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Luana França e Mariani Venancio Ressurgimento e popularização nas redes sociais digitais

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Miolo projeto experimental do curso de Jornalismo do Centro Universitário FIEO - UNIFIEO. Por Luana França e Mariani Venancio 2012/2

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Luana França e Mariani Venancio

Ressurgimento e popularização nas redes sociais digitais

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CapaImagem: Denice Barlow Brown

Projeto Gráfico, Diagramação e Ilustrações*Designer: Adriana Dantas Mastelli

FotografiaAcervo pessoal Márcia AbreuSite Oficial Caio Fernando AbreuMariani VenancioJoão Vicente RibasLuana França

OrientaçãoPaula Cristina VenerosoMonica Rugai Bastos

RevisãoPaula Cristina Veneroso*Algumas ilustrações são partes da imagem de capa, outras são inéditas e baseadas no estilo da autora da capa.

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“ A Maria Luiza, a Dona Malu. Aquela que é o amor da minha vida e a melhor mãe que eu poderia imaginar nesse mundo, por sua paciência surreal, os lanches da madru-gada e seu amor incondicional. Eu te amo tanto que nem sei o quanto, mommy. Obrigada por sempre!A Delminha, que jamais deixou de acreditar, de incentivar e que foi um pouco minha mãe também. E, por fim, a Luana. Inacreditavelmente insuportável e infinitamente companheira. A outra metade do sonho

“ Agradeço à minha mãe Delma pela compreensão, carinho, amor, confiança, força e acima de tudo, pelo apoio. Obrigada por fazer parte e me ajudar completamente na conquista deste objetivo. Te amo! À minha família que me apoiou nas minhas escolhas, obrigada por todos os conselhos.Agradeço também à dona Maria Luiza - mãe da Mary -, mais conhecida como dona Malu, uma incrível pessoa que ganhou minha admiração ao longo desses 4 anos. E também a minha parceira, Mary. Obrigada por construir esse sonho comigo! Então, agora mais do que

Obrigada por nunca deixar de acreditar”.Mariani Siqueira Venancio

nunca, “Que seja doce” – CFA”. Luana Moreira França

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Este livro é produto de um Trabalho de Conclusão de Curso apresentado como exigência para a obtenção do título de Bacharel em Comuni-cação Social – habilitação em Jornalismo, junto ao UNIFIEO – Centro Universitário FIEO no ano de 2012. Não será utilizado para fins comerciais.

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Bússola

I PRIMAVERA ......................................................................10I.1 Eu curto, tu curtes, eles curtem... Todos curtem. .....................12I.2 Deslike.

A propagação desenfreada de conteúdo nas redes ...................................16

II VERÃO ...............................................................................20II.1 O mito.

A [Re]criação de novos escritores a partir das redes ................................22

II.2 O boom – Caio na rede ..............................................................28II.3 Cult x Pop

O oficial versus o da internet ...............................................................46

III OUTONO ...........................................................................62III.1 Porta-retratos ..............................................................................64

IV INVERNO ..........................................................................74IV.1 Quem sou eu?

Uma análise de 3 pessoas a partir de seus perfis nas redes .......................76

lV.2 Sabe o Caio F.? ............................................................................82IV.3 A missão

O foco da Associação Amigos do Caio Fernando Abreu ..........................98

V AS QUATRO ESTAÇÕES ..................................................102V.1 Um Caio para chamar de meu. .................................................104V.2 Cartomante. ................................................................................112

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Ascendente

Não lembro exatamente quando eu percebi que Caio viria a ser conhecido, muito conhecido e admira-do. Mas isto sempre foi uma certeza, pois o mundo de Caio era especial.

Desde criança, lá no interior do Rio Grande do Sul, onde morávamos, ele já demonstrava uma inquie-tude, curiosidade e indagações meio incomuns naqueles tempos de sentimentos reprimidos. Sempre inventando suas estórias e querendo conhecer lugares distantes.

Escrever, para ele, foi uma forma de tentar enten-der o mundo e principalmente a si mesmo.

Onde o destino mais tranquilo seria casar, ter fi-lhos, talvez ser um professor de Letras, pois escreveu desde sempre, preferiu se lançar ao mundo. Como quem dá um salto no escuro. Foi. Mas sempre voltava. Para re-carregar as baterias, dizia, “porque é da própria raiz que o ser vivo arranca sua energia”, escreveu em uma crônica de 1995 no Jornal Zero Hora: “A Raiz no Pampa”.

Era uma alegria e uma festa quando chegava, fi-cava descalço, queria pisar na grama, tomar chimarrão, comer os quitutes que nossa mãe fazia. Sentar na calça-da à noite para ver estrelas. Depois, em Porto Alegre, ir ao teatro e à Feira do Livro, ficar vendo filmes de terror na televisão. Ou eu ia a São Paulo visitá-lo em uma ca-sinha da rua Mello Alves, onde havia um gato chamado Vita, flores na janela e música tocando sempre.

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Nós, os irmãos, quando ele vinha, o enchíamos de perguntas, ávidos por suas histórias. E assim, nos servindo de janela para lugares e pessoas que não co-nhecíamos, era uma espécie de “Internet” para nós. Se queríamos saber dos últimos filmes, discos, livros, es-petáculos de teatro, pergunta pro Caio. Quem os artis-tas do Rio de Janeiro e São Paulo estavam namorando, política, injustiças sociais, o que estava na última moda, pergunta pro Caio.

E ele sabia, desde as questões mais filosóficas e existencialistas às mais prosaicas e amenas. E este talvez seja um dos motivos da sua perenidade até hoje: a busca incessante por respostas para aplacar as dores da alma humana, na qual era especialista. Tem um poder de comunicação com seus leitores de mostrar aspectos da vida que não são percebidos pela maioria das pessoas.

O mundo pode evoluir em muitas áreas, princi-palmente nas tecnologias, o que sem dúvida é ótimo, mas as pessoas, desde que o mundo é mundo, como o próprio Caio dizia, só querem duas coisas: amar e ser felizes. E isto não vai mudar nunca.

Márcia de Abreu Jacintho

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Os quatro elementosNa década de 80, Caio Fernando

Abreu era considerado cult - que possui grupo de fãs ávidos. Muitas dessas pesso-as o denominavam como o “maldito dos anos 80″, por escrever tudo o que lhe vi-nha à cabeça, Caio se entregava de corpo e alma. Hoje, 16 anos depois de sua morte, tornou-se pop, e citado por muitos como um homem romântico, que escreve coisas bonitas, que dialoga, que dá dicas. Esse é o Caio Fernando Abreu versão 2011/12 – Re-des Sociais Digitais.

As redes sociais digitais foram o pri-meiro passo para essa explosão repentina e deturpada de Caio. Uns começaram a pos-tar frases, outros imagens acompanhadas de citações e, em pouco tempo, só se falava em Caio F, tornando-o, praticamente, um ícone literário das redes.

Caio é bem mais que um apaixonado.

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Ele amava o simples fato de viver. E o me-lhor, não tinha medo de se expressar, sabia o que queria, mesmo entrando em contradi-ção, esse era o seu jeito.

A questão é que Caio Fernando passou a ser tratado como um romântico incurável pela massa internauta. Todos citam o autor, mas quem o conhece de fato?

É importante ressaltar que Caio F trata sim de temas como abandono, angústia e re-lacionamentos, mas o que mais chama aten-ção é o fato de escrever sobre pessoas em sua forma mais crua.

Caio era sim desbocado. Caio falava sim de amor, assim como falava de sexo, música, cultura, dor e felicidade. Caio falava de vida. Da vida.

Existem infinitos “Caios Fernando” por trás das frases de efeito e, pode ter certeza, vale a pena procurar um pra chamar de seu.

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“ Veio num sonho, certa noite. Ela o amava. Ele a amava também. E ainda que essa coisa, o amor, fosse complicada demais para compreender e deta-lhar nas maneiras tortuosas como acontece, naque-le momento em que acontecia dentro do sonho, era simples. Boa, fácil, assim era. Ela gostava de estar com ele, ele gostava de estar com ela. Isso era tudo”. Caio Fernando Abreu – Onírico/Ovelhas Negras

Primavera

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I.1 Eu curto, tu curtes, eles curtem... todos curtem

Junior, Pedro e Marcos, amigos de faculdade, sentem necessida-de de contar para todos o que se passa com eles. Pedro é o mais desi-nibido nessa questão. Ele diz o que está fazendo, o que está comendo, a que horas vai malhar, quantos pesos conseguiu erguer na academia, a peça de roupa que comprou no último final de semana, o horário e lugar que vai com a namorada. Quando não é de forma explícita, di-zendo tudo nos mínimos detalhes, é de maneira implícita, seja através de trechos de músicas, de textos ou até compartilhando alguma ima-gem ou foto, por incrível que pareça, percebe-se que o jeito implícito de compartilhar alguma informação é sempre tentando falar algo de alguém – ou para alguém.

As pessoas querem deixar seu ponto de vista nas redes sociais digitais. Sentem a obrigação de mostrar para todos que elas estão ali, fazendo milhares de coisas, saindo, viajando, comprando, mostrar o que aconteceu na última festa, opinar sobre qualquer assunto. Parece que estão vivendo numa espécie de Big Brother digital. O que mais se vê nas telinhas são pessoas expondo suas necessidades e desejos ao mundo, sem nenhum tipo de restrição.

Para o filósofo e antropólogo Ronaldo Arnoni, esse insight de aparição tem nome. “Defendo a tese de que estamos vivendo uma es-pécie de ‘tirania da intimidade’, onde todos querem e desejam dizer tudo o que se passa consigo próprio o tempo todo. Isso não me parece novidade, o ser humano é assim, o fato é que o avanço tecnológico permitiu isso apenas agora na história. Nessa medida, é papel das redes sociais propagar informações de todos os tipos. Não é o que está sendo propagado, mas quem está lendo e o que faz com isso”, afirma.

A comunicação virtual mudou o comportamento e a postura das pessoas. E tende a mudar ainda mais, na internet não terão somente a op-ção de ler/ ouvir, irão comentar, dialogar, criticar e criar a própria notícia.

As redes sociais digitais, nova forma de comunicação, interação e propagação de ideias, chegaram e conquistaram muitos.

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O conceito de rede social digital não é tão novo quanto parece. Em 1968, J. C. R. Licklider e Robert W. Taylor - dois importantes nomes da área de computação dos Estados Unidos - escreveram o ensaio “O computador como dispositivo de comunicação”. No qual diziam que as comunidades on-line interativas seriam núcleos formados por pessoas geograficamente distantes, mas que teriam os mesmos interesses e objetivos.

De fato é o que vemos hoje.Comunidades virtuais formadas por pessoas que al-

mejam os mesmos interesses.A rede social digital mais popular no momento é o

Facebook, com 1 bilhão de membros. O site de relaciona-mento, fundado em 2004 por Mark Zu-ckerberg, anunciou no dia 4 de outubro de 2012 a nova quantidade de usuários.

O Brasil é o segundo país com mais usuários no Facebook, perdendo somente para os Estados Unidos. Em maio deste ano, o Brasil passou a Índia e tornou-se o segundo maior país no site de relacionamento. De acordo com os dados disponibilizados em junho deste ano pelo site de pesquisa Social Bakers, o Brasil tem mais de 50 milhões de mem-bros ativos no site.

O Facebook conquistou tanto o relacionamento social quanto o profis-sional. Muitas empresas usam a rede para divulgar seus produtos, conceitos e, principalmente, manter interação com

Facebook em números

Uma em cada sete pessoas na Terra acessa o serviço. Por dia, são registrados 3,2 bi-lhões de “likes” e comentários. 300 milhões de fotos são publi-cadas diariamente na rede: isso equivale a 21.000 vezes o ta-manho do arquivo de imagens da Biblioteca do Congresso Americano, que possui o maior acervo desse tipo no mundo.

Fonte: Vejahttp://veja.abril.com.br/noticia/vida--digital/facebook-uma-rede-de-1-bilhao--de-usuarios#arte1

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clientes e potenciais clientes.Muitos aplicativos estão sendo criados para facilitar o dia a dia

dos membros. Hoje é possível até pagar conta. O Bradesco é o primeiro banco com acesso à conta através do site de relacionamento. É possível consultar o saldo e pagar boletos de cobrança bancária sem precisar sair do Facebook.

É também no Facebook que Caio Fernando tem maior visibilida-de, e foi através dele que muitas pessoas conheceram o autor e começa-ram a propagar fragmentos de suas obras.

As ferramentas “curtir” e “compartilhar” foram – e continuam sendo - elementos principais na descoberta, no ressurgimento e na propagação desenfreada de Caio Fernando Abreu.

A estudante de Administração de empresas Franciele Paraiso (20) diz que conheceu o escritor por meio do Facebook. “Teve um mo-mento que percebi que todo mundo postava as frases do Caio. Quem é Caio? Será que é mais um efeito viral?”, lembra.

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I.2 Deslike A propagação desenfreada de conteúdo nas redes

As redes sociais substituíram o antigo “boca a boca”. Uma frase bem elaborada – ou não – pode render muitos comentários e compar-tilhamentos e atingir milhões de pessoas.

Para o jornalista e autor do livro Mídias Sociais na Prática, José Antônio Ramalho, “o poder de propagação das mídias sociais é tão grande que uma postagem num blog pode tornar-se notícia dos prin-cipais jornais em questão de horas”.

Um caso que surgiu através da internet e ganhou repercussão foi o vídeo caseiro dos irmãos Jefferson e Suellen.

A família Barbosa, mais conhecida como “para nossa alegria”, teve seu momento de fama. O vídeo de dois minutos e meio dos ir-mãos Jefferson e Suellen sentados no sofá da sala cantando a música gospel Galhos Secos, da banda Exodos, fez o maior sucesso na inter-net. O vídeo doméstico foi postado em março de 2011 e em menos de três meses teve mais de 20 milhões de acessos. Os irmãos – juntamente com a mãe - viraram celebridade em pouco tempo e tornaram-se as-sunto na mídia digital, impressa e televisiva.

A influência que a internet tem de manipular as pessoas é muito grande, basta acontecer algo, seja qual for o teor de sua significância, para virar um dos assuntos mais comentados.

Outro caso que surgiu nas redes sociais digitais e usou desse espaço público para propagar ideias foi a página Diário de Classe no Facebook, administrada pela estudante catarinense Isadora Faber, de 13 anos.

O objetivo da página é divulgar as ações e problemas da Escola Municipal Maria Tomázio Coelho, situada na Praia do Santinho, em Florianópolis.

Tal página ganhou repercussão tanto na mídia digital quanto na mídia televisiva e impressa.

A página foi assunto em grandes sites de notícia, além de ser escolhida entre 50 milhões de páginas no Facebook Brasil para par-

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ticipar da campanha “Um bilhão significa...”, em comemo-ração à margem de 1 bilhão de usuários. Isadora respon-deu: “Gostaria que estudantes do mundo inteiro tivessem direito e acesso a uma educação digna e moderna. Tenho certeza que, se todo mundo fizer um pouquinho, juntos po-deremos mudar a educação, e assim, deixarmos o planeta mais justo e melhor para todos”.

Diário de Classe foi criada em 11 de julho de 2012 e con-ta com mais de 329 mil curtidores, mais de 76 mil pessoas es-tão falando sobre a página, a semana mais popular foi a do dia 26 de agosto de 2012, a ci-dade com o maior número de seguidores é São Paulo e a faixa etária fica entre os 18 e 24 anos.

A ideia da página surgiu através do Blog da merenda, administrado pela estudante escocesa Martha Payne, de 9 anos. “Minha irmã me mostrou o blog da menina escoce-sa Martha, que mostra a merenda da escola dela, aí resolvi fazer de toda minha escola”, disse.

A propagação de informações sobre o que se passa dentro da escola gerou alguns problemas para a adolescente.

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No dia 18 de setembro Isadora foi intimada a prestar depoimen-to, juntamente com os pais, na 8ª Delegacia de Polícia da Capital, em Florianópolis (SC), após sua professora de português registrar um Bo-letim de Ocorrência (BO) por calúnia e difamação.

A acusação surgiu após uma postagem feita na página, na qual Isadora dizia que sua professora tinha dado uma aula sobre política e internet na intenção de humilhá-la na frente dos colegas de classe.

“Depois dos problemas com a polícia, meus pais estão supervisio-nando tudo, corrigindo alguns erros, mas a ideia das postagens é minha, eu faço o texto. No início era para mostrar a minha escola por dentro e cobrar consertos. Estou conseguindo muita coisa. Nunca pensei que ia dar toda essa repercussão. Pensei numas 100 curtidas”, disse.

Já no caso do Caio Fernando Abreu, a página mais popular no Facebook é a intitulada Caio F Abreu - com mais de 1,2 milhão de cur-tidores. Recentemente a página foi denunciada e derrubada, saindo ao ar no dia 4 de outubro após uma campanha virtual contra perfis falsos que usam da imagem do escritor para fazer propaganda de diversos produtos.

Um dia antes, a presidente da Associação Amigos de Caio Fer-nando Abreu (AACF), Liana Farias, postou em seu blog pessoal o tex-to “Caio Fernando Abreu: Oficial”, no qual fez um breve relato sobre o ressurgimento e a banalização da obra literária do escritor através das redes sociais digitais. E pediu a seus seguidores, aos leitores e fãs do Caio que, ao postarem algum fragmento da obra do escritor nas redes sociais, coloquem a citação da fonte, numa forma de protesto contra as páginas banalizadas.

Para fortalecer a campanha, a AACF criou a página Caio Fernan-do Abreu com frases devidamente acompanhadas da fonte.

Em 10 dias, 333 pessoas haviam curtido a nova página.É um trabalho de conscientização e preservação pela ética nas

redes sociais digitais. “Chega dessa bagunça generalizada”, diz Liana.Uma semana depois, a página Caio F Abreu voltou ao ar. Com a retirada, perderam-se todas as imagens publicadas, ou

seja, não há mais nenhuma propaganda.Assim que a página foi reativada, o administrador publicou: “Olá

galera, voltamos! Como vocês sabem o Facebook está tirando várias páginas do ar, mas ao explicarmos nossa situação acabaram reativando a nossa página! Uma pena que todas as fotos se perderam, mas não

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tem problema, recomeçamos do zero. Saudades”.O post obteve 2.710 curtidas, 229 comentários e 19 comparti-

lhamentos.Todos os comentários foram a favor e desejando boas vindas à pá-

gina. “Bem vindo, fez falta”; “Que bom que voltaram! Senti falta da co-munidade. Curto e compartilho muito de vocês”; “Estava com saudade”.

Algumas frases como: “É, o Face só tira as páginas legais, aquelas que só mostram porcarias ficam, vai entender!”.

Muitas pessoas questionaram por que a página havia sido tirada. E a resposta do administrador foi: “Não explicaram. Aliás, nunca ex-plicam, mas ao verificarem a página, não encontraram nada de errado! Graças a Deus estamos de volta”, respondeu.

Muitos pensam que o Caio está vivo, ou que ele é o dono da pá-gina. Uma curtidora comentou: “Você Caio, com suas pontuações nos aproxima e faz a ponte do mais próximo que chegamos a ser. Seja bem vindo!”, escreveu.

Toda semana a Associação recebe e-mails de pessoas que acham que o Caio está vivo, a maioria são curtidores de páginas como a Caio F Abreu. “Recebemos pelos menos cinco e-mails por semana - através do Site Oficial - e metade desses e-mails são de pessoas que não sabem que o Caio já morreu. Inclusive gente de prefeituras, querendo que ele dê palestra – já foram duas propostas desde março”, menciona Liana.

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Verão“ Fechando os olhos então, como um filme contra as pálpebras, eu conseguia ver três imagens se sobrepon-do. Primeiro o corpo suado dele, sambando, vindo em minha direção. Depois as Plêiades, feito uma raquete de tênis suspensa no céu lá em cima. E finalmente a queda lenta de um figo muito maduro, até esbor-rachar-se contra o chão em mim pedaços sangrentos”. Caio Fernando Abreu – Terça-feira gorda/ Morangos mofados

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II.1 O Mito A [re]criação da identidade de escritores a partir das redes

“Na quarta-feira passada, no quentinho solitário e despretensio-so de minha sala, descobri que estou sendo violentamente assaltada por jovenzinhas fofas de todo o Brasil. Senti o geladinho de uma arma pesada e impiedosa na minha nuca quando, em um ato egocêntrico – confesso –, digitei “Tati Bernardi” no Google e deparei com milhares de blogs, sites, fan pages, tumblrs e twitters com meu nome e rosto.”

É assim que a roteirista – e queridinha dos internautas - Tati Ber-nardi narra – através de uma crônica publicada na edição de julho de 2012 da revista Alfa - a forma como descobriu que seu nome vinha sendo atribuído a centenas de textos soltos pela rede mundial de com-putadores.

Tati é colunista da revista Alfa e roteirista do programa global Amor & Sexo e vem tendo o nome vinculado a uma infinidade de pá-ginas tanto no Facebook quanto no Twitter.

A maioria das páginas atribui à Tati a autoria de textos de autoa-juda e frases que ela diz que “nem alcoolizada, aos 6 anos, poderia ter falado ou escrito ou, sequer, ter pensado”.

Assim como a obra de Tati, a obra de Caio Fernando Abreu vem sendo amplamente divulgada nas redes e – também como no caso da roteirista – muitos textos têm sido conferidos a Caio sem ser de fato parte do seu acervo.

É fácil estar, digamos, passeando pela internet e encontrar uma frase ou um texto que transmita exatamente o que você está sentindo. Tudo bem, isso não é errado. Também não é errado copiar essa frase ou parte desse texto e publicar na sua timeline e nem colocar um “au-tor desconhecido” ao final, caso você não saiba de fato quem escreveu aquilo. O problema começa quando um amigo lê, curte e acredita já ter ouvido falar ou lido aquilo em algum lugar. “Acho que é Caio Fer-nando Abreu. Isso! É Caio Fernando.” Pronto! A bagunça começou.

Com esse suposto crédito, tal frase é compartilhada com mais sabe Deus quantas pessoas.

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Caio é confundido com Clarice, que se perde nas obras de Jabor, que dizem ser Mário Quintana, que tem textos atribuídos a Luís Fer-nando Veríssimo e, enfim, a essa altura ninguém mais sabe o que é de quem e, logo, quem é quem nessa confusão toda.

É exatamente assim que escritores consagrados da literatura nacional vêm tendo sua obra absurdamente perdida em meio a uma nova cultura digital que permite a divulgação de informações de forma incontrolável.

O problema maior é que essa atribuição equivocada acaba resul-tando na criação de uma nova identidade para esses escritores. Caio Fernando, por exemplo, acaba sendo tachado de conselheiro amoroso, um romântico incurável que sofre por dores de amor.

No caso de Tati Bernardi essa perda de identidade prejudicou di-retamente sua vida profissional. Na mesma crônica, a roteirista conta que chegou a perder trabalhos em razão de relações equivocadas de seu nome com textos que ela mesma considera péssimos.

O que acontece é que tem se tornado tarefa cada vez mais árdua manter o controle de todo tipo de informação depois que ela é lançada na rede. O ciberespaço oferece acesso direto a dados.

Esta possibilidade de interação é ainda maior em comunidades virtuais e redes sociais, haja vista que nestes espaços a possibilidade de encontrar um grande número de pessoas ao mesmo tempo é maior, podendo estruturar verdadeiras tribos e grupos de sujeitos com liber-dade para discutir qualquer tema e compartilhar informações. (SAN-TANA, 2009)

De acordo com Henrique Gandelman, “são vários os aspectos do ciberespaço (bits) que atingem frontalmente os conceitos básicos de direito autoral.” (2007, p. 184).

Dentre esses aspectos podemos destacar a facilidade de produ-ção e distribuição de informação, a liberdade de expressão direta de tais informações, a alteração de textos originais e a assimilação ilícita de textos e imagens disponíveis no universo digital.

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Não podemos deixar de lado a questão positiva dessa propaga-ção. Mesmo que de forma equivocada e a partir de obras que podem não ser parte do seu acervo, todo esse alvoroço em volta do nome de Caio Fernando Abreu também trouxe consequências positivas para seu reconhecimento.

Em março de 2012 fomos até a Li-vraria Cultura do Conjunto Nacional. Nosso foco era encontrar livros do Caio e algumas publicações que nos ajudas-sem a contextualizar a questão das redes sociais. Um dos livros que mais procu-ramos inicialmente foi Para sempre teu, Caio F., da jornalista e amiga do Caio, Paula Dip. O livro estava esgotado havia cerca de dois meses e não existia prazo para reedição.

Procuramos em outras livrarias, na internet, em sebos, e nada! O mais inacreditável é que quase todos os li-vros escritos por – ou para – Caio estão disponíveis para download em uma in-finidade de sites, mas a única coisa que encontramos sobre o livro de Paula Dip foi um capítulo citado em uma matéria da revista Época.

Na época conseguimos localizar quatro títulos escritos por Caio – Morangos Mofados, Ovelhas negras, Caio 3D e Fragmentos - disponíveis no acervo da livraria. O sistema contava com mais quatro obras cadastradas, mas sem previsão de reposição.

Em outubro de 2012, voltamos à mesma Livraria Cultura. Era sábado e, como de costume, o local estava lotado. A intenção inicial era localizar o livro Os dragões não conhecem o paraíso, sucesso da dé-cada de 1980.

Para nossa surpresa, quando o Ricardo – responsável pelo acervo de literatura nacional da unidade - digitou ‘Caio Fernando Abreu’ na ferramenta de busca pelo estoque do local foram encontradas mais de 20 obras cadastradas. Cerca de 10 estavam disponíveis e, entre elas,

Capa do livro Para sempre teu, Caio F., de Paula Dip

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finalmente localizamos o Para sempre teu, Caio F.. - Ó, não conta pra ninguém, mas esse aqui eu roubei da colega.

Estava na reserva.- Não, calma! É sério? Não acredito! Ricardo, você é o cara! Mui-

to obrigada! Para Márcia Abreu, irmã de Caio, não há como controlar o que

caiu na rede. A família não tem acesso às informações sobre downloa-ds e nem aos royalts referentes a eles. Ela acredita que “essa fama toda ainda não refletiu nas vendas dos livros, mas um pouco já dá para ver, do ano passado pra cá, já deu pra notar uma elevação nas vendas.”

Caio é bastante estudado em mestrados e isso tem grande in-fluência na presença de conteúdo sobre ele na internet. Com isso, as editoras vêm relançando parte de sua obra, fazendo com que o volume de exemplares disponíveis cresça em comparação ao período anterior a essa “explosão” nas redes sociais.

É fato que na internet as pessoas acabam “transformando-se” em algo que em sua essência não são, e não estamos dizendo que isso seja proposital, mas acaba acontecendo diante das inúmeras interpretações erradas que podem surgir a partir de uma atualização nos perfis pessoais.

Da mesma forma como essa interpretação equivocada transfor-ma e dá uma nova cara aos usuários da rede, a fragmentação de obras e textos – como citamos anteriormente - recria a identidade do autor e atribui a ele conceitos e características que quase sempre não são parte da sua bagagem literária.

Caio Fernando tem seu nome vinculado a centenas de frases que – expostas da forma como são – atribuem a ele uma imagem detur-pada e muitas vezes avessa àquela que realmente poderia classificá-lo.

Se um perfil qualquer levando o nome de Caio Fernando Abreu publica uma frase do tipo “Nada em mim foi covarde, nem mesmo as desistências. Desistir, ainda que não pareça, foi meu grande gesto de coragem”, vinculada a uma imagem bonita de uma pessoa refletindo em frente ao mar, é fácil para o leitor interpretar aquilo como resquício de um texto de autoajuda. E não há quem possa recriminar o usuário por fazer tal interpretação equivocada.

No geral, a grande massa cita Caio Fernando como autor de tex-tos românticos, melosos e cheios de corações transbordando, e é exa-tamente aí que entra o questionamento sobre o quanto quem cita Caio conhece Caio.

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A grande maioria dos contos do escritor é constituído por seu jeito desbocado de ser e é dessa forma que ele trata temas como sexo e dores de amor. Sim, ele fala de amor, mas que fique bastante claro que isso não o torna um romântico.

O amor é a peça chave da vida e da essência de Caio Fernando Abreu. No que parece ser o prólogo de Os dragões não conhecem o paraíso ele mesmo diz:

“Se o leitor quiser, este pode ser um livro de contos. Um livro com 13 histórias independentes, girando sempre em torno de um mes-mo tema: amor. Amor e sexo, amor e morte, amor e abandono, amor e alegria, amor e memória, amor e medo, amor e loucura.”

Caio conta a vida da forma como ele viveu, da forma como ele viu e ouviu. E, para constatar isso, basta ler uma das inúmeras cartas escritas por ele aos amigos como forma de desabafo, de desintoxicação.

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II.2 O boom - Caio na rede

De acordo com a pesquisa que realizamos entre setembro/outu-bro/de 2012 o Facebook contava com cerca de 200 páginas destinadas ao escritor Caio Fernando Abreu.

A mais popular delas, intitulada Caio F Abreu (http://www.fa-cebook.com/CaioFernandoOficial), conta com mais de um milhão de curtidores.

No começo do mês de outubro de 2012 a página saiu do ar. A “derrubada” foi ocasionada por campanha promovida pela Associação Amigos do Caio Fernando Abreu.

Cerca de uma semana depois a página voltou a ser atualizada.

Não se sabe ao certo qual foi o argumento utilizado pelos adminis-tradores para defender a retomada da página, mas, na primeira opor-tunidade, a descrição foi alterada com o que parecia ser uma indireta às denúncias dos envolvidos na campanha. Dias depois, os adminis-tradores voltaram a alterar a descrição da página. A frase da vez é a unanimidade do Facebook: “Que seja doce.”

Mais ou menos três semanas depois, a página voltou a sair do ar.

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Com essa nova “queda”, a página mais popular passou a ser a in-titulada Caio Fernando Abreu (http://www.facebook.com/SoUmSenti-mento), com 1,7 milhão de curtidores.

Pelo nome que a página leva originalmente (Só um sentimento, como indicado na parte superior da imagem abaixo) e pela divergên-cia de informações encontradas na home da página, poderíamos ima-ginar uma possível manipulação de números.

De acordo com dados coletados na página (conforme imagem abaixo) Caio Fernando Abreu conta com 16.510 mil curtidores, já em outro quadro (Opções “Curtir”) a indicação é de 1,7 milhão de pessoas.

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Os administradores da página Caio Fernando Abreu também são responsáveis pelo @CaioFAbreuCitou – perfil mais popular dedicado ao escritor no Twitter, com mais de 470 mil seguidores (https://twitter.com/caiofabreucitou).

Em uma atualização do dia 31 de outubro de 2012, foi pu-

blicado no twitter – e automaticamente no Facebook através de uma ferramenta que “linka” uma conta à outra – a seguinte frase: “NOOOOOOOOOOOOOSSA, acabei de SEGUIR o @AstrosLumi-nosos e GANHEI 3OO SEGUIDORES, vai PERDE essa? Só PRECISA seguir pra GANHAR #retweet”

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Entramos novamente na questão da manipulação de números, já que não é segredo para ninguém que já foram desenvolvidas diversos aplicativos com a finalidade de aumentar os seguidores de perfis no twitter, porém não se tem notícias de algo parecido no Facebook.

O alcance das publicações dessas páginas é tão grande que cada imagem é compartilhada mais de 2 mil vezes. O tempo em que tal propagação ocorre também chega a ser assustador. Em uma de nossas pesquisas, conseguimos visualizar uma postagem que, em cerca de 2 minutos, uma imagem teve mais de 900 curtidas e foi compartilhada por mais de 450 pessoas.

Cerca de quatro dias depois a mesma imagem já havia alcançado 2,7 mil curtidas e sido compartilhada por 1,1 mil pessoas.

Encontramos a página Nem Clarice Nem Caio Fernando Abreu (http://www.facebook.com/NemClariceNemCaioFernandoAbreu). Com 53 curtidores, esse perfil está longe de ser dos mais populares, mas o que chamou nossa atenção foi tanto a foto de capa da página quanto a descrição colocada nela.

A foto traz uma montagem com uma imagem da escritora Clari-ce Lispector e a frase “Meu saco já está explodindo de ver tanta porca-ria que vocês postam em meu nome nesta merda.”

A descrição genialmente escrita diz: “Cansou das mesmas frases melosas e sem sentido nenhum para a sua vida, mas você compartilha porque acham elas ‘bonitinhas’? Pois é, aqui é a mesma coisa.”

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Essa página é destinada única e exclusivamente à trollagem – ter-mo utilizado na internet que significa “sacanear algo ou alguém”.

Todas as imagens postadas têm frases que, obviamente, não fo-ram escritas nem por Caio e nem por Clarice e que só visam criar uma espécie de sátira às publicações das outras páginas.

Uma das publicações mais cômicas foi a imagem publicada em 10 de maio de 2012. Nela, a imagem de Clarice Lispector aparece ao lado do trecho da música do extinto grupo baiano Babado Novo: “Safa-do! Cachorro! Sem vergonha! Eu dou duro o dia inteiro e você colchão e fronha.”, com o nome da escritora embaixo.

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Já a Caio foi atribuída a autoria da frase “Sou simples mas eu te garanto eu sei fazer o lê lê lê”, sucesso da dupla sertaneja João Neto e Frederico.

As tatuagens em “homenagem” a Caio Fernando Abreu têm ga-

nhado destaque, principalmente na página Caio Fernando Abreu (http://www.facebook.com/pages/Caio-Fernando-Abreu/246500782064820) no Facebook. Como já citamos, a frase favorita os curtidores é “Que seja doce”, fragmento do conto Os dragões não conhecem o paraíso presente no livro – homônimo - Os dragões não conhecem o paraíso.

As fotos enviadas à página têm lugar cativo e reservado no álbum intitulado “Tatuagens de fãs com frases de Caio Fernando Abreu”.

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Curtidores fazem comentários do tipo “Perfeitaaaaaaaaaaa” e uma série de perguntas em relação a como a tatuagem foi feita, pe-dindo dicas de lugares e referências tipográficas utilizadas na escrita da frase.

Algumas pessoas optam por colocar a frase acompanhada por um desenho que, na concepção delas, represente tal frase. Algumas, porém, preferem utilizar-se somente do fragmento da obra.

No caso do exemplo abaixo, dá para entender por que não existe ilustração, né? É bem provável que tenha sido por falta de espaço mesmo.

Já a imagem abaixo dispensa comentários adicionais. Fica difícil entender o que está escrito. E, o mais interessante, é que o mesmo de-senho foi utilizado por mais duas pessoas.

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Os comentários nas postagens são dos mais diversos tipos, mas o “Liiiiiiiindo”, “Perfeeeeeeeeeeeito” e “Você é incrível, Caio!” são em disparado os termos mais utilizados.

Outra característica forte das páginas – teoricamente – destina-das ao autor é a relação estabelecida entre fragmentos da obra e ima-gens que dão a ideia do relacionamento afetivo entre pessoas. Ou seja, a relação Caio e o amor.

Pode-se dizer que 70% das frases postadas são acompanhadas por uma imagem de um homem e uma mulher, um coração ou os dois juntos.

Nesse caso, os curtidores optam por marcar – ou citar – pessoas às quais dedicariam tal publicação.

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A presença de outros autores também é grande nas publicações da página “Caio F. Abreu”. Clarice Lispector e Martha Medeiros são os nomes mais citados pelos administradores da página.

Pegando um gancho nas indicações, após a retomada da página, Caio F Abreu tem se apegado muito na citação de outra página, nesse caso, Diário de uma paixão – referência ao livro de Nicholas Sparks, sucesso de vendas no mundo inteiro e considerado um dos best sellers pelo The New York Times.

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Da mesma forma, a página utiliza o espaço para divulgar, citar e direcionar os leitores a outros sites que, na esmagadora maioria das vezes, não têm nenhum tipo de ligação com Caio Fernando Abreu.

Antes da “derrubada” citada no início no capítulo, era possível encontrarmos centenas de fotos acompanhadas por links direcionados a sites de compra ou de jogos, porém, assim que a página voltou ao ar, todas essas – e as outras – imagens divulgadas anteriormente foram excluídas pelo próprio sistema do Facebook.

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O forte apelo sentimental também se faz presente nas publica-ções da página Caio F Abreu.

Os administradores da página costumam publicar imagens de crianças doentes, animais abandonados, pessoas hospitalizadas e coi-sas do tipo, pedindo para que os leitores curtam a foto para ajudar de alguma forma.

Já na página Caio F. Abreu (Ah, tinha que ser do Caio) (https://www.facebook.com/prasemprecaio), sete de cada 10 frases postadas atualmente não têm nenhuma relação com o escritor. A imensa maio-ria das publicações é destinada à divulgação de outras páginas, e as frases são de diversas autorias, quase nunca devidamente creditadas pelos administradores.

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Essa página foi criada em janeiro de 2012 e conta com cerca de 34 mil curtidores. A opção “info” da página não oferece maiores dados sobre o alcance das publicações ou o contato dos administradores.

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Indo mais fundo nas publicações iniciais, é possível perceber que houve uma grande mudança tanto na abordagem quanto no con-teúdo do que é postado na chamada timeline da página, mas, como informado anteriormente, não foi possível um contato com os admi-nistradores para entender o porquê de tais mudanças.

Em outubro de 2012 a página Caio Fernando Abreu foi criada com a intenção de citar as obras do autor acompanhadas dos devi-dos créditos. A ideia surgiu da Associação Amigos do Caio Fernando Abreu (AACF) e a página é administrada diretamente pela presidente da Associação, a jornalista Liana Farias.

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Criada em 1 de outubro de 2012, a página conta com 399 cur-tidores, o que nos leva novamente a uma comparação direta com a página mais curtida da rede, aquela citada no início do capítulo, com mais de 1 milhão de likes.

Com uma abordagem bem diferente das mais comuns, a pági-na, que pode ser considerada a “oficial”, traz as obras de Caio também fragmentadas, porém acompanhadas dos devidos créditos.

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Outra diferença facilmente notada é que os administradores optaram por utilizar poucas imagens - pelo menos por enquanto. A maioria das frases são postadas diretamente na timeline.

O alcance das publicações também é bastante divergente. A cada novo post, a quantidade de pessoas que curtem e/ou compartilham a publicação é absurdamente menor que as curtidas/compartilhadas das demais páginas.

É claro que isso se deve à diferença na quantidade de curtidores, mas não há como não citar o quanto isso leva a uma discussão mais aprofundada sobre a questão do “banal atrair mais as pessoas”.

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Com todas essas constantes mudanças, não há como saber exa-tamente quantas páginas – entre perfis e aplicativos – existem no Face-book destinadas a ou com o nome de Caio Fernando Abreu. O número torna-se instável por conta da criação quase que diária de novos perfis e páginas.

Ao digitar “Caio Fernando Abreu” na caixa de pesquisas, uma avalanche de opções surge na tela e o mais impressionante é a quan-tidade de pessoas que curtem as mais variadas páginas e aplicativos.

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II.3 Cult x Pop O oficial versus o da internet

“Ele era muito inteiro e intenso em tudo o que vivia e fazia. Com seus afetos, seja família, seja amigos (muitos!) era atento e atencioso, presente, sensível. Quanto ao trabalho, o que realmente importava era sua arte de escritor, o que ele realmente gostava e queria fazer. O jor-nalismo era sua forma de se sustentar, mas fazia isso muito bem, e com algum prazer também. Mas se envolvia com isso somente o necessário para sobreviver”, disse Amanda Costa - amiga de Caio.

Caio é considerado por muitos como “intenso”, tanto para quem teve a oportunidade de conhecê-lo pessoalmente, para leitores ávidos de sua obra, quanto para os admiradores de seus fragmentos nas redes sociais digitais.

Se estivesse vivo, Caio completaria 64 anos no dia 12 de setembro de 2012 e em comemoração ao seu aniversário a Associação Amigos de Caio Fernando Abreu (AACF) realizou um pequeno evento em um es-paço chamado “Cidade da Bicicleta”, localizado no bairro Menino Deus, em Porto Alegre. Na realidade o evento acabou se transformando em um encontro entre familiares, amigo, leitores e admiradores do escritor.

Acabamos nos tornando parte desse encontro quando pegamos a ponte aérea São Paulo – Porto Alegre e fomos conferir de perto o tra-balho que a AACF tem em divulgar e propagar os trabalhos do Caio.

O evento estava marcado para o meio-dia. Chegamos ao local um pouco cedo, por volta das 10h e, como não havia ninguém por lá, resolvemos dar uma volta pelo bairro. Como o dia estava bastante quente e ficar andando com as mochilas pesadas estava se tornando uma tarefa bem desconfortável, nos informamos sobre a existência de um shopping ou coisa assim e acabamos indo parar em um shopping chamado Praia de Belas.

Caio, que era admirador da astrologia, da força da natureza, das coi-sas mais simples da vida, iria ficar feliz com o tempo que figurava o seu dia - a data do seu nascimento. Mesmo a chuvinha fina que caiu no final da tar-de não fez com que o tempo mudasse, a temperatura continuou a mesma.

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“Faz uma semana que está chovendo aqui em Porto Alegre, todo dia chove no final da tarde”, diz Nilza, leitora e admiradora de Caio.

Por volta do meio-dia as pessoas foram chegando, cumprimentan-do-se umas às outras, algumas já se conheciam e conversavam entre si.

A irmã do escritor, Márcia Abreu Jacintho, e o advogado da As-sociação, Marcelo Sgarbossa, foram os primeiros a chegar ao local. Fo-ram ajeitando as coisas, arrumando as cadeiras, deixando à vista dos convidados materiais sobre o Caio, como livros, fotos, revistas, artigos.

Formamos um círculo na sala da “Cidade da Bicicleta” – que na realidade é uma casa que pertence ao primo do Marcelo. “Aqui é um espaço chamado ‘Cidade da bicicleta’, formalmente é a casa de um primo meu que é médico e mora no interior e comprou aqui para fazer um in-vestimento. A ideia dele é destruir tudo isso aqui e construir um prédio. Ele comprou há uns quatro anos e vem raramente a Porto Alegre, então ele disse: ‘Marcelo, se tu quiser usar enquanto eu não precisar, tu pode usar’. Isso já faz dois anos. Então, o que que eu fiz? Fui no universo de ciclistas aqui em Porto Alegre e disse: ‘Olha, eu tenho uma casa lá, quem quiser usar ...’ Então, tem umas dez ou quinze pessoas que têm a chave aqui da casa e aqui funcionam muitas coisas ao mesmo tempo. O que funciona regularmente mesmo é a Oficina Comunitária, que é aquela oficina ali atrás em que toda segunda-feira as pessoas vêm aqui aprender a mexer na sua própria bicicleta e um ensina o outro sem cobrar nada. Ela funciona na base de doações de peças e materiais das oficinas que não usam mais e eles dão pra gente. Mas já teve encontro, debates, festas com mais de 500 pessoas”, explicou Marcelo.

Cerca de 15 pessoas compareceram ao encontro. Entre elas esta-va Márcia, irmã do escritor - que hoje vive na cidade de Novo Ham-burgo, também em Porto Alegre -, e dois sobrinhos do Caio.

Nos apresentamos – informalmente mesmo -, com informações básicas como nome, idade, cidade, o que conhecia e/ou que chamou mais atenção nas obras do escritor.

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Em seguida foram lidas algumas cartas que Caio havia enviado para a família e amigos. Após as leituras eram realizados comentários. As pessoas mais próximas do escritor deduziam qual sentimento ele po-deria estar vivenciando no momento em que escrevera as cartas/ textos.

O bate papo durou cerca de duas horas.O evento foi propício para conhecer o Caio amigo, família e es-

critor. Acabamos descobrimos que ele era uma pessoa muito apegada à família e aos amigos. Uma pessoa generosa e cuidadosa com o outro.

“Quando eu ia para a casa dele em São Paulo, ele dava a cama dele para eu dormir, ele não admitia. Eu dizia: ‘Mas Caio, eu sou pe-quena, tranquilo, qualquer lugar’, e ele não aceitava. Me dava o quarto com o banheiro junto, coisa mais querida, super gentil sempre, enchia a geladeira, deixava bilhetinho...”, lembra Amanda.

Foi uma sorte imensa em conhecer a Amanda Costa, que além de amiga próxima era também astróloga do Caio.

Amanda, moradora de Porto Alegre, conheceu as obras do es-critor, através do livro O Ovo Apunhalado, em 1975. O que despertou mais o seu interesse na literatura foi o trabalho com a linguagem: a prosa poética muito particular - cheia de sonoridades e sutilezas, as imagens, os climas, a força dos temas e a forma como juntava coisas aparentemente díspares.

A partir de então foi pegando gosto pelo estilo próprio da escrita de Caio. Suas obras favoritas, entre tantas, são O homem e a mancha (dramaturgia); Onde andará Dulce Veiga? (romance); Os dragões não co-nhecem o paraíso, Triângulo das águas e O ovo apunhalado (contos).

Amanda, de leitora ávida, passou a ser amiga do escritor. Tudo aconteceu naturalmente em 1985, na Jornada Literária de Passo Fun-do. “O encontro ocorreu de uma forma muito simples e natural, come-çamos a conversar como velhos amigos. O link inicial foi a Astrologia e o fato de termos ambos estudado com a Dona Emmy, a astróloga Emma de Mascheville. Depois, tudo fluiu entre cartas, São Paulo e Porto Alegre”, disse.

Amanda sabe muita coisa sobre o escritor, além da amizade, do convívio - que nem sempre era próximo, muitas vezes preenchido por cartas -, teve a oportunidade de realizar um trabalho de mestrado so-bre a astrologia nas obras do Caio.

“A ideia começou a surgir com o primeiro livro que li, O ovo apunhalado, inicialmente por identificar muito simbolismo e mito.

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Com a leitura dos outros, sobretudo os posteriores a este, a presença da Astrologia foi ficando mais forte e mais explícita. Com a leitura de Triângulo das águas, a ideia saltou na minha frente, prontinha. Se antes a Astrologia já aparecia como algo significativo na obra do Caio, agora se tornava evidente e confirmado, pois neste livro Caio declaradamen-te utilizava o simbolismo astrológico na sua construção, sobretudo quanto à trilogia do elemento Água.

O esboço da minha dissertação de mestrado nasceu em 1988, quando fazia o mestrado em teoria da literatura na PUCRS. Naquela época ainda não havia sido feito nenhum trabalho acadêmico sobre a literatura do Caio, pelo menos em termos de mestrado e doutorado. Infelizmente, em função de problemas pessoais, não consegui termi-nar o trabalho. Mas a ideia permaneceu em mim. Muito tempo de-pois, resolvi retomar a vida acadêmica e fiz outro curso de mestrado na UFRGS, que concluí em 2008 com a dissertação de mestrado 360 Graus - uma literatura de epifanias: o inventário astrológico de Caio Fer-nando Abreu. Em 2011 editei esse estudo para a publicação em livro, com patrocínio do Fumproarte.

O título 360 Graus é uma homenagem ao Caio, pois esse é o nome de um projeto que ele tinha, o de escrever um volume para cada um dos quatro elementos, assim como fez com Triângulo das águas.

Meu trabalho aborda a obra completa do Caio publicada em livro até 2008. Peças, romances, crônicas. Ficaram fora somente outros traba-lhos que estão sendo publicados atualmente. Em 2012, um livro de crôni-cas e também o único livro de poemas, praticamente todos inéditos, que está para sair até o final deste ano. Depois que terminar o doutorado, pre-tendo escrever sobre a Astrologia nesses textos também”, retratou.

O sobrinho mais velho do escritor, o fisioterapeuta Rodrigo (27), conta que é muito criticado por ser sobrinho do Caio e ter lido apenas uma obra, As frangas – livro infantil. “Não sei, todo mundo me critica e eu sempre respondo a mesma coisa, pra mim ele não é esse baita es-critor que todo mundo fala, pra mim ele é meu tio, pra mim ele sempre vai ser o tio Caio”, disse.

Márcia de Abreu: Mas agora vai começar a ler, risos.Rodrigo: Eu tenho que começar a ler, risos.Amanda: É, mas tudo tem o seu momento. Fisioterapeuta, uma coisa mais direta com as pessoas, do cuidar,

é virginiano também?Rodrigo: Sim.

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Amanda: Ah, legal. Virgem é um signo que tem uma relação bem forte com a cura. Legal tu ter escolhido essa profissão. As profis-sões do cuidar têm uma intuição natural sobre o que tem que ser feito, como fazer, uma relação forte com a natureza também, é um lugar bom para se nutrir de energia, como o Caio fazia quando precisava descansar, se recuperar, ele buscava uma praia ou um outro lugar. Até o livro Triângulo das Águas, quando ele parou um tempo de trabalhar e foi para Santa Teresa no Rio de Janeiro, ele achava que lá era um lugar onde ficaria mais relaxado do que em São Paulo. Essa foi uma exceção completa, porque ele tinha recebido um valor bem razoável com Morangos Mofados, único livro de vendas mesmo, que ele pôde dar uma respirada boa com o trabalho literário, pois ele sempre viveu do jornalismo. É um livro diferente dos outros, ele não fazia conces-sões em Triângulo das Águas. O editor queria: “Ah, faz outra coisa, uma linha sexo, drogas e rock and roll”. Ele quebrou os pratos com o editor: “não vou fazer, nunca vão me comandar, mandar como eu devo fazer meu trabalho”. E a reação foi Triângulo das Águas, um livro que tem um conto, Dodecaedro, que é um texto complexo, tem um personagem para cada signo astrológico, é todo simbólico. É um texto difícil, muitas pessoas não conseguem ir adiante nesse livro por causa desse conto. Mas, o Pela Noite, que é o último texto, é bem diferente e mais aproximado de o Morangos Mofados. Imagina o que o Caio diria se ele estivesse, não só continuado aqui entre nós, como também se ele pudesse ter curtido mais os resultados das coisas dele e pudesse se de-dicar mais. Ele tinha muitos projetos que não teve tempo de continuar.

Além da astrologia, Caio gostava muito de flores, sabores e bici-cletas. Sempre que sobrava um tempinho dava umas voltas de bicicleta pelo bairro Menino Deus. Gostava tanto que volta e meia retratava em suas obras.

Amanda leu o trecho de uma carta escrita em 22/12/1979:“Aqui em casa está bom, é sempre um bom astral, não adianta

eu criticar ‘olha um virginiano falando – risos’, o astral ótimo deles independe da opinião que eu possa ter a respeito ‘não é fantástico?’. Minha irmã Cláudia ganhou uma Caloi 10 de Natal do noivo, Jorge, e eu me apossei dela, hoje mesmo dei umas voltas incríveis pelo Menino Deus. Márcia está bonita, assim com ar de Mila Moreira. Zael, o pai cozinhando, hoje faz arroz com passas para o jantar”, leu.

Marcelo Sgarbossa: Que legal.

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Amanda: O Caio volta e meia fala das comidas também, ele fazia as comidinhas dele.

Márcia de Abreu Jacintho: Ah, ele fazia.Amanda: Principalmente o arroz integral. Quando entrava uma

grana de trabalho ele queria ir comer um camarão do Tirol. Ele comia bem e não poupava, se quisesse convidar alguém para sair para comer, ele pagava, não deixava a gente pagar, ele andava sempre duro, mas não tinha essas coisas, não era um cara mesquinho.

Caio disse em muitas das entrevistas que concedeu que se não fosse escritor seria jardineiro. Costumava plantar flores no jardim da casa de seu pai, sua flor preferida era a rosa. Ele tinha três roseiras, no-meadas por: Odete Lara, Lygia Fagundes Telles e Mãe Sônia de Apará (mãe de santo amiga dele). Era uma rosa branca, uma vermelha e a outra amarela.

“Ele trocou uns livros com a cidade de Holambra, em São Paulo. Lá tem muitas flores, então ele enviou alguns exemplares de um livro dele que foi traduzido em Holandês, acho que foi Dulce Veiga, e eles mandaram várias mudas de plantas/ flores. Ele plantou e floriu tudi-nho no jardim”, recorda Márcia.

A família era o seu ponto de equilíbrio, queria estar sempre per-to de todos e quando estava junto queria sair, viajar e quando estava fora queria voltar para perto deles. “Ele tinha essa relação ambígua”, menciona Márcia.

Segundo a astrologia da Amanda, o Caio está em um momento de expansão. “Caio está em um momento, nestes últimos dois anos, num aspecto do planeta Júpiter, que é o planeta da expansão que está em Vênus interligando ao ramo editorial, da comunicação, e ele está em oposição que é 180º em um momento como se fosse uma lua cheia, é uma cheia de Júpiter, como Júpiter Natal do Caio que é em Sagitá-rio, então chama atenção que houve certo hiato e de repente em 2011 foram lançados dois livros sobre a obra do Caio. Esse meu 360º, sobre astrologia na obra do Caio, e o Caio Fernando Abreu e o cinema, do Fa-biano de Souza. É um grande livro, excelente trabalho”, disse.

Caio era muito querido pelas pessoas. Tinha um coração muito bom, amava intensamente, amava acima de tudo sua família e os ami-gos, não pensava muito no depois, vivia o presente, retratava o próprio eu nas suas obras, retratava a vida como ela é, como ela poderia ser.

“O Caio era uma pessoa muito amorosa com a família. Quem

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não o conhecia, ou quem lê apenas alguns textos acha que ele era lou-co. De onde ele estivesse, no exterior ou em São Paulo, ele mandava cartas, ele mandava cartões, se ele pudesse vir ele vinha sempre, no Natal, aniversários da mãe e do pai. Apesar de às vezes estar ausente, ele sempre se fazia muito presente com os irmãos, com a mãe e com o pai. Com a mãe ele tinha um contato bem intenso, ele dizia que ela era uma super mãe, que ele queria ter sido um super filho pra ela. Com o pai era um pouquinho mais distante, mas no final ele resgatou essa relação, ele se aproximou bastante do pai em Porto Alegre, quando estava mais doente, e foi muito bom isso, o pai passava as tardes no hospital com o Caio e se tornaram bem próximos mesmo. Era muito legal essa relação dele com a família”, relatou Márcia.

Ele não tinha medo de narrar os sentimentos, os valores éticos, os sabores, as características das pessoas. Assim como era repleto de muito amor, abusava e ousava em textos - na palavra propriamente dita – “pesados”. É isso mesmo, às vezes, sem muito pudor, retratava o sexo em todas as suas formas, descrevia os gestos, as sensações, os tatos e quem sabe até o paladar.

“Me penetras por trás como uma cadela, a grande cabeça roxa da tua pica encharcada pela minha saliva. Só fico de quatro, como gostas, depois de hastear tua bandeira no mínimo a meio pau, batendo acima do umbigo rendido de eletricista. Carpinteiros, ergam bem alto o pau da cumeeira! Grito rindo arreganhada enquanto molho lençóis e mor-do fronhas e teu leite grosso escapa de dentro de mim para melar coxas e pentelhos.” (Caio F Abreu - Noite de Santa Teresa).

Fala de drogas e bebidas também.“Fui rever Midnight Cowboy depois da escola. Já havia visto no Bra-

sil, mas naquela época era pura ficção. Agora não, parecia minha própria vida, só que um pouco piorada. Fumei um e fiquei dando voltas no Hyde Park sem ter a menor ideia de onde estava, em que cidade, que país, só sabia que era um país sujo.” (Caio F Abreu – Lixo e purpurina).

Muitos de seus textos foram vetados pelas editoras ou censura-dos pela direção do Instituto Estadual do Livro – RS.

Um dos casos foi o texto “O escolhido”, escrito para o Jornal do Brasil, uns dias antes do segundo turno das eleições para presidente, em 1989. Caio escreveu sobre Fernando Collor, e o escritor Márcio Souza sobre Lula da Silva, ambos com base em material de arquivo sobre a infância dos dois candidatos. “No dia marcado, os textos não

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saíram. Liguei para o JB e o editor informou: a direção do jornal consi-dera o texto altamente ofensivo. Meses depois foi publicado no bravo e breve jornal alternativo Verve”. (Caio F Abreu – O escolhido).

“– Ouro – o menino sussurrou. – Ouro e poder, você quer?Ele não disse nada.- Não só um apartamento ou uma simples casa - o menino sus-

surrou ainda mais baixo, mais perto.- Um país inteiro, você quer?Ele não disse nada.- Todas as cabeças, os corpos também. Dos velhos tão velhos que

precisam apoiar-se em bengalas para caminhar, dos bebês recém-nas-cidos que ganharão o seu nome, em sua homenagem (...)

Ele não disse nada.- Para possuir todos, você foi o escolhido – o menino disse. E

curvando-se mais: - Pense bem, Fernando. Vou perguntar pela última vez. Tudo isso você quer?

Ele voltou a cabeça até mergulhar os olhos no verde sem limites dos olhos do outro. E aceitou:

- Quero.” (Caio F Abreu – O escolhido)Para não falar que nunca, esse tipo de fragmento sobre drogas,

bebidas e sexo explícito são bem difíceis de encontrar nas redes so-ciais digitais.

O Caio que através das redes se tornou pop acabou ganhando outra denominação diferente do que realmente era. Passou a ser visto por muitos como um “conselheiro romântico”.

“Acho que ele era uma pessoa carente e ao mesmo tempo român-tica, que sentia falta de muita coisa”, respondeu uma “curtidora” do Caio nas redes sociais, Roseane Gomes (23).

Pesquisa realizada com vinte e seis membros que curtem, com-partilham e divulgam frases do Caio no Facebook revelou que: a maioria das pessoas que propagam fragmentos do escritor são mu-lheres entre 18 a 25 anos, residentes no estado de São Paulo, 80% conheceu as obras por meio das redes sociais digitais e o qualificam como um escritor intenso.

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Página Caio Fernando Abreu no Facebook• 401.438 pessoas curtiram a página.• 15.582 pessoas falando sobre isto.• A semana mais popular foi a de 11 de dezembro de 2011.• A cidade mais popular é São Paulo.• A faixa etária está entre 18-24 anos.

Página Caio F Abreu & Clarice Lispector no Facebook• 305.573 pessoas curtiram a página.• 32.261 pessoas falando sobre isto.• A semana mais popular foi a de 9 de setembro de 2012.• A cidade mais popular é São Paulo.• A faixa etária está entre 18-24 anos.

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Página Caio F Abreu no Facebook• 1.288.428 pessoas curtiram a página.• 512.663 pessoas falando sobre isto.• A semana mais popular foi a de 26 de agosto de 2012.• A cidade mais popular é São Paulo.• A faixa etária está entre 18-24 anos.

Página Caio Fernando Abreu no Facebook• 225.792 pessoas curtiram a página.• 11.467 pessoas falando sobre isto.• A semana mais popular foi a de 29 de janeiro de 2012.• A cidade mais popular é São Paulo.• A faixa etária está entre 18-24 anos.

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Perguntados, os curtidores entrevistados* responderam como eles acham que era o Caio, através do que é postado nas redes:

“Eu acho que ele é um escritor diferenciado, fala de todos os tipos de assunto, é uma pessoa autentica em suas palavras, pra mim ele é um dos melhores escritores, quase um sábio”, respondeu a estudante de contabilidade Paloma Garcia (21), de São Paulo.

“Para mim o Caio era uma pessoa sensível e introspectiva que se ma-nifestava menos através da fala e mais através das palavras escritas”, disse a estudante de jornalismo Renata Victor (33), de São Paulo.

“Uma pessoa sensível”, falou a estudante de enfermagem Amanda Coutinho (19), de São Paulo.

“Um homem carinhoso, romântico, inteligente, realista, um ótimo escritor”, disse a estudante de direito Natália Alves (20), de São Paulo.

“O Caio é tudo, Inteligente, sincero o máximo”, disse Ana Carla Ramos (32), do Maranhão.

“Um poeta, simples assim. Um poeta a gente não acha, sente apenas...”, respondeu Ana Maria (51), do Rio de Janeiro.

“Muito intenso, ao mesmo tempo tinha uma constante procura por si”, falou Sidinalva Santos (29), da Bahia.

“Altruísta e cheio de hombridade”, mencionou o estudante de jornalismo Paulo Fernando Nasclima (23), do Mato Grosso.

“imagino que era uma pessoa que além de extremamente inteligente, simpático, verdadeiro, sensível, do tipo de pessoa que dá valor as coi-sas pequenas. Sabe?”, disse a estudante de administração Franciele Paraiso (20), de São Paulo.

“Uma pessoa Inteligente, Culta. Que sabia sobre a vida e sabia escre-ver sobre ela”, respondeu Carlos Masen (19), do Rio de Janeiro.

*Os textos foram reproduzidos conforme escritos pelos internautas.

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A professora e administrado-ra Georgia Simone (41), de Manaus/ Amazonas, proprietária da página Caio Fernando Abreu, começou a ler os textos do Caio em blogs há três anos quando passava por depressão. “Caio era intenso, vivia suas paixões sem medo, mergulhava de cabeça, investia no amor e eu também sou assim”, disse.

A página foi criada em 29 de abril de 2011 e atualmente possui mais de 400 mil curtidores. “A ideia da página surgiu quando senti von-tade de compartilhar as coisas legais que encontrava nas minhas leituras, com o objetivo de divulgar os textos para os apaixonados. Escolhi o Caio Fernando Abreu porque me identifi-co com ele em vários aspectos”, falou.

A página Caio Fernando Abreu costuma divulgar frases de coragem, de amor, de felicidade, de esperança, a maioria acompanhada por alguma ilustração que de alguma forma des-creva literalmente a mensagem.

“Tudo volta! E voltam mais bo-nitas, mais maduras, voltam quando tem de voltar, voltam quando é para ser. Caio”, postou com uma imagem ilustrativa de um casal. A mensagem foi postada no dia 18 de setembro,

5.499 pessoas curtiram, 2.798 compartilharam e 112 comentaram a postagem.

Página Caio Fernando Abreu, no Facebook.

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No mesmo dia, um pouco an-tes, por volta do meio-dia, postou o trecho de um texto do Caio. Teve 1.915 curtidas, 45 comentários e 450 compartilhamentos.

Não são em todas as posta-gens que Georgia menciona a fonte, quando não coloca o título da obra, põe apenas o nome do escritor.

Para Georgia, o Caio era um poeta apaixonado, e seu jeito dramá-tico de escrever é o que mais chama atenção nos textos. Ela acredita que os seguidores do escritor nas redes sociais o consideram um homem sábio que não tinha medo de amar. Perguntada se considera o Caio um conselheiro amoroso, ela diz que não, que apenas era um apaixonado.

Sua página é movimentada na maior parte por mulheres entre 18 a 24 anos e a cidade mais popular é São Paulo.

“Não divulgo minha página em nenhum lugar, os leitores que com-partilham e divulgam. Quando criei a página nunca imaginei que tantas pes-soas iriam curtir comigo”, mencionou.

A propagação desenfreada dos fragmentos do escritor nas redes so-ciais digitais é imensurável. Um post pode ter milhares de curtidas em minutos, centenas de compartilha-mentos e muitos comentários.

Isso quando o “recorte” da obra não acaba por vezes perdendo o sentido original ou sendo interpre-tado de outra forma.

Página Caio Fernando Abreu, no Facebook.

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A frase “Amanhã a gente come-ça de novo”, postada em 13 de outubro de 2012, recebeu 4.079 curtidas, 771 compartilhamentos e 50 comentários.

“Acho a distorção lamentável. Mas creio que, a partir da divulgação do nome do escritor, alguns novos lei-tores buscam as obras originais. Bem, assim espero. Aí é uma peneira: vira leitor dele quem realmente compreen-der o trabalho”, disse Amanda Costa.

Para a irmã do escritor, a propa-gação das obras nas redes sociais tem um lado positivo e outro negativo. “Tem o lado bom da divulgação da obra dele que se espalha rapidamente para milhões de seguidores, mas des-de que se faça isso da maneira correta, não associando o nome dele a coisa que ele não disse ou esquecendo-se de citar a fonte. Eu sei que é bem di-fícil sempre citar as fontes, nós vamos fazer uma campanha para isso. A própria Associação Amigos do Caio Fernando junto com a família estão começando a fazer esse trabalho de preservar a obra dele e divulgar da maneira correta através do site oficial www.caiofernandoabreu.com.br. E o lado ruim é que às vezes são asso-ciadas coisas que não eram da iden-tidade dele, por exemplo, esse lado consumista que ele nunca foi, às ve-zes associam produtos/ mercadorias, acho que ele não ia gostar, mas com o resto acho que ia se divertir muito, com toda essa função em torno dele”, mencionou Márcia de Abreu.

Página Caio Fernando Abreu, no Facebook.

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A presidente da Associação Amigos de Caio Fernan-do Abreu, Liana Farias comenta: “Acho legal a visibilidade que isso dá para a obra dele, mas é complicado porque nem sempre são fragmentos legítimos, e principalmente porque muita coisa perde o sentido se for lida assim, à de-riva, na internet. O Caio era super cuidadoso com o texto dele, revisava e revisava dezenas de vezes para que tudo estivesse no devido lugar. Acho que ele ficaria nervoso se visse as frases todas bagunçadas assim na internet”.

Página Caio F Abreu & Clarice Lispector, no Facebook.

Página Caio F Abreu & Clarice Lispector, no Facebook.

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Na década de 80, Caio F era considerado cult - cultuado nos meios artísticos e intelectuais. Muitas des-sas pessoas o denominavam o “maldito dos anos 80”, por escrever tudo o que lhe vinha à cabeça. Hoje, 16 anos depois de sua morte, tornou-se pop, e citado por muitos, como um homem romântico: que escreve coi-sas bonitas, que dialoga, que dá dicas. Esse é o Caio Fer-nando Abreu versão 2011/12 – Redes Sociais Digitais.

As redes foram os primeiros passos para essa ex-plosão repentina e deturpada de CFA. Uns começaram a postar frases, outros, imagens acompanhadas de cita-ções e, em pouco tempo, só se falava em Caio F tornan-do-o, praticamente, um ícone literário das redes.

Sua repercussão é tanta que no ano passado o ar-tista plástico gaúcho Léo Dias criou um livro fictício de Abreu – Frases de Facebook – 1.001 citações para intelec-tualizar o seu perfil, e é exatamente desta forma que as pessoas conhecem seus fragmentos.

A internet é uma novidade, talvez Caio não alme-jasse ser um “fenômeno” nas redes sociais digitais, mas queria sim ser reconhecido por muitos pelos trabalhos que vinha desenvolvendo, principalmente os trabalhos literários, sua fonte de inspiração, sua fonte de vida.

Página Caio F Abreu & Clarice Lispector, no Facebook.

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“ Não era bom nem mau: era apenas perfeito, sem pensamentos nem aflições, eu poderia ficar para sempre ali naquela espécie não exatamente de morte, mas de vida suspensa”. Caio Fernando Abreu - Lixo e purpurina/ Ovelhas negras

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III.1 Porta-retratos

Natal em Santiago com o irmão José Cláudio (1955).

Aniversário de 1 ano do Caio, em Santiago do Boqueirão/ RS (1949).

Caio à esquerda, com 9 anos. Natal em Santiago (RS) com os irmãos José Cláudio e Luiz Felipe (1957).

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Caio aos 10 anos, em sua Primeira Comunhão (1958).

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Com Lygia Fagundes Telles, Hilda Hilst e um amigo, foto registrada no começo dos anos 70.

Carteira da UFRGS, quando cursava Letras (1967).

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Caio Fernando, Suzana Saldanha, Graça Medeiros, entre outros no ensaio da peça Sarau das 9 às 11, realizada na década de 70, dirigida por Luiz Arthur Nunes. Foto de Sandra Laporta.

Caio, década de 70.

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Caio, década de 80.

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Luana França, Márcia de Abreu Jacintho, Mariani Venancio e Marcelo Sgarbossa (advogado da AACF) no evento em comemoração aos 64 anos do escritor, Porto Alegre.

Evento em comemoração aos 64 anos de Caio Fernando, no bairro Menino Deus, Porto Alegre.

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Casa onde Caio morou com a família no bairro Menino Deus, Porto Alegre.

Rua Dr. Oscar Bitencourt, bairro Menino Deus. Rua onde Caio viveu – e morreu - por anos com sua família.

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Inverno“ Inverno aqui se escreve com F. E a gente entende que todas aquelas histórias góticas, Frankenstein, Drácula, nasceram aqui. Na esquina, a igreja com cemitério ao lado, cheio de lápides corroídas, é o per-feito cenário de um filme de horror. Roubamos do altar velas longas, amareladas, lindas”. Caio Fernando Abreu – Lixo e purpurina/ Ovelhas negras

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IV.1 Quem sou eu - Perfil 1

“Mergulha no que te dá vontade. Que a vida não espera por você. Abraça o que te faz sorrir. Sonha que é de graça. CFA”. Ingrid acabou de postar em seu perfil no Facebook.

A estudante Ingrid Dalmas tem 20 anos, cursa o 4º semestre de Recursos Humanos e é admiradora desse Caio que ressurgiu na rede.

Era mais um dia como outro qualquer. O despertador tocou, eram 6h. O sono era tanto que resolveu ficar por mais dez minutos na cama, passado esse tempo, levanta, se arruma e sai correndo para ir ao trabalho.

A estação Barra Funda estava cheia como de costume - nenhu-ma novidade -, milhares de pessoas andando rápido, vindo e indo em todos os sentidos. Pegou o metrô sentido Vila Mariana. Durante o trajeto começou a pensar nas conquistas que estava alcançando. Perce-beu que está numa fase boa da vida, o emprego no Hospital Edmundo Vasconcelos vai muito bem, o namoro está mil maravilhas – encontrou alguém que a completa em todos os sentidos -, o relacionamento com a família e os amigos também está indo bem.

Um sorriso repentino transpareceu em seu rosto, lembrou-se do jantar da noite anterior em sua casa, quando Junior – seu namorado – demonstrou atitudes de carinho e respeito. “Quem diria”, pensou.

Retirou o celular da bolsa, conectou-se ao Facebook, visualizou as últimas notificações e se deparou com uma mensagem de Junior. “Amor adorei a noite de ontem, te amo”, outro sorriso apareceu in-conscientemente. Pensou em algo para postar naquela manhã, en-trou na página Caio Fernando Abreu, atualmente com mais de 400

mil curtidores. Leu al-gumas postagens e en-controu uma frase que descrevia suas sensações: “Mergulha no que te dá vontade. Que a vida não espera por você. Abraça o que te faz sorrir. Sonha que é de graça. CFA”.

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É exatamente isso que Ingrid está vivenciando. Não quer deixar pas-sar nenhum momento, se está com vontade de algo, vai lá e faz, compra, come, tenta, e tenta mais uma vez, tenta quantas vezes forem necessárias.

A jovem posta frag-mentos do escritor com grande frequência. Bem grande, diga-se de passa-gem. Sua frase favorita é “Cuide, cultive, queira o bem. O resto vem!” que é título de um dos álbuns de fotos do seu perfil.

“O Caio Fernando aparentemente era um desiludido no amor, uma pessoa sensível e sem medo de dizer a verdade que se passa dentro de nós”, disse.

Ingrid conheceu o trabalho do Caio através da internet, foi se interessando e buscando por mais textos. O que desperta mais o seu interesse na literatura é a intensidade dos argumentos impostos pelo autor. Essa procura pelas obras resultou no começo da leitura do livro Morangos Mofados – ela ainda não terminou de ler a obra.

Além de divulgar fragmentos das obras, principalmente frases de coragem, no intuito de decifrar algum sentimento que esteja viven-ciando, para a estudante, propagar o trabalho literário nas redes sociais “passa a impressão de que ler coisas antigas também faz parte da vida de um jovem”, diz.

Ingrid denomina Caio como um “conse-lheiro romântico”, assim como tantas outras pesso-as que apenas conhecem o trabalho literário atra-vés do que é propagado nas redes.

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Quem sou eu - Perfil 2

Sábado à noite, noite estrelada e quente. Quente até demais para um inverno.

Giovanna, 21 anos, estudante de Publicidade e Propaganda , gos-ta de um bom romance e conheceu as obras do Caio Fernando através das redes sociais digitais.

O perfil da nova leitora diante do ressurgimento do escritor nas redes é considerado intermediário, pois Giovanna conheceu o Caio na rede, gos-tou dos textos e foi procurar saber mais sobre sua literatura nos livros.

Giovanna acabava de assistir a um filme. Levantou-se do sofá, se es-preguiçou, foi até a cozinha, pegou um copo d’água, encostou-se na beira da pia e ficou pensando na vida, pensando nas coisas que estava conquis-tando e o que estava fazendo para chegar aos próximos objetivos.

Sorriu sozinha e percebeu uma repentina mudança. Está mais fe-liz, mais confiante, no trabalho está indo muito bem, com a faculdade se identificando cada vez mais, namorado novo, está mais focada em atividades culturais: cinema, teatro, social com os amigos, filmes e livros.

Está com mais aptidão pela leitura.Caio Fernando foi uma de suas surpresas literárias neste ano.

Começou a curtir várias páginas no Facebook, a pesquisar textos no Google, no site de frases “Pensadores”, foi se identificando, se encan-tando até comprar o primeiro livro, Morangos Mofados. Em seguida comprou o Teatro Completo.

Caio sempre gostou de retratar em seus trabalhos os detalhes da vida, os sentimentos, as sensações e os gostos. Tudo da maneira mais real

possível. E foi exatamen-te por isso que Giovanna tomou gosto pelas suas obras. “Me identifiquei pelo fato de ele ter uma linguagem atual. Ele sabia falar da época que estava, mas de uma maneira atual, do novo, do agora”, relatou.

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A frase mais popular e compartilhada em todos os cantos é “Que seja doce”, do livro Os dragões não conhecem o paraíso. E é a obra que Giovanna mais gosta, tanto gosta que pretende tatuar a frase.

Em sua concepção o boom do Caio na rede foi através de frag-mentos que despertam a ideia de incentivo, de coragem - o uso da “linguagem dialogal”.

Ele escrevia sobre tudo e todos. “Caio Fernando Abreu não era sempre amor. Ele tinha uma linguagem tanto de revolta quanto uma linguagem erótica também”, diz.

Uma das páginas que acompanha no Facebook é Caio Fernando Abreu, que tem o enfoque específico de divulgar e propagar as obras li-terárias do escritor, sempre mencionando a fonte para que assim fique mais fácil aos usuários, admiradores e leitores identificarem a obra. “Antigamente tinha aquela página Caio F Abreu que colocava várias frases, mas hoje em dia está muito vendida (...) Sabe aqueles anúncios de “compra-se joias” ou “compre uma câmera”. Não tem mais nada es-pecífico. E, quando tem, são aquelas frases que já conhecemos e outras que nem sabemos se são realmente do Caio”, fala.

Por várias vezes despertou algumas dúvidas se tal frase pertencia mes-mo ao escritor. E Giovanna foi atrás e pesquisou. Essa é a diferença entre as pessoas que buscam saber o real das que apenas compartilham uma men-sagem sem saber o verdadeiro valor dela: ‘Gostei, curti e vou compartilhar’. Essa propagação desenfreada gera um “telefone sem fio” que no final das contas acaba banalizando o trabalho, a imagem e o conceito dos autores.

“Já procurei saber se aquilo que eu estava lendo era do Caio mes-mo. Sabe por quê? Se você parar para ler os textos, as cartas que ele tro-cou com outras pessoas, a linguagem por muitas vezes é bem diferente do que é publicado nas redes sociais”, relata.

O telefone toca e sua imaginação automaticamente é cortada. Troca algumas palavras, desliga o telefone e diz: “Era ele”, com um sor-riso que denuncia todos os seus sentimentos.

Em seguida, apaga a luz da cozinha e posta em seu perfil no Face-book: “Preciso sim, preciso tanto. Alguém que aceite tanto meus sonhos demorados quanto minhas insônias insuportáveis” (Caio F Abreu).

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Quem sou eu - Perfil 3

“Nesse momento uma estrela caiu. Pensei em fazer um pedido, mas a estrela já sumira, e eu sabia que o pedido só valia enquanto ela estivesse visível”. (Caio Fernando Abreu – Lixo e Purpurina).

Foi por essas e outras frases que Nilza Rodrigues, ex-moradora do bairro Menino Deus, se encantou há mais de 30 anos pela maneira simples e direta que Caio desenvolvia seus trabalhos. “O que mais me encanta é a maneira franca, direta e sem pudores ao encarar os proble-mas sociais e políticos”, disse.

Suas obras favoritas são Morangos Mofados, Onde andará Dulce Veiga?, Ovelhas negras e Cartas - essa última, uma coletânea organiza-da por Ítalo Moriconi que conta com diversas cartas enviadas por Caio a amigos e familiares durante toda a vida, foi a que mais a emocionou.

Nilza teve oportunidade de conhecer o escritor na 41ª Feira do Livro em Porto Alegre, em 1995, ano em que ele foi homenageado como patrono.

“Morei por alguns anos no bairro [Menino Deus] e meu sonho era que, caminhando ou andando de bici, pudesse vê-lo cuidando do jardim. Quem me deu o endereço da casa onde morava foi a Liana – presidente da Associação Amigos de Caio Fernando Abreu -, quando fez a exposição sobre ele na Usina do Gasômetro. Então, no dia em que Caio faria 64 anos, minha homenagem foi conhecer a casa dele, mesmo por fora, e imaginá-lo ali no jardim ...”, menciona.

Nilza participou do evento em comemoração ao aniversário de 64 anos do Caio, em setembro de 2012, no qual estávamos presentes. Após o evento ela nos convidou para conhecer a casa onde o escritor cresceu e que foi cenário para muitas de suas obras.

- É bem aqui, rua Dr. Oscar Bitencourt!- Sério? Qual casa?- Aquela verde mais adiante.- Não estou vendo ainda.- Calma, estamos chegando.

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A casa é bonita, típica casa antiga, bem cuidada, hoje toda pinta-da de verde – na época em que Caio morou lá, a construção era branca - e com o jardim bem florido.

- Hoje em dia moram ou-tras pessoas. A família do Caio perdeu a casa recen-temente. Eu ficava imagi-nado o Caio bem aqui, na frente da casa, cuidando do jardim (...)- Nilza, tira uma foto nos-sa em frente à casa?- Vão lá, gurias!- Rapidinho, se não os do-nos irão expulsar a gente.- Que nada, eles estão acostumados com pes-soas admirando a frente da casa. Sabem que são pessoas que conheceram o Caio e descobriram que ele viveu aqui.

Niliza encontrou-se com Caio apenas uma vez, naquele dia que pra ela é memorável, na Feira do Livro. Não conversaram muito e o que restou foram apenas lembranças.

Com o momento registrado na memória, leitura de livros, pre-sença constante em eventos em homenagem ao escritor realizados em Porto Alegre, Nilza consegue, partindo de sua própria concepção, de-cifrar quem foi o Caio. A simpática gaúcha faz uma definição simples, porém bastante particular: “Um grande escritor, sensível, autêntico e muito inteligente, sem papas na língua.”

Em frente à casa onde Caio viveu com a família no bairro Menino Deus, em Porto Alegre – RS

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Página Caio F Abreu & Clarice Lispector no Fa-cebook. Imagem publicada em 12 de outubro de 2012. Foram 77 curtidas, 18 compartilhamentos e todos di-zendo que amam o Caio. É muito amor.

IV.2 Sabe o Caio F?

Veja como o escritor aparece nas redes sociais digitais.

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Página Caio Fernando Abreu criada pela Asso-

ciação Amigos do Caio Fernando Abreu (AACF), no intuito de propagar trechos acompanhados, sempre, pela fonte. Fragmento postado no dia 20 de outubro de 2012, apenas 14 pessoas curtiram.

Página Caio Fernando Abreu, administrado pela Ge-orgia Simone. Em duas horas 1.667 pessoas haviam curti-do a publicação, 608 compartilhado e 16 comentários.

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No dia 6 de novembro de 2012, foi postada uma frase mais “sentimental”, acompanhada por uma ima-gem ilustrativa de um casal apaixonado. Foram 4.154 curtidas, 781 compartilhamentos e 100 comentários até então. Muitos marcaram o nome de outra pessoa nos comentários.

A página Associação Amigos do Caio Fernando Abreu – AACF postou no dia 17 de outubro de 2012 um trecho do texto “A mais justa das saias”, apenas duas pessoas curtiram.

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Nesta foto, publicada na página Caio F Abreu &

Clarice Lispector, um gatinho lambendo a orelha da garota seguida pela frase de incentivo teve 627 curti-dores, 475 compartilhamentos e 8 comentários.

“Minha mãe merece ler isso às vezes!”, comentou

no post a curtidora da página Cristiane Barreto. A pu-blicação teve 269 curtidas, 72 compartilhamentos e 3 comentários.

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No dia 20 de outubro, a página Caio Fernando

Abreu, que preza pela fonte, publicou um fragmento, de Cartas. Quinze pessoas curtiram, mas até então não ha-via nenhum comentário e nenhum compartilhamento.

Publicação feita pela página Caio F Abreu no dia

6 de novembro de 2012. Teve 3.930 curtidas, 1.306 compartilhamentos e 59 comentários.

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A página Nem Clarice Nem Caio Fernando, cria-

da em 6 de maio de 2012, conta com 55 curtidores. A página publica frases satíricas em nome dos escritores.

A página Caio Fernando Abreu, com 223 mil se-guidores, postou no dia 4 de novembro de 2011 a foto com o Kit “Caio Fernando Abreu”, sorteio para o Natal e Ano Novo. Foram 2.468 curtidas, 175 compartilha-mentos e 541 comentários.

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A página Caio Fernando de Abreu conta com mais de 84 mil curtidores. Nesta publicação não dá para saber ao certo se a frase é do escritor, pois não há aspas e nem fonte. A mensagem teve 196 curtidores, 170 compartilhamentos e 6 comentários.

Página Caio Fernando de Abreu: postagem feita em 2 de abril de 2012. Teve 310 curtidas, 261 compar-tilhamentos e 9 comentários.

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Página Caio Fernando de Abreu: Imagem publi-cada no dia 2 de abril de 2012. Foram 144 curtidas, 372 compartilhamentos e 8 comentários.

Página O Mundo de Caio Fernando Abreu e Cla-rice Lispector: a foto com o trecho de um texto foi pu-blicada no dia 13 de julho de 2012, teve 381 curtidas, 1.009 compartilhamentos e 10 comentários.

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Página O Mundo de Caio Fernando Abreu e Cla-

rice Lispector: publicação postada no dia 28 de junho de 2012. Teve 502 curtidas, 1.567 compartilhamentos e 22 comentários.

Página O Mundo de Caio Fernando Abreu e Cla-

rice Lispector: imagem e fragmento publicados em 13 de junho de 2012. Foram 211 curtidas, 381 comparti-lhamentos e 7 comentários.

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A página Para sempre teu, Caio F. publicou uma foto com os livros do Caio no dia 2 de abril de 2011. Teve 9 curtidas e 1 comentário.

No dia 15 de julho de 2012, a página Caio Fer-nando Abreu publicou um fragmento melancólico, que recebeu 952 curtidas, 386 compartilhamentos e 17 comentários.

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Esta publicação teve 2.475 curtidas, 884 compar-tilhamentos e 52 comentários.

A página Caio Fernando Abreu postou a frase

acompanhada pela imagem ilustrativa no dia 11 de julho de 2012, foram 1.689 curtidas, 1.021 comparti-lhamentos e 28 comentários.

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A mensagem postada em 9 de julho de 2012 teve 1.773 curtidas, 417 compartilhamentos e 72 comentários.

A página Nem Clarice Nem Caio Fernando pos-tou o trecho da música “Motel disfarçado”, da banda Aviões do Forró, em nome do Caio.

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A página Nem Clarice Nem Caio Fernando pos-tou a imagem no dia 8 de maio de 2012, teve 2 curtidas e 8 comentários.

A página Caio F Abreu postou a imagem no dia 11 de outubro de 2012, teve 1.326 curtidas, 3.178 com-partilhamentos e 66 comentários.

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A página Caio F Abreu & Clarice Lispector pos-

tou a imagem no dia 2 de novembro de 2012, teve 348 curtidas, 518 compartilhamentos e 5 comentários.

Em 9 de outubro de 2012 a página Caio F Abreu publicou uma imagem que trazia a seguinte frase: “Ou soma, ou some...”. Em três dias a imagem foi curtida por 3.417 pessoas e o mais incrível é a quantidade de compartilhamentos que ela atingiu: 7.142. O que também chamou a atenção foi um dos comentários da imagem, feito no mesmo dia da publicação por uma leitora chamada Elaine Barreto. A jovem postou “Você sumiu Caio F Abreu”, referindo-se à baixa quantidade de postagens da página naquela semana.

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Em 17 de maio a página Caio F Abreu & Clarice

Lispector publicou a seguinte frase: “O ridículo é que só no chão você percebe que caiu. Caio F. Abreu”. A frase foi acompanhada da imagem de uma zebra caí-da. Uma das associações mais engraçadas. 453 pessoas curtiram a imagem e 138 a compartilharam.

Outra frase bastante citada pelos internautas é “Um café e um amor, quentes por favor!”. A frase foi complementada e postada em 13 de outubro de 2012. A publicação teve 1.608 curtidas e foi compartilhada por 1.295 pessoas. Trinta e oito pessoas deixaram sua opinião nos comentários.

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Quatro de novembro de 2012. A página Caio Fernando Abreu publica uma imagem com uma carta. Parte das palavras são selecionas e colocadas na des-crição da imagem. O melhor “crédito” visto em nossa pesquisa. Duas pessoas curtiram a imagem.

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IV.3 A Missão O foco da Associação Amigos do Caio Fernando Abreu

A Associação Amigos do Caio Fernando Abreu (AACF) sur-giu em 2010 com o Fórum da Cidade de Porto Alegre. Familiares, amigos e leitores se uniram e criaram o projeto voluntário que visa propagar, organizar e preservar as obras literárias, os trabalhos jor-nalísticos e a biografia do escritor.

A ideia inicial era criar um “acervo físico”, que seria instalado na casa onde o escritor foi criado. “Eu vi a campanha Salve a Casa do Caio na internet e, como sou produtora cultural, fiz contato com o pessoal do movimento, para unir forças e desenvolver um projeto de captação de recurssos para a construção de um Centro Cultural na casa onde Caio F viveu com a família, no Bairro do Menino de Deus, em Porto Alegre - Rio Grande do Sul”, disse Liana Farias – presidente da AACF.

Com a venda da casa, em janeiro de 2011, o projeto teve que seguir por outro caminho, foi então que resolveram transportar a ideia do acervo físico para o acervo digital – um site.

O projeto começou a ser desenvolvido em novembro de 2011 e foi todo baseado em um projeto colaborativo que visava à arrecada-ção de verba através da internet. Os meses subsequentes foram desti-nados a pesquisa de conteúdo, fechamento de parcerias e divulgação do projeto.

O maior projeto da Associação Amigos do Caio Fernando Abreu é, de fato, o site oficial (http://www.caiofernandoabreu.com), lançado no dia 25 de fevereiro de 2012, data em que faleceu o escri-tor, há 16 anos.

Com a atual propagação desenfreada das obras de Caio nas redes sociais digitais, o site oficial é necessário e reforça a imagem verdadeira do escritor.

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Em uma das entre-vistas com Liana ela nos disse que “o principal tra-balho que realizamos até hoje foi a criação do site oficial – www.caiofernan-doabreu.com. Você pode ter acesso a todo o pro-jeto, e saber como conse-guimos viabilizar a cons-trução da página. Além disso, fizemos a Semana Caio F em Porto Alegre, a exposição Doces Memórias, a mostra Caio F e o cinema, um bate papo com pesquisadores, o lançamento do livro A vida gritando nos cantos, leituras e performances. Também viabilizamos e divulgamos eventos e ações como: encontro em homenagem ao Caio no dia de seu aniversá-rio (aquele que vocês foram) e a campanha virtual para publicação de frases do Caio com referência de onde foram copiadas.”

Hoje a Associação conta com 126 voluntários, divididos em Di-retoria (6); Membros do Conselho Fiscal (6); Sócios (23); Colaborado-res (18) e Benfeitores (73).

Com pouco mais de 1.900 mil likes, a página da AACF no Fa-cebok foi criada em setembro de 2011 e conta com atualizações sobre eventos e matérias direcionadas a Caio Fernando.

Liana acredita que o pequeno alcance da página – diante das de-mais que utilizam o nome de Caio – se dá em decorrência do costume do leitor em ter o “pronto” em mãos. A produtora cita que é mais sim-

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ples “curtir e compartilhar uma frase do Caio [com a qual a pessoa se identifique de alguma maneira], do que parar para ler, pesquisar, e se interessar em saber quem é esse tal Caio Fernando Abreu que escreve tantas frases legais na internet”.

Foi através de uma dessas atualizações que to-mamos conhecimento do evento em comemoração ao aniversário do escritor, realizado em setembro de 2012 em Porto Alegre.

Os nomes das pessoas envolvidas no projeto, as fases dele, o orçamento e todas as informações necessárias para maior entendi-mento sobre como tudo isso chegou à dimensão em que se encontra estão disponíveis no blog da AACF (http://associacaocaiof.blogspot.com.br/p/site-oficial-o-projeto.html) em uma espécie de briefing on-line bem desenvolvido.

Convite para o evento em comemoração ao aniversário de 64 anos de Caio Fernando Abreu.

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As qua tro es tações“ Menino Deus

Um corpo azul douradoUm porto alegre é bem mais que um seguroNa rota das nossas viagens no escuroMenino DeusQuando tua luz se acendaA minha voz comporá tua lendaE por um momento haveráMais futuro do que jamais houve...”.

Menino Deus - Caetano Veloso

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V.1 Um Caio para chamar de meu

Terça-feira, 18h, final de expediente para Lara. Através do vidro do escritório é possível ver um mar de guarda-chuvas pela avenida Paulista. A jovem se lembra da roupa escolhida para o dia: “Que óti-mo! Calça branca e sandália aberta! Excelente!”

Cumprindo sua rotina diária, Lara desce 12 andares de elevador, passa o crachá pela catraca e sai do edifício. Respira fundo, abre o guarda--chuva e segue em direção ao metrô.

É impressionante como todas as pessoas do mundo parecem estar na estação Consolação às 18h15. Gente que não acaba mais com todos os humores e cheiros possíveis. Celulares tocando, um falatório infinito e os benditos guarda-chuvas respingando água para todos os lados. Lara ri ao se lembrar de um sms antigo, enviado pela mãe, em outro dia de chuva: “Seu guarda-chuva ficou em cima da cama. Vai ser bom se molhar um pouquinho. Quem sabe assim você para com essa mania de comprar bolsas e resolve guardar dinheiro pra um carro, né? Cuidado e eu te amo.”

Missão conseguir entrar no metrô: ativar!Com fones no ouvido e o – novo e moderníssimo - celular na

mão, a jovem confere as notificações das redes sociais. Depois de res-ponder alguns amigos, aceitar novas pessoas e atualizar o status, Lara passeia pelas atualizações da página e vê uma atualização no perfil de um conhecido qualquer. “Renato Andrade compartilhou a foto de Versos e poesias”. A imagem não acompanhava nada além da frase: “E porque o mundo, apesar de redondo, tem muitas esquinas.”

Assustada com um solavanco do vagão, Lara se desprende do ce-lular e começa a prestar atenção nas estações que estão passando. Mas, mesmo sem entender sobre o que exatamente se tratava, a frase solta vista alguns minutos atrás não saía de sua cabeça. “... tem muitas esquinas.”

Do outro lado da cidade, Cadu pensa em quais palavras usar ao dizer para Gabi que o relacionamento dos dois não tem mais futuro. Ele não se vê sem ela, da mesma forma como não enxerga o amanhã ao seu lado. Pensa em algo do tipo “não é você, sou eu”, mas percebe o quanto isso é clichê do tipo batido mesmo, sabe? Pensou e repensou. “Qual é mesmo aquele escritor que ela tanto gosta?”

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Juntos há mais ou menos 2 anos, os dois formam o típico casal perfeito. Ele é o malandrão que tomou jeito quando começou a namorar e ela é a na-morada perfeita – do tipo que aceita as mancadas (e olha que não são poucas) do cara só pra não perdê-lo. Na realidade, Gabi acha que é dona do namorado.

Irritantemente apaixonada, Gabriella – com dois “l”, pelo amor de Deus! - passa 24 horas por dia atualizando as redes sociais com fotos, frases e vídeos para o – ou falando do - namorado. Aquela pessoa chata mesmo que escreve coisas do tipo “Se amar é viver, vivo porque amo você! Gabi & Cadu forever!”. Só que, pra ajudar – ou não - agora Gabriella des-cobriu uma nova forma de expressar seu amor por Cadu: ela compartilha frases da página Caio F. Abreu.

Lara: jovem, bem resolvida, solteira e consumista. Viu uma frase solta por aí e ficou com ela na cabeça de maneira que nem ela mesma entendeu.

Carlos Eduardo, o Cadu: Jovem, romântico enrustido, namora e quer terminar. Precisa chegar em casa e descobrir o nome do autor favorito (só em tese) da namorada.

Gabi: Jovem, bonita, mimada, vive o relacionamento perfeito (na cabeça dela) e diz amar CFA. Nem ima-gina que seu conto de fadas está chegan-do a um final não tão feliz.

O que os três têm em comum? Uma relação – mesmo que a mais remo-ta possível – com o escritor gaúcho Caio Fernando Abreu.

Santiago do Boqueirão - extremo do Rio Grande do Sul - 12 de setembro de 1948, 08h15: nasce Caio Fernando Loureiro de Abreu.

Filho mais velho da professora Nair Ferreira Loureiro e do militar Zaél Menezes Abreu, Caio escreve – e ilustra – Lili Terremoto, que viria a ser sua pri-meira obra. Isso, aos 6 anos de idade.

Caio em sua cidade natal, Santiago, no Natal de 1955.

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Fortemente influenciado por Monteiro Lobato e Clarice Lispec-tor – tendo como base as obras presentes na casa dos pais -, em 1963 - aos quinze anos - Caio tem um conto publicado na revista Claudia. A obra O príncipe e o sapo torna-se o primeiro texto oficialmente di-vulgado na imprensa.

Em 1965 Caio começa a cursar o segundo grau em um internato de Porto Alegre. O aspirante a escritor logo se arrependeu da mudança e em uma carta enviada aos pais chegou a dizer que teve vontade de morrer.

Na realidade ele jamais gostou de sentir-se sozinho. A vida de Caio F é toda baseada na falta de coerência. Fica difícil entender o que raios ele queria de si mesmo.

Na mesma carta ele implora para a mãe: “Pelo amor de Deus, mãe, eu não aguento mais! Veja se a senhora dá um jeito! Isso aqui é um verdadeiro inferno!”

Dois anos depois, em 1967, Caio se for-ma no colegial e passa a cursar Letras e Arte Dra-mática na Universidade Federal do Rio Grande do Sul, mas, exatamente aí, surge o convite para o 1º Concurso Abril de Jor-nalistas. A editora queria Caio na equipe da edição nº 0 da revista Veja, na época dirigida pelo jor-nalista Mino Carta, idea-lizador da publicação.

Conclusão? Aos 19 anos Caio muda-se para São Paulo – a primeira de infinitas vezes – e dá o pri-meiro passo em sua carreira junto à imprensa brasileira.

Mas, como não poderia ser diferente, o gaúcho começou a fazer valer a fama de nômade – atribuída anos depois – e, alguns meses de-pois da admissão, teve o contrato rescindido. Caio foi demitido quan-

A primeira equipe de jornalistas da revista Veja, em 1968.No destaque, entre os redatores, destaca-se Caio Fernando Abreu.

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do teve o nome vinculado a passeatas e reuniões realizadas pelos esquerdistas do país.

Sem emprego, Caio enfrentou a dificuldade que a imprensa encontrava diante da situação política no Brasil e, depois do convite de Hilda Hilst – escri-tora paulista –, passou a morar com ela em seu sítio, localizado em Campinas, interior de São Paulo. A amizade dos dois duraria a vida toda e foi ali, no sítio de Hilda, que “nasceu” O inventário do irremediável, primeiro livro realmente publicado.

Isso tudo aconteceu em 1970 e, logo após a publicação do livro, Caio passou um tempo morando no Rio de Janeiro (nem a família consegue dizer quanto tempo ele passou em nenhum lugar), onde decidiu que voltaria a POA e lá retomaria o curso de dramaturgia, abandonado anos atrás, quando inventa-ram de torna-lo jornalista. Como se isso não fosse acontecer mais dia, menos dia.

Dá para dizer que foi aí que o Caio escritor começou, de fato, a conquistar seu espaço. As coisas estavam realmente acontecendo.

Limite Branco é lançado no ano se-guinte. O segundo livro do jovem gaúcho torna-se referência literária e ele começa a aparecer no cenário contemporâneo. Uma geração impactada. Pois é. Repito: as coisas estavam realmente acontecendo.

Eis que surge a primeira viagem à Europa. Madri, Suécia, Estocolmo, Ams-terdã, Londres... Não dá pra saber quan-to tempo – exatamente – Caio passou e o

Capa do Inventário do irremediável, primeiro livro realmente publicado.

Capa da primeira edição de Limite branco

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que fez nesses lugares, mas sabe-se que trabalhou como estátua-viva, faxineiro, garçom e passou certo tempo lavando uns pratos para ga-nhar algum dinheiro.

Dizia viver em “uma época muito boa porque ainda não havia aids e o sexo estava completamente liberado. Eu fazia sexo, tocava flau-ta e deixei o cabelo crescer até a cintura.” (O Estado de São Paulo, 9 de dezembro de 1995).

Na mesma crônica publicada no Estadão, Caio escreveu que vi-veu tempos duros em Londres, mas que lá se reaproximou da literatu-ra. A igreja gótica vizinha à sua casa era fonte de luz do escritor.

Foram dois anos vivendo como estrangeiro sabe Deus exatamen-te onde.

Como o bom filho à casa torna, 1974 marcou a volta de Caio ao seio da família, em Porto Alegre. É estranho dizer isso, mas dá para acreditar que o rapaz sentiu “dificuldades de adaptação” quando vol-tou ao Brasil? O tal ritmo londrino fez com que Caio estranhasse as limitações da nossa terrinha.

Foi por aí que Caio passou pelo jornal Folha da Manhã e come-çou a organizar O ovo apunhalado, publicação aclamada pela crítica.

Era só disso que o jovem escritor precisava para seguir firme em sua escrita. Um empurrãozinho e, voilá, ele concluiu que o livro “mar-cou a transição entre um certo amadorismo dos dois livros anteriores.”

Chegamos a 1977 e Pedras de Calcutá é editado pela Alfa-Ômega (editora gaúcha). Agora junta uma publicação mal sucedida – Pedras de Calcutá não fez lá muito sucesso – com a morte do psicanalista de Caio F e o caos se formou.

Entristecido, eis que Caio resolve pegar uma carona qualquer e viajar pelo Brasil. Assim mesmo, sem destino, para relaxar.

Na mesma crônica – a publicada no Estadão – o escritor disse que “a ideia era chegar até a Amazônia, mas em Natal decidi voltar para São Paulo”. Agora me digam: cadê a novidade?

Já na capital paulista, é hora de arrumar um novo emprego. A publicação da vez é a revista Pop. Um ano depois – entre colaborações para a Nova e resenhas publicadas na Veja- , Caio deu tchau ao perió-dico da Editora Abril.

Em 1982 Caio passava novamente pela revista Veja e dessa vez caiu fora pois achou a manchete que cobria a morte de Elis Regina um tanto quanto desrespeitosa. Paula Dip escreveu em sua biografia que

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Caio disse ao editor que nunca mais queria ver seu nome vinculado a uma revista daquele nível.

Exatamente nesse ano Caio publica a maior obra de sua carreira literária de: Morangos Mofados.

Após guardá-lo por quatro anos – Caio terminou de escrever o livro em meados de 1978 –, Morangos Mofados retrata a conclusão de sonhos e projetos do escritor. O livro foi um sucesso edi-torial completo e, quase duas décadas depois, foi apontado como uma das cem obras definitivas da literatura brasileira de todos os tempos.

Caio era, na realidade, um contador de história urbanas. A cidade, literalmen-te falando, é o panorama favorito de suas criações e é nesse cenário que Morangos Mofados retrata indivíduos fortemente afetados por paranoias, desesperos, sín-dromes e outros fantasmas infinitos.

É na década de 1980, em meio à consagração de Morangos Mofados e ao fortalecimento de novos movimentos sociais em um Brasil onde a li-bertação sexual começava a se fortalecer, que a grande massa toma conhecimento da existência do vírus HIV e, mesmo sem ter a menor intenção de fazê-lo, Caio Fernando Abreu passa a ser considerado por-ta voz de jovens que viam em suas obras alusões a esse país onde o sexo tornava-se cada vez mais comum.

E, de fato, Caio tinha sim algumas críticas embutidas em seus textos. O escritor tinha asco a qualquer tipo de limitação – falando de moral mesmo – que julga as adversidades e acaba condenando-as de alguma forma.

Em contrapartida a esses preconceitos, Caio utiliza-se do amor como contrapeso. Para ele, o amor é diretamente ligado ao prazer sexual.

Os textos de Caio sempre foram considerados alta, indisfarçável e nitidamente autobiográficos, e essa forma de retratar suas próprias experiências acabou tornando-se sua principal característica. E ele teve de conviver com isso ao longo de sua carreira.

Capa da primeira edição de Morangos Mofados

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Essa relação trazia à tona a forma como Caio pensava e retratava a vida e as situações de seu cotidiano: ambos com extrema entrega.

Optar por não poupar-se da escri-ta autobiográfica rendeu a Caio um tom meio dramático e isso se tornaria um problema lá na frente. E que problema!

No mesmo ano – depois de publi-car Morangos Mofados -, Caio muda-se para Santa Teresa, no Rio de Janeiro. É lá que ele finaliza Triângulo das Águas. O livro é a primeira obra da literatura brasileira a citar a palavra AIDS e isso trouxe a Caio uma das premiações mais importantes da época: o Prêmio Jabuti de melhor livro de contos.

Os dragões não conhecem o paraíso é publicado em 1988. Mais de duas déca-das depois, o conto Mel e girassóis – ex-traído desse livro – se destacaria pela fra-se “Então, que seja doce”, que se tornou sucesso nas redes sociais digitais.

Quando falamos em carreira in-ternacional, Onde andará Dulce Veiga? é unanimidade entre a crítica. Lança-da em 1990, a obra foi traduzida para cinco línguas – alemão, francês, inglês, italiano e holandês – e recebeu o acla-mado prémio Laure-Batailon de melhor romance internacional.

Toda a década de 1990 é marcada pela constante presença em premiações, congressos e lançamentos pela Europa. Conclusão? Viagens, viagens e mais viagens.

Em 1994 Caio detém suas viagens pela Europa. Retorna ao Brasil e publi-ca a crônica Última carta para além dos

Capa da primeira edição de Triângulo das Águas

Capa da primeira edição de Onde andará Dulce Veiga?

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muros, em que abre aos leitores – e ao mundo – que era portador do vírus da AIDS.

Em uma das cartas enviadas à Maria Lidia Magliani – amiga de lon-gíssima data – Caio diz que no começo tudo estava tranquilo, mas que depois de algum tempo ele enlouqueceu. Caio escreveu tal carta em sua “suíte no hospital Emilio Ribas”, onde esteve internado por algum tempo.

Quando saiu do hospital, Caio voltou para a casa dos pais, aquela branquinha, no Menino Deus, lá em Porto Alegre e, dali em diante, pas-sou a viver em função da revisão de toda sua obra. Publicada ou não.

Caio editou, juntou, reescreveu, corrigiu, revisou e ainda publicou a co-letânea Ovelhas negras.

O livro é composto por textos e pensamentos antes rejeitados pelas edi-toras e, para a surpresa de muitos, Ove-lhas negras rendeu a Caio um Prêmio Jabuti de literatura.

Durante sua vida, o escritor sempre deixou evidente sua relação com as flores.

Enquanto sentia os efeitos do avan-ço da doença, Caio intercalava a revisão de seus textos aos cuidados com o jardim da casa do Menino Deus. Esse amor pelas flo-res ficou evidente em algumas entrevistas em que Caio dizia que, caso não fosse escri-tor, seria jardineiro.

Em uma das crônicas publicadas no Estadão, exatamente 11 meses antes de falecer, Caio escreveu que “o que era possibilidade de amor agora é possiblidade de morte.”

Existem infinitos Caios F por trás das frases de efeito e, podem ter certeza, foi um prazer procurar e conseguir encontrar um para cha-mar de meu.

Caio Fernando Loureiro de Abreu morreu um ano e cinco meses após descobrir que era portador do vírus da AIDS. Foi em 25 de feve-reiro de 1996, no Hospital Moinho dos Ventos.

Uma insuficiência respiratória e fim. Caio fez a última de suas viagens.

Capa da primeira edição do livro Ovelhas Negras.

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V.2Cartomante - Carta 1

A Adriana CalcanhottoSaint-Nazaire, 16. 12.92

Deusa querida e distante,

impossível não pensar em você bebendo literalmente litros de água Perrier todo o dia — o aquecimento seca horrores a pele! —, mas não só por isso.

Também procuro as cores de Almodóvar, cores de Frida Kahlo (vi uma autêntica na Fiac, em Paris!), que aqui, neste porto de mar na Bretagne, entre Nantes e Brest, a cidade de Querelle, são bastante raras. São mais cores de Agnés Varda, cores de Gustave Klimt.

Tua fita — da qual não me separo há meses — faz sucesso por aqui. Mal posso ouvi-la. Alain Keruzoré, meu tradutor, passou para Bernard Soubourou, que sabe tudo sobre — imagina — Tania Alves, que passou para Marie Pierre.

Hoje saio na batalha, não quero ficar sem ela.

Te mando dois recortes, um deles fala em você. Mas ai, os-modemos--e-seussegundos-cadernos são iguais em tout le monde. Ele faz uma con-fusão entre aquela Penélope que você musicou e um conto que Claire Cayron traduziu. Bom, não importa. Anyway, você está presente no texto — uma pequena novela — que escrevo no momento para deixar aqui, será publi-cada pela Arcane 17.

Fico até 31.12 neste apartamento enorme, debruçado no porto de mar, com uma vista de 360 graus e uma paisagem que, estranhamente, lembra Porto Alegre, Manhattan, Florianópolis e a ponte Rio-Niterói (com Saint--Brévin les Pins dooutro lado da baía).

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Depois vou a Amsterdam, Köln e Frankfurt, para leituras, tradu-tores, agentes. Acho que volto em fevereiro — mas não sei ao certo, houve um problema com meu ap. em SP, na minha ausência e, anyway, tenho que estar na Alemanha outra vez em junho. Tenho pensado que só agora compreeendo o sentido exato da expressão “minha pátria é minha língua”.

Passei o domingo, ontem, comendo ostras, bebendo vinho branco e ouvindo Jane Birkin cantando as canções de Serge Gainsbourg. Você ia ado-rar Norma Jean Baker. Vou levar a fita. Fiz amizade forte com a filha de Christian, o diretor da Maison — chama-se Marina, tem 9 anos, é Virgo asc. Capricómio e tem absolutamente tudo de Van Gogh. E quem tem me dado as melhores aulas de francês.

Andei muito cadela no Brasil. Milhares de problemas, nada grave. Seu disco — deixei um recado na sua gravadora — me ajudou muito. Tem ajudado, é sincero & comovido o que te digo.

Sábado tem show de Marina em Paris. Pensei em ir, mas fui recru-tado para participar de uns debates com os escritores do Báltico — Lituâ-nia, Estônia,

Letônia, imagina — seria feio faltar. Outro dia acordei com vontade de ouvir Elis e encontrei um cassete no Centro — tem Folhas secas.

Te mando uma folha de outono.

E todo carinho, e toda a energia para você continuar seu trabalho.

Je t’embrasse,lovelovelove

Caio F.

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Cartomante - Carta 2

A Maria Lídia MaglianiSP 22.07.1991

Magli, chérie,

como podes ver pela lauda (pelalauda parece sobrenome de atriz pomô, não?

Imagine Laura Pelalauda, ou algo assim), te escrevo na repartição. Difícil concentração, com a VOZ de Paula Dip refulgindo na sala ao lado. Mas já pedi demissão, fico só até dia 30 deste. Prefiro vender pastéis.

Não deu, embora eu quisesse, pra te escrever antes. Aquela infecção piorou voltando a SP. Fiquei com pequenas feridas em dois dedos da mão esquerda e um da direita. Ou seja, não conseguia escrever nem fazer nada. Fora febre e as côsas nas pernas... Voltei à médica. Bueno, segundo ela, pós--otite pintou uma infecção secundária, que ela chamou de es-trep-to-co--xia. Tasca-lhe 1.000 miligramas de outro antibiótico.

Comecei na quinta, hoje é segunda, comecei a melhorar. Já posso escre-ver, vês? Volto na médica — Sandra, uma morenaça baiana de olhos azuis que conheço há uns cinco anos (tínhamos o mesmo terapeuta) — hoje.

E se Deus quiser melhoro forever. Ufa. Olha, tua intuição te enganou.

Não, não fui a Tiradentes para te dizer alguma coisa muito impor-tante. Na verdade, não tinha sequer pensado em ir a Tiradentes. Foi no ho-tel que comentei com Sonia97 que estava com saudade de você, que morava lá e tudo e tal. A Sonia ficou animadíssima, e já se informou de horários de ônibus, coisas assim. Foi ótimo, porque sem companhia, e com a saúde meio bombardeada, acho que sozinho não iria.

Mas — não fui até aí para, por exemplo, contar que estou com Aids e tenho pouco tempo de vida. Na verdade, não sei se estou. Tanto Ronaldo, o ex-terapeuta, quanto Sandra, que é imunologista, se recusam terminan-temente a me apoiar na decisão de fazer O Teste. Eles acham que não há absolutamente nenhum sintoma.

Prefiro acreditar, claro.

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Ronaldo, a propósito, trabalha com Valéria Petri há muitos anos no atendimento psicológico a homossexuais com teste positivo.

Além disso, o que de tão importante eu teria para dizer a você? Que não suporto mais São Paulo, talvez, e que estar nesta cidade me deixa literal e fisicamente doente, sempre. Fiquei seis meses na Europa, com aqueles 17 graus abaixo de zero na época da Grande Nevada, e não tive sequer uma gripe. Chego aqui e cráu! — sucumbo a mil grandes e pequenas maladies. Ai.

Me incomoda um pouco você dizer que levei Sonia Coutinho como “um escudo”. Acho que aos 42 anos, morando só, com uma alta psicanalítica depois de pelo menos 12 anos, realmente não tenho necessidade de escudos.

Minha relação com a senhora dona Vida, de muitos anos para cá, tem sido frontal, direta e solitária. Sonia, além de velha amiga, é também uma excelente pessoa e escritora, que raramente tenho oportunidade de ver (ela mora no Rio). Ela inclusive me dedicou o último livro dela, Atire em Sofia. E uma pessoa de sentimentos muito delicados, que caiu na vida muito tarde (tem uma filha e uma neta que vivem em Salvador), e fica ao mesmo tempo deslumbrada e assustada com pessoas como nós.

Ela ficou um tanto quanto chata no final, com aquela insegurança de voltar, sem relaxar no estar aí. Mas gostou imensamente de tudo, de Ma-rijô e de você — que mal dirigiu a palavra a ela, apesar dos meus librianos esforços sempre no sentido da harmonia.

Deus, como é difícil concentrar com essa VOZ rangendo ao fundo... Mas foi bom demais. Não lembro de ter-me sentido tão bem assim em outra cidade (exceto Paris, guardadas as diferenças). E nunca vi você tão bem. A casinha é demais, principalmente a horta (tenho feito altos chás). Tudo isso daí me parece muito perto do Paraíso, e eu quero voltar para, pelo menos, umas duas semanas. Quem sabe em setembro. Agora no começo de agosto tenho que ir a Ponta Grossa, no Paraná, e depois acho que vou até Gramado. Não consigo sossegar o pito, fico batendo salto pelo Brasil afora, e quanto mais vejo este país, mais sinto amor e pena, tudo misturado. No meio da enorme imundície que tudo está se tornando, as pessoas inclusive, Tiraden-tes fica na minha memória como uma — para cair de boca no clichê brega — jóia no meio da lama. Tenho economizado aquela água santa — quero

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Cartomante - Carta 2 (continuação)

mais detalhes sobre ela!

Doroti andou por aqui, ligou, marcou, fiquei de dar a ela o lápis-lázuli, depois sumiu. Bueno, se você cruzar com ela diga que levo pessoalmente, se Deus quiser.

Recebi notícias boas de Márcio Machado, de Paris. Saiu do hospital com o joelho meio bombardeado, mas o organismo reagiu, e já está ótimo, sem ben-gala nem nada. E Carlinhos ligou outra noite, falei que tinha estado aí com você e íamos mandar o material para o Ivan. Maria Lídia Woolf Lispector Pessoa dos Santos Abreu Magliani: não marca!

Vamos armar essa superexposiçã em França.

Outro dia, muito doentinho, fui ao cinema ver Rosalie goes shopping. Aqueles dias que você não quer ver nem sua mãe pela frente. Eis senão que me irrompe pela frente nada menos que... Beto Ruas! Estava com uma moça a quem me apresentou como sendo “um faixa dos velhos tempos”. Me senti assim algo tipo uma faixa de Miss Elegante Bangu ou Rainha das Piscinas. Difícil.

Então ando assim, cada vez mais neurastênico, cada vez mais dentro da concha. E cada vez mais querendo dar o fora de São Paulo, com a sensação de que a vida é curtíssima, e que tudo que não seja o meu próprio texto, em termos de escrita, me parece uma solene perda de tempo.

E nesta árdua volta, Tiradentes ficou assim feito um ponto luminoso pulsando dentro da treva desta densa noite brasileira. Obrigado pela maneira como você me recebeu — e obrigado também por estar tão bem, nunca vi a velha e boa Normanda de guerra tão em forma.

Se os anjos quiserem, em breve estarei de volta, com minha frasqueira tigrada e vários modelinhos safári para desbravar as matas locais.

Ficou na minha cabeça aquele paredão de pedra bem em frente à casa de Marijô. Diga a ela que estou mandando fazer um quacirinho com aquele hai-kai de Bashô. Aproveite e tasque-lhe dois beijos. Diga ao Marcinho — aquele jovem que, segundo você, se parece comigo — que não se preocupe: tudo isso passa. Ou pelo menos acalma com a idade. Mas é dificil fazer pessoas com menos de 30 anos acreditarem que o tempo realmente passa.

Deus te guarde, todo o carinho do seu intrépidoCaio F

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Cartomante - Carta3

A Mário PrataPorto Alegre, 1995

Pratinha querido,

obrigado pela carta que você me escreveu. Pensei em responder pelo jornal mesmo — para dizer principalmente que acho você muito mais Ouro que Prata — mas ia ser muita viadagem toda essa jogação pública de confetes, não?

Hoje gostei mais ainda ao ler que choveram anjos na sua horta depois da crônica. Adorei aquela história do diário da gestação. Anjo-da-guarda é papo quente. Se bem que alguns são meio vadios e nem sempre cumprem horário integral.

Ando bem, mas um pouco aos trancos. Como costumo dizer, um dia de salto sete, outro de sandália havaiana. E preciso ter muita paciência com esse vírus do cão. E fé em Deus. E falanges de anjos-da-guarda fazendo hora extra. E principalmente amigos como você e muitos outros, graças a Deus, que são melhores que AZT.

Precisamos nos encontrar uma hora dessas só para falar mal de Por-tugal. A propósito, não posso deixar de te contar esta que me aconteceu. Estava eu troteando ali pela Rua Augusta, Rua do Ouro, aquela jequeira braba, quando se aproxima um portuga de bastos bigodes. Puxa papo, ah és brasileiro, aquelas coisas.

E de repente suspira e diz: “Ai, gostava tanto de ir-te à peida!”. Com dificuldade traduzi: queria era me enrabar, pode?

Que esteja tudo em paz com você. Dá um abraço no Reinaldo e em quem perguntar por mim.

Um beijo do seu velhoCaio F

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Cartomante - Carta 4

A Zaél e Nair AbreuSaint-Nazaire, 26 de novembro de 1992.

Queridos pai e mãe,

recebi ontem sua carta — obrigado, estava um tanto aflito por notícias.Gostei de saber que tudo vai bem, e fiquei especialmente feliz com o

novo sobrinho. Que bom! Dêem os parabéns a Felipe e Eny.

Estranhei não ter chegado a carta grande que mandei daqui. Acho que tinha colocado tudo — o xerox inclusive — dentro de um único enve-lope. Bem, pode ser que não. De qualquer forma, nela eu pedia que através da dona Glacy, mãe do Ivan — 233.65.48 — entrassem em contato com a irmã dele, Vania. Mas como escrevi também para a Vania, que é juíza, talvez ele tenha ligado para aí.

O problema é o meu apartamento de São Paulo. Agora, pelo visto, está perdido mesmo. O aluguel subiu loucamente, Gil ligou para cá e achamos melhor entregar à imobiliária. Gil se encarrega de deixar minhas coisas num guarda-móveis. O difícil nisso é ficar sem casa em SP. Meu plano é voltar em fevereiro para o Brasil, mas em junho tenho que estar de novo por aqui, na Alemanha.

Enfim, esse problema de moradia é tão antigo — e chato — que ponho nas mãos de Deus. Quando voltar, resolvo.

Mãe, dê um grande abraço no Leo. E se lembrar, da próxima vez que me escrever, mande o endereço dele, quero mandar um cartão. Aqui tudo vai bem. É uma cidade pequena, não há muito para fazer. Então tenho dor-mido e acordado muito cedo. O frio ainda está suportável, não baixou dos 10 graus.

Semana passada vieram uns escritores — imaginem — da Estô-nia, Lituânia e Letônia, que fica perto da Rússia, foram dominados pelos russos durante 50 anos. A cidade ficou mais animada, houve várias festas. A língua fica uma mistura de francês-inglês-espanhol-russo.

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Acabei até falando umas palavras em sueco, com um escritor letonia-no que refugiou-se há anos em Estocolmo. Falei com Augusto, ele está muito bem. Deve estar chegando no Brasil lá pelo dia 15 de dezembro. Só vamos poder nos encontrar aí.

No momento, estou com uma hóspede, por uma semana. Imaginem: é uma mãe-de-santo, Sandra Berenguer, que conheci na Bahia! Ela ti-nha vindo a Portugal e Espanha dar umas conferências sobre candomblé, queria conhecer a França e não tinha onde ficar. Então, estou muito bem protegido. Me ocorreu agora: estou mandando este folheto da Sandra com um bilhetinho para o Leo.

Acho que ele vai gostar.

Pai, coloquei o trevo de quatro folhas junto dos meus cristais e uma figa que Sandra trouxe da Bahia. Nesta terra não há fé, e os franceses ficam muito intrigados com todas essas coisas...

Quanto ao Gringo, acho que é melhor esquecer. Fiquei horrorizado com a história do encontro dele com Felipe, no Parque. Bom, certamente um dia a consciência dele vai se manifestar.

Mando beijos a todos — especiais para Rodrigo e Laurinha. Espero que o cabelo da Cláudia esteja se comportando. Diga a ela que aquele “dente monstro” que tenho anda me incomodando. Vou ver se é possível ir levando até a minha volta — tem que fazer uma extração, e quero fazer com ela. Vai ser um horror, não queria fazer aqui.

Carinho grande para todos, e muita saudade do filhoCaio

PS — Mandei um cartão para tia Pereca — não sei se chegou. Se não, por favor digam a ela que mando todo meu carinho.

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Mantra

Queremos agradecer primeiramente a Deus pela sabedoria, fé e principalmente a força pra enfrentar esse desafio.

Agradecemos imensamente às nossas mães Del-ma Gonçalves (Luana) e Maria Luiza de Siqueira (Ma-riani) pela compreensão nos momentos de angústia, de raiva, de estresse. Obrigada pelo amor incondicional, por se fazerem presentes e principalmente por lutarem para que conseguíssemos chegar onde chegamos. Obri-gada por almejarem algo melhor para nossas vidas, se-remos eternamente gratas. Não há como explicar. Nós amamos vocês!

Obrigada aos familiares que estiveram presentes e nos apoiaram de diversas formas.

Amigos, é difícil ter que dizer “não” às baladas do final de semana, aos parques, a viagem para a praia, às comemorações de aniversário (...), porém vocês foram muito compreensivos, obrigada!

Sem esquecer os novos contatos adquiridos nes-te percurso. Márcia de Abreu Jacintho (irmã do Caio), muito obrigada pelas entrevistas, por nos receber tão bem em Porto Alegre, por disponibilizar material e principalmente tempo para a construção do trabalho. Você foi peça-chave! Amanda Costa (amiga do Caio), tivemos uma sorte enorme ao conhecê-la, sua ajuda foi imprescindível. Liana Farias (presidente da Associação Amigos do Caio Fernando Abreu) base inicial e princi-pal fonte no desenvolvimento do projeto, obrigada por

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tudo. Agradecemos a todas as fontes que disponibiliza-ram um pouco de seu tempo para nos ajudar a cons-truir o Caio na rede.

Gostaríamos de agradecer à Adriana Mastelli, nossa designer. Você foi incrível, Dri. Mesmo. Obriga-da, obrigada e obrigada!

Um agradecimento especial à professora Maria Cecília Martinez, que nos direcionou no início deste projeto e nos guiou nos primeiros passos.

E, por fim, aos os dois nomes mais importantes de todo esse trabalho.

Paula Cristina Veneroso, foi mais fácil encarar tudo isso com esse seu senso de humor inacreditável. Nunca deixou de acreditar e nos impulsionou a seguir em frente. Obrigada pela confiança, pelas orientações, pelos sorri-sos e pela sinceridade de sempre. Você ganhou nossa ad-miração, reforçou o respeito que já existia anteriormente e esse livro é resultado da grande profissional que você é. É uma honra saber que o Caio na rede causou em você a mesma emoção que causou em nós.

Monica Rugai Bastos, nem temos como agrade-cer. Você foi a luz, a base, o incentivo, foi decisiva. Nun-ca existirão palavras, jamais.

Com toda a certeza do mundo escolhemos as melhores orientadoras que alguém poderia sonhar em ter. Vocês duas são fantásticas. Muito obrigada por tudo e por sempre.

Ah! Obrigada, Caio. Onde quer que esteja.

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Referências BibliográficasABREU, C.F. Inventário do irremediável. Porto Alegre: Movimento, 1970.

________. Limite branco. Rio de Janeiro: Expressão e Cultura, 1971.

________. O ovo apunhalado. Porto Alegre: Globo, 1975.

________. Pedras de Calcutá. São Paulo: Alfa-Ômega, 1977.

________. Morangos mofados. São Paulo: Brasiliense, 1982.

________. Triângulo das águas. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1983.

________. Os dragões não conhecem o paraíso. São Paulo: Cia. das Letras, 1988.

________. As frangas. São Paulo: Globo, 1988.

________. Onde andará Dulce Veiga? São Paulo: Cia. das Letras, 1990.

________. Ovelhas negras. Porto Alegre: Sulina, 1995.

________. Estranhos estrangeiros. São Paulo: Cia. das Letras, 1996.

________. Pequenas epifanias. Porto Alegre: Sulina, 1996.

________. Cartas. Organização de Ítalo Moriconi. Rio de Janeiro: Aeroplano, 2002.

________. Fragmentos. Porto Alegre: L&PM, 2002.

________. A vida gritando nos cantos. Organização de Laura Souto Santana e Liana Farias. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2012.

CASTELO, J. Não quero me encaixar em prateleiras. O Estado de São Paulo, 9 de De-zembro de 1995.

COSTA, A. 360 Graus – inventário astrológico de Caio Fernando Abreu. Porto Alegre: Libretos, 2011.

DIP, P. Para sempre teu, Caio F.. Rio de Janeiro: Record, 2009.

GANDELMAN, H. De Gutenberg à internet. Rio de Janeiro: Record, 2007.

RAMALHO, J.A. Mídias sociais na prática. São Paulo: Elsevier, 2010.

SANTANA, C.L.S. Redes sociais na internet: potencializando interações sociais. Mes-trado em Educação e Contemporaneidade da Universidade do Estado da Bahia, 2009.

SBARAI, R. Facebook atinge marca de 1 bilhão de usuários. Revista Veja, 2012.

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NotaFizemos o possível para localizar os créditos das imagens utilizadas no livro, porém como grande parte delas foi retirada da internet, ficou difícil conseguir tais informações. As autoras se compro-metem a não medir esforços para buscar os autores e, caso os localize, dar-lhes os devidos créditos no caso da publicação do trabalho.

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