cadernos de economia 98
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C A D E R N O S D E E C O N O M I A
DirectorRui Leão Martinho
Coordenador-GeralAntónio Ramos Gomes
Conselho EditorialAntónio MartaAntónio PinheiroAntónio Pinho CardãoAntónio Simões LopesBento MurteiraCarlos TavaresDaniel BessaEduardo CatrogaFrancisco Murteira NaboGuilherme VazJacinto NunesJoão Costa PintoJoão SalgueiroJoão da Silva FerreiraJosé de Almeida SerraJosé Félix RibeiroJosé da Silva LopesManuel de Oliveira MarquesManuela MorgadoMário AdegasMário BaptistaMário Cristina de SousaMiguel CadilheNicolau SantosTeodora Cardoso
Directora Comercial
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Propriedade e edição
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ERC 109627. Depósito legal n.º 18969/87
ISSN 0874-4068
Produção Gráfica: Polimeios
Tiragem: 20 000 exemplares
Distribuição nacional: Logista Portugal, S.A.
Ano XXV – Número 98 – Jan/Mar 2012
A revista Cadernos de Economiaé uma realização conjunta da Polimeios
e da Ordem dos Economistas Portugueses
Envelhecimento activoNos nossos dias, é inaceitável a ideia de um "envelhecimento
para as estatísticas". Em sua substituição, desenvolve-se o
princípio de um "envelhecimento activo", que inclui a
possibilidade de laboração para além da idade convencional
- mas, sempre, com boa qualidade de vida.
Todavia, esta mudança de filosofia causa novos e complexos
problemas.
A solução/minimização de tais problemas convoca, desde
logo, as empresas para a assunção de uma maior
responsabilidade social. Mas toda a sociedade tem de ser
envolvida, nomeadamente através da chamada "solida -
riedade entre gerações". E, claro, o Estado, obrigado a
enveredar por novas políticas públicas para responder à
transformação demográfica que se acentua.
Neste "Ano Europeu do Envelhecimento Activo e da
Solidariedade entre Gerações", que ora se inicia, os Cadernos
de Economia dedicam a edição de Março ao assunto. >|<
A ORTOGRAFIA DOS CADERNOS DE ECONOMIA
Nos termos da legislação portuguesa em vigor (Resolução daAssembleia da República n.º 35/2008 – DR 145, de 29/7/2008), até2015 coexistem as duas ortografias – a anterior e a que se rege pelonovo Acordo.
Assim, alguns autores das nossas publicações já escrevemconforme o novo Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa, mas amaioria faz questão de optar pela ortografia antiga.
Naturalmente, até 2015 todos escreverão conforme as suas opções.
Entendemos que não é necessário inserir uma nota no final dosartigos, por considerarmos ser claro que a ortografia de cada umdeles respeita a vontade de quem escreveu. Qualquer “escla -recimento” tornar–se–ia redundante.
CADERNOS D E E CONOM IA | SUMÁR IO
7 Sensibilizar as empresas para o envelhecimento activo Rui Leão Martinho
9 Vivendo mais, trabalhando mais Stella António
13 O paradoxo do envelhecimento Manuel Villaverde Cabral
17 A solidariedade intergeracional Maria João Quintela e Margarida França
22 A difícil equação– Pensões sustentáveis e melhor proteccao Fernando Ribeiro Mendes
26 Envelhecimento− Contributos para uma agenda da inovacao Isabel Mota
29 A Economia Social e o futuro de Portugal Pedro Mota Soares
33 Envelhecimento e despesa em cuidados de saude Pedro Pita Barros
36 Os idosos e a prestação de cuidados− A emergência de um nicho de mercado Carla Ribeirinho
40 Emprego sénior e envelhecimento activo Glória Rebelo
46 As pessoas idosas enquanto consumidoras de cultura e lazer Luís Jacob
49 Um desafio para a responsabilidade social das empresas Maria Joaquina Madeira
53 O desafio das empresas numa sociedade grisalha Paula Guimarães
58 Um tempo de encontro com novos horizontes Inês Murteira
62 A responsabilidade das empresas no envelhecimento activo João Wengorovius Meneses
65 Da filantropia à responsabilidade social corporativa Zeinal Bava
68 Moda ou necessidade?– A (ir)responsabilidade social das empresas Mário de Jesus e João Rocha Santos
72 A escolaridade e o capital humano Sandrina Berthault Moreira
78 A gestão do valor partilhado Francisco Jaime Quesado
81 Mitos e contradições Nicolau Santos
RUI LEÃO MARTINHODIRECTOR
Vivemos o Ano Europeu do Envelhecimento Activo e da Solidariedade entre Gerações e os Cadernos de Economia muito a
propósito decidiram dedicar esta edição ao envelhecimento, tendo convidado ilustres especialistas que sobre o tema
reflectiram e elaboraram os artigos que se seguem.
Na verdade, esta temática do envelhecimento é de crucial actualidade e importância para países como Portugal onde a
população com mais de 65 anos de idade representa quase 20% do total, à semelhança do que se passa na grande maioria
dos países europeus.
Esta constatação do aumento da esperança média de vida implica um aumento de procura de respostas, quer sociais quer
económicas, em termos gerais. Ora, sendo o envelhecimento um processo gradual que começa com o nascimento e só
termina com a morte, é indispensável que todos os esforços sejam feitos no sentido de ser saudável, em primeiro lugar, mas
também participativo na sociedade, consoante as necessidades e capacidades de cada um, ou seja, um envelhecimento
activo.
A Organização Mundial de Saúde, ao reconhecer a importância do envelhecimento activo, avança mesmo com uma
definição do conceito, enfatizando que é um processo pelo qual se optimizam as oportunidades de bem-estar físico, social
e mental durante toda a vida com o objectivo de aumentar a esperança de vida saudável, a produtividade e a qualidade de
vida na velhice.
No entanto, não depende apenas dos próprios a possibilidade de escolher um percurso de envelhecimento activo. Isso
depende também de esforços conjuntos do próprio Estado, das empresas e de toda a sociedade civil. A existência de
políticas públicas que respondem a problemas de envelhecimento da população implica uma sensibilização das empresas
e dos empresários para o efectivo exercício de actividades laborais em condições de trabalho aliciantes, bem como um
desafio a ideias novas, inovadoras no sentido de promover oportunidades de colaboração indispensáveis para atingirmos
uma sociedade mais justa, mais coesa e sustentável economicamente.
Temos, felizmente, vários casos entre nós de homens e mulheres envelhecendo activamente, sendo fontes privilegiadas de
saber e experiência, possuindo memória e identidade de lugares e factos, mas precisamos, como sociedade, de multiplicar
e muito estes casos. Há um papel activo para os senadores ou seniores na nossa sociedade e há que criar condições para que
cada um o exerça com liberdade e tendo em conta o valor acrescentado que pode dar à sociedade. >|<
CADERNOS D E E CONOM IA | ED I TOR I A L
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Sensibilizar as empresaspara o envelhecimentoactivo
Vivendo mais,trabalhando mais
A que nos referimos quando falamos de envelhecimento? O envelhecimento pode ser analisado segundo
duas perspetivas: 1) na perspetiva do conjunto da população, denominado envelhecimento demográfico
ou populacional, ou 2) na perspetiva do indivíduo, entendido como envelhecimento individual. Enquanto
a primeira compreende as alterações da estrutura etária da sociedade e se traduz no acréscimo dos com 65
e mais anos(1) no total da população, a segunda, a do indivíduo, engloba a mudança progressiva que o
envelhecimento acarreta na estrutura biológica, psicológica e social de cada pessoa(2).
No presente artigo, referir-nos-emos à perspetiva do envelhecimento demográfico, quais as suas
implicações para o mercado de trabalho e que estratégias adotar no âmbito do envelhecimento ativo.
Considera-se que um país apresenta uma estrutura populacional envelhecida sempre que a proporção da
população mais idosa é superior à população mais jovem. Em Portugal, é uma situação que se verifica
desde 2001. Nessa altura, os mais jovens representavam 16,0% e os mais velhos 16,4%; à primeira vista a
diferença parece pouco significativa, no entanto, os valores absolutos dão-nos outra dimensão. Os mais
jovens contabilizavam 1.656.602 e os mais velhos 1.693.493, ou seja, menos 36.891 jovens. Atualmente, a
proporção dos jovens no total da população é de 14,9% e a dos mais velhos de 19,1%; segundo as previsões
para 2060 os valores serão de 11,9% e 32,3%, respetivamente. Assim, entre 2001 e 2060, a população jovem
apresentará um decréscimo de 20,1%, enquanto que a população com mais de 65 anos terá uma acréscimo
de 69%(3).
Verificar-se-á, também, uma diminuição da população em idade ativa, que compreende os indivíduos com
idades entre os 15 e os 64 anos de idade. Entre 2001 e 2060, apresentarão um decréscimo de 20%.
Atualmente o índice de dependência total(4) é de 51,6% (destes, 22,6% relativos à população jovem e 29%
STELLA ANTÓNIODOCENTE E INVESTIGADORA NO ISCSP/UTL – INSTITUTO SUPERIOR DE CIÊNCIAS SOCIAIS E POLÍTICAS DA UNIVERSIDADE TÉCNICA DE LISBOA
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10 CADERNOS DE ECONOMIA
à população idosa). Prevê-se que, em 2060, o índice seja
de 77% (destes, 22% respeitantes aos mais jovens e 55%
aos mais velhos)(5).
Para esta situação concorrem fundamentalmente três
fatores:
1 Baixa natalidade, atualmente é inferior à
mortalidade (9,5‰ e 10,0‰, respetivamente) e o
índice sintético de fecundidade (1,37 filhos por
mulher entre os 15 e os 49 anos de idade) está muito
abaixo de 2,1 – limiar de substituição de gerações.
2 Fluxos migratórios, em que saem os mais jovens à
procura de melhores condições de vida, ficando os
mais velhos para trás e, por outro lado, regressa a
população idosa emigrada ao país de origem.
3 Aumento da esperança de vida à nascença e aos
65 anos de idade
3.1. À nascença: hoje, um bebé do sexo masculino
poderá esperar viver até aos 76,1 anos e do
feminino até aos 82,1 anos. Previsões para 2060
apontam para valores de 83,7 anos para os
meninos e 88,8 anos para as meninas.
3.2. Aos 65 anos de idade: atualmente, um indivíduo
do sexo masculino com 65 anos de idade pode
esperar viver mais 16, 6 anos, ou seja, poderá
viver até aos 81,6 anos, e se for do sexo feminino
poderá viver mais 19,9 anos, o que significa até
aos 84,9 anos. Segundo as previsões para 2060,
um homem poderá viver até aos 86,6 anos (mais
21,6 anos) e uma mulher até aos 89,8 anos (mais
24,8 anos).
Face ao exposto, e porque resulta das melhorias
alcançadas na saúde, educação, condições de trabalho,
higiene, nutrição, em suma, das condições de vida em
geral e, também, da evolução científica e tecnológica, o
Considera-se que um
país apresenta uma
estrutura populacional
envelhecida sempre que
a proporção da
população mais idosa é
superior à população
mais jovem. Em Portugal,
é uma situação que se
verifica desde 2001.
Prevê-se que, entre 2001
e 2060, a população
jovem apresentará um
decréscimo de 20,1%,
enquanto que a
população com mais de
65 anos terá um
acréscimo de 69%.
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envelhecimento demográfico é considerado como uma
das grandes conquistas da humanidade. O que, por seu
lado, constitui também um triplo desafio, em termos:
a) económicos – face aos potenciais custos de uma
população cada vez mais envelhecida e com
necessidades específicas, nos mais diversos níveis;
b) sociais – valorização e integração da população
idosa, cada vez mais habilitada, não só física como
intelectualmente; e
c) geracionais – os custos e despesas com os mais
velhos serão suportados pelos impostos e
contribuições sociais provenientes das gerações mais
jovens em atividade, já muito sobrecarregadas pelos
encargos próprios e cada vez mais comprimidas pelo
decréscimo da fecundidade e consequente
decréscimo da população ativa(6).
Face a estes desafios, e para que o processo de
envelhecimento seja otimizado, não só pelas sociedades
como, também, pelos indivíduos, defende-se a adoção
de políticas de “envelhecimento ativo”, no âmbito da
formação, das políticas do emprego ou da saúde.
No âmbito das políticas de emprego, adotadas pela
Comissão Europeia na sua Estratégia de Emprego para os
Estados membros, a noção de “envelhecimento ativo”(7)
refere-se à manutenção dos indivíduos no mercado de
trabalho o maior tempo possível. Este objetivo visa “(...) a
necessidade de reduzir os efeitos económicos e sociais
das atuais tendências demográficas nos sistemas de
segurança social e nos mercados de trabalho nacionais,
quer no que se refere ao desequilíbrio entre ativos
(contribuintes) e inativos (pensionistas) quer no que diz
respeito ao envelhecimento da população ativa”(8).
No entanto, a manutenção dos trabalhadores o maior
tempo possível no mercado de trabalho, como diz o
povo, é “mais fácil dizer do que fazer”, e porquê?
Porque requer ajustamentos, tanto do lado dos
trabalhadores como dos empregadores. Pelo lado dos
trabalhadores, é necessário que: a) as suas competências
estejam atualizadas, b) estejam em boa forma física e
tenham saúde e c) que o trabalho que desempenham
esteja adaptado às alterações que decorrem do processo
do envelhecimento individual. E, por outro lado, é
necessário acabar com os preconceitos que os
empregadores têm para como os trabalhadores mais
velhos.
É neste sentido que vão os objetivos do Ano Europeu do
Envelhecimento Ativo e da Solidariedade entre
Gerações(9). Assim, e no que diz respeito à promoção do
envelhecimento ativo no domínio do emprego,
pretende-se(10):
− aprendizagem ao longo da vida e aquisição de
novas competências;
− condições de trabalho saudáveis;
− estratégias de gestão da idade nas empresas;
− serviços de emprego para candidatos mais
velhos;
ENVELHECIMENTO E MERCADO DE TRABALHO: VIVENDO MAIS, TRABALHANDO MAIS | STELLA ANTÓNIO
12 CADERNOS DE ECONOMIA
− não discriminação com base na idade;
− sistemas fiscais e de segurança favoráveis ao
emprego; e
− transferência de experiências.
Porque, como diz Wallace, “nenhuma área será mais
afetada pelo terramoto geracional do que o local de
trabalho. No entanto, nenhuma área parece estar tão mal
preparada para o desafio. As empresas já não podem
contar com a fonte de novos e jovens recrutas. Essa fonte
está a secar. A massa existente de trabalhadores está a
envelhecer rapidamente”(11). >|<
NOTAS
(1) Adota-se aqui a idade dos 65 anos de idade para definir uma pessoa
idosa. No entanto, deve ressalvar-se que o limite dos 65 anos de
idade é adotado para os países desenvolvidos, enquanto que para os
países em vias de desenvolvimento o limite é de 60 anos. Esta
diferença deve-se, essencialmente, ao facto de a esperança de vida
ser superior nos países mais desenvolvidos.
(2) António, Stella (2011), “Sobre velhice e envelhecimento ativo – À
maneira de prefácio” in Luís Jacob e Hélder Fernandes (coord.), Ideias
para um Envelhecimento Ativo, Almeirim, RUTIS, p. 5.
(3) Os dados relativos a 2001 e 2011 foram retirados de www.pordata.pt,
os de 2060 foram de European Economy 7/2008 - the 2009 Ageing
Report: Underlying assumptions and projection methodologies for the
EU-27 Member states, p. 200.
(4) Refere-se à relação entre a população com menos de 15 anos e com
mais de 65 e a população entre os 15 e os 64 anos de idade vezes
100.
(5) Os dados relativos a 2001 e 2011 foram retirados de www.pordata.pt,
os de 2060 foram de European Economy 7/2008 - the 2009 Ageing
Report: Underlying assumptions and projection methodologies for the
EU-27 Member states, Luxembourg, Office for Official Publications of
the European Communities, p. 200.
(6) António, Stella (2011), “Solidariedade Intergeracional:
Envelhecimento Demográfico e Opiniões dos Portugueses” in Atas
do Seminário sobre intergeracionalidade, Lusíada, Intervenção Social,
Lisboa, nº. 36/2010, p. 91.
(7) A noção de “envelhecimento ativo” foi objeto de orientações nas
instituições europeias em 1999 e 2000; no entanto, só em 2001
ganhou maior destaque, (Hessel, 2008:161).
(8) Pestana, Nuno Nóbrega (2003), Trabalhadores Mais Velhos: Políticas
Públicas e Práticas Empresariais, Lisboa: MSST/DGERT, p. 7.
(9) O Parlamento Europeu e a Comissão Europeia declararam 2012
como Ano Europeu do Envelhecimento Ativo e da Solidariedade
entre Gerações.
(10) European Comission (2012), Como queremos envelhecer? Campanha
por uma sociedade para os jovens e os idosos, Ano Europeu do
Envelhecimento Ativo e Solidariedade entre Gerações, Catalogue nº.
KE-30-11-406.PT-C.
(11) Wallace, Paul (2001), Terramoto Geracional. Uma viagem na
montanha-russa demográfica, Mem Martins, Publicações Europa-
América, p. 158.
ENVELHECIMENTO E MERCADO DE TRABALHO: VIVENDO MAIS, TRABALHANDO MAIS | STELLA ANTÓNIO
O paradoxodo envelhecimento
É importante desconstruir o paradoxo do envelhecimento, em especial no momento em que se celebra o
Ano Europeu do Envelhecimento Activo e da Solidariedade entre Gerações. Com efeito, do ponto de vista
da sociologia do envelhecimento, esse paradoxo reside no facto de o aumento generalizado da esperança
de vida, assumido pelas nossas sociedades como indiscutivelmente positivo, gerar contudo uma série de
consequências complexas e mesmo gravosas, em três planos pelo menos:
− no plano dos riscos, correlativos da longevidade, da vulnerabilidade do estado de saúde; do
isolamento social e da solidão; da dependência não só física e mental como económica; e,
finalmente, da estigmatização da velhice;
− no plano dos riscos inerentes à sustentabilidade dos sistemas públicos de saúde e segurança
social;
− por último, no plano dos riscos associados às relações intergeracionais, ao nível da equidade
financeira entre as gerações, da competição nos mercados de trabalho e do apoio mútuo que entre
elas se devem.
Por outras palavras, se o aumento contínuo da esperança de vida deve ser encarado com uma bênção
universal, as jovens gerações não podem ser as vítimas (nem os carrascos) da crescente longevidade
dos seus pais e avós. As efectivas contradições que pendem sobre as relações intergeracionais já
foram sociológica e economicamente identificadas como uma competição de ordem simbólica e
material, nem sempre equitativa nem pacífica, por recursos escassos. Em Portugal, a competição
entre seniores e juniores no campo económico foi discutida por Fernando Ribeiro Mendes na sua
MANUEL VILLAVERDE CABRALDIRECTOR DO INSTITUTO DO ENVELHECIMENTO | UNIVERSIDADE DE LISBOA
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14 CADERNOS DE ECONOMIA
Conspiração grisalha(1), cujo título fala por si mesmo ao
recordar as campanhas em defesa dos interesses dos
reformados e dos seniores em geral.
Num plano filosófico mais amplo, a contraditoriedade
própria das relações sistémicas entre gerações em
sociedades envelhecidas foi brilhantemente analisada
pelo norte-americano Norman Daniels, num livro em
cujo título formula uma pergunta à qual não podemos
fugir: Será que o meu destino é tomar conta dos meus
pais?(2). Ora, a resposta a tal pergunta só pode ser
negativa – não só por razões éticas, mas também por
motivos históricos e até demográficos ligados ao declínio
da fertilidade.
Como agir então? A dimensão global do
envelhecimento demográfico, isto é, do rácio entre
pessoas com 65+ anos e jovens até aos 15 anos (perto de
140 em Portugal), impede hoje de conceber o
reequilíbrio entre gerações na base das migrações dos
países com alta fertilidade para os de baixa fertilidade. A
longo prazo, a única “solução” para o paradoxo do
envelhecimento global passa, segundo Esping-
Andersen, por políticas de natalidade como aquelas que
já foram desenvolvidas com algum êxito em vários
países. Quanto à sustentabilidade dos sistemas de
pensões, o mesmo autor apela à equidade no sentido de
uma redistribuição drástica entre as pensões mais altas e
mais baixas, no sentido inverso da longevidade média
dos respectivos beneficiários, muito superior entre os
das primeiras(3).
Entretanto, as instâncias internacionais envolvidas nas
políticas para o envelhecimento, visto basicamente do
ponto de vista da sustentabilidade dos sistemas de
segurança social e de saúde, conceberam uma espécie de
paliativo a que foi dado o nome de “envelhecimento
activo”, de acordo com a terminologia da Organização
Mundial de Saúde. A expressão remete para a noção
familiar de “políticas activas”, segundo as quais os Estados
se propõem estimular a pró-actividade dos cidadãos no
Se o aumento contínuo
da esperança de vida
deve ser encarado como
uma bênção universal, as
jovens gerações não
podem ser as vítimas
(nem os carrascos) da
crescente longevidade
dos seus pais e avós.
As efectivas contradições
que pendem sobre as
relações intergeracionais
já foram sociológica e
economicamente
identificadas como uma
competição de ordem
simbólica e material, nem
sempre equitativa nem
pacífica, por recursos
escassos.
JANEIRO | MARÇO 2012 15
sentido de “eles se ajudarem a si próprios” e responsa -
bilizando-os, em última instância, pelos seus fracassos.
A expressão “activo” remete ainda para a noção
biomédica, seguramente positiva, da manutenção da
actividade motora e cognitiva por parte das pessoas mais
velhas, nomeadamente quando passam da vida activa à
inactividade. A epítome do “envelhecimento activo” é,
pois, os “estilos de vida saudáveis”, que deveriam ser
adoptados de forma a promover a saúde e prevenir as
doenças, em particular na velhice. Por sua vez, a crítica da
dimensão ideológica da noção de “envelhecimento
activo” é equivalente à crítica desses “hábitos saudáveis”,
cujo carácter socialmente diferenciado faz com que já
tenham sido identificados como introduzindo um efeito
perverso de iniquidade suplementar, pois a sua adopção
está directamente associada aos mesmos determinantes
sociais que contribuem para as iniquidades perante a
doença e a morte(4).
Além dessa dimensão ideológica, as políticas activas para
o envelhecimento possuem outros efeitos de ocultação e
de omissão. Por exemplo, não se vê como é que os
eventuais ganhos de saúde trazidos pelos “hábitos
saudáveis” melhorariam significativamente a susten -
tabilidade dos sistemas públicos de saúde, já que a
elevação dos seus custos se deve sobretudo à evolução
tecnológica da medicina e tende a concentrar-se nos
derradeiros anos de vida dos indivíduos(5). Em
contrapartida, esses ganhos médios de saúde têm
servido para legitimar o adiamento da idade da reforma
e para o prolongamento não-voluntário da actividade.
Em Portugal, concretamente, a legitimidade do
adiamento da reforma defronta-se com uma limitação
considerável, que é a elevada percentagem de pessoas
com longas vidas de trabalho indiferenciado e até lesivo
para a saúde, a quem esse adiamento já está a ser
imposto.
Nesta linha de desconstrução do “envelhecimento
activo”, foi igualmente observado pela antropóloga
Susana Matos Viegas que essa ideologia – com a sua
devolução da responsabilidade pela doença ao próprio
doente; com as suas exigências, por justificadas que
sejam em sede biomédica, de actividade e autonomia;
com o seu imaginário jovem e a sua carga elitista,
apresentados como independentes das desigualdades
sociais, ao serem projectados sobre populações idosas
como a portuguesa, marcada pelos défices de instrução,
de rendimento e até de saúde que conhecemos – tal
ideologia só pode ser experienciada como uma
estigmatização das legítimas identidades dos idosos
portugueses(6).
Ora, a verdade é que, bastante antes das promessas do
“envelhecimento activo”, já o grande cientista social
Norbert Elias havia denunciado “a solidão dos
moribundos”, título provocatório de um pequeno livro de
1982, a cujo tema voltaria no ano seguinte com o ensaio
“Envelhecer e morrer: alguns problemas sociológicos”(7).
Como ele próprio explica, “moribundo” não é apenas
quem está prestes a morrer; são todas as pessoas olhadas
como se “estivessem para morrer”. Assim, a ideologia do
“envelhecimento activo” manifesta-se também por
omissão; por aquilo que, voluntária ou involuntaria -
mente, encobre: no caso, o olhar discriminatório e
preconceituoso com que os idosos são olhados,
sobretudo quando deixam de trabalhar.
O PARADOXO DO ENVELHECIMENTO | MANUEL VILLAVERDE CABRAL
16 CADERNOS DE ECONOMIA
Elias foi dos primeiros a identificar o efeito de solidão que
representa, para uma pessoa idosa, “encontrar-se entre
tanta gente para quem é socialmente insignificante”, ao
mesmo tempo que chamou a atenção para o facto de “a
coisa mais difícil da actual forma de envelhecer e de
morrer é o gradual arrefecimento das relações”. Em suma:
“O sonho do elixir da vida e da fonte da juventude é
muito antigo, mas só tomou uma forma científica – ou
pseudocientífica – nos nossos dias. A constatação de que
a morte é inevitável está encoberta pelo empenho em
adiá-la cada vez mais com a ajuda da medicina e da
prevenção, e com a esperança de que tudo isso talvez
funcione” (p. 56).
Porém, tão importante ou mais do que a crítica desse
encobrimento é a preciosa anotação sociológica de
Elias, segundo a qual existe uma óbvia “conexão entre a
maneira como uma pessoa vive e a maneira como
morre” (p. 71). Ora, é esta decisiva conexão social entre
a maneira como se vive e a maneira como se envelhece
e se morre que nos compete documentar e analisar
enquanto investigadores. Por sua vez, compete às
políticas públicas assumirem essa conexão e corrigi-la
em tempo útil ou compensá-la se já não forem a tempo
de a corrigir. >|<
NOTAS
(1) Mendes, Fernando Ribeiro (2005), A conspiração grisalha: segurança
social, competitividade e gerações, Oeiras: Celta; mais recentemente
do mesmo autor: Segurança Social: o futuro hipotecado, Lisboa: FFMS,
2011.
(2) Daniels, Norman (1998), Am I my parents’ keeper? – An essay on justice
between the young and the old, Oxford: Oxford University Press.
(3) Esping-Andersen, Gosta (2008), Três lições sobre o Estado-Providência,
Lisboa: Campo da Comunicação.
(4) Cabral, Manuel Villaverde & Silva, Pedro Alcântara da (2009), O estado
da Saúde em Portugal: acesso, avaliação das atitudes da população
portuguesa – evolução entre 2001 e 2008 e comparações
internacionais, Lisboa: Imprensa de Ciências Sociais, pp. 33-41.
(5) Barros, Pedro Pita (2011), “O impacto na Sustentabilidade e nos
Modelos dos Sistemas de Saúde dos Grandes Avanços Científicos e
Tecnológicos“, Conferência Anual 2011 Infarmed – Medicamentos –
Produtos de Saúde – Inovação, Desenvolvimento e Sustentabilidade,
Centro de Congressos do Estoril (pdf ).
(6) Viegas, Susana Matos (2007), A Identidade na Velhice (com Catarina
Gomes), Porto: Ambar.
(7) Elias, Norbert (2001), A solidão dos moribundos, São Paulo: Editora
Zahar.
O PARADOXO DO ENVELHECIMENTO | MANUEL VILLAVERDE CABRAL
A solidariedadeintergeracional
Por decisão do Parlamento Europeu, 2012 é o “Ano Europeu do Envelhecimento Activo e da Solidariedade
entre Gerações”. Uma oportunidade para todos de reflectir sobre o facto de os europeus viverem agora
mais tempo e com mais saúde do que nunca e aproveitar as oportunidades que se lhes oferecem.
Conforme o site do Ano Europeu, o envelhecimento activo pode dar à geração do baby-boom e às pessoas
idosas do futuro a oportunidade de permanecerem no mercado de trabalho e partilharem a sua
experiência, continuando a desempenhar um papel activo na sociedade e usufruindo de uma vida o mais
saudável e gratificante possível. Considera também que é essencial para manter a solidariedade
intergeracional em sociedades em que o número de pessoas idosas aumenta rapidamente, e que o desafio
para os políticos e todos os que se interessam por estas questões será de melhorar as oportunidades para
um envelhecimento activo em geral e para a manutenção de uma vida autónoma, intervindo em áreas tão
diversas como, entre outras, o emprego, os cuidados de saúde, os serviços sociais, a educação, o
voluntariado, a habitação, a informática e os transportes.
O Ano Europeu pretende sensibilizar para estas questões e para a melhor forma de as abordar, mas acima
de tudo procura incentivar os responsáveis na definição de objectivos e na tomada de medidas para os
alcançar, indo para além do debate e começando a produzir resultados palpáveis(1).
Este Ano acontece dez anos depois da segunda Assembleia Mundial do Envelhecimento, que ocorreu em
Madrid em 2002, da publicação do documento "Active Ageing, a Policy Framework" pela Organização
Mundial da Saúde (OMS), e cinco anos após o lançamento pela mesma do "Age-Friendly Cities Guide", no
seguimento da constatação do crescente envelhecimento das cidades, em todo o mundo.
MARGARIDA FRANÇAADMINISTRADORA HOSPITALAR
PRESIDENTE DA SOCIEDADE PORTUGUESA PARA A QUALIDADE NA SAÚDE
CONSULTORA DA DIRECÇÃO-GERAL DA SAÚDE
MARIA JOÃO QUINTELAMÉDICA | PRESIDENTE DA ASSOCIAÇÃO PORTUGUESA DE PSICOGERONTOLOGIA
VICE-PRESIDENTE DA SOCIEDADE PORTUGUESA DE GERIATRIA E GERONTOLOGIA
CONSULTORA DA DIRECÇÃO-GERAL DA SAÚDE
JANEIRO | MARÇO 2012 17
18 CADERNOS DE ECONOMIA
Tanta preocupação e interesse pela área do envelhe -
cimento tem levado estudiosos de todas as áreas
científicas a explicar as dificuldades inerentes aos
desequilíbrios sociais e económicos ligados ao
envelhecimento populacional, nomeadamente os seus
impactos nos sistemas de saúde e de segurança social.
Este "peso" social dos mais velhos, tantas vezes descrito
como um problema, que as pessoas idosas acabam por
sentir como acusação, por estarem vivas tanto tempo
sem libertar oportunidades aos mais novos, por não
contribuírem para a sociedade quando doentes ou com
dependência, e incorrerem em elevados custos aos
Estados, pelas polipatologias acumuladas com o tempo,
está explicitado nas mais variadas dissertações sobre o
"problema" do envelhecimento demográfico.
O que este discurso não tem realçado da mesma forma
contundente é que esta transformação demográfica,
para além da maior longevidade conseguida nomeada -
mente no último século, se fez acompanhar de uma
progressiva e consistente baixa de natalidade, e que
estas alterações não têm a mesma expressão de impacto
em todo o cenário europeu. De facto, prevê-se que, em
2030, a percentagem de população de 65 e mais anos
varie nas diferentes regiões europeias entre valores de
10,4% a 37,3%(2).
No quadro das novas realidades sociais e económicas que
se enfrentam, em que todos os modelos económicos
recentes estão postos em causa, a geração do baby-boom
está reformada ou em vias de ir para a reforma. As subtis
legislações que foram prevendo a penalização das futuras
reformas e o aumento da idade de aposentação incitaram
indirectamente à sua antecipação e abriram um largo
espaço à entrada de outras gerações, que só não se verifica
porque a crise está a levar o desemprego a níveis
preocupantemente crescentes. Os mais velhos enfrentarão
ainda mais a pobreza, mas apesar de tudo serão ainda uma
significativa parte do apoio aos mais novos, que não
conseguem aceder às vagas no mercado do trabalho.
A taxa de empregabilidade constitui, como é natural, um
factor da manutenção do emprego dos mais velhos, bem
como a satisfação com o trabalho.
E é assim que inevitavelmente toma cada vez mais corpo
a necessidade de investir numa sociedade solidária
intergeracional e num envelhecimento para além do
saudável. Um envelhecimento activo não significa
apenas a manutenção por mais dois, três, quatro ou mais
anos no mercado de trabalho, mas sim um apelo à
mudança de mentalidades para uma melhor qualidade
de vida, perspectivas que assumem ainda mais
premência no clima de incerteza e de confrontação de
paradigmas sociais e de bem-estar, em países como o
nosso.
Importa, assim, sublinhar a definição de envelhecimento
activo, da OMS, como o "processo de optimização das
oportunidades para a saúde, participação e segurança,
para a melhoria da qualidade de vida das pessoas à
medida que envelhecem", num contexto de solida -
riedade entre as gerações e de inovação social, política e
económica.
Não há saúde sem participação e sem segurança, nem
saúde quando vivida em total isolamento ou solidão.
Não há participação sem saúde e sem solidariedade
entre as gerações.
Não há segurança sem apoios à vida, vivida numa
perspectiva de manutenção e promoção da autonomia e
independência o maior tempo possível, numa dinâmica
de acompanhamento ao longo do tempo e de respeito
pela pessoa humana e pela sua vontade, individualidade,
integridade, privacidade, história e dignidade.
Durante muito tempo, quando se falava de “idosos”,
imediatamente se falava de "lares de idosos", deixando
crer que "eles", os “idosos”, mal ou bem, estariam
acompanhados. Mesmo que se tratasse de viver naquele
JANEIRO | MARÇO 2012 19
que é o mundo não desejado, tantas vezes sórdido,
maquiavélico e oportunista dos lares ilegais e do
aproveitamento indecente que se faz das pessoas idosas
e das suas famílias, nestes e noutros sectores, até à
exaustão psicológica, física, jurídica e financeira.
Mas repentinamente percebemos que, afinal, as
estatísticas do INE publicadas, e relativas aos censos de
2001, já nos diziam há muito que existia um número
muito significativo de pessoas idosas que viviam sós, e
que muitas dessas pessoas são cuidadas por pessoas
também idosas, que lhes prestam cuidados e apoio.
Ainda não conhecemos os custos reais do abandono, da
desparticipação, da desarticulação entre os múltiplos
actores, da violência social, financeira e psicológica, da
dependência que se gera velozmente pela insatisfação
de viver contrariado fora da sua casa, longe do seu gato,
cão ou do canário na gaiola, ou, ainda, sozinho, sem o
telefonema de ninguém, inseguro e com medo de sair à
rua, de cair e fracturar o colo do fémur, de ser vítima de
roubos diários do seu porta-moedas, por quem faz as
compras, ou se deixado onze horas por dia ou mais em
frente a um aparelho de televisão, esperando apenas as
horas das refeições e do deitar.
E dos que ainda vão querendo cuidar dos seus mais
velhos, com esforços, abnegação e dedicação, pouco se
fala e pouco se reconhece.
E também não ouvimos falar do valor do contributo
social e familiar dos mais velhos, quando cuidam dos
netos, fazem as compras da casa aos filhos, frequentam
os hotéis e as termas nas épocas "baixas", utilizam os
transportes públicos, cuidam dos outros mais velhos,
exercem trabalho voluntário, trabalham no campo,
procurando manter-se vivos e saudáveis mesmo com
parcos recursos financeiros, e dos que, cientes da sua
fragilidade, ou de que o seu tempo já passou, se
sujeitam, sem uma queixa, a ser tratados como "filhos
de um Deus menor".
O próximo sinal político de uma viragem na mudança de
mentalidades face ao destino social e às oportunidades
de continuar a viver de vida autónoma e independente o
mais tempo possível, sem ser considerado um peso
social, dos nossos mais velhos, terá que passar da
insustentável visita a "lares de idosos" para a visita a
pessoas idosas nas suas casas, apoiadas por serviços
respeitadores e por uma sociedade mais civilizada, que
desperdice menos a vida humana, bem como a saúde e a
autonomia de cada um, permitindo viver mais tempo
sem custo acrescido do Estado e das famílias.
O futuro das soluções conjunturais face ao envelhe cimento
populacional passa por uma mudança de paradigma, que
levará a sociedade a olhar para os seus mais velhos
doentes, menos como ocupadores de camas de elevado
custo, e mais como futuros agentes de economia social e
familiar, uma vez recuperados e reabilitados.
De facto, a pergunta que faremos a nós próprios nos
próximos tempos, e face ao futuro que nos espera, é
quanto valemos exactamente como pessoas? Quanto
vale viver mais tempo? De que modo podemos tornar
mais evidente o nosso valor face àquele que nos vai
prestar cuidados um dia, para que não fiquemos, quando
mais frágeis, à mercê apenas do conceito social de
envelhecimento do momento.
O paradigma da qualidade passará seguramente dos
“serviços para idosos” para “serviços para nós”. Quer isto
dizer que os serviços para as pessoas idosas só terão
qualidade e serão desejados, quando nós próprios nos
virmos como seus clientes.
CONCLUSÃOO conceito de envelhecimento activo como conjunto de
oportunidades para a saúde, participação e segurança,
numa sociedade que valorize todas as gerações, poderá
ser, se encarado seriamente, e com carácter de
investimento proactivo num futuro mais feliz, um óptimo
A SOLIDARIEDADE INTERGERACIONAL | MARIA JOÃO QUINTELA E MARGARIDA FRANÇA
20 CADERNOS DE ECONOMIA
“plano de poupança reforma”. É, pois, possível que todos
se sintam motivados para continuar a produzir mais anos
e saúde para si próprios e para os outros, mais
participação social num mundo do trabalho para todas
as idades, em que os reformados não se considerem
"retirados" nem sejam vítimas de exclusão discri -
minatória, mas antes constituam uma nova força de
dinâmicas sociais activas e úteis, e em que a segurança
seja um atributo inerente às atitudes preventivas e de
pedagogia social, que nos mantenha lúcidos face aos
diferentes valores e produtos, de cuja avaliação se não
exclua o valor das pessoas, como seres humanos, objecto
de deveres e de direitos.
A vontade bem expressa pelos nossos mais velhos, de
querer viver nas suas casas o mais tempo possível, apela
cada vez com mais expressão às nossas consciências para
não construir respostas para “eles”, que não desejamos
para “nós”.
A idade tem que deixar de ser a arma mortífera de
arremesso, que utilizamos de forma agressiva e
oportunista quando falamos dos que “ainda não têm
idade...” ou dos que “já não têm idade...”.
Defender as matérias do envelhecimento activo e do
direito à participação social, das cidades amigas das
pessoas idosas, da prevenção da violência contra os mais
velhos, dos serviços na comunidade e próximos dos
cidadãos, de uma medicina de acompanhamento global,
multidisciplinar e interdisciplinar, e da informação às
famílias e principais prestadores de cuidados informais,
para além da medicina curativa, de serviços de saúde
inclusivos e que acompanhem as evoluções demo grá -
ficas e sociais, é igualmente defender o desenvolvimento
e a modernidade na promoção de todas as
oportunidades para a saúde, em todas as políticas.
Naturalmente que a formação e investigação nas áreas
da gerontologia e da geriatria adaptadas a múltiplos
sectores da nossa sociedade, desde a escola aos
diferentes patamares de ensino, à saúde, às áreas
jurídicas e sociais, dos serviços e instituições às múltiplas
áreas de atendimento, ao marketing, à cosmética e aos
media, e a toda a sociedade, é indispensável para
começarmos a compreender que também enve -
lhecemos.
É necessário que os agentes económicos e a economia
em geral esqueçam o mito de que os trabalhadores mais
velhos “roubam” os lugares dos mais novos, e evoluam
para o entendimento de que a produtividade dos mais
novos e dos mais velhos é mutuamente complementar.
É necessário interiorizar que envelhecer é a única forma
de estar vivo mais tempo, e que o conceito de
envelhecimento activo nos ajuda a participar desde
sempre na nossa longevidade, bem como a construir
com mais segurança e solidariedade o futuro, quando
formos nós a fazer parte das estatísticas demográficas da
população idosa e a sentir na pele a cultura do momento,
face à idade e ao envelhecimento. >|<
NOTAS
(1) http://europa.eu/ey2012/ey2012.jsp?langId=pt.
(2) Comittee of the Regions. European Union. AGE Platform Europe.
How to promote active ageing in Europe. EU support to local and
regional actors. September 2011.
A SOLIDARIEDADE INTERGERACIONAL | MARIA JOÃO QUINTELA E MARGARIDA FRANÇA
Pensõessustentáveis
e melhor protecção
Com uma população muito concentrada nas cidades, especialmente em torno de Lisboa e Porto, uma
natalidade que caiu dramaticamente nas últimas décadas e experimentando uma longevidade crescente,
Portugal tem hoje uma das taxas de dependência dos idosos mais elevadas na Europa(1). Isto sucede
quando as condições de vida da maioria dos portugueses estão muito marcadas pela mudança das
estruturas familiares e de vizinhança. Estão definitivamente perdidas muitas das tradicionais solidariedades
de proximidade, que, até há poucos decénios, eram decisivas para lidar com a dependência e as
incapacidades dos idosos (e não só).
Muitas crianças e jovens sofrem a exposição precoce a consideráveis riscos sociais, associados à
marginalidade e à toxicodependência, sem que as famílias lhes possam valer. Ao mesmo tempo, pessoas
com necessidades especiais, em consequência de deficiência e doença crónica, além dos muitos idosos
com autonomia reduzida, estão ameaçados pela solidão. Fora da actividade económica, e retirados do
convívio com os próximos, ficam cada mais vulneráveis perante a pobreza, a exclusão social e a morte,
como casos recentes nos vieram lembrar com terrível veemência.
Tudo isto ocorre quando o desenvolvimento económico de Portugal se revela mais problemático. Sem
crescimento económico sustentado, as transferências de rendimento que o Estado vem realizando, ao
longo de décadas, e que aliviaram a pobreza de muitos, têm tido impactos de longo prazo menos virtuosos,
retirando recursos actuais ao investimento económico e social, e engrossando a dívida que as gerações
mais novas terão de liquidar, o que ameaça a sustentabilidade das finanças públicas e da economia
nacional. Interesses próprios dos novos e dos mais velhos estão em rota de colisão e uma fractura entre as
gerações ameaça a nossa coesão social.
FERNANDO RIBEIRO MENDESECONOMISTA | PROFESSOR DO ISEG-UTL
22 CADERNOS DE ECONOMIA
A DIFÍCIL EQUAÇÃO
JANEIRO | MARÇO 2012 23
RESPOSTAS INSUFICIENTES AO RISCODE POBREZA E À EXCLUSÃOA presente conjuntura aumenta a intensidade dos riscos,
pondo mais em evidência as deficientes respostas sociais
dadas pelo Estado e pelas famílias e comunidades.
Na esfera da intervenção pública, as respostas a esta
evolução complexa permanecem excessivamente
focalizadas na atribuição de subsídios pecuniários às
populações em risco, revelando-se menos eficazes no
combate às privações a que estão sujeitas e no apoio não
pecuniário. Embora o indicador global de risco de
pobreza se venha reduzindo lentamente, o indicador de
efectiva privação material da população aumentou entre
2005 e 2008, ocorrendo as situações mais gravosas entre
os jovens e os mais idosos(2).
O impacto positivo das transferências monetárias,
relativamente à situação dos idosos, é bem conhecido.
Na presente conjuntura, infletiu-se esta evolução e os
idosos registam em 2010 uma taxa de 21% (mais um
ponto percentual do que no ano anterior).
Por outro lado, as políticas públicas da década anterior
foram implementadas sem se cuidar verdadeiramente de
responsabilizar os indivíduos, as famílias e as
comunidades quanto à procura de soluções inte gra -
doras, com o envolvimento e a participação de todos, na
perspectiva de um desenvolvimento social mais
equilibrado. Quanto às políticas do actual governo, é
cedo para verificar se as acções previstas estão a ser
lançadas na direcção correcta.
A DESQUALIFICAÇÃO DO EMPREGOEntretanto, a qualidade do emprego diminuiu e Portugal
passou a integrar, depois de 2008, o grupo de países
onde a destruição de empregos atinge sobretudo os de
qualificação e ganhos médios. Deste modo, polarizam-se
crescentemente os empregos criados – menos de
elevada qualificação e mais de baixa qualificação. Isto
contraria o que se verificara desde 1996, quando a
destruição de empregos se traduzia no upgrading do
emprego(3). Por outro lado, os contratos precários são
justificados em mais de 80% das situações pela
impossibilidade de ter contratos sem termo certo, no que
acompanhamos a Espanha e Chipre, todos bem longe da
situação dos restantes Estados da União.
Em 2011, as taxas de emprego da população em idade
activa entre 15 e 64 anos situavam-se nos 65,6% (1,4
pontos percentuais acima da média dos 27); e nos 69,8%
entre 20 e 64 anos (um ponto percentual acima da média
dos 27), segundo os dados oficiais do Eurostat. Em 2007,
antes da crise, eram de 67,9% (UE: 65,3%) e 70,5% (UE:
68,6%), respectivamente.
Isto é, está a diminuir a inserção efectiva da população
em idade activa no mercado de trabalho. E no que diz
respeito à actividade jovem, a taxa de emprego da
população entre 15 e 24 anos evoluiu para um nível
inferior à média da UE (35,8% e 36,6%, respectivamente),
em 2011, tendo partido da situação inversa no início da
década (42,9% e 36,7%, respectivamente, em 2001).
Progresso da escolarização crescente dos jovens? Sim,
mas também dificuldades de emprego, que estão a sentir
cada vez mais.
Ainda antes do agravamento da crise económica e
financeira, o desemprego crescera ao longo de toda a
década, chegando aos 7,6% em 2007. Com a crise,
saltou até aos 13,6%, em finais de 2011, e irá agravar-
se ainda mais. O fenómeno afecta ligeiramente mais as
mulheres dos que os homens, sendo os jovens os mais
expostos ao flagelo (30,8%, também em Dezembro de
2011). O desemprego de longa duração atinge 6,3%
em 2011 (4% na UE), estando a aumentar também
entre os mais idosos.
>
A DIFÍCIL EQUAÇÃO: PENSÕES SUSTENTÁVEIS E MELHOR PROTECÇÃO | FERNANDO RIBEIRO MENDES
24 CADERNOS DE ECONOMIA
SISTEMA DE PENSÕES SOB PRESSÃOA crise actual agrava ainda mais a situação,
desencorajando muitos de permanecerem em
actividade. Os mais velhos em idade activa, entre os 55 e
os 64 anos de idade, apresentam em 2011 uma taxa de
emprego estabilizada desde o início da década nos
49,2% (apenas 3,7 pontos percentuais acima da UE,
quando em 2001 essa diferença era de 13,7 pontos
percentuais), o que cria uma pressão importante sobre o
sistema de pensões.
A idade média de saída do mercado de trabalho da
população está acima da média da União (62,6 anos e
61,4, respectivamente, em 2009), mas esse diferencial
tem vindo a diminuir. Isto contraria as expectativas
criadas pela reforma da segurança social de 2007, que
teve como pressuposto o adiamento da passagem à
reforma para contrariar a redução do nível de adequação
das pensões no futuro.
Como se verifica no gráfico 1, entre 2008 e 2048, a queda
da taxa (teórica) de substituição dos salários pelas
pensões de carreira contributiva completa dos regimes
contributivos é projectada oficialmente como a mais
violenta na União. E nada há de novo quanto a esquemas
complementares que pudessem compensar este efeito.
O efeito do factor de sustentabilidade e da nova fórmula
de cálculo da pensão poderia ser contrariado, em
princípio, pelo adiamento da passagem à reforma. Se as
condições do mercado de trabalho o permitirem, quem
quiser pode trabalhar mais algum tempo depois de
atingir a idade legal de reforma, e assim compensar a
quebra de substituição do salário. No entanto, à medida
que a transição de regimes de pensão pré-2007 vai sendo
concluída, tal compensação será cada vez mais custosa.
Actualmente, a bonificação resultante de mais dois anos
a trabalhar além dos 65 (tendo carreira contributiva
completa) melhora a taxa teórica de substituição líquida
em 29%. Em 2050, o correspondente ganho não chegará
aos 20%. Como já fora destacado pela OCDE, o nosso país
não prefere as vidas activas mais longas para contrariar as
pressões demográficas do envelhecimento, conta mais
em economizar através da redução violenta da taxa de
Grá�co 1
35
25
15
5
-5
0
-25
-35
-15
PT SE PL FR IT CZ DK EL DE FI MT HU SK LV BE LT LU NL AT IE ES UK EE CY BG SI RO
● Change in gross replacement rates between 2008-20048 owing to total Statutory pension schemes (percentage points change)
● Change in gross replacement rates between 2008-20048 owing to Occupational and other supplementary pension schemes (percentage points change)
Fonte: Com. Europeia, White Paper – An Agenda for Adequate, Safe and Sustainable Pensions, 2012.
JANEIRO | MARÇO 2012 25
substituição dos salários pelas pensões(4). A manter-se a
idade legal de reforma nos 65 anos, a adequação das
pensões será prejudicada no longo prazo de forma
severa, de forma agravada pelas conjunturas adversas ao
emprego sénior que estamos atravessando.
São necessárias novas medidas de reforma do sistema
de pensões em linha com os ganhos crescentes de
esperança média de vida à idade de reforma e o
desempenho das economias, mas mais atentas aos
défices de adequação das prestações. A taxa bruta de
substituição dos rendimentos do trabalho caiu já, em
termos médios, de 80% (correspondentes à pensão
completa do regime de 1993) para 54,4% (pensões
completas com salário de referência médio do regime
contributivo pós-reforma de 2006). Esta alteração não
atinge todos de igual modo e a aplicação universal do
factor de sustentabilidade é profundamente insensível
face à desigualdade social perante a morte, fazendo
suportar identicamente uma redução que resulta de
um progresso de longevidade que não beneficia todos
por igual.
Impõem-se, nesta perspectiva, novas medidas que
alinhem de forma mais justa a formação do benefício
futuro com o esforço contributivo de cada um, de forma
sustentável face à demografia e ao desempenho da
economia, e reforcem, ao mesmo tempo, a sua
adequação às necessidades de vida dos pensionistas.
Deverão contemplar-se, designadamente, as seguintes:
• Elevação progressiva da idade legal de reforma, na
perspectiva de envelhecimento activo e em
consonância com a orientação comunitária a este
respeito, acompanhada pela elevação proporcional
da idade de acesso à reforma antecipada.
• Institucionalização de contas individuais de
segurança social, de forma que o registo anual da
parte das contribuições e quotizações sociais que
suportam o direito de cada beneficiário às prestações
do sistema previdencial permita uma valorização do
esforço contributivo acumulado, tornando a
determinação futura do benefício mais transparente
e ajustada às condições económicas e sociais do País.
• Promoção de esquemas de segundas carreiras
profissionais para os activos seniores, através de
esforços conjuntos do Estado, das empresas e de
toda a sociedade civil, tendo em vista a renovação
geracional do emprego e das empresas.
• Incentivo à criação de esquemas complementares de
protecção social, designadamente ao nível das
empresas, visando também a cobertura dos novos
riscos associados à longevidade (dependências e
doenças crónicas). >|<
NOTAS
(1) O rácio “população de 65+ anos/ pop.15-64” atingiu 26,2%, em 2009,
acima da média de 25,6% da UE, segundo o mais recente relatório
sobre a situação demográfica da Europa divulgado pela Comissão
Europeia.
(2) Carlos Farinha e Isabel Andrade, “Monetary Poverty, Material
Deprivation and Consistent Poverty in Portugal, Working paper ISEG-
CEMAPRE, 2010.
(3) Comissão Europeia, Employment and Social Developments in Europe
2011, Bruxelas, 2012.
(4) OCDE, Pensions at a Glance, 2011.
A DIFÍCIL EQUAÇÃO: PENSÕES SUSTENTÁVEIS E MELHOR PROTECÇÃO | FERNANDO RIBEIRO MENDES
Contributospara uma agenda da inovação
O século XX foi palco de avanços ímpares no desenvolvimento humano. Os desenvolvimentos da
tecnologia e da prática clínica provocaram uma melhoria, nunca antes registada, na qualidade de vida das
populações. Tal refletiu-se numa diminuição significativa das taxas de mortalidade e num aumento da
esperança média de vida. Numa palavra, as pessoas vivem hoje muito mais tempo do que viviam há um
século.
Este fenómeno, acompanhado pela diminuição das taxas de fecundidade, está a provocar alterações
surpreendentes na estrutura etária das populações, com um aumento progressivo da proporção de idosos.
Paralelamente, estão a operar-se mudanças profundas ao nível da dimensão e estrutura das famílias e nas
suas relações intergeracionais, factos que alteram significativamente as condições sociais em que as
pessoas envelhecem.
O impacto nas sociedades do progressivo envelhecimento marcará fortemente os processos de
desenvolvimento económico e social, com consequências diferenciadas nos países desenvolvidos e nos
países em desenvolvimento.
Segundo as projecções das Nações Unidas para os países desenvolvidos, estima-se que, em 2050, teremos
60 idosos dependentes por cada 100 pessoas em idade activa, o que corresponde a um aumento na ordem
dos 100%, em relação aos números de hoje. Portugal não é excepção e as projecções para o País apontam
para as mesmas estimativas. Segundo os dados mais recentes, existem 26,7 idosos por cada 100 residentes
em idade activa. Em 2025, o valor poderá ascender a 34 e, em 2050, o número de idosos atingirá 58. Tal
representa um enorme desafio em termos da sustentabilidade dos sistemas de segurança social e das
economias dos países.
ISABEL MOTAADMINISTRADORA DA FUNDAÇÃO CALOUSTE GULBENKIAN
26 CADERNOS DE ECONOMIA
ENVELHECIMENTO
JANEIRO | MARÇO 2012 27
O envelhecimento da população constitui-se, assim,
como um dos principais desafios para as sociedades
do século XXI. Um tal aumento da população idosa
obriga-nos a encontrar novas soluções tanto ao nível
da prestação dos cuidados de saúde, como também
outras respostas sociais de combate à solidão, ao
esquecimento, à pobreza e à exclusão a que dema -
siados idosos estão expostos.
À semelhança de outros processos de mudança, também
neste caso será possível, certamente, maximizar as
oportunidades geradas pelo próprio processo e
minimizar as ameaças que ele pode representar.
Numa palavra, a chave estará na inovação, enquanto
forma de abertura de novos mercados e oportunidades
económicas que respondem a necessidades efectivas das
sociedades. Como vários autores reconhecem, muitos
dos novos mercados e oportunidades para criação de
emprego serão provenientes do domínio social, como
seja a educação, saúde, prestação de cuidados, e em que
o envelhecimento será um dos motores para o
crescimento dessa nova economia.
Tentemos então agora acompanhar o que representa
este sector de actividade emergente, que oportunidades
pode abrir e qual o papel que a inovação pode
desempenhar para melhorar os níveis de resposta com
impacto às sociedades envelhecidas. Segundo o relatório
“Innovating better ways of living in later life – Context,
Examples and Opportunities”, publicado pela Young
Foundation, os desafios para a inovação na área do
envelhecimento passam por encontrar:
• Novas formas de os idosos permanecerem activos
– como voluntários, mentores ou em sistemas de
apoio mútuo.
• Novos modelos de prestação de cuidados e de
apoio às populações envelhecidas que contribuam
para assegurar a sua independência e dignidade.
• Novos ambientes e ecossistemas que fomentem a
melhoria da sua qualidade de vida.
• Novos modelos de mobilização de redes de
proximidade – formais e informais – que forneçam
apoio diversificado e de confiança.
Importa entender a população idosa como um activo a
ser valorizado e mais um recurso a ter em conta, com
capacidades e competências específicas. Importa
encará-los como participantes activos e não como
meros consumidores passivos. Tal pressupõe uma
alteração de paradigma no modo como desenhamos os
produtos, serviços e estratégias para enfrentar o
fenómeno do envelhecimento, concebendo essas
propostas com os idosos e não para os idosos. Ou seja, é
decisivo envolver as populações envelhecidas na
concepção das soluções para os seus próprios
problemas, de modo a facilitar a sua apropriação e
maximizar a sua eficácia e impacto, adaptando uma
visão holística deste fenómeno, não apenas exclusiva -
mente focada nas questões da saúde, pensões e
segurança social, mas tomando como objectivo central a
questão do bem-estar dos idosos.
Assumindo este objectivo como eixo estratégico
transversal para uma agenda da inovação neste domínio,
quais serão então especificamente as áreas em que
importa concentrar esforços? Com que meios
poderemos contar? E como melhor medir o seu
desempenho e impacto alcançado? Apontam-se, de
seguida, algumas áreas decisivas que servem como
pontos de partida para uma reflexão mais demorada
sobre os processos de inovação na área do
envelhecimento.
Mercado de trabalho – Têm ocorrido importantes
alterações neste campo, fruto do envelhecimento
populacional: mudanças na legislação laboral para
restringir a descriminação pela idade, aumento da idade
da reforma, períodos de transição com redução
ENVELHECIMENTO: CONTRIBUTOS PARA UMA AGENDA DA INOVAÇÃO | ISABEL MOTA
nos processos de inovação. A OCDE tem dedicado
particular atenção a este assunto, no âmbito da sua
iniciativa “Information and Communication Technologies
for a Silver Economy”, em que salienta e demonstra o
papel das TIC e seus benefícios nos sectores de
actividade atrás mencionados. Tal como referem,
“integrating the needs of the elderly into innovation
activities has benefits not just for their quality of life but for
the economy as well”. As TIC podem desempenhar um
papel fundamental na promoção da independência e
bem-estar dos idosos e ao mesmo tempo ser mais
vantajosas em termos económicos.
O envelhecimento representa assim um enorme desafio
em termos de inovação e será, sem dúvida, um dos
mercados do futuro. De modo a melhor perseguir esta
agenda, é fundamental promover uma estratégia
partilhada pelo sector público, entidades privadas e
sector não lucrativo, abrindo oportunidades de
colaboração e parcerias que serão decisivas para
promover sociedades justas, coesas e economicamente
sustentáveis.
As fundações, pelo seu carácter independente,
capacidade de assumir riscos e espírito mobilizador,
podem desempenhar um papel relevante na promoção
do debate informado e investigação aplicada nestes
novos domínios, bem como no apoio a soluções
inovadoras que respondam ao desafio do
envelhecimento. É nesse sentido que a Fundação
Calouste Gulbenkian tem vindo a trabalhar, ao colocar
este tema na sua agenda de intervenção em Portugal e
no Reino Unido. Tem dado particular enfoque às
questões do isolamento, da solidão, das demências e das
relações inter geracionais, estando empenhada na
testagem e na validação de boas práticas e disseminação
internacional dos seus resultados. O envelhecimento é
um dos temas transversais às sociedades num mundo
globalizado e só a partir do trabalho diário nas
comunidades poderemos responder com efectividade a
este desafio maior. >|<
28 CADERNOS DE ECONOMIA
progressiva dos horários de trabalho até à reforma. Neste
contexto, é fundamental encontrar soluções alternativas
para valorização das competências de pessoas em
situação de pré-reforma, podendo funcionar, por
exemplo, como mentores de recém-empregados.
Habitação e planeamento urbanístico – Numa
sociedade envelhecida e urbana, torna-se necessário
conceber e adaptar as cidades às necessidades das
populações idosas e torná-las mais acessíveis. A
Organização Mundial de Saúde, no âmbito da iniciativa
“Cidades Amigas dos Idosos”, tem desempenhado um
papel na defesa desta causa e promovido algumas
experiências piloto neste domínio. Paralelamente, a
concepção das residências e lares terá de cada vez mais
ter em linha de conta as populações idosas, adaptando-
as às suas necessidades e níveis de dependência. Tal
pode representar novas oportunidades de mercado e
trabalho ao nível de cuidados domiciliários e
condomínios residenciais que asseguram a prestação
desses serviços.
Cuidados continuados e paliativos – Com o en -
velhecimento progressivo da população, as taxas de
morbilidade têm também subido, o que provoca um
aumento da necessidade e procura deste tipo de
cuidados. A inovação neste domínio em particular pode
ser decisiva, no sentido de encontrar modelos de
resposta que maximizam o bem-estar e dignidade das
pessoas envolvidas e os tornar mais acessíveis em termos
financeiros.
Redes de proximidade – À medida que as sociedades se
tornam cada vez mais urbanas e que os laços familiares
enfraquecem, importa encontrar ou reavivar as redes de
proximidade e vizinhança de modo a assegurar cuidados
quotidianos de que os idosos necessitam e combatendo
o isolamento e solidão a que podem estar votados.
Em todas estas áreas, o papel das novas Tecnologias de
Informação e Comunicação (TIC) poderá ser fundamental
ENVELHECIMENTO: CONTRIBUTOS PARA UMA AGENDA DA INOVAÇÃO | ISABEL MOTA
A Economia Sociale o futuro de Portugal
Portugal conquistou um trunfo de inquestionável importância com a celebração dos acordos de
concertação social e de concertação com as instituições da economia social e solidária. Digo Portugal
porque acredito sinceramente que todos – mesmo aqueles que neles não estiveram directamente
envolvidos – em muito ficarão a beneficiar.
Por um lado, os agentes da economia, do mercado de trabalho, das empresas, dos empregadores e dos
empregados conseguiram chegar a um consenso importante, sobretudo neste período que o País
atravessa, revelando uma enorme coesão e espírito de união, diálogo e cooperação para a superação da
crise. Que não tenhamos dúvidas, a receita para a crise é a união de esforços.
Por outro, um entendimento igualmente importante para a economia social e solidária que, face ao cenário
que vivemos, deverá estar especialmente desenvolvida e activa por forma a mitigar os efeitos da crise para
os que a ela estão mais expostos.
Chegados a esta fase da história, importa que se reconheça que o Estado, por si só, não pode ter a
pretensão de chegar a tudo e a todos, sob o risco de muitos deixar de fora. Deverá, antes, construir pontes
de confiança e parceria com aqueles que ao longo dos tempos têm vindo a assumir uma importância
incontestável no combate à exclusão social.
Importa que neste sentido se trabalhe, promovendo a mudança de paradigma da resposta social em
Portugal. É esse o sinal de arranque que pretendemos lançar com o recente acordo feito com as instituições
sociais.
PEDRO MOTA SOARESMINISTRO DA SOLIDARIEDADE E DA SEGURANÇA SOCIAL
JANEIRO | MARÇO 2012 29
30 CADERNOS DE ECONOMIA
O Estado não pode abdicar das suas responsabilidades –
até porque muitas delas são indelegáveis – mas deve
estabelecer um complemento à sua resposta com as
instituições sociais que se encontram no terreno de norte
a sul do País.
As instituições sociais, pela sua natureza, conseguem
prestar um apoio de qualidade inquestionável e em
permanente readaptação às novas exigências e
necessidades sociais, sendo, nesse sentido, mais flexíveis
que o Estado para fornecerem uma resposta mais
adequada.
Uma resposta que tem um objectivo claro de auxílio aos
outros mas que não se esgota aí.
As instituições sociais são particularmente importantes
na dinamização da economia. São elas que, muitas vezes,
sobretudo em zonas desprotegidas, são o agente
económico de excelência, dinamizando economias
locais, sendo fonte de emprego e contrariando até a
tendência da balança comercial, ao não importarem e
antes consumirem muito dos produtos da região onde
estão inseridas.
Constituem um sector que hoje emprega cerca de 250
mil pessoas e que não se deslocaliza e com facilidade dá
emprego a pessoas mais idosas, sendo muitas vezes dos
poucos agentes integrantes de pessoas com deficiência.
O terceiro sector é responsável hoje por cerca de 5,5 % do
PIB mas pode e consegue, mesmo em contraciclo, ser
factor de crescimento e de aumento de oferta.
Esta é, pois, uma rede cujo potencial não pode continuar
a ser descurado e com quem o Estado deve construir e
promover interacções com os restantes sectores
desenvolvendo uma sociedade mais humanitária,
solidária e sustentável.
A inclusão neste desígnio do mundo empresarial é vital.
O envelhecimento activo
e a sociedade
intergeracional têm
de ser elementos-chave
da coesão social,
contribuindo para uma
maior qualidade de vida
à medida que as pessoas
vão envelhecendo.
A educação para
a velhice tem de
começar desde tenra
idade, promovendo
o intercâmbio de
informações e
de experiências.
JANEIRO | MARÇO 2012 31
Face aos últimos acontecimentos, o mundo deseja
fervorosamente que um componente solidário seja
incluído no lucro, esbatendo o capitalismo mais
selvagem. Algo que represente um compromisso entre a
iniciativa privada e a democratização da economia. Algo
onde a responsabilidade social das empresas seja alicerce
desse mundo mais justo.
Se, por um lado, é inequívoco que a riqueza gerada no
mundo contemporâneo é maior que noutros tempos,
por outro, a sua distribuição e os fenómenos que gera e
que afectam a sua sustentabilidade, bem como a do
planeta, de que é exemplo a poluição ou o acesso aos
recursos hídricos, pode vir a hipotecar o futuro como um
todo.
A consciência de que o desenvolvimento das gerações e
da sociedade terá de ser sustentável deverá ganhar, junto
com a globalização, uma escala mundial e ser replicada,
não só pelos mais diversos sectores de actuação
empresarial, como pelos mais diversos agentes, onde se
incluem os Estados, enquanto exemplo primeiro.
Importa que factores como o combate à exclusão social,
a consciência ambiental ou o uso racional de recursos,
que deverão ser acautelados pelas empresas para além
da sua obrigação legal, passem a ser avaliados pelo
próprio mercado, numa lógica diferenciadora, passando
este mesmo a premiar as entidades empresariais que
incluam a sua atitude na criação de uma rede solidária
maior.
Hoje o consumidor está especialmente atento a esse
compromisso e tende a valorizar de forma expressiva, no
momento da escolha, a atitude solidária das empresas. É,
pois, chegada a altura de incluir na mudança de
paradigma da resposta social, que este Governo
pretende lançar, o contributo do mundo empresarial.
As empresas poderão desenvolver um importante
contributo na sustentabilidade financeira das instituições
sociais, construindo com elas parcerias, desenvolvendo
projectos comuns ou até dotando e capacitando os
dirigentes das instituições de ferramentas, know-how e
técnicas de gestão que usam para si, enquanto empresas.
No fundo, poderão junto com o Estado ajudar a fortalecer
o sector social e a desenvolver uma sociedade mais
solidária.
Uma sociedade cujo conceito de solidariedade
intergeracional apenas se tem remetido ao sistema
previdencial mas que dele deve ser transposto para o
quotidiano.
O difícil período económico, financeiro e social que hoje
a Europa atravessa tem também em si um problema
transversal a todas as nações que a compõem: o
envelhecimento da população.
Hoje sabemos que este é um dos temas mais sensíveis da
Humanidade, para o qual ainda não temos resposta no
imediato. É um problema que carece de análise e reflexão
contínuas, sobretudo sabendo nós que a resposta mais
evidente, por via da promoção da natalidade, está
condicionada pelo momento de crise que todos
atravessamos e que, por essa razão, também esse índice
tenderá a retrair-se.
A ECONOMIA SOCIAL E O FUTURO DE PORTUGAL | PEDRO MOTA SOARES
32 CADERNOS DE ECONOMIA
Este é um dos aspectos fundamentais: a pessoa humana,
com tudo o que isso tem de dignificante, com tudo o que
isso representa de riqueza natural e de património social,
tem de saber envelhecer.
A importância dos mais idosos, enquanto pilar
fundamental da sociedade e merecedor de justo
reconhecimento por parte das gerações mais novas, só
será possível quando indivíduo e nação, em simultâneo –
de outra forma não é concebível –, consigam mudar a
percepção sobre este tema, valorizando, como em tantos
exemplos que temos no Globo, a importância dos mais
velhos na sociedade.
Este Ano Europeu do Envelhecimento Activo é funda -
mental enquanto contributo para alcançar esta meta.
O envelhecimento activo e a solidariedade inter -
geracional têm de ser considerados elementos-chave da
coesão social, contribuindo para uma maior qualidade de
vida à medida que as pessoas vão envelhecendo. Por
outro lado, no sentido em que se baseiam no
reconhecimento dos direitos humanos, contribuem
igualmente para a consolidação da democracia.
É necessário promover uma cultura de envelhecimento
activo na Europa, convocando valores europeus como a
solidariedade, a não-discriminação, a independência, a
participação, a dignidade, os cuidados e a autorreali -
zação das pessoas idosas, concorrendo para o
desenvolvimento harmonioso das sociedades europeias.
A educação para a velhice tem de começar desde tenra
idade, promovendo o intercâmbio de informações e de
experiências, para que os mais novos bebam da
sabedoria de uma vida e os mais velhos possam ir
acompanhando a constante mutação dos tempos e
encontrando com mais facilidade a actualização que
buscam. No fundo, como já referi, uma solidariedade
intergeracional que se reflicta para além do que está na
base do sistema previdencial. Uma solidariedade
genuína, real, que consiga aperfeiçoar as mentalidades.
Hoje já reconhecemos que uma sociedade com uma
componente solidária intergeracional é mais harmo -
niosa, mais justa. E que por esta via se consegue uma
maior coesão social, tão importante nos dias que correm
para vencer os obstáculos a que nos propomos.
Uma união que é atingida sem corporativismos ou
indicações legislativas, mas sim de forma natural.
Há, portanto, que mudar o presente para ganhar o futuro
e, nesse sentido, Portugal terá que contar com a
participação e articulação de todos para o fazer: o Estado
com as instituições sociais, estas e o Estado com o mundo
empresarial, os jovens com os mais idosos e estes, activos
até mais tarde, com o mundo empresarial e com as
instituições sociais, continuando a construir o País.
Apostar na economia social, numa economia solidária é
apostar no futuro em Portugal! >|<
A ECONOMIA SOCIAL E O FUTURO DE PORTUGAL | PEDRO MOTA SOARES
Envelhecimento e despesaem cuidados de saúde
É bem conhecida a realidade de inversão da pirâmide etária da população portuguesa. Se hoje em dia as
faixas etárias acima dos 20 anos são já mais extensas que as de idades inferiores, prevê-se que em 2050 haja
uma predominância das faixas etárias acima dos 60 anos.
Esta transformação previsível da estrutura etária da população portuguesa, a verificar-se, tem importantes
consequências.
Uma dessas consequências que surge frequentemente referida é o impacto nas despesas com cuidados
de saúde. Por se observar que as despesas com cuidados de saúde têm apresentado sempre uma
tendência crescente, ao mesmo tempo que se assiste ao envelhecimento da população, tem sido
tentador fazer a ligação entre os dois aspectos, assumindo-se sem grande questionamento que parte
substancial do crescimento das despesas com cuidados de saúde se deve ao envelhecimento da
população.
Contudo, esta ligação pode ser abusiva. Em lugar de partir desta associação para uma relação de
causalidade, dever-se-á colocar a questão de qual a relação entre economia, despesas com cuidados de
saúde e envelhecimento.
Há várias formas de procurar resposta a esta questão. Qualquer que seja a forma adoptada, a resposta
será essencialmente a mesma: o envelhecimento da população tem, por si só, tido pouco impacto
sobre as despesas com cuidados de saúde. A existência de um forte efeito das alterações etárias
recentes, com o aumento em termos relativos e absolutos da população idosa, sobre a despesas,
pública e/ou privada, com cuidados de saúde é errada. Essa percepção não tem correspondência na
PEDRO PITA BARROSNOVA SCHOOL OF BUSINESS AND ECONOMICS
JANEIRO | MARÇO 2012 33
34 CADERNOS DE ECONOMIA
realidade conhecida, nacional e internacional. É um
mito, não uma realidade.
Há várias maneiras de estabelecer esta posição.
Primeiro, quando se procura, na análise dos dados
estatísticos, uma relação entre o crescimento da despesa
em saúde e o envelhecimento da população, encontra-se
uma relação muito forte entre o crescimento da economia
(medido pelo PIB per capita) e o crescimento das despesas
com saúde. É um efeito próximo de 1:1 – crescimento de
um ponto percentual na economia (em termos reais)
traduz-se num crescimento, em média, de um ponto
percentual na despesa com cuidados de saúde. Por seu
lado, a alteração na composição demográfica da população
não tem efeito significativo no crescimento da despesa per
capita em cuidados de saúde (e isso é verdade quando se
considera a população acima dos 65 anos, mas quando se
toma a população com 80 anos ou mais). Usando a
informação estatística publicamente disponível, é fácil
estabelecer que não existe uma relação sistemática entre o
crescimento da despesa per capita em termos nominais em
cuidados de saúde e a variação da percentagem da
população com mais de 65 anos. O maior factor de
crescimento da despesa com cuidados de saúde é a
adopção de novas tecnologias, e essa característica pode
ser eventualmente controlável através de mecanismos que
condicionam essa adopção (por exemplo, os mecanismos
de avaliação dos benefícios trazidos para a sociedade).
Uma segunda forma de analisar a contribuição do
envelhecimento é considerar uma análise de decom -
posição. A questão de interesse é ligeiramente modifica -
da: em que medida o aumento da população com mais
de 65 anos explica o aumento das despesas com
cuidados de saúde, em termos per capita, se tudo o resto
se mantiver constante?
Suponhamos que uma pessoa com mais de 65 anos
gasta quatro vezes mais do que é despendido com
uma pessoa abaixo dos 65 anos. Uma despesa per
capita de 361 euros (a preços de 2000) implica 270
euros de despesa per capita para uma pessoa com
menos de 65 anos, e uma despesa de 1.078 euros para
uma pessoa com 65 anos ou mais. Pode-se aplicar
estes valores per capita à nova estrutura demográfica
de 2005, e ver qual o valor da despesa média per
capita, se nada mais se tivesse alterado para além da
estrutura etária (em particular, não houve aumento de
procura de cuidados de saúde por efeito rendimento,
não houve inovação tecnológica e não houve inflação
no cálculo deste valor simulado). A despesa per capita
aumentaria por este efeito de 1.058 euros em 2000
para 1.077 euros em 2005. O verdadeiro valor foi 1.231
euros. Na realidade, verificou-se um crescimento no
valor da despesa per capita de 16,3% enquanto a
alteração da estrutura demográfica é responsável por
uns mero 1,82% de aumento da despesa,
correspondente a 0,36% em média anual. A mesma
diferença encontra-se se for considerado o período
1980-2005 ou o período 1990-2005.
Tem-se que procurar a explicação para o rápido aumento
das despesas com cuidados de saúde noutros aspectos –
O envelhecimento
da população obriga
a que a introdução
da inovação seja
criteriosamente feita.
JANEIRO | MARÇO 2012 35
novas tecnologias, aumento de preços, alargamento
efectivo da cobertura de população. Não é o
envelhecimento por si.
Porque surge então o mito tantas vezes repetido de
associar as despesas com cuidados de saúde ao
envelhecimento da população?
É possível encontrar várias explicações. Em geral, nestas
discussões ignora-se o papel do perfil temporal das
despesas com cuidados de saúde. O grande volume de
despesas em cuidados de saúde na idade adulta é na
proximidade da morte.
Envelhecimento da população significa transferir esta
despesa da população para um momento mais tardio
da sua vida. Se as estatísticas consideram apenas a
despesa a partir de uma determinada idade, então este
efeito de transferência, embora não aumentando de
forma significativa a despesa total em saúde,
corresponde a uma maior despesa na população acima
desse limite idade (com redução da despesa na faixa
abaixo).
A segunda razão está na existência de uma confusão
entre alterações da estrutura demográfica e inovação
tecnológica. Não se deve esquecer que parte crescente
da inovação tecnológica, nomeadamente a referente a
medicamentos, tem elevados custos e destina-se a ser
usada pela população mais idosa. Se há inovação
direccionada para a população idosa, então os custos daí
derivados não resultam da alteração da estrutura
demográfica e sim das novas tecnologias, que têm
mecanismos que podem ser usados para contrariar o
ritmo de crescimento das despesas, como a avaliação
económica.
Como terceiro factor, cumpre indicar que a demografia
tem evolução lenta. É uma evolução mais lenta do que é
compatível com a evolução observada da despesa com
cuidados em saúde.
E, por fim, nalgumas circunstâncias há a importação de
preocupações de outros sistemas, que mantém uma
confusão entre despesas com saúde e despesas com
segurança social. Basta, por exemplo, estarem juntas no
mesmo ministério as despesas com cuidados de saúde e
as despesas com pagamento de pensões para não ser
claro qual a contribuição de cada uma dessas categorias
para o crescimento da despesa pública. E se o aumento
da idade da população em média é nefasto, de forma
quase imediata e muito poderosa nos pagamentos de
pensões, já o mesmo não sucede relativamente às
despesas com cuidados de saúde. Embora seja
conhecido que o envelhecimento cria forte pressões
sobre as pensões a pagar, há que reconhecer que não é o
principal factor de crescimento da despesa em cuidados
de saúde.
O envelhecimento provoca, sim, em termos de sector da
saúde, uma alteração do tipo de resposta que o sistema
de saúde, e o Serviço Nacional de Saúde em particular, dá
às necessidades de saúde da população.
O envelhecimento da população obriga a uma maior
atenção aos cuidados domiciliários, na comunidade, que
atendam a situações de doença crónica, por exemplo.
Obriga também a que a introdução da inovação seja
criteriosamente feita. Mais do que despesa, o
envelhecimento da população irá obrigar a uma
modificação do perfil de cuidados de saúde que é
disponibilizado à população. >|<
ENVELHECIMENTO E DESPESA EM CUIDADOS DE SAÚDE | PEDRO PITA BARROS
A emergênciade um nichode mercado
Em Portugal, a população com 65 ou mais anos é actualmente de 2,023 milhões de pessoas, representando
cerca de 19% da população total. Em 2050, estima-se que seja 32%, evidenciando que o nosso país será um
dos mais envelhecidos à escala mundial.
O aumento proporcional das pessoas idosas tem vindo a constituir-se como um problema social, uma vez
que se desenvolve num contexto desfavorável em que opera um conjunto de outros factores, como a
diminuição da taxa de natalidade, a crescente instabilidade das dinâmicas familiares, a disponibilidade
cada vez menor da família para prestar apoio às pessoas idosas (sobretudo às mais dependentes), a crise
dos sistemas de protecção social, a despersonalização das relações sociais, etc. Estes factores tendem a
agravar as condições de vida das pessoas idosas, que ficam potencialmente numa posição social
desfavorável.
Encarar o envelhecimento populacional como um problema que acarreta múltiplos constrangimentos
e com uma representação negativa impede-nos de, enquanto sociedade, olharmos para este
fenómeno como uma conquista civilizacional e para as pessoas mais velhas como uma mais-valia,
como um potencial de conhecimento e experiência. Mas, sobretudo, impede-nos de o concebermos
como um grupo social extraordinariamente heterogéneo, com biografias, expectativas, necessidades
e interesses diferentes. Pese embora o facto de o envelhecimento poder estar associado a perdas, ele
é também nitidamente um processo de ganhos, de desenvolvimento, de aprendizagens e de
possibilidades.
É certo, contudo, que a realidade do envelhecimento com dependência não pode ser escamoteada. Viver
mais tempo pode, efectivamente, potenciar uma maior ocorrência de situações de saúde incapacitantes ou
CARLA RIBEIRINHODOCENTE SERVIÇO SOCIAL/GERONTOLOGIA SOCIAL | UNIVERSIDADE LUSÓFONA DE HUMANIDADES E TECNOLOGIAS
36 CADERNOS DE ECONOMIA
OS IDOSOS E A PRESTAÇÃO DE CUIDADOS
JANEIRO | MARÇO 2012 37
morbilidade múltipla e, consequentemente, um au -
mento potencial dos recursos a investir nas áreas da
saúde e social.
A dependência apela a políticas transversais, nomeada -
mente a uma política de apoio às pessoas idosas, de
apoio à família, à habitação e à saúde, postulando a
necessidade de definir uma política de velhice global,
assente na garantia dos direitos sociais. Tal desígnio
deverá consubstanciar-se na implementação de
medidas, enquadradas num quadro de referência
radicado nos direitos sociais, que orientem a intervenção
tendo em conta a avaliação das necessidades prioritárias
definidas.
Mas o crescente número de pessoas idosas não pode ser
visto apenas como uma pressão nos sistemas de
segurança social, ou como mais um utente/cliente na
saúde ou nos equipamentos e serviços sociais. Pode ser
visto, também, como oportunidade de proliferação de
áreas de negócio inovadoras, desmistificando a ideia da
pessoa idosa como “peso” ou “custo” para os sistemas,
mas como cliente de serviços e que, enquanto tal, gera
dinamismo na economia e gera, directa e indirecta -
mente, riqueza.
Nos últimos anos, tem-se verificado um exponencial
aumento de ofertas na área dos cuidados às pessoas
idosas, quer por entidades públicas, do terceiro
sector/sector social, quer por parte do mercado
(designadamente a criação de serviços de apoio
domiciliários diferenciados, de estruturas residenciais,
etc.).
Segundo dados da Carta Social (2010), existem 6.328
respostas que acompanham 224.303 pessoas idosas, ou
seja, cerca de 11% da população idosa portuguesa (SAD,
CD, lares). Sendo certo que dos restantes, cerca de 89%,
apenas uma parte precisará de cuidados de saúde e
sociais específicos, apresenta-se mesmo assim um
número muito considerável de pessoas com
necessidades a serem cobertas/satisfeitas numa
perspectiva abrangente.
Por outro lado, sabemos que muitos dos apoios
existentes para as pessoas idosas são não só insuficientes
do ponto de vista do número, mas também da qualidade
dos seus serviços. Exemplos de serviços apenas
centrados nas necessidades de sobrevivência das
pessoas idosas, com pessoal que presta cuidados sem
qualquer tipo de formação, sistemas institucionais
anquilosados, falta de investimento em reabilitação, no
estímulo às capacidades que as pessoas conservam, pese
embora a sua doença ou situação de dependência, etc.,
são demasiado frequentes, para uma sociedade que se
quer afirmar como justa e solidária. E eles não acontecem
apenas nos designados lares clandestinos/em situação
de ilegalidade.
Sem menosprezar, e salvaguardando as muitas e boas
práticas e as experiências de trabalho neste campo (quer
no sector público, quer no sector privado), há ainda um
longo caminho a percorrer na manutenção e salvaguarda
do direito ao envelhecimento com qualidade de vida.
OS IDOSOS E A PRESTAÇÃO DE CUIDADOS:A EMERGÊNCIA DE UM NICHO DE MERCADO | CARLA RIBEIRINHO
38 CADERNOS DE ECONOMIA
Os números expressivos, relativos à população idosa,
indicam que investir num negócio direccionado para este
público grisalho é uma aposta de e com futuro. No geral,
este é um nicho de mercado bastante atractivo, pois as
pessoas idosas são e serão cada vez em maior número,
mas também cada vez mais informadas e mais exigentes,
dando mais importância ao bem-estar e ao lazer, à
actividade física e ao autocuidado, com mais poder
aquisitivo e capacidade de escolha, e que, como tal, não
se identificarão (ou já não se identificam) com os actuais
modelos de respostas e serviços existentes.
E, quando falamos em oportunidades para o mercado,
não nos referimos apenas ao sector da prestação de
cuidados nas respostas consideradas mais tradicionais
(SAD, CD, lares, etc.), mas também em outras áreas,
nomeadamente: turismo, informática, desporto e bem-
estar, estética, vestuário, calçado, alimentação e
educação, para além das evidentes e mais concretas
necessidades na área da saúde e da reabilitação. Muitas
destas áreas estão pouco exploradas para este sector
populacional, o que faz delas uma boa oportunidade de
empreendedorismo, sobretudo em tempos de crise
económica e social.
A reflexão gerontológica actual enfatiza a importância da
organização de serviços que contribuam para a
prossecução de uma política orientada para a valorização
do quadro de vida das pessoas idosas, nomeadamente
através da construção de ambientes securizantes e de
qualidade, adequados às suas necessidades, interesses,
gostos e expectativas, garantindo os seus direitos sociais
e de cidadania.
Neste sentido, defendemos a consolidação e o aumento
das respostas de cuidados no domicílio, o que não
significa deixar de lado a importância da criação de outro
tipo de respostas para a população idosa, sobretudo as
que apresentam elevados índices de dependência, ou
para situações complexas de demência (por exemplo,
doença de Alzheimer). Essas respostas podem passar por
estruturas residenciais, desde que repensados os seus
modelos de intervenção, ou por estruturas integradas
que possibilitem a intervenção social, de saúde, de
ocupação e lazer, entre outras, no seio das comunidades
locais.
O desenvolvimento de equipamentos e serviços da
comunidade, em termos de número e adequação das
respostas, qualidade das mesmas e equidade na sua
distribuição territorial, é fundamental. Mas tão ou mais
importante é que, quer nas respostas já existentes, quer
nas que se venham a implementar, se privilegie a
qualidade técnica e humana de todo o pessoal afecto
à intervenção, nomeadamente através da promoção da
formação e certificação das auxiliares de acção directa;
da exigência de formação inicial e contínua de todo o
pessoal; e de supervisão profissional sistemática com
equipas interdisciplinares.
Incontornável é, igualmente, o reforço das parcerias e da
capacidade de criar relações sinérgicas em função das
necessidades das comunidades onde estão inseridas,
sobretudo em tempos em que essas necessidades vão
sendo cada vez maiores e os recursos cada vez mais
escassos.
Mas porque aqui falamos de nichos de mercado associados
à área da prestação de cuidados a pessoas idosas, não
podemos deixar de referenciar a área da formação
especializada em gerontologia e geriatria enquanto campo
de oportunidade de negócio em vários níveis de formação
distintos: formação para pessoal auxiliar, técnicos e
dirigentes; formação de nível superior; consultoria técnica;
supervisão; formação à medida; etc. Efectivamente, as
múltiplas ofertas formativas que têm surgido nos últimos
anos nesta área são já expressão relevante das
necessidades exigidas aos diversos profissionais, face às
transformações demográficas em curso.
Para concluir, seja qual for a área de negócio a intervir, a
pessoa idosa deve ser valorizada como sujeito activo na
construção do seu quotidiano e do seu projecto de vida
e, como tal, as suas necessidades e preocupações devem
ser valorizadas e a sua opinião ouvida e tomada em
consideração. Também os seus hábitos e costumes, as
suas crenças e formas de estar devem ser respeitados,
bem como os seus valores socioculturais.
Reconhecer o direito a um envelhecimento com
dignidade é uma questão de respeito pelos direitos mais
fundamentais do ser humano, e tal passa pela criação e
dinamização de respostas sociais e de saúde
diversificadas, reforçando e revitalizando a acção de
diversos agentes económicos que possam satisfazer a
imensa heterogeneidade da população idosa – Estado,
mercado e sociedade civil. Ninguém se pode excluir deste
desafio inexorável das sociedades modernas. >|<
BIBLIOGRAFIA
CAPUCHA, Luís (2012). "Envelhecimento e políticas sociais" in Moura,
Cláudia (org.), Processos e Estratégias do Envelhecimento. Porto, EUedito, pp.
75-84.
QUARESMA, Maria de Lourdes, et al. (2004). O Sentido das Idades da Vida –
Interrogar a Solidão e a Dependência. Lisboa, ISSS-CESDET.
RIBEIRINHO, Carla (2012). "(Re)criar a Intervenção gerontológica" in Moura,
Cláudia (org.), Processos e Estratégias do Envelhecimento. Porto, EUedito, pp.
51-63.
Página Oficial do Instituto Nacional de Estatística, disponível em
http://www.ine.pt, consultada em 15/02/2012, Destaque: Mais de um
milhão e duzentos mil idosos vivem sós ou em companhia de outros idosos.
OS IDOSOS E A PRESTAÇÃO DE CUIDADOS:A EMERGÊNCIA DE UM NICHO DE MERCADO | CARLA RIBEIRINHO
Emprego sénior e envelhecimentoactivo
Como é reconhecido a União Europeia (UE) enfrenta uma intensa transformação demográfica que se traduz
num progressivo envelhecimento da população (relacionado quer com a diminuição da taxa de natalidade
quer com o aumento da esperança média de vida), razão pela qual se designou 2012 o “Ano Europeu para
o Envelhecimento Activo e Solidariedade entre Gerações”.
De facto, a proporção de população na UE27 com idade igual ou superior a 55 anos aumentou de 25% em
1990 para 30% em 2010 e estima-se que atinja cerca de 40% em 2060 (Eurostat, 2012)(1). Em 2010, a
percentagem de trabalhadores seniores (com 55 e mais anos) oscilou entre 21% na Irlanda e 33% na
Alemanha e Itália, tendo, em geral, no total da população, aumentado entre 1990 e 2010 em todos os
Estados membros. De referir que as mais altas percentagens de trabalhadores com 55 a 64 anos se observam
na Finlândia (14,7% da população), na República Checa e em Malta (ambos com 14,1%) e as mais baixas na
Irlanda (com 10,1%), na Lituânia (10,7%) e no Luxemburgo (com 10,8%); para o grupo dos trabalhadores com
65 anos e mais, as mais altas percentagens verificam-se na Alemanha (com 20,7%), em Itália (com 20,2%) e
na Grécia (com 18,9%) e as mais baixas na Irlanda (11,3%), na Eslováquia (12,3%) e em Chipre (com 13,1%).
Também o emprego da população sénior aumentou significativamente na última década. Enquanto a taxa
de emprego para quem tem idade entre os 20 e os 64 anos aumentou 2,1% na UE27 (de 66,5% em 2000
para 68,6% em 2010), as taxas para os grupos de trabalhadores seniores são mais amplas e variam 10,6
pontos percentuais (p.p.) para quem tem idade entre os 55 e os 59 anos (de 50,3% a 60,9%) e 7,5 p.p. para
quem tem idade entre 60 e 64 anos (de 23% a 30,5%).
De realçar ainda que, em 2010, as mais altas taxas de emprego registadas para os indivíduos entre os 55 e
os 59 anos foram observadas na Suécia (80,7%), na Dinamarca (75,9%) e na Finlândia (72,5%) e as mais
GLÓRIA REBELODOUTORA PELO ISEG/UTL. PROFESSORA ASSOCIADA NA ULHT.
40 CADERNOS DE ECONOMIA
JANEIRO | MARÇO 2012 41
baixas na Polónia (45%), na Eslovénia (46,9%) e em Malta
(49,3%). Para quem tem idade entre 60-64 anos, as mais
altas taxas de emprego observaram-se na Suécia (61,0%),
no Reino Unido (44,0%) e na Estónia (42,8%) e as mais
baixas na Hungria (13,0%), em Malta (14,2%) e na
Eslováquia (17,2%). Para quem tem idade igual ou
superior a 65 anos, as taxas de emprego mais altas
registam-se em Portugal (16,5%), Roménia (13,0%) e
Chipre (12,9%) e as mais baixas em França e na
Eslováquia (ambas com 1,6%) e Hungria (1,9%).
Já segundo o estudo Confronting Demographic Change: a
New Solidarity between the Generations, apresentado em
2005 pela Comissão Europeia, a taxa de natalidade média
nos países da UE estava abaixo do valor mínimo para a
renovação da população, estimando-se uma diminuição
acentuada da população activa, com idade entre os 15 e
os 64 anos(2) (European Commission, 2005). Além do mais,
e ainda segundo esse estudo da Comissão Europeia,
mesmo considerando os fluxos migratórios, na Europa a
população em idade laboral deverá reduzir até 2030,
sendo expectável que, a partir de 2050, países como
Portugal registem as percentagens mais elevadas da UE
de pessoas com mais de 65 anos e as mais baixas de
trabalhadores com idades compreendidas entre os 15 e
os 64 anos.
ENVELHECIMENTO ACTIVO: QUECONDIÇÕES DE TRABALHO PARA OSTRABALHADORES SENIORES?Perante este preocupante cenário torna-se premente,
como temos vindo a defender(3), definir e implementar
políticas públicas que tenham em consideração estas
mutações demográficas, em especial o envelhecimento e
o recuo da população activa.
Por exemplo, segundo dados divulgados pelo Report on
the Evolution of the Family in Europe 2009, do Institute for
Family Policies, Portugal encontrava-se entre os
primeiros cinco países da UE27 a apresentar a taxa mais
elevada de população sénior. De facto, a par da Itália,
Alemanha, Grécia e Suécia, Portugal é um dos países da
UE27 com mais população sénior: um em cada cinco
habitantes tem mais de 65 anos de idade. Na UE27, e
muito embora a população tenha atingido os
500.482.231 habitantes, considerando um incremento de
3,2 milhões de pessoas entre 2008 e 2009 – sendo a
França, a Espanha, o Reino Unido, a Alemanha e a Itália os
países que mais contribuíram para este incremento – a
verdade é que, segundo este estudo, a pirâmide
demográfica deverá inverter-se até 2050, estimando-se
que a população europeia possa perder, até essa data,
27,3 milhões de pessoas (quadro 1).
A este propósito, muito se tem realçado a temática do
envelhecimento activo: trata-se de uma realidade social
Quadro 1
ESTIMATIVA DA EVOLUÇÃO DA POPULAÇÃO
EUROPEIA
(em milhões de pessoas)
2009 2050 Diferença
500,5 472 -27,3Fonte: Institute for Family Policies, 2009.
EMPREGO SÉNIOR E ENVELHECIMENTO ACTIVO | GLÓRIA REBELO
42 CADERNOS DE ECONOMIA
para a qual urge encontrar respostas eficazes e é preciso
que a sociedade, em geral, seja sensibilizada para este
problema e desafio(4).
E promover o envelhecimento activo significa fomentar a
possibilidade das pessoas mais idosas manterem a
oportunidade de ficar no mercado de trabalho e partilhar
a sua experiência com os mais novos, continuando o seu
papel activo na sociedade e vivendo a sua vida o mais
saudável e preenchida possível.
Nas últimas duas décadas do século XX, na generalidade
dos países europeus, foram incentivadas políticas de
redução da procura de emprego que se relacionam quer
com o retardar do acesso ao trabalho e consequente
entrada na vida activa – através do alongamento da
escolaridade obrigatória e da elevação da idade mínima
legal de acesso ao trabalho – quer com a antecipação da
idade de reforma. Mas, na verdade, se a antecipação da
idade de reforma permitiu controlar o desemprego
jovem, os fluxos de saída na “meia-idade” aumentaram
significativamente, elevando o número de beneficiários
de reformas ou de subsídios de desemprego e
comprometendo financeiramente os sistemas públicos
de segurança social.
De facto, o paradoxo surge quando a cessação da
actividade se torna precoce ao mesmo tempo que a
esperança de vida aumenta (Rebelo, 2001).
Desde a década passada que – confrontados com o
envelhecimento da sua população e gerindo com
dificuldade crescente o financiamento das prestações
sociais, em especial das cada vez mais numerosas
pensões de velhice – alguns países da UE procederam à
reforma dos seus sistemas públicos de protecção
social.
Do Reino Unido(5), passando pela Alemanha – país que,
em 2004, tinha 18,6% da população total com 65 ou mais
anos e onde somente 39% das pessoas com idades entre
A adopção de políticas
públicas para responder
aos problemas do
envelhecimento exige,
paralelamente, a
sensibilização dos
empregadores para o
exercício da actividade
laboral em boas e
atractivas condições de
trabalho. Em contexto
de globalização,
exige-se um recurso
à qualificação
e a recursos humanos.
JANEIRO | MARÇO 2012 43
os 55 e os 64 anos ainda trabalhava, sobrecarregando o
sistema público – e terminando na vizinha Espanha, onde
se prevê que, até 2040, o número de reformados
aumente 66%, as medidas de reforma dos sistemas de
segurança social sucederam-se.
Mas a par das questões demográficas, também as
questões da precariedade laboral e da segmentação do
mercado de trabalho sugerem uma especial atenção a
uma exigente melhoria das condições de trabalho em
geral e maiores níveis de empregabilidade, em
particular no sentido de evitar o desemprego, em
especial o de longa duração, junto dos trabalhadores
seniores.
A vivência da actual crise financeira internacional e de
um ambiente económico especulativo novo, sujeito ao
desconcerto que presentemente afecta os mercados
financeiros, vem deixando significativas sequelas
sociais. Na maioria dos países europeus – ante as
perspectivas de um novo abrandamento do cres -
cimento económico induzido por políticas orçamentais
restritivas –, estima-se uma deterioração da conjuntura
geral de emprego, em especial nos níveis do emprego
por tempo inde terminado (isto é, dos contratos sem
termo), sobretudo em virtude de um aumento dos
despedimentos por motivos de mercado ou estruturais.
Ora, as situações de precariedade tendem a impelir uma
parte significativa da população a percursos de vida
instáveis, marcados pela intermitência de actividade
laboral e por períodos de desemprego, cerceando-os de
rendimento (e, por conseguinte, da possibilidade de
poderem contribuir para o sistema de segurança social)
ou tornando-os meros beneficiários das prestações
sociais, onerando o sistema de segurança social. E se os
designados “trabalhadores seniores” registam
paradoxalmente, porque em contexto de envelheci -
mento da população, uma tendência para o abandono
precoce da vida activa, o impacto será certamente
negativo, não só para a sociedade mas para o sistema
público de segurança social.
Em Portugal, a Lei n.º 4/2007, de 16 de Janeiro, que
aprovou as bases gerais do sistema de Segurança Social,
e o Decreto-Lei n.º 187/2007, de 10 de Maio, diploma que
reconheceu a influência crescente de novos factores de
raiz demográfica, em particular colocados pelo
envelhecimento demográfico e pela evolução das taxas
de actividade da população, adoptaram algumas
medidas para enfrentar estes desafios, designadamente a
alteração das regras de cálculo das pensões por velhice,
onde se prevê para a determinação do montante das
pensões a aplicação de um factor de sustentabilidade
relacionado com a evolução da esperança média de vida,
foram algumas das medidas adoptadas no âmbito da
legislação para adaptar as políticas de emprego aos
trabalhadores seniores.
Se muitos dos trabalhadores nas faixas etárias dos 55 ou
mais anos pretendem continuar a trabalhar, será
importante contrariar uma “cultura de saída precoce” do
mercado de trabalho. Estes, além de possuírem uma
enorme experiência adquirida ao longo de anos de
actividade, podem adquirir muitos outros conhe -
cimentos além desses e, se as empresas se
predispuserem a facultar-lhes acções de formações e/ou
de reconversão profissional (especificamente adaptadas
à situação destes seniores e ao seu perfil de
competências), certamente que estarão em condições de
se manter ou regressar ao mercado de trabalho para
realizar qualquer tipo de actividade.
E considerando que a economia portuguesa será tanto
mais competitiva quanto mais recursos humanos
qualificados tiver, será premente, não só junto dos
trabalhadores jovens mas identicamente junto da
população activa sénior, reter os mais qualificados e
talentosos, isto é, os trabalhadores que permitirão fazer
emergir a inovação nas empresas. Para isso, é cada vez
mais necessário o acesso à formação assente no
desenvolvimento de novos sistemas produtivos, de
novas tecnologias e de novas formas de organização de
trabalho, ultrapassando assim certos estereótipos sobre
EMPREGO SÉNIOR E ENVELHECIMENTO ACTIVO | GLÓRIA REBELO
44 CADERNOS DE ECONOMIA
os trabalhadores mais idosos (que estarão “des -
motivados”, “pouco eficientes” ou “ultrapassados pela
evolução tecnológica”)(6).
Por isso, em situações de reestruturação organizacional é
fundamental que o critério “detenção de competências”
seja considerado como critério central e não o mero factor
“idade”. A atitude de indiferença face ao papel potencial
das competências dos trabalhadores seniores na criação
de riqueza revela-se retrógrada e redutora, pois as
empresas não necessitam de pessoas mais novas, mas sim
de colaboradores mais competentes (Rebelo, 2005).
Paralelamente, não deixará de ser importante reflectir
sobre as condições de trabalho e a satisfação global que
os trabalhadores seniores sentem no trabalho.
Por exemplo, segundo um estudo sobre a saúde, o
envelhecimento e as reformas na Europa – coordenado
pelo Instituto de Investigação em Economia do
Envelhecimento da Universidade de Mannheim, na
Alemanha, realizado entre 2002 e 2004 –, a proporção de
pessoas que expressam o desejo de se reformarem a
partir dos 50 anos está a crescer, do Norte ao Sul da
Europa (Blanchet, et al., 2005). Dos cerca de 22 mil
inquiridos, trabalhadores por conta de outrem com 50 ou
mais anos, são os mediterrânicos (embora Portugal não
tenha sido incluído neste estudo) os que mais desejam a
reforma antecipada: 67% dos espanhóis, 60% dos
italianos, 57% dos franceses e dos gregos contra, por
exemplo, apenas 33% dos suíços ou 31% dos holandeses.
E a explicação para esta visão diferenciada por país
poderá ser ainda mais complexa mas, na realidade, o
estudo faz presumir que esteja relacionada com as
diferentes condições de trabalho em cada país, pois o
estudo contempla um conjunto de questões relacionadas
com o trabalho e o principal motivo expresso pelos
inquiridos para “desejar” uma reforma antecipada é a
insatisfação global que estes sentem no trabalho.
Assim, a adopção de um conjunto de políticas públicas
que permitam responder aos problemas de
envelhecimento da população exige, paralelamente, que
se sensibilize os empregadores para o exercício da
actividade laboral em boas e atractivas condições de
trabalho. Em contexto de globalização, enveredar por
modelos de gestão de recursos humanos assentes na
procura de produtividade exige um concomitante
recurso à qualificação e a recursos humanos junto dos
quais se promova a detenção do saber, a capacidade de
inovar e de criar bens materiais e imateriais. Em suma, a
recursos humanos bem remunerados e estáveis,
motivados a permanecer activos. >|<
NOTAS
(1) Eurostat (2012), "Active ageing and solidarity between generations –
a statistical portrait of the European Union 2012", European
Commission, Luxembourg. Edição preparada entre a Comissão
Europeia e o Eurofound, the European Foundation for the
Improvement of Living and Working Conditions e que apresenta
dados sobre demografia, emprego, transição do trabalho para a
reforma, cuidados de saúde, condições de vida e participação na
sociedade.
(2) Podendo o envelhecimento, além do mais, “provocar uma redução
do crescimento do PIB europeu em 2040” (European Commission,
2005).
(3) Cfr. Rebelo, 2001: 69-78 e, ainda, Rebelo, 2005: 81-92.
(4) Sobre este temática, cfr. Rebelo, G. (2001): 69-78 e Rebelo, G. (2002):
82-86. Interessante é também, concomitantemente, a reflexão que
suscita esta temática no plano jurídico. Considerado o tecido
normativo complexo que entrecruza as regras europeias e nacionais,
as regras legais e as regras convencionais, no seu conjunto sobre
interdição das discriminações fundadas na idade, cfr. Langlois, PH
(2006): 155-157.
(5) Por exemplo, no Reino Unido, recorde-se o denominado “relatório
Turner”, solicitado em 2004 por Tony Blair com vista à revisão da
JANEIRO | MARÇO 2012 45
segurança social inglesa, que propôs – como solução para o
reequilíbrio financeiro do sistema público de segurança social
britânico – alongar a duração do trabalho.
(6) Por exemplo, a Holanda e a Finlândia foram dois países paradigmas
nesta inversão de mentalidades. Desde o início deste século que a
contratação de trabalhadores seniores foi reconfigurada na política
de recrutamento das empresas e que um número crescente de
trabalhadores seniores se mostram cada vez mais disponíveis para
se manterem no activo, quer a tempo completo quer a tempo
parcial (Rebelo, 2001). Por exemplo, em março de 2011 – para
limitar a discriminação dos seniores no mundo profissional – o
governo francês consagrou às empresas que contratam
desempregados com idade superior a 45 anos 2.000 euros por
contrato. Também na Finlândia a política de manutenção dos
seniores no emprego foi adoptada como uma verdadeira “causa
nacional”, a par de uma campanha nacional sobre formação
profissional contínua e sobre melhoria das condições de trabalho
para os trabalhadores seniores.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
Blanchet, D., et al. (2005). Share Survey 2004 – Survey of Health, Ageing and
Retirement in Europe, Final report n° 1615. Universidade de Mannheim,
Mannheim.
Commission for Economic and Social Policy (2009). Dealing with the impact
of an ageing population in the EU (2009 ageing report). Rob Bats, Brussels.
European Commission (2005). Confronting demographic change: a new
solidarity between the generations. European Commission Green Paper,
Brussels.
Eurostat (2005). Population and social conditions. European Communities,
Luxembourg.
Eurostat (2008). “Labour Market Latest Trends 2007”, in Eurostat – Data in
focus 14/2008. European Communities, Luxembourg.
Eurostat (2012). “Active ageing and solidarity between generations – a
statistical portrait of the European Union 2012”. European Commission,
Luxembourg.
Institute for Family Policies (2009). Report on the Evolution of the Family in
Europe 2009. Institute for Family Policies, Oslo.
Langlois, PH. (2006). “Que faire de l’interdiction de la discrimination selon
l’âge?” in Droit Social n.º 2: 155-157.
Rebelo, G. (2001). “As qualificações dos mais idosos no mercado de
trabalho” in Sociedade e Trabalho n.º 14/15: 69-78.
Rebelo, G. (2002). “Segurança Social: o difícil equilíbrio financeiro” in
Economia Pura n.º 53: 82-86.
Rebelo, G. (2005). “Emprego e Segurança Social: actualidade e tendências”
in Sociedade e Trabalho n.º 26: 81-92.
Rebelo, G. (2009). “Mercado de Trabalho: o envelhecimento activo” in
Conjunturas & Tendências – Uma visão sobre Portugal, a Europa e o Mundo.
Edições Sílabo, Lisboa:149-152.
Rebelo, G. (2010). “Políticas de Envelhecimento Activo em Portugal” in
Trabalho e Emprego – Actualidade e Prospectiva. Edições Sílabo, Lisboa:147-
157.
EMPREGO SÉNIOR E ENVELHECIMENTO ACTIVO | GLÓRIA REBELO
As pessoas idosasenquanto consumidorasde cultura e lazer
“Na velhice deixar de se fazer o que já não se pode fazer não é problema,
problema é deixar de fazer o que ainda se pode fazer.”
(Cícero, filósofo e estadista romano que viveu entre 106 a.C. e 43 a.C.)
É de conhecimento público que nos países ocidentais, e em Portugal em particular, a população está a
envelhecer, por um dado, pelo aumento da esperança média de vida, e, por outro, pela baixa taxa de
natalidade. Este número crescente de pessoas mais velhas vai condicionar, se já não condiciona, os cenários
económicos, políticos, sociais, e culturais nesses países.
De uma forma geral, o envelhecimento demográfico causa uma grande pressão a nível financeiro nos
estados devido ao aumento das despesas sociais e de saúde e com os encargos com as reformas e pensões.
A nível político, um número crescente de idosos, significa que a maioria dos eleitores serão seniores e,
como tal, terá que haver uma especial atenção político-partidária com os assuntos que dizem respeito a
este grupo. A nível social, a transformação será sentida em todos os aspectos da comunidade, dando como
exemplo a adaptação dos edifícios de antigas escolas primárias para universidades seniores ou a viragem
que os departamentos de marketing das empresas estão a fazer do mercado jovem para o mercado sénior.
Do ponto vista do lazer e da cultura, já se notam alterações significativas quer do consumidor, quer do
produtor destes serviços. São cada vez mais as entidades públicas e privadas que ajustam os seus
produtos/serviços a este público alvo, com programas específicos, preços especiais e adaptações aos
espaços para os tornarem acessíveis a todos, especialmente aos mais velhos.
LUÍS JACOBPROFESSOR DO ENSINO SUPERIOR | CONSULTOR EM ECONOMIA SOCIAL
46 CADERNOS DE ECONOMIA
JANEIRO | MARÇO 2012 47
Olhando para o consumidor mais velho, notamos várias
diferenças entre a situação actual (2012) e há vinte anos
(1990). Para além de um número maior de idosos, estes
têm um maior poder económico, são mais cultos, mais
saudáveis e mais interessados. Os seniores assumem
gradualmente o papel não só de consumidores, mas
também de produtores de cultura e saber.
Estas mudanças devem-se à evolução positiva das
condições de vida em geral, em Portugal, ocorridas nos
últimos anos.
Para ilustrar estes factos apresentamos o quadro 1.
Para além destes dados, podemos indicar outros
exemplos de como o comportamento dos idosos está a
mudar:
• A prática desportiva nos mais velhos é cada vez
maior, ao que não é alheia a criação por partes das
autarquias de programas de desporto sénior, como
se pode constatar na realização cada vez mais
frequente de torneios desportivos para seniores ou
veteranos.
• Segundo o barómetro sénior, 63% dos idosos
preocupam-se com a sua imagem e utilizam
regularmente produtos de beleza. Em 1990, este
valor era muito mais baixo.
• A utilização da Internet é cada vez mais frequente.
Ainda segundo o barómetro sénior, 32% dos seniores
tem acesso regular à Internet. Em 2001, esse valor era
inferior a 5%. A utilização da Internet vem abrir um
novo mundo aos mais velhos, sendo cada vez mais
frequente a criação de blogues e sites por parte dos
utilizadores seniores.
• Na ocupação dos tempos livres, a televisão, a rádio e a
“ida ao café” são claramente as principais actividades
de lazer dos mais velhos. Mas também aqui se notam
diferenças com o número cada vez mais alto de idosos
a lerem livros, a irem a espectáculos culturais, a
viajarem dentro e fora de Portugal, a estudarem ou a
produzirem cultura, como é o caso do grupo
profissional de dança “Companhia Maior”.
Por fim, é de salientar que a fidelidade às suas marcas de
sempre é uma das principais características do target
sénior, assim como os horários e as datas que os seniores
podem aproveitar serem diferentes dos da maioria da
população, pela razão de já não terem uma profissão a
tempo inteiro que lhes ocupe o dia.
Estivemos a escrever sobre a mudança do com -
portamento dos seniores e iremos abordar agora a
mudança de atitude por parte dos fornecedores de bens
culturais e de lazer a fim de captarem para si este público
alvo cada vez mais importante.
As entidades públicas e privadas sabem actualmente que
o segmento sénior é muito importante como cliente de
serviços e produtos, essencialmente em duas grandes
áreas: o turismo (residencial e não residencial) e o sector
dos serviços pessoais e de saúde (especialmente lares de
idosos, apoio domiciliário e clínicas).
AS PESSOAS IDOSAS ENQUANTO CONSUMIDORAS DE CULTURA E LAZER | LUÍS JACOB
Quadro 1
1990 2010
Número de maiores de 65 anos 1.342.744 2.022.504
Percentagem da população 13,6 19,1
Índice de envelhecimento 128,6 68,1
Índice de longevidade 39,3 43,5
Esperança média de vida 74,1 anos 79,6 anos
Idosos, sem grau de ensino 74% 33%
Idosos, com licenciatura 0,02% 0,04%
Média, pensões de velhice e invalidez 84,8 euros 246,4 euros
Média, pensões de sobrevivência 50,9 euros 147,8 euros
Lê livros regularmente* 13% 22%
Usa telemóvel* 0% 92%
Faz férias uma vez por ano* 11% 31%
A frequentar uma universidade sénior** 1.200 32.000Fontes: INE, PRODATA, QSP* e RUTIS**
48 CADERNOS DE ECONOMIA
Alguns exemplos de como as empresas e o Estado se
estão a adaptar a esse sector:
• A maioria das câmaras municipais criou o “cartão
sénior”, que engloba um conjunto vasto de descontos
e vantagens em serviços e produtos existentes no
concelho.
• Ainda dentro do universo das autarquias, os passeios
e festas que as juntas de freguesia fazem regu -
larmente para esta população.
• O surgimento no espaço urbano dos parques
seniores: conjunto de equipamentos desportivos e
de lazer concebidos especialmente para os seniores
e para o uso exterior e público.
• Os descontos que os cinemas, teatros, museus,
transportes proporcionam aos maiores de 65 anos.
• As fortes campanhas que as agências de viagens e
hotéis fazem junto deste sector, nomeadamente para
aumentar a ocupação dos espaços/destinos turísticos
na época baixa.
• O enorme aumento das universidades seniores, que
passaram de 15 em 2001 para 190 em 2012, e que
proporcionam diferentes actividades formativas,
culturais e de lazer, como grupos musicais, de teatro,
de dança, de pintura ou visitas de estudo.
• A criação de produtos exclusivos para os seniores
como telemóveis, computadores (por exemplo,
Sénior Virtual da Inforlândia), sistemas de telealarme
ou mesmo uma rádio (por exemplo, Rádio SIM do
Grupo Renascença). Muitos programas televisivos,
fora do horário nobre, são idealizados a pensar
essencialmente neste público.
• O caso da Fundação INATEL, que dirige grande parte
da sua oferta turista e termal para o segmento sénior.
Inclusive as Pousadas da Juventude estão a “abrir as
suas portas” aos mais velhos, realizando protocolos
com a Rede de Universidades da Terceira Idade e com
a União das Misericórdias Portuguesas.
Em jeito de conclusão, podemos afirmar que os gostos
dos mais velhos estão a mudar, assim como a sua própria
relação com o envelhecimento. Temos hoje em dia idosos
mais activos e intervenientes e que procuram cres -
centemente actividades de lazer e culturais, fruto do seu
maior grau de escolarização, de serem autónomos mais
tempo e das portas que o mundo lhe abre, seja
presencialmente, seja via Internet.
Compete igualmente aos prestadores destes serviços
irem-se adaptando gradualmente às necessidades deste
segmento, seja nas questões das acessibilidades (rampas,
casas de banho, tamanho das letras, volume do som), das
ementas, dos horários, da própria programação, do preço
e na forma de comunicarem e apresentarem as suas
obras. >|<
BIBLIOGRAFIA
Santos, Carla (2012). “Turismo sénior” in Ideias para um envelhecimento
activo. Lisboa: Editorial Estampa.
QSP (2009). “Barómetro Sénior”. Estudo de mercado.
Jacob, Luís (2012). “Universidades Seniores” in Ideias para um
envelhecimento activo. Lisboa: Editorial Estampa.
Sepúlveda, Ana (2011). Marketing para maiores de 45. Lisboa: Editora
Actual.
www.ine.pt
www.pordata.pt
AS PESSOAS IDOSAS ENQUANTO CONSUMIDORAS DE CULTURA E LAZER | LUÍS JACOB
Um desafiopara a responsabilidadesocial das empresas
A Organização Mundial da Saúde (OMS) adoptou, no final dos anos 90, o paradigma “envelhecimento
activo” para designar o “processo de optimização das oportunidades de saúde, participação e segurança,
promovendo uma maior qualidade de vida à medida que as pessoas vão envelhecendo”.
Este paradigma, que vem substituir o de “envelhecimento saudável”, chama-nos, desde logo, a atenção para
dois aspectos fundamentais: o primeiro é definir o envelhecimento como um processo, processo esse que,
convém dizê-lo, começa quando nascemos e termina quando morremos; o segundo é lançar uma
mensagem mais inclusiva do que a contida no conceito de envelhecimento saudável, cujo enfoque eram
os cuidados de saúde.
Naturalmente que da própria definição de envelhecimento activo se depreende a importância que os
cuidados de saúde continuam a ter. Contudo, o que está agora em causa é uma perspectiva mais holística
da pessoa, é a realização do potencial humano ao longo da vida e a participação na sociedade de acordo
com as necessidades, direitos e capacidades, provendo ao mesmo tempo a protecção, segurança e
cuidados, quando necessários.
É neste novo olhar sobre a participação activa que está presente uma perspectiva mais inclusiva, bem
como no assumir-se que essa participação deve ser de acordo com as necessidades, direitos e capacidades
de cada um. De facto, esta visão inclui as pessoas que se encontram em situação de dependência, ou com
qualquer tipo de deficiência, numa tentativa louvável de derrubar barreiras humanas que ainda subsistem.
De acordo com a OMS, o envelhecimento activo depende de uma variedade de determinantes que fazem
parte do ambiente no qual as pessoas estão inseridas, determinantes essas que se influenciam e
MARIA JOAQUINA MADEIRACOORDENADORA NACIONAL DO ANO EUROPEU DO ENVELHECIMENTO ACTIVO E DA SOLIDARIEDADE ENTRE GERAÇÕES
JANEIRO | MARÇO 2012 49
ENVELHECIMENTO ACTIVO
50 CADERNOS DE ECONOMIA
relacionam entre si. Consideram-se como primordiais as
culturais e de género, as biológicas e psicológicas, as
económicas, as respeitantes à saúde, as sociais e as
ambientais.
Do que ficou dito, facilmente se conclui que todos estes
aspectos, que consubstanciam o envelhecimento activo,
só podem ser atingidos através de um compromisso
individual e colectivo, envolvendo, naturalmente, um
vasto conjunto de actores sociais, entre os quais as
empresas.
Nos nossos dias ainda é comum defender-se que o
objectivo principal das empresas é maximizar o retorno
aos seus accionistas, perante os quais são responsáveis,
não tendo qualquer tipo de responsabilidade para com a
sociedade como um todo.
Contudo, no cenário mundial contemporâneo, percebe-
se o processar de inúmeras transformações de ordem
económica, política, social e cultural que, por sua vez, se
adaptam aos novos modelos de relações entre
instituições e mercados, organizações e sociedade. No
âmbito das actuais tendências de relacionamento,
verifica-se a aproximação dos interesses das
organizações e dos da sociedade, resultando em esforços
múltiplos para o cumprimento de objectivos
compartilhados.
Nessa direcção apontam tradições religiosas e culturais e
alguns estudiosos, que argumentam que a economia
existe justamente para servir os seres humanos, tendo,
por isso, responsabilidade social.
De facto, e sobretudo a partir da década de 70 do
século XX, a responsabilidade social das empresas é
vista como uma potencialidade não só pela redução de
riscos e ineficiências, mas também pela oferta de uma
série de vantagens, tais como as deduções fiscais, um
maior envolvimento dos colaboradores e o
fortalecimento da imagem da organização, que se
Neste “Ano Europeu do
Envelhecimento Activo e
da Solidariedade entre
gerações”, as empresas
são chamadas a
aprimorar o conceito de
“cultura organizacional”
para a implementação
da responsabilidade
social como uma
bandeira inquestionável,
como um valor presente
e irremovível.
JANEIRO | MARÇO 2012 51
constitui como um diferencial competitivo no mundo
globalizado.
Defende-se, ainda, a importância da ética como factor de
garantia da competitividade das empresas, afirmando-se
que a responsabilidade social é essa ética e que é ela o
caminho a percorrer para a sustentabilidade, êxito
empresarial e edificação de sociedades mais
desenvolvidas e mais justas(1).
Nesse mesmo sentido aponta o Livro Verde da Comissão
Europeia ao definir a responsabilidade social como um
conceito segundo o qual as empresas decidem, numa
base voluntária, contribuir para uma sociedade mais
justa e para um ambiente mais limpo, tendo, para isso,
em consideração não só os interesses dos accionistas,
mas também os dos trabalhadores, das comunidades
locais, dos clientes, dos fornecedores, das autoridades
públicas e da sociedade em geral.
Sendo o conceito de responsabilidade social amplo, com
muitos significados e sinónimos, como os de cidadania
corporativa, desenvolvimento sustentável, filantropia
empresarial, marketing social e activismo social
empresarial(2), importa agora considerar aquele ou
aqueles que, em nosso entender, mais contribuem para o
envelhecimento activo, no sentido em que acima o
descrevemos: realização do potencial humano e
participação de acordo com as necessidades, direitos e
capacidades de cada um.
Neste âmbito, referir-nos-emos a quatro aspectos que
consideramos fundamentais:
1 – A responsabilidade social das empresas é importante
para o envelhecimento activo quando as empresas
implementam estratégias de reforço da autoestima e
da motivação dos colaboradores, como:
• Desenvolver programas de voluntariado que
possam absorver os colaboradores ainda no activo,
constituindo pólos de ocupação para o tempo pós-
reforma, e permitir ao trabalhador a realização de
actividades de voluntariado em instituições sem fins
lucrativos, durante o horário normal de trabalho,
sem perda de benefícios inerentes à retribuição e
assiduidade. Destas acções podem beneficiar
grupos de cidadãos, de todas as idades, vítimas de
exclusão social.
• Envolver os trabalhadores mais antigos nos
processos de recrutamento, selecção, acolhimento e
acompanhamento de novos colaboradores. De
acordo com esta estratégia, o “saber fazer”
acumulado e as pessoas que o detêm são uma mais-
valia. Por outro lado, a estratégia permite o diálogo
intergeracional e o desmontar de estereótipos
ligados às pessoas mais idosas.
2 – A responsabilidade social das empresas é importante
para o envelhecimento activo quando as empresas se
empenham no exercício da capacitação profissional
dos seus trabalhadores tornando-os agentes qualificados
no mercado de trabalho e nas comunidades onde estão
inseridos.
Um mercado cada vez mais competitivo determina que
os trabalhadores, independentemente da idade,
reforcem as suas competências e conhecimentos, por
forma a dar resposta às novas exigências da tecnologia e
da sociedade da informação. Neste desiderato, exige-se
aos empregadores e aos trabalhadores uma
responsabilidade social partilhada e um esforço de
adaptação a novas realidades.
O desenvolvimento de acções de formação e
valorização, prevendo a actualização dos trabalhadores
durante o período em que existe um vínculo formal, mas
também após esse tempo de prestação efectiva de
serviço, assume-se de crucial importância para o
reconhecimento e inclusão social das pessoas, mesmo
após a reforma.
ENVELHECIMENTO ACTIVO:UM DESAFIO PARA A RESPONSABILIDADE SOCIAL DAS EMPRESAS | MARIA JOAQUINA MADEIRA
52 CADERNOS DE ECONOMIA
3 – A responsabilidade social das empresas é importante
para o envelhecimento activo quando as suas acções são
promotoras da cidadania individual e colectiva.
Neste âmbito salientam-se, por exemplo, a im ple -
mentação de projectos de preparação para a reforma,
enquanto estratégias de planeamento e adaptação a
uma fase da vida caracterizada por uma mudança ou
perda de papéis, sendo o mais evidente, o do estatuto
profissional.
De facto, o afastamento do circuito de produção, mesmo
que represente o direito a um repouso remunerado,
significa a perda do desempenho profissional e das
relações interpessoais que nele se desenrolavam,
podendo trazer sentimentos de insegurança ou mesmo
crises de identidade.
O desafio para as organizações está em arranjar
estratégias de gestão mais humanizadas, nas quais se
incorpore uma responsabilidade ética no planeamento
da reforma dos seus trabalhadores, facilitando-lhes a
adaptação à nova fase da vida e o bem-estar, logo, a
possibilidade de continuação de uma cidadania activa.
4 – A responsabilidade social das empresas é importante
para o envelhecimento activo quando elas desenvolvem
estratégias de inclusão social de grupos mais
desfavorecidos, como, por exemplo, a integração de
pessoas com deficiência, combatendo a “armadilha da
estigmatização social” e dignificando o indivíduo numa
perspectiva global independentemente da sua situação.
Uma organização voltada para o desenvolvimento
sustentável planeia um horizonte multidimensional, que
engloba e assegura os direitos civis, políticos,
económicos, sociais, culturais e ambientais, na medida
em que todos fazem parte de um sistema de obtenção de
uma economia solidária.
Neste Ano Europeu do Envelhecimento Activo e da
Solidariedade entre Gerações, as empresas são chamadas
a aprimorar o conceito de “cultura organizacional” para a
implementação da responsabilidade social como uma
bandeira inquestionável, como um valor presente e
irremovível!
Neste Ano Europeu do Envelhecimento Activo e da
Solidariedade entre Gerações, todos/as são chamados/as
a aprimorar e a operacionalizar o conceito de “cultura do
envelhecimento activo”, para a construção de uma
sociedade que se quer de todos/as para todos/as. >|<
NOTAS
(1) jus.uol.com.br/.../texto/.../a-responsabilidade-social-da-empresa.
(2) Joana Garcia, 2004.
REFERÊNCIAS
BICALHO, Aline (2003). Responsabilidade Social das Empresas: Contribuição
das Universidades. São Paulo: Editora Peirópolis, p. 364.
GARCIA, Joana (2004). O negócio do social. Rio de Janeiro: Jorge Zahar
Editor.
http://pt.wikipedia.org/wiki/Responsabilidade_social
http://www-05.ibm.com/pt/ibm/ccr/ars.html
IDS (2001). Manual Recriar o Futuro. Lisboa: Soartes
ENVELHECIMENTO ACTIVO:UM DESAFIO PARA A RESPONSABILIDADE SOCIAL DAS EMPRESAS | MARIA JOAQUINA MADEIRA
O desafiodas empresasnuma sociedadegrisalha
1 QUE PAPEL PARA AS EMPRESAS?No contexto do Ano Europeu do Envelhecimento Activo e da Solidariedade entre Gerações, reacende-se o
foco sobre o tema da longevidade da população portuguesa e europeia e sobre as suas consequências
económicas e sociais.
E a forma como encararmos este fenómeno e a atitude que individual e colectivamente adoptarmos pode
fazer toda a diferença.
Parece predominante uma abordagem mais pessimista, que invoca a conjuntura adversa que
atravessamos, pondo em causa aquisições no domínio dos direitos sociais e fazendo-nos duvidar da
sustentabilidade dos sistemas de protecção social e de saúde.
Mas, também é importante sublinhar as potencialidades desta sociedade grisalha, sinónimo de
desenvolvimento e de progresso, que nos permite a coexistência riquíssima de quatro gerações.
Se quisermos acentuar os fenómenos da solidão, do empobrecimento ou da demência, estamos
condenados a perspectivar um futuro pouco promissor, onde envelhecer será um castigo e não uma
conquista.
Pelo contrário, se soubermos antecipar os riscos, planear as etapas de vida, prevenir as rupturas e as
dependências, poderemos enfrentar a velhice com esperança e desfrutar, até ao fim, de uma existência
digna.
PAULA GUIMARÃESJURISTA
JANEIRO | MARÇO 2012 53
RESPONSABILIDADE CORPORATIVA E ENVELHECIMENTO
54 CADERNOS DE ECONOMIA
Esta visão, mais pró-activa e empreendedora, em que
cada um de nós antecipa, sem dramas, o seu inexorável
envelhecimento, exige uma mudança radical nas
organizações, uma alteração de paradigmas, discursos e
práticas.
Espera-se um esforço conjunto e convergente em que o
indivíduo, as estruturas públicas e as entidades privadas
incorporem o envelhecimento populacional como um
dado incontornável e se reposicionem estrategicamente.
É o que se pede, igualmente, às empresas, territórios
onde as pessoas passam cada vez mais tempo e se
assumem como verdadeiros espaços de socialização.
A empresa não é apenas o posto de trabalho ou a fonte
de receita familiar, é o local onde estão os amigos e os
obstáculos, os sonhos e as frustrações e simboliza a nossa
pertença ao mundo dos cidadãos produtivos e
contribuintes.
Acresce que a saída do mercado de trabalho, através da
reforma, constitui, muitas vezes, o primeiro sinal
inequívoco de que transitámos para uma nova fase,
conotada, normalmente, com a velhice.
Neste sentido e no âmbito da sua responsabilidade
corporativa, é evidente que as organizações em geral e as
empresas em particular podem e devem desenvolver
uma intervenção promotora do envelhecimento activo e
contribuir para uma saudável relação entre gerações.
Apesar da existência de boas práticas neste domínio,
cremos que a maior parte das empresas ainda não
explorou este novo filão e não se consciencializou do
poder pedagógico que possui em matéria de combate
aos estereótipos que rodeiam a velhice.
Todavia as tendências apontam para uma assunção
crescente de um novo posicionamento das empresas,
que ultrapassa a realização pontual de iniciativas
Com o expectável
prolongamento da
actividade laboral, a
gestão de recursos
humanos teve mais um
desafio: o de garantir o
direito ao trabalho
efectivo, evitar a
desactualização dos
colaboradores mais
idosos e a sua
desvalorização interna, e
encontrar novas formas
de os manter
indispensáveis na
empresa.
JANEIRO | MARÇO 2012 55
filantrópicas ou de greenwash, e que se traduz num
compromisso perene para com os diversos stakeholders.
Considerando que a matéria do envelhecimento é
transversal, afectando todas as partes interessadas,
reflectindo-se quer no âmbito interno quer no âmbito
externo, este pode ser um desafio integrado e contínuo.
Efectivamente, a empresa que assumir como prioritário o
desígnio do envelhecimento activo abraça um desafio
moderno e demonstra efectivamente ao devir
sociológico e ao tecido social.
Encara de frente aquele que é o maior repto do século
XXI e percebe que falar em intergeracionalidade e em
envelhecimento inclusivo é falar em futuro, em
planeamento de eventualidades e de soluções, em
verdadeira sustentabilidade.
2 QUE MEDIDAS PODEM IMPLEMENTAR? Enquanto vector de responsabilidade social, as áreas do
envelhecimento activo e da solidariedade entre
gerações permitem uma actuação concertada dirigida
para os colaboradores e também para a comunidade
envolvente.
No primeiro domínio, vale a pena rever o teor da
comunicação da União Europeia que instituiu o Ano
Europeu do Envelhecimento Activo e da Solidariedade
entre Gerações, que refere que “é necessário, portanto,
melhorar as possibilidades e as condições laborais dos
trabalhadores mais velhos para preservar a solidariedade
entre gerações e, ao mesmo tempo, melhorar a sua inclusão
na sociedade, incentivando o envelhe cimento saudável.”
Um dos grandes objectivos é, portanto, o pro -
longamento da vida profissional, por imperativos de
solvabilidade do sistema de segurança social, mas esse
prolongamento deve visar, em simultâneo, a inclusão das
pessoas no seu contexto familiar e social, a sua
participação activa e cidadã e o adiamento dos factores
de dependência.
A permanência na vida dita activa deve ser um factor de
enriquecimento pessoal e não uma manutenção forçada,
artificial e mesmo violenta, que prejudique a pessoa,
comprometa a sua felicidade e bem-estar e cause
entropias ao processo produtivo.
Para garantir o equilíbrio entre os interesses do
colaborador e da empresa, cumprindo estes novos
imperativos públicos, urge adoptar políticas de gestão de
recursos humanos cada vez mais atentas aos percursos
individuais, que permitam a permanente formação e
actualização e que valorizem as diversas competências
ao longo das etapas da existência laboral.
O que está em causa é garantir que a empresa perceba
que o colaborador recém-chegado, jovem e sem âncoras
familiares, entende e comporta-se na organização de
forma diferente do colaborador em fase ascendente, mas
“ensanduichado” entre os compromissos com os filhos e
com os ascendentes, já para não falar do trabalhador que
já visualiza o fim da sua carreira e tem vontade de investir
noutras dimensões da sua vida.
Esta evolução pessoal é, necessariamente, inter -
dependente com a evolução profissional e, em estruturas
que se dizem socialmente responsáveis, não pode haver
RESPONSABILIDADE CORPORATIVA E ENVELHECIMENTO:O DESAFIO DAS EMPRESAS NUMA SOCIEDADE GRISALHA | PAULA GUIMARÃES
56 CADERNOS DE ECONOMIA
lugar a uma gestão de recursos humanos centrada
exclusivamente na produtividade e onde a dimensão
pessoal é desconhecida e desvalorizada.
O tema do Ano Europeu que agora começa é, por isso,
fulcral, porque coloca em perspectiva o caminho
subjectivo do envelhecimento de cada indivíduo e a sua
relação permanente com as outras pessoas e gerações
que com ele coexistem.
Uma empresa é, por isso, um puzzle etário e, por isso,
heterogéneo em matéria de interesses, capacidades,
saberes, velocidades e valores, que é preciso gerir,
rendibilizar e fazer convergir em torno de uma missão
comum.
Com o expectável prolongamento da actividade laboral,
a gestão de recursos humanos tem mais um desafio, o de
garantir o direito ao trabalho efectivo, evitar a
desactualização dos colaboradores mais idosos e a sua
desvalorização interna e encontrar novas formas de os
manter indispensáveis na empresa.
A implementação de experiências e práticas de
mentorização e apadrinhamento, de integração e tutoria,
estabelece entre os trabalhadores seniores e juniores
uma saudável aproximação que assegura, em
simultâneo, a passagem da cultura, história e memória da
empresa e a permanente actualização de métodos.
Outra iniciativa importante prende-se com a preparação
para a reforma, permitindo ao colaborador que se
prepare para o adeus à empresa, reduzindo
gradualmente o tempo de trabalho, ajudando-o a
descobrir outros interesses e aptidões, fornecendo-lhe
apoio pluridisciplinar para que ele possa desfrutar, da
melhor forma possível, da nova fase que o espera.
Mas contribuir para o diálogo entre gerações e para um
envelhecimento equilibrado não se resume a acções
dirigidas para aqueles que já se encontram nas fases mais
Uma iniciativa importante
a implementar prende-se
com a preparação para
a reforma, permitindo ao
colaborador que se
prepare para o adeus
à empresa, reduzindo
gradualmente o tempo de
trabalho, ajudando-o
a descobrir outros
interesses e aptidões,
fornecendo-lhe apoio
pluridisciplinar para que
ele possa desfrutar, da
melhor forma possível,
da nova fase que o
espera.
JANEIRO | MARÇO 2012 57
tardias da vida. A verdade é que as receitas devem ser
ouvidas e seguidas pelos jovens, por aqueles que iniciam
agora a sua vida familiar e profissional e que estão a
tempo de fazer as opções e as sementeiras correctas.
Promover estes dois lemas do Ano Europeu é, também,
criar e fazer respeitar políticas de família, de conciliação
do trabalho com a dimensão do lazer e da realização
pessoal, combater as discriminações de género e apoiar
os colaboradores que assumem responsabilidades
parentais e filiais.
É urgente que as organizações percebam o valor ético,
social e mesmo económico da assunção da obrigação de
alimentos relativamente aos ascendentes, que não
prejudiquem nem retaliem os trabalhadores que
prestam cuidados aos pais e avós dependentes ou em
situação de demência.
É importante que percebam que, se permitirmos, por
sistema, horários prolongados, se não defendermos a
necessidade dos pais criarem laços com os seus filhos
enquanto estes crescem, se valorizarmos mais quem pode
fazer serão todos os dias do que aqueles que querem ir ver
o familiar ao hospital ou assistir à festa da neta, estamos a
produzir cada vez mais casos de solidão no fim de vida.
Se não promovermos uma sã coexistência entre estes
dois mundos, as próximas gerações serão ainda mais
fustigadas pelo isolamento, pela ausência de laços
familiares ou de redes de vizinhança.
O apoio e mesmo incentivo ao cumprimento das
obrigações familiares não só não afecta a produtividade
como reduz o absentismo, estimula as relações de
confiança e de gratidão e combate o stress e o burn out e
é um sinal poderoso de envolvimento da empresa com o
bem-estar do seu colaborador.
Em suma, a empresa é um motor de mudança ao nível da
vida de cada um dos seus membros, mas pode ser,
também, um propulsor ético de coesão familiar e de
dignificação dos mais velhos. >|<
BIBLIOGRAFIA
ANTÓNIO, Stella (2010). Avós e Netos, Relações Intergeracionais – a
Matriliniaridade dos Afectos. Lisboa: Universidade Técnica de Lisboa.
GUERRA, Isabel et al (2010). À Tona de Água, Retratos de um Portugal em
Mudança. Lisboa: Tinta da China.
COUVANEIRO, Conceição Serrenho et al (2009). Este Tempo de Ser. Lisboa:
Instituto Piaget.
COSTA, Maria Alice Nunes et al (2011). Responsabilidade Social, Uma Visão
Ibero-americana. Lisboa: Almedina.
RESPONSABILIDADE CORPORATIVA E ENVELHECIMENTO:O DESAFIO DAS EMPRESAS NUMA SOCIEDADE GRISALHA | PAULA GUIMARÃES
Um tempo de encontro
com novos horizontes
O aumento da esperança média de vida e o envelhecimento da população são temas transversais a toda a
população mundial e, segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS, 2002), o envelhecimento global no
século XXI causará um aumento significativo da procura de respostas sociais e económicas em todo o
mundo. É neste contexto que o debate actual em torno do envelhecimento activo se centra.
A concepção do envelhecimento activo introduzida pela OMS, definido como “o processo pela qual se
optimizam as oportunidades de bem-estar físico, social e mental durante toda a vida com o objectivo de
aumentar a esperança de vida saudável, a produtividade e a qualidade de vida na velhice” é um conceito
inovador, a palavra “activo” para a OMS refere-se à participação contínua nas questões sociais, económicas,
culturais, espirituais e civis, e não apenas à capacidade de o indivíduo estar fisicamente activo ou de fazer
parte do mercado de trabalho. O idoso tem que continuar a participar na sociedade intervindo e
contribuindo para o seu desenvolvimento.
O envelhecimento activo é tratado por muitos autores e deu origem essencialmente a três teorias:
Disengagement, Actividade e Continuidade.
O Disengagement é uma teoria muito controversa e uma das primeiras que apareceu. Consiste num
processo de afastamento gradual do idoso da sociedade e das actividades que exercia, beneficiando
contudo do sistema social existente. Esta teoria resulta em grande parte da aceitação do idoso, os países
mais civilizados dificilmente aceitam o afastamento do idoso que, devido ao aumento da esperança de
vida, pode continuar a ser útil à sociedade.
A Teoria da Actividade, desenvolvida por Havighurst, assenta na tese que é essencial para o
INÊS MURTEIRAVOGAL DA COMISSÃO EXECUTIVA DA JOSÉ DE MELLO SAÚDE, SGPS
58 CADERNOS DE ECONOMIA
ENVELHECIMENTO ACTIVO
JANEIRO | MARÇO 2012 59
desenvolvimento do idoso este manter-se activo e
envolvido na sociedade. Como é óbvio, trata-se de teoria
que se opõe ao Disengagement e que sugere a procura de
novos interesses, novos relacionamentos e novos
hobbies para compensar o que se foi perdendo ao longo
da vida.
A Teoria da Continuidade opõe-se ao Disengagement e
procura desenvolver a Teoria da Actividade. Trata-se de
uma das formas de enfrentar a ocupação na idade pós-
reforma, que aproveitando a experiência de vida
profissional dá o sentido da eficiência e contribui para
os mais novos poderem usufruir da experiência dos
mais velhos. No livro Continuity and adaptation in
aging: creating positive experiences (1999), Richard
Atchley defende que a estrutura psicológica do
indivíduo, sua personalidade e ideias mantêm-se pela
vida fora e são um exemplo vivo para os seguidores
mais novos.
No século XIX, uma pessoa de sessenta anos era
considerada idosa. Hoje é comprovadamente ridícula
esta designação.
Segundo as estatísticas, em Portugal, no início do século
XXI, a esperança de vida à nascença é de cerca de 82 anos
para as mulheres e de 76 anos para os homens, no
entanto, uma pessoa saudável não deseja depois da
reforma ficar apenas com o seu tempo preenchido por
entretenimentos, manutenção física e os apoios
necessários às duas gerações que podem precisar do seu
auxílio pontual.
Quantas vezes a sua experiência, resultante da actividade
que exerceram, poderia enriquecer a empresa da qual se
reformaram. Quantas vezes o exercício das suas funções
pode vir a ser útil numa nova empresa onde os quadros
mais novos carecem de orientação. São factos como
estes que parecem dar razão à Teoria da Continuidade.
Parece, por isso, que o grande valor dos reformados em
situação saudável deveria ser um valor apreciável a não
perder pelas administrações das empresas.
É evidente que, para além do estado físico, a vontade
própria neste projecto, também as qualidades de
comportamento psicológico teriam de se ter em conta.
ENVELHECIMENTO ACTIVO: UM TEMPO DE ENCONTRO COM NOVOS HORIZONTES | INÊS MURTEIRA
60 CADERNOS DE ECONOMIA
Uma pessoa activa pode contar com as suas experiências
no passado sem nunca deixar de ter abertura para os
novos conhecimentos e as novas tecnologias.
Os quadros reformados que quisessem dar uma parte do
seu tempo à empresa em que trabalharam deveriam ter
em conta não só o seu know-how, mas também a
capacidade de apreciarem as vantagens da tecnologia
que avança rapidamente.
A referida Teoria do Disengagement defende que nem
sempre o idoso se adapta às mudanças que se vão
operando. Na nossa opinião, isso nem sempre acontece.
O idoso, embora não aderindo à continuidade, mas
mantendo-se activo, pode preferir enveredar por
caminhos completamente distintos, onde a sua
curiosidade ou tendência nunca antes aproveitada pode
encontrar uma fonte de estímulos emocionais que são
razões para viver numa nova expectativa. A escolha das
actividades durante o envelhecimento depende também
do ambiente familiar. São os avós e até bisavós que
suprem as ausências dos pais ocupados quase sempre
até horas muito tardias nos empregos.
Envelhecer pode ser um tempo de encontro com novos
horizontes. Há quem se tenha dedicado a tirar cursos de
arte, línguas, arqueologia ou apenas experimentar
desenhar e pintar.
As empresas, ao aceitarem pessoas que já se reformaram
e mostraram ter valores que contribuíram para o sucesso
da empresa, sabem que o equilíbrio que vierem trazer na
sua nova actuação pode ser uma mais-valia.
Sabemos que, o senso comum, a sensatez, a noção dos
limites humanos são mais próprios desta faixa etária e
que não devia ser desaproveitada.
Parece-nos essencial observar o trajecto de um número
considerável de idosos que são conhecidos inter -
nacionalmente por terem sabido gerir o seu tempo de
pós-reforma com sucesso e sabedoria e olhar à volta e
reparar naqueles que, parecendo gente anónima, são
idosos com uma vida cheia de interesses. O en -
velhecimento activo é, naturalmente, um tema que na
conjuntura actual, com uma elevadíssima taxa de
desemprego, deve ser enfrentado com equilíbrio, não
como força de trabalho substitutiva mas como um activo
que pode criar valor em algumas áreas de intervenção
das empresas, desde logo, a nível interno na formação e
coaching dos quadros mais novos e muito
particularmente no âmbito da responsabilidade social
das empresas.
A responsabilidade social é actualmente uma
componente importante da missão das empresas
com preocupações de sustentabilidade. Esta função
é desenvolvida de forma sistemática e organizada
em projectos diversificados, em que a participação
de ex-quadros pode representar uma significativa
mais-valia que as empresas não devem deixar de ter
em conta. >|<
ENVELHECIMENTO ACTIVO: UM TEMPO DE ENCONTRO COM NOVOS HORIZONTES | INÊS MURTEIRA
O grande valor
dos reformados
em situação saudável
deveria ser um valor
apreciável a não perder
pelas administrações
das empresas.
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A responsabilidadedas empresasno envelhecimentoactivo
A média de idade na União Europeia atingiu recentemente os 40 anos. Portugal não é excepção, tendo 19%
da população com mais de 65 anos (em 1960, era apenas 8%) e uma esperança média de vida que, nos
últimos 50 anos, aumentou 15 anos, estando neste momento situada nos 82 anos para as mulheres e nos
76 para os homens. Um país envelhece quando a sua população tem maior esperança de vida e a
mortalidade diminui – e, nesse sentido, o facto da população de um país envelhecer é sinal de
desenvolvimento.
Atenta ao desafio do envelhecimento na Europa, a Comissão Europeia designou 2012 como o “Ano Europeu
de Envelhecimento Activo e da Solidariedade entre Gerações”. Pretende-se “ajudar a promover uma cultura
de envelhecimento activo na Europa, baseada numa sociedade para todas as idades”. Mais
especificamente, pretende-se (i) melhorar as oportunidades de trabalho para os seniores na Europa, (ii)
combater a exclusão social e ajudar estas pessoas a participar de forma activa na sociedade e (iii) prevenir
a dependência e encorajar os cidadãos para um envelhecimento activo e saudável.
Segundo a própria Comissão Europeia, o sucesso do Ano Europeu dependerá do envolvimento activo dos
diversos Estados membros, designadamente das suas autoridades regionais e locais, mas também “dos
parceiros sociais, da sociedade civil e da comunidade empresarial, incluindo as pequenas e médias
empresas”.
Neste breve artigo iremos abordar a questão do envelhecimento activo no contexto específico da
responsabilidade social das empresas, nomeadamente, procuraremos dar exemplos de formas como as
empresas se podem associar ao tema, promovendo o envelhecimento activo entre os seus colaboradores
e na sociedade em geral.
JOÃO WENGOROVIUS MENESESPROFESSOR CONVIDADO NO ISCTE-IUL
62 CADERNOS DE ECONOMIA
JANEIRO | MARÇO 2012 63
Justifica-se, contudo, uma nota prévia: o voluntariado
sénior representa uma excelente forma de participação e
cidadania que não será abordada neste artigo. Uma
sociedade ou uma política que se centre apenas nesta
solução, em vez de promover o emprego em condições
de igualdade para todos os grupos etários, só pode ser
considerada discriminatória. Mas, não sendo o caso, o
voluntariado sénior pode ser um excelente contributo
para a sociedade e uma excelente forma de
envelhecimento activo.
Vejamos, então, três propostas do que pode ser o papel
das empresas ao nível da promoção do envelhecimento
activo.
Primeira proposta
Para fomentar a inovação e a competitividade, é
importante que as empresas reconheçam a importância
da diversidade e do equilíbrio intergeracional ao nível do
recrutamento e da gestão de recursos humanos.
Sendo a inovação um dos principais factores de
competitividade, para Jeff Dyer e Hal Gregersen
(professores em Wharton e no INSEAD, respectivamente),
a capacidade de inovar depende da conjugação
simultânea de “discovery skills” e “delivery skills”. As
discovery skills (ou competências de descoberta)
traduzem-se na “capacidade de gerar novas ideias e
respostas” e as delivery skills (ou competências de
entrega) traduzem-se na “capacidade de gerar e executar
um plano”. Embora, geralmente, se associe a inovação
apenas a competências de descoberta, a verdade é que
não há inovação sem competências de entrega. Ora, se
os grupos etários mais jovens podem ser mais fortes em
competências de descoberta, a verdade é que as
competências de entrega são mais comuns em grupos
etários com mais experiência e maturidade. As empresas
devem, por isso, procurar assegurar um certo equilíbrio
intergeracional, desde logo para melhorarem o seu
desempenho.
Foi com vista a facilitar o acesso ao mercado de trabalho
dos seniores que foi criada, em Inglaterra, a plataforma
online “The Age and Employment Network”
(www.taen.org.uk). Em Portugal, faria sentido criar uma
plataforma semelhante.
Segunda proposta
Para além de políticas de recrutamento e gestão de
recursos humanos menos discriminatórias, as empresas
deveriam ser veículos de informação e preparação dos
seus funcionários para um envelhecimento activo e, em
particular, para uma transição saudável para a reforma.
A este nível, o empreendedorismo sénior – tanto o de
natureza mais económica, como o de natureza mais
social ou comunitária – poderia ser visto como uma
solução mais usual.
Foi para apoiar o empreendedorismo sénior que a
Associação Cristã de Empresários e Gestores (ACEGE)
lançou o fundo de capital de risco “Bem Comum”
(www.bemcomum.pt). Como a própria ACEGE refere, o
que a levou a lançar esse fundo de capital de risco foi ter
constatado “a existência de um elevado número de
pessoas com mais de 40 anos com saber adquirido,
competência profissional e talento não utilizado por
empresas empregadoras”, bem como acreditar
“profundamente na capacidade de cada pessoa” e “na
experiência e competências adquiridas ao longo de uma
vida profissional”.
Terceira proposta
Seria, também, importante que as empresas es -
tivessem mais disponíveis para apoiar iniciativas
oriundas da sociedade civil que contribuam para o
envelhecimento activo, e o bem-estar e empo werment
dos seniores. Vejamos três exemplos de iniciativas que
poderiam ser lançadas, em Portugal, com o apoio do
sector privado.
A RESPONSABILIDADE DAS EMPRESAS NO ENVELHECIMENTO ACTIVO | JOÃO WENGOROVIUS MENESES
64 CADERNOS DE ECONOMIA
• A rede “Tyze” (www.tyze.com) é uma plataforma
online que permite às instituições e pessoas
envolvidas no apoio a alguém articularem esforços.
Ou seja, é uma rede social (parecida ao Facebook),
para a qual convergem, e através da qual interagem e
se articulam, os diversos serviços públicos e privados
de saúde e apoio social, bem como a família, os
amigos e os vizinhos de alguém a precisar de apoio e
acompanhamento. A plataforma é bastante simples
de montar e tem custos de exploração relativamente
baixos, sendo financiada em grande medida pelos
próprios beneficiários.
• A “Dementia Adventure” é uma organização que
apoia pessoas com demência (por exemplo, pessoas
com Alzheimer). Mais concretamente, e citando a sua
missão, a Dementia Adventure “connects people living
with dementia with nature and a sense of adventure”
(http://dementiaadventure.wordpress.com). Muito
há ainda a fazer, em Portugal, pela promoção do en -
velhe cimento activo junto de grupos mais
específicos, designadamente, junto de pessoas com
demência ou doenças degenerativas.
• Por último, a plataforma online “Patients Like Me”
(www.patientslikeme.com) permite a qualquer
pessoa partilhar o seu estado de saúde com outras
pessoas com problemas de saúde semelhantes, bem
como classificar os médicos que a acompanham e os
tratamentos a que está sujeita. Ou seja, é uma
espécie de trip advisor para classificação de
profissionais e experiências na área da saúde. A rede
inglesa já tem mais de 135 mil aderentes e tem-se
revelado, para muitos deles, uma ajuda importante
na “gestão” da(s) doença(s).
Em jeito de conclusão, o que é importante é que a
diversidade de princípios e acções que as empresas
adoptem, com vista a apoiar o envelhecimento activo e o
papel dos sénior na sociedade, contribuam para uma
cultura generalizada de que “a person is more important
than a person’s age” e de que a senioridade (ou a
“reforma”) é apenas uma nova etapa da vida.
Os riscos da deterioração do papel dos mais velhos nas
sociedades ocidentais, sobretudo desde a modernidade,
têm sido alvo de alertas vários de diversos autores – entre
os quais filósofos, antropólogos e sociólogos. Seja por
serem uma fonte privilegiada de conhecimento e
experiência, seja por transportarem a memória e a
identidade dos lugares, seja porque o culto moderno do
sucesso e do hedonismo enaltece excessivamente a
juventude e infantiliza as sociedades, a verdade é que são
mais coesas e equilibradas as comunidades que
reservam um papel activo para os seniores.
O que será necessário assegurar é que o tipo de
“activismo” ou de “actividade” sénior é definida, com
grande liberdade, pelos próprios seniores. Bronnie Ware,
uma australiana que trabalhou durante vários anos com
doentes terminais, escreveu recentemente um livro em
que relata a sua experiência. O livro chama-se The Top
Five Regrets of the Dying e aponta o excesso de tempo
dedicado ao trabalho e o défice de tempo dedicado à
família, aos amigos e a ser feliz como sendo os principais
“arrependimentos” de quem sente a vida chegar ao fim.
Ora, para finalizar, é essencial que o envelhecimento
(activo) seja uma oportunidade de aproximação ao que
verdadeiramente nos faz felizes. >|<
A RESPONSABILIDADE DAS EMPRESAS NO ENVELHECIMENTO ACTIVO | JOÃO WENGOROVIUS MENESES
Da filantropiaà responsabilidadesocial corporativa
Se a gestão das empresas, nomeadamente no que respeita à política de investimentos, fosse mera
matemática, face a um contexto económico global desafiante, poder-se-ia esperar um decréscimo
relativamente ao investimento em projectos de responsabilidade social.
No entanto, se olharmos os grandes números da responsabilidade social, e a Portugal Telecom é uma das
empresas que tem disponibilizado esta informação regularmente, até pelo escrutínio internacional que
advém de estarmos presentes nos dois principais índices mundiais de sustentabilidade, constata-se que há
uma vontade inequívoca de empreender uma nova etapa no que respeita às grandes questões sociais do
nosso tempo.
Cada vez mais a responsabilidade social é vista não como um custo, mas como um investimento e as
empresas já assumiram essa distinção.
Assistiu-se na última década a um movimento interessante no universo empresarial e também na forma
como os indivíduos se comportam face aos grandes temas sociais. De uma sociedade assistencialista, com
uma lógica de actuação profundamente enraizada na consequência do problema e não na sua causa fomos
gradualmente evoluindo para uma outra visão do mundo e dos problemas da sociedade.
Nas empresas, que são um dos pilares de investimento social numa sociedade moderna, a retribuição e
partilha de valor conquistou um outro espaço de actuação e de debate construtivo. De um paradigma
assente numa lógica de caridade e filantropia, empresários e gestores passaram a olhar para os tradicionais
apoios a causas sociais com uma lógica mais estruturada e consequente. Em vez de apoios casuísticos,
foram criadas linhas de acção consistentes no tempo, independentemente de cada empresa escolher os
ZEINAL BAVAPRESIDENTE EXECUTIVO PORTUGAL TELECOM
JANEIRO | MARÇO 2012 65
66 CADERNOS DE ECONOMIA
espaços de intervenção social que considera mais
ajustados à sua presença na comunidade.
Nesta mudança de paradigma, da filantropia à
responsabilidade e investimento social, a PT esteve,
desde a primeira hora, na linha da frente de uma visão
pioneira do papel das empresas no mundo em que
vivemos.
Lançámos, há várias décadas, uma estratégia de
responsabilidade social quando o termo não era sequer
um jargão de gestão como hoje acontece. Mas a verdade
é que, há mais de 20 anos, a PT já empregava os seus
melhores recursos, pessoas, talento e capacidade
tecnológica a construir soluções de resposta social. Esta
linha de actuação mantém-se até hoje e temos vindo a
reforçá-la. Temos a profunda convicção que esse é um
compromisso que devemos assumir com a sociedade.
Da mesma forma que alicerçamos a nossa liderança de
mercado no talento e energia dos nossos colaboradores,
acreditamos que essa mesma fórmula pode ter um
elevado impacto nas causas sociais em que nos
envolvemos. Como? Colocando o tempo e as
competências dos colaboradores PT ao serviço de um
número alargado de instituições e iniciativas que
precisam de nós para fazer acontecer os seus projectos.
Nos tempos que vivemos, marcados por uma grande
exigência económica, o dinheiro não é a única forma de
apoiar. Podemos doar tempo, emprestar um talento
nosso. Podemos fazer muito mais se nos desprendermos
de velhos conceitos e olharmos para a sociedade em que
vivemos de uma forma renovada.
Os colaboradores PT possuem competências decisivas
para os desafios da sociedade, nos mais variados
domínios. Refira-se que uma das iniciativas da PT neste
Natal foi precisamente a doação de tempo e talento a um
conjunto de doze instituições sociais, espalhadas por
todo o País, e escolhidas pelos próprios colaboradores.
Ao longo do ano de 2012 vão ser aplicadas centenas de
Cada vez mais, a
responsabilidade social
é vista não como um
custo, mas como um
investimento. E as
empresas já assumiram
essa distinção. Na última
década fomos evoluindo
de uma sociedade
assistencialista (com
uma lógica de actuação
profundamente enraizada
na consequência do
problema e não na sua
causa) para uma outra
visão do mundo e dos
problemas da sociedade.
JANEIRO | MARÇO 2012 67
horas no desenvolvimento de projectos sociais que irão
contar com a nossa participação activa e mobilizada. São
projectos, entre muitos outros que apoiamos, que
preenchem a nossa visão de responsabilidade social e
que vamos continuar a multiplicar. Vamos fazê-lo com o
entusiasmo e a determinação de quem acredita que a
evolução tecnológica vai abrir novos horizontes ao
sector das telecomunicações dando-nos, consequente -
mente, a oportunidade de criar soluções que respondam
a três pilares fundamentais: desenvolvimento econó -
mico, preservação ambiental e equilíbrio social.
Importa aqui sublinhar que a política de res pon -
sabilidade social da PT está integrada nos objectivos
estratégicos da empresa, que foram definidos há quatro
anos, e que priorizaram o tema da sustentabilidade em
três eixos: social, económico e ambiental.
O sector das tecnologias de informação está no centro de
um mundo em mudança. Cada vez mais rápido, cada vez
mais próximo, este é um mundo em que a possibilidade
de comunicar estabelece muitas vezes a fronteira do
desenvolvimento não apenas económico, mas também
social e cultural. É um mundo de oportunidades, mas
também de desafios exigentes. É fundamental identificar
respostas globais e é nossa convicção que as soluções e
serviços de telecomunicações vão favorecer modelos
sociais alternativos, desde a circulação de pessoas à
aquisição de conhecimentos, ao acesso à saúde e à troca
de informações e ideias, reduzindo o consumo de
recursos e melhorando a eficiência económica e
ambiental de todos.
As nossas tecnologias podem criar emprego e riqueza e
ajudar a fazer mais por menos e a fazer diferente, dois
mecanismos decisivos para ultrapassarmos os desafios
económicos. Na actual conjuntura económica, é
determinante criar riqueza, gerar emprego e partilhar
talento. É essa a nossa aposta no que respeita ao
objectivo estratégico de ser uma empresa de referência
na área da sustentabilidade, em Portugal e nos países
onde actuamos. Um trabalho reconhecido inter -
nacionalmente, quer pelo Dow Jones Sustainability
World Index (SAM) que integramos desde 2010, quer
pelo FTSE 4GOOD, que integramos desde 2005, somos
inclusive a única empresa portuguesa com esta
representação. Em 2011, a PT reforçou a sua posição no
Dow Jones Sustainability World Index, estando entre as
cinco melhores empresas de telecomunicações a nível
mundial com as melhores práticas de sustentabilidade.
Já muitos disseram que os tempos mais difíceis são
também tempos de oportunidade. Obrigam-nos a
repensar modelos e verdades adquiridas e a encontrar
novos caminhos. O que muitas vezes esquecemos é que o
número de pessoas que desiste é bem maior do que
aquelas que fracassam. Mas para a PT desistir não é opção.
Espero, com toda a convicção, que cada vez mais pessoas
e empresas pensem desta forma. >|<
DA FILANTROPIA À RESPONSABILIDADE SOCIAL CORPORATIVA | ZEINAL BAVA
A (ir)responsabilidadesocial das empresas
As sociedades mais desenvolvidas vivem num quadro de mudança de valores para além dos tradicionais
valores materiais, começando os gestores a tomar consciência de que as empresas são agentes sociais
activos pelo que têm de ter em conta, ao longo da sua actividade, os diversos factores e necessidades que
a sociedade lhes solicita (Carrasco, 2007).
Neste sentido, e de acordo com Santos (2008), as frequentes mudanças no meio envolvente das
organizações obrigam os gestores, numa perspectiva sustentável de actuação, a assumir um
posicionamento dinâmico que requer, constantemente e cada vez mais, uma alteração nos seus
posicionamentos e nas suas acções.
No entanto, e segundo Vasconcellos e Sá (2002), o dilema da gestão reside na dupla necessidade dos
gestores assumirem dois papéis em simultâneo: o de gestor para cuidar da empresa do presente, o
dia-a-dia, e o de empresário para criar e desenvolver a empresa do futuro.
Todas as organizações empresariais têm de definir de forma precisa, por razões de natureza estratégica e
operacional, três aspectos essenciais para a sua gestão: a visão, que traduz o seu entendimento do negócio,
a forma como pretendem estruturar a sua actividade e os fins que pretendem alcançar; a missão, que
sintetiza os objectivos da organização e aquilo que se comprometem realizar; e os valores,
consubstanciados nos princípios éticos, deontológicos e empresariais pelos quais se rege a sua actuação,
tendo em atenção todas as partes envolvidas e interessadas na sua actividade.
Este último aspecto deve representar, no seu todo, a cultura empresarial viva e actuante das organizações,
a qual deve incorporar princípios de responsabilidade social abrangentes a todos os agentes interessados,
MÁRIO DE JESUSECONOMISTA
JOÃO ROCHA SANTOSPROFESSOR UNIVERSITÁRIO
68 CADERNOS DE ECONOMIA
MODA OU NECESSIDADE?
JANEIRO | MARÇO 2012 69
dos colaboradores e accionistas aos clientes e
fornecedores, das associações empresariais aos grupos
ambientalistas, das instituições governamentais às
organizações não-governamentais.
De acordo com o Green Paper da Comissão Europeia
“Promoting an European Framework for Corporate Social
Responsability” (2001), a responsabilidade social
corporativa deve integrar voluntariamente preocupações
de natureza social e ambiental no desenvolvimento dos
negócios e das operações, indo para além da verificação
de conformidades e do mero cumprimento de
obrigações legais, investindo cada vez mais no capital
humano, no ambiente e nas relações que se estabelecem
com os diversos stakeholders.
Uma cultura empresarial forte e vincada, movida por
princípios éticos, morais e empresariais concretos e
praticados, imbuídos de reais preocupações de
natureza social e ambiental, contribui para reforçar as
relações internas entre os colaboradores e a construção
de um espírito de equipa indispensável ao sucesso
pretendido.
Por outro lado, a existência real destes princípios
constitui um passo importante para reforçar a interacção
da organização com a comunidade envolvente,
permitindo-lhe obter por parte desta o respeito e o
reconhecimento da sua actuação, a qual deve ser
pautada por princípios solidários e de generosidade,
permitindo ganhos de notoriedade e o consequente
fortalecimento da sua imagem institucional, das suas
marcas e dos seus produtos e serviços.
As empresas podem (e devem) intervir de forma activa na
sociedade através do desenvolvimento das mais variadas
acções, desde o apoio financeiro aos mais carenciados
até ao mecenato cultural, do patrocínio de instituições de
solidariedade social até ao apoio material de actividades
culturais, recreativas e desportivas, da promoção de
acções de formação e sensibilização sobre questões
ambientais até ao investimento em meios e tecnologias
tendentes à redução do impacto poluidor da sua própria
actividade.
No contexto interno das organizações, e atenta a
realidade das sociedades modernas, as empresas e os
seus gestores devem (e têm) de olhar para as condições
sociais que proporcionam aos seus colaboradores
numa dupla perspectiva: no respeito pelos valores
sociais e ainda no impacto que as medidas tomadas
induzem na proactividade e no rendimento individual
e colectivo.
Entre outras, destacam-se o papel da mulher no cenário
de desenvolvimento empresarial e o enquadramento da
sua actividade profissional com as responsabilidades e
necessidades de natureza familiar e materna, a
flexibilização e limitação dos horários de trabalho atentas
as tarefas e responsabilidades extraprofissionais dos
colaboradores e o estabelecimento de um equilíbrio
saudável entre a actividade profissional e a vida particular
e familiar, a disponibilização de condições com -
plementares ao exercício das actividades profissionais
(refeitórios, meios de transporte, programas de
MODA OU NECESSIDADE? A (IR)RESPONSABILIDADE SOCIAL DAS EMPRESASMÁRIO DE JESUS E JOÃO ROCHA SANTOS
70 CADERNOS DE ECONOMIA
assistência médica pessoal e familiar, incentivos ao
desenvolvimento educacional e formativo) e a existência
de boas condições físicas de trabalho (instalações) ao
nível ambiental, ergonómico e de higiene e segurança.
Em Portugal, existem casos conhecidos, estudados e
amplamente divulgados, de empresas que põem em
prática alguns dos princípios aqui enunciados. E esta
realidade não está condicionada à dimensão uma vez
que encontramos implementados estes princípios não só
no seio de grandes empresas mas também entre PME e
empresas familiares.
No entanto, no actual contexto económico recessivo
vivido quer em Portugal quer um pouco por toda a Europa,
o qual afecta os mercados e as empresas, assiste-se cada
vez mais ao detrimento das responsabilidades empre -
sariais de índole social em prol das questões de natureza
eminentemente económica e financeira.
Constitui um marco visível desta acentuada des -
responsabilização social o aumento acentuado do nível
de desemprego em Portugal, com forte incidência no
grupo dos jovens sem emprego ou à procura da primeira
oportunidade de trabalho e ainda no grupo constituído
por cidadãos de meia-idade, com experiência
consumada no mercado laboral mas que pelas mais
diversas razões e justificações se vêem “empurrados”, não
poucas vezes de modo dificilmente justificável, para uma
situação de desemprego involuntária.
E se algumas empresas investiram em estratégias
suportadas numa forte vertente social, contribuindo
desta forma para uma maior motivação, reconhecimento
e produtividade dos seus colaboradores, verifica-se agora
em muitos casos uma inflexão nestes propósitos
empresariais, substituindo a lógica de investimento no
capital humano de longo prazo pela perspectiva
imediata de resolução de questões de curto prazo,
retirando sem justificação plausível muitas das condições
criadas segundo um espírito inovador e empreendedor,
de visão de futuro e de dimensão humana.
No actual contexto
económico recessivo
vivido quer em Portugal
quer na Europa, que
afecta os mercados e as
empresas, assiste-se
cada vez mais ao
detrimento das
responsabilidades
empresariais de índole
social em prol das
questões de natureza
eminentemente
económica e financeira.
JANEIRO | MARÇO 2012 71
Esta visão humanista tem vindo a ser substituída pelo
domínio da vertente financeira, entendida esta como o
único factor de sobrevivência.
Esta postura leva a colocar algumas questões, porventura
consideradas “politicamente incorrectas”, relativamente
às opções e decisões tomadas pelos gestores sobre as
questões da responsabilidade social e o seu real
fundamento.
Será que as políticas de responsabilização social
divulgadas por muitas empresas não são mais do que o
resultado de um mero expediente tendente sim -
plesmente ao reconhecimento externo das organizações
e à criação de uma imagem favorável junto dos
stakeholders?
Do mesmo modo, a criação de condições mais favoráveis
a nível interno junto dos colaboradores não resulta, em
muitos casos, da necessidade única de dar resposta às
pressões exercidas pelas diversas entidades repre -
sentantes dos colaboradores (sindicatos, ordens,
associações profissionais) e da simples satisfação das
suas reivindicações e interesses?
As acções externas em prol da comunidade envolvente,
por vezes assumidas sob a forma de mecenato, não são
por vezes motivadas pela simples necessidade de reduzir
o conjunto de proveitos gerados com a actividade,
procurando aliar a uma imagem de solidariedade e
preocupação comunitária a capacidade de induzir
“custos” dedutíveis em sede fiscal?
A redução recente e acentuada da força laboral,
consubstanciada no aumento das práticas da cessação
de contratos de trabalho e algumas vezes no
despedimento colectivo, não são muitas vezes
consequência (quase) exclusiva duma insuficiente
capacidade de gestão para projectar cenários de
crescimento futuro da sua actividade e para estabelecer
estratégias corporativas sustentáveis no longo prazo,
emergindo estas limitações e insuficiências no actual
quadro recessivo e de forte contracção dos mercados?
Estamos certos que não existem respostas padrão para
estas questões, encontrando-se no mundo empresarial
exemplos que comprovam uma e outra das tendências
que aqui apresentámos.
O que importa é que o esforço, o empenho e a dedicação
das empresas aos aspectos relacionados com a
responsabilidade social não seja apenas um fenómeno
de projecção mediática e reforço da imagem institucional
mas vá muito para além disso, tocando nos verdadeiros
aspectos da ética empresarial: o cumprimento das
normas, a seriedade na acção e o humanismo nas
relações. >|<
BIBLIOGRAFIA
Carrasco, I. (2007). “Corporate Social Responsibility, Values, and
Cooperation”, International Advances in Economic Research, 13, 4, 454-460.
Comissão Europeia (2001). Green Paper – Promoting a European Framework
for Corporate Social Responsibility [Online]. Commission of the European
Communities, Disponível através do site: http://eur-lex.europa.eu/.
Santos, A. J. R. (2008). Gestão Estratégica – Conceitos, modelos e
instrumentos. Lisboa: Editorial Verbo.
Vasconcellos e Sá, J. A. (2002). A Empresa Negligenciada. Lisboa, Editorial
Verbo.
MODA OU NECESSIDADE? A (IR)RESPONSABILIDADE SOCIAL DAS EMPRESASMÁRIO DE JESUS E JOÃO ROCHA SANTOS
A escolaridadee o capital humano
Este que é o Ano Europeu do Envelhecimento Activo e da Solidariedade entre Gerações abre espaço para
uma reflexão sobre a maior longevidade dos europeus e as oportunidades que daí decorrem. A
escolaridade é, naturalmente, um factor determinante numa sociedade para todas as idades e, em
particular, mais envelhecida. De facto, a educação adquirida no sistema formal de ensino é condição de
acesso ao conhecimento e este, por sua vez, reflecte-se numa multiplicidade de benefícios para o
indivíduo que o detém e para a sociedade em geral. Assim, tendo a escolaridade como objecto de estudo,
propomo-nos no presente artigo dar conta da forma mais apropriada de medição do nível de educação
formal na sociedade, ilustrando os indicadores sugeridos com uma aplicação empírica ao caso português.
ANOS DE ESCOLARIDADE MÉDIAA avaliação empírica do nível de escolaridade é a abordagem preferencial de quantificação do nível de
educação (formal) na sociedade. Nesse âmbito, diversos indicadores de output podem aferir a quantidade
da escolaridade, ainda que, em termos agregados, a opção escolhida seja, privilegiadamente, a estimativa
dos anos de escolaridade média, designadamente, a medida com aplicação internacional proposta por
Barro e Lee (1993, 1996, 2001, 2010a) – YSBL:
em que hls é a proporção da população adulta para o qual ls foi o nível de escolaridade mais elevado que
alcançaram e Dls a duração do nível de escolaridade ls, com ls a corresponder, respectivamente, ao primário
incompleto, primário completo, primeiro ciclo do secundário, segundo ciclo do secundário, ensino superior
SANDRINA BERTHAULT MOREIRAESCE-IPS, INSTITUTO POLITÉCNICO DE SETÚBAL, DEPARTAMENTO DE ECONOMIA E GESTÃO | BRU-IUL, INSTITUTO UNIVERSITÁRIO DE LISBOA, GRUPO DE ECONOMIA
72 CADERNOS DE ECONOMIA
JANEIRO | MARÇO 2012 73
incompleto e ensino superior completo. De acordo com
os dados mais recentes, Portugal apresenta em 2010 um
nível médio de escolaridade de 7,993 anos (Barro e Lee,
2010b).
Para uma melhor compreensão de um indicador deste
tipo, apresentamos, de seguida, o resultado da aplicação
a Portugal de um procedimento simplificado para o
cálculo do número médio de anos de escolaridade.
A figura 1 apresenta a partição da população portuguesa
segundo o nível de escolaridade completo, a fim de
possibilitar uma primeira leitura sobre o seu nível de
educação formal.
A figura 1 mostra que os indivíduos em cada um dos
níveis de escolaridade considerados representavam, em
2009, 10,8% (sem instrução), 29,1% (básico – 1.º ciclo),
14,6% (básico – 2.º ciclo), 19,6% (básico – 3.º ciclo), 14,7%
(secundário e pós-secundário) e 11,2% (superior) da
população com 15 e mais anos. Logo, mais de metade da
população considerada (63,4%) possuía entre quatro e
nove anos de escolaridade, abrangendo 5.716,6 mil
indivíduos.
Conjugando os dados anteriores com a duração dos
níveis de educação escolar do sistema educativo
português, calculámos o nível médio de escolaridade da
população portuguesa (com 15 e mais anos) em 2009
que, com base em alguns pressupostos, correspondeu a
7,5 anos(1).
Consideramos que o valor obtido para os anos de
escolaridade média pode estar subestimado, essen -
cialmente, por duas razões fundamentais: por um lado,
aplicou-se não só a duração normal de frequência do
secundário (três anos) à proporção de indivíduos para o
qual “secundário e pós-secundário” foi o nível de
escolaridade mais elevado que alcançaram, mas também
o número de anos correspondente às idades
A ESCOLARIDADE E O CAPITAL HUMANO | SANDRINA BERTHAULT MOREIRA
Figura 1
POPULAÇÃO PORTUGUESA (15 E MAIS ANOS) POR NÍVEIS DE ESCOLARIDADE COMPLETO
2009
Fonte: Elaboração própria com base em INE, 2010, Estatísticas do Emprego, pp.51-2.
Sem instrução 10,8%Superior 11,2%
Básico (1º ciclo) 29,1%
Básico (2º ciclo) 14,6%
Secundário e pós-secundário 14,7%
Básico (3º ciclo) 19,6 %
74 CADERNOS DE ECONOMIA
consideradas pelo INE (2009) para o cálculo da taxa de
escolarização no ensino superior (cinco anos) à
proporção de indivíduos para o qual “superior” foi o nível
de escolaridade mais elevado que alcançaram(2); por
outro, não se avançou com qualquer pressuposto para
níveis incompletos de ensino(3).
Para uma população com idade igual ou superior a 15
anos e nas durações assumidas para os níveis de
educação escolar considerados – básico, 1.º ciclo (quatro
anos); básico, 2.º ciclo (dois anos); básico, 3.º ciclo (três
anos); secundário e pós-secundário (três anos); superior
(cinco anos) –, o valor máximo de escolaridade média
que se poderia esperar obter varia entre nove e dezassete
anos de escolaridade. Logo, em termos de escolaridade
média, Portugal situa-se entre 44% e 83% do valor
potencial. Consequentemente, em termos médios, os 7,5
anos obtidos por Portugal em 2009 correspondem a 63%
do melhor nível médio de escolaridade possível de obter
levando em linha de conta as considerações acima
referidas.
A QUALIDADE DA ESCOLARIDADEUma crítica frequentemente apontada a uma medida dos
anos de escolaridade média prende-se com a omissão da
dimensão qualitativa do ensino – “one year of schooling is
not the same everywhere because [it] may reflect different
amounts of acquired knowledge in different countries”
(Wößmann, 2003, p. 253). Esta limitação é tanto mais
importante quanto mais abrangentes são os estudos que
envolvem comparações internacionais, dado que a
diferença na qualidade dos sistemas educativos entre
países é consideravelmente mais significativa do que a
referente a um só país. O indicador do stock de
escolaridade precisa, portanto, de ser complementado
com indicadores que possam mensurar a qualidade da
escolaridade.
Nesse âmbito, os dois conjuntos possíveis de indicadores
respeitam ao desempenho médio dos participantes de
Este que é o Ano
Europeu do
Envelhecimento Activo e
da Solidariedade entre
Gerações abre espaço
para uma reflexão sobre
a maior longevidade dos
europeus e as
oportunidades que daí
decorrem. A escolaridade
é, naturalmente, um
factor determinante
numa sociedade para
todas as idades e, em
particular, mais
envelhecida.
JANEIRO | MARÇO 2012 75
um dado país em testes internacionais de avaliação de
conhecimentos e competências adquiridas, além de
medidas que captam o nível e qualidade dos recursos
(físicos, humanos, financeiros) que um dado país afecta
ao sector educativo (indicadores de input). Confinando a
análise ao primeiro conjunto de indicadores, apresen -
tamos na figura 2, os resultados que Portugal obteve,
numa perspectiva comparada, no último PISA (Pro -
gramme for International Student Assessment) da OCDE.
Como se observa na figura 2, Portugal apresentou nos
três domínios em análise – leitura, matemática e
ciências – um desempenho abaixo da média da OCDE,
com os resultados no domínio da leitura a não serem
significativamente diferentes da média da OCDE, em
termos estatísticos (OCDE, 2010). Tais resultados
obtidos no PISA de 2009 fizeram com que o País se
situasse nos mesmos níveis de proficiência que os da
média da OCDE(4). Adicionalmente, dos países da União
Europeia participantes no PISA de 2009 (25 países da
UE27), Itália, Grécia, Espanha, Luxemburgo, Lituânia,
Bulgária e Roménia apresentam classificações que,
naqueles três domínios, se situaram abaixo das
obtidas por Portugal(5). >|<
AGRADECIMENTOS
O presente artigo decorre da investigação conducente à realização da tese
de Doutoramento em Economia da autora, pelo que um agradecimento
especial é dirigido ao seu orientador, o Doutor Nuno Crespo (Instituto
Universitário de Lisboa, ISCTE-IUL e BRU-IUL). A autora agradece ainda o
apoio da FCT/Fundação para a Ciência e Tecnologia – PROTEC; UNIDE/BRU
(PEst-OE/EGE/UI0315/2011).
NOTAS
(1) Recorde-se, a este respeito, da fórmula de cálculo (1). Além disso,
como referido em GEPE/ME e INE (2009), a educação escolar em
A ESCOLARIDADE E O CAPITAL HUMANO | SANDRINA BERTHAULT MOREIRA
Figura 2
RESULTADOS PISA 2009 (DESEMPENHO MÉDIO POR DOMÍNIO AVALIADO)
MÉDIA DA OCDE, PORTUGAL E PAÍSES DA UE COM PIORES PRESTAÇÕES QUE PORTUGAL
Fonte: Elaboração própria com base em OECD, 2010, PISA 2009 Results, Volume I, pp. 199, 226, 230.
● Leitura ● Matemática ● Ciências
MédiaOCDE
PT GR ES CZ SK LU AT LT BU ROIT LV SI
600
500
400
300
200
100
0
76 CADERNOS DE ECONOMIA
Portugal divide-se nos ensinos básico, secundário e superior. De
acordo com o sistema educativo português de 2008/2009, o ensino
básico tem a duração de nove anos e organiza-se em três ciclos
sequenciais – 1.º, 2.º e 3.º ciclos, sendo as idades normais de
frequência desses ciclos de estudos de seis a nove, 10 a 11 e 12 a 14
anos, respectivamente. Por sua vez, o ensino secundário abrange
mais três anos de escolaridade e para o ensino superior estão
previstos três ciclos – licenciatura, mestrado e doutoramento – que,
no total, perfazem mais onze anos de escolaridade, dos 18 aos 28
anos de idade (GEPE/ME e INE, 2009).
(2) De acordo com a OECD (2009), em Portugal e no ano de 2007, o
número de indivíduos entre os 25 e os 64 anos de idade com o nível
de escolaridade completo correspondente, no máximo, ao ensino
pós-secundário (ISCED 4) e à segunda etapa do ensino superior
(ISCED 6) foi de 0,67% e 0,82%, respectivamente.
(3) Em relação a YSBL, Barro e Lee admitem uma frequência desses
níveis em metade do período de duração dos mesmos. Contudo, os
micro-dados dos inquéritos ao emprego realizados pelo INE não
apresentam informação que possibilite o cálculo das proporções de
indivíduos com níveis de escolaridade incompletos.
(4) Os resultados anteriores – PISA de 2006 – foram menos satisfatórios.
As classificações obtidas por Portugal em 2006 – as quais se situaram
abaixo das da média da OCDE em qualquer área de conhecimento
avaliado – posicionaram o País no nível 2 para uma escala global de
leitura representada por cinco níveis de proficiência e escalas globais
de matemática e ciências de seis níveis, com a média dos alunos do
espaço da OCDE a situar-se nos níveis de proficiência 3.
(5) Além dos países referidos, verifica-se na figura 2 que Letónia e
Eslováquia também apresentaram classificações no PISA de 2009
abaixo das de Portugal em duas das áreas de conhecimento
avaliadas e Eslovénia, República Checa e Áustria numa dessas áreas.
REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICAS
Barro, R. J. e Lee, J. W. (2010a). A New Data Set of Educational Attainment in
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A ESCOLARIDADE E O CAPITAL HUMANO | SANDRINA BETHAULT MOREIRA
A gestãodo valor partilhado
No célebre artigo recente que publicou na Harvard Business Review, Michael Porter introduz o conceito de
valor partilhado como um elemento ventral na gestão da competitividade do Estado e das organizações
neste complexo tempo de crise. Segundo o conceituado especialista, o valor transaccionável gerado no
mercado deverá ser partilhado de forma adequada e justa pela sociedade, de forma a garantir mecanismos
de resposta às necessidades crescentes de segmentos da população sem alternativas de rendimento. O
valor partilhado é, assim, o compromisso de afirmação da responsabilidade social por parte das
organizações num mundo global com crescentes exigências.
A RESPONSABILIDADE SOCIAL GLOBALO Estado e as empresas têm hoje uma responsabilidade social acrescida e mais exigente. A gestão de
expectativas é hoje fundamental e, quando se começaram a agudizar os sinais de falta de controlo na
gestão operacional das contas públicas, criou-se o imperativo da necessidade da intervenção. O Estado
assumiu a condução do processo, para evitar a contaminação do sistema e a geração de riscos sistémicos
com consequências incontroláveis, mas as dúvidas mantiveram-se em muitos quanto à existência de
soluções alternativas mais condicentes com o funcionamento das regras do mercado. A responsabilidade
social implica hoje um novo contrato de confiança entre os diferentes actores económicos e sociais e só
com uma verdadeira mobilização e participação se conseguirão resultados concretos.
O ano de 2012 vai ser particularmente relevante para Portugal. Está em cima da mesa, no contexto da
consolidação do processo de integração europeia, a capacidade de o nosso país conseguir efectivamente
apresentar um modelo de desenvolvimento estratégico sustentado para o futuro. Da mesma forma que a
maior democracia do mundo teve a coragem de eleger Barack Obama e com isso assumir a inevitabilidade
FRANCISCO JAIME QUESADOESPECIALISTA EM ESTRATÉGIA, INOVAÇÃO E COMPETITIVIDADE
78 CADERNOS DE ECONOMIA
JANEIRO | MARÇO 2012 79
do seu processo de reinvenção estratégica, também em
Portugal sinais inequívocos de mudança têm que ser
dados. Em tempo de crise, os casos recentes que vieram
a lume vieram uma vez mais demonstrar que existe no
nosso país uma “minoria silenciosa” que de há anos a esta
parte mantém o status quo do sistema paralisado e, a
pretexto de falsas dinâmicas de renovação social e
reconversão económica, tenta reencontrar o caminho do
futuro com as mesmas soluções do passado, impensáveis
num contexto de mudança como aquele em que
vivemos.
As perguntas que as pessoas lançam, a propósito da
intervenção do Estado num contexto de crise em tempo
de globalização, correspondem sem dúvida a um
sentimento colectivo de uma nova geração que cresceu e
amadureceu numa sociedade aberta, onde a força das
ideias é central para o desenvolvimento da res -
ponsabilidade individual num quadro colectivo. A nova
geração que ganhou dimensão global através da força
dos instrumentos da sociedade da informação acredita
na felicidade e na justiça humana, mas à custa duma
adequada aposta na criatividade individual e no
reconhecimento do mérito na criação de valor. Por isso,
importa que se desenvolvam ideias que apresentem uma
solução diferente para os próximos tempos do País.
Precisamos, de facto, de um sentido de urgência na
definição de um novo paradigma de organização em
sociedade e de integração no mundo global. A
oportunidade existe. Mas importa que haja respostas
concretas.
Há que fazer, por isso, opções. Opções claras em termos
operacionais no sentido de agilizar a máquina processual
e, através dos mecanismos da eficiência e produtividade,
garantir estabilidade e confiança em todos os que
sustentam o tecido social. Opções claras em torno dum
modelo objectivo de compromisso entre governação
qualificada central, geradora de dimensão estabilizadora,
e indução de riqueza territorial através da participação
inovadora dos actores sociais. Opções assumidas na
capacidade de projectar no futuro uma lógica de
intervenção central que não se cinja ao papel clássico,
dejá-vu, de correcção in extremis das deficiências
endémicas do sistema, mas saiba com inteligência
criativa fazer emergir, com articulação e cooperação,
mecanismos autossustentados de correcção dos
desequilíbrios que vão surgindo.
A NOVA SOCIEDADE CIVILA sociedade civil tem nesta matéria um papel central. Os
novos actores sociais, na sua diferença e no seu sucesso,
são o resultado dum tecido social que se pretende
voltado para um futuro permanente. Os índices de
absorção positiva por parte da sociedade dos contributos
relevantes destes novos actores passam muito pela
estabilização de condições estruturais essenciais. A
matriz comportamental da população socialmente activa
das actuais sociedades é avessa ao risco, à aposta na
inovação e à partilha de uma cultura de dinâmica
positiva. Ou seja, dificilmente se conseguirá impor por
decreto este movimento colectivo de aproveitamento do
activo central que constitui a experiência dos novos
A GESTÃO DO VALOR PARTILHADO | FRANCISCO JAIME QUESADO
80 CADERNOS DE ECONOMIA
actores nesta ligação entre economia e sociedade. A
resposta tem que partir da própria sociedade e todos
temos uma particular responsabilidade nessa matéria.
Na nova sociedade aberta, importa de forma clara
consolidar o posicionamento de todos aqueles que têm
um contributo a dar para a afirmação duma identidade
partilhada e aceite por todos. Nem sempre se tem
conseguido corresponder a este desafio. Querer cultivar a
pequenez e aumentá-la numa envolvente já de si
pequena é firmar um atestado de incapacidade e de falta
de crença no futuro. É doentia a incapacidade em definir,
operacionalizar e dinamizar a lógica de capital social na
nova sociedade. Por isso, e mais do que nunca, a
inteligência colectiva no aproveitamento das
contribuições destes novos atores torna-se nesta matéria
um dado fundamental com que se deve contar para a
afirmação de uma sociedade mais equilibrada e justa.
A consolidação do papel destes novos actores entre nós
passa em grande medida pela efectiva responsabilidade
nesse processo dos diferentes actores envolvidos –
Estado, universidades e empresas. Todos eles têm que,
nesta matéria, saber estar à altura destas expectativas de
participação/colaboração tão próprias da sociedade
aberta atrás referida. Impõe-se, neste sentido, uma
articulação adequada ente estes actores relativamente a
um consenso estratégico à volta do adequado
aproveitamento do capital de contribuição destes novos
actores. Um desígnio de reinvenção que acelere uma
verdadeira acção colectiva de mobilização de ideias e
vontades em torno duma mudança desejada.
É aqui que entram os novos actores. Compete a estes
actores de distinção um papel decisivo na intermediação
operativa entre os que estão no topo e os que estão na
base da pirâmide. Só com um elevado índice de capital
intelectual se conseguirá sustentar uma participação
consistente na renovação do modelo social e na criação
de plataformas de valor global sustentadas para os
diferentes segmentos territoriais e populacionais. É esta a
essência da gestão do valor partilhado. >|<
A GESTÃO DO VALOR PARTILHADO | FRANCISCO JAIME QUESADO
O Estado e as empresas têm hoje uma responsabilidade
social acrescida e mais exigente. A gestão de expectativas é
hoje fundamental e, quando se começaram a agudizar os
sinais de falta de controlo na gestão operacional das contas
públicas, criou-se o imperativo da necessidade da
intervenção.
Este texto é a mosca na sopa de mais uma excelente edição dos
Cadernos de Economia. E é a mosca na sopa não pelo tema em si, que
é extraordinariamente relevante, mas porque o que se constata é que
entre o que inúmeros gurus apregoam e qualquer dirigente
empresarial defende acaloradamente – as pessoas são o mais
importante das organizações – a prática está muito longe ou é mesmo
radicalmente contraditória com os princípios apregoados.
O que hoje se assiste – uma tendência que já vinha bem antes da crise
de 2008 – é à preocupação de muitas empresas em substituírem
quadros há mais tempo nas organizações (e, por isso mesmo, mais
caros) por jovens que ganham metade ou menos e aceitam trabalhar
em condições bem mais precárias.
O que hoje se assiste – uma tendência que já vinha bem antes da crise
de 2008 – é a um discurso sobre o equilíbrio entre a vida profissional e
a familiar mas a uma prática completamente contrária, com exigências
crescentes para os quadros médios e superiores darem mais e mais do
seu tempo às organizações.
O que hoje se assiste é a um discurso bipolar onde por um lado se
defende que é necessário aumentar a idade da reforma para os atuais
CADERNOS DE ECONOMIA | A FECHAR
NICOLAU SANTOSJORNALISTA | ECONOMISTA
JANEIRO | MARÇO 2012 81
Mitose contradições
82 CADERNOS DE ECONOMIA
trabalhadores e, ao mesmo tempo, se defende que é necessário
combater o explosivo crescimento do desemprego entre os jovens
(que já ultrapassa os 35%).
O que hoje se assiste é a uma precarização cada vez maior dos
vínculos laborais e a uma deterioração das condições de trabalho,
fazendo que não haja apenas uma mas duas gerações “à rasca”: os
mais velhos, que têm trabalho mas temem o desemprego, veem os
seus salários reais a cair e os seus direitos a esboroar-se, e os mais
novos que não conseguem arranjar um trabalho estável e aceitam
trabalhar em condições precárias por 500 a 700 euros.
É claro que há excelentes explicações para estas situações: a
globalização, a crise, a produtividade, a competitividade, os custos
horários do trabalho.
No fim do dia, contudo, a questão resume-se assim: a relação
“envelhecimento ativo/responsabilidade social das empresas” é das
últimas coisas que, neste momento, preocupa a generalidade das
empresas portuguesas.
No topo, está a sobrevivência no meio de uma guerra violentíssima. E,
como se sabe, em tempo de guerra não se limpam armas.
Desculpem, mas este texto é a mosca na sopa no tema desta edição
dos Cadernos de Economia. >|<
CADERNOS DE ECONOMIA | A FECHAR
A relação “envelhecimento ativo/responsabilidade social das empresas”é das últimas coisas que, neste momento, preocupaa generalidade das empresas portuguesas.