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  • 8/2/2019 Histria Economia e Recursos Naturais - A bacia hidrogrfica de Entre-Ribeiros no Noroeste de Minas Gerais - Cader

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    Publicao:

    Vasconcelos, VV; Soares, J; Hadad, RM; Martins Junior, PP; Castro, JFM. Histria,Economia e Recursos Naturais - A Bacia Hidrogrfica de Entre-Ribeiros, noNoroeste de Minas Gerais. Cadernos de Geografia, PUC-MINAS, PPGG-TIE, ISSN0103-8927. Belo Horizonte, v. 18, n. 30, 2 sem. 2008, p. 39-57.

    HISTRIA, ECONOMIA E RECURSOS NATURAIS A BACIA HIDROGRFICA

    DE ENTRE-RIBEIROS, NO NOROESTE DE MINAS GERAIS.

    History, Economy and Natural Resources Entre-Ribeiros Basin, in Minas Gerais

    Nortwest

    Vitor Vieira Vasconcelos1,2, Joseany Soares 1,3, Renato Moreira Hadad1, Paulo Pereira

    Martins Junior4,5, Jos Flvio Morais Castro1

    1

    PUC-Minas.

    2

    Ibama.

    3

    Centro Educacional Santa Edwirges.

    4

    Fundao Cetec-MG.

    5

    UFOP

    Resumo: Em virtude de suas caractersticas ambientais, a Bacia de Entre-Ribeiros apresenta

    uma aptido para expanso da agricultura moderna. Como implicao dos processos

    histricos, incluindo planos governamentais e projetos privados, a agricultura avanou sobre o

    bioma Cerrado. Em especial, chama-se a ateno para a agricultura tecnolgica irrigada, a

    qual apresenta avanos notveis de ocupao territorial e de produo agrcola, em

    decorrncia de ciclos econmicos favorveis nas ltimas dcadas. Procura-se demonstrar

    como essa histria de ocupao acarretou nos impactos ambientais e nos conflitos de uso da

    gua nessa bacia hidrogrfica.

    Palavras chave: Histria Ambiental, Economia, Recursos Naturais, Noroeste de Minas

    Gerais, Entre-Ribeiros

    Abstract: Due to its environmental distinctiveness, the Entre-Ribeiros Basin has a notable

    aptness for the modern agriculture expansion. In virtue of historical process, including

    government plans and private projects, the agriculture fields have settle down over the

    Cerrado biome (Brazilian Savanna). It is important to investigate the irrigation technological

    agriculture front, which has spread steadily over a vast area, because of favorable economic

    cycles in the last decades. The aim of this paper is to demonstrate how the land use history of

    Entre-Ribeiros has led unto environmental impacts and water use conflicts on this basin.

    Keywords: Environmental History, Economy, Natural Resources, Minas Gerais Northwest,

    Entre-Ribeiros

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    1. INTRODUO

    A atividade agrcola moderna, predominantemente sustentada a partir de monoculturas

    extensas e de elevado nvel tecnolgico, tm se transformado em grande usuria de recursos

    naturais e, conseqentemente, em significante geradora de impactos ambientais (BRASIL,2000). A produo de cana, soja, milho, sorgo, entre outros produtos agrcolas, acarretam em

    transformaes drsticas da paisagem, e dentre os impactos ambientais associados s frentes

    agrcolas, destacam-se: compactao do solo, contaminao das guas e da biota por

    agrotxicos e fertilizantes, desmatamento com a fragmentao de habitats, queimadas,

    reduo da disponibilidade de gua subterrnea e superficial pela irrigao inadequada das

    reas cultivadas, reduo da diversidade vegetal e animal, e perdas de solos (EGLER; RIO,

    2002).O objetivo deste artigo percorrer a histria da ocupao do solo da Bacia

    Hidrogrfica de Entre-Ribeiros, situada na Bacia do Rio Paracatu, no Noroeste de Minas

    Gerais (Figuras 1a e 1b). Com base nos processos de ocupao evidenciados, ser possvel ter

    maiores subsdios para analisar como as modificaes de uso do solo e de tecnologia

    produtiva interferiram no balano hdrico natural e no ecossistema como um todo. Aps uma

    contextualizao sobre a ocupao do cerrado pelas frentes agrcolas a partir de 1970,

    aprofunda-se na histria recente da ocupao da regio Noroeste de Minas Gerais sempre

    que possvel, enfocando a Bacia de Entre-Ribeiros. Cabe evidenciar com detalhes as

    mudanas nas ltimas quatro dcadas em relao forma de ocupao do espao rural e ao

    uso de seus recursos naturais, no Noroeste de Minas Gerais. Com isso, espera-se poder

    esboar uma caracterizao mais fidedigna da bacia de Entre-Ribeiros, bem como mostrar

    como sua histria contribuiu para os atuais conflitos quanto ao uso dos recursos naturais.

    A pesquisa apresentada comeou a tomar corpo no decorrer do projeto CRHA -

    Conservao de Recursos Hdricos no contexto da Gesto Agrcola e Ambiental de Bacias

    Hidrogrficas, financiado pelo MCT/Finep CT-Hidro (2002-2006). No decorrer desse

    projeto, uma equipe multidisciplinar de pesquisadores realizou vrias visitas cidade de

    Paracatu Bacia Hidrogrfica do Rio Paracatu, para investigar a situao ambiental da regio.

    No decorrer dessas atividades, foram realizadas discusses com diversos atores que

    vivenciaram a histria recente da ocupao agrcola: produtores rurais, moradores urbanos,

    membros de organizaes no-governamentais e do comit de bacia hidrogrfica, lideranas

    sociais e polticas, entre outros. Vrios pontos de vistas e informaes foram coletados e

    confrontados, para enfim serem careados frente s fontes bibliogrficas existentes.

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    Vasconcelos (2009), em uma investigao sobre como esse processo histrico de ocupao

    relacionou-se aos processos ambientais e econmicos existentes, forneceu o fio argumentativo

    para interpretar os fatos histricos recolhidos. Por fim, a estruturao final desse material se

    deu em virtude do apoio CAPES/PROSUP (2008/2009), no Programa de Ps-Graduao em

    Geografia Tratamento da Informao Espacial PPGG-TIE, na Pontifcia UniversidadeCatlica de Minas GeraisPUC-Minas.

    Figuras 1a e 1b: Localizao da Sub-Bacia de Entre-Ribeiros na Bacia do Rio Paracatu e, por sua vez, no Estadode Minas Gerais.

    1. A HISTRIA AMBIENTAL E A GEOGRAFIA HISTRICA NO ESTUDO DEREAS GEOGRFICAS

    Para fazer uma anlise histrica da regio da bacia hidrogrfica de Entre-Ribeiros

    preciso utilizar a contribuio da histria ambiental que recebe muitas vezes o nome de eco-

    histria e da geografia histrica. Fazendo releituras de velhos relatos de viagens, de

    documentao acadmica, de obras literrias e artsticas, enfim, reexaminando uma massa

    documental variada, pode-se retirar informaes sobre o meio ambiente e sobre as relaes do

    homem com a natureza, concernentes a diversos perodos da histria.

    A Histria Ambiental estuda as relaes entre sociedade e ambiente e as

    conseqncias dessas relaes, coloca o homem na terra e centra sua relao com a natureza e

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    seus impactos. Prioriza o meio e se aprofunda na sua descrio, porque se prope a responder

    um problema presente agudoa crise ambiental.

    A cultura humana age sobre o meio fsico-material, propiciando significados e usos

    complexos dos seus elementos. No mais possvel pensar na sociedade humana sem

    ancoragem no mundo natural. A histria ambiental praticada hoje resulta de um projeto

    reformista de alguns historiadores e est regulada aos ponteiros do relgio geolgico e do

    social (DRUMMOND, 1991).

    A histria ambiental revela ligao tambm com a histria regional (enfoca uma

    regio com alguma homogeneidade ou identidade natural), pois focaliza processos sociais (e

    naturais) geograficamente circunscritos, embora tipicamente os limites dessas reas sejam

    naturais e no sociais e polticos.

    A histria ambiental no visita protocolarmente as cincias naturais: depende profundamente

    delas e muitas vezes trabalham em associao direta com cientistas naturais. Precisam entender

    o funcionamento dos ecossistemas para avaliar com correo o papel das sociedades humanas

    dentro delas, os limites da ao humana e a potencialidade de superao cultural desses limites.

    Freqentemente preciso estudar at conceitos e achados superados ou equivocadas

    dessas cincias, no caso (muito freqente) de elas terem tido alguma influncia identificvel no

    modo como a sociedade estudada interveio no seu ambiente. Ou seja, as cincias naturais, alm

    de aliadas, podem ser tambm parte do prprio objeto de estudo, como manifestaes

    culturais que ajudam a entender os padres de uso dos recursos naturais.(DRUMMOND,

    1991)

    As cincias naturais contribuem na identificao do conjunto de recursos naturais

    disponveis no territrio de uma sociedade. A histria ambiental um campo onde se resume

    em muitas contribuies e cuja prtica inerentemente interdisciplinar. A sua prioridade est

    em colocar a sociedade na natureza, no equilbrio com que busca esta interao, a influnciamtua entre sociedade e natureza.

    Em meio s diversas reas de estudo da Geografia, destaca-se aqui tambm a

    importncia da Geografia Histrica para o desenvolvimento de estudos de reas geogrficas.

    A Geografia Histrica utiliza da anlise das relaes entre o ser humano e o meio natural ao

    longo da histria, ou seja, estuda as caractersticas e evoluo dos espaos histricos, a

    morfologia, a paisagem e a organizao territorial e sua formao social.

    De acordo com Milton Santos, a Geografia Histrica buscou

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    [...] fazer uma geografia no tempo, reconstruindo as geografias do passado [...] tambm se

    preocupou com as questes das periodizaes [...] as periodizaes histricas poderia ser o

    instrumento adequado para enfrentar o tratamento adequado do espao em termos do tempo.

    Sem dvida, a cada sistema temporal o espao muda. (SANTOS, 1996, p.42)

    Desta maneira o atual dependente do antigo, de acordo com Santos (1992):

    Alguns elementos cedem lugar, completa ou parcialmente, a outros da mesma classe, porm

    mais modernos; outros elementos resistem modernizao; em muitos casos, elementos de

    diferentes perodos coexistem. Alguns elementos podem desaparecer completamente sem

    sucessor e elementos novos podem se estabelecer (pg. 21-22).

    E ainda obstina-se no conceito da estrutura do espao e do tempo para analisar o espao

    geogrfico e concreto:

    A sociedade s pode ser definida atravs do espao, j que o espao o resultado da

    produo, uma decorrncia de sua histriamais precisamente, da histria dos processos

    produtivos impostos aos espaos pela sociedade (pg. 49).

    O espao um produto da histria e este est intrnseco no tempo, portanto o espaotambm um tempo histrico. A holstica do tempo como sendo objeto de estudo da histria

    e de espao como objeto geogrfico s traz a tona um espao parado, sem dinmica. O tempo

    da histria no o tempo do relgio e o tempo geogrfico no o tempo das coordenadas

    geogrficas, tempo e espao esto embutidos nestas duas cincias.

    Santos (1999) enfatiza:

    [...] o passado um outro lugar, ou, ainda melhor, num outro lugar. No lugar novo, o passado

    no est; mister encarar o futuro: perplexidade primeiro, mas, em seguida, necessidade de

    orientao (p. 263).

    Para Abreu (1998), o espao atual ainda sobre influncias por preceitos do passado:

    [...] sem entend-las, no seremos capazes de compreender bem os espaos atuais e nem

    poderemos intervir eficazmente sobre eles, seja para melhor-los, seja para modific- los

    (p.198).

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    Mesmo sendo importante o uso da dimenso temporal para os estudos geogrficos,

    esta categoria ainda pouco difundida na dimenso espacial, a geografia histrica ainda

    misteriosa para os gegrafos e comea de acordo com Phillo (1996) com a definio do objeto

    de pesquisa. No est em pauta o mrito da relao temporal nas pesquisas geogrficas. a

    geografia do mundo est estreitamente ligada com o que acontece em sua histria (PHILLO,1996, p. 270), mas sem instituir limites terico-metodolgicos entre a geografia e a histria.

    Dos gegrafos precursores tambm se preocuparam com o espao e o tempo em seus

    estudos. Segundo LENCIONI, 2003, Emmanuel Kant (1772-1804) aquele que em seus

    estudos se depara que o alicerce da Geografia o espao e j naquela poca se preocupava

    com elementos histricos importantes para o estudo do espao geogrfico e destaca:

    Em sua obra, Physische Geographie (Geografia Fsica), relaciona a Geografia ao espao e a

    Histria do tempo, considerando a primeira, base da segunda, porque, como disse, a histria

    um processo incessante, mas as coisas tambm mudam e, s vezes do como resultado uma

    geografia totalmente distinta. A Geografia , pois, o substrato(apud Unwin, 1995, pg. 108)

    (LENCIONI, 2003, pg. 68-9).

    Kant em sua obra discursa sobre a ligao entre a s condies naturais e a histria dos

    homens. Esta ligao para ele de grande relevncia, pois no se pode conhecer o homem se

    no levar em considerao o seu meio, o que para ele era uma grande falha da histria, pois

    esta no se preocupava onde teriam ocorrido os fatos. Este tambm destacou o fato de que a

    descrio geogrfica deveria levar em conta o tempo e o espao, no apenas o conceito.

    Carl Ritter (1779-1859) tambm se preocupou em seus estudos, - principalmente em

    sua obra Erdkunde (Geografia), um estudo sobre a frica - com as interaes entre o ser

    humano e a superfcie terrestre. Ritter destaca: A Terra e seus habitantes esto na mais

    ntima relao recproca e sem estes, aquela que no pode ser apresentada em todas as suas

    correlaes. Da a histria e a geografia terem de permanecer sempre inseparveis

    (LENCIONI, 2003, pg. 93).

    Hartshorne tambm considerava a Geografia uma cincia da natureza e da sociedade.

    Discpulo de Kant, destacava que para compreender o presente era necessrio o conhecimento

    histrico, desde que esse no se confundisse com a Geografia. Afirmava que o papel da

    Geografia estudar a formao e o desenvolvimento dos fenmenos, o olhar do gegrafo

    deve estar em direo a apreenso do carter das reas e no confundir esse olhar com o do

    historiador que tem interesse maior nos processos.

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    Santos (1996) cita lise Rechus para acentuar que no pode existir geografia sem

    histria: Geografia a Histria no espao e a Histria a Geografia no tempo (pg. 42).

    Hassinger (1952) percebe uma ligao estreita mais antiga entre a histria e a

    geografia ao estudar os fatores geogrficos no processo histrico, portanto, a duas cincias se

    encontram juntas, dependem uma da outra.

    De acordo com SANTOS (1996) o questo temporal nas pesquisas geogrficas no

    mais temida, mas, ainda possui uma certa fragilidade conceitual. Ainda ressalta que em toda

    localidade o tempo presente se depara com o tempo passado convertido em formas. Sendo

    assim, necessrio admitir o tempo na geografia.

    Admitir nos estudos geogrficos o tempo quer dizer torn-lo material (SANTOS,

    1996). O tempo materializa-se no espao geogrfico atravs de formas construdas de acordo

    com cada poca de sua histria. O somatrio de diferentes tempos tem como conseqncia a

    paisagem atual, dessa forma, usar o passado imprescindvel:

    nos conjuntos que o presente nos oferece, a configurao territorial, apresentada ou no em forma

    de paisagem, a soma de pedaos de realizaes atuais e de realizaes do passado (SANTOS,

    1997, p. 69).

    3. OCUPAO DO CERRADO BRASILEIROAntes de 1950, os Cerrados eram pouco utilizados para agricultura de grande escala,

    em virtude de seu clima quente, de estao seca e por seus solos carentes em nutrientes.

    Todavia, atualmente mais de um quarto dos cereais brasileiros so cultivados nas reas de

    cerrado. Ademais, o Cerrado manteve-se como uma das regies mais significativas para a

    produo pecuria bovina brasileira. Principalmente a partir dos anos 70, em decorrncia aos

    incentivos governamentais dos programas de desenvolvimento regional Polocentro eProdecer, a regio dos Cerrados teve um aumento significativo na expresso de seus vetores

    de ocupao. Esse fenmeno foi iniciado pelo reflorestamento de Pinus e Eucaliptus,

    respaldado pela Lei 5.106 que concedia incentivos fiscais a essas atividades. O relativamente

    irrisrio preo das terras foi um dos motivos determinantes na ocupao dos cerrados.

    (SILVA, 2000)

    Posteriormente, houve a introduo da agricultura intensiva com as culturas de soja,

    algodo, caf, milho, feijo e ervilha (SILVA, 2000). O conseqente uso do solo torna

    admissvel correlacionar o aumento da produtividade agrcola do Cerrado nas ltimas quatro

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    dcadas, concomitantemente com a reduo das reservas de ecossistemas nativos, restando

    hoje apenas pequenas manchas do Cerrado em estado intocado (LIMA, 1996). Pelo rpido

    desmatamento que vem sofrendo, o bioma dos cerrados j perdeu mais de 50% de sua rea

    nativa, nos ltimos 35 anos (BRANDON et al. 2005). Por essa razo, o Cerrado foi

    considerado como umHotspot da Biodiversidade, ou seja, uma das reas do mundo que maiscorrem risco de perder sua riqueza de genes, espcies e ecossistemas (KLINK; MACHADO,

    2005).

    O Cerrado teve sua ocupao devido tanto ao fato de sua posio privilegiada de

    proximidade aos grandes mercados consumidores, quanto aos incentivos do Estado, que se

    interessavam pelo desenvolvimento da economia brasileira atravs do aumento e da

    modernizao da produo agrcola. Nesse tocante, a atuao do Estado foi decisiva para que

    houvesse a ocupao agrcola do Cerrado. Entretanto, alm de ressaltarmos as polticasadotadas pelo mesmo para que isso ocorresse de maneira eficiente, importante ter em conta

    o desenvolvimento de tecnologias agrcolas que possibilitaram a viabilidade econmica da

    agricultura empresarial nesse bioma.

    4. OCUPAO DE ENTRE-RIBEIROS E DO NOROESTE DE MINAS GERAIS

    4.1. Primeiros empreendimentos, de 1970 a 1985

    Na regio Noroeste de Minas Gerais, as condies planas do relevo permitiram o uso

    de uma forte mecanizao, modificando-se rapidamente a paisagem atravs da retirada quase

    que total da cobertura vegetal natural (SILVA, 2000). Segundo dados de 1998 (DINO, 2001),

    a poro Oeste da bacia do Paracatu se apresenta mais desenvolvida e mais ocupada do que a

    poro Leste, por possuir clima e solos mais aptos produo agrcola, e justamente nessa

    regio esto concentradas as maiores cidades.

    Os primrdios da ocupao do Noroeste de Minas Gerais se deram ainda no perodo

    colonial, com a descoberta de jazidas de ouro na regio, formando esparsos ncleos

    populacionais. Com a decadncia da minerao, a partir da segunda metade do sculo XVIII,

    a pecuria de grandes propriedades domina o quadro econmico da regio (ANDRADE,

    2007, p. 89-90). At 1975, como evidenciado pela anlise de imagens de satlite Landsat 1

    (www.inpe.gov.br), predominava em Entre-Ribeiros, assim como na maior parte do Paracatu,

    uma regio ainda conhecida como Sertes, ou seja, vastas reas utilizadas para pecuria

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    extensiva de baixa tecnologia, em pastagens naturais (FUNDAO CENTRO

    TECNOLGICO DE MINAS GERAIS, 1981). Associada a pecuria, tambm se observava a

    atividade complementar de carvoejamento e algumas reas de minerao.

    Com os programas e incentivos de ocupao do Noroeste de Minas Gerais, a partir da

    dcada de 1970, houve uma acelerao brusca da expanso agropecuria na regio. Programascomo o Planoroeste I e II foram responsveis por proporcionar regio uma infra-estrutura de

    transporte e energia (MOREIRA, 2006, p. 16), estudos de reconhecimento dos recursos

    naturais (FUNDAO CENTRO TECNOLGICO DE MINAS GERAIS, 1981), alm de

    incentivos econmicos ocupao da regio. Foram vrios programas de incentivo

    financeiro, como o Programa de Cooperao Nipo-Brasileiro para o Desenvolvimento dos

    CerradosProdecer, Programa de Desenvolvimento dos CerradosPolocentro, Programa

    Especial da Regio Geo-econmica de Braslia Pergeb e Programa de DescentralizaoAdministrativa e Financeira PDAF (RURALMINAS, 1981). A construo de Braslia, a

    partir da dcada de 1960, tambm contribuiu ao incluir a regio noroeste de Minas Gerais nos

    eixos de circulao viria nacionais, pela Rodovia BR-040 (ANDRADE, 2007, p. 89-90).

    Em um primeiro momento, predominou a agricultura de sequeiro, nos vales de maior

    aptido agrcola (ANDRADE, 2007, p. 97), enquanto a associao pecuria/carvoejamento

    avanava por frente ao Cerrado, rumo s cabeceiras das bacias hidrogrficas. Tratava-se de

    uma ocupao pouco planejada em termos de sustentabilidade, de tecnologia de manejo e de

    potencial de uso das terras. Tais aspectos levaram Andrade (2007, p. 97) a caracterizar esse

    perodo como de ocupao predatria do espao e dos recursos naturais. Escolhas

    desacertadas desse perodo foram responsveis por grande parte dos problemas de eroso e

    assoreamento enfrentados hoje pelos agricultores da regio.

    4.2. Modernizao da Frente Agrcola. 1985 a 2000

    A partir da metade da dcada de 1980, os empreendedores agropecurios comeam a

    perceber a necessidade da gesto sustentvel dos recursos naturais de suas propriedades. Latuf

    (2007, p. 42) observa que, entre 1985 e 2000, vrias reas de pastagem foram abandonadas

    lenta regenerao natural, em virtude de mostrarem no ter capacidade de suporte do meio

    fsico para essa atividade econmica. Como tambm eram at menos adequadas para

    atividades agrcolas, o resultado foi uma regenerao das reas de mata, especialmente nesses

    terrenos de neossolos litlicos e cambissolos, com geomorfologia de ravinas e declives mais

    acentuados.

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    Uma das grandes responsveis para a mudana da mentalidade dos empreendedores

    rurais do Noroeste de Minas, bem como para o incremento de tecnologia s atividades

    produtivas, foi a Companhia de Produo Agrcola (Campo). A partir de uma estratgia de

    arregimentar agricultores de outras regies do pas (especialmente a Regio Sul), fornecendo

    assistncia tcnica e trabalhando com cooperativismo rural, a Campo tornou possvel oestabelecimento de modernos projetos agrcolas de irrigao (MOREIRA, 2006, p. 16). Essa

    nova forma de ocupao do solo baseava-se em uma gesto administrativa e tecnolgica mais

    profissionalizada, marcando um contraste com as iniciativas anteriores.

    No decorrer das ltimas dcadas, a regio tornou-se mais atrativa para o agro-negcio.

    Tal processo foi alimentado, durante as dcadas de 1980 e 1990, devido ao preo da terra que

    era cerca de um tero do preo da mesma rea (em hectares) em outras regies no Sul e

    Sudeste (CUNHA, 1994). Esse fator reduziu o custo inicial de implantao das lavouras eacenava para retornos satisfatrios, devido ao aparato tecnolgico utilizado.

    O maior empreendimento de agricultura irrigada de Entre-Ribeiros, nas dcadas de

    1980 e 1990, foi o PCPER I (Projeto de Colonizao ParacatuEntre-Ribeiros), que consiste

    em uma associao de 27 agricultores, irrigando 2460ha (BRITO; BASTINGS;

    BORTOLOZZO, 2003, p. 286-288). Seu primeiro canal de irrigao foi aberto em 1988, com

    ampliao em 1993 (ANDRADE, 2007, p. 86). Em 1997, iniciou-se a instalao do segundo

    projeto de irrigao de Entre-Ribeiros, com uma rea planejada para at 7420ha irrigados.

    (BRITO; BASTINGS; BORTOLOZZO, 2003, p. 286-288).

    Figura 2: rea irrigada por pivs centrais em Entre Ribeiros. Localizao: 461911S 170317W

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    (ANDRADE, 2007, p. 106). 1

    A anlise comparativa entre os censos agropecurios de 1985 e 1995/1996 deve ser

    cuidadosa, pois os censos se utilizaram de metodologias diferenciadas. Cunha (2002, p. 15 e

    17) utiliza mtodos adequados para estimar a variao da produo agrcola na regio do

    Noroeste de Minas, entre esse perodo. O estudo mostra que a regio passou de 166.606

    toneladas de soja para 255.340, entre os dois censos passando a regio de 3 para 2 maior

    produtora de soja de Minas. Em relao ao feijo, a produo passou de 22.002 toneladas para

    54.562, o que a levou de 6 para 1 produtora de feijo do pas. Esse crescimento da produo

    deve-se sobretudo ao desenvolvimento da agricultura irrigada, como se pode perceber no

    Grfico 1. O aumento mdio de produtividade por cultura irrigada pode ser avaliado no

    Grfico 2. A rea irrigada concentrou-se principalmente nas bacias de Entre-Ribeiros e Rio

    Preto, que em 1996 respondiam por 53% da rea irrigada da bacia do Rio Paracatu

    (RURALMINAS, 1996).

    Grfico 1: Vazes mdias mensais e anuais de retirada pela irrigao na bacia do Paracatu, no perodo de 1970 e1996. Estimativa por Rodriguez (2004, p. 52).

    1 As fotografias utilizadas neste artigo fazem parte do acervo fotogrfico digital da Fundao CentroTecnolgico de Minas Gerais. As fotografias foram obtidas de trabalhos de campo na Bacia de Entre-Ribeiros.

    Como critrio principal para citao bibliogrfica, foi referenciado o trabalho mais antigo em que a fotografiaaparece publicada. Como critrio secundrio, faz-se referncia aos projetos de pesquisa de que faz parte otrabalho de campo.

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    Grfico 2: Incremento de Produtividade atravs do Sistema de Irrigao por Piv Centra, para o ano de 2000.

    Notar o aumento de produtividade de 492% para a produo de Feijo, um dos principais cultivares utilizados naagricultura tecnificada do Noroeste de MG. A tabela com os dados segue no Anexo C. Fonte: Neto (2000)

    4.3. Pulsos e entraves em relao ao cenrio econmico. Fim da dcada de 1990at o perodo atual

    Contudo, apesar do aumento da produo agrcola nesse perodo, a avaliao do

    sucesso econmico da atividade agrcola na regio bastante complexa. A instalao da infra-

    estrutura agrcola requereu financiamentos vultosos, com maturao e retorno de longo prazo.

    Devido inflao galopante da dcada de 1990, elevao das taxas de juros e s restries

    de crdito (ANDRADE, 2007, p. 116), bem como s margens cada vez mais estreitas de

    lucratividade do mercado agrcola internacional (BANCO DE DESENVOLVIMENTO DE

    MINAS GERAIS, 2002), houve um expressivo endividamento dos grandes agricultores daregio. Esse endividamento impediu a re-capitalizao dos beneficirios (ANDRADE, 2007,

    p. 116), freando em certa medida a expanso da agricultura tecnolgica na regio.

    Se as margens de lucro para o agro-negcio irrigado tornaram-se cada vez mais

    estreitas, no difcil observar o resultado desse cenrio econmico sobre a viabilidade da

    agricultura de sequeiro tradicional. Como resultado, observa-se em Entre-Ribeiros o

    abandono de extensas reas de agricultura de sequeiro (ANDRADE, 2007, p. 105). Torna-se

    um cenrio de ocupao do solo contrastante, em que a agricultura irrigada procura avanarsobre as reas aptas, em busca de ganhos de escala, ganhando espao sobre as outras formas

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    tradicionais de ocupao do solo, que se tornaram praticamente inviveis. Nas reas onde no

    se consegue instalar a agricultura irrigada, observa-se o impasse quanto a qual deve ser o seu

    uso adequado e na falta de outra atividade, retorna-se algumas vezes ao uso para pecuria

    (ANDRADE, 2007, p. 114).

    Figura 3: Eroso laminar em rea de agricultura de sequeiro abandonada e utilizada para pecuria, na Bacia deEntre-Ribeiros. Localizao: 1658'15,3"S 4625'52,0"W (ANDRADE, 2007, p. 115).

    A partir do ano de 2001, o cenrio econmico nacional e internacional tornou-se

    novamente favorvel expanso da frente agrcola do Noroeste de Minas Gerais. A

    securitizao e renegociao de dvidas agrrias tambm contriburam para esse novo pulso

    de desenvolvimento (ANDRADE, 2007, p. 117). Na regio Noroeste de Minas, de acordo

    com a pesquisa agrcola do IBGE, a rea plantada por agricultura temporria ocupava em

    1996 a extenso prxima de 350.000ha, chegando a mais de 600.000ha em 2005. Isso

    equivale a um crescimento de 250.000ha em menos de uma dcada, ou seja, um aumento de

    rea equivalente acima de 70%.

    As principais atividades econmicas da regio so a agricultura, principalmente, e emaspectos significativos, ainda, a minerao e a pecuria. Os principais produtos cultivados e

    comercializados na regio do Noroeste de Minas Gerais so o feijo, a soja, o milho, e a cana

    de acar. A maior parte da produo de gros visa o mercado de exportao. Os grficos

    seguintes (Grficos 3 a 6) demonstram como evoluiu a ocupao do solo para agricultura

    temporria para o Noroeste de Minas Gerais.

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    Grfico 3: rea Plantada e Valor de Produo de Lavoura Temporria no Noroeste de Minas Gerais(INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATSTICA, 2008).2

    Grfico 4: rea Plantada (ha) de culturas temporrias no Noroeste de Minas Gerais (INSTITUTO BRASILEIRO

    DE GEOGRAFIA E ESTATSTICA, 2008).

    2 Nos grficos do IBGE (Grficos 3 a 6), os valores numricos do eixo vertical correspondem

    concomitantemente aos mdulos das duas variveis apresentadas, embora em suas respectivas unidades. Porexemplo, no grfico 3, os valores de rea plantada encontram-se em hectares (ha), enquanto os valores deproduo encontram-se em milhares de reais (R$1.000,00).

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    Grfico 5: Valor de Produo de Culturas Temporrias (em mil reais) no Noroeste de Minas Gerais(INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATSTICA, 2008).

    Grfico 6: Rendimento Mdio de Produo (kg/ha) para culturas temporrias no Noroeste de Minas Gerais(INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATSTICA, 2008).

    Analisando os Grficos 3 e 5, percebe-se como houve um aumento significativo no

    valor de produo das commodities agrcolas a partir de 2001. Esse salto se deve,

    principalmente, ao contexto internacional e nacional favorvel explorao de gros,

    especialmente a soja e o milho. O aumento da quantidade produzida refletiu-se na expanso

    da rea cultivada (Grficos 3 e 4), assim como tambm na ampliao da produtividade por

    hectare (Grfico 6). Schimidt, Jacomazzi e Antunes (2004) confirmam que, no ano de 2002, o

    Noroeste de Minas Gerais possua a maior concentrao de pivs de irrigao circulares doSudeste brasileiro um cartograma dessa distribuio, em Minas Gerais, pode ser visto na

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    Figura 4. O incremento mais acentuado da produtividade do milho se deve tendncia

    estadual e nacional de substituio da produo tradicional de subsistncia pela produo

    tecnolgica associada soja (BANCO DE DESENVOLVIMENTO DE MINAS GERAIS,

    2002, p. 147-149; PINAZZA, 2007, p. 19 e 20).

    Figura 4: Distribuio espacial dos 2485 pivs obtidos para Minas Gerais no ano de 2002 (SCHIMIDT;JACOMAZZI; ANTUNES, 2004, p. 332).

    Nos anos de 2005 a 2007, a converso para uso do solo agropecurio continuou

    acelerada no Municpio de Paracatu, onde se localiza a maior parte da Bacia Hidrogrfica de

    Entre-Ribeiros. De acordo com os dados de Carvalho e Scolforo (2008, p. 345 e 347), oMunicpio de Paracatu, neste perodo est entre os quatro municpios mineiros que mais

    apresentaram incremento de rea utilizada para agricultura e, ainda, est entre os sete

    municpios que mais converteram seu uso do solo para a pecuria. Todos esses dados, como

    se pode observar nos mapas das Figuras 5 e 6, do Anexo A, mostram uma convergncia geral

    da tendncia de crescimento da rea de agropecuria para o Noroeste de Minas Gerais.

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    Figura 5: Distribuio espacial da tendncia de ocupao com agricultura, em hectares, entre os anos de 2005-

    2007 (CARVALHO; SCOLFORO, 2008, p. 345).

    Figura 6: Distribuio espacial da tendncia de ocupao com pecuria em hectares, entre os anos de 2005-2007.

    (CARVALHO; SCOLFORO, 2008, p. 347).

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    A partir dos dados apresentados, convm tambm estabelecer uma relao entre a

    produo do Estado com a produo da regio Noroeste de Minas, evidenciando a relevncia

    de sua produo. o que a Tabela 1 demonstra. Percebe-se que a produo dessa regio

    expressiva nos produtos levantados.

    Tabela 1: Valor de produo (em milhares de reais) dos principais cultivares da Regio Noroeste de MinasGerais, em comparao com o valor total do Estado, para o ano de 2007.

    Lavoura temporria

    Unidade da Federao eMeso-regio Geogrfica Total

    Algodoherbceo (emcaroo)

    Feijo (emgro)

    Milho (emgro)

    Soja (emgro)

    Minas Gerais 4.295.472 74.295 705.823 2.145.918 1.194.463Noroeste de MinasMG 940.337 36.122 273.425 241.555 355.472Relao Percentual doNoroeste de Minas em relaoa MG (em %)

    21,89 48,62 38,74 11,26 29,76

    Fonte: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstica (2008) - Produo Agrcola Municipal.

    4.4. Relaes Trabalhistas e Modernizao Tecnolgica

    Tambm importante comentar sobre o complexo incidente envolvendo o Ministrio

    Pblico do Trabalho e os agricultores locais, que culminou com o assassinato de trs fiscais

    em 2004 (KUPPER, 2007, p. 62). At o ano de 1998, a produo agrcola no Noroeste de

    Minas, embora com uso de tecnologias modernas, ainda utilizava-se significativamente de

    mo de obra temporria para certas atividades de plantio e colheita. Com o incio da ao dos

    fiscais do trabalho, a partir de 1998, foi constatado um alto ndice de trabalho irregular,

    inclusive com alguns casos caracterizados como trabalho escravo (PIRES, 2008, p. 18 e 27).

    No decorrer das aes de fiscalizao e negociao, houve uma transformao

    regional, com o trabalho regularizado passando a prevalecer (PIRES, 2008, p. 19), como

    tambm confirmado pelos produtores locais. Contudo, essa relao entre agricultores e

    Ministrio do Trabalho no se deu isenta de conflitos; muito pelo contrrio.

    Mesmo contratando os trabalhadores de forma regular, os agricultores relatam que asexigncias legais de condies de trabalho (moradia, equipamentos, alimentao, entre

    outras), exigidas pelos fiscais, eram inviveis para as condies locais. Alm disso, os custos

    extras demandados pelos encargos trabalhistas tornaram o esquema produtivo regional

    praticamente invivel economicamente. Alguns agricultores, em virtude dos atritos legais e da

    dificuldade financeira, desistiram de sua atividade e venderam suas terras. No obstante, a

    atitude mais comum entre a classe de agricultores foi a de converso tecnolgica das reas

    produtivas, de modo ao trabalho ser realizado praticamente apenas por mquinaspois, dessaforma, no precisaram mais contratar trabalhadores temporrios.

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    De acordo com os relatos colhidos junto aos diversos segmentos sociais do Noroeste de

    Minas, a opinio da populao regional comeou a se virar contra os fiscais, em parte pelo

    poder dos agricultores sobre a mdia local, mas principalmente em virtude dos diversos

    trabalhadores temporrios que perderam suas oportunidades de trabalho no campo e tiveram

    que engrossar as filas do xodo rural. A situao tornou-se crtica quando a presso dos fiscaissobre os grandes produtores de feijo da regio acabou acarretando o homicdio dos fiscais

    (SILVA, 2005, p. 8). Apesar da repercusso nacional e da ampla cobertura da mdia, os

    relatos evidenciaram que a populao regional do noroeste de Minas j estava to contra o

    Ministrio do Trabalho, os setores populares praticamente apoiaram o ato criminoso. Essa

    uma explicao para que os fazendeiros locais continuem obtendo expressiva quantidade de

    votos nas disputas para prefeitos e vereadores locais (SILVA, 2005, p. 8).

    5. OS IMPACTOS AMBIENTAIS E CONFLITOS

    Martins Junior et al. (2002-2006), Andrade (2007), Vasconcelos (2009) e Alvarenga

    (2009) conduziram estudos detalhados sobre os impactos ambientais ocasionados pela

    expanso das atividades agropecurias na Bacia de Entre-Ribeiros. Os principais vetores de

    impacto identificados foram o desmatamento extensivo das reas de cerrado (com reduo de

    69,99% de 1975 a 2007), com sua conseqente fragmentao; bem como tambm o usointensivo de gua para irrigao. Outros impactos relevantes, em reas determinadas, foram a

    eroso laminar (Figura 1) e a interveno de drenagem e/ou barramentos em veredas e lagoas

    marginais.

    Com a expanso dessa frente agrcola irrigada, a utilizao dos recursos hdricos de

    Entre-ribeiros chegou a um nvel crtico, muito abaixo da vazo ecolgica necessria para a

    manuteno dos ecossistemas aquticos e terrestres associados. Em perodos de maior

    estiagem, chegou-se inclusive a conflitos entre os agricultores pelos recursos hdricosescassos (PRUSKI et al., 2007, p. 200).

    Nessas ocasies em que no h recurso hdrico o suficiente para atender demanda,

    quando os agricultores disputam a gua entre si, pode-se perceber um custo produtivo

    ocasionado pela escassez de recursos hdricos. Afinal, por no haver gua para todos

    produzirem, alguns vo ter que deixar de utilizar do privilgio produtivo da irrigao, ao

    menos na escala em que precisariam. Sem contar os prejuzos ambientais drsticos causados

    pela reduo da vazo dos rios. Os maiores conflitos por uso de gua, bem como os maiores

    impactos ambientais, tendem a ocorrer nos anos em que h grandes estiagens (com a

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    conseqente baixa na vazo dos rios), como nos perodos de 1987-89, de 1996 e de 1998,

    conforme informam as estaes fluviomtricas localizadas em Entre-Ribeiros e nas demais

    sub-bacias do Rio Paracatu (CARVALHO; FIRMIANO; MARTINS JUNIOR, 2004;

    LATUF, 2007, p. 102). Alm desses dois perodos, como atestado pela Agncia Nacional de

    guas (2003, p. 10), no ano de 2003, houve notcia de perodos em que o leito do rio secou.Relatos da populao do municpio de Paracatu tambm confirmam essa informao.

    6. REFLEXES FINAIS

    A paisagem natural da regio de Entre-Ribeiros, no Noroeste de Minas, foi

    significativamente desmatada na dcada de 70, cedendo lugar a grandes plantaes, sobretudo

    de gros, tornando o local um importante plo agrcola. Apesar de a ocupao macia ter sepassado nas dcadas de 1970 e de 1980, ainda hoje existe um movimento de expanso da rea

    cultivada e intensificao do uso de recursos naturais, buscando atingir nveis produo mais

    elevados.

    Uma avaliao do caminho percorrido ao longo deste artigo demonstra como a

    temtica ambiental necessita de um embasamento sobre os fatores histricos e econmicos,

    para que se compreendam os motivos e processos que desembocam nos impactos ecolgicos

    analisados. A procura de solues para os problemas existentes na regio em estudo

    demandam uma reformulao da relao entre sociedade e natureza que tomou corpo a partir

    da dcada de 1970. Relao esta que no foi de maneira alguma constante, mas sim construda

    a partir das tranformaes dos contextos globais, regionais e locais. A tendncia de ocupao

    acelerada, sem um planejamento adequado e uma mediao adequada do poder pblico, levou

    a condies insustentveis, tais como as relatadas.

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