cadernos de economia 98

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CADERNOS DE ECONOMIA Director Rui Leão Martinho Coordenador-Geral António Ramos Gomes Conselho Editorial António Marta António Pinheiro António Pinho Cardão António Simões Lopes Bento Murteira Carlos Tavares Daniel Bessa Eduardo Catroga Francisco Murteira Nabo Guilherme Vaz Jacinto Nunes João Costa Pinto João Salgueiro João da Silva Ferreira José de Almeida Serra José Félix Ribeiro José da Silva Lopes Manuel de Oliveira Marques Manuela Morgado Mário Adegas Mário Baptista Mário Cristina de Sousa Miguel Cadilhe Nicolau Santos Teodora Cardoso Directora Comercial Maria Manuela de Almeida Departamento de Assinaturas Fernando Cotrim Costa Projecto Gráfico RIV®design Paginação António Paulo Gomes | Rui Ligeiro Propriedade e edição Polimeios – Produção de Meios, Lda. Redacção, Administração, Publicidade e Departamento de Assinaturas: Rua Francisco Rodrigues Lobo, 2-R/C Dto. 1070-134 LISBOA, Portugal Telefones: 213 859 950/9 Fax: 213 851 430 E-mail geral: [email protected] URL: www.cadernoseconomia.com.pt ERC 109627. Depósito legal n.º 18969/87 ISSN 0874-4068 Produção Gráfica: Polimeios Tiragem: 20 000 exemplares Distribuição nacional: Logista Portugal, S.A. Ano XXV – Número 98 – Jan/Mar 2012 A revista Cadernos de Economia é uma realização conjunta da Polimeios e da Ordem dos Economistas Portugueses Envelhecimento activo Nos nossos dias, é inaceitável a ideia de um "envelhecimento para as estatísticas". Em sua substituição, desenvolve-se o princípio de um "envelhecimento activo", que inclui a possibilidade de laboração para além da idade convencional - mas, sempre, com boa qualidade de vida. Todavia, esta mudança de filosofia causa novos e complexos problemas. A solução/minimização de tais problemas convoca, desde logo, as empresas para a assunção de uma maior responsabilidade social. Mas toda a sociedade tem de ser envolvida, nomeadamente através da chamada "solida- riedade entre gerações". E, claro, o Estado, obrigado a enveredar por novas políticas públicas para responder à transformação demográfica que se acentua. Neste "Ano Europeu do Envelhecimento Activo e da Solidariedade entre Gerações", que ora se inicia, os Cadernos de Economia dedicam a edição de Março ao assunto. >|< A ORTOGRAFIA DOS CADERNOS DE ECONOMIA Nos termos da legislação portuguesa em vigor (Resolução da Assembleia da República n.º 35/2008 – DR 145, de 29/7/2008), até 2015 coexistem as duas ortografias – a anterior e a que se rege pelo novo Acordo. Assim, alguns autores das nossas publicações já escrevem conforme o novo Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa, mas a maioria faz questão de optar pela ortografia antiga. Naturalmente, até 2015 todos escreverão conforme as suas opções. Entendemos que não é necessário inserir uma nota no final dos artigos, por considerarmos ser claro que a ortografia de cada um deles respeita a vontade de quem escreveu. Qualquer “escla- recimento” tornar–se–ia redundante.

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Page 1: Cadernos de Economia 98

C A D E R N O S D E E C O N O M I A

DirectorRui Leão Martinho

Coordenador-GeralAntónio Ramos Gomes

Conselho EditorialAntónio MartaAntónio PinheiroAntónio Pinho CardãoAntónio Simões LopesBento MurteiraCarlos TavaresDaniel BessaEduardo CatrogaFrancisco Murteira NaboGuilherme VazJacinto NunesJoão Costa PintoJoão SalgueiroJoão da Silva FerreiraJosé de Almeida SerraJosé Félix RibeiroJosé da Silva LopesManuel de Oliveira MarquesManuela MorgadoMário AdegasMário BaptistaMário Cristina de SousaMiguel CadilheNicolau SantosTeodora Cardoso

Directora Comercial

Maria Manuela de Almeida

Departamento de Assinaturas

Fernando Cotrim Costa

Projecto Gráfico

RIV®design

Paginação

António Paulo Gomes | Rui Ligeiro

Propriedade e edição

Polimeios – Produção de Meios, Lda.

Redacção, Administração, Publicidade

e Departamento de Assinaturas:

Rua Francisco Rodrigues Lobo, 2-R/C Dto.

1070-134 LISBOA, Portugal

Telefones: 213 859 950/9 Fax: 213 851 430

E-mail geral: [email protected]

URL: www.cadernoseconomia.com.pt

ERC 109627. Depósito legal n.º 18969/87

ISSN 0874-4068

Produção Gráfica: Polimeios

Tiragem: 20 000 exemplares

Distribuição nacional: Logista Portugal, S.A.

Ano XXV – Número 98 – Jan/Mar 2012

A revista Cadernos de Economiaé uma realização conjunta da Polimeios

e da Ordem dos Economistas Portugueses

Envelhecimento activoNos nossos dias, é inaceitável a ideia de um "envelhecimento

para as estatísticas". Em sua substituição, desenvolve-se o

princípio de um "envelhecimento activo", que inclui a

possibilidade de laboração para além da idade convencional

- mas, sempre, com boa qualidade de vida.

Todavia, esta mudança de filosofia causa novos e complexos

problemas.

A solução/minimização de tais problemas convoca, desde

logo, as empresas para a assunção de uma maior

responsabilidade social. Mas toda a sociedade tem de ser

envolvida, nomeadamente através da chamada "solida -

riedade entre gerações". E, claro, o Estado, obrigado a

enveredar por novas políticas públicas para responder à

transformação demográfica que se acentua.

Neste "Ano Europeu do Envelhecimento Activo e da

Solidariedade entre Gerações", que ora se inicia, os Cadernos

de Economia dedicam a edição de Março ao assunto. >|<

A ORTOGRAFIA DOS CADERNOS DE ECONOMIA

Nos termos da legislação portuguesa em vigor (Resolução daAssembleia da República n.º 35/2008 – DR 145, de 29/7/2008), até2015 coexistem as duas ortografias – a anterior e a que se rege pelonovo Acordo.

Assim, alguns autores das nossas publicações já escrevemconforme o novo Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa, mas amaioria faz questão de optar pela ortografia antiga.

Naturalmente, até 2015 todos escreverão conforme as suas opções.

Entendemos que não é necessário inserir uma nota no final dosartigos, por considerarmos ser claro que a ortografia de cada umdeles respeita a vontade de quem escreveu. Qualquer “escla -recimento” tornar–se–ia redundante.

Page 2: Cadernos de Economia 98

CADERNOS D E E CONOM IA | SUMÁR IO

7 Sensibilizar as empresas para o envelhecimento activo Rui Leão Martinho

9 Vivendo mais, trabalhando mais Stella António

13 O paradoxo do envelhecimento Manuel Villaverde Cabral

17 A solidariedade intergeracional Maria João Quintela e Margarida França

22 A difícil equação– Pensões sustentáveis e melhor proteccao Fernando Ribeiro Mendes

26 Envelhecimento− Contributos para uma agenda da inovacao Isabel Mota

29 A Economia Social e o futuro de Portugal Pedro Mota Soares

33 Envelhecimento e despesa em cuidados de saude Pedro Pita Barros

36 Os idosos e a prestação de cuidados− A emergência de um nicho de mercado Carla Ribeirinho

40 Emprego sénior e envelhecimento activo Glória Rebelo

46 As pessoas idosas enquanto consumidoras de cultura e lazer Luís Jacob

49 Um desafio para a responsabilidade social das empresas Maria Joaquina Madeira

53 O desafio das empresas numa sociedade grisalha Paula Guimarães

58 Um tempo de encontro com novos horizontes Inês Murteira

62 A responsabilidade das empresas no envelhecimento activo João Wengorovius Meneses

65 Da filantropia à responsabilidade social corporativa Zeinal Bava

68 Moda ou necessidade?– A (ir)responsabilidade social das empresas Mário de Jesus e João Rocha Santos

72 A escolaridade e o capital humano Sandrina Berthault Moreira

78 A gestão do valor partilhado Francisco Jaime Quesado

81 Mitos e contradições Nicolau Santos

Page 3: Cadernos de Economia 98
Page 4: Cadernos de Economia 98

RUI LEÃO MARTINHODIRECTOR

Vivemos o Ano Europeu do Envelhecimento Activo e da Solidariedade entre Gerações e os Cadernos de Economia muito a

propósito decidiram dedicar esta edição ao envelhecimento, tendo convidado ilustres especialistas que sobre o tema

reflectiram e elaboraram os artigos que se seguem.

Na verdade, esta temática do envelhecimento é de crucial actualidade e importância para países como Portugal onde a

população com mais de 65 anos de idade representa quase 20% do total, à semelhança do que se passa na grande maioria

dos países europeus.

Esta constatação do aumento da esperança média de vida implica um aumento de procura de respostas, quer sociais quer

económicas, em termos gerais. Ora, sendo o envelhecimento um processo gradual que começa com o nascimento e só

termina com a morte, é indispensável que todos os esforços sejam feitos no sentido de ser saudável, em primeiro lugar, mas

também participativo na sociedade, consoante as necessidades e capacidades de cada um, ou seja, um envelhecimento

activo.

A Organização Mundial de Saúde, ao reconhecer a importância do envelhecimento activo, avança mesmo com uma

definição do conceito, enfatizando que é um processo pelo qual se optimizam as oportunidades de bem-estar físico, social

e mental durante toda a vida com o objectivo de aumentar a esperança de vida saudável, a produtividade e a qualidade de

vida na velhice.

No entanto, não depende apenas dos próprios a possibilidade de escolher um percurso de envelhecimento activo. Isso

depende também de esforços conjuntos do próprio Estado, das empresas e de toda a sociedade civil. A existência de

políticas públicas que respondem a problemas de envelhecimento da população implica uma sensibilização das empresas

e dos empresários para o efectivo exercício de actividades laborais em condições de trabalho aliciantes, bem como um

desafio a ideias novas, inovadoras no sentido de promover oportunidades de colaboração indispensáveis para atingirmos

uma sociedade mais justa, mais coesa e sustentável economicamente.

Temos, felizmente, vários casos entre nós de homens e mulheres envelhecendo activamente, sendo fontes privilegiadas de

saber e experiência, possuindo memória e identidade de lugares e factos, mas precisamos, como sociedade, de multiplicar

e muito estes casos. Há um papel activo para os senadores ou seniores na nossa sociedade e há que criar condições para que

cada um o exerça com liberdade e tendo em conta o valor acrescentado que pode dar à sociedade. >|<

CADERNOS D E E CONOM IA | ED I TOR I A L

JANEIRO | MARÇO 2012 7

Sensibilizar as empresaspara o envelhecimentoactivo

Page 5: Cadernos de Economia 98
Page 6: Cadernos de Economia 98

Vivendo mais,trabalhando mais

A que nos referimos quando falamos de envelhecimento? O envelhecimento pode ser analisado segundo

duas perspetivas: 1) na perspetiva do conjunto da população, denominado envelhecimento demográfico

ou populacional, ou 2) na perspetiva do indivíduo, entendido como envelhecimento individual. Enquanto

a primeira compreende as alterações da estrutura etária da sociedade e se traduz no acréscimo dos com 65

e mais anos(1) no total da população, a segunda, a do indivíduo, engloba a mudança progressiva que o

envelhecimento acarreta na estrutura biológica, psicológica e social de cada pessoa(2).

No presente artigo, referir-nos-emos à perspetiva do envelhecimento demográfico, quais as suas

implicações para o mercado de trabalho e que estratégias adotar no âmbito do envelhecimento ativo.

Considera-se que um país apresenta uma estrutura populacional envelhecida sempre que a proporção da

população mais idosa é superior à população mais jovem. Em Portugal, é uma situação que se verifica

desde 2001. Nessa altura, os mais jovens representavam 16,0% e os mais velhos 16,4%; à primeira vista a

diferença parece pouco significativa, no entanto, os valores absolutos dão-nos outra dimensão. Os mais

jovens contabilizavam 1.656.602 e os mais velhos 1.693.493, ou seja, menos 36.891 jovens. Atualmente, a

proporção dos jovens no total da população é de 14,9% e a dos mais velhos de 19,1%; segundo as previsões

para 2060 os valores serão de 11,9% e 32,3%, respetivamente. Assim, entre 2001 e 2060, a população jovem

apresentará um decréscimo de 20,1%, enquanto que a população com mais de 65 anos terá uma acréscimo

de 69%(3).

Verificar-se-á, também, uma diminuição da população em idade ativa, que compreende os indivíduos com

idades entre os 15 e os 64 anos de idade. Entre 2001 e 2060, apresentarão um decréscimo de 20%.

Atualmente o índice de dependência total(4) é de 51,6% (destes, 22,6% relativos à população jovem e 29%

STELLA ANTÓNIODOCENTE E INVESTIGADORA NO ISCSP/UTL – INSTITUTO SUPERIOR DE CIÊNCIAS SOCIAIS E POLÍTICAS DA UNIVERSIDADE TÉCNICA DE LISBOA

JANEIRO | MARÇO 2012 9

Page 7: Cadernos de Economia 98

10 CADERNOS DE ECONOMIA

à população idosa). Prevê-se que, em 2060, o índice seja

de 77% (destes, 22% respeitantes aos mais jovens e 55%

aos mais velhos)(5).

Para esta situação concorrem fundamentalmente três

fatores:

1 Baixa natalidade, atualmente é inferior à

mortalidade (9,5‰ e 10,0‰, respetivamente) e o

índice sintético de fecundidade (1,37 filhos por

mulher entre os 15 e os 49 anos de idade) está muito

abaixo de 2,1 – limiar de substituição de gerações.

2 Fluxos migratórios, em que saem os mais jovens à

procura de melhores condições de vida, ficando os

mais velhos para trás e, por outro lado, regressa a

população idosa emigrada ao país de origem.

3 Aumento da esperança de vida à nascença e aos

65 anos de idade

3.1. À nascença: hoje, um bebé do sexo masculino

poderá esperar viver até aos 76,1 anos e do

feminino até aos 82,1 anos. Previsões para 2060

apontam para valores de 83,7 anos para os

meninos e 88,8 anos para as meninas.

3.2. Aos 65 anos de idade: atualmente, um indivíduo

do sexo masculino com 65 anos de idade pode

esperar viver mais 16, 6 anos, ou seja, poderá

viver até aos 81,6 anos, e se for do sexo feminino

poderá viver mais 19,9 anos, o que significa até

aos 84,9 anos. Segundo as previsões para 2060,

um homem poderá viver até aos 86,6 anos (mais

21,6 anos) e uma mulher até aos 89,8 anos (mais

24,8 anos).

Face ao exposto, e porque resulta das melhorias

alcançadas na saúde, educação, condições de trabalho,

higiene, nutrição, em suma, das condições de vida em

geral e, também, da evolução científica e tecnológica, o

Considera-se que um

país apresenta uma

estrutura populacional

envelhecida sempre que

a proporção da

população mais idosa é

superior à população

mais jovem. Em Portugal,

é uma situação que se

verifica desde 2001.

Prevê-se que, entre 2001

e 2060, a população

jovem apresentará um

decréscimo de 20,1%,

enquanto que a

população com mais de

65 anos terá um

acréscimo de 69%.

Page 8: Cadernos de Economia 98

JANEIRO | MARÇO 2012 11

envelhecimento demográfico é considerado como uma

das grandes conquistas da humanidade. O que, por seu

lado, constitui também um triplo desafio, em termos:

a) económicos – face aos potenciais custos de uma

população cada vez mais envelhecida e com

necessidades específicas, nos mais diversos níveis;

b) sociais – valorização e integração da população

idosa, cada vez mais habilitada, não só física como

intelectualmente; e

c) geracionais – os custos e despesas com os mais

velhos serão suportados pelos impostos e

contribuições sociais provenientes das gerações mais

jovens em atividade, já muito sobrecarregadas pelos

encargos próprios e cada vez mais comprimidas pelo

decréscimo da fecundidade e consequente

decréscimo da população ativa(6).

Face a estes desafios, e para que o processo de

envelhecimento seja otimizado, não só pelas sociedades

como, também, pelos indivíduos, defende-se a adoção

de políticas de “envelhecimento ativo”, no âmbito da

formação, das políticas do emprego ou da saúde.

No âmbito das políticas de emprego, adotadas pela

Comissão Europeia na sua Estratégia de Emprego para os

Estados membros, a noção de “envelhecimento ativo”(7)

refere-se à manutenção dos indivíduos no mercado de

trabalho o maior tempo possível. Este objetivo visa “(...) a

necessidade de reduzir os efeitos económicos e sociais

das atuais tendências demográficas nos sistemas de

segurança social e nos mercados de trabalho nacionais,

quer no que se refere ao desequilíbrio entre ativos

(contribuintes) e inativos (pensionistas) quer no que diz

respeito ao envelhecimento da população ativa”(8).

No entanto, a manutenção dos trabalhadores o maior

tempo possível no mercado de trabalho, como diz o

povo, é “mais fácil dizer do que fazer”, e porquê?

Porque requer ajustamentos, tanto do lado dos

trabalhadores como dos empregadores. Pelo lado dos

trabalhadores, é necessário que: a) as suas competências

estejam atualizadas, b) estejam em boa forma física e

tenham saúde e c) que o trabalho que desempenham

esteja adaptado às alterações que decorrem do processo

do envelhecimento individual. E, por outro lado, é

necessário acabar com os preconceitos que os

empregadores têm para como os trabalhadores mais

velhos.

É neste sentido que vão os objetivos do Ano Europeu do

Envelhecimento Ativo e da Solidariedade entre

Gerações(9). Assim, e no que diz respeito à promoção do

envelhecimento ativo no domínio do emprego,

pretende-se(10):

− aprendizagem ao longo da vida e aquisição de

novas competências;

− condições de trabalho saudáveis;

− estratégias de gestão da idade nas empresas;

− serviços de emprego para candidatos mais

velhos;

ENVELHECIMENTO E MERCADO DE TRABALHO: VIVENDO MAIS, TRABALHANDO MAIS | STELLA ANTÓNIO

Page 9: Cadernos de Economia 98

12 CADERNOS DE ECONOMIA

− não discriminação com base na idade;

− sistemas fiscais e de segurança favoráveis ao

emprego; e

− transferência de experiências.

Porque, como diz Wallace, “nenhuma área será mais

afetada pelo terramoto geracional do que o local de

trabalho. No entanto, nenhuma área parece estar tão mal

preparada para o desafio. As empresas já não podem

contar com a fonte de novos e jovens recrutas. Essa fonte

está a secar. A massa existente de trabalhadores está a

envelhecer rapidamente”(11). >|<

NOTAS

(1) Adota-se aqui a idade dos 65 anos de idade para definir uma pessoa

idosa. No entanto, deve ressalvar-se que o limite dos 65 anos de

idade é adotado para os países desenvolvidos, enquanto que para os

países em vias de desenvolvimento o limite é de 60 anos. Esta

diferença deve-se, essencialmente, ao facto de a esperança de vida

ser superior nos países mais desenvolvidos.

(2) António, Stella (2011), “Sobre velhice e envelhecimento ativo – À

maneira de prefácio” in Luís Jacob e Hélder Fernandes (coord.), Ideias

para um Envelhecimento Ativo, Almeirim, RUTIS, p. 5.

(3) Os dados relativos a 2001 e 2011 foram retirados de www.pordata.pt,

os de 2060 foram de European Economy 7/2008 - the 2009 Ageing

Report: Underlying assumptions and projection methodologies for the

EU-27 Member states, p. 200.

(4) Refere-se à relação entre a população com menos de 15 anos e com

mais de 65 e a população entre os 15 e os 64 anos de idade vezes

100.

(5) Os dados relativos a 2001 e 2011 foram retirados de www.pordata.pt,

os de 2060 foram de European Economy 7/2008 - the 2009 Ageing

Report: Underlying assumptions and projection methodologies for the

EU-27 Member states, Luxembourg, Office for Official Publications of

the European Communities, p. 200.

(6) António, Stella (2011), “Solidariedade Intergeracional:

Envelhecimento Demográfico e Opiniões dos Portugueses” in Atas

do Seminário sobre intergeracionalidade, Lusíada, Intervenção Social,

Lisboa, nº. 36/2010, p. 91.

(7) A noção de “envelhecimento ativo” foi objeto de orientações nas

instituições europeias em 1999 e 2000; no entanto, só em 2001

ganhou maior destaque, (Hessel, 2008:161).

(8) Pestana, Nuno Nóbrega (2003), Trabalhadores Mais Velhos: Políticas

Públicas e Práticas Empresariais, Lisboa: MSST/DGERT, p. 7.

(9) O Parlamento Europeu e a Comissão Europeia declararam 2012

como Ano Europeu do Envelhecimento Ativo e da Solidariedade

entre Gerações.

(10) European Comission (2012), Como queremos envelhecer? Campanha

por uma sociedade para os jovens e os idosos, Ano Europeu do

Envelhecimento Ativo e Solidariedade entre Gerações, Catalogue nº.

KE-30-11-406.PT-C.

(11) Wallace, Paul (2001), Terramoto Geracional. Uma viagem na

montanha-russa demográfica, Mem Martins, Publicações Europa-

América, p. 158.

ENVELHECIMENTO E MERCADO DE TRABALHO: VIVENDO MAIS, TRABALHANDO MAIS | STELLA ANTÓNIO

Page 10: Cadernos de Economia 98

O paradoxodo envelhecimento

É importante desconstruir o paradoxo do envelhecimento, em especial no momento em que se celebra o

Ano Europeu do Envelhecimento Activo e da Solidariedade entre Gerações. Com efeito, do ponto de vista

da sociologia do envelhecimento, esse paradoxo reside no facto de o aumento generalizado da esperança

de vida, assumido pelas nossas sociedades como indiscutivelmente positivo, gerar contudo uma série de

consequências complexas e mesmo gravosas, em três planos pelo menos:

− no plano dos riscos, correlativos da longevidade, da vulnerabilidade do estado de saúde; do

isolamento social e da solidão; da dependência não só física e mental como económica; e,

finalmente, da estigmatização da velhice;

− no plano dos riscos inerentes à sustentabilidade dos sistemas públicos de saúde e segurança

social;

− por último, no plano dos riscos associados às relações intergeracionais, ao nível da equidade

financeira entre as gerações, da competição nos mercados de trabalho e do apoio mútuo que entre

elas se devem.

Por outras palavras, se o aumento contínuo da esperança de vida deve ser encarado com uma bênção

universal, as jovens gerações não podem ser as vítimas (nem os carrascos) da crescente longevidade

dos seus pais e avós. As efectivas contradições que pendem sobre as relações intergeracionais já

foram sociológica e economicamente identificadas como uma competição de ordem simbólica e

material, nem sempre equitativa nem pacífica, por recursos escassos. Em Portugal, a competição

entre seniores e juniores no campo económico foi discutida por Fernando Ribeiro Mendes na sua

MANUEL VILLAVERDE CABRALDIRECTOR DO INSTITUTO DO ENVELHECIMENTO | UNIVERSIDADE DE LISBOA

JANEIRO | MARÇO 2012 13

Page 11: Cadernos de Economia 98

14 CADERNOS DE ECONOMIA

Conspiração grisalha(1), cujo título fala por si mesmo ao

recordar as campanhas em defesa dos interesses dos

reformados e dos seniores em geral.

Num plano filosófico mais amplo, a contraditoriedade

própria das relações sistémicas entre gerações em

sociedades envelhecidas foi brilhantemente analisada

pelo norte-americano Norman Daniels, num livro em

cujo título formula uma pergunta à qual não podemos

fugir: Será que o meu destino é tomar conta dos meus

pais?(2). Ora, a resposta a tal pergunta só pode ser

negativa – não só por razões éticas, mas também por

motivos históricos e até demográficos ligados ao declínio

da fertilidade.

Como agir então? A dimensão global do

envelhecimento demográfico, isto é, do rácio entre

pessoas com 65+ anos e jovens até aos 15 anos (perto de

140 em Portugal), impede hoje de conceber o

reequilíbrio entre gerações na base das migrações dos

países com alta fertilidade para os de baixa fertilidade. A

longo prazo, a única “solução” para o paradoxo do

envelhecimento global passa, segundo Esping-

Andersen, por políticas de natalidade como aquelas que

já foram desenvolvidas com algum êxito em vários

países. Quanto à sustentabilidade dos sistemas de

pensões, o mesmo autor apela à equidade no sentido de

uma redistribuição drástica entre as pensões mais altas e

mais baixas, no sentido inverso da longevidade média

dos respectivos beneficiários, muito superior entre os

das primeiras(3).

Entretanto, as instâncias internacionais envolvidas nas

políticas para o envelhecimento, visto basicamente do

ponto de vista da sustentabilidade dos sistemas de

segurança social e de saúde, conceberam uma espécie de

paliativo a que foi dado o nome de “envelhecimento

activo”, de acordo com a terminologia da Organização

Mundial de Saúde. A expressão remete para a noção

familiar de “políticas activas”, segundo as quais os Estados

se propõem estimular a pró-actividade dos cidadãos no

Se o aumento contínuo

da esperança de vida

deve ser encarado como

uma bênção universal, as

jovens gerações não

podem ser as vítimas

(nem os carrascos) da

crescente longevidade

dos seus pais e avós.

As efectivas contradições

que pendem sobre as

relações intergeracionais

já foram sociológica e

economicamente

identificadas como uma

competição de ordem

simbólica e material, nem

sempre equitativa nem

pacífica, por recursos

escassos.

Page 12: Cadernos de Economia 98

JANEIRO | MARÇO 2012 15

sentido de “eles se ajudarem a si próprios” e responsa -

bilizando-os, em última instância, pelos seus fracassos.

A expressão “activo” remete ainda para a noção

biomédica, seguramente positiva, da manutenção da

actividade motora e cognitiva por parte das pessoas mais

velhas, nomeadamente quando passam da vida activa à

inactividade. A epítome do “envelhecimento activo” é,

pois, os “estilos de vida saudáveis”, que deveriam ser

adoptados de forma a promover a saúde e prevenir as

doenças, em particular na velhice. Por sua vez, a crítica da

dimensão ideológica da noção de “envelhecimento

activo” é equivalente à crítica desses “hábitos saudáveis”,

cujo carácter socialmente diferenciado faz com que já

tenham sido identificados como introduzindo um efeito

perverso de iniquidade suplementar, pois a sua adopção

está directamente associada aos mesmos determinantes

sociais que contribuem para as iniquidades perante a

doença e a morte(4).

Além dessa dimensão ideológica, as políticas activas para

o envelhecimento possuem outros efeitos de ocultação e

de omissão. Por exemplo, não se vê como é que os

eventuais ganhos de saúde trazidos pelos “hábitos

saudáveis” melhorariam significativamente a susten -

tabilidade dos sistemas públicos de saúde, já que a

elevação dos seus custos se deve sobretudo à evolução

tecnológica da medicina e tende a concentrar-se nos

derradeiros anos de vida dos indivíduos(5). Em

contrapartida, esses ganhos médios de saúde têm

servido para legitimar o adiamento da idade da reforma

e para o prolongamento não-voluntário da actividade.

Em Portugal, concretamente, a legitimidade do

adiamento da reforma defronta-se com uma limitação

considerável, que é a elevada percentagem de pessoas

com longas vidas de trabalho indiferenciado e até lesivo

para a saúde, a quem esse adiamento já está a ser

imposto.

Nesta linha de desconstrução do “envelhecimento

activo”, foi igualmente observado pela antropóloga

Susana Matos Viegas que essa ideologia – com a sua

devolução da responsabilidade pela doença ao próprio

doente; com as suas exigências, por justificadas que

sejam em sede biomédica, de actividade e autonomia;

com o seu imaginário jovem e a sua carga elitista,

apresentados como independentes das desigualdades

sociais, ao serem projectados sobre populações idosas

como a portuguesa, marcada pelos défices de instrução,

de rendimento e até de saúde que conhecemos – tal

ideologia só pode ser experienciada como uma

estigmatização das legítimas identidades dos idosos

portugueses(6).

Ora, a verdade é que, bastante antes das promessas do

“envelhecimento activo”, já o grande cientista social

Norbert Elias havia denunciado “a solidão dos

moribundos”, título provocatório de um pequeno livro de

1982, a cujo tema voltaria no ano seguinte com o ensaio

“Envelhecer e morrer: alguns problemas sociológicos”(7).

Como ele próprio explica, “moribundo” não é apenas

quem está prestes a morrer; são todas as pessoas olhadas

como se “estivessem para morrer”. Assim, a ideologia do

“envelhecimento activo” manifesta-se também por

omissão; por aquilo que, voluntária ou involuntaria -

mente, encobre: no caso, o olhar discriminatório e

preconceituoso com que os idosos são olhados,

sobretudo quando deixam de trabalhar.

O PARADOXO DO ENVELHECIMENTO | MANUEL VILLAVERDE CABRAL

Page 13: Cadernos de Economia 98

16 CADERNOS DE ECONOMIA

Elias foi dos primeiros a identificar o efeito de solidão que

representa, para uma pessoa idosa, “encontrar-se entre

tanta gente para quem é socialmente insignificante”, ao

mesmo tempo que chamou a atenção para o facto de “a

coisa mais difícil da actual forma de envelhecer e de

morrer é o gradual arrefecimento das relações”. Em suma:

“O sonho do elixir da vida e da fonte da juventude é

muito antigo, mas só tomou uma forma científica – ou

pseudocientífica – nos nossos dias. A constatação de que

a morte é inevitável está encoberta pelo empenho em

adiá-la cada vez mais com a ajuda da medicina e da

prevenção, e com a esperança de que tudo isso talvez

funcione” (p. 56).

Porém, tão importante ou mais do que a crítica desse

encobrimento é a preciosa anotação sociológica de

Elias, segundo a qual existe uma óbvia “conexão entre a

maneira como uma pessoa vive e a maneira como

morre” (p. 71). Ora, é esta decisiva conexão social entre

a maneira como se vive e a maneira como se envelhece

e se morre que nos compete documentar e analisar

enquanto investigadores. Por sua vez, compete às

políticas públicas assumirem essa conexão e corrigi-la

em tempo útil ou compensá-la se já não forem a tempo

de a corrigir. >|<

NOTAS

(1) Mendes, Fernando Ribeiro (2005), A conspiração grisalha: segurança

social, competitividade e gerações, Oeiras: Celta; mais recentemente

do mesmo autor: Segurança Social: o futuro hipotecado, Lisboa: FFMS,

2011.

(2) Daniels, Norman (1998), Am I my parents’ keeper? – An essay on justice

between the young and the old, Oxford: Oxford University Press.

(3) Esping-Andersen, Gosta (2008), Três lições sobre o Estado-Providência,

Lisboa: Campo da Comunicação.

(4) Cabral, Manuel Villaverde & Silva, Pedro Alcântara da (2009), O estado

da Saúde em Portugal: acesso, avaliação das atitudes da população

portuguesa – evolução entre 2001 e 2008 e comparações

internacionais, Lisboa: Imprensa de Ciências Sociais, pp. 33-41.

(5) Barros, Pedro Pita (2011), “O impacto na Sustentabilidade e nos

Modelos dos Sistemas de Saúde dos Grandes Avanços Científicos e

Tecnológicos“, Conferência Anual 2011 Infarmed – Medicamentos –

Produtos de Saúde – Inovação, Desenvolvimento e Sustentabilidade,

Centro de Congressos do Estoril (pdf ).

(6) Viegas, Susana Matos (2007), A Identidade na Velhice (com Catarina

Gomes), Porto: Ambar.

(7) Elias, Norbert (2001), A solidão dos moribundos, São Paulo: Editora

Zahar.

O PARADOXO DO ENVELHECIMENTO | MANUEL VILLAVERDE CABRAL

Page 14: Cadernos de Economia 98

A solidariedadeintergeracional

Por decisão do Parlamento Europeu, 2012 é o “Ano Europeu do Envelhecimento Activo e da Solidariedade

entre Gerações”. Uma oportunidade para todos de reflectir sobre o facto de os europeus viverem agora

mais tempo e com mais saúde do que nunca e aproveitar as oportunidades que se lhes oferecem.

Conforme o site do Ano Europeu, o envelhecimento activo pode dar à geração do baby-boom e às pessoas

idosas do futuro a oportunidade de permanecerem no mercado de trabalho e partilharem a sua

experiência, continuando a desempenhar um papel activo na sociedade e usufruindo de uma vida o mais

saudável e gratificante possível. Considera também que é essencial para manter a solidariedade

intergeracional em sociedades em que o número de pessoas idosas aumenta rapidamente, e que o desafio

para os políticos e todos os que se interessam por estas questões será de melhorar as oportunidades para

um envelhecimento activo em geral e para a manutenção de uma vida autónoma, intervindo em áreas tão

diversas como, entre outras, o emprego, os cuidados de saúde, os serviços sociais, a educação, o

voluntariado, a habitação, a informática e os transportes.

O Ano Europeu pretende sensibilizar para estas questões e para a melhor forma de as abordar, mas acima

de tudo procura incentivar os responsáveis na definição de objectivos e na tomada de medidas para os

alcançar, indo para além do debate e começando a produzir resultados palpáveis(1).

Este Ano acontece dez anos depois da segunda Assembleia Mundial do Envelhecimento, que ocorreu em

Madrid em 2002, da publicação do documento "Active Ageing, a Policy Framework" pela Organização

Mundial da Saúde (OMS), e cinco anos após o lançamento pela mesma do "Age-Friendly Cities Guide", no

seguimento da constatação do crescente envelhecimento das cidades, em todo o mundo.

MARGARIDA FRANÇAADMINISTRADORA HOSPITALAR

PRESIDENTE DA SOCIEDADE PORTUGUESA PARA A QUALIDADE NA SAÚDE

CONSULTORA DA DIRECÇÃO-GERAL DA SAÚDE

MARIA JOÃO QUINTELAMÉDICA | PRESIDENTE DA ASSOCIAÇÃO PORTUGUESA DE PSICOGERONTOLOGIA

VICE-PRESIDENTE DA SOCIEDADE PORTUGUESA DE GERIATRIA E GERONTOLOGIA

CONSULTORA DA DIRECÇÃO-GERAL DA SAÚDE

JANEIRO | MARÇO 2012 17

Page 15: Cadernos de Economia 98

18 CADERNOS DE ECONOMIA

Tanta preocupação e interesse pela área do envelhe -

cimento tem levado estudiosos de todas as áreas

científicas a explicar as dificuldades inerentes aos

desequilíbrios sociais e económicos ligados ao

envelhecimento populacional, nomeadamente os seus

impactos nos sistemas de saúde e de segurança social.

Este "peso" social dos mais velhos, tantas vezes descrito

como um problema, que as pessoas idosas acabam por

sentir como acusação, por estarem vivas tanto tempo

sem libertar oportunidades aos mais novos, por não

contribuírem para a sociedade quando doentes ou com

dependência, e incorrerem em elevados custos aos

Estados, pelas polipatologias acumuladas com o tempo,

está explicitado nas mais variadas dissertações sobre o

"problema" do envelhecimento demográfico.

O que este discurso não tem realçado da mesma forma

contundente é que esta transformação demográfica,

para além da maior longevidade conseguida nomeada -

mente no último século, se fez acompanhar de uma

progressiva e consistente baixa de natalidade, e que

estas alterações não têm a mesma expressão de impacto

em todo o cenário europeu. De facto, prevê-se que, em

2030, a percentagem de população de 65 e mais anos

varie nas diferentes regiões europeias entre valores de

10,4% a 37,3%(2).

No quadro das novas realidades sociais e económicas que

se enfrentam, em que todos os modelos económicos

recentes estão postos em causa, a geração do baby-boom

está reformada ou em vias de ir para a reforma. As subtis

legislações que foram prevendo a penalização das futuras

reformas e o aumento da idade de aposentação incitaram

indirectamente à sua antecipação e abriram um largo

espaço à entrada de outras gerações, que só não se verifica

porque a crise está a levar o desemprego a níveis

preocupantemente crescentes. Os mais velhos enfrentarão

ainda mais a pobreza, mas apesar de tudo serão ainda uma

significativa parte do apoio aos mais novos, que não

conseguem aceder às vagas no mercado do trabalho.

A taxa de empregabilidade constitui, como é natural, um

factor da manutenção do emprego dos mais velhos, bem

como a satisfação com o trabalho.

E é assim que inevitavelmente toma cada vez mais corpo

a necessidade de investir numa sociedade solidária

intergeracional e num envelhecimento para além do

saudável. Um envelhecimento activo não significa

apenas a manutenção por mais dois, três, quatro ou mais

anos no mercado de trabalho, mas sim um apelo à

mudança de mentalidades para uma melhor qualidade

de vida, perspectivas que assumem ainda mais

premência no clima de incerteza e de confrontação de

paradigmas sociais e de bem-estar, em países como o

nosso.

Importa, assim, sublinhar a definição de envelhecimento

activo, da OMS, como o "processo de optimização das

oportunidades para a saúde, participação e segurança,

para a melhoria da qualidade de vida das pessoas à

medida que envelhecem", num contexto de solida -

riedade entre as gerações e de inovação social, política e

económica.

Não há saúde sem participação e sem segurança, nem

saúde quando vivida em total isolamento ou solidão.

Não há participação sem saúde e sem solidariedade

entre as gerações.

Não há segurança sem apoios à vida, vivida numa

perspectiva de manutenção e promoção da autonomia e

independência o maior tempo possível, numa dinâmica

de acompanhamento ao longo do tempo e de respeito

pela pessoa humana e pela sua vontade, individualidade,

integridade, privacidade, história e dignidade.

Durante muito tempo, quando se falava de “idosos”,

imediatamente se falava de "lares de idosos", deixando

crer que "eles", os “idosos”, mal ou bem, estariam

acompanhados. Mesmo que se tratasse de viver naquele

Page 16: Cadernos de Economia 98

JANEIRO | MARÇO 2012 19

que é o mundo não desejado, tantas vezes sórdido,

maquiavélico e oportunista dos lares ilegais e do

aproveitamento indecente que se faz das pessoas idosas

e das suas famílias, nestes e noutros sectores, até à

exaustão psicológica, física, jurídica e financeira.

Mas repentinamente percebemos que, afinal, as

estatísticas do INE publicadas, e relativas aos censos de

2001, já nos diziam há muito que existia um número

muito significativo de pessoas idosas que viviam sós, e

que muitas dessas pessoas são cuidadas por pessoas

também idosas, que lhes prestam cuidados e apoio.

Ainda não conhecemos os custos reais do abandono, da

desparticipação, da desarticulação entre os múltiplos

actores, da violência social, financeira e psicológica, da

dependência que se gera velozmente pela insatisfação

de viver contrariado fora da sua casa, longe do seu gato,

cão ou do canário na gaiola, ou, ainda, sozinho, sem o

telefonema de ninguém, inseguro e com medo de sair à

rua, de cair e fracturar o colo do fémur, de ser vítima de

roubos diários do seu porta-moedas, por quem faz as

compras, ou se deixado onze horas por dia ou mais em

frente a um aparelho de televisão, esperando apenas as

horas das refeições e do deitar.

E dos que ainda vão querendo cuidar dos seus mais

velhos, com esforços, abnegação e dedicação, pouco se

fala e pouco se reconhece.

E também não ouvimos falar do valor do contributo

social e familiar dos mais velhos, quando cuidam dos

netos, fazem as compras da casa aos filhos, frequentam

os hotéis e as termas nas épocas "baixas", utilizam os

transportes públicos, cuidam dos outros mais velhos,

exercem trabalho voluntário, trabalham no campo,

procurando manter-se vivos e saudáveis mesmo com

parcos recursos financeiros, e dos que, cientes da sua

fragilidade, ou de que o seu tempo já passou, se

sujeitam, sem uma queixa, a ser tratados como "filhos

de um Deus menor".

O próximo sinal político de uma viragem na mudança de

mentalidades face ao destino social e às oportunidades

de continuar a viver de vida autónoma e independente o

mais tempo possível, sem ser considerado um peso

social, dos nossos mais velhos, terá que passar da

insustentável visita a "lares de idosos" para a visita a

pessoas idosas nas suas casas, apoiadas por serviços

respeitadores e por uma sociedade mais civilizada, que

desperdice menos a vida humana, bem como a saúde e a

autonomia de cada um, permitindo viver mais tempo

sem custo acrescido do Estado e das famílias.

O futuro das soluções conjunturais face ao envelhe cimento

populacional passa por uma mudança de paradigma, que

levará a sociedade a olhar para os seus mais velhos

doentes, menos como ocupadores de camas de elevado

custo, e mais como futuros agentes de economia social e

familiar, uma vez recuperados e reabilitados.

De facto, a pergunta que faremos a nós próprios nos

próximos tempos, e face ao futuro que nos espera, é

quanto valemos exactamente como pessoas? Quanto

vale viver mais tempo? De que modo podemos tornar

mais evidente o nosso valor face àquele que nos vai

prestar cuidados um dia, para que não fiquemos, quando

mais frágeis, à mercê apenas do conceito social de

envelhecimento do momento.

O paradigma da qualidade passará seguramente dos

“serviços para idosos” para “serviços para nós”. Quer isto

dizer que os serviços para as pessoas idosas só terão

qualidade e serão desejados, quando nós próprios nos

virmos como seus clientes.

CONCLUSÃOO conceito de envelhecimento activo como conjunto de

oportunidades para a saúde, participação e segurança,

numa sociedade que valorize todas as gerações, poderá

ser, se encarado seriamente, e com carácter de

investimento proactivo num futuro mais feliz, um óptimo

A SOLIDARIEDADE INTERGERACIONAL | MARIA JOÃO QUINTELA E MARGARIDA FRANÇA

Page 17: Cadernos de Economia 98

20 CADERNOS DE ECONOMIA

“plano de poupança reforma”. É, pois, possível que todos

se sintam motivados para continuar a produzir mais anos

e saúde para si próprios e para os outros, mais

participação social num mundo do trabalho para todas

as idades, em que os reformados não se considerem

"retirados" nem sejam vítimas de exclusão discri -

minatória, mas antes constituam uma nova força de

dinâmicas sociais activas e úteis, e em que a segurança

seja um atributo inerente às atitudes preventivas e de

pedagogia social, que nos mantenha lúcidos face aos

diferentes valores e produtos, de cuja avaliação se não

exclua o valor das pessoas, como seres humanos, objecto

de deveres e de direitos.

A vontade bem expressa pelos nossos mais velhos, de

querer viver nas suas casas o mais tempo possível, apela

cada vez com mais expressão às nossas consciências para

não construir respostas para “eles”, que não desejamos

para “nós”.

A idade tem que deixar de ser a arma mortífera de

arremesso, que utilizamos de forma agressiva e

oportunista quando falamos dos que “ainda não têm

idade...” ou dos que “já não têm idade...”.

Defender as matérias do envelhecimento activo e do

direito à participação social, das cidades amigas das

pessoas idosas, da prevenção da violência contra os mais

velhos, dos serviços na comunidade e próximos dos

cidadãos, de uma medicina de acompanhamento global,

multidisciplinar e interdisciplinar, e da informação às

famílias e principais prestadores de cuidados informais,

para além da medicina curativa, de serviços de saúde

inclusivos e que acompanhem as evoluções demo grá -

ficas e sociais, é igualmente defender o desenvolvimento

e a modernidade na promoção de todas as

oportunidades para a saúde, em todas as políticas.

Naturalmente que a formação e investigação nas áreas

da gerontologia e da geriatria adaptadas a múltiplos

sectores da nossa sociedade, desde a escola aos

diferentes patamares de ensino, à saúde, às áreas

jurídicas e sociais, dos serviços e instituições às múltiplas

áreas de atendimento, ao marketing, à cosmética e aos

media, e a toda a sociedade, é indispensável para

começarmos a compreender que também enve -

lhecemos.

É necessário que os agentes económicos e a economia

em geral esqueçam o mito de que os trabalhadores mais

velhos “roubam” os lugares dos mais novos, e evoluam

para o entendimento de que a produtividade dos mais

novos e dos mais velhos é mutuamente complementar.

É necessário interiorizar que envelhecer é a única forma

de estar vivo mais tempo, e que o conceito de

envelhecimento activo nos ajuda a participar desde

sempre na nossa longevidade, bem como a construir

com mais segurança e solidariedade o futuro, quando

formos nós a fazer parte das estatísticas demográficas da

população idosa e a sentir na pele a cultura do momento,

face à idade e ao envelhecimento. >|<

NOTAS

(1) http://europa.eu/ey2012/ey2012.jsp?langId=pt.

(2) Comittee of the Regions. European Union. AGE Platform Europe.

How to promote active ageing in Europe. EU support to local and

regional actors. September 2011.

A SOLIDARIEDADE INTERGERACIONAL | MARIA JOÃO QUINTELA E MARGARIDA FRANÇA

Page 18: Cadernos de Economia 98
Page 19: Cadernos de Economia 98

Pensõessustentáveis

e melhor protecção

Com uma população muito concentrada nas cidades, especialmente em torno de Lisboa e Porto, uma

natalidade que caiu dramaticamente nas últimas décadas e experimentando uma longevidade crescente,

Portugal tem hoje uma das taxas de dependência dos idosos mais elevadas na Europa(1). Isto sucede

quando as condições de vida da maioria dos portugueses estão muito marcadas pela mudança das

estruturas familiares e de vizinhança. Estão definitivamente perdidas muitas das tradicionais solidariedades

de proximidade, que, até há poucos decénios, eram decisivas para lidar com a dependência e as

incapacidades dos idosos (e não só).

Muitas crianças e jovens sofrem a exposição precoce a consideráveis riscos sociais, associados à

marginalidade e à toxicodependência, sem que as famílias lhes possam valer. Ao mesmo tempo, pessoas

com necessidades especiais, em consequência de deficiência e doença crónica, além dos muitos idosos

com autonomia reduzida, estão ameaçados pela solidão. Fora da actividade económica, e retirados do

convívio com os próximos, ficam cada mais vulneráveis perante a pobreza, a exclusão social e a morte,

como casos recentes nos vieram lembrar com terrível veemência.

Tudo isto ocorre quando o desenvolvimento económico de Portugal se revela mais problemático. Sem

crescimento económico sustentado, as transferências de rendimento que o Estado vem realizando, ao

longo de décadas, e que aliviaram a pobreza de muitos, têm tido impactos de longo prazo menos virtuosos,

retirando recursos actuais ao investimento económico e social, e engrossando a dívida que as gerações

mais novas terão de liquidar, o que ameaça a sustentabilidade das finanças públicas e da economia

nacional. Interesses próprios dos novos e dos mais velhos estão em rota de colisão e uma fractura entre as

gerações ameaça a nossa coesão social.

FERNANDO RIBEIRO MENDESECONOMISTA | PROFESSOR DO ISEG-UTL

22 CADERNOS DE ECONOMIA

A DIFÍCIL EQUAÇÃO

Page 20: Cadernos de Economia 98

JANEIRO | MARÇO 2012 23

RESPOSTAS INSUFICIENTES AO RISCODE POBREZA E À EXCLUSÃOA presente conjuntura aumenta a intensidade dos riscos,

pondo mais em evidência as deficientes respostas sociais

dadas pelo Estado e pelas famílias e comunidades.

Na esfera da intervenção pública, as respostas a esta

evolução complexa permanecem excessivamente

focalizadas na atribuição de subsídios pecuniários às

populações em risco, revelando-se menos eficazes no

combate às privações a que estão sujeitas e no apoio não

pecuniário. Embora o indicador global de risco de

pobreza se venha reduzindo lentamente, o indicador de

efectiva privação material da população aumentou entre

2005 e 2008, ocorrendo as situações mais gravosas entre

os jovens e os mais idosos(2).

O impacto positivo das transferências monetárias,

relativamente à situação dos idosos, é bem conhecido.

Na presente conjuntura, infletiu-se esta evolução e os

idosos registam em 2010 uma taxa de 21% (mais um

ponto percentual do que no ano anterior).

Por outro lado, as políticas públicas da década anterior

foram implementadas sem se cuidar verdadeiramente de

responsabilizar os indivíduos, as famílias e as

comunidades quanto à procura de soluções inte gra -

doras, com o envolvimento e a participação de todos, na

perspectiva de um desenvolvimento social mais

equilibrado. Quanto às políticas do actual governo, é

cedo para verificar se as acções previstas estão a ser

lançadas na direcção correcta.

A DESQUALIFICAÇÃO DO EMPREGOEntretanto, a qualidade do emprego diminuiu e Portugal

passou a integrar, depois de 2008, o grupo de países

onde a destruição de empregos atinge sobretudo os de

qualificação e ganhos médios. Deste modo, polarizam-se

crescentemente os empregos criados – menos de

elevada qualificação e mais de baixa qualificação. Isto

contraria o que se verificara desde 1996, quando a

destruição de empregos se traduzia no upgrading do

emprego(3). Por outro lado, os contratos precários são

justificados em mais de 80% das situações pela

impossibilidade de ter contratos sem termo certo, no que

acompanhamos a Espanha e Chipre, todos bem longe da

situação dos restantes Estados da União.

Em 2011, as taxas de emprego da população em idade

activa entre 15 e 64 anos situavam-se nos 65,6% (1,4

pontos percentuais acima da média dos 27); e nos 69,8%

entre 20 e 64 anos (um ponto percentual acima da média

dos 27), segundo os dados oficiais do Eurostat. Em 2007,

antes da crise, eram de 67,9% (UE: 65,3%) e 70,5% (UE:

68,6%), respectivamente.

Isto é, está a diminuir a inserção efectiva da população

em idade activa no mercado de trabalho. E no que diz

respeito à actividade jovem, a taxa de emprego da

população entre 15 e 24 anos evoluiu para um nível

inferior à média da UE (35,8% e 36,6%, respectivamente),

em 2011, tendo partido da situação inversa no início da

década (42,9% e 36,7%, respectivamente, em 2001).

Progresso da escolarização crescente dos jovens? Sim,

mas também dificuldades de emprego, que estão a sentir

cada vez mais.

Ainda antes do agravamento da crise económica e

financeira, o desemprego crescera ao longo de toda a

década, chegando aos 7,6% em 2007. Com a crise,

saltou até aos 13,6%, em finais de 2011, e irá agravar-

se ainda mais. O fenómeno afecta ligeiramente mais as

mulheres dos que os homens, sendo os jovens os mais

expostos ao flagelo (30,8%, também em Dezembro de

2011). O desemprego de longa duração atinge 6,3%

em 2011 (4% na UE), estando a aumentar também

entre os mais idosos.

>

A DIFÍCIL EQUAÇÃO: PENSÕES SUSTENTÁVEIS E MELHOR PROTECÇÃO | FERNANDO RIBEIRO MENDES

Page 21: Cadernos de Economia 98

24 CADERNOS DE ECONOMIA

SISTEMA DE PENSÕES SOB PRESSÃOA crise actual agrava ainda mais a situação,

desencorajando muitos de permanecerem em

actividade. Os mais velhos em idade activa, entre os 55 e

os 64 anos de idade, apresentam em 2011 uma taxa de

emprego estabilizada desde o início da década nos

49,2% (apenas 3,7 pontos percentuais acima da UE,

quando em 2001 essa diferença era de 13,7 pontos

percentuais), o que cria uma pressão importante sobre o

sistema de pensões.

A idade média de saída do mercado de trabalho da

população está acima da média da União (62,6 anos e

61,4, respectivamente, em 2009), mas esse diferencial

tem vindo a diminuir. Isto contraria as expectativas

criadas pela reforma da segurança social de 2007, que

teve como pressuposto o adiamento da passagem à

reforma para contrariar a redução do nível de adequação

das pensões no futuro.

Como se verifica no gráfico 1, entre 2008 e 2048, a queda

da taxa (teórica) de substituição dos salários pelas

pensões de carreira contributiva completa dos regimes

contributivos é projectada oficialmente como a mais

violenta na União. E nada há de novo quanto a esquemas

complementares que pudessem compensar este efeito.

O efeito do factor de sustentabilidade e da nova fórmula

de cálculo da pensão poderia ser contrariado, em

princípio, pelo adiamento da passagem à reforma. Se as

condições do mercado de trabalho o permitirem, quem

quiser pode trabalhar mais algum tempo depois de

atingir a idade legal de reforma, e assim compensar a

quebra de substituição do salário. No entanto, à medida

que a transição de regimes de pensão pré-2007 vai sendo

concluída, tal compensação será cada vez mais custosa.

Actualmente, a bonificação resultante de mais dois anos

a trabalhar além dos 65 (tendo carreira contributiva

completa) melhora a taxa teórica de substituição líquida

em 29%. Em 2050, o correspondente ganho não chegará

aos 20%. Como já fora destacado pela OCDE, o nosso país

não prefere as vidas activas mais longas para contrariar as

pressões demográficas do envelhecimento, conta mais

em economizar através da redução violenta da taxa de

Grá�co 1

35

25

15

5

-5

0

-25

-35

-15

PT SE PL FR IT CZ DK EL DE FI MT HU SK LV BE LT LU NL AT IE ES UK EE CY BG SI RO

● Change in gross replacement rates between 2008-20048 owing to total Statutory pension schemes (percentage points change)

● Change in gross replacement rates between 2008-20048 owing to Occupational and other supplementary pension schemes (percentage points change)

Fonte: Com. Europeia, White Paper – An Agenda for Adequate, Safe and Sustainable Pensions, 2012.

Page 22: Cadernos de Economia 98

JANEIRO | MARÇO 2012 25

substituição dos salários pelas pensões(4). A manter-se a

idade legal de reforma nos 65 anos, a adequação das

pensões será prejudicada no longo prazo de forma

severa, de forma agravada pelas conjunturas adversas ao

emprego sénior que estamos atravessando.

São necessárias novas medidas de reforma do sistema

de pensões em linha com os ganhos crescentes de

esperança média de vida à idade de reforma e o

desempenho das economias, mas mais atentas aos

défices de adequação das prestações. A taxa bruta de

substituição dos rendimentos do trabalho caiu já, em

termos médios, de 80% (correspondentes à pensão

completa do regime de 1993) para 54,4% (pensões

completas com salário de referência médio do regime

contributivo pós-reforma de 2006). Esta alteração não

atinge todos de igual modo e a aplicação universal do

factor de sustentabilidade é profundamente insensível

face à desigualdade social perante a morte, fazendo

suportar identicamente uma redução que resulta de

um progresso de longevidade que não beneficia todos

por igual.

Impõem-se, nesta perspectiva, novas medidas que

alinhem de forma mais justa a formação do benefício

futuro com o esforço contributivo de cada um, de forma

sustentável face à demografia e ao desempenho da

economia, e reforcem, ao mesmo tempo, a sua

adequação às necessidades de vida dos pensionistas.

Deverão contemplar-se, designadamente, as seguintes:

• Elevação progressiva da idade legal de reforma, na

perspectiva de envelhecimento activo e em

consonância com a orientação comunitária a este

respeito, acompanhada pela elevação proporcional

da idade de acesso à reforma antecipada.

• Institucionalização de contas individuais de

segurança social, de forma que o registo anual da

parte das contribuições e quotizações sociais que

suportam o direito de cada beneficiário às prestações

do sistema previdencial permita uma valorização do

esforço contributivo acumulado, tornando a

determinação futura do benefício mais transparente

e ajustada às condições económicas e sociais do País.

• Promoção de esquemas de segundas carreiras

profissionais para os activos seniores, através de

esforços conjuntos do Estado, das empresas e de

toda a sociedade civil, tendo em vista a renovação

geracional do emprego e das empresas.

• Incentivo à criação de esquemas complementares de

protecção social, designadamente ao nível das

empresas, visando também a cobertura dos novos

riscos associados à longevidade (dependências e

doenças crónicas). >|<

NOTAS

(1) O rácio “população de 65+ anos/ pop.15-64” atingiu 26,2%, em 2009,

acima da média de 25,6% da UE, segundo o mais recente relatório

sobre a situação demográfica da Europa divulgado pela Comissão

Europeia.

(2) Carlos Farinha e Isabel Andrade, “Monetary Poverty, Material

Deprivation and Consistent Poverty in Portugal, Working paper ISEG-

CEMAPRE, 2010.

(3) Comissão Europeia, Employment and Social Developments in Europe

2011, Bruxelas, 2012.

(4) OCDE, Pensions at a Glance, 2011.

A DIFÍCIL EQUAÇÃO: PENSÕES SUSTENTÁVEIS E MELHOR PROTECÇÃO | FERNANDO RIBEIRO MENDES

Page 23: Cadernos de Economia 98

Contributospara uma agenda da inovação

O século XX foi palco de avanços ímpares no desenvolvimento humano. Os desenvolvimentos da

tecnologia e da prática clínica provocaram uma melhoria, nunca antes registada, na qualidade de vida das

populações. Tal refletiu-se numa diminuição significativa das taxas de mortalidade e num aumento da

esperança média de vida. Numa palavra, as pessoas vivem hoje muito mais tempo do que viviam há um

século.

Este fenómeno, acompanhado pela diminuição das taxas de fecundidade, está a provocar alterações

surpreendentes na estrutura etária das populações, com um aumento progressivo da proporção de idosos.

Paralelamente, estão a operar-se mudanças profundas ao nível da dimensão e estrutura das famílias e nas

suas relações intergeracionais, factos que alteram significativamente as condições sociais em que as

pessoas envelhecem.

O impacto nas sociedades do progressivo envelhecimento marcará fortemente os processos de

desenvolvimento económico e social, com consequências diferenciadas nos países desenvolvidos e nos

países em desenvolvimento.

Segundo as projecções das Nações Unidas para os países desenvolvidos, estima-se que, em 2050, teremos

60 idosos dependentes por cada 100 pessoas em idade activa, o que corresponde a um aumento na ordem

dos 100%, em relação aos números de hoje. Portugal não é excepção e as projecções para o País apontam

para as mesmas estimativas. Segundo os dados mais recentes, existem 26,7 idosos por cada 100 residentes

em idade activa. Em 2025, o valor poderá ascender a 34 e, em 2050, o número de idosos atingirá 58. Tal

representa um enorme desafio em termos da sustentabilidade dos sistemas de segurança social e das

economias dos países.

ISABEL MOTAADMINISTRADORA DA FUNDAÇÃO CALOUSTE GULBENKIAN

26 CADERNOS DE ECONOMIA

ENVELHECIMENTO

Page 24: Cadernos de Economia 98

JANEIRO | MARÇO 2012 27

O envelhecimento da população constitui-se, assim,

como um dos principais desafios para as sociedades

do século XXI. Um tal aumento da população idosa

obriga-nos a encontrar novas soluções tanto ao nível

da prestação dos cuidados de saúde, como também

outras respostas sociais de combate à solidão, ao

esquecimento, à pobreza e à exclusão a que dema -

siados idosos estão expostos.

À semelhança de outros processos de mudança, também

neste caso será possível, certamente, maximizar as

oportunidades geradas pelo próprio processo e

minimizar as ameaças que ele pode representar.

Numa palavra, a chave estará na inovação, enquanto

forma de abertura de novos mercados e oportunidades

económicas que respondem a necessidades efectivas das

sociedades. Como vários autores reconhecem, muitos

dos novos mercados e oportunidades para criação de

emprego serão provenientes do domínio social, como

seja a educação, saúde, prestação de cuidados, e em que

o envelhecimento será um dos motores para o

crescimento dessa nova economia.

Tentemos então agora acompanhar o que representa

este sector de actividade emergente, que oportunidades

pode abrir e qual o papel que a inovação pode

desempenhar para melhorar os níveis de resposta com

impacto às sociedades envelhecidas. Segundo o relatório

“Innovating better ways of living in later life – Context,

Examples and Opportunities”, publicado pela Young

Foundation, os desafios para a inovação na área do

envelhecimento passam por encontrar:

• Novas formas de os idosos permanecerem activos

– como voluntários, mentores ou em sistemas de

apoio mútuo.

• Novos modelos de prestação de cuidados e de

apoio às populações envelhecidas que contribuam

para assegurar a sua independência e dignidade.

• Novos ambientes e ecossistemas que fomentem a

melhoria da sua qualidade de vida.

• Novos modelos de mobilização de redes de

proximidade – formais e informais – que forneçam

apoio diversificado e de confiança.

Importa entender a população idosa como um activo a

ser valorizado e mais um recurso a ter em conta, com

capacidades e competências específicas. Importa

encará-los como participantes activos e não como

meros consumidores passivos. Tal pressupõe uma

alteração de paradigma no modo como desenhamos os

produtos, serviços e estratégias para enfrentar o

fenómeno do envelhecimento, concebendo essas

propostas com os idosos e não para os idosos. Ou seja, é

decisivo envolver as populações envelhecidas na

concepção das soluções para os seus próprios

problemas, de modo a facilitar a sua apropriação e

maximizar a sua eficácia e impacto, adaptando uma

visão holística deste fenómeno, não apenas exclusiva -

mente focada nas questões da saúde, pensões e

segurança social, mas tomando como objectivo central a

questão do bem-estar dos idosos.

Assumindo este objectivo como eixo estratégico

transversal para uma agenda da inovação neste domínio,

quais serão então especificamente as áreas em que

importa concentrar esforços? Com que meios

poderemos contar? E como melhor medir o seu

desempenho e impacto alcançado? Apontam-se, de

seguida, algumas áreas decisivas que servem como

pontos de partida para uma reflexão mais demorada

sobre os processos de inovação na área do

envelhecimento.

Mercado de trabalho – Têm ocorrido importantes

alterações neste campo, fruto do envelhecimento

populacional: mudanças na legislação laboral para

restringir a descriminação pela idade, aumento da idade

da reforma, períodos de transição com redução

ENVELHECIMENTO: CONTRIBUTOS PARA UMA AGENDA DA INOVAÇÃO | ISABEL MOTA

Page 25: Cadernos de Economia 98

nos processos de inovação. A OCDE tem dedicado

particular atenção a este assunto, no âmbito da sua

iniciativa “Information and Communication Technologies

for a Silver Economy”, em que salienta e demonstra o

papel das TIC e seus benefícios nos sectores de

actividade atrás mencionados. Tal como referem,

“integrating the needs of the elderly into innovation

activities has benefits not just for their quality of life but for

the economy as well”. As TIC podem desempenhar um

papel fundamental na promoção da independência e

bem-estar dos idosos e ao mesmo tempo ser mais

vantajosas em termos económicos.

O envelhecimento representa assim um enorme desafio

em termos de inovação e será, sem dúvida, um dos

mercados do futuro. De modo a melhor perseguir esta

agenda, é fundamental promover uma estratégia

partilhada pelo sector público, entidades privadas e

sector não lucrativo, abrindo oportunidades de

colaboração e parcerias que serão decisivas para

promover sociedades justas, coesas e economicamente

sustentáveis.

As fundações, pelo seu carácter independente,

capacidade de assumir riscos e espírito mobilizador,

podem desempenhar um papel relevante na promoção

do debate informado e investigação aplicada nestes

novos domínios, bem como no apoio a soluções

inovadoras que respondam ao desafio do

envelhecimento. É nesse sentido que a Fundação

Calouste Gulbenkian tem vindo a trabalhar, ao colocar

este tema na sua agenda de intervenção em Portugal e

no Reino Unido. Tem dado particular enfoque às

questões do isolamento, da solidão, das demências e das

relações inter geracionais, estando empenhada na

testagem e na validação de boas práticas e disseminação

internacional dos seus resultados. O envelhecimento é

um dos temas transversais às sociedades num mundo

globalizado e só a partir do trabalho diário nas

comunidades poderemos responder com efectividade a

este desafio maior. >|<

28 CADERNOS DE ECONOMIA

progressiva dos horários de trabalho até à reforma. Neste

contexto, é fundamental encontrar soluções alternativas

para valorização das competências de pessoas em

situação de pré-reforma, podendo funcionar, por

exemplo, como mentores de recém-empregados.

Habitação e planeamento urbanístico – Numa

sociedade envelhecida e urbana, torna-se necessário

conceber e adaptar as cidades às necessidades das

populações idosas e torná-las mais acessíveis. A

Organização Mundial de Saúde, no âmbito da iniciativa

“Cidades Amigas dos Idosos”, tem desempenhado um

papel na defesa desta causa e promovido algumas

experiências piloto neste domínio. Paralelamente, a

concepção das residências e lares terá de cada vez mais

ter em linha de conta as populações idosas, adaptando-

as às suas necessidades e níveis de dependência. Tal

pode representar novas oportunidades de mercado e

trabalho ao nível de cuidados domiciliários e

condomínios residenciais que asseguram a prestação

desses serviços.

Cuidados continuados e paliativos – Com o en -

velhecimento progressivo da população, as taxas de

morbilidade têm também subido, o que provoca um

aumento da necessidade e procura deste tipo de

cuidados. A inovação neste domínio em particular pode

ser decisiva, no sentido de encontrar modelos de

resposta que maximizam o bem-estar e dignidade das

pessoas envolvidas e os tornar mais acessíveis em termos

financeiros.

Redes de proximidade – À medida que as sociedades se

tornam cada vez mais urbanas e que os laços familiares

enfraquecem, importa encontrar ou reavivar as redes de

proximidade e vizinhança de modo a assegurar cuidados

quotidianos de que os idosos necessitam e combatendo

o isolamento e solidão a que podem estar votados.

Em todas estas áreas, o papel das novas Tecnologias de

Informação e Comunicação (TIC) poderá ser fundamental

ENVELHECIMENTO: CONTRIBUTOS PARA UMA AGENDA DA INOVAÇÃO | ISABEL MOTA

Page 26: Cadernos de Economia 98

A Economia Sociale o futuro de Portugal

Portugal conquistou um trunfo de inquestionável importância com a celebração dos acordos de

concertação social e de concertação com as instituições da economia social e solidária. Digo Portugal

porque acredito sinceramente que todos – mesmo aqueles que neles não estiveram directamente

envolvidos – em muito ficarão a beneficiar.

Por um lado, os agentes da economia, do mercado de trabalho, das empresas, dos empregadores e dos

empregados conseguiram chegar a um consenso importante, sobretudo neste período que o País

atravessa, revelando uma enorme coesão e espírito de união, diálogo e cooperação para a superação da

crise. Que não tenhamos dúvidas, a receita para a crise é a união de esforços.

Por outro, um entendimento igualmente importante para a economia social e solidária que, face ao cenário

que vivemos, deverá estar especialmente desenvolvida e activa por forma a mitigar os efeitos da crise para

os que a ela estão mais expostos.

Chegados a esta fase da história, importa que se reconheça que o Estado, por si só, não pode ter a

pretensão de chegar a tudo e a todos, sob o risco de muitos deixar de fora. Deverá, antes, construir pontes

de confiança e parceria com aqueles que ao longo dos tempos têm vindo a assumir uma importância

incontestável no combate à exclusão social.

Importa que neste sentido se trabalhe, promovendo a mudança de paradigma da resposta social em

Portugal. É esse o sinal de arranque que pretendemos lançar com o recente acordo feito com as instituições

sociais.

PEDRO MOTA SOARESMINISTRO DA SOLIDARIEDADE E DA SEGURANÇA SOCIAL

JANEIRO | MARÇO 2012 29

Page 27: Cadernos de Economia 98

30 CADERNOS DE ECONOMIA

O Estado não pode abdicar das suas responsabilidades –

até porque muitas delas são indelegáveis – mas deve

estabelecer um complemento à sua resposta com as

instituições sociais que se encontram no terreno de norte

a sul do País.

As instituições sociais, pela sua natureza, conseguem

prestar um apoio de qualidade inquestionável e em

permanente readaptação às novas exigências e

necessidades sociais, sendo, nesse sentido, mais flexíveis

que o Estado para fornecerem uma resposta mais

adequada.

Uma resposta que tem um objectivo claro de auxílio aos

outros mas que não se esgota aí.

As instituições sociais são particularmente importantes

na dinamização da economia. São elas que, muitas vezes,

sobretudo em zonas desprotegidas, são o agente

económico de excelência, dinamizando economias

locais, sendo fonte de emprego e contrariando até a

tendência da balança comercial, ao não importarem e

antes consumirem muito dos produtos da região onde

estão inseridas.

Constituem um sector que hoje emprega cerca de 250

mil pessoas e que não se deslocaliza e com facilidade dá

emprego a pessoas mais idosas, sendo muitas vezes dos

poucos agentes integrantes de pessoas com deficiência.

O terceiro sector é responsável hoje por cerca de 5,5 % do

PIB mas pode e consegue, mesmo em contraciclo, ser

factor de crescimento e de aumento de oferta.

Esta é, pois, uma rede cujo potencial não pode continuar

a ser descurado e com quem o Estado deve construir e

promover interacções com os restantes sectores

desenvolvendo uma sociedade mais humanitária,

solidária e sustentável.

A inclusão neste desígnio do mundo empresarial é vital.

O envelhecimento activo

e a sociedade

intergeracional têm

de ser elementos-chave

da coesão social,

contribuindo para uma

maior qualidade de vida

à medida que as pessoas

vão envelhecendo.

A educação para

a velhice tem de

começar desde tenra

idade, promovendo

o intercâmbio de

informações e

de experiências.

Page 28: Cadernos de Economia 98

JANEIRO | MARÇO 2012 31

Face aos últimos acontecimentos, o mundo deseja

fervorosamente que um componente solidário seja

incluído no lucro, esbatendo o capitalismo mais

selvagem. Algo que represente um compromisso entre a

iniciativa privada e a democratização da economia. Algo

onde a responsabilidade social das empresas seja alicerce

desse mundo mais justo.

Se, por um lado, é inequívoco que a riqueza gerada no

mundo contemporâneo é maior que noutros tempos,

por outro, a sua distribuição e os fenómenos que gera e

que afectam a sua sustentabilidade, bem como a do

planeta, de que é exemplo a poluição ou o acesso aos

recursos hídricos, pode vir a hipotecar o futuro como um

todo.

A consciência de que o desenvolvimento das gerações e

da sociedade terá de ser sustentável deverá ganhar, junto

com a globalização, uma escala mundial e ser replicada,

não só pelos mais diversos sectores de actuação

empresarial, como pelos mais diversos agentes, onde se

incluem os Estados, enquanto exemplo primeiro.

Importa que factores como o combate à exclusão social,

a consciência ambiental ou o uso racional de recursos,

que deverão ser acautelados pelas empresas para além

da sua obrigação legal, passem a ser avaliados pelo

próprio mercado, numa lógica diferenciadora, passando

este mesmo a premiar as entidades empresariais que

incluam a sua atitude na criação de uma rede solidária

maior.

Hoje o consumidor está especialmente atento a esse

compromisso e tende a valorizar de forma expressiva, no

momento da escolha, a atitude solidária das empresas. É,

pois, chegada a altura de incluir na mudança de

paradigma da resposta social, que este Governo

pretende lançar, o contributo do mundo empresarial.

As empresas poderão desenvolver um importante

contributo na sustentabilidade financeira das instituições

sociais, construindo com elas parcerias, desenvolvendo

projectos comuns ou até dotando e capacitando os

dirigentes das instituições de ferramentas, know-how e

técnicas de gestão que usam para si, enquanto empresas.

No fundo, poderão junto com o Estado ajudar a fortalecer

o sector social e a desenvolver uma sociedade mais

solidária.

Uma sociedade cujo conceito de solidariedade

intergeracional apenas se tem remetido ao sistema

previdencial mas que dele deve ser transposto para o

quotidiano.

O difícil período económico, financeiro e social que hoje

a Europa atravessa tem também em si um problema

transversal a todas as nações que a compõem: o

envelhecimento da população.

Hoje sabemos que este é um dos temas mais sensíveis da

Humanidade, para o qual ainda não temos resposta no

imediato. É um problema que carece de análise e reflexão

contínuas, sobretudo sabendo nós que a resposta mais

evidente, por via da promoção da natalidade, está

condicionada pelo momento de crise que todos

atravessamos e que, por essa razão, também esse índice

tenderá a retrair-se.

A ECONOMIA SOCIAL E O FUTURO DE PORTUGAL | PEDRO MOTA SOARES

Page 29: Cadernos de Economia 98

32 CADERNOS DE ECONOMIA

Este é um dos aspectos fundamentais: a pessoa humana,

com tudo o que isso tem de dignificante, com tudo o que

isso representa de riqueza natural e de património social,

tem de saber envelhecer.

A importância dos mais idosos, enquanto pilar

fundamental da sociedade e merecedor de justo

reconhecimento por parte das gerações mais novas, só

será possível quando indivíduo e nação, em simultâneo –

de outra forma não é concebível –, consigam mudar a

percepção sobre este tema, valorizando, como em tantos

exemplos que temos no Globo, a importância dos mais

velhos na sociedade.

Este Ano Europeu do Envelhecimento Activo é funda -

mental enquanto contributo para alcançar esta meta.

O envelhecimento activo e a solidariedade inter -

geracional têm de ser considerados elementos-chave da

coesão social, contribuindo para uma maior qualidade de

vida à medida que as pessoas vão envelhecendo. Por

outro lado, no sentido em que se baseiam no

reconhecimento dos direitos humanos, contribuem

igualmente para a consolidação da democracia.

É necessário promover uma cultura de envelhecimento

activo na Europa, convocando valores europeus como a

solidariedade, a não-discriminação, a independência, a

participação, a dignidade, os cuidados e a autorreali -

zação das pessoas idosas, concorrendo para o

desenvolvimento harmonioso das sociedades europeias.

A educação para a velhice tem de começar desde tenra

idade, promovendo o intercâmbio de informações e de

experiências, para que os mais novos bebam da

sabedoria de uma vida e os mais velhos possam ir

acompanhando a constante mutação dos tempos e

encontrando com mais facilidade a actualização que

buscam. No fundo, como já referi, uma solidariedade

intergeracional que se reflicta para além do que está na

base do sistema previdencial. Uma solidariedade

genuína, real, que consiga aperfeiçoar as mentalidades.

Hoje já reconhecemos que uma sociedade com uma

componente solidária intergeracional é mais harmo -

niosa, mais justa. E que por esta via se consegue uma

maior coesão social, tão importante nos dias que correm

para vencer os obstáculos a que nos propomos.

Uma união que é atingida sem corporativismos ou

indicações legislativas, mas sim de forma natural.

Há, portanto, que mudar o presente para ganhar o futuro

e, nesse sentido, Portugal terá que contar com a

participação e articulação de todos para o fazer: o Estado

com as instituições sociais, estas e o Estado com o mundo

empresarial, os jovens com os mais idosos e estes, activos

até mais tarde, com o mundo empresarial e com as

instituições sociais, continuando a construir o País.

Apostar na economia social, numa economia solidária é

apostar no futuro em Portugal! >|<

A ECONOMIA SOCIAL E O FUTURO DE PORTUGAL | PEDRO MOTA SOARES

Page 30: Cadernos de Economia 98

Envelhecimento e despesaem cuidados de saúde

É bem conhecida a realidade de inversão da pirâmide etária da população portuguesa. Se hoje em dia as

faixas etárias acima dos 20 anos são já mais extensas que as de idades inferiores, prevê-se que em 2050 haja

uma predominância das faixas etárias acima dos 60 anos.

Esta transformação previsível da estrutura etária da população portuguesa, a verificar-se, tem importantes

consequências.

Uma dessas consequências que surge frequentemente referida é o impacto nas despesas com cuidados

de saúde. Por se observar que as despesas com cuidados de saúde têm apresentado sempre uma

tendência crescente, ao mesmo tempo que se assiste ao envelhecimento da população, tem sido

tentador fazer a ligação entre os dois aspectos, assumindo-se sem grande questionamento que parte

substancial do crescimento das despesas com cuidados de saúde se deve ao envelhecimento da

população.

Contudo, esta ligação pode ser abusiva. Em lugar de partir desta associação para uma relação de

causalidade, dever-se-á colocar a questão de qual a relação entre economia, despesas com cuidados de

saúde e envelhecimento.

Há várias formas de procurar resposta a esta questão. Qualquer que seja a forma adoptada, a resposta

será essencialmente a mesma: o envelhecimento da população tem, por si só, tido pouco impacto

sobre as despesas com cuidados de saúde. A existência de um forte efeito das alterações etárias

recentes, com o aumento em termos relativos e absolutos da população idosa, sobre a despesas,

pública e/ou privada, com cuidados de saúde é errada. Essa percepção não tem correspondência na

PEDRO PITA BARROSNOVA SCHOOL OF BUSINESS AND ECONOMICS

JANEIRO | MARÇO 2012 33

Page 31: Cadernos de Economia 98

34 CADERNOS DE ECONOMIA

realidade conhecida, nacional e internacional. É um

mito, não uma realidade.

Há várias maneiras de estabelecer esta posição.

Primeiro, quando se procura, na análise dos dados

estatísticos, uma relação entre o crescimento da despesa

em saúde e o envelhecimento da população, encontra-se

uma relação muito forte entre o crescimento da economia

(medido pelo PIB per capita) e o crescimento das despesas

com saúde. É um efeito próximo de 1:1 – crescimento de

um ponto percentual na economia (em termos reais)

traduz-se num crescimento, em média, de um ponto

percentual na despesa com cuidados de saúde. Por seu

lado, a alteração na composição demográfica da população

não tem efeito significativo no crescimento da despesa per

capita em cuidados de saúde (e isso é verdade quando se

considera a população acima dos 65 anos, mas quando se

toma a população com 80 anos ou mais). Usando a

informação estatística publicamente disponível, é fácil

estabelecer que não existe uma relação sistemática entre o

crescimento da despesa per capita em termos nominais em

cuidados de saúde e a variação da percentagem da

população com mais de 65 anos. O maior factor de

crescimento da despesa com cuidados de saúde é a

adopção de novas tecnologias, e essa característica pode

ser eventualmente controlável através de mecanismos que

condicionam essa adopção (por exemplo, os mecanismos

de avaliação dos benefícios trazidos para a sociedade).

Uma segunda forma de analisar a contribuição do

envelhecimento é considerar uma análise de decom -

posição. A questão de interesse é ligeiramente modifica -

da: em que medida o aumento da população com mais

de 65 anos explica o aumento das despesas com

cuidados de saúde, em termos per capita, se tudo o resto

se mantiver constante?

Suponhamos que uma pessoa com mais de 65 anos

gasta quatro vezes mais do que é despendido com

uma pessoa abaixo dos 65 anos. Uma despesa per

capita de 361 euros (a preços de 2000) implica 270

euros de despesa per capita para uma pessoa com

menos de 65 anos, e uma despesa de 1.078 euros para

uma pessoa com 65 anos ou mais. Pode-se aplicar

estes valores per capita à nova estrutura demográfica

de 2005, e ver qual o valor da despesa média per

capita, se nada mais se tivesse alterado para além da

estrutura etária (em particular, não houve aumento de

procura de cuidados de saúde por efeito rendimento,

não houve inovação tecnológica e não houve inflação

no cálculo deste valor simulado). A despesa per capita

aumentaria por este efeito de 1.058 euros em 2000

para 1.077 euros em 2005. O verdadeiro valor foi 1.231

euros. Na realidade, verificou-se um crescimento no

valor da despesa per capita de 16,3% enquanto a

alteração da estrutura demográfica é responsável por

uns mero 1,82% de aumento da despesa,

correspondente a 0,36% em média anual. A mesma

diferença encontra-se se for considerado o período

1980-2005 ou o período 1990-2005.

Tem-se que procurar a explicação para o rápido aumento

das despesas com cuidados de saúde noutros aspectos –

O envelhecimento

da população obriga

a que a introdução

da inovação seja

criteriosamente feita.

Page 32: Cadernos de Economia 98

JANEIRO | MARÇO 2012 35

novas tecnologias, aumento de preços, alargamento

efectivo da cobertura de população. Não é o

envelhecimento por si.

Porque surge então o mito tantas vezes repetido de

associar as despesas com cuidados de saúde ao

envelhecimento da população?

É possível encontrar várias explicações. Em geral, nestas

discussões ignora-se o papel do perfil temporal das

despesas com cuidados de saúde. O grande volume de

despesas em cuidados de saúde na idade adulta é na

proximidade da morte.

Envelhecimento da população significa transferir esta

despesa da população para um momento mais tardio

da sua vida. Se as estatísticas consideram apenas a

despesa a partir de uma determinada idade, então este

efeito de transferência, embora não aumentando de

forma significativa a despesa total em saúde,

corresponde a uma maior despesa na população acima

desse limite idade (com redução da despesa na faixa

abaixo).

A segunda razão está na existência de uma confusão

entre alterações da estrutura demográfica e inovação

tecnológica. Não se deve esquecer que parte crescente

da inovação tecnológica, nomeadamente a referente a

medicamentos, tem elevados custos e destina-se a ser

usada pela população mais idosa. Se há inovação

direccionada para a população idosa, então os custos daí

derivados não resultam da alteração da estrutura

demográfica e sim das novas tecnologias, que têm

mecanismos que podem ser usados para contrariar o

ritmo de crescimento das despesas, como a avaliação

económica.

Como terceiro factor, cumpre indicar que a demografia

tem evolução lenta. É uma evolução mais lenta do que é

compatível com a evolução observada da despesa com

cuidados em saúde.

E, por fim, nalgumas circunstâncias há a importação de

preocupações de outros sistemas, que mantém uma

confusão entre despesas com saúde e despesas com

segurança social. Basta, por exemplo, estarem juntas no

mesmo ministério as despesas com cuidados de saúde e

as despesas com pagamento de pensões para não ser

claro qual a contribuição de cada uma dessas categorias

para o crescimento da despesa pública. E se o aumento

da idade da população em média é nefasto, de forma

quase imediata e muito poderosa nos pagamentos de

pensões, já o mesmo não sucede relativamente às

despesas com cuidados de saúde. Embora seja

conhecido que o envelhecimento cria forte pressões

sobre as pensões a pagar, há que reconhecer que não é o

principal factor de crescimento da despesa em cuidados

de saúde.

O envelhecimento provoca, sim, em termos de sector da

saúde, uma alteração do tipo de resposta que o sistema

de saúde, e o Serviço Nacional de Saúde em particular, dá

às necessidades de saúde da população.

O envelhecimento da população obriga a uma maior

atenção aos cuidados domiciliários, na comunidade, que

atendam a situações de doença crónica, por exemplo.

Obriga também a que a introdução da inovação seja

criteriosamente feita. Mais do que despesa, o

envelhecimento da população irá obrigar a uma

modificação do perfil de cuidados de saúde que é

disponibilizado à população. >|<

ENVELHECIMENTO E DESPESA EM CUIDADOS DE SAÚDE | PEDRO PITA BARROS

Page 33: Cadernos de Economia 98

A emergênciade um nichode mercado

Em Portugal, a população com 65 ou mais anos é actualmente de 2,023 milhões de pessoas, representando

cerca de 19% da população total. Em 2050, estima-se que seja 32%, evidenciando que o nosso país será um

dos mais envelhecidos à escala mundial.

O aumento proporcional das pessoas idosas tem vindo a constituir-se como um problema social, uma vez

que se desenvolve num contexto desfavorável em que opera um conjunto de outros factores, como a

diminuição da taxa de natalidade, a crescente instabilidade das dinâmicas familiares, a disponibilidade

cada vez menor da família para prestar apoio às pessoas idosas (sobretudo às mais dependentes), a crise

dos sistemas de protecção social, a despersonalização das relações sociais, etc. Estes factores tendem a

agravar as condições de vida das pessoas idosas, que ficam potencialmente numa posição social

desfavorável.

Encarar o envelhecimento populacional como um problema que acarreta múltiplos constrangimentos

e com uma representação negativa impede-nos de, enquanto sociedade, olharmos para este

fenómeno como uma conquista civilizacional e para as pessoas mais velhas como uma mais-valia,

como um potencial de conhecimento e experiência. Mas, sobretudo, impede-nos de o concebermos

como um grupo social extraordinariamente heterogéneo, com biografias, expectativas, necessidades

e interesses diferentes. Pese embora o facto de o envelhecimento poder estar associado a perdas, ele

é também nitidamente um processo de ganhos, de desenvolvimento, de aprendizagens e de

possibilidades.

É certo, contudo, que a realidade do envelhecimento com dependência não pode ser escamoteada. Viver

mais tempo pode, efectivamente, potenciar uma maior ocorrência de situações de saúde incapacitantes ou

CARLA RIBEIRINHODOCENTE SERVIÇO SOCIAL/GERONTOLOGIA SOCIAL | UNIVERSIDADE LUSÓFONA DE HUMANIDADES E TECNOLOGIAS

36 CADERNOS DE ECONOMIA

OS IDOSOS E A PRESTAÇÃO DE CUIDADOS

Page 34: Cadernos de Economia 98

JANEIRO | MARÇO 2012 37

morbilidade múltipla e, consequentemente, um au -

mento potencial dos recursos a investir nas áreas da

saúde e social.

A dependência apela a políticas transversais, nomeada -

mente a uma política de apoio às pessoas idosas, de

apoio à família, à habitação e à saúde, postulando a

necessidade de definir uma política de velhice global,

assente na garantia dos direitos sociais. Tal desígnio

deverá consubstanciar-se na implementação de

medidas, enquadradas num quadro de referência

radicado nos direitos sociais, que orientem a intervenção

tendo em conta a avaliação das necessidades prioritárias

definidas.

Mas o crescente número de pessoas idosas não pode ser

visto apenas como uma pressão nos sistemas de

segurança social, ou como mais um utente/cliente na

saúde ou nos equipamentos e serviços sociais. Pode ser

visto, também, como oportunidade de proliferação de

áreas de negócio inovadoras, desmistificando a ideia da

pessoa idosa como “peso” ou “custo” para os sistemas,

mas como cliente de serviços e que, enquanto tal, gera

dinamismo na economia e gera, directa e indirecta -

mente, riqueza.

Nos últimos anos, tem-se verificado um exponencial

aumento de ofertas na área dos cuidados às pessoas

idosas, quer por entidades públicas, do terceiro

sector/sector social, quer por parte do mercado

(designadamente a criação de serviços de apoio

domiciliários diferenciados, de estruturas residenciais,

etc.).

Segundo dados da Carta Social (2010), existem 6.328

respostas que acompanham 224.303 pessoas idosas, ou

seja, cerca de 11% da população idosa portuguesa (SAD,

CD, lares). Sendo certo que dos restantes, cerca de 89%,

apenas uma parte precisará de cuidados de saúde e

sociais específicos, apresenta-se mesmo assim um

número muito considerável de pessoas com

necessidades a serem cobertas/satisfeitas numa

perspectiva abrangente.

Por outro lado, sabemos que muitos dos apoios

existentes para as pessoas idosas são não só insuficientes

do ponto de vista do número, mas também da qualidade

dos seus serviços. Exemplos de serviços apenas

centrados nas necessidades de sobrevivência das

pessoas idosas, com pessoal que presta cuidados sem

qualquer tipo de formação, sistemas institucionais

anquilosados, falta de investimento em reabilitação, no

estímulo às capacidades que as pessoas conservam, pese

embora a sua doença ou situação de dependência, etc.,

são demasiado frequentes, para uma sociedade que se

quer afirmar como justa e solidária. E eles não acontecem

apenas nos designados lares clandestinos/em situação

de ilegalidade.

Sem menosprezar, e salvaguardando as muitas e boas

práticas e as experiências de trabalho neste campo (quer

no sector público, quer no sector privado), há ainda um

longo caminho a percorrer na manutenção e salvaguarda

do direito ao envelhecimento com qualidade de vida.

OS IDOSOS E A PRESTAÇÃO DE CUIDADOS:A EMERGÊNCIA DE UM NICHO DE MERCADO | CARLA RIBEIRINHO

Page 35: Cadernos de Economia 98

38 CADERNOS DE ECONOMIA

Os números expressivos, relativos à população idosa,

indicam que investir num negócio direccionado para este

público grisalho é uma aposta de e com futuro. No geral,

este é um nicho de mercado bastante atractivo, pois as

pessoas idosas são e serão cada vez em maior número,

mas também cada vez mais informadas e mais exigentes,

dando mais importância ao bem-estar e ao lazer, à

actividade física e ao autocuidado, com mais poder

aquisitivo e capacidade de escolha, e que, como tal, não

se identificarão (ou já não se identificam) com os actuais

modelos de respostas e serviços existentes.

E, quando falamos em oportunidades para o mercado,

não nos referimos apenas ao sector da prestação de

cuidados nas respostas consideradas mais tradicionais

(SAD, CD, lares, etc.), mas também em outras áreas,

nomeadamente: turismo, informática, desporto e bem-

estar, estética, vestuário, calçado, alimentação e

educação, para além das evidentes e mais concretas

necessidades na área da saúde e da reabilitação. Muitas

destas áreas estão pouco exploradas para este sector

populacional, o que faz delas uma boa oportunidade de

empreendedorismo, sobretudo em tempos de crise

económica e social.

A reflexão gerontológica actual enfatiza a importância da

organização de serviços que contribuam para a

prossecução de uma política orientada para a valorização

do quadro de vida das pessoas idosas, nomeadamente

através da construção de ambientes securizantes e de

qualidade, adequados às suas necessidades, interesses,

gostos e expectativas, garantindo os seus direitos sociais

e de cidadania.

Neste sentido, defendemos a consolidação e o aumento

das respostas de cuidados no domicílio, o que não

significa deixar de lado a importância da criação de outro

tipo de respostas para a população idosa, sobretudo as

que apresentam elevados índices de dependência, ou

para situações complexas de demência (por exemplo,

doença de Alzheimer). Essas respostas podem passar por

estruturas residenciais, desde que repensados os seus

modelos de intervenção, ou por estruturas integradas

que possibilitem a intervenção social, de saúde, de

ocupação e lazer, entre outras, no seio das comunidades

locais.

O desenvolvimento de equipamentos e serviços da

comunidade, em termos de número e adequação das

respostas, qualidade das mesmas e equidade na sua

distribuição territorial, é fundamental. Mas tão ou mais

importante é que, quer nas respostas já existentes, quer

nas que se venham a implementar, se privilegie a

qualidade técnica e humana de todo o pessoal afecto

à intervenção, nomeadamente através da promoção da

formação e certificação das auxiliares de acção directa;

da exigência de formação inicial e contínua de todo o

pessoal; e de supervisão profissional sistemática com

equipas interdisciplinares.

Incontornável é, igualmente, o reforço das parcerias e da

capacidade de criar relações sinérgicas em função das

necessidades das comunidades onde estão inseridas,

sobretudo em tempos em que essas necessidades vão

sendo cada vez maiores e os recursos cada vez mais

escassos.

Mas porque aqui falamos de nichos de mercado associados

à área da prestação de cuidados a pessoas idosas, não

podemos deixar de referenciar a área da formação

especializada em gerontologia e geriatria enquanto campo

de oportunidade de negócio em vários níveis de formação

distintos: formação para pessoal auxiliar, técnicos e

dirigentes; formação de nível superior; consultoria técnica;

supervisão; formação à medida; etc. Efectivamente, as

múltiplas ofertas formativas que têm surgido nos últimos

anos nesta área são já expressão relevante das

necessidades exigidas aos diversos profissionais, face às

transformações demográficas em curso.

Para concluir, seja qual for a área de negócio a intervir, a

pessoa idosa deve ser valorizada como sujeito activo na

Page 36: Cadernos de Economia 98

construção do seu quotidiano e do seu projecto de vida

e, como tal, as suas necessidades e preocupações devem

ser valorizadas e a sua opinião ouvida e tomada em

consideração. Também os seus hábitos e costumes, as

suas crenças e formas de estar devem ser respeitados,

bem como os seus valores socioculturais.

Reconhecer o direito a um envelhecimento com

dignidade é uma questão de respeito pelos direitos mais

fundamentais do ser humano, e tal passa pela criação e

dinamização de respostas sociais e de saúde

diversificadas, reforçando e revitalizando a acção de

diversos agentes económicos que possam satisfazer a

imensa heterogeneidade da população idosa – Estado,

mercado e sociedade civil. Ninguém se pode excluir deste

desafio inexorável das sociedades modernas. >|<

BIBLIOGRAFIA

CAPUCHA, Luís (2012). "Envelhecimento e políticas sociais" in Moura,

Cláudia (org.), Processos e Estratégias do Envelhecimento. Porto, EUedito, pp.

75-84.

QUARESMA, Maria de Lourdes, et al. (2004). O Sentido das Idades da Vida –

Interrogar a Solidão e a Dependência. Lisboa, ISSS-CESDET.

RIBEIRINHO, Carla (2012). "(Re)criar a Intervenção gerontológica" in Moura,

Cláudia (org.), Processos e Estratégias do Envelhecimento. Porto, EUedito, pp.

51-63.

Página Oficial do Instituto Nacional de Estatística, disponível em

http://www.ine.pt, consultada em 15/02/2012, Destaque: Mais de um

milhão e duzentos mil idosos vivem sós ou em companhia de outros idosos.

OS IDOSOS E A PRESTAÇÃO DE CUIDADOS:A EMERGÊNCIA DE UM NICHO DE MERCADO | CARLA RIBEIRINHO

Page 37: Cadernos de Economia 98

Emprego sénior e envelhecimentoactivo

Como é reconhecido a União Europeia (UE) enfrenta uma intensa transformação demográfica que se traduz

num progressivo envelhecimento da população (relacionado quer com a diminuição da taxa de natalidade

quer com o aumento da esperança média de vida), razão pela qual se designou 2012 o “Ano Europeu para

o Envelhecimento Activo e Solidariedade entre Gerações”.

De facto, a proporção de população na UE27 com idade igual ou superior a 55 anos aumentou de 25% em

1990 para 30% em 2010 e estima-se que atinja cerca de 40% em 2060 (Eurostat, 2012)(1). Em 2010, a

percentagem de trabalhadores seniores (com 55 e mais anos) oscilou entre 21% na Irlanda e 33% na

Alemanha e Itália, tendo, em geral, no total da população, aumentado entre 1990 e 2010 em todos os

Estados membros. De referir que as mais altas percentagens de trabalhadores com 55 a 64 anos se observam

na Finlândia (14,7% da população), na República Checa e em Malta (ambos com 14,1%) e as mais baixas na

Irlanda (com 10,1%), na Lituânia (10,7%) e no Luxemburgo (com 10,8%); para o grupo dos trabalhadores com

65 anos e mais, as mais altas percentagens verificam-se na Alemanha (com 20,7%), em Itália (com 20,2%) e

na Grécia (com 18,9%) e as mais baixas na Irlanda (11,3%), na Eslováquia (12,3%) e em Chipre (com 13,1%).

Também o emprego da população sénior aumentou significativamente na última década. Enquanto a taxa

de emprego para quem tem idade entre os 20 e os 64 anos aumentou 2,1% na UE27 (de 66,5% em 2000

para 68,6% em 2010), as taxas para os grupos de trabalhadores seniores são mais amplas e variam 10,6

pontos percentuais (p.p.) para quem tem idade entre os 55 e os 59 anos (de 50,3% a 60,9%) e 7,5 p.p. para

quem tem idade entre 60 e 64 anos (de 23% a 30,5%).

De realçar ainda que, em 2010, as mais altas taxas de emprego registadas para os indivíduos entre os 55 e

os 59 anos foram observadas na Suécia (80,7%), na Dinamarca (75,9%) e na Finlândia (72,5%) e as mais

GLÓRIA REBELODOUTORA PELO ISEG/UTL. PROFESSORA ASSOCIADA NA ULHT.

40 CADERNOS DE ECONOMIA

Page 38: Cadernos de Economia 98

JANEIRO | MARÇO 2012 41

baixas na Polónia (45%), na Eslovénia (46,9%) e em Malta

(49,3%). Para quem tem idade entre 60-64 anos, as mais

altas taxas de emprego observaram-se na Suécia (61,0%),

no Reino Unido (44,0%) e na Estónia (42,8%) e as mais

baixas na Hungria (13,0%), em Malta (14,2%) e na

Eslováquia (17,2%). Para quem tem idade igual ou

superior a 65 anos, as taxas de emprego mais altas

registam-se em Portugal (16,5%), Roménia (13,0%) e

Chipre (12,9%) e as mais baixas em França e na

Eslováquia (ambas com 1,6%) e Hungria (1,9%).

Já segundo o estudo Confronting Demographic Change: a

New Solidarity between the Generations, apresentado em

2005 pela Comissão Europeia, a taxa de natalidade média

nos países da UE estava abaixo do valor mínimo para a

renovação da população, estimando-se uma diminuição

acentuada da população activa, com idade entre os 15 e

os 64 anos(2) (European Commission, 2005). Além do mais,

e ainda segundo esse estudo da Comissão Europeia,

mesmo considerando os fluxos migratórios, na Europa a

população em idade laboral deverá reduzir até 2030,

sendo expectável que, a partir de 2050, países como

Portugal registem as percentagens mais elevadas da UE

de pessoas com mais de 65 anos e as mais baixas de

trabalhadores com idades compreendidas entre os 15 e

os 64 anos.

ENVELHECIMENTO ACTIVO: QUECONDIÇÕES DE TRABALHO PARA OSTRABALHADORES SENIORES?Perante este preocupante cenário torna-se premente,

como temos vindo a defender(3), definir e implementar

políticas públicas que tenham em consideração estas

mutações demográficas, em especial o envelhecimento e

o recuo da população activa.

Por exemplo, segundo dados divulgados pelo Report on

the Evolution of the Family in Europe 2009, do Institute for

Family Policies, Portugal encontrava-se entre os

primeiros cinco países da UE27 a apresentar a taxa mais

elevada de população sénior. De facto, a par da Itália,

Alemanha, Grécia e Suécia, Portugal é um dos países da

UE27 com mais população sénior: um em cada cinco

habitantes tem mais de 65 anos de idade. Na UE27, e

muito embora a população tenha atingido os

500.482.231 habitantes, considerando um incremento de

3,2 milhões de pessoas entre 2008 e 2009 – sendo a

França, a Espanha, o Reino Unido, a Alemanha e a Itália os

países que mais contribuíram para este incremento – a

verdade é que, segundo este estudo, a pirâmide

demográfica deverá inverter-se até 2050, estimando-se

que a população europeia possa perder, até essa data,

27,3 milhões de pessoas (quadro 1).

A este propósito, muito se tem realçado a temática do

envelhecimento activo: trata-se de uma realidade social

Quadro 1

ESTIMATIVA DA EVOLUÇÃO DA POPULAÇÃO

EUROPEIA

(em milhões de pessoas)

2009 2050 Diferença

500,5 472 -27,3Fonte: Institute for Family Policies, 2009.

EMPREGO SÉNIOR E ENVELHECIMENTO ACTIVO | GLÓRIA REBELO

Page 39: Cadernos de Economia 98

42 CADERNOS DE ECONOMIA

para a qual urge encontrar respostas eficazes e é preciso

que a sociedade, em geral, seja sensibilizada para este

problema e desafio(4).

E promover o envelhecimento activo significa fomentar a

possibilidade das pessoas mais idosas manterem a

oportunidade de ficar no mercado de trabalho e partilhar

a sua experiência com os mais novos, continuando o seu

papel activo na sociedade e vivendo a sua vida o mais

saudável e preenchida possível.

Nas últimas duas décadas do século XX, na generalidade

dos países europeus, foram incentivadas políticas de

redução da procura de emprego que se relacionam quer

com o retardar do acesso ao trabalho e consequente

entrada na vida activa – através do alongamento da

escolaridade obrigatória e da elevação da idade mínima

legal de acesso ao trabalho – quer com a antecipação da

idade de reforma. Mas, na verdade, se a antecipação da

idade de reforma permitiu controlar o desemprego

jovem, os fluxos de saída na “meia-idade” aumentaram

significativamente, elevando o número de beneficiários

de reformas ou de subsídios de desemprego e

comprometendo financeiramente os sistemas públicos

de segurança social.

De facto, o paradoxo surge quando a cessação da

actividade se torna precoce ao mesmo tempo que a

esperança de vida aumenta (Rebelo, 2001).

Desde a década passada que – confrontados com o

envelhecimento da sua população e gerindo com

dificuldade crescente o financiamento das prestações

sociais, em especial das cada vez mais numerosas

pensões de velhice – alguns países da UE procederam à

reforma dos seus sistemas públicos de protecção

social.

Do Reino Unido(5), passando pela Alemanha – país que,

em 2004, tinha 18,6% da população total com 65 ou mais

anos e onde somente 39% das pessoas com idades entre

A adopção de políticas

públicas para responder

aos problemas do

envelhecimento exige,

paralelamente, a

sensibilização dos

empregadores para o

exercício da actividade

laboral em boas e

atractivas condições de

trabalho. Em contexto

de globalização,

exige-se um recurso

à qualificação

e a recursos humanos.

Page 40: Cadernos de Economia 98

JANEIRO | MARÇO 2012 43

os 55 e os 64 anos ainda trabalhava, sobrecarregando o

sistema público – e terminando na vizinha Espanha, onde

se prevê que, até 2040, o número de reformados

aumente 66%, as medidas de reforma dos sistemas de

segurança social sucederam-se.

Mas a par das questões demográficas, também as

questões da precariedade laboral e da segmentação do

mercado de trabalho sugerem uma especial atenção a

uma exigente melhoria das condições de trabalho em

geral e maiores níveis de empregabilidade, em

particular no sentido de evitar o desemprego, em

especial o de longa duração, junto dos trabalhadores

seniores.

A vivência da actual crise financeira internacional e de

um ambiente económico especulativo novo, sujeito ao

desconcerto que presentemente afecta os mercados

financeiros, vem deixando significativas sequelas

sociais. Na maioria dos países europeus – ante as

perspectivas de um novo abrandamento do cres -

cimento económico induzido por políticas orçamentais

restritivas –, estima-se uma deterioração da conjuntura

geral de emprego, em especial nos níveis do emprego

por tempo inde terminado (isto é, dos contratos sem

termo), sobretudo em virtude de um aumento dos

despedimentos por motivos de mercado ou estruturais.

Ora, as situações de precariedade tendem a impelir uma

parte significativa da população a percursos de vida

instáveis, marcados pela intermitência de actividade

laboral e por períodos de desemprego, cerceando-os de

rendimento (e, por conseguinte, da possibilidade de

poderem contribuir para o sistema de segurança social)

ou tornando-os meros beneficiários das prestações

sociais, onerando o sistema de segurança social. E se os

designados “trabalhadores seniores” registam

paradoxalmente, porque em contexto de envelheci -

mento da população, uma tendência para o abandono

precoce da vida activa, o impacto será certamente

negativo, não só para a sociedade mas para o sistema

público de segurança social.

Em Portugal, a Lei n.º 4/2007, de 16 de Janeiro, que

aprovou as bases gerais do sistema de Segurança Social,

e o Decreto-Lei n.º 187/2007, de 10 de Maio, diploma que

reconheceu a influência crescente de novos factores de

raiz demográfica, em particular colocados pelo

envelhecimento demográfico e pela evolução das taxas

de actividade da população, adoptaram algumas

medidas para enfrentar estes desafios, designadamente a

alteração das regras de cálculo das pensões por velhice,

onde se prevê para a determinação do montante das

pensões a aplicação de um factor de sustentabilidade

relacionado com a evolução da esperança média de vida,

foram algumas das medidas adoptadas no âmbito da

legislação para adaptar as políticas de emprego aos

trabalhadores seniores.

Se muitos dos trabalhadores nas faixas etárias dos 55 ou

mais anos pretendem continuar a trabalhar, será

importante contrariar uma “cultura de saída precoce” do

mercado de trabalho. Estes, além de possuírem uma

enorme experiência adquirida ao longo de anos de

actividade, podem adquirir muitos outros conhe -

cimentos além desses e, se as empresas se

predispuserem a facultar-lhes acções de formações e/ou

de reconversão profissional (especificamente adaptadas

à situação destes seniores e ao seu perfil de

competências), certamente que estarão em condições de

se manter ou regressar ao mercado de trabalho para

realizar qualquer tipo de actividade.

E considerando que a economia portuguesa será tanto

mais competitiva quanto mais recursos humanos

qualificados tiver, será premente, não só junto dos

trabalhadores jovens mas identicamente junto da

população activa sénior, reter os mais qualificados e

talentosos, isto é, os trabalhadores que permitirão fazer

emergir a inovação nas empresas. Para isso, é cada vez

mais necessário o acesso à formação assente no

desenvolvimento de novos sistemas produtivos, de

novas tecnologias e de novas formas de organização de

trabalho, ultrapassando assim certos estereótipos sobre

EMPREGO SÉNIOR E ENVELHECIMENTO ACTIVO | GLÓRIA REBELO

Page 41: Cadernos de Economia 98

44 CADERNOS DE ECONOMIA

os trabalhadores mais idosos (que estarão “des -

motivados”, “pouco eficientes” ou “ultrapassados pela

evolução tecnológica”)(6).

Por isso, em situações de reestruturação organizacional é

fundamental que o critério “detenção de competências”

seja considerado como critério central e não o mero factor

“idade”. A atitude de indiferença face ao papel potencial

das competências dos trabalhadores seniores na criação

de riqueza revela-se retrógrada e redutora, pois as

empresas não necessitam de pessoas mais novas, mas sim

de colaboradores mais competentes (Rebelo, 2005).

Paralelamente, não deixará de ser importante reflectir

sobre as condições de trabalho e a satisfação global que

os trabalhadores seniores sentem no trabalho.

Por exemplo, segundo um estudo sobre a saúde, o

envelhecimento e as reformas na Europa – coordenado

pelo Instituto de Investigação em Economia do

Envelhecimento da Universidade de Mannheim, na

Alemanha, realizado entre 2002 e 2004 –, a proporção de

pessoas que expressam o desejo de se reformarem a

partir dos 50 anos está a crescer, do Norte ao Sul da

Europa (Blanchet, et al., 2005). Dos cerca de 22 mil

inquiridos, trabalhadores por conta de outrem com 50 ou

mais anos, são os mediterrânicos (embora Portugal não

tenha sido incluído neste estudo) os que mais desejam a

reforma antecipada: 67% dos espanhóis, 60% dos

italianos, 57% dos franceses e dos gregos contra, por

exemplo, apenas 33% dos suíços ou 31% dos holandeses.

E a explicação para esta visão diferenciada por país

poderá ser ainda mais complexa mas, na realidade, o

estudo faz presumir que esteja relacionada com as

diferentes condições de trabalho em cada país, pois o

estudo contempla um conjunto de questões relacionadas

com o trabalho e o principal motivo expresso pelos

inquiridos para “desejar” uma reforma antecipada é a

insatisfação global que estes sentem no trabalho.

Assim, a adopção de um conjunto de políticas públicas

que permitam responder aos problemas de

envelhecimento da população exige, paralelamente, que

se sensibilize os empregadores para o exercício da

actividade laboral em boas e atractivas condições de

trabalho. Em contexto de globalização, enveredar por

modelos de gestão de recursos humanos assentes na

procura de produtividade exige um concomitante

recurso à qualificação e a recursos humanos junto dos

quais se promova a detenção do saber, a capacidade de

inovar e de criar bens materiais e imateriais. Em suma, a

recursos humanos bem remunerados e estáveis,

motivados a permanecer activos. >|<

NOTAS

(1) Eurostat (2012), "Active ageing and solidarity between generations –

a statistical portrait of the European Union 2012", European

Commission, Luxembourg. Edição preparada entre a Comissão

Europeia e o Eurofound, the European Foundation for the

Improvement of Living and Working Conditions e que apresenta

dados sobre demografia, emprego, transição do trabalho para a

reforma, cuidados de saúde, condições de vida e participação na

sociedade.

(2) Podendo o envelhecimento, além do mais, “provocar uma redução

do crescimento do PIB europeu em 2040” (European Commission,

2005).

(3) Cfr. Rebelo, 2001: 69-78 e, ainda, Rebelo, 2005: 81-92.

(4) Sobre este temática, cfr. Rebelo, G. (2001): 69-78 e Rebelo, G. (2002):

82-86. Interessante é também, concomitantemente, a reflexão que

suscita esta temática no plano jurídico. Considerado o tecido

normativo complexo que entrecruza as regras europeias e nacionais,

as regras legais e as regras convencionais, no seu conjunto sobre

interdição das discriminações fundadas na idade, cfr. Langlois, PH

(2006): 155-157.

(5) Por exemplo, no Reino Unido, recorde-se o denominado “relatório

Turner”, solicitado em 2004 por Tony Blair com vista à revisão da

Page 42: Cadernos de Economia 98

JANEIRO | MARÇO 2012 45

segurança social inglesa, que propôs – como solução para o

reequilíbrio financeiro do sistema público de segurança social

britânico – alongar a duração do trabalho.

(6) Por exemplo, a Holanda e a Finlândia foram dois países paradigmas

nesta inversão de mentalidades. Desde o início deste século que a

contratação de trabalhadores seniores foi reconfigurada na política

de recrutamento das empresas e que um número crescente de

trabalhadores seniores se mostram cada vez mais disponíveis para

se manterem no activo, quer a tempo completo quer a tempo

parcial (Rebelo, 2001). Por exemplo, em março de 2011 – para

limitar a discriminação dos seniores no mundo profissional – o

governo francês consagrou às empresas que contratam

desempregados com idade superior a 45 anos 2.000 euros por

contrato. Também na Finlândia a política de manutenção dos

seniores no emprego foi adoptada como uma verdadeira “causa

nacional”, a par de uma campanha nacional sobre formação

profissional contínua e sobre melhoria das condições de trabalho

para os trabalhadores seniores.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

Blanchet, D., et al. (2005). Share Survey 2004 – Survey of Health, Ageing and

Retirement in Europe, Final report n° 1615. Universidade de Mannheim,

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Commission for Economic and Social Policy (2009). Dealing with the impact

of an ageing population in the EU (2009 ageing report). Rob Bats, Brussels.

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solidarity between the generations. European Commission Green Paper,

Brussels.

Eurostat (2005). Population and social conditions. European Communities,

Luxembourg.

Eurostat (2008). “Labour Market Latest Trends 2007”, in Eurostat – Data in

focus 14/2008. European Communities, Luxembourg.

Eurostat (2012). “Active ageing and solidarity between generations – a

statistical portrait of the European Union 2012”. European Commission,

Luxembourg.

Institute for Family Policies (2009). Report on the Evolution of the Family in

Europe 2009. Institute for Family Policies, Oslo.

Langlois, PH. (2006). “Que faire de l’interdiction de la discrimination selon

l’âge?” in Droit Social n.º 2: 155-157.

Rebelo, G. (2001). “As qualificações dos mais idosos no mercado de

trabalho” in Sociedade e Trabalho n.º 14/15: 69-78.

Rebelo, G. (2002). “Segurança Social: o difícil equilíbrio financeiro” in

Economia Pura n.º 53: 82-86.

Rebelo, G. (2005). “Emprego e Segurança Social: actualidade e tendências”

in Sociedade e Trabalho n.º 26: 81-92.

Rebelo, G. (2009). “Mercado de Trabalho: o envelhecimento activo” in

Conjunturas & Tendências – Uma visão sobre Portugal, a Europa e o Mundo.

Edições Sílabo, Lisboa:149-152.

Rebelo, G. (2010). “Políticas de Envelhecimento Activo em Portugal” in

Trabalho e Emprego – Actualidade e Prospectiva. Edições Sílabo, Lisboa:147-

157.

EMPREGO SÉNIOR E ENVELHECIMENTO ACTIVO | GLÓRIA REBELO

Page 43: Cadernos de Economia 98

As pessoas idosasenquanto consumidorasde cultura e lazer

“Na velhice deixar de se fazer o que já não se pode fazer não é problema,

problema é deixar de fazer o que ainda se pode fazer.”

(Cícero, filósofo e estadista romano que viveu entre 106 a.C. e 43 a.C.)

É de conhecimento público que nos países ocidentais, e em Portugal em particular, a população está a

envelhecer, por um dado, pelo aumento da esperança média de vida, e, por outro, pela baixa taxa de

natalidade. Este número crescente de pessoas mais velhas vai condicionar, se já não condiciona, os cenários

económicos, políticos, sociais, e culturais nesses países.

De uma forma geral, o envelhecimento demográfico causa uma grande pressão a nível financeiro nos

estados devido ao aumento das despesas sociais e de saúde e com os encargos com as reformas e pensões.

A nível político, um número crescente de idosos, significa que a maioria dos eleitores serão seniores e,

como tal, terá que haver uma especial atenção político-partidária com os assuntos que dizem respeito a

este grupo. A nível social, a transformação será sentida em todos os aspectos da comunidade, dando como

exemplo a adaptação dos edifícios de antigas escolas primárias para universidades seniores ou a viragem

que os departamentos de marketing das empresas estão a fazer do mercado jovem para o mercado sénior.

Do ponto vista do lazer e da cultura, já se notam alterações significativas quer do consumidor, quer do

produtor destes serviços. São cada vez mais as entidades públicas e privadas que ajustam os seus

produtos/serviços a este público alvo, com programas específicos, preços especiais e adaptações aos

espaços para os tornarem acessíveis a todos, especialmente aos mais velhos.

LUÍS JACOBPROFESSOR DO ENSINO SUPERIOR | CONSULTOR EM ECONOMIA SOCIAL

46 CADERNOS DE ECONOMIA

Page 44: Cadernos de Economia 98

JANEIRO | MARÇO 2012 47

Olhando para o consumidor mais velho, notamos várias

diferenças entre a situação actual (2012) e há vinte anos

(1990). Para além de um número maior de idosos, estes

têm um maior poder económico, são mais cultos, mais

saudáveis e mais interessados. Os seniores assumem

gradualmente o papel não só de consumidores, mas

também de produtores de cultura e saber.

Estas mudanças devem-se à evolução positiva das

condições de vida em geral, em Portugal, ocorridas nos

últimos anos.

Para ilustrar estes factos apresentamos o quadro 1.

Para além destes dados, podemos indicar outros

exemplos de como o comportamento dos idosos está a

mudar:

• A prática desportiva nos mais velhos é cada vez

maior, ao que não é alheia a criação por partes das

autarquias de programas de desporto sénior, como

se pode constatar na realização cada vez mais

frequente de torneios desportivos para seniores ou

veteranos.

• Segundo o barómetro sénior, 63% dos idosos

preocupam-se com a sua imagem e utilizam

regularmente produtos de beleza. Em 1990, este

valor era muito mais baixo.

• A utilização da Internet é cada vez mais frequente.

Ainda segundo o barómetro sénior, 32% dos seniores

tem acesso regular à Internet. Em 2001, esse valor era

inferior a 5%. A utilização da Internet vem abrir um

novo mundo aos mais velhos, sendo cada vez mais

frequente a criação de blogues e sites por parte dos

utilizadores seniores.

• Na ocupação dos tempos livres, a televisão, a rádio e a

“ida ao café” são claramente as principais actividades

de lazer dos mais velhos. Mas também aqui se notam

diferenças com o número cada vez mais alto de idosos

a lerem livros, a irem a espectáculos culturais, a

viajarem dentro e fora de Portugal, a estudarem ou a

produzirem cultura, como é o caso do grupo

profissional de dança “Companhia Maior”.

Por fim, é de salientar que a fidelidade às suas marcas de

sempre é uma das principais características do target

sénior, assim como os horários e as datas que os seniores

podem aproveitar serem diferentes dos da maioria da

população, pela razão de já não terem uma profissão a

tempo inteiro que lhes ocupe o dia.

Estivemos a escrever sobre a mudança do com -

portamento dos seniores e iremos abordar agora a

mudança de atitude por parte dos fornecedores de bens

culturais e de lazer a fim de captarem para si este público

alvo cada vez mais importante.

As entidades públicas e privadas sabem actualmente que

o segmento sénior é muito importante como cliente de

serviços e produtos, essencialmente em duas grandes

áreas: o turismo (residencial e não residencial) e o sector

dos serviços pessoais e de saúde (especialmente lares de

idosos, apoio domiciliário e clínicas).

AS PESSOAS IDOSAS ENQUANTO CONSUMIDORAS DE CULTURA E LAZER | LUÍS JACOB

Quadro 1

1990 2010

Número de maiores de 65 anos 1.342.744 2.022.504

Percentagem da população 13,6 19,1

Índice de envelhecimento 128,6 68,1

Índice de longevidade 39,3 43,5

Esperança média de vida 74,1 anos 79,6 anos

Idosos, sem grau de ensino 74% 33%

Idosos, com licenciatura 0,02% 0,04%

Média, pensões de velhice e invalidez 84,8 euros 246,4 euros

Média, pensões de sobrevivência 50,9 euros 147,8 euros

Lê livros regularmente* 13% 22%

Usa telemóvel* 0% 92%

Faz férias uma vez por ano* 11% 31%

A frequentar uma universidade sénior** 1.200 32.000Fontes: INE, PRODATA, QSP* e RUTIS**

Page 45: Cadernos de Economia 98

48 CADERNOS DE ECONOMIA

Alguns exemplos de como as empresas e o Estado se

estão a adaptar a esse sector:

• A maioria das câmaras municipais criou o “cartão

sénior”, que engloba um conjunto vasto de descontos

e vantagens em serviços e produtos existentes no

concelho.

• Ainda dentro do universo das autarquias, os passeios

e festas que as juntas de freguesia fazem regu -

larmente para esta população.

• O surgimento no espaço urbano dos parques

seniores: conjunto de equipamentos desportivos e

de lazer concebidos especialmente para os seniores

e para o uso exterior e público.

• Os descontos que os cinemas, teatros, museus,

transportes proporcionam aos maiores de 65 anos.

• As fortes campanhas que as agências de viagens e

hotéis fazem junto deste sector, nomeadamente para

aumentar a ocupação dos espaços/destinos turísticos

na época baixa.

• O enorme aumento das universidades seniores, que

passaram de 15 em 2001 para 190 em 2012, e que

proporcionam diferentes actividades formativas,

culturais e de lazer, como grupos musicais, de teatro,

de dança, de pintura ou visitas de estudo.

• A criação de produtos exclusivos para os seniores

como telemóveis, computadores (por exemplo,

Sénior Virtual da Inforlândia), sistemas de telealarme

ou mesmo uma rádio (por exemplo, Rádio SIM do

Grupo Renascença). Muitos programas televisivos,

fora do horário nobre, são idealizados a pensar

essencialmente neste público.

• O caso da Fundação INATEL, que dirige grande parte

da sua oferta turista e termal para o segmento sénior.

Inclusive as Pousadas da Juventude estão a “abrir as

suas portas” aos mais velhos, realizando protocolos

com a Rede de Universidades da Terceira Idade e com

a União das Misericórdias Portuguesas.

Em jeito de conclusão, podemos afirmar que os gostos

dos mais velhos estão a mudar, assim como a sua própria

relação com o envelhecimento. Temos hoje em dia idosos

mais activos e intervenientes e que procuram cres -

centemente actividades de lazer e culturais, fruto do seu

maior grau de escolarização, de serem autónomos mais

tempo e das portas que o mundo lhe abre, seja

presencialmente, seja via Internet.

Compete igualmente aos prestadores destes serviços

irem-se adaptando gradualmente às necessidades deste

segmento, seja nas questões das acessibilidades (rampas,

casas de banho, tamanho das letras, volume do som), das

ementas, dos horários, da própria programação, do preço

e na forma de comunicarem e apresentarem as suas

obras. >|<

BIBLIOGRAFIA

Santos, Carla (2012). “Turismo sénior” in Ideias para um envelhecimento

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QSP (2009). “Barómetro Sénior”. Estudo de mercado.

Jacob, Luís (2012). “Universidades Seniores” in Ideias para um

envelhecimento activo. Lisboa: Editorial Estampa.

Sepúlveda, Ana (2011). Marketing para maiores de 45. Lisboa: Editora

Actual.

www.ine.pt

www.pordata.pt

AS PESSOAS IDOSAS ENQUANTO CONSUMIDORAS DE CULTURA E LAZER | LUÍS JACOB

Page 46: Cadernos de Economia 98

Um desafiopara a responsabilidadesocial das empresas

A Organização Mundial da Saúde (OMS) adoptou, no final dos anos 90, o paradigma “envelhecimento

activo” para designar o “processo de optimização das oportunidades de saúde, participação e segurança,

promovendo uma maior qualidade de vida à medida que as pessoas vão envelhecendo”.

Este paradigma, que vem substituir o de “envelhecimento saudável”, chama-nos, desde logo, a atenção para

dois aspectos fundamentais: o primeiro é definir o envelhecimento como um processo, processo esse que,

convém dizê-lo, começa quando nascemos e termina quando morremos; o segundo é lançar uma

mensagem mais inclusiva do que a contida no conceito de envelhecimento saudável, cujo enfoque eram

os cuidados de saúde.

Naturalmente que da própria definição de envelhecimento activo se depreende a importância que os

cuidados de saúde continuam a ter. Contudo, o que está agora em causa é uma perspectiva mais holística

da pessoa, é a realização do potencial humano ao longo da vida e a participação na sociedade de acordo

com as necessidades, direitos e capacidades, provendo ao mesmo tempo a protecção, segurança e

cuidados, quando necessários.

É neste novo olhar sobre a participação activa que está presente uma perspectiva mais inclusiva, bem

como no assumir-se que essa participação deve ser de acordo com as necessidades, direitos e capacidades

de cada um. De facto, esta visão inclui as pessoas que se encontram em situação de dependência, ou com

qualquer tipo de deficiência, numa tentativa louvável de derrubar barreiras humanas que ainda subsistem.

De acordo com a OMS, o envelhecimento activo depende de uma variedade de determinantes que fazem

parte do ambiente no qual as pessoas estão inseridas, determinantes essas que se influenciam e

MARIA JOAQUINA MADEIRACOORDENADORA NACIONAL DO ANO EUROPEU DO ENVELHECIMENTO ACTIVO E DA SOLIDARIEDADE ENTRE GERAÇÕES

JANEIRO | MARÇO 2012 49

ENVELHECIMENTO ACTIVO

Page 47: Cadernos de Economia 98

50 CADERNOS DE ECONOMIA

relacionam entre si. Consideram-se como primordiais as

culturais e de género, as biológicas e psicológicas, as

económicas, as respeitantes à saúde, as sociais e as

ambientais.

Do que ficou dito, facilmente se conclui que todos estes

aspectos, que consubstanciam o envelhecimento activo,

só podem ser atingidos através de um compromisso

individual e colectivo, envolvendo, naturalmente, um

vasto conjunto de actores sociais, entre os quais as

empresas.

Nos nossos dias ainda é comum defender-se que o

objectivo principal das empresas é maximizar o retorno

aos seus accionistas, perante os quais são responsáveis,

não tendo qualquer tipo de responsabilidade para com a

sociedade como um todo.

Contudo, no cenário mundial contemporâneo, percebe-

se o processar de inúmeras transformações de ordem

económica, política, social e cultural que, por sua vez, se

adaptam aos novos modelos de relações entre

instituições e mercados, organizações e sociedade. No

âmbito das actuais tendências de relacionamento,

verifica-se a aproximação dos interesses das

organizações e dos da sociedade, resultando em esforços

múltiplos para o cumprimento de objectivos

compartilhados.

Nessa direcção apontam tradições religiosas e culturais e

alguns estudiosos, que argumentam que a economia

existe justamente para servir os seres humanos, tendo,

por isso, responsabilidade social.

De facto, e sobretudo a partir da década de 70 do

século XX, a responsabilidade social das empresas é

vista como uma potencialidade não só pela redução de

riscos e ineficiências, mas também pela oferta de uma

série de vantagens, tais como as deduções fiscais, um

maior envolvimento dos colaboradores e o

fortalecimento da imagem da organização, que se

Neste “Ano Europeu do

Envelhecimento Activo e

da Solidariedade entre

gerações”, as empresas

são chamadas a

aprimorar o conceito de

“cultura organizacional”

para a implementação

da responsabilidade

social como uma

bandeira inquestionável,

como um valor presente

e irremovível.

Page 48: Cadernos de Economia 98

JANEIRO | MARÇO 2012 51

constitui como um diferencial competitivo no mundo

globalizado.

Defende-se, ainda, a importância da ética como factor de

garantia da competitividade das empresas, afirmando-se

que a responsabilidade social é essa ética e que é ela o

caminho a percorrer para a sustentabilidade, êxito

empresarial e edificação de sociedades mais

desenvolvidas e mais justas(1).

Nesse mesmo sentido aponta o Livro Verde da Comissão

Europeia ao definir a responsabilidade social como um

conceito segundo o qual as empresas decidem, numa

base voluntária, contribuir para uma sociedade mais

justa e para um ambiente mais limpo, tendo, para isso,

em consideração não só os interesses dos accionistas,

mas também os dos trabalhadores, das comunidades

locais, dos clientes, dos fornecedores, das autoridades

públicas e da sociedade em geral.

Sendo o conceito de responsabilidade social amplo, com

muitos significados e sinónimos, como os de cidadania

corporativa, desenvolvimento sustentável, filantropia

empresarial, marketing social e activismo social

empresarial(2), importa agora considerar aquele ou

aqueles que, em nosso entender, mais contribuem para o

envelhecimento activo, no sentido em que acima o

descrevemos: realização do potencial humano e

participação de acordo com as necessidades, direitos e

capacidades de cada um.

Neste âmbito, referir-nos-emos a quatro aspectos que

consideramos fundamentais:

1 – A responsabilidade social das empresas é importante

para o envelhecimento activo quando as empresas

implementam estratégias de reforço da autoestima e

da motivação dos colaboradores, como:

• Desenvolver programas de voluntariado que

possam absorver os colaboradores ainda no activo,

constituindo pólos de ocupação para o tempo pós-

reforma, e permitir ao trabalhador a realização de

actividades de voluntariado em instituições sem fins

lucrativos, durante o horário normal de trabalho,

sem perda de benefícios inerentes à retribuição e

assiduidade. Destas acções podem beneficiar

grupos de cidadãos, de todas as idades, vítimas de

exclusão social.

• Envolver os trabalhadores mais antigos nos

processos de recrutamento, selecção, acolhimento e

acompanhamento de novos colaboradores. De

acordo com esta estratégia, o “saber fazer”

acumulado e as pessoas que o detêm são uma mais-

valia. Por outro lado, a estratégia permite o diálogo

intergeracional e o desmontar de estereótipos

ligados às pessoas mais idosas.

2 – A responsabilidade social das empresas é importante

para o envelhecimento activo quando as empresas se

empenham no exercício da capacitação profissional

dos seus trabalhadores tornando-os agentes qualificados

no mercado de trabalho e nas comunidades onde estão

inseridos.

Um mercado cada vez mais competitivo determina que

os trabalhadores, independentemente da idade,

reforcem as suas competências e conhecimentos, por

forma a dar resposta às novas exigências da tecnologia e

da sociedade da informação. Neste desiderato, exige-se

aos empregadores e aos trabalhadores uma

responsabilidade social partilhada e um esforço de

adaptação a novas realidades.

O desenvolvimento de acções de formação e

valorização, prevendo a actualização dos trabalhadores

durante o período em que existe um vínculo formal, mas

também após esse tempo de prestação efectiva de

serviço, assume-se de crucial importância para o

reconhecimento e inclusão social das pessoas, mesmo

após a reforma.

ENVELHECIMENTO ACTIVO:UM DESAFIO PARA A RESPONSABILIDADE SOCIAL DAS EMPRESAS | MARIA JOAQUINA MADEIRA

Page 49: Cadernos de Economia 98

52 CADERNOS DE ECONOMIA

3 – A responsabilidade social das empresas é importante

para o envelhecimento activo quando as suas acções são

promotoras da cidadania individual e colectiva.

Neste âmbito salientam-se, por exemplo, a im ple -

mentação de projectos de preparação para a reforma,

enquanto estratégias de planeamento e adaptação a

uma fase da vida caracterizada por uma mudança ou

perda de papéis, sendo o mais evidente, o do estatuto

profissional.

De facto, o afastamento do circuito de produção, mesmo

que represente o direito a um repouso remunerado,

significa a perda do desempenho profissional e das

relações interpessoais que nele se desenrolavam,

podendo trazer sentimentos de insegurança ou mesmo

crises de identidade.

O desafio para as organizações está em arranjar

estratégias de gestão mais humanizadas, nas quais se

incorpore uma responsabilidade ética no planeamento

da reforma dos seus trabalhadores, facilitando-lhes a

adaptação à nova fase da vida e o bem-estar, logo, a

possibilidade de continuação de uma cidadania activa.

4 – A responsabilidade social das empresas é importante

para o envelhecimento activo quando elas desenvolvem

estratégias de inclusão social de grupos mais

desfavorecidos, como, por exemplo, a integração de

pessoas com deficiência, combatendo a “armadilha da

estigmatização social” e dignificando o indivíduo numa

perspectiva global independentemente da sua situação.

Uma organização voltada para o desenvolvimento

sustentável planeia um horizonte multidimensional, que

engloba e assegura os direitos civis, políticos,

económicos, sociais, culturais e ambientais, na medida

em que todos fazem parte de um sistema de obtenção de

uma economia solidária.

Neste Ano Europeu do Envelhecimento Activo e da

Solidariedade entre Gerações, as empresas são chamadas

a aprimorar o conceito de “cultura organizacional” para a

implementação da responsabilidade social como uma

bandeira inquestionável, como um valor presente e

irremovível!

Neste Ano Europeu do Envelhecimento Activo e da

Solidariedade entre Gerações, todos/as são chamados/as

a aprimorar e a operacionalizar o conceito de “cultura do

envelhecimento activo”, para a construção de uma

sociedade que se quer de todos/as para todos/as. >|<

NOTAS

(1) jus.uol.com.br/.../texto/.../a-responsabilidade-social-da-empresa.

(2) Joana Garcia, 2004.

REFERÊNCIAS

BICALHO, Aline (2003). Responsabilidade Social das Empresas: Contribuição

das Universidades. São Paulo: Editora Peirópolis, p. 364.

GARCIA, Joana (2004). O negócio do social. Rio de Janeiro: Jorge Zahar

Editor.

http://pt.wikipedia.org/wiki/Responsabilidade_social

http://www-05.ibm.com/pt/ibm/ccr/ars.html

IDS (2001). Manual Recriar o Futuro. Lisboa: Soartes

ENVELHECIMENTO ACTIVO:UM DESAFIO PARA A RESPONSABILIDADE SOCIAL DAS EMPRESAS | MARIA JOAQUINA MADEIRA

Page 50: Cadernos de Economia 98

O desafiodas empresasnuma sociedadegrisalha

1 QUE PAPEL PARA AS EMPRESAS?No contexto do Ano Europeu do Envelhecimento Activo e da Solidariedade entre Gerações, reacende-se o

foco sobre o tema da longevidade da população portuguesa e europeia e sobre as suas consequências

económicas e sociais.

E a forma como encararmos este fenómeno e a atitude que individual e colectivamente adoptarmos pode

fazer toda a diferença.

Parece predominante uma abordagem mais pessimista, que invoca a conjuntura adversa que

atravessamos, pondo em causa aquisições no domínio dos direitos sociais e fazendo-nos duvidar da

sustentabilidade dos sistemas de protecção social e de saúde.

Mas, também é importante sublinhar as potencialidades desta sociedade grisalha, sinónimo de

desenvolvimento e de progresso, que nos permite a coexistência riquíssima de quatro gerações.

Se quisermos acentuar os fenómenos da solidão, do empobrecimento ou da demência, estamos

condenados a perspectivar um futuro pouco promissor, onde envelhecer será um castigo e não uma

conquista.

Pelo contrário, se soubermos antecipar os riscos, planear as etapas de vida, prevenir as rupturas e as

dependências, poderemos enfrentar a velhice com esperança e desfrutar, até ao fim, de uma existência

digna.

PAULA GUIMARÃESJURISTA

JANEIRO | MARÇO 2012 53

RESPONSABILIDADE CORPORATIVA E ENVELHECIMENTO

Page 51: Cadernos de Economia 98

54 CADERNOS DE ECONOMIA

Esta visão, mais pró-activa e empreendedora, em que

cada um de nós antecipa, sem dramas, o seu inexorável

envelhecimento, exige uma mudança radical nas

organizações, uma alteração de paradigmas, discursos e

práticas.

Espera-se um esforço conjunto e convergente em que o

indivíduo, as estruturas públicas e as entidades privadas

incorporem o envelhecimento populacional como um

dado incontornável e se reposicionem estrategicamente.

É o que se pede, igualmente, às empresas, territórios

onde as pessoas passam cada vez mais tempo e se

assumem como verdadeiros espaços de socialização.

A empresa não é apenas o posto de trabalho ou a fonte

de receita familiar, é o local onde estão os amigos e os

obstáculos, os sonhos e as frustrações e simboliza a nossa

pertença ao mundo dos cidadãos produtivos e

contribuintes.

Acresce que a saída do mercado de trabalho, através da

reforma, constitui, muitas vezes, o primeiro sinal

inequívoco de que transitámos para uma nova fase,

conotada, normalmente, com a velhice.

Neste sentido e no âmbito da sua responsabilidade

corporativa, é evidente que as organizações em geral e as

empresas em particular podem e devem desenvolver

uma intervenção promotora do envelhecimento activo e

contribuir para uma saudável relação entre gerações.

Apesar da existência de boas práticas neste domínio,

cremos que a maior parte das empresas ainda não

explorou este novo filão e não se consciencializou do

poder pedagógico que possui em matéria de combate

aos estereótipos que rodeiam a velhice.

Todavia as tendências apontam para uma assunção

crescente de um novo posicionamento das empresas,

que ultrapassa a realização pontual de iniciativas

Com o expectável

prolongamento da

actividade laboral, a

gestão de recursos

humanos teve mais um

desafio: o de garantir o

direito ao trabalho

efectivo, evitar a

desactualização dos

colaboradores mais

idosos e a sua

desvalorização interna, e

encontrar novas formas

de os manter

indispensáveis na

empresa.

Page 52: Cadernos de Economia 98

JANEIRO | MARÇO 2012 55

filantrópicas ou de greenwash, e que se traduz num

compromisso perene para com os diversos stakeholders.

Considerando que a matéria do envelhecimento é

transversal, afectando todas as partes interessadas,

reflectindo-se quer no âmbito interno quer no âmbito

externo, este pode ser um desafio integrado e contínuo.

Efectivamente, a empresa que assumir como prioritário o

desígnio do envelhecimento activo abraça um desafio

moderno e demonstra efectivamente ao devir

sociológico e ao tecido social.

Encara de frente aquele que é o maior repto do século

XXI e percebe que falar em intergeracionalidade e em

envelhecimento inclusivo é falar em futuro, em

planeamento de eventualidades e de soluções, em

verdadeira sustentabilidade.

2 QUE MEDIDAS PODEM IMPLEMENTAR? Enquanto vector de responsabilidade social, as áreas do

envelhecimento activo e da solidariedade entre

gerações permitem uma actuação concertada dirigida

para os colaboradores e também para a comunidade

envolvente.

No primeiro domínio, vale a pena rever o teor da

comunicação da União Europeia que instituiu o Ano

Europeu do Envelhecimento Activo e da Solidariedade

entre Gerações, que refere que “é necessário, portanto,

melhorar as possibilidades e as condições laborais dos

trabalhadores mais velhos para preservar a solidariedade

entre gerações e, ao mesmo tempo, melhorar a sua inclusão

na sociedade, incentivando o envelhe cimento saudável.”

Um dos grandes objectivos é, portanto, o pro -

longamento da vida profissional, por imperativos de

solvabilidade do sistema de segurança social, mas esse

prolongamento deve visar, em simultâneo, a inclusão das

pessoas no seu contexto familiar e social, a sua

participação activa e cidadã e o adiamento dos factores

de dependência.

A permanência na vida dita activa deve ser um factor de

enriquecimento pessoal e não uma manutenção forçada,

artificial e mesmo violenta, que prejudique a pessoa,

comprometa a sua felicidade e bem-estar e cause

entropias ao processo produtivo.

Para garantir o equilíbrio entre os interesses do

colaborador e da empresa, cumprindo estes novos

imperativos públicos, urge adoptar políticas de gestão de

recursos humanos cada vez mais atentas aos percursos

individuais, que permitam a permanente formação e

actualização e que valorizem as diversas competências

ao longo das etapas da existência laboral.

O que está em causa é garantir que a empresa perceba

que o colaborador recém-chegado, jovem e sem âncoras

familiares, entende e comporta-se na organização de

forma diferente do colaborador em fase ascendente, mas

“ensanduichado” entre os compromissos com os filhos e

com os ascendentes, já para não falar do trabalhador que

já visualiza o fim da sua carreira e tem vontade de investir

noutras dimensões da sua vida.

Esta evolução pessoal é, necessariamente, inter -

dependente com a evolução profissional e, em estruturas

que se dizem socialmente responsáveis, não pode haver

RESPONSABILIDADE CORPORATIVA E ENVELHECIMENTO:O DESAFIO DAS EMPRESAS NUMA SOCIEDADE GRISALHA | PAULA GUIMARÃES

Page 53: Cadernos de Economia 98

56 CADERNOS DE ECONOMIA

lugar a uma gestão de recursos humanos centrada

exclusivamente na produtividade e onde a dimensão

pessoal é desconhecida e desvalorizada.

O tema do Ano Europeu que agora começa é, por isso,

fulcral, porque coloca em perspectiva o caminho

subjectivo do envelhecimento de cada indivíduo e a sua

relação permanente com as outras pessoas e gerações

que com ele coexistem.

Uma empresa é, por isso, um puzzle etário e, por isso,

heterogéneo em matéria de interesses, capacidades,

saberes, velocidades e valores, que é preciso gerir,

rendibilizar e fazer convergir em torno de uma missão

comum.

Com o expectável prolongamento da actividade laboral,

a gestão de recursos humanos tem mais um desafio, o de

garantir o direito ao trabalho efectivo, evitar a

desactualização dos colaboradores mais idosos e a sua

desvalorização interna e encontrar novas formas de os

manter indispensáveis na empresa.

A implementação de experiências e práticas de

mentorização e apadrinhamento, de integração e tutoria,

estabelece entre os trabalhadores seniores e juniores

uma saudável aproximação que assegura, em

simultâneo, a passagem da cultura, história e memória da

empresa e a permanente actualização de métodos.

Outra iniciativa importante prende-se com a preparação

para a reforma, permitindo ao colaborador que se

prepare para o adeus à empresa, reduzindo

gradualmente o tempo de trabalho, ajudando-o a

descobrir outros interesses e aptidões, fornecendo-lhe

apoio pluridisciplinar para que ele possa desfrutar, da

melhor forma possível, da nova fase que o espera.

Mas contribuir para o diálogo entre gerações e para um

envelhecimento equilibrado não se resume a acções

dirigidas para aqueles que já se encontram nas fases mais

Uma iniciativa importante

a implementar prende-se

com a preparação para

a reforma, permitindo ao

colaborador que se

prepare para o adeus

à empresa, reduzindo

gradualmente o tempo de

trabalho, ajudando-o

a descobrir outros

interesses e aptidões,

fornecendo-lhe apoio

pluridisciplinar para que

ele possa desfrutar, da

melhor forma possível,

da nova fase que o

espera.

Page 54: Cadernos de Economia 98

JANEIRO | MARÇO 2012 57

tardias da vida. A verdade é que as receitas devem ser

ouvidas e seguidas pelos jovens, por aqueles que iniciam

agora a sua vida familiar e profissional e que estão a

tempo de fazer as opções e as sementeiras correctas.

Promover estes dois lemas do Ano Europeu é, também,

criar e fazer respeitar políticas de família, de conciliação

do trabalho com a dimensão do lazer e da realização

pessoal, combater as discriminações de género e apoiar

os colaboradores que assumem responsabilidades

parentais e filiais.

É urgente que as organizações percebam o valor ético,

social e mesmo económico da assunção da obrigação de

alimentos relativamente aos ascendentes, que não

prejudiquem nem retaliem os trabalhadores que

prestam cuidados aos pais e avós dependentes ou em

situação de demência.

É importante que percebam que, se permitirmos, por

sistema, horários prolongados, se não defendermos a

necessidade dos pais criarem laços com os seus filhos

enquanto estes crescem, se valorizarmos mais quem pode

fazer serão todos os dias do que aqueles que querem ir ver

o familiar ao hospital ou assistir à festa da neta, estamos a

produzir cada vez mais casos de solidão no fim de vida.

Se não promovermos uma sã coexistência entre estes

dois mundos, as próximas gerações serão ainda mais

fustigadas pelo isolamento, pela ausência de laços

familiares ou de redes de vizinhança.

O apoio e mesmo incentivo ao cumprimento das

obrigações familiares não só não afecta a produtividade

como reduz o absentismo, estimula as relações de

confiança e de gratidão e combate o stress e o burn out e

é um sinal poderoso de envolvimento da empresa com o

bem-estar do seu colaborador.

Em suma, a empresa é um motor de mudança ao nível da

vida de cada um dos seus membros, mas pode ser,

também, um propulsor ético de coesão familiar e de

dignificação dos mais velhos. >|<

BIBLIOGRAFIA

ANTÓNIO, Stella (2010). Avós e Netos, Relações Intergeracionais – a

Matriliniaridade dos Afectos. Lisboa: Universidade Técnica de Lisboa.

GUERRA, Isabel et al (2010). À Tona de Água, Retratos de um Portugal em

Mudança. Lisboa: Tinta da China.

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Instituto Piaget.

COSTA, Maria Alice Nunes et al (2011). Responsabilidade Social, Uma Visão

Ibero-americana. Lisboa: Almedina.

RESPONSABILIDADE CORPORATIVA E ENVELHECIMENTO:O DESAFIO DAS EMPRESAS NUMA SOCIEDADE GRISALHA | PAULA GUIMARÃES

Page 55: Cadernos de Economia 98

Um tempo de encontro

com novos horizontes

O aumento da esperança média de vida e o envelhecimento da população são temas transversais a toda a

população mundial e, segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS, 2002), o envelhecimento global no

século XXI causará um aumento significativo da procura de respostas sociais e económicas em todo o

mundo. É neste contexto que o debate actual em torno do envelhecimento activo se centra.

A concepção do envelhecimento activo introduzida pela OMS, definido como “o processo pela qual se

optimizam as oportunidades de bem-estar físico, social e mental durante toda a vida com o objectivo de

aumentar a esperança de vida saudável, a produtividade e a qualidade de vida na velhice” é um conceito

inovador, a palavra “activo” para a OMS refere-se à participação contínua nas questões sociais, económicas,

culturais, espirituais e civis, e não apenas à capacidade de o indivíduo estar fisicamente activo ou de fazer

parte do mercado de trabalho. O idoso tem que continuar a participar na sociedade intervindo e

contribuindo para o seu desenvolvimento.

O envelhecimento activo é tratado por muitos autores e deu origem essencialmente a três teorias:

Disengagement, Actividade e Continuidade.

O Disengagement é uma teoria muito controversa e uma das primeiras que apareceu. Consiste num

processo de afastamento gradual do idoso da sociedade e das actividades que exercia, beneficiando

contudo do sistema social existente. Esta teoria resulta em grande parte da aceitação do idoso, os países

mais civilizados dificilmente aceitam o afastamento do idoso que, devido ao aumento da esperança de

vida, pode continuar a ser útil à sociedade.

A Teoria da Actividade, desenvolvida por Havighurst, assenta na tese que é essencial para o

INÊS MURTEIRAVOGAL DA COMISSÃO EXECUTIVA DA JOSÉ DE MELLO SAÚDE, SGPS

58 CADERNOS DE ECONOMIA

ENVELHECIMENTO ACTIVO

Page 56: Cadernos de Economia 98

JANEIRO | MARÇO 2012 59

desenvolvimento do idoso este manter-se activo e

envolvido na sociedade. Como é óbvio, trata-se de teoria

que se opõe ao Disengagement e que sugere a procura de

novos interesses, novos relacionamentos e novos

hobbies para compensar o que se foi perdendo ao longo

da vida.

A Teoria da Continuidade opõe-se ao Disengagement e

procura desenvolver a Teoria da Actividade. Trata-se de

uma das formas de enfrentar a ocupação na idade pós-

reforma, que aproveitando a experiência de vida

profissional dá o sentido da eficiência e contribui para

os mais novos poderem usufruir da experiência dos

mais velhos. No livro Continuity and adaptation in

aging: creating positive experiences (1999), Richard

Atchley defende que a estrutura psicológica do

indivíduo, sua personalidade e ideias mantêm-se pela

vida fora e são um exemplo vivo para os seguidores

mais novos.

No século XIX, uma pessoa de sessenta anos era

considerada idosa. Hoje é comprovadamente ridícula

esta designação.

Segundo as estatísticas, em Portugal, no início do século

XXI, a esperança de vida à nascença é de cerca de 82 anos

para as mulheres e de 76 anos para os homens, no

entanto, uma pessoa saudável não deseja depois da

reforma ficar apenas com o seu tempo preenchido por

entretenimentos, manutenção física e os apoios

necessários às duas gerações que podem precisar do seu

auxílio pontual.

Quantas vezes a sua experiência, resultante da actividade

que exerceram, poderia enriquecer a empresa da qual se

reformaram. Quantas vezes o exercício das suas funções

pode vir a ser útil numa nova empresa onde os quadros

mais novos carecem de orientação. São factos como

estes que parecem dar razão à Teoria da Continuidade.

Parece, por isso, que o grande valor dos reformados em

situação saudável deveria ser um valor apreciável a não

perder pelas administrações das empresas.

É evidente que, para além do estado físico, a vontade

própria neste projecto, também as qualidades de

comportamento psicológico teriam de se ter em conta.

ENVELHECIMENTO ACTIVO: UM TEMPO DE ENCONTRO COM NOVOS HORIZONTES | INÊS MURTEIRA

Page 57: Cadernos de Economia 98

60 CADERNOS DE ECONOMIA

Uma pessoa activa pode contar com as suas experiências

no passado sem nunca deixar de ter abertura para os

novos conhecimentos e as novas tecnologias.

Os quadros reformados que quisessem dar uma parte do

seu tempo à empresa em que trabalharam deveriam ter

em conta não só o seu know-how, mas também a

capacidade de apreciarem as vantagens da tecnologia

que avança rapidamente.

A referida Teoria do Disengagement defende que nem

sempre o idoso se adapta às mudanças que se vão

operando. Na nossa opinião, isso nem sempre acontece.

O idoso, embora não aderindo à continuidade, mas

mantendo-se activo, pode preferir enveredar por

caminhos completamente distintos, onde a sua

curiosidade ou tendência nunca antes aproveitada pode

encontrar uma fonte de estímulos emocionais que são

razões para viver numa nova expectativa. A escolha das

actividades durante o envelhecimento depende também

do ambiente familiar. São os avós e até bisavós que

suprem as ausências dos pais ocupados quase sempre

até horas muito tardias nos empregos.

Envelhecer pode ser um tempo de encontro com novos

horizontes. Há quem se tenha dedicado a tirar cursos de

arte, línguas, arqueologia ou apenas experimentar

desenhar e pintar.

As empresas, ao aceitarem pessoas que já se reformaram

e mostraram ter valores que contribuíram para o sucesso

da empresa, sabem que o equilíbrio que vierem trazer na

sua nova actuação pode ser uma mais-valia.

Sabemos que, o senso comum, a sensatez, a noção dos

limites humanos são mais próprios desta faixa etária e

que não devia ser desaproveitada.

Parece-nos essencial observar o trajecto de um número

considerável de idosos que são conhecidos inter -

nacionalmente por terem sabido gerir o seu tempo de

pós-reforma com sucesso e sabedoria e olhar à volta e

reparar naqueles que, parecendo gente anónima, são

idosos com uma vida cheia de interesses. O en -

velhecimento activo é, naturalmente, um tema que na

conjuntura actual, com uma elevadíssima taxa de

desemprego, deve ser enfrentado com equilíbrio, não

como força de trabalho substitutiva mas como um activo

que pode criar valor em algumas áreas de intervenção

das empresas, desde logo, a nível interno na formação e

coaching dos quadros mais novos e muito

particularmente no âmbito da responsabilidade social

das empresas.

A responsabilidade social é actualmente uma

componente importante da missão das empresas

com preocupações de sustentabilidade. Esta função

é desenvolvida de forma sistemática e organizada

em projectos diversificados, em que a participação

de ex-quadros pode representar uma significativa

mais-valia que as empresas não devem deixar de ter

em conta. >|<

ENVELHECIMENTO ACTIVO: UM TEMPO DE ENCONTRO COM NOVOS HORIZONTES | INÊS MURTEIRA

O grande valor

dos reformados

em situação saudável

deveria ser um valor

apreciável a não perder

pelas administrações

das empresas.

Page 58: Cadernos de Economia 98

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Page 59: Cadernos de Economia 98

A responsabilidadedas empresasno envelhecimentoactivo

A média de idade na União Europeia atingiu recentemente os 40 anos. Portugal não é excepção, tendo 19%

da população com mais de 65 anos (em 1960, era apenas 8%) e uma esperança média de vida que, nos

últimos 50 anos, aumentou 15 anos, estando neste momento situada nos 82 anos para as mulheres e nos

76 para os homens. Um país envelhece quando a sua população tem maior esperança de vida e a

mortalidade diminui – e, nesse sentido, o facto da população de um país envelhecer é sinal de

desenvolvimento.

Atenta ao desafio do envelhecimento na Europa, a Comissão Europeia designou 2012 como o “Ano Europeu

de Envelhecimento Activo e da Solidariedade entre Gerações”. Pretende-se “ajudar a promover uma cultura

de envelhecimento activo na Europa, baseada numa sociedade para todas as idades”. Mais

especificamente, pretende-se (i) melhorar as oportunidades de trabalho para os seniores na Europa, (ii)

combater a exclusão social e ajudar estas pessoas a participar de forma activa na sociedade e (iii) prevenir

a dependência e encorajar os cidadãos para um envelhecimento activo e saudável.

Segundo a própria Comissão Europeia, o sucesso do Ano Europeu dependerá do envolvimento activo dos

diversos Estados membros, designadamente das suas autoridades regionais e locais, mas também “dos

parceiros sociais, da sociedade civil e da comunidade empresarial, incluindo as pequenas e médias

empresas”.

Neste breve artigo iremos abordar a questão do envelhecimento activo no contexto específico da

responsabilidade social das empresas, nomeadamente, procuraremos dar exemplos de formas como as

empresas se podem associar ao tema, promovendo o envelhecimento activo entre os seus colaboradores

e na sociedade em geral.

JOÃO WENGOROVIUS MENESESPROFESSOR CONVIDADO NO ISCTE-IUL

62 CADERNOS DE ECONOMIA

Page 60: Cadernos de Economia 98

JANEIRO | MARÇO 2012 63

Justifica-se, contudo, uma nota prévia: o voluntariado

sénior representa uma excelente forma de participação e

cidadania que não será abordada neste artigo. Uma

sociedade ou uma política que se centre apenas nesta

solução, em vez de promover o emprego em condições

de igualdade para todos os grupos etários, só pode ser

considerada discriminatória. Mas, não sendo o caso, o

voluntariado sénior pode ser um excelente contributo

para a sociedade e uma excelente forma de

envelhecimento activo.

Vejamos, então, três propostas do que pode ser o papel

das empresas ao nível da promoção do envelhecimento

activo.

Primeira proposta

Para fomentar a inovação e a competitividade, é

importante que as empresas reconheçam a importância

da diversidade e do equilíbrio intergeracional ao nível do

recrutamento e da gestão de recursos humanos.

Sendo a inovação um dos principais factores de

competitividade, para Jeff Dyer e Hal Gregersen

(professores em Wharton e no INSEAD, respectivamente),

a capacidade de inovar depende da conjugação

simultânea de “discovery skills” e “delivery skills”. As

discovery skills (ou competências de descoberta)

traduzem-se na “capacidade de gerar novas ideias e

respostas” e as delivery skills (ou competências de

entrega) traduzem-se na “capacidade de gerar e executar

um plano”. Embora, geralmente, se associe a inovação

apenas a competências de descoberta, a verdade é que

não há inovação sem competências de entrega. Ora, se

os grupos etários mais jovens podem ser mais fortes em

competências de descoberta, a verdade é que as

competências de entrega são mais comuns em grupos

etários com mais experiência e maturidade. As empresas

devem, por isso, procurar assegurar um certo equilíbrio

intergeracional, desde logo para melhorarem o seu

desempenho.

Foi com vista a facilitar o acesso ao mercado de trabalho

dos seniores que foi criada, em Inglaterra, a plataforma

online “The Age and Employment Network”

(www.taen.org.uk). Em Portugal, faria sentido criar uma

plataforma semelhante.

Segunda proposta

Para além de políticas de recrutamento e gestão de

recursos humanos menos discriminatórias, as empresas

deveriam ser veículos de informação e preparação dos

seus funcionários para um envelhecimento activo e, em

particular, para uma transição saudável para a reforma.

A este nível, o empreendedorismo sénior – tanto o de

natureza mais económica, como o de natureza mais

social ou comunitária – poderia ser visto como uma

solução mais usual.

Foi para apoiar o empreendedorismo sénior que a

Associação Cristã de Empresários e Gestores (ACEGE)

lançou o fundo de capital de risco “Bem Comum”

(www.bemcomum.pt). Como a própria ACEGE refere, o

que a levou a lançar esse fundo de capital de risco foi ter

constatado “a existência de um elevado número de

pessoas com mais de 40 anos com saber adquirido,

competência profissional e talento não utilizado por

empresas empregadoras”, bem como acreditar

“profundamente na capacidade de cada pessoa” e “na

experiência e competências adquiridas ao longo de uma

vida profissional”.

Terceira proposta

Seria, também, importante que as empresas es -

tivessem mais disponíveis para apoiar iniciativas

oriundas da sociedade civil que contribuam para o

envelhecimento activo, e o bem-estar e empo werment

dos seniores. Vejamos três exemplos de iniciativas que

poderiam ser lançadas, em Portugal, com o apoio do

sector privado.

A RESPONSABILIDADE DAS EMPRESAS NO ENVELHECIMENTO ACTIVO | JOÃO WENGOROVIUS MENESES

Page 61: Cadernos de Economia 98

64 CADERNOS DE ECONOMIA

• A rede “Tyze” (www.tyze.com) é uma plataforma

online que permite às instituições e pessoas

envolvidas no apoio a alguém articularem esforços.

Ou seja, é uma rede social (parecida ao Facebook),

para a qual convergem, e através da qual interagem e

se articulam, os diversos serviços públicos e privados

de saúde e apoio social, bem como a família, os

amigos e os vizinhos de alguém a precisar de apoio e

acompanhamento. A plataforma é bastante simples

de montar e tem custos de exploração relativamente

baixos, sendo financiada em grande medida pelos

próprios beneficiários.

• A “Dementia Adventure” é uma organização que

apoia pessoas com demência (por exemplo, pessoas

com Alzheimer). Mais concretamente, e citando a sua

missão, a Dementia Adventure “connects people living

with dementia with nature and a sense of adventure”

(http://dementiaadventure.wordpress.com). Muito

há ainda a fazer, em Portugal, pela promoção do en -

velhe cimento activo junto de grupos mais

específicos, designadamente, junto de pessoas com

demência ou doenças degenerativas.

• Por último, a plataforma online “Patients Like Me”

(www.patientslikeme.com) permite a qualquer

pessoa partilhar o seu estado de saúde com outras

pessoas com problemas de saúde semelhantes, bem

como classificar os médicos que a acompanham e os

tratamentos a que está sujeita. Ou seja, é uma

espécie de trip advisor para classificação de

profissionais e experiências na área da saúde. A rede

inglesa já tem mais de 135 mil aderentes e tem-se

revelado, para muitos deles, uma ajuda importante

na “gestão” da(s) doença(s).

Em jeito de conclusão, o que é importante é que a

diversidade de princípios e acções que as empresas

adoptem, com vista a apoiar o envelhecimento activo e o

papel dos sénior na sociedade, contribuam para uma

cultura generalizada de que “a person is more important

than a person’s age” e de que a senioridade (ou a

“reforma”) é apenas uma nova etapa da vida.

Os riscos da deterioração do papel dos mais velhos nas

sociedades ocidentais, sobretudo desde a modernidade,

têm sido alvo de alertas vários de diversos autores – entre

os quais filósofos, antropólogos e sociólogos. Seja por

serem uma fonte privilegiada de conhecimento e

experiência, seja por transportarem a memória e a

identidade dos lugares, seja porque o culto moderno do

sucesso e do hedonismo enaltece excessivamente a

juventude e infantiliza as sociedades, a verdade é que são

mais coesas e equilibradas as comunidades que

reservam um papel activo para os seniores.

O que será necessário assegurar é que o tipo de

“activismo” ou de “actividade” sénior é definida, com

grande liberdade, pelos próprios seniores. Bronnie Ware,

uma australiana que trabalhou durante vários anos com

doentes terminais, escreveu recentemente um livro em

que relata a sua experiência. O livro chama-se The Top

Five Regrets of the Dying e aponta o excesso de tempo

dedicado ao trabalho e o défice de tempo dedicado à

família, aos amigos e a ser feliz como sendo os principais

“arrependimentos” de quem sente a vida chegar ao fim.

Ora, para finalizar, é essencial que o envelhecimento

(activo) seja uma oportunidade de aproximação ao que

verdadeiramente nos faz felizes. >|<

A RESPONSABILIDADE DAS EMPRESAS NO ENVELHECIMENTO ACTIVO | JOÃO WENGOROVIUS MENESES

Page 62: Cadernos de Economia 98

Da filantropiaà responsabilidadesocial corporativa

Se a gestão das empresas, nomeadamente no que respeita à política de investimentos, fosse mera

matemática, face a um contexto económico global desafiante, poder-se-ia esperar um decréscimo

relativamente ao investimento em projectos de responsabilidade social.

No entanto, se olharmos os grandes números da responsabilidade social, e a Portugal Telecom é uma das

empresas que tem disponibilizado esta informação regularmente, até pelo escrutínio internacional que

advém de estarmos presentes nos dois principais índices mundiais de sustentabilidade, constata-se que há

uma vontade inequívoca de empreender uma nova etapa no que respeita às grandes questões sociais do

nosso tempo.

Cada vez mais a responsabilidade social é vista não como um custo, mas como um investimento e as

empresas já assumiram essa distinção.

Assistiu-se na última década a um movimento interessante no universo empresarial e também na forma

como os indivíduos se comportam face aos grandes temas sociais. De uma sociedade assistencialista, com

uma lógica de actuação profundamente enraizada na consequência do problema e não na sua causa fomos

gradualmente evoluindo para uma outra visão do mundo e dos problemas da sociedade.

Nas empresas, que são um dos pilares de investimento social numa sociedade moderna, a retribuição e

partilha de valor conquistou um outro espaço de actuação e de debate construtivo. De um paradigma

assente numa lógica de caridade e filantropia, empresários e gestores passaram a olhar para os tradicionais

apoios a causas sociais com uma lógica mais estruturada e consequente. Em vez de apoios casuísticos,

foram criadas linhas de acção consistentes no tempo, independentemente de cada empresa escolher os

ZEINAL BAVAPRESIDENTE EXECUTIVO PORTUGAL TELECOM

JANEIRO | MARÇO 2012 65

Page 63: Cadernos de Economia 98

66 CADERNOS DE ECONOMIA

espaços de intervenção social que considera mais

ajustados à sua presença na comunidade.

Nesta mudança de paradigma, da filantropia à

responsabilidade e investimento social, a PT esteve,

desde a primeira hora, na linha da frente de uma visão

pioneira do papel das empresas no mundo em que

vivemos.

Lançámos, há várias décadas, uma estratégia de

responsabilidade social quando o termo não era sequer

um jargão de gestão como hoje acontece. Mas a verdade

é que, há mais de 20 anos, a PT já empregava os seus

melhores recursos, pessoas, talento e capacidade

tecnológica a construir soluções de resposta social. Esta

linha de actuação mantém-se até hoje e temos vindo a

reforçá-la. Temos a profunda convicção que esse é um

compromisso que devemos assumir com a sociedade.

Da mesma forma que alicerçamos a nossa liderança de

mercado no talento e energia dos nossos colaboradores,

acreditamos que essa mesma fórmula pode ter um

elevado impacto nas causas sociais em que nos

envolvemos. Como? Colocando o tempo e as

competências dos colaboradores PT ao serviço de um

número alargado de instituições e iniciativas que

precisam de nós para fazer acontecer os seus projectos.

Nos tempos que vivemos, marcados por uma grande

exigência económica, o dinheiro não é a única forma de

apoiar. Podemos doar tempo, emprestar um talento

nosso. Podemos fazer muito mais se nos desprendermos

de velhos conceitos e olharmos para a sociedade em que

vivemos de uma forma renovada.

Os colaboradores PT possuem competências decisivas

para os desafios da sociedade, nos mais variados

domínios. Refira-se que uma das iniciativas da PT neste

Natal foi precisamente a doação de tempo e talento a um

conjunto de doze instituições sociais, espalhadas por

todo o País, e escolhidas pelos próprios colaboradores.

Ao longo do ano de 2012 vão ser aplicadas centenas de

Cada vez mais, a

responsabilidade social

é vista não como um

custo, mas como um

investimento. E as

empresas já assumiram

essa distinção. Na última

década fomos evoluindo

de uma sociedade

assistencialista (com

uma lógica de actuação

profundamente enraizada

na consequência do

problema e não na sua

causa) para uma outra

visão do mundo e dos

problemas da sociedade.

Page 64: Cadernos de Economia 98

JANEIRO | MARÇO 2012 67

horas no desenvolvimento de projectos sociais que irão

contar com a nossa participação activa e mobilizada. São

projectos, entre muitos outros que apoiamos, que

preenchem a nossa visão de responsabilidade social e

que vamos continuar a multiplicar. Vamos fazê-lo com o

entusiasmo e a determinação de quem acredita que a

evolução tecnológica vai abrir novos horizontes ao

sector das telecomunicações dando-nos, consequente -

mente, a oportunidade de criar soluções que respondam

a três pilares fundamentais: desenvolvimento econó -

mico, preservação ambiental e equilíbrio social.

Importa aqui sublinhar que a política de res pon -

sabilidade social da PT está integrada nos objectivos

estratégicos da empresa, que foram definidos há quatro

anos, e que priorizaram o tema da sustentabilidade em

três eixos: social, económico e ambiental.

O sector das tecnologias de informação está no centro de

um mundo em mudança. Cada vez mais rápido, cada vez

mais próximo, este é um mundo em que a possibilidade

de comunicar estabelece muitas vezes a fronteira do

desenvolvimento não apenas económico, mas também

social e cultural. É um mundo de oportunidades, mas

também de desafios exigentes. É fundamental identificar

respostas globais e é nossa convicção que as soluções e

serviços de telecomunicações vão favorecer modelos

sociais alternativos, desde a circulação de pessoas à

aquisição de conhecimentos, ao acesso à saúde e à troca

de informações e ideias, reduzindo o consumo de

recursos e melhorando a eficiência económica e

ambiental de todos.

As nossas tecnologias podem criar emprego e riqueza e

ajudar a fazer mais por menos e a fazer diferente, dois

mecanismos decisivos para ultrapassarmos os desafios

económicos. Na actual conjuntura económica, é

determinante criar riqueza, gerar emprego e partilhar

talento. É essa a nossa aposta no que respeita ao

objectivo estratégico de ser uma empresa de referência

na área da sustentabilidade, em Portugal e nos países

onde actuamos. Um trabalho reconhecido inter -

nacionalmente, quer pelo Dow Jones Sustainability

World Index (SAM) que integramos desde 2010, quer

pelo FTSE 4GOOD, que integramos desde 2005, somos

inclusive a única empresa portuguesa com esta

representação. Em 2011, a PT reforçou a sua posição no

Dow Jones Sustainability World Index, estando entre as

cinco melhores empresas de telecomunicações a nível

mundial com as melhores práticas de sustentabilidade.

Já muitos disseram que os tempos mais difíceis são

também tempos de oportunidade. Obrigam-nos a

repensar modelos e verdades adquiridas e a encontrar

novos caminhos. O que muitas vezes esquecemos é que o

número de pessoas que desiste é bem maior do que

aquelas que fracassam. Mas para a PT desistir não é opção.

Espero, com toda a convicção, que cada vez mais pessoas

e empresas pensem desta forma. >|<

DA FILANTROPIA À RESPONSABILIDADE SOCIAL CORPORATIVA | ZEINAL BAVA

Page 65: Cadernos de Economia 98

A (ir)responsabilidadesocial das empresas

As sociedades mais desenvolvidas vivem num quadro de mudança de valores para além dos tradicionais

valores materiais, começando os gestores a tomar consciência de que as empresas são agentes sociais

activos pelo que têm de ter em conta, ao longo da sua actividade, os diversos factores e necessidades que

a sociedade lhes solicita (Carrasco, 2007).

Neste sentido, e de acordo com Santos (2008), as frequentes mudanças no meio envolvente das

organizações obrigam os gestores, numa perspectiva sustentável de actuação, a assumir um

posicionamento dinâmico que requer, constantemente e cada vez mais, uma alteração nos seus

posicionamentos e nas suas acções.

No entanto, e segundo Vasconcellos e Sá (2002), o dilema da gestão reside na dupla necessidade dos

gestores assumirem dois papéis em simultâneo: o de gestor para cuidar da empresa do presente, o

dia-a-dia, e o de empresário para criar e desenvolver a empresa do futuro.

Todas as organizações empresariais têm de definir de forma precisa, por razões de natureza estratégica e

operacional, três aspectos essenciais para a sua gestão: a visão, que traduz o seu entendimento do negócio,

a forma como pretendem estruturar a sua actividade e os fins que pretendem alcançar; a missão, que

sintetiza os objectivos da organização e aquilo que se comprometem realizar; e os valores,

consubstanciados nos princípios éticos, deontológicos e empresariais pelos quais se rege a sua actuação,

tendo em atenção todas as partes envolvidas e interessadas na sua actividade.

Este último aspecto deve representar, no seu todo, a cultura empresarial viva e actuante das organizações,

a qual deve incorporar princípios de responsabilidade social abrangentes a todos os agentes interessados,

MÁRIO DE JESUSECONOMISTA

JOÃO ROCHA SANTOSPROFESSOR UNIVERSITÁRIO

68 CADERNOS DE ECONOMIA

MODA OU NECESSIDADE?

Page 66: Cadernos de Economia 98

JANEIRO | MARÇO 2012 69

dos colaboradores e accionistas aos clientes e

fornecedores, das associações empresariais aos grupos

ambientalistas, das instituições governamentais às

organizações não-governamentais.

De acordo com o Green Paper da Comissão Europeia

“Promoting an European Framework for Corporate Social

Responsability” (2001), a responsabilidade social

corporativa deve integrar voluntariamente preocupações

de natureza social e ambiental no desenvolvimento dos

negócios e das operações, indo para além da verificação

de conformidades e do mero cumprimento de

obrigações legais, investindo cada vez mais no capital

humano, no ambiente e nas relações que se estabelecem

com os diversos stakeholders.

Uma cultura empresarial forte e vincada, movida por

princípios éticos, morais e empresariais concretos e

praticados, imbuídos de reais preocupações de

natureza social e ambiental, contribui para reforçar as

relações internas entre os colaboradores e a construção

de um espírito de equipa indispensável ao sucesso

pretendido.

Por outro lado, a existência real destes princípios

constitui um passo importante para reforçar a interacção

da organização com a comunidade envolvente,

permitindo-lhe obter por parte desta o respeito e o

reconhecimento da sua actuação, a qual deve ser

pautada por princípios solidários e de generosidade,

permitindo ganhos de notoriedade e o consequente

fortalecimento da sua imagem institucional, das suas

marcas e dos seus produtos e serviços.

As empresas podem (e devem) intervir de forma activa na

sociedade através do desenvolvimento das mais variadas

acções, desde o apoio financeiro aos mais carenciados

até ao mecenato cultural, do patrocínio de instituições de

solidariedade social até ao apoio material de actividades

culturais, recreativas e desportivas, da promoção de

acções de formação e sensibilização sobre questões

ambientais até ao investimento em meios e tecnologias

tendentes à redução do impacto poluidor da sua própria

actividade.

No contexto interno das organizações, e atenta a

realidade das sociedades modernas, as empresas e os

seus gestores devem (e têm) de olhar para as condições

sociais que proporcionam aos seus colaboradores

numa dupla perspectiva: no respeito pelos valores

sociais e ainda no impacto que as medidas tomadas

induzem na proactividade e no rendimento individual

e colectivo.

Entre outras, destacam-se o papel da mulher no cenário

de desenvolvimento empresarial e o enquadramento da

sua actividade profissional com as responsabilidades e

necessidades de natureza familiar e materna, a

flexibilização e limitação dos horários de trabalho atentas

as tarefas e responsabilidades extraprofissionais dos

colaboradores e o estabelecimento de um equilíbrio

saudável entre a actividade profissional e a vida particular

e familiar, a disponibilização de condições com -

plementares ao exercício das actividades profissionais

(refeitórios, meios de transporte, programas de

MODA OU NECESSIDADE? A (IR)RESPONSABILIDADE SOCIAL DAS EMPRESASMÁRIO DE JESUS E JOÃO ROCHA SANTOS

Page 67: Cadernos de Economia 98

70 CADERNOS DE ECONOMIA

assistência médica pessoal e familiar, incentivos ao

desenvolvimento educacional e formativo) e a existência

de boas condições físicas de trabalho (instalações) ao

nível ambiental, ergonómico e de higiene e segurança.

Em Portugal, existem casos conhecidos, estudados e

amplamente divulgados, de empresas que põem em

prática alguns dos princípios aqui enunciados. E esta

realidade não está condicionada à dimensão uma vez

que encontramos implementados estes princípios não só

no seio de grandes empresas mas também entre PME e

empresas familiares.

No entanto, no actual contexto económico recessivo

vivido quer em Portugal quer um pouco por toda a Europa,

o qual afecta os mercados e as empresas, assiste-se cada

vez mais ao detrimento das responsabilidades empre -

sariais de índole social em prol das questões de natureza

eminentemente económica e financeira.

Constitui um marco visível desta acentuada des -

responsabilização social o aumento acentuado do nível

de desemprego em Portugal, com forte incidência no

grupo dos jovens sem emprego ou à procura da primeira

oportunidade de trabalho e ainda no grupo constituído

por cidadãos de meia-idade, com experiência

consumada no mercado laboral mas que pelas mais

diversas razões e justificações se vêem “empurrados”, não

poucas vezes de modo dificilmente justificável, para uma

situação de desemprego involuntária.

E se algumas empresas investiram em estratégias

suportadas numa forte vertente social, contribuindo

desta forma para uma maior motivação, reconhecimento

e produtividade dos seus colaboradores, verifica-se agora

em muitos casos uma inflexão nestes propósitos

empresariais, substituindo a lógica de investimento no

capital humano de longo prazo pela perspectiva

imediata de resolução de questões de curto prazo,

retirando sem justificação plausível muitas das condições

criadas segundo um espírito inovador e empreendedor,

de visão de futuro e de dimensão humana.

No actual contexto

económico recessivo

vivido quer em Portugal

quer na Europa, que

afecta os mercados e as

empresas, assiste-se

cada vez mais ao

detrimento das

responsabilidades

empresariais de índole

social em prol das

questões de natureza

eminentemente

económica e financeira.

Page 68: Cadernos de Economia 98

JANEIRO | MARÇO 2012 71

Esta visão humanista tem vindo a ser substituída pelo

domínio da vertente financeira, entendida esta como o

único factor de sobrevivência.

Esta postura leva a colocar algumas questões, porventura

consideradas “politicamente incorrectas”, relativamente

às opções e decisões tomadas pelos gestores sobre as

questões da responsabilidade social e o seu real

fundamento.

Será que as políticas de responsabilização social

divulgadas por muitas empresas não são mais do que o

resultado de um mero expediente tendente sim -

plesmente ao reconhecimento externo das organizações

e à criação de uma imagem favorável junto dos

stakeholders?

Do mesmo modo, a criação de condições mais favoráveis

a nível interno junto dos colaboradores não resulta, em

muitos casos, da necessidade única de dar resposta às

pressões exercidas pelas diversas entidades repre -

sentantes dos colaboradores (sindicatos, ordens,

associações profissionais) e da simples satisfação das

suas reivindicações e interesses?

As acções externas em prol da comunidade envolvente,

por vezes assumidas sob a forma de mecenato, não são

por vezes motivadas pela simples necessidade de reduzir

o conjunto de proveitos gerados com a actividade,

procurando aliar a uma imagem de solidariedade e

preocupação comunitária a capacidade de induzir

“custos” dedutíveis em sede fiscal?

A redução recente e acentuada da força laboral,

consubstanciada no aumento das práticas da cessação

de contratos de trabalho e algumas vezes no

despedimento colectivo, não são muitas vezes

consequência (quase) exclusiva duma insuficiente

capacidade de gestão para projectar cenários de

crescimento futuro da sua actividade e para estabelecer

estratégias corporativas sustentáveis no longo prazo,

emergindo estas limitações e insuficiências no actual

quadro recessivo e de forte contracção dos mercados?

Estamos certos que não existem respostas padrão para

estas questões, encontrando-se no mundo empresarial

exemplos que comprovam uma e outra das tendências

que aqui apresentámos.

O que importa é que o esforço, o empenho e a dedicação

das empresas aos aspectos relacionados com a

responsabilidade social não seja apenas um fenómeno

de projecção mediática e reforço da imagem institucional

mas vá muito para além disso, tocando nos verdadeiros

aspectos da ética empresarial: o cumprimento das

normas, a seriedade na acção e o humanismo nas

relações. >|<

BIBLIOGRAFIA

Carrasco, I. (2007). “Corporate Social Responsibility, Values, and

Cooperation”, International Advances in Economic Research, 13, 4, 454-460.

Comissão Europeia (2001). Green Paper – Promoting a European Framework

for Corporate Social Responsibility [Online]. Commission of the European

Communities, Disponível através do site: http://eur-lex.europa.eu/.

Santos, A. J. R. (2008). Gestão Estratégica – Conceitos, modelos e

instrumentos. Lisboa: Editorial Verbo.

Vasconcellos e Sá, J. A. (2002). A Empresa Negligenciada. Lisboa, Editorial

Verbo.

MODA OU NECESSIDADE? A (IR)RESPONSABILIDADE SOCIAL DAS EMPRESASMÁRIO DE JESUS E JOÃO ROCHA SANTOS

Page 69: Cadernos de Economia 98

A escolaridadee o capital humano

Este que é o Ano Europeu do Envelhecimento Activo e da Solidariedade entre Gerações abre espaço para

uma reflexão sobre a maior longevidade dos europeus e as oportunidades que daí decorrem. A

escolaridade é, naturalmente, um factor determinante numa sociedade para todas as idades e, em

particular, mais envelhecida. De facto, a educação adquirida no sistema formal de ensino é condição de

acesso ao conhecimento e este, por sua vez, reflecte-se numa multiplicidade de benefícios para o

indivíduo que o detém e para a sociedade em geral. Assim, tendo a escolaridade como objecto de estudo,

propomo-nos no presente artigo dar conta da forma mais apropriada de medição do nível de educação

formal na sociedade, ilustrando os indicadores sugeridos com uma aplicação empírica ao caso português.

ANOS DE ESCOLARIDADE MÉDIAA avaliação empírica do nível de escolaridade é a abordagem preferencial de quantificação do nível de

educação (formal) na sociedade. Nesse âmbito, diversos indicadores de output podem aferir a quantidade

da escolaridade, ainda que, em termos agregados, a opção escolhida seja, privilegiadamente, a estimativa

dos anos de escolaridade média, designadamente, a medida com aplicação internacional proposta por

Barro e Lee (1993, 1996, 2001, 2010a) – YSBL:

em que hls é a proporção da população adulta para o qual ls foi o nível de escolaridade mais elevado que

alcançaram e Dls a duração do nível de escolaridade ls, com ls a corresponder, respectivamente, ao primário

incompleto, primário completo, primeiro ciclo do secundário, segundo ciclo do secundário, ensino superior

SANDRINA BERTHAULT MOREIRAESCE-IPS, INSTITUTO POLITÉCNICO DE SETÚBAL, DEPARTAMENTO DE ECONOMIA E GESTÃO | BRU-IUL, INSTITUTO UNIVERSITÁRIO DE LISBOA, GRUPO DE ECONOMIA

72 CADERNOS DE ECONOMIA

Page 70: Cadernos de Economia 98

JANEIRO | MARÇO 2012 73

incompleto e ensino superior completo. De acordo com

os dados mais recentes, Portugal apresenta em 2010 um

nível médio de escolaridade de 7,993 anos (Barro e Lee,

2010b).

Para uma melhor compreensão de um indicador deste

tipo, apresentamos, de seguida, o resultado da aplicação

a Portugal de um procedimento simplificado para o

cálculo do número médio de anos de escolaridade.

A figura 1 apresenta a partição da população portuguesa

segundo o nível de escolaridade completo, a fim de

possibilitar uma primeira leitura sobre o seu nível de

educação formal.

A figura 1 mostra que os indivíduos em cada um dos

níveis de escolaridade considerados representavam, em

2009, 10,8% (sem instrução), 29,1% (básico – 1.º ciclo),

14,6% (básico – 2.º ciclo), 19,6% (básico – 3.º ciclo), 14,7%

(secundário e pós-secundário) e 11,2% (superior) da

população com 15 e mais anos. Logo, mais de metade da

população considerada (63,4%) possuía entre quatro e

nove anos de escolaridade, abrangendo 5.716,6 mil

indivíduos.

Conjugando os dados anteriores com a duração dos

níveis de educação escolar do sistema educativo

português, calculámos o nível médio de escolaridade da

população portuguesa (com 15 e mais anos) em 2009

que, com base em alguns pressupostos, correspondeu a

7,5 anos(1).

Consideramos que o valor obtido para os anos de

escolaridade média pode estar subestimado, essen -

cialmente, por duas razões fundamentais: por um lado,

aplicou-se não só a duração normal de frequência do

secundário (três anos) à proporção de indivíduos para o

qual “secundário e pós-secundário” foi o nível de

escolaridade mais elevado que alcançaram, mas também

o número de anos correspondente às idades

A ESCOLARIDADE E O CAPITAL HUMANO | SANDRINA BERTHAULT MOREIRA

Figura 1

POPULAÇÃO PORTUGUESA (15 E MAIS ANOS) POR NÍVEIS DE ESCOLARIDADE COMPLETO

2009

Fonte: Elaboração própria com base em INE, 2010, Estatísticas do Emprego, pp.51-2.

Sem instrução 10,8%Superior 11,2%

Básico (1º ciclo) 29,1%

Básico (2º ciclo) 14,6%

Secundário e pós-secundário 14,7%

Básico (3º ciclo) 19,6 %

Page 71: Cadernos de Economia 98

74 CADERNOS DE ECONOMIA

consideradas pelo INE (2009) para o cálculo da taxa de

escolarização no ensino superior (cinco anos) à

proporção de indivíduos para o qual “superior” foi o nível

de escolaridade mais elevado que alcançaram(2); por

outro, não se avançou com qualquer pressuposto para

níveis incompletos de ensino(3).

Para uma população com idade igual ou superior a 15

anos e nas durações assumidas para os níveis de

educação escolar considerados – básico, 1.º ciclo (quatro

anos); básico, 2.º ciclo (dois anos); básico, 3.º ciclo (três

anos); secundário e pós-secundário (três anos); superior

(cinco anos) –, o valor máximo de escolaridade média

que se poderia esperar obter varia entre nove e dezassete

anos de escolaridade. Logo, em termos de escolaridade

média, Portugal situa-se entre 44% e 83% do valor

potencial. Consequentemente, em termos médios, os 7,5

anos obtidos por Portugal em 2009 correspondem a 63%

do melhor nível médio de escolaridade possível de obter

levando em linha de conta as considerações acima

referidas.

A QUALIDADE DA ESCOLARIDADEUma crítica frequentemente apontada a uma medida dos

anos de escolaridade média prende-se com a omissão da

dimensão qualitativa do ensino – “one year of schooling is

not the same everywhere because [it] may reflect different

amounts of acquired knowledge in different countries”

(Wößmann, 2003, p. 253). Esta limitação é tanto mais

importante quanto mais abrangentes são os estudos que

envolvem comparações internacionais, dado que a

diferença na qualidade dos sistemas educativos entre

países é consideravelmente mais significativa do que a

referente a um só país. O indicador do stock de

escolaridade precisa, portanto, de ser complementado

com indicadores que possam mensurar a qualidade da

escolaridade.

Nesse âmbito, os dois conjuntos possíveis de indicadores

respeitam ao desempenho médio dos participantes de

Este que é o Ano

Europeu do

Envelhecimento Activo e

da Solidariedade entre

Gerações abre espaço

para uma reflexão sobre

a maior longevidade dos

europeus e as

oportunidades que daí

decorrem. A escolaridade

é, naturalmente, um

factor determinante

numa sociedade para

todas as idades e, em

particular, mais

envelhecida.

Page 72: Cadernos de Economia 98

JANEIRO | MARÇO 2012 75

um dado país em testes internacionais de avaliação de

conhecimentos e competências adquiridas, além de

medidas que captam o nível e qualidade dos recursos

(físicos, humanos, financeiros) que um dado país afecta

ao sector educativo (indicadores de input). Confinando a

análise ao primeiro conjunto de indicadores, apresen -

tamos na figura 2, os resultados que Portugal obteve,

numa perspectiva comparada, no último PISA (Pro -

gramme for International Student Assessment) da OCDE.

Como se observa na figura 2, Portugal apresentou nos

três domínios em análise – leitura, matemática e

ciências – um desempenho abaixo da média da OCDE,

com os resultados no domínio da leitura a não serem

significativamente diferentes da média da OCDE, em

termos estatísticos (OCDE, 2010). Tais resultados

obtidos no PISA de 2009 fizeram com que o País se

situasse nos mesmos níveis de proficiência que os da

média da OCDE(4). Adicionalmente, dos países da União

Europeia participantes no PISA de 2009 (25 países da

UE27), Itália, Grécia, Espanha, Luxemburgo, Lituânia,

Bulgária e Roménia apresentam classificações que,

naqueles três domínios, se situaram abaixo das

obtidas por Portugal(5). >|<

AGRADECIMENTOS

O presente artigo decorre da investigação conducente à realização da tese

de Doutoramento em Economia da autora, pelo que um agradecimento

especial é dirigido ao seu orientador, o Doutor Nuno Crespo (Instituto

Universitário de Lisboa, ISCTE-IUL e BRU-IUL). A autora agradece ainda o

apoio da FCT/Fundação para a Ciência e Tecnologia – PROTEC; UNIDE/BRU

(PEst-OE/EGE/UI0315/2011).

NOTAS

(1) Recorde-se, a este respeito, da fórmula de cálculo (1). Além disso,

como referido em GEPE/ME e INE (2009), a educação escolar em

A ESCOLARIDADE E O CAPITAL HUMANO | SANDRINA BERTHAULT MOREIRA

Figura 2

RESULTADOS PISA 2009 (DESEMPENHO MÉDIO POR DOMÍNIO AVALIADO)

MÉDIA DA OCDE, PORTUGAL E PAÍSES DA UE COM PIORES PRESTAÇÕES QUE PORTUGAL

Fonte: Elaboração própria com base em OECD, 2010, PISA 2009 Results, Volume I, pp. 199, 226, 230.

● Leitura ● Matemática ● Ciências

MédiaOCDE

PT GR ES CZ SK LU AT LT BU ROIT LV SI

600

500

400

300

200

100

0

Page 73: Cadernos de Economia 98

76 CADERNOS DE ECONOMIA

Portugal divide-se nos ensinos básico, secundário e superior. De

acordo com o sistema educativo português de 2008/2009, o ensino

básico tem a duração de nove anos e organiza-se em três ciclos

sequenciais – 1.º, 2.º e 3.º ciclos, sendo as idades normais de

frequência desses ciclos de estudos de seis a nove, 10 a 11 e 12 a 14

anos, respectivamente. Por sua vez, o ensino secundário abrange

mais três anos de escolaridade e para o ensino superior estão

previstos três ciclos – licenciatura, mestrado e doutoramento – que,

no total, perfazem mais onze anos de escolaridade, dos 18 aos 28

anos de idade (GEPE/ME e INE, 2009).

(2) De acordo com a OECD (2009), em Portugal e no ano de 2007, o

número de indivíduos entre os 25 e os 64 anos de idade com o nível

de escolaridade completo correspondente, no máximo, ao ensino

pós-secundário (ISCED 4) e à segunda etapa do ensino superior

(ISCED 6) foi de 0,67% e 0,82%, respectivamente.

(3) Em relação a YSBL, Barro e Lee admitem uma frequência desses

níveis em metade do período de duração dos mesmos. Contudo, os

micro-dados dos inquéritos ao emprego realizados pelo INE não

apresentam informação que possibilite o cálculo das proporções de

indivíduos com níveis de escolaridade incompletos.

(4) Os resultados anteriores – PISA de 2006 – foram menos satisfatórios.

As classificações obtidas por Portugal em 2006 – as quais se situaram

abaixo das da média da OCDE em qualquer área de conhecimento

avaliado – posicionaram o País no nível 2 para uma escala global de

leitura representada por cinco níveis de proficiência e escalas globais

de matemática e ciências de seis níveis, com a média dos alunos do

espaço da OCDE a situar-se nos níveis de proficiência 3.

(5) Além dos países referidos, verifica-se na figura 2 que Letónia e

Eslováquia também apresentaram classificações no PISA de 2009

abaixo das de Portugal em duas das áreas de conhecimento

avaliadas e Eslovénia, República Checa e Áustria numa dessas áreas.

REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICAS

Barro, R. J. e Lee, J. W. (2010a). A New Data Set of Educational Attainment in

the World, 1950-2010, NBER Working Paper No. 15902, National Bureau of

Economic Research.

Barro, R. J. e Lee, J. W. (2010b). Barro-Lee Educational Attainment Dataset,

[http://www.barrolee.com/], 01 de novembro de 2011.

Barro, R. J. e Lee, J. W. (2001). “International Data on Educational

Attainment: Updates and Implications”, Oxford Economic Papers, 53 (3), pp.

541-63.

Barro, R. J. e Lee, J. W. (1996). “International Measures of Schooling Years

and Schooling Quality”, American Economic Review, 86 (2), pp. 218-23.

Barro, R. J. e Lee, J. W. (1993). “International Comparisons of Educational

Attainment”, Journal of Monetary Economics, 32 (3), pp. 363-94.

GEPE/ME e INE (2009). 50 Anos de Estatísticas da Educação, Volume I. Lisboa:

Gabinete de Estatística e Planeamento da Educação e Instituto Nacional de

Estatística.

INE (2010). Estatísticas de Emprego 4.º Trimestre 2009. Lisboa: Instituto

Nacional de Estatística.

INE (2009). Anuário Estatístico de Portugal 2008. Lisboa: Instituto Nacional

de Estatística.

OECD (2010). PISA 2009 Results: What Students Know and Can Do – Students

Performance in Reading, Mathematics and Science, Volume I. Paris: OECD.

OECD (2009). Education at a Glance 2009 – OECD Indicators. Paris: OECD.

Wößmann, L. (2003). “Specifying Human Capital”, Journal of Economic

Surveys, 17 (3), pp. 239-70.

A ESCOLARIDADE E O CAPITAL HUMANO | SANDRINA BETHAULT MOREIRA

Page 74: Cadernos de Economia 98
Page 75: Cadernos de Economia 98

A gestãodo valor partilhado

No célebre artigo recente que publicou na Harvard Business Review, Michael Porter introduz o conceito de

valor partilhado como um elemento ventral na gestão da competitividade do Estado e das organizações

neste complexo tempo de crise. Segundo o conceituado especialista, o valor transaccionável gerado no

mercado deverá ser partilhado de forma adequada e justa pela sociedade, de forma a garantir mecanismos

de resposta às necessidades crescentes de segmentos da população sem alternativas de rendimento. O

valor partilhado é, assim, o compromisso de afirmação da responsabilidade social por parte das

organizações num mundo global com crescentes exigências.

A RESPONSABILIDADE SOCIAL GLOBALO Estado e as empresas têm hoje uma responsabilidade social acrescida e mais exigente. A gestão de

expectativas é hoje fundamental e, quando se começaram a agudizar os sinais de falta de controlo na

gestão operacional das contas públicas, criou-se o imperativo da necessidade da intervenção. O Estado

assumiu a condução do processo, para evitar a contaminação do sistema e a geração de riscos sistémicos

com consequências incontroláveis, mas as dúvidas mantiveram-se em muitos quanto à existência de

soluções alternativas mais condicentes com o funcionamento das regras do mercado. A responsabilidade

social implica hoje um novo contrato de confiança entre os diferentes actores económicos e sociais e só

com uma verdadeira mobilização e participação se conseguirão resultados concretos.

O ano de 2012 vai ser particularmente relevante para Portugal. Está em cima da mesa, no contexto da

consolidação do processo de integração europeia, a capacidade de o nosso país conseguir efectivamente

apresentar um modelo de desenvolvimento estratégico sustentado para o futuro. Da mesma forma que a

maior democracia do mundo teve a coragem de eleger Barack Obama e com isso assumir a inevitabilidade

FRANCISCO JAIME QUESADOESPECIALISTA EM ESTRATÉGIA, INOVAÇÃO E COMPETITIVIDADE

78 CADERNOS DE ECONOMIA

Page 76: Cadernos de Economia 98

JANEIRO | MARÇO 2012 79

do seu processo de reinvenção estratégica, também em

Portugal sinais inequívocos de mudança têm que ser

dados. Em tempo de crise, os casos recentes que vieram

a lume vieram uma vez mais demonstrar que existe no

nosso país uma “minoria silenciosa” que de há anos a esta

parte mantém o status quo do sistema paralisado e, a

pretexto de falsas dinâmicas de renovação social e

reconversão económica, tenta reencontrar o caminho do

futuro com as mesmas soluções do passado, impensáveis

num contexto de mudança como aquele em que

vivemos.

As perguntas que as pessoas lançam, a propósito da

intervenção do Estado num contexto de crise em tempo

de globalização, correspondem sem dúvida a um

sentimento colectivo de uma nova geração que cresceu e

amadureceu numa sociedade aberta, onde a força das

ideias é central para o desenvolvimento da res -

ponsabilidade individual num quadro colectivo. A nova

geração que ganhou dimensão global através da força

dos instrumentos da sociedade da informação acredita

na felicidade e na justiça humana, mas à custa duma

adequada aposta na criatividade individual e no

reconhecimento do mérito na criação de valor. Por isso,

importa que se desenvolvam ideias que apresentem uma

solução diferente para os próximos tempos do País.

Precisamos, de facto, de um sentido de urgência na

definição de um novo paradigma de organização em

sociedade e de integração no mundo global. A

oportunidade existe. Mas importa que haja respostas

concretas.

Há que fazer, por isso, opções. Opções claras em termos

operacionais no sentido de agilizar a máquina processual

e, através dos mecanismos da eficiência e produtividade,

garantir estabilidade e confiança em todos os que

sustentam o tecido social. Opções claras em torno dum

modelo objectivo de compromisso entre governação

qualificada central, geradora de dimensão estabilizadora,

e indução de riqueza territorial através da participação

inovadora dos actores sociais. Opções assumidas na

capacidade de projectar no futuro uma lógica de

intervenção central que não se cinja ao papel clássico,

dejá-vu, de correcção in extremis das deficiências

endémicas do sistema, mas saiba com inteligência

criativa fazer emergir, com articulação e cooperação,

mecanismos autossustentados de correcção dos

desequilíbrios que vão surgindo.

A NOVA SOCIEDADE CIVILA sociedade civil tem nesta matéria um papel central. Os

novos actores sociais, na sua diferença e no seu sucesso,

são o resultado dum tecido social que se pretende

voltado para um futuro permanente. Os índices de

absorção positiva por parte da sociedade dos contributos

relevantes destes novos actores passam muito pela

estabilização de condições estruturais essenciais. A

matriz comportamental da população socialmente activa

das actuais sociedades é avessa ao risco, à aposta na

inovação e à partilha de uma cultura de dinâmica

positiva. Ou seja, dificilmente se conseguirá impor por

decreto este movimento colectivo de aproveitamento do

activo central que constitui a experiência dos novos

A GESTÃO DO VALOR PARTILHADO | FRANCISCO JAIME QUESADO

Page 77: Cadernos de Economia 98

80 CADERNOS DE ECONOMIA

actores nesta ligação entre economia e sociedade. A

resposta tem que partir da própria sociedade e todos

temos uma particular responsabilidade nessa matéria.

Na nova sociedade aberta, importa de forma clara

consolidar o posicionamento de todos aqueles que têm

um contributo a dar para a afirmação duma identidade

partilhada e aceite por todos. Nem sempre se tem

conseguido corresponder a este desafio. Querer cultivar a

pequenez e aumentá-la numa envolvente já de si

pequena é firmar um atestado de incapacidade e de falta

de crença no futuro. É doentia a incapacidade em definir,

operacionalizar e dinamizar a lógica de capital social na

nova sociedade. Por isso, e mais do que nunca, a

inteligência colectiva no aproveitamento das

contribuições destes novos atores torna-se nesta matéria

um dado fundamental com que se deve contar para a

afirmação de uma sociedade mais equilibrada e justa.

A consolidação do papel destes novos actores entre nós

passa em grande medida pela efectiva responsabilidade

nesse processo dos diferentes actores envolvidos –

Estado, universidades e empresas. Todos eles têm que,

nesta matéria, saber estar à altura destas expectativas de

participação/colaboração tão próprias da sociedade

aberta atrás referida. Impõe-se, neste sentido, uma

articulação adequada ente estes actores relativamente a

um consenso estratégico à volta do adequado

aproveitamento do capital de contribuição destes novos

actores. Um desígnio de reinvenção que acelere uma

verdadeira acção colectiva de mobilização de ideias e

vontades em torno duma mudança desejada.

É aqui que entram os novos actores. Compete a estes

actores de distinção um papel decisivo na intermediação

operativa entre os que estão no topo e os que estão na

base da pirâmide. Só com um elevado índice de capital

intelectual se conseguirá sustentar uma participação

consistente na renovação do modelo social e na criação

de plataformas de valor global sustentadas para os

diferentes segmentos territoriais e populacionais. É esta a

essência da gestão do valor partilhado. >|<

A GESTÃO DO VALOR PARTILHADO | FRANCISCO JAIME QUESADO

O Estado e as empresas têm hoje uma responsabilidade

social acrescida e mais exigente. A gestão de expectativas é

hoje fundamental e, quando se começaram a agudizar os

sinais de falta de controlo na gestão operacional das contas

públicas, criou-se o imperativo da necessidade da

intervenção.

Page 78: Cadernos de Economia 98

Este texto é a mosca na sopa de mais uma excelente edição dos

Cadernos de Economia. E é a mosca na sopa não pelo tema em si, que

é extraordinariamente relevante, mas porque o que se constata é que

entre o que inúmeros gurus apregoam e qualquer dirigente

empresarial defende acaloradamente – as pessoas são o mais

importante das organizações – a prática está muito longe ou é mesmo

radicalmente contraditória com os princípios apregoados.

O que hoje se assiste – uma tendência que já vinha bem antes da crise

de 2008 – é à preocupação de muitas empresas em substituírem

quadros há mais tempo nas organizações (e, por isso mesmo, mais

caros) por jovens que ganham metade ou menos e aceitam trabalhar

em condições bem mais precárias.

O que hoje se assiste – uma tendência que já vinha bem antes da crise

de 2008 – é a um discurso sobre o equilíbrio entre a vida profissional e

a familiar mas a uma prática completamente contrária, com exigências

crescentes para os quadros médios e superiores darem mais e mais do

seu tempo às organizações.

O que hoje se assiste é a um discurso bipolar onde por um lado se

defende que é necessário aumentar a idade da reforma para os atuais

CADERNOS DE ECONOMIA | A FECHAR

NICOLAU SANTOSJORNALISTA | ECONOMISTA

JANEIRO | MARÇO 2012 81

Mitose contradições

Page 79: Cadernos de Economia 98

82 CADERNOS DE ECONOMIA

trabalhadores e, ao mesmo tempo, se defende que é necessário

combater o explosivo crescimento do desemprego entre os jovens

(que já ultrapassa os 35%).

O que hoje se assiste é a uma precarização cada vez maior dos

vínculos laborais e a uma deterioração das condições de trabalho,

fazendo que não haja apenas uma mas duas gerações “à rasca”: os

mais velhos, que têm trabalho mas temem o desemprego, veem os

seus salários reais a cair e os seus direitos a esboroar-se, e os mais

novos que não conseguem arranjar um trabalho estável e aceitam

trabalhar em condições precárias por 500 a 700 euros.

É claro que há excelentes explicações para estas situações: a

globalização, a crise, a produtividade, a competitividade, os custos

horários do trabalho.

No fim do dia, contudo, a questão resume-se assim: a relação

“envelhecimento ativo/responsabilidade social das empresas” é das

últimas coisas que, neste momento, preocupa a generalidade das

empresas portuguesas.

No topo, está a sobrevivência no meio de uma guerra violentíssima. E,

como se sabe, em tempo de guerra não se limpam armas.

Desculpem, mas este texto é a mosca na sopa no tema desta edição

dos Cadernos de Economia. >|<

CADERNOS DE ECONOMIA | A FECHAR

A relação “envelhecimento ativo/responsabilidade social das empresas”é das últimas coisas que, neste momento, preocupaa generalidade das empresas portuguesas.