilirrubina, ácidos graxos livres, além de
hormônios e drogas; síntese da uréia; estocagem de vitaminas lipossolúveis, B12 e
metais (ferro e cobre).
Uma função especializada do fígado é a síntese da bile, e é através dela que o
fígado excreta compostos endógenos e xenobióticos. A excreção biliar de drogas,
xenobióticos e hormônios ocorre através da extração de tais substâncias do sangue,
através dos hepatócitos, e depois são transportados através da membrana canalicular por
exportadores ATP dependentes. Os canais biliares modificam a bile por absorção e
secreção de solutos. Além disso, as células desse epitélio também expressam uma
variedade de enzimas de fase I II, as quais podem contribuir para a biotransformação de
toxinas químicas presentes na bile, pois convertem compostos lipofílicos em
hidrofílicos, através das reações de oxidação, redução ou hidrólise (fase I) e também por
reações de conjugação (fase II) (Casarett, 2007; Landis, 2005; Mendes, 2008).
O fígado apresenta sensibilidade aos derivados do estrógeno, cortisol e
testosterona, pois há receptores específicos para estes hormônios no fígado. Além
disso, o fígado metaboliza estes hormônios e os excreta na bile. (Gayotto, 2001).
26
Figura 01: Estrutura do lóbulo hepático.
Fonte: Hughes,W. Essencial of enironmental toxicology. 2005.
2.4 Avaliação hepática
A avaliação hepática se dá através da avaliação da função hepática e da
ocorrência de dano hepático.
Para avaliação do dano, podemos utilizar a avaliação de enzimas específicas,
através do soro sanguíneo, conhecidas por estarem em níveis específicos quando o
fígado está funcionando corretamente, e que podem apresentar-se elevadas no caso de
dano no fígado.
Para o exame da função hepática - sua capacidade de remover substâncias
rotineiramente encontradas no organismo (por exemplo, bilirrubina) ou aquelas
27
introduzidas no corpo humano (por exemplo, corantes), além de síntese e metabolismo
– podemos usar fatores de coagulação, e análise dos níveis de fosfatase alcalina,
albumina, fatores de coagulação e lipidograma (Hughes, 2005).
As enzimas hepáticas são proteínas que ajudam a catalisar as reações
químicas necessárias no metabolismo intracelular. Em circunstâncias normais estão
presentes no interior das células hepáticas.
Quando o tecido hepático sofre algum dano, e os hepatócitos são destruídos,
sua membrana é rompida, fazendo com que enzimas hepáticas específicas sejam
liberadas para o sistema sanguíneo. Por esta razão, sua dosagem no sangue é um
biomarcador de lesão hepática (Hodgson, 2010; Sala, 2001). As principais enzimas
hepáticas são as aminotransferases, a fosfatase alcalina e gama-glutamiltransferase.
As aminotransferases transferem grupamento amino de uma molécula para
outra. Também são conhecidas como transaminases. São as mais sensíveis e as mais
usadas para avaliar lesões hepáticas. Por serem enzimas intracelulares, quando ocorre
aumento dos níveis plasmáticos é indicativo de lesão celular (Gayotto, 2001). Suas
características são apresentadas no quadro 01.
As principais características das transaminases, a fosfatase alcalina, albumina,
fatores de coagulação e lipidograma estão explicitadas no Quadro 02.
Utilizaremos neste estudo a avaliação das enzimas hepáticas, albumina e
lipidograma, pois apenas estes foram coletados e encontram-se disponíveis no banco de
dados produzido pelo INCA, durante o ano de 2007, fruto do convênio realizado entre
o INCA e a CGVAM, em 2007.
28
Quadro 01: Características das enzimas hepáticas.
Enzima Local Características Sistema hepático
AST / TGO aspartato aminotransferase / soro
glutâmico oxalacética
transaminase.
Encontrada no fígado,
miocárdio, músculo estriado,
rins, pâncreas, hemácias e
cérebro (Gayotto, 2001;
Mendes , 2008)
Não é específica para lesão hepática,
pois qualquer alteração nesses tecidos
pode alterar seu valor (Mendes, 2008).
É útil para hepatopatias crônicas em
atividade. Encontra-se elevada nos casos
de infarto do miocárdio, hepatites virais,
mononucleose, cirrose, pancreatite e nefropatias
ALT / TGP Encontrada em grande
quantidade no fígado (é mais
concentrada neste
órgão)(Mendes, 2008).
Outros fatores que causam alteração
nesta enzima: necrose hepática,
hepatites virais, icterícias de origem
viral, infarto do miocárdio e
insuficiência cardíaca (aumento);
desnutrição com deficiência de
vitamina B6, mulheres em uso de
anticoncepcional (diminuição)
(Gayotto, 2001).
É indicador específico de lesão hepática (Mendes, 2008). Libera-se facilmente
quando ocorre alguma alteração no
hepatócito (Gayotto, 2001). Nos
hepatócitos, a AST / TGO é encontrada no citoplasma e mitocôndrias; já a ALT /
TGP é encontrada apenas no citoplasma,
fato este que faz com que estas enzimas sejam as primeiras a aparecer no plasma,
em casos de lesão hepática (Gayotto,
2001).
alanino aminotransferase /
soro glutâmico pirúvica
29
Quadro 01 (continuação): Características das enzimas hepáticas.
Enzima Local Características Sistema hepático
GGT Encontrada no fígado, rins e
pâncreas (Gayotto, 2001).
Elevada nos casos de consumo
excessivo de álcool, retornando a
diminuir seu valor quando há
abstinência. Seu aumento pode ser
induzido por doenças colestáticas, por
diferentes drogas e na doença hepática
não-alcoólica. Em alguns indivíduos, a
GGT eleva-se sem causa aparente
(Gayotto, 2001).
Sensível para indicar hepatotoxicidade
(Gayotto, 2001). se encontra aumentada nos casos de icterícia obstrutiva,
hepatocarcinoma, e quando a atividade do
citocromo P 450 for induzida por álcool e
drogas (Gayotto, 2001).
gama-glutamiltransferase
30
Quadro 02: Exames utilizados para avaliação da função hepática.
Local Características Sistema hepático
Fosfatase alcalina Se origina no fígado, ossos,
intestino e placenta, sendo encontrada na parede dos ductos
intra e extra biliares e ossos.
(Mendes, 2008)
Seu nível se eleva em casos de lesão nas
células da via biliar e em doenças ósseas (Gayotto, 2001).
As alterações que causam seu aumento são:
colestase induzida por drogas, obstrução das vias biliares e tumores primários ou
metastáticos do fígado. Indica dano no
epitélio do ducto biliar. (Gayotto, 2001).
Albumina Proteína que é sintetizada
exclusivamente pelo fígado, e
é quantitativamente a mais
importante das proteínas
plasmáticas (Gayotto, 2001).
Níveis diminuídos ocorrem nas fases
agudas de cirrose, falta de ingestão
protéica ou perdas excessivas através
dos rins ou intestino (Gayotto, 2001).
Lipidograma Ao avaliar a função hepática, é
importante também se avaliar
o lipidograma, pois uma das
funções do fígado é realizar
síntese, degradação e
eliminação do colesterol
plasmático (White, 1976).
Uma parte deste colesterol é removido
do sangue para a bile, já que
aproximadamente 80% deste colesterol é
transformado no tecido hepático em
vários ácidos da bile (White, 1976).
31
2.5 Ação dos organoclorados sobre o fígado
Hepatotoxicidade é a conseqüência da exposição a toxinas naturais e a vários
produtos químicos sintéticos, incluindo compostos industriais, agrotóxicos e fármacos.
(Hodgson, 2010).
O fígado torna-se potencialmente suscetível às substâncias químicas por três
fatores. Primeiramente, devido ao efeito de primeira passagem, pois a maioria dos
xenobióticos são absorvidos pela via digestiva e transportados pela veia hepática para o
fígado, ou seja, o órgão é o primeiro a entrar em contato com as substâncias tóxicas.
Em segundo lugar, ocorre uma alta concentração de xenobióticos sendo
metabolizados, principalmente pelo sistema citocromo P450 (também chamado sistema
oxidase de função mista ou monoxigenases), formado por enzimas localizadas
predominantemente na superfície do retículo endoplasmático liso, e que atua
apreendendo e inativando vários xenobióticos que entram no organismo humano.
Muitas destas substâncias são detoxificadas, e outras podem ser convertidas em
substâncias potencialmente tóxicas. Além disso, substâncias lipossolúveis são mais
facilmente metabolizadas pelo sistema, pois esta propriedade facilita sua entrada no
retículo endoplasmático e sua conseqüente ligação ao citocromo (Hodgson, 2010;
Mendes, 2008).
A terceira razão é o fato de que a formação da bile e sua movimentação pelo
trato gastrointestinal pode concentrar os xenobióticos, e muitos deles são reabsorvidos e
transportados novamente para o fígado, pela circulação hepática, o que pode levar ao
aumento da concentração destes xenobióticos neste órgão (Hodgson, 2010).
Outro fator que aumenta a susceptibilidade hepática é o fato de que compostos
lipofílicos, especialmente drogas e poluentes ambientais, ultrapassam facilmente os
hepatócitos, pois o epitélio fenestrado do sinusóide permite um contato próximo entre as
moléculas circulantes e hepatócitos. Assim, a membrana hepática concentra compostos
lipofílicos (Casarett, 2007).
A vulnerabilidade do fígado a toxicantes lipossolúveis e de metabolização
hepática, independe da via de absorção, e isso se dá por sua dupla fonte de sangue ( veia
porta e artéria hepática). Assim, o órgão apresenta quantidades apreciáveis de todos os
agentes tóxicos presentes na circulação sistêmica (Casarett, 2007).
A velocidade da biotransformação é afetada por fatores como genéticos
(polimorfismos), fisiológicos (doença, estado clínico, idade, sexo) e ambientais
32
(poluentes e substâncias químicas industriais) ou por uso concomitante de outras drogas
(Franco, 2003).
O fígado sofre diretamente ação dos compostos organoclorados, os quais
induzem as enzimas do sistema microssômico hepático, interferindo em seu próprio
metabolismo e no de outras substâncias que utilizam o mesmo sistema enzimático (Oga,
2008).
Ocorrem ainda alterações morfológicas no fígado, como hipertrofia dos
hepatócitos e organelas subcelulares (mitocôndrias), proliferação de retículo
endoplasmático liso e na formação de corpos de inclusão; necrose ( em concentrações
elevadas) , e um aumento na incidência de tumores hepáticos (Casarett, 2007).
Os organoclorados, de forma geral, agem sobre o fígado causando alteração de
enzimas hepáticas (transaminases e fosfatase alcalina); são indutores das enzimas
hepáticas do citocromo P450 (o que promove a ativação de substâncias carcinogênicas);
hepatites aguda e subaguda; e esteatose hepática (Carvalho, 1980; MS, 2001).
DDT, Clordane e heptacloro inibem a comunicação intercelular entre
hepatócitos de rato em cultura. Alem disso, os organoclorados tendem a se acumular na
parte lipídica da membrana celular, e é possível que sua presença interfira na
comunicação celular (Telang e cols 1982 apud Tajara, 1998).
As principais ações dos organoclorados sobre o sistema hepático estão descrita
no quadro 03.
33
Quadro 03: Efeitos hepáticos decorrentes da exposição crônica a DDT, HCH, Dioxinas e furanos
Composto Efeitos sobre o sistema hepático decorrente da exposição crônica
Animais Trabalhador Câncer
DDT Necrose hepática em ratos (ATSDR, 2002) Aumento da fosfatase alcalina sérica (ATSDR,2002) Neoplasia hepática (ATSDR, 2002;
Tajara, 1998; McGlynn, 2006; Tajara, 1998) Dano hepático severo (ATSDR, 2002) Aumento da GGT (Guzelian, 1985; Bouwman, 1991)
Icterícia, retração e insuficiência hepática (Brasil,
2001)
Indução de enzimas hepáticas (Guzelian,1985)
Dioxinas Induz enzimas do citocrono P450 (Tusscher, 2007) Aumento da GGT (Sala, 2001) Neoplasia hepática (ATSDR, 2007)
Dano hepático (Pesquero, 1999) Aumento das TGO, TGP, fosfatase alcalina e GGT
(exposição ambiental) (ATSDR,1998).
Aumento da GGT (Neuberger, 1998; Lee, 2006)
Cirrose Hepática (Neuberger, 1998; Consonni, 2007)
Dano hepático (Triebig, 1998)
HCH Lesão hepática sutil (ATSDR, 2005). Aumento das enzimas hepáticas (ATSDR,2005) Neoplasia hepática (ATSDR, 2005)
Neoplasia em ratos (Schroter, 1987) Indução das enzimas hepáticas (Guzelian, 1985)
34
2.6 Cidade dos Meninos
Cidade dos Meninos é uma região localizada no município de Duque de Caxias,
no estado do Rio de Janeiro. Possui extensão aproximada de 19,4 milhões de metros
quadrados (Oliveira, 2003).
Nesta mesma região foi criado, em 1934, um albergue para meninas pobres,
onde eram realizadas atividades educacionais e para aprendizado profissional. Em 1947,
este albergue foi transformado no Centro de Promoção Social Abrigo Cristo Redentor,
composto agora por 40 pavilhões, sob responsabilidade do Ministério da Educação e
Saúde, abrigando meninos e meninas, passando então a ser conhecido como Cidade dos
Meninos ( Mello, 1998; MS , 2003).
Dois anos depois foi instalado no local o Instituto de Malariologia, ocupando
oito dos quarenta pavilhões existentes. Este Instituto produzia compostos
organoclorados, principalmente o hexaclorociclohexano (HCH), destinados ao controle
de endemias transmitidas por vetores, como a malária, febre amarela e doença de
Chagas (uso nacional), sendo realizada também a exportação de tais produtos (MS,
2003).
Havia na região ainda, uma escola primária, denominada Escola Sara
Kubitscheck, e doze casas destinadas aos funcionários. Estas casas constituíram a Vila
Ministro Mário Pinotti (Mello, 1998).
Com a transferência do Instituto de Malariologia para Brasília, iniciou-se a
desativação gradual da fábrica, no ano de 1961, tendo este processo seu fim em 1965.
Foi deixada no local a produção remanescente de pesticidas, contabilizando 300 a 400
toneladas destes produtos, perfazendo uma área de cerca de 13 mil metros quadrados
(Oliveira, 2003).
Os resíduos destes compostos, durante sua permanência na antiga fábrica,
disseminaram-se por via aérea, águas pluviais e carreamento mecânico. Adicionado a
isto, a população utilizou os resíduos em aterros, reboco de casas, para cobrir buracos na
estrada principal que corta a região (Estrada da Camboaba), e como agrotóxicos, além
de vendê-los em feiras (FIOCRUZ, 2011).
Em 1989, após denúncias pelos meios de comunicação da venda irregular de “pó
de broca” em feiras livres no município de Duque de Caxias, 40 toneladas de HCH
foram retiradas do antigo Instituto (FEEMA) (MS, 2003).
35
Em 1992, a dosagem do sangue de escolares do Centro de Promoção Social
revelou que 54 dos 184 escolares apresentavam níveis detectáveis de HCH no soro (MS,
2003).
A área foi isolada como foco principal de contaminação, em 1995, pela
Fundação Nacional de Saúde – FUNASA. Na mesma época, uma empresa privada foi
encarregada da remediação química do local, realizando a adição de óxido de cálcio no
solo contaminado e, apesar da mesma empresa ter emitido laudo positivo para a
descontaminação do local ( noventa dias após o uso da cal, e sendo avaliado apenas o
isômero γ-HCH); o odor de mofo permanecia no local. Este odor, sendo característico
da presença de HCH , mostrou a ineficácia da ação (Oliveira, 2003). A área foco passou
a apresentar então uma extensão de 40 mil metros quadrados, sendo colocada uma cerca
em sua volta. (MS, 2003).
No ano seguinte, as atividades educacionais na Cidade dos Meninos foram
encerradas, as crianças foram transferidas, permanecendo apenas os moradores no local.
Após a realização de um estudo de avaliação de risco à saúde humana pelo
Ministério da Saúde, em 2002, foram identificados como contaminantes no solo
superficial e nos alimentos (ovo e leite de vaca) os seguintes compostos:
hexaclorociclohexano (HCH - isômeros α, β, γ, e σ); 1,1,1-tricloro-2,2-bis(p-clorofenil)
etano (DDT) e seus isômeros DDE ( 1,1-dicloro-2,2-bis(p-clorofenil)etileno) e DDD (
1,1-dicloro-2,2-bis(p-clorofenil) etano); triclorofenol, além de dioxinas e furanos (MS,
2004).
Tais achados levaram à realização de um inquérito de saúde naquela região,
pelo INCA, através de convênio estabelecido entre este e a CGVAM, no ano de 2007.
Naquele momento havia 1.400 residentes no local, mas apenas 1136 participaram do
inquérito (INCA, 2009). Neste inquérito foram realizados exames clínicos e
laboratoriais, além de levantamento de dados sobre a condição sócio-demográfica,
situações de exposição ambiental, informações sobre morbidade e hábitos de vida
(INCA, 2009).
36
3. JUSTIFICATIVA
Considerando-se a escassez de estudos que abordam as evidências científicas
sobre a relação entre os organoclorados e hepatotoxicidade; as alterações hepáticas
decorrentes da exposição não ocupacional a organoclorados; a dispersão e a quantidade
de rotas de exposição na população de Cidade dos Meninos; e a importância da análise
das alterações nos marcadores de função hepática nesta população, justifica-se o
presente estudo, pois é fundamental a necessidade de monitoramento e vigilância
desses compostos no ambiente e organismo humano devido a sua persistência por longo
tempo no ambiente e no organismo humano.
37
4.OBJETIVO GERAL
Estimar a magnitude da associação entre a exposição ambiental a
organoclorados e alterações de marcadores hepáticos.
4.1 OBJETIVOS ESPECÍFICOS
Avaliar a existência de alterações dos marcadores hepáticos estudados
decorrentes da exposição crônica a organoclorados.
Analisar as alterações encontradas de acordo com as características sócio-
demográficas e as variáveis de exposição.
Relacionar as alterações encontradas com escores de exposição da população de
Cidade dos Meninos.
38
5. METODOLOGIA
5.1 Desenho do Estudo
Estudo do tipo observacional, onde foi realizado um estudo seccional da
ocorrência de alterações dos marcadores hepáticos na população de estudo, exposta a
organoclorados.
5.2 População e local do estudo
A população que serviu como base do presente estudo foi a população
residente em Cidade dos Meninos, e que participou do inquérito de saúde da população
residente na área, no ano de 2007, realizado pelo INCA, como parte do convênio
estabelecido entre o INCA e a CGVAM (INCA,2007).
Foram analisadas as condições sócio-demográficas, situações de exposição
ambiental, informações sobre morbidade, hábitos de vida, além de sinais e sintomas
relatados. Tais informações foram obtidas junto aos indivíduos através de questionários
divididos em módulos (Anexo A), que obtiveram número de respondentes
diferenciados.
A população total investigada foi de 1164 pessoas que moravam na área
quando da realização do estudo, de ambos os sexos, com faixa etária de 0 a 80 anos.
5.3 Variáveis do Estudo
As variáveis do estudo analisadas foram: exposição, confundimento,
modificadoras de efeito e desfecho.
Exposição: microárea de moradia; definição de grupos de exposição,
elaborados a partir de estudo anterior, considerando: tempo de moradia na área; uso e
consumo de solo; criação de animais (gado bovino, suíno e aves); hábitos alimentares
(tipo e freqüência de consumo de carnes, ovos e derivados do leite oriundos de criações
na área);
Confundimento: sexo, idade, uso de bebida alcoólica, IMC;
Modificador de Efeito: nascimento na área (exposição pré-natal);
Desfecho: frequência de alterações nos marcadores hepáticos (AST / TGO, ALT
/ TGP, Fosfatase Alcalina, GGT, albumina, colesterol total, HDL e LDL).
39
Para a realização dos grupos de exposição, usou-se a técnica de agrupamento,
onde foi utilizada a classificação hierárquica ascendente. O método hierárquico
aglomerativo ou ascendente começa com os objetos individuais, ou seja, os sujeitos.
Então, têm-se, inicialmente, tantos grupos quantos forem os sujeitos (n=354). Os mais
semelhantes foram agrupados, sendo estes grupos iniciais fundidos de acordo com suas
similaridades. Eventualmente, como as semelhanças diminuem, todos os subgrupos são
fundidos em um único.
A partir de um dendrograma, pode-se escolher uma partição dos “n” objetos
submetidos à classificação hierárquica ascendente. Para selecionar uma boa partição,
escolheu-se um nível de agregação para o qual o valor não seja muito elevado, ou seja,
baixa transformação das distâncias iniciais entre os objetos.
Para criação dos clusters, foram escolhidas variáveis cujo modelo teórico ancilar
identificasse como comportamento associado à exposição e às rotas de contaminação.
Devido a características básicas dos organoclorados (persistência ambiental,
bioacumulação, biomagnificação na cadeia trófica, alta toxicidade, persistência no
ambiente, lipossolubilidade e difícil eliminação), foram usadas as seguintes variáveis,
para a definição dos clusters: tempo de moradia no local, tempo de contato com solo
(em atividades ocupacionais, agricultura, etc), tempo de criação de animais, tempo de
consumo de carne produzida no local, tempo de consumo de leite, ovos e derivados,
todas variáveis contínuas medidas em anos.
A toxicologia considera, para efeito de avaliação de toxicidade a qualquer
composto químico, a relação dose (intensidade) x tempo. Todas estas variáveis foram
ajustadas para a idade, procedendo-se um cálculo de pessoa tempo em que se
considerou que, para cada ano de exposição.
Os clusters foram então formados pela combinação individual dos ativos, um a
um, em diferentes grupos, até a formação do número estimado pela modelagem (data
driven), que neste caso específico foram três. O processo hierárquico de formação
de clusters foi feito por meio de um dendograma.
Os resultados indicaram que o cluster 1 (n=45), aqui identificado, apresenta
características de exposição que podem ser consideradas como mais intensas do que
aquelas identificadas para o cluster 2 (n=103), de exposição intermediária, que possui
intensidade maior que o cluster 3 (n=206).
40
A validade preditiva dos clusters pode ser avaliada, de forma prospectiva,
verificando-se o comportamento de cada subtipo com relação a diferentes variáveis de
modificação de efeito, como sexo, idade ou fase da vida onde a exposição se iniciou.
Ainda que o desenho deste estudo não permita avaliar a validade preditiva da tipologia,
é possível, todavia, discutir as prioridades de monitoramento. Os clusters mantiveram
padrões diferenciáveis de exposição, o que permite que sejam utilizadas suas
informações para categorizar a população exposta e priorizar o grupo de maior
exposição para rastreamento na rede de serviços de saúde para desfechos associados aos
organoclorados, especialmente desfechos endócrinos, reprodutivos, neurológicos,
hepáticos e câncer.
5.4 Fonte de dados
Os dados utilizados são oriundos do banco de dados produzido pelo Instituto
Nacional do Câncer (INCA), durante o ano de 2007, através de questionários ( Anexo
A) e exames laboratoriais , aplicado pela Coordenação de Prevenção e Vigilância
(Conprev-INCA), no Programa de Vigilância à Atenção da População Exposta a
Pesticidas Organoclorados em Cidade dos Meninos, RJ; entre março e dezembro de
2007, devido ao convênio realizado, à época, entre o INCA e a CGVAM.
Os exames coletado e seus valores de referência estão contidos no quadro 04.
41
Quadro 04: Exames coletados e valores de referência
Exame Valor de referência Método Laboratório
TGO - aspartato aminotransferase Homens: até 40 u/L Cinetico UV
Diagnóstico das
Américas Mulheres: até 32 u/L
TGP - alanina aminotransferase Homens: até 41 u/L Cinetico UV
Diagnóstico das
Américas Mulheres: até 33 u/L
GGT - gama glutamil transpeptidase Homens: até 60 u/L Enzimático
colorimétrico
Diagnóstico das
Américas Mulheres: até 43 u/L
Fosfatase alcalina Crianças:
Cinético IFCC Laboratório INCA
7 meses a 1 ano - até 456 U/l
1 a 6 anos - até 275 U/l
7 a 12 anos - até 300 U/l
13 a 17 anos - masculino:até 390 U/l e
feminino: até 187 U/l
Maiores de 18 anos:
homens: 40 a 129 U/l
mulheres: 35 a 104 U/l
Albumina 3,5 a 5,0 g/dL Colorimétrico
Diagnóstico das
Américas
Colesterol Adultos:
Enzimatico
Colorimetrico
Diagnóstico das
Américas
Ideal - Inferior a 239 mg/dL
Aumentados - Acima de 240 mg/dL
Criancas e adolescentes (2 a 19 anos):
Ideal - Inferior a 199 mg/dL
Aumentados - Acima de 200 mg/dL
42
Quadro 04 (continuação): Exames coletados e valores de referência
Exame Valor de referência Método Laboratório
Colesterol - HDL Homens - acima de 35 mg/dl Enzimatico
Colorimetrico
Diagnóstico das
Américas Mulheres - acima de 45 mg/dl
Colesterol - LDL Ideal - Inferior a 160 mg/dL
Enzimatico
Colorimetrico
Diagnóstico das
Américas
Aumentados - Igual ou acima de 160
mg/dL
Triglicerídeos Crianças até 9 anos:
Enzimatico
Colorimetrico
Diagnóstico das
Américas
Ideal - Inferior a 100 mg/dL
Aumentados - Acima de 100 mg/dL
De 10 a 19 anos:
Ideal - Inferior a 130 mg/dL
Aumentados - Acima de 130 mg/dL
Adultos (maiores de 20 anos):
Ideal - Inferior a 200 mg/dL
Aumentados - Acima de 200 mg/dL
43
5.5 Análise de dados
A análise dos marcadores hepáticos, e seus respectivos pontos de corte levaram
em consideração os valores limite do laboratório Diagnóstico das Américas e do
Laboratório do INCA. A partir deles, os sujeitos foram classificados como tendo ou não
alterações nos marcadores.
Foram calculadas as prevalências para as alterações dos marcadores hepáticos.
Inicialmente, foi realizada análise bivariada para encontrar as variáveis que possuem
relação com as alterações hepáticas, e assim selecionar as variáveis de maior peso para a
modelagem multivariada. Foram consideradas para a análise multivariada todas aquelas
covariadas que possuíram valor de p menor ou igual a 0,25. (Mingoti, 2005).
Para avaliar a associação entre os níveis de exposição aos organoclorados e as
taxas de alterações dos marcadores hepáticos, foram calculadas razões de chance (odds
ratio) brutas e ajustadas para a variável de exposição (grupos de exposição) e para os
principais fatores de confusão, e seus respectivos intervalos de confiança de 95%,
através de regressão logística binária não-condicional, através do método stepwise
forward ( Mingoti, 2005).
O alcoolismo foi avaliado através do teste CAGE, o qual é utilizado como
critério para categorizar o entrevistado em alcoolista ou não. Foi desenvolvido em 1968,
e validado no Brasil por Mansur e Monteiro em 1983. Possui uma sensibilidade de 88%
e especificidade de 83%. É composto por quatro perguntas, onde é considerado como
caso suspeito de alcoolismo o sujeito que responder afirmativamente duas ou mais
perguntas. (Almeida, 1993).
Para análise dos dados foi usado o programa SPSS versão 19.
5.6 Aspectos Éticos
O presente projeto de pesquisa foi encaminhado ao Comitê de Ética e Pesquisa
do Instituto de Saúde Coletiva da UFRJ, respeitando os procedimentos éticos da
Resolução 196/96 do Conselho Nacional de Saúde sobre Pesquisa Envolvendo Seres
Humanos.
Embora este banco de dados seja de acesso público e identificado, este projeto
não propôs a individualização dos resultados observados, sendo as análises feitas a
partir do conjunto dos dados existentes. Os pesquisadores asseguram a preservação do
44
anonimato e o sigilo das informações presentes no banco e na divulgação dos resultados
encontrados.
45
6. RESULTADOS
Dos 1164 sujeitos submetidos às entrevistas, 850 foram excluídos da presente
análise devido à falta de informação nas variáveis usadas para criar os grupos de
exposição (tempo de moradia em Cidade dos Meninos, tempo de contato com o solo,
tempo de criação de animais, tempo de consumo de carne produzida no local, além de
tempo de consumo de leite, ovos e derivados), restando então uma população de 354
indivíduos.
Destes 354 indivíduos, conforme mostra a tabela 01, a maioria era do sexo
masculino (50,85%), sendo o sexo feminino correspondente a 49,15% da população;
possuíam idade maior de 20 anos (adultos e idosos - 59,60%). Já em relação à
escolaridade, 44,31% possuía o ensino fundamental incompleto, seguido por 20,41%
que referiu não saber escrever. Na distribuição sobre renda familiar, 28,90% possuía
como renda mensal 2 a 3 salários mínimos, e 21,39% possuía renda de 1 a 2 salários
mínimos. Quando questionados sobre o local onde nasceram, 73,16% referiu não ter
nascido na localidade de Cidade dos Meninos; e quando questionados se faziam uso
regular de bebida alcoólica, 70,9% referiu não fazer uso regular deste. Quando
calculado o IMC, de acordo com peso e altura levantados, e classificados de acordo com
as faixas etárias, observamos que 60,6% possuía IMC adequado para a idade.
Na distribuição de acordo com as microáreas que dividem a região, 28,70%
residia na microárea 4; 26,64% residiam na microárea 2; 24,64% na microárea 1 e 20%
na microárea 3. Após a criação dos grupos de exposição, observamos que 58,19%
daquela população estava alocada no grupo 3 (menor exposição), 29,10% no grupo 2
(exposição intermediária), e 12,71% no grupo 1 (exposição maior), conforme mostra a
tabela 1.
46
Tabela 01: Distribuição por sexo, escolaridade, renda familiar, microárea de residência, condição de nascimento em Cidade dos Meninos, grupos de exposição, IMC e uso de álcool dos 354 habitantes de
Cidade dos Meninos, Duque de Caxias, RJ.
Variáveis N %
Sexo
Masculino 180 50,85
Feminino 174 49,15 Total 354 100
Faixa etária Crianças e adolescentes 143 40,40 Adultos e idosos 211 59,60
Total 354 100
Escolaridade
Não sabe escrever 70 20,41 Alfabetizado 9 2,62
Fundamental incompleto 152 44,31 Fundamental completo 21 6,12 Médio Incompleto 34 9,91 Médio Completo 47 13,70 Superior incompleto 5 1,46 Superior completo 4 1,17 Especialização/residencia 1 0,29
Total de indivíduos 343 100
Renda familiar
Até 1 salário mínimo 19 10,98 1 - 2 salários mínimos 37 21,39 2 - 3 salários mínimos 50 28,90 3 - 4 salários mínimos 24 13,87 5 - 10 salários mínimos 22 12,72 10 - 20 salários mínimos 1 0,58 Sem rendimento 5 2,89
Não sabe 15 8,67 Total 173 100
Nascimento em Cidade dos Meninos
Sim 95 26,84 Não 259 73,16 Total 354 100.0
Grupos de exposição
Exposição maior 45 12,71
Exposição Intermediária 103 29,10 Exposição menor 206 58,19 Total 354 100
IMC
Adequado 151 60,6
Baixo peso 4 1,6
Sobrepeso 94 37,8
Total 249 100
Uso de álcool
Sim 80 29,1 Não 195 70,9 Total 354 100
Total 354 100
Dados em missing não foram computados para a frequência.
Na descrição dos indivíduos segundo sua alocação em um dos grupos de
exposição, dos 180 homens, 55,56% estavam no grupo de menor exposição (grupo 3 ); e
das 174 mulheres, 60,92% também estavam no mesmo grupo (p < 0,05). Em relação ao
nascimento na localidade de Cidade dos Meninos, dos 95 que nasceram no local,
47
69,87% destes estavam alocados no grupo de menor exposição (p < 0,05). Ao avaliar a
distribuição da faixa etária segundo os grupos de exposição, percebemos que 97,90%
das crianças e adolescentes estão alocados no grupo de menor exposição; já entre os
adultos e idosos, 47,39% destes estão alocados no grupo de exposição intermediária (p
< 0,001). Dentre os indivíduos que referiram fazer uso regular de álcool, 47,5% estavam
alocados no grupo de exposição intermediária.em relação ao IMC, 69,54% dos que
apresentaram peso adequado estavam no grupo de menor exposição. Ressaltamos que
apenas a variável microárea não apresentou valor significativo(p < 0,05), sendo por este
motivo, excluída dos métodos de regressão logística bivariada e multivariada realizadas
à frente (Tabela 02).
48
Tabela 02: Distribuição dos indivíduos, segundo sexo, nascimento em cidade dos Meninos, microárea de residência, faixa etária, uso de álcool e IMC, e grupos de exposição dos 354 habitantes de Cidade dos
Meninos, Duque de Caxias, RJ..
Variáveis Grupos de Exposição
1 2 3 p-valor Total
N % N % N %
Sexo
Masculino 16 8,89 64 35,56 100 55,56
0,007
180
Feminino 29 16,67 39 22,41 106 60,92 174
Total 45 12,71 103 29,10 206 58,19 354
Nascimento em
Cidade dos
Meninos
Não 30 11,58 89 34,36 140 54,05
0,001
259
Sim 15 15,79 14 14,74 66 69,47 95
Total 45 12,71 103 29,10 206 58,19 354
Faixa etária
Crianças e adolescentes 0 0,00 3 2,10 140 97,90
< 0,001
143
Adultos e idosos 45 21,33 100 47,39 66 31,28 211
Total 45 12,71 103 29,10 206 58,19 354
Uso de álcool
Sim 12 15,00 38 47,50 30 37,50
< 0,001
80
Não 27 13,85 42 21,54 126 64,62 195
Total 39 14,18 80 29,09 156 56,73 275
IMC
Adequado 17 11,26 29 19,21 105 69,54
< 0,001
151
Baixo peso 1 25,00 3 75,00 0 0,00 4
Sobrepeso/Obesidade 19 20,21 46 48,94 29 30,85 94
Total 37 14,86 78 31,33 134 53,82 249
Dados em missing não foram computados para a frequência.
Analisando a tabela 03, podemos observar que a maioria de ambos os sexos
apresentaram níveis normais de TGO, TGP, GGT, fosfatase alcalina, albumina,
colesterol total, HDL, LDL e triglicerídeos, possuindo significância estatística apenas
no cruzamento de sexo com albumina ( p < 0,001), HDL ( p < 0,001) e LDL ( p < 0,05).
Em relação a faixa etária, os dois grupos (crianças e jovens, e adultos e idosos)
apresentaram valores normais para todos os marcadores hepáticos, possuindo
49
significância estatística apenas para TGP ( p < 0,05), GGT (p < 0,001), fosfatase
alcalina (p < 0,05), albumina (p < 0,05), LDL (p < 0,05) e triglicerídeos (p < 0,001).
Tanto os que referiram ter nascido em Cidade dos Meninos, quanto aqueles que
não nasceram na localidade, possuíam em sua maioria, níveis normais para todas as
enzimas hepáticas, com significância estatística apenas para GGT ( p < 0,05). Além
disso, 24,05% dos que nasceram na localidade possuíam níveis alterados para fosfatase
alcalina.
O mesmo perfil de normalidade se manteve, em sua maioria, para a avaliação
em relação à microárea de residência, sendo que 22,73% dos que residiam na microárea
1, e 22,53% dos que residiam na microárea 4 possuíam níveis alterados de fosfatase
alcalina, 24,2% dos residentes de microárea 1 possuíam níveis alterados de albumina,
20,8% dos residentes da microárea 2 e 28,9% da microárea 3 possuíam níveis alterados
para HDL, e 30,34% dos residentes da microárea 4, e 23,64% da área 3 possuíam níveis
alterados de triglicerídeos. Nenhum dos cruzamentos entre microárea e valores de
marcadores hepáticos obteve significância estatística.
O uso de álcool mostrou significância estatística apenas para GGT (p < 0,05), e
triglicerídeos ( p < 0,001). No primeiro, 26,3% dos que referiram usar regularmente
álcool possuíam níveis alterados de GGT, e no segundo, 32,39% dos que usavam álcool
possuíam níveis de triglicerídeos elevados. No caso do IMC, em nenhumas dos
cruzamentos com os marcadores hepáticos houve significância estatística, porém,
33,33% dos que possuíam baixo peso apresentaram níveis de fosfatase alcalina elevada,
e 66,67% dos que possuíam baixo peso apresentaram níveis alterados de HDL.
50
Tabela 03:Distribuição dos indivíduos, segundo variáveis sociodemográficas por marcadores hepáticos.
Variáveis
Marcadores Hepáticos
TGO TGP GGT
Normal Alterada p-valor Total
Normal Alterada p-valor Total
Normal Alterada p-valor Total
N % N % N % N % N % N %
Sexo
Masculino 111 89,1 14 10,9
0,337
128 115 89,8 13 10,2
0,42
128 109 85,2 19 14,8
0,228
128
Feminino 117 91,4 11 8,6 128 123 96,1 5 3,9 128 114 89,1 14 10,9 128
Total 231 90,2 25 9,8 256 238 93,0 18 7,0 256 223 87,1 33 12,9 256
Faixa Etária
Crianças e adolescentes 82 87,2 12 12,8
0,155
94 93 98,9 1 1,1
0,002
94 92 98,9 2 2,2
< 0,001
94
Adultos e idosos 149 92,0 13 8,0 162 145 89,5 17 11,7 162 131 90,3 31 21,4 162
Total 231 90,2 25 9,8 256 238 93,0 18 7,6 256 223 93,7 33 13,9 256
Mascimento em Cidade dos Meninos
Sim 71 85,5 12 14,5
0,066
83 79 95,2 4 4,8
0,248
83 78 94,0 5 6,0
0,016
83
Não 160 92,5 13 7,5 173 159 91,9 14 8,1 173 145 83,8 28 16,2 173
Total 231 90,2 25 9,8 256 238 93,0 18 7,0 256 223 87,1 33 12,9 256
Uso de álcool
Sim 51 89,5 6 10,5 57 53 93,0 4 7,0 57 42 73,7 15 26,3 57
Não 142 89,3 17 10,7 0,597 159 146 91,8 13 8,2 0,519 159 144 90,6 15 9,4 0,002 159
Total 193 89,4 23 10,6 216 199 92,1 17 7,9 216 186 86,1 30 13,9 216
IMC
Adequado 102 96,2 14 13,2
0,427
116 106 91,4 10 9,4
0,640
116 98 92,5 18 17,0
0,529
116
Baixo peso 3 100,0 0 0,0 3 3 100,0 0 0,0 3 3 100,0 0 0,0 3
Sobrepeso 68 98,6 5 7,2 73 69 94,5 4 5,8 73 65 94,2 8 11,6 73
Total 173 97,2 19 10,7 192 178 92,7 14 7,9 192 166 93,3 26 14,6 192
51
Tabela 03 (continuação): Distribuição dos indivíduos, segundo variáveis sociodemográficas por marcadores hepáticos.
Variáveis
Marcadores Hepáticos
Fosfatase alcalina Albumina Colesterol Total
Normal Alterada p-valor Total
Normal Alterada p-valor Total
Normal Alterada p-valor Total
N % N % N % N % N % N %
Sexo
Masculino 104 81,3 24 18,8
0,321
128 96 75,0 32 25,0
< 0,001
128 117 91,4 11 8,6
0,087
128
Feminino 100 78,1 28 21,9 128 118 92,2 10 7,8 128 109 85,2 19 14,8 128
Total 204 79,7 52 20,3 256 214 83,6 42 16,4 256 226 88,3 30 11,7 256
Faixa Etária
Crianças e adolescentes 69 74,2 25 26,9
0,042
94 73 78,5 21 22,6
0,039
94 87 93,5 7 7,5
0,760
94
Adultos e idosos 135 93,1 27 18,6 162 141 97,2 21 14,5 162 139 95,9 23 15,9 162
Total 204 85,7 52 21,8 256 214 89,9 42 17,6 256 226 95,0 30 12,6 256
Mascimento em Cidade dos
Meninos
Sim 64 81,0 19 24,1
0,290
83 67 80,7 16 19,3
0,246
83 74 93,7 9 11,4
0,470
83
Não 140 88,1 33 20,8 173 147 85,0 26 15,0 173 152 95,6 21 13,2 173
Total 204 85,7 52 21,8 256 214 83,6 42 16,4 256 226 95,0 30 12,6 256
Uso de álcool
Sim 49 86,0 8 14,0
0,097
57 50 87,7 7 12,3 57 48 84,2 9 15,8
0,215
57
Não 122 76,7 37 23,3 159 135 84,9 24 15,1 0,391 159 142 89,3 17 10,7 159
Total 171 79,2 45 20,8 216 185 85,6 31 14,4 216 190 88,0 26 12,0 216
IMC
Adequado 97 91,5 19 17,9
0,319
116 98 92,5 18 17,0
0,397
116 101 95,3 15 14,2
0,748
116
Baixo peso 2 66,7 1 33,3 3 3 100,0 0 0,0 3 3 100,0 0 0,0 3
Sobrepeso 55 79,7 18 26,1 73 66 95,7 7 10,1 73 65 94,2 8 11,6 73
Total 154 86,5 38 21,3 192 167 93,8 25 14,0 192 169 94,9 23 12,9 192
52
Tabela 03 (continuação): Distribuição dos indivíduos, segundo variáveis sociodemográficas por marcadores hepáticos.
Variáveis
Marcadores Hepáticos
HDL LDL Triglicerídeos
Normal Alterada p-valor Total
Normal Alterada p-valor Total
Normal Alterada p-valor Total
N % N % N % N % N % N %
Sexo
Masculino 119 93,0 9 7,0
< 0,001
128 119 93,0 9 7,0
0,035
128 116 73,9 41 26,1
0,24
157
Feminino 89 69,5 39 30,5 128 109 85,2 19 14,8 128 124 83,8 24 16,2 148
Total 208 81,3 48 18,8 256 228 89,1 28 10,9 256 240 78,7 65 21,3 305
Faixa Etária
Crianças e adolescentes 73 78,5 21 22,6
0,170
94 91 97,8 3 3,2
0,001
94 93 65,0 50 35,0
<0,001
143
Adultos e idosos 135 93,1 27 18,6 162 137 94,5 25 17,2 162 147 90,7 15 9,3 162
Total 208 87,4 48 20,2 256 228 95,8 28 11,8 256 240 78,7 65 21,3 305
Mascimento em Cidade dos Meninos
Sim 71 85,5 12 14,5
0,147
83 76 91,6 7 8,4
0,254
83 79 84,9 14 15,1
0,051
93
Não 137 79,2 36 20,8 173 152 87,9 21 12,1 173 161 75,9 51 24,1 212
Total 208 81,3 48 18,8 256 228 89,1 28 10,9 256 240 78,7 65 21,3 305
Uso de álcool
Sim 46 80,7 11 19,3 57 50 87,7 7 12,3 57 48 67,6 23 32,4
<0,001
71
Não 126 79,2 33 20,8 0,49 159 143 89,9 16 10,1 0,403 159 154 87,5 22 12,5 176
Total 172 79,6 44 20,4 216 193 89,4 23 10,6 216 202 81,8 45 18,2 247
IMC
Adequado 93 87,7 23 21,7
0,146
116 106 91,4 10 9,4
0,599
116 110 78,6 30 21,4
0,552
140
Baixo peso 1 33,3 2 66,7 3 3 100,0 0 0,0 3 3 100,0 0 0,0 3
Sobrepeso 57 82,6 16 23,2 73 64 92,8 9 13,0 73 65 82,3 14 17,7 79
Total 151 84,8 41 23,0 192 173 97,2 19 10,7 192 178 80,2 44 19,8 222
Dados em missing não foram computados para a frequência.
53
Na avaliação do perfil dos marcadores hepáticos em relação aos grupos de
exposição, observamos que, mesmo não possuindo significância estatística, 72% dos
indivíduos que possuíam níveis alterados de TGO estavam no grupo de menor
exposição (grupo 3). Já em relação a TGO e GGT, respectivamente 38,9% e 75,5% das
alterações estavam entre aqueles alocados no grupo de exposição intermediária, apenas
o último possuindo significância estatística ( p < 0,005). O maior percentual de
alterações da fosfatase alcalina e albumina encontrava-se dentre os indivíduos do grupo
de menor exposição (57,69% e 61,9%), sendo que estes não apresentaram significância
estatística.
Já em relação ao lipidograma, observamos que foi encontrada significância
estatística apenas para o colesterol total ( p < 0,05), LDL (p < 0,001) e triglicerídeos ( p
< 0,05); onde colesterol apresentou percentuais de níveis alterados iguais entre os três
grupos de exposição (33,33%), HDL e triglicerídeos apresentaram maior alteração dos
níveis nos indivíduos alocados no grupo de menor exposição, e apenas o LDL
apresentou um maior nível de alteração nos indivíduos do grupo de maior exposição.
54
Tabela 04: Distribuição dos indivíduos, segundo grupos de exposição por marcadores hepáticos.
Marcadores hepáticos
Grupos de Exposição
1 2 3 Total p-valor
N % N % N %
TGO
Normal 39 16,9 73 31,6 119 51,5 231
0,144 Alterada 2 8,0 5 20,0 18 72,0 25
Total 41 16,0 78 30,5 137 53,5 256
TGP
Normal 36 15,1 71 29,8 131 55,0 238
0,166 Alterada 5 27,8 7 38,9 6 33,3 18
Total 41 16,0 78 30,5 137 53,5 256
GGT
Normal 32 14,3 63 28,3 128 57,4 223
0,005 Alterada 9 27,3 15 45,5 9 27,3 33
Total 41 16,0 78 30,5 137 53,5 256
Fosfatase alcalina
Normal 31 15,20 66 32,35 107 52,45 204
0,406 Alterada 10 19,23 12 23,08 30 57,69 52
Total 41 16,02 78 30,47 137 53,52 256
Albumina
Normal 37 17,3 66 30,8 111 51,9 214
0,36 Alterada 4 9,5 12 28,6 26 61,9 42
Total 41 16,0 78 30,5 137 53,5 256
Colesterol Total
Normal 31 13,72 68 30,09 127 56,19 226
0,011 Alterada 10 33,33 10 33,33 10 33,33 30
Total 41 16,02 78 30,47 137 53,52 256
HDL
Normal 34 16,3 66 31,7 108 51,9 208
0,554 Alterada 7 14,6 12 25,0 29 60,4 48
Total 41 16,0 78 30,5 137 53,5 256
LDL
Normal 29 12,7 69 30,3 130 57,0 228
< 0,001 Alterada 12 42,9 9 32,1 7 25,0 28
Total 41 16,0 78 30,5 137 53,5 256
Triglicerídeos
Normal 36 15,00 70 29,17 134 55,83 240
0,009 Alterada 5 7,69 10 15,38 50 76,92 65
Total 41 13,44 80 26,23 184 60,33 305
55
A tabela 05 nos traz os resultados relativos a regressão logística bivariada,
onde em relação aos níveis séricos de TGO, apenas as variáveis faixa etária, IMC,
nascimento em Cidade dos Meninos e Grupos de exposição apresentaram significância
estatística. As ORs nos indicam que a maioria das variáveis apresentam-se como fatores
de proteção para as alterações dos níveis séricos desta enzima, com exceção do
nascimento em meninos, onde quem nasceu na localidade pode vir a possuir duas vezes
mais chances (OR 2,08).
Quando avaliada a TGP, apenas as variáveis faixa etária e grupos de exposição
apresentaram significância estatística, onde indivíduos com mais de 20 anos apresentam
um risco dez vezes maior de apresentar alterações nos níveis de TGP que os indivíduos
mais jovens (OR = 10,9), e os indivíduos alocados no grupo de maior exposição (grupo
1) parecem apresentar risco 3 vezes maior de alterações na TGP que aqueles que foram
alocados no grupo menos exposto (OR = 3,03).
Faixa etária, uso de álcool, nascimento em Cidade dos Meninos e os grupos de
exposição foram as variáveis que apresentaram significância estatística, quando
avaliadas junto a GGT. Indivíduos com mais de 20 anos possuem risco dez vezes maior
de apresentar alterações de GGT que os mais jovens (OR = 10,89), enquanto o uso do
álcool aumenta em três vezes o risco de alterações hepáticas desta enzima (OR = 3,43).
Indivíduos do grupo 1 (maior exposição) apresentaram risco quatro vezes maior de
apresentarem alterações na GGT, que aqueles menos expostos ( OR = 4).
Para a fosfatase alcalina, com exceção do sexo e nascimento em meninos, todas
as variáveis possuíram significância estatística (p < 0,05); e em relação a albumina,
apenas uso de álcool e nascimento na localidade não apresentaram significância
estatística .
O colesterol total, quando associado ao sexo, faixa etária e grupos de
exposição, apresentou significância estatística, e observa-se que aqueles alocados no
grupo mais exposto possuem risco quatro vezes maior de possuir alterações neste
marcador, que aqueles menos expostos (OR = 4,10). Apenas sexo e nascimento em
Cidade dos Meninos apresentaram-se significantes em relação ao HDL; e em relação ao
LDL, indivíduos mais expostos apresentaram risco sete vezes maior de possuir
alterações neste marcador, que os menos expostos (OR = 7); e aqueles com mais de 20
anos também apresentaram risco cinco vezes maior de apresentar alterações nos níveis
de LDL que os mais jovens (OR=5,54); ambos com significância estatística.
56
Tabela 05: Associação entre variáveis sociodemográficas, variável de exposição e alterações em marcadores hepáticos por regressão logística.
Marcadores hepáticos
Variáveis
TGO TGP GGT
OR IC 95% p-valor OR IC 95% p-valor OR IC 95% p-valor
Sexo Masculino 1,31 0,569 - 2,998 0,529 2,78 0,961 - 2,781 0,59 1,42 0,678 - 2,971 0,353
Feminino 1 1 1
Faixa etária
Criança - Jovem 1 1 1
Adulto - Idoso 0,59 0,260 - 1,367 0,222 10,90 1,427 - 83,313 0,021 10,89 2,542 - 46,618 0,001
Uso de álcool Sim 0,98 0,367 - 2,629 0,972 0,85 0,265 - 2,714 0,781 3,43 1,550 -7,584 0,002
Não 1 1 1
IMC
Adequado 1 1 1
Baixo peso / Sobrepeso
0,54 0,184 - 1,556 0,251 0 0,999 0,67 0,275 - 1,632 0,378
Nascimento em
Cidade dos Meninos Sim 2,08 0,904 - 4,784 0,085 0,58 0,183 - 1,804 0,343 0,33 0,123 - 0,894 0,029
Não 1 1 1
Grupos de
exposição
1 0,34 0,75 - 1,527 0,159 3,03 0,805 - 10,508 0,8 4,00 1,469 - 10,863 0,007
2 0,45 0,161 - 1,272 0,133 2,15 0,697 - 6,651 0,183 3,39 1,405 - 8,162 0,007
3 1 1 1
57
Tabela 05 (continuação): Associação entre variáveis sociodemográficas, variável de exposição e alterações em marcadores hepáticos por regressão logística.
Marcadores hepáticos
Variáveis
Fosfatase Alcalina Albumina Colesterol total
OR IC 95% p-valor OR IC 95% p-valor OR IC 95% p-valor
Sexo Masculino 1,21 0,659 - 2,234 0,535 3,93 1,841 - 8,406 < 0,001 1,85 0,844 - 4,073 0,124
Feminino 1 1 1
Faixa etária Criança - Jovem 1 1 1
Adulto - Idoso 0,55 0,298 - 1,023 0,059 0,52 0,266 - 1,009 0,053 2,06 0,847 - 4,995 0,111
Uso de álcool Sim 0,54 0,234 - 1,238 0,145 0,79 0,319 - 1,914 0,604 1,57 0,655 - 3,745 0,313
Não 1 1 1
IMC
Adequado 1 1 1
Baixo peso / Sobrepeso
1,67 0,810 - 3,448 0,165 0,58 0,228 - 1,459 0,246 0,83 0,333 - 2,065 0,687
Nascimento em
Cidade dos Meninos
Sim 1,26 0,666 - 2,382 0,478 1,35 0,680 - 2,683 0,391 0,88 0,384 - 2,016 0,763
Não 1 1 1
Grupos de
exposição
1 1,15 0,507 - 2,612 0,737 0,46 0,151 - 1,410 0,175 4,10 1,568 - 10,704 0,004
2 0,65 0,311 - 1,354 0,249 0,78 0,367 - 1,641 0,507 1,87 0,741 - 4,708 0,185
3 1 1 1
58
Tabela 05 (cont.): Associação entre variáveis sociodemográficas, variável de exposição e alterações em marcadores hepáticos por regressão logística.
Marcadores hepáticos
Variáveis HDL LDL Triglicerídeos
OR IC 95% p-valor OR IC 95% p-valor OR IC 95% p-valor
Sexo Masculino 0,17 0,080 -0,375 < 0,001 0,43 0,188 - 1,000 0,05 1,83 1,039 - 3,209 0,036
Feminino 1 1 1
Faixa etária Criança - Jovem 1 1 1
Adulto - Idoso 0,70 0,368 - 1,315 0,264 5,54 1,624 - 18,872 0,006 0,19 0,101 - 0,357 < 0,001
Uso de álcool Sim 0,91 0,426 - 1,955 0,815 1,25 0,486 - 3,218 0,642 3,35 1,719 - 6,544 < 0,001
Não 1 1 1
IMC
Adequado 1 1 1
Baixo peso / Sobrepeso
1,14 0,553 - 2,328 0,730 1,49 0,575 - 3,864 0,411 0,79 0,390 - 1,598 0,511
Nascimento em
Cidade dos Meninos
Sim 0,64 0,315 - 1.313 0,225 0,67 0,271 - 1,637 0,377 0,56 0,292 - 1,071 0,080
Não 1 1 1
Grupos de
exposição
1 0,77 0,308 - 1,907 0,568 7,68 2,784 - 21,212 < 0,001 0,37 0,138 - 1,002 0,050
2 0,68 0,323 - 1,418 0,301 2,42 0,865 - 6,785 0,092 0,38 0,183 - 0,801 0,011
3 1 1 1
59
Para a realização da regressão logística multivariada, ajustamos os marcadores
hepáticos em relação aos grupos de exposição, por esta ser a variável com as quais
queremos observar se há ou não diferença estatística quando ajustamos às possíveis
variáveis confundidoras ou modificadoras de efeito.
Para o ajuste, foram escolhidas aquelas variáveis que apresentaram na
regressão logística univariada (tabela 05), um valor de p menor ou igual a 0,25. Foi
realizado ainda o ajuste do IMC, onde foram avaliados somente aqueles que possuíam o
mesmo adequado para a idade e aqueles que possuíam sobrepeso.
A tabela 06 mostra os resultados da regressão logística multivariada para cada
um dos marcadores hepáticos.
Para a TGO, apesar do modelo ajustado não ter apresentado significância
estatística, percebemos que no grupo de exposição maior e intermediária houve um
pequeno aumento no gradiente de risco, em especial no grupo 2, já que a OR apresentou
um aumento em sua magnitude ORc = 0,71; ORa = 1,55).
No caso da TGP, também não encontramos valores estatísticamente
significantes, poré, percebemos que o risco no modelo ajustado diminuiu, tanto no
grupo mais exposto (ORc =3,03 e Ora= 1,08), quando no grupo de exposição
intermediária (ORc = 2,15; Ora = 0,78); quando comparado ao grupo de menor
exposição.
O risco da apresentação de valores alterados para a GGT, no grupo de maior
exposição, tende a diminuir (ORc = 4,07; ORa = 1,36); assim como no caso da
exposição intermediária (ORc = 2,99 ; Ora = 0,81), mas estes dados não possuem
significância estatística.
Para a fosfatase alcalina e albumina, ambos sem significância estatística,
percebemos que também houve um aumento no gradiente de risco, especialmente no
grupo de exposição intermediária (ORa fosfatase alcalina = 5,69; ORa albumina =
4,15).
Apenas para o colesterol total e o LDL o modelo ajustado encontrou
significância estatística. No caso do colesterol total, houve aumento da chance de
apresentação de alteração dos níveis séricos nos grupos de maior (ORc = 4,10; ORa =
4,19; p = 0,037) e intermediária exposição (ORc = 1,87; ORa = 2,17; p = 0,25). Para o
LDL, apenas para o modelo ajustado do grupo mais exposto , houve significância
60
estatística (p = 0,025), entretanto o modelo mostra que ocorreu uma diminuição da
chance de alteração nos níveis séricos no modelo ajustado (ORc = 7,69; ORa = 4,07).
O modelo ajustado mostrou que para o HDL, a magnitude do risco manteve-se,
e não houve significância estatística. Para os aos triglicerídeos, risco aumentou no
modelo ajustado para ambos os grupos (grupo 1: ORc = 0,45 e ORa= 2,21; grupo 2:
ORc = 0,60 e ORa = 1,34), apesar da ausência de significância estatística para o modelo
ajustado (p = 0,350; p = 0,690).
61
Tabela 06: Associação entre variável de exposição e alterações em marcadores hepáticos por regressão logística
Grupo
Marcadores hepáticos
TGO TGP GGT
ORc (IC95%) p-valor ORaa (IC95%) p-valor ORc (IC95%) p-valor ORab (IC95%) p-valor ORc (IC95%) p-valor ORac (IC95%) p-valor
1 0,45
0,317 0,72
0,791 3,03
0,80 1,08
0,908 4,07
0,007 1,36
0,61 (0,096 - 2,137) (0,065 - 8,021) (0,875 - 10,508) (0,289 - 4,042) (1,476 - 11,245) (0,412 - 4,526)
2 0,71
0,543 1,55
0,676 2,15
0,183 0,78
0,684 2,99
0,21 0,81
0,707 (0,237 - 2,133) (0,197 - 12,235) (0,697 - 6,651) (0,232 - 2,609) (1,184 - 7,567) (0,269 - 2,436)
3 1 _ 1 _ 1 _
62
Tabela 06 (continuação): Associação entre variável de exposição e alterações em marcadores hepáticos por regressão logística
Grupo
Marcadores hepáticos
Fosfatase alcalina
Albumina Colesterol total
ORc (IC95%) p-valor ORad (IC95%) p-valor ORc (IC95%) p-valor ORae (IC95%) p-valor ORc (IC95%) p-valor ORaf (IC95%) p-valor
1 0,94
0,897 0,85
0,81 0,54 0,358 3,47
0,330 4,10
0,004 4,19
0,037 (0,359 - 2,454) (0,766 - 93,823) (0,147 - 2,001) (0,284 - 42,433) (1,568 - 10,704) (1,093 - 16,065)
2 0,72
0,463 5,69 0,143 0,80
0,650 4,15
0,221 1,87
0,185 2,17
0,25 (0,305 - 1,717) (0,556 - 58,157) (0,305 - 2,097) (0,424 - 40,680) (0,741 - 4,708) (0,580 - 8,100)
3 1 _ 1 _ 1 _
63
Tabela 06 (cont.): Associação entre variável de exposição e alterações em marcadores hepáticos por regressão logística
Grupo
Marcadores hepáticos
HDL LDL Triglicerídeos
ORc (IC95%) p-valor ORag (IC95%) p-valor ORc (IC95%) p-valor ORah (IC95%) p-valor ORc (IC95%) p-valor ORai (IC95%) p-valor
1 0,77
0,568 0,62
0,318 7,69
<0,001 4,07
0,025 0,45
0,162 2,21
0,350 (0,308 - 1,907) (0,238 - 1,593) (2,784 - 21,212) (1,190 - 13,942) (0,149 - 1,376) (0,419 - 11,662)
2 0,68
0,301 0,76
0,508 2,42
0,092 1,51
0,521 0,60
0,221 1,34
0,690 (0,323 - 1,418) (0,344 - 1,695) (0,865 - 6,785) (0,432 - 5,248) (0,270 - 1,354) (0,322 - 5,533)
3 1 _ 1 _ 1 _
a - Ajustado para nascimento em Cidade dos Meninos , faixa etária e IMC.
b - Ajustado para faixa etária.
c - Ajustado para nascimento em Cidade dos Meninos , faixa etária e uso de álcool.
d - Ajustado para faixa etária, uso de álcool e IMC.
e - Ajustado para sexo, faixa etária e IMC.
f - Ajustado para sexo e faixa etária.
g - Ajustado para sexo e nascimento em Cidade dos Meninos.
h - Ajustado para sexo e faixa etária.
i - Ajustado para nascimento em Cidade dos Meninos , faixa etária, sexo e uso de álcool.
64
7. DISCUSSÃO DOS RESULTADOS
Os resultados do presente estudo apontam fraca ou nenhuma associação para
alterações em enzimas hepáticas provocadas por exposição a organoclorados.
Entretanto, merece especial destaque para tal exposição e para as alterações em
colesterol e lipidiograma.
O fígado é essencial para o metabolismo e armazenamento do colesterol
(Schinoni, 2006), pois os hepatócitos sintetizam e secretam lipoproteínas de densidade
muito baixa que são convertidas em outras lipoproteínas séricas: o HDL – lipoproteína
de alta densidade e o LDL- lipoproteína de baixa densidade, as quais são as principais
fontes de colesterol para o organismo humano (Kutchi, 1998).
O colesterol é ainda precursor dos hormônios esteróides, dos ácidos biliares e
da vitamina D. (Sposito et al, 2007).
As lipoproteínas permitem a solubilização e transporte dos lipídeos. Existem
quatro grandes classes de lipoproteínas separadas em dois grupos. O primeiro grupo é
composto por lipoproteínas maiores e menos densas, representadas pelos quilomícrons,
de origem intestinal, e pelas lipoproteínas de densidade muito baixa (VLDL), as quais
são de origem hepática. O segundo grupo é formado por lipoproteínas ricas em
colesterol de densidade baixa (LDL) e de densidade alta (HDL).
O LDL é responsável pelo transporte de lipídeos de origem hepática. Já o HDL
é formado no fígado, no intestino e na circulação.
Os poluentes orgânicos persistentes – POPs (dentre os quais estão os
organoclorados) são predominantemente carreados pela porção lipídica do sangue (Lee,
et al, 2001). Os organoclorados são compostos biologicamente persistentes, e que
tendem a se bioacumular em humanos e animais que estão no topo da cadeia alimentar
(Bergonzini et al, 2009). Alguns mecanismos bioquímicos e toxicológicos dão pistas
para a plausibilidade biológica na associação entre a ação dos desreguladores
endócrinos e alterações da função hepática.
A estrutura dos OC nos permite dividi-los em 5 categorias:
Hexaclorooctahidronaftalenos (aldrin, dieldrin e endrin), Canfenos clorados (
Endossulfan, clordano, heptaclor, toxafeno), difeniletanoclorados (DDT, DDD, docofol
e metoxiclor) e hexaclorociclohexano.(Mendes, R. , 2007). Todos os organoclorados
podem ter absorção respiratória, digestiva e dérmica e sua principal via de eliminação é
65
a biliar (ATSDR). Os organoclorados parecem induzir a formação de radicais livres no
organismo humano. (Douki, T et l. 1999 e Ferrrari et al. 2001).
Junqueira et al. (1988) evidenciaram que a administração de lindano em ratos
aumenta os níveis de P450 hepáticos, a quantidade de radical superóxido, corroborando
a idéia de que organoclorados podem induzir estresse oxidativo. O radical superóxido
pode ser escrito como O2-. ou O2- e é formado após a primeira redução do O2. O
radical superóxido ocorre em quase todas as células aeróbicas e é produzido durante a
ativação máxima de neutrófilos, monócitos, macrófagos e eosinófilos, podendo levar à
lesão celular secundária a sistemas geradores de O2-. (Halliwell et al. 1990)
Roden et al(1997) observaram que no tecido hepático cirrótico de ratos ocorre
maior atividade metabólica de radicais livres. Santos ( 1999) evidenciou que o lindano
administrado a ratos induz um aumento nos níveis de citocromo P450 hepático
associado ao aumento dos níveis de lipoperoxidação conseqüente ao aumento da
geração de radical ânion superóxido pelo retículo endoplasmático em ratos. Samanta e
Chaini (1997) estudaram a ação do HCH em frangos com menos de 30 dias de idade,
observando peroxidação lipídica apenas em frações subcelulares do fígado. Esses
resultados tiveram uma correlação positiva tendo a idade como parâmetro.
A geraçäo de radicais livres correlaciona-se fortemente à injúria hepática,
principalmente quando associada ao consumo do álcool etílico. Este induz a aumento na
peroxidaçäo lipídica por dois mecanismos: maior produçäo de espécies reativas de
oxigênio e/ou diminuiçäo dos níveis dos antioxidantes endógenos. Em ratos, Jordão
Junior et al (2002), investigatam o efeito do etanol sobre a peroxidaçäo lipídica
plasmática e hepática (medida por SRATB), vitamina E em plasma e fígado e glutationa
hepática. As concentrações hepáticas de SRATB e de glutationa foram maiores nos
animais que receberam etanol e as de vitamina E estavam diminuidas (Jordão Junior et
al, 2002).
As dioxinas ligam-se receptor proteico denominador Ah (AhR ou RAh), o que
resulta na ligação deste a uma sequencia de DNA. É possível que esse receptor ligue-se
a uma região regulatória para gene CYP 1A1, que possui o genótipo para uma das
enzimas do tipo citocromo P450. (Yamauchi, Kimb et al. 2006).
Oda et al (1999), ao estudar o as alterações ocorridas após exposição aguda
oral de ratos a alguns organoclorados, como o PCB (bifenilas policlorada) e DDT,
66
identificou que estes xenobióticos são capazes de elevar o peso do fígado e os níveis
séricos de colesterol, sem ocorrer alteração de peso corpóreo.
Os autores ainda reportaram que a exposição a estes compostos, levou a
indução das atividades da 3-hidroxi-3-metilglutaril coenzima A redutase (HMG-CoA), e
da nicotinamida adenina dinucleotídeo fosfato (NADPH), o que pode ser responsável
pela hipercolesterolemia e esteatose nestes ratos.
Apesar destes compostos, assim como outros xenobióticos (por exemplo, o
fenobarbital), aumentarem o colesterol sérico e lipídios hepáticos, aumentarem ainda os
níveis séricos de triglicerídeos e diminuir os de HDL; o mecanismo de indução destas
enzimas é desconhecido (Oda, 1999; Lee et alt ,2011).
Sabe-se que a biossíntese do colesterol no fígado de mamíferos é regulada
principalmente através da enzima microssomal HMG-CoA redutase, que catalisa a
velocidade da reação. A atividade desta enzima é regulada por um mecanismo
envolvendo inicialmente um feedback negativo causado pelo colesterol; por uma
degradação e estabilidade da enzima e e mRNA para a HMG-CoA redutase,e por ultimo
pela modificação da ação desta enzima pelos processo de fosforilação, pelo tiol e
substratos (Oda, 1999).
Os organoclorados são disruptores endócrinos, e estão associados com o
desenvolvimento de síndrome metabólica ( caracterizada pelo aumento da concentração
de tiacilglicerol e pela baixa concentração de HDL) e diabetes mellitus tipo 2. São
substâncias hormonais ativas, que imitam a ação natural de hormônios, como os
tireoideanos e estrógenos. (Dirinck et al, 2010).
Há evidências de que a exposição por poluentes orgânicos persistentes (POP)
podem desempenhar um papel importante no desenvolvimento de diabetes do tipo 2.
Recentemente, alguns estudos relataram que as concentrações séricas de alguns POP,
em particular os organoclorados (OC) e bifenilas policloradas (PCBs) com a ocorrência
de diabetes tipo 2 nos EUA (1-3). Uma informação particularmente importante para a
situação da população estudada, qual seja, um grupo exposto cronicamente a baixas
doses, é o fato de que as evidências atuais dizem que a exposição a POPs em doses
baixas, semelhantes aos atuais níveis de exposição da população, aumentam o risco de
diabetes, enquanto uma dose maior POPs não aumentam o risco (Lee, 2010),
semelhante ao conhecidos efeitos de baixas doses de desreguladores endócrinos
(Welshons, 2003; Daston, 2003).
67
No paradigma atual para diabetes tipo 2, a obesidade resulta de um
desequilíbrio de energia, resistência à insulina da obesidade, e a exaustão das células
beta pancreáticas por superprodução de insulina para compensar a resistência à insulina,
o que em última análise, progride para o diabetes (Lee, 2007). Na verdade, a exposição
a pesticidas OC e PCB tem sido descrita como associada à resistência à insulina e
dislipidemia, mesmo entre as pessoas sem diabetes (Lee, 2007; Kamaus, 2009). Em
conjunto, estes resultados sugerem que baixas doses de OC e PCB podem desempenhar
um papel na importante na diabetogênese e falhas no metabolismo, mesmo nas suas
fases de desenvolvimento.
É importante ressaltar que diferentes tipos de POPs foram diferencialmente
associado com vários aspectos da desregulação metabólica. Por exemplo, p, p'-DDE
predispõe, aparentemente, a um aumento do IMC, aumento dos triglicérides, diminuição
do HDL-colesterol e aumento do HOMA-IR (Lee, 2010). Por outro lado, trans-nonaclor
é mais fortemente associado com o desenvolvimento de diabetes, mas não o IMC, HDL-
colesterol, e HOMA-IR apesar de trans-nonaclor presidpor o aumento dos triglicerídeos.
Portanto, o p, p'-DDE pode ser influente no desenvolvimento de condições de pré-
diabéticas, enquanto trans-nonaclor pode ser mais importante na progressão da
resistência à insulina e ao diabetes tipo 2.
Similar às associações entre baixa dose de POPs e diabetes tipo 2, os
mecanismos subjacentes às associações entre POPs e distúrbios na glicose e
metabolismo lipídico têm sido pouco estudado. Por exemplo, a afinidade para receptor
de hidrocarboneto aromático (Ahr) não parece estar diretamente associada com um
papel importante mecanicista nos distúrbios metabólicos. Os distúrbios do metabolismo
glicídico e lipídico devidos a POP parecem exigir, pelo menos, duas condições; dose
baixa e persistência. Como as concentrações séricas de POPs, especialmente dos
organoclorados, diminuíram durante várias décadas, fruto das proibições em larga
escala no mundo, baixas doses de POPs são mais frequentemente encontradas hoje do
que intoxicações ou contaminações em altas doses. Pelo fato de que os POPs foram
liberados no meio ambiente desde os anos 1950, e em larga escala no mínimo até
meados dos anos 70, pode-se supor que os sujeitos de estudo tenham sido expostos a
esses produtos químicos. Portanto, tanto em termos de dose de exposição e de duração,
a população de estudo pode estar em maior risco de desenvolver alterações de glicose e
68
metabolismo lipídico por POP do que eram anteriormente nas populações gerais (Lee,
2011).
Além disso, a explosão e a iminência da pandemia da obesidade contribuiu
para piorar o problema, porque as associações entre POPs individual e diabetes tipo 2
tem sido observadas somente entre as pessoas obesas. Além disso, a exposição a
xenobióticos, tais como POP, pode contribuir para o desenvolvimento da obesidade.
Finalmente, os resultados observados no homem podem ser explicados pelos
efeitos do POPs que trabalham em conjunto. Combinações de desreguladores
endócrinos são capazes de produzir efeitos significativos, mesmo quando cada
substância química está presente em baixas doses que, individualmente, não induzem
efeitos notáveis (Kortenkamp, 2010). À medida que a população em geral está
simultaneamente exposta a uma mistura de várias centenas de POPs, um efeito de
cocktail devido a POP misto pode ser importante. Portanto, em dose baixa POPs podem
estar envolvidos no desenvolvimento da obesidade, dislipidemia, e resistência à
insulina, embora POP diferente podem dizer respeito a diferentes características
metabólicas. À medida que a população em geral é simultaneamente exposta a vários
POPs através do consumo de alimentos, nossas conclusões sobre POPs podem ajudar a
explicar por que essas anormalidades metabólicas tendem a ocorrer como um cluster.
Junto com achados de Lee ( 2010) sobre o diabetes tipo 2, a exposição do fundo de
POPs podem ajudar a explicar a recente epidemia de obesidade, síndrome metabólica e
diabetes.
Compostos organoclorados (OCs), incluindo bifenilas policloradas (PCBs),
hexaclorobenzeno (HCB), p, p'-diclorodifeniltricloretano (p, p'-DDT), e seu metabólito
mais estável, o diclorodifenildicloroetileno (p, p'-DDE), são substâncias biologicamente
persistentes por serem extremamente lipofílicos. Assim, o termo poluentes orgânicos
(POP) foi também cunhado para indicar que estes compostos, caracterizados pela
elevada lipofilia e tendência para distribuir para os tecidos em relação ao seu teor de
gordura. Tem sido sugerido que o coeficiente de partição de OCs entre o sangue eo
tecido adiposo corresponde à relação de teor lipídico nestes tecidos (Haddad et ai.
2000). Ultimamente, a discussão sobre a associação entre o metabolismo lipídico e a
concentração de organoclorados é tão importante que estudos mais robustos têm
recomendado a normalização de suas concentrações séricas por lipídeos no soro total
69
(TSL) (Phillpi et al, 1989). Isto levaria a uma melhor comparação dos resultados
analíticos, em particular quando obtido em não-jejum.
A soma de lipídeos totais é determinada por colesterol total, triglicérides e
fosfolipídios. No entanto, a maioria dos laboratórios de química clínica não costuma
determinar fosfolipídios séricos. Phillips et ai. (1989) propôs uma fórmula simplificada
para prever a concentração TSL a partir das concentrações séricas de colesterol total e
triglicérides. Esta fórmula foi obtida a partir da regressão linear entre o colesterol e
fosfolípides de uma amostra de 81 pessoas e no pressuposto de que cerca de 73% do
colesterol do soro foi em uma forma esterificada. A partir daí, duas fórmulas
alternativas foram propostas após a avaliação de amostras de estudo maiores (483 e 617
indivíduos, respectivamente) (Covaci et al 2006;. Rylander et al 2006). Modelos de
regressão linear foram aplicados a estes grandes conjuntos de dados para estimar as
relações entre a soma das concentrações séricas de triglicérides e de colesterol, e a soma
das concentrações séricas de todas as fracções lipídicas. Covaci et al. (2006) sugeriram
que a fórmula Phillips conduziria a uma estimativa excessiva do conteúdo TSL,
conduzindo assim a uma subestimativa de lipídeo ajustado níveis de CO. Mais
recentemente, falhas críticas na abordagem da Covaci têm sido divulgadas (Bernert et
al. De 2007). Fato é que Bergonzi et al (2009) determinaram os níveis de colesterol,
triglicérides e fosfolipídios com ensaios enzimáticos em amostras de soro de 121
indivíduos que vivem em uma área poluída do norte da Itália. Nas mesmas amostras e
sobre um conjunto adicional de 69 mulheres grávidas da mesma área, determinou-se
também bifenilas policloradas, hexaclorobenzeno e p, p'-DDE. Nas mulheres, os
compostos foram determinados também em amostras de tecido adiposo. Este estudo
permitiu afirmar que as fórmulas possibilitam um ajuste válido de compostos
organoclorados no soro. O algoritmo proposto por Phillips et al (1989) fornece alguma
ligeira vantagem sobre os outros, em termos de simplicidade de utilização.
Esta discussão sobre a relevância na concentração de lipídios totais e colesterol
e a concentração sérica de OC não é consensual. Portas et al (2009) apontou que as
correlações séricas entre OC e lipídios totais e entre OC e colesterol total são
moderadas, enquanto as correlações entre OC e triglicerídeos foram fracas.Observaram
ainda que as concentrações não ajustadas de p, p'-DDE não foi significativamente
correlacionada com qualquer medida de lipídios. Neste estudo, apenas uma pequena
parte da variabilidade na concentração sérica de OC foi atribuída aos lipídios, de forma
70
que a correção de lipídios pode ser inadequado, desnecessário ou de pouca importância,
em comparação com pacientes com as maiores concentrações de OC. Estas observações
levantam dúvidas sobre a relevância prática de corrigir a concentração de OC por
lipídios.
Como muitos outros estudos epidemiológicos (Porta et al., 2008 e Covaci et al.,
2006), o estudo de Porta et al (2009) não mediu fosfolipídios. Ou seja, os seus
resultados deixam em aberto a possibilidade de que medidas alternativas de lipídios
totais ou de frações lipídicas diferentes poderia ser útil para corrigir os OCs por lipídios.
Os resultados contribuem para a literatura escassa sobre as razões e os meios
para associar concentrações séricas de OC e lipídios. Pesquisa sobre correção de lipídios
das concentrações sanguíneas de agentes lipofílicos ambientais, como os
organoclorados (Porta, 2001, Wolff et al., 2005, Wolff et al., 2007 e Schisterman et al.,
2005) devem, portanto, continuar a ser desenvolvido num contexto mais amplo que
integra a influência dos sintomas clínicos, procedimentos e prazos de extração de
sangue em ambos os lipídios e os compostos lipofílicos (Porta et al., 2009).
Finalmente, o fato de que as concentrações de organoclorados em misturas,
como o que ocorre em Cidade dos Meninos, não são independentes, é geralmente
conhecido por ter implicações importantes para estudos sobre os mecanismos com o
objetivo de elucidar o papel etiopatogênico de cada composto (Glynn et al., 2001,
Glynn et al., 2000, Moysich et al., 1999, Gladen et al., 1999, Gladen et al., 2003,
Masuda et al., 2005 e Cogliano, 1998). As implicações específicas, no entanto, são
muitas vezes menos claras, em particular quando a influência de lípidos é considerada.
A este respeito, Porta et al (2007) pondera algumas questões. Por exemplo, a
necessidade de ajustar um dado OC 1 por outro OC 2 pode geralmente ser mais forte
nos estratos de menores concentrações de triglicerídeos, e mais fraco quando as
concentrações de triglicerídeos são maiores. Além disso, poderia ser necessário nas
análises considerar a seguinte possibilidade: enquanto que o efeito causal de um dado
OC 1pode variar de acordo com as concentrações de colesterol e de triglicéridos , o
efeito de OC 1 pode, de fato, ser modificado por OC 2 (Gladen et al., 1999). E vice-
versa: o risco de OC1 pode ser modificado por lipídios. Embora lógico, esta segunda
possibilidade pode ser menos comum do que a primeira, uma vez que é também claro
que as correlações de OCs com o colesterol e os triglicéridos são muitas vezes mais
fraca do que as correlações de OCs entre si. (Porta et ai., 2002b, Moysich et al. , 2002 e
71
Laden et al, 1999). Este fato precisa ser considerado quando se discute os métodos mais
apropriados para ajustar para lipídios (Rylander et al, 2006 e Covaci et al, 2006) e
estabelecer a correlação entre eles.
72
8. CONCLUSÃO
O presente estudo buscava estimar a magnitude da associação entre a
exposição ambiental a organoclorados e alterações de marcadores hepáticos.
Os dados sócio-demográficos do presente estudo mostram que a população é
predominantemente do sexo masculino, de faixa etária maior de 20 anos, com IMC
adequado.
Apesar do número total de casos não poder ter sido completamente avaliado,
devido à falta de informações em muitas variáveis, pode-se observar que a grande
maioria dos casos apresentava níveis normais dos marcadores hepáticos e de colesterol
total, HDL, LDL, e triglicerídeos.
Uma maior avaliação e identificação de associação entre estas alterações dos
níveis séricos dos marcadores hepáticos e a exposição aos OC foi dificultada pela falta
de informações colhidas em muitas variáveis (missing), o que também dificultou a
inserção de todos os indivíduos avaliados nos grupos de exposição criados.
Houve dificuldades em mensurar o quanto a exposição aos compostos
organoclorados pode ter contribuído para as alterações encontradas. Isso de deve a falta
de informações sobre os níveis séricos dos compostos, doenças auto-referidas, práticas
de atividade física; além na não realização de preparo dos indivíduos antes dos exames
(por exemplo, realização dieta hipolipídica antes do exame, ou não realizar coleta de
sangue no período pós-prandial), que são fatores que poderiam aumentar as chances de
encontrar níveis alterados de enzimas hepáticas e no perfil lipídico.
Não havia dados tanto sobre a prevalência da ocorrência de hepatites virais,
quanto sobre o status vacinal naquela população. Em casos de hepatite aguda, as
enzimas AST/TGO e ALT/TGP aumentam 25 a 100 vezes acima do normal, começando
a se elevar uma semana antes da icterícia e normalizando-se três a seis semanas de curso
da doença. Já em casos de hepatite crônica, elas não ultrapassam quinze vezes o valor
normal. Em hepatites virais, a fosfatase alcalina pouco se altera; e a GGT eleva-se em
hepatites alcoólicas, tóxico-medicamentosas e virais (MS, 2009).
Não houve condições de avaliação de lesão hepática, pois os critérios para
lesão hepática são dois: o aumento superior a duas vezes o valor de referência da TGP
ou da bilirrubina conjugada sérica, ou um aumento combinado da TGO, fosfatase
alcalina, e bilirrubina total, desde que o resultado de pelo menos uma das dosagens seja
superior a duas vezes o valor de referência (Schinoni, 2006). Não foi realizado o exame
73
para a avaliação de bilirrubina, o que impossibilitou também a avaliação da ocorrência
ou não de lesão hepática.
Apesar das limitações, foi identificado que os indivíduos mais expostos aos
compostos organoclorados, presentes na localidade de Cidade dos Meninos,
apresentavam mais alterações nos níveis séricos de LDL e Colesterol total. Entretanto,
para os demais marcadores hepáticos, após a elaboração da regressão logística, não foi
encontrada significância estatística para os grupos de exposição. Este achado é coerente
com os mecanismos toxicológicos dos organoclorados, que interferem no sistema
endócrino ao realizar feedback negativo na síntese de hormônios esteroidais,
especialmente o estrogênio, e com isso interferindo também no metabolismo lipídico.
Futuros estudos, portanto, precisam avaliar esta associação para corroborar ou refutar
nossos achados, para que se possa estabelecer o exato caminho pelo qual os
desregularores endócrinos alteram a função hepática.
74
9. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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Cronograma
Abril - Dezembro
2011
Janeiro
2012
Fevereiro
2012
Março
2012
Abril
2012
Levantamento de referencial bibliográfico X X
Elaboração do projeto X X X
Qualificação X X
Tratamento e análise dos dados X X
Elaboração do relatório final X X
Defesa X X