caderno revista 7faces n.12

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    caderno-revista de poesia

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    Macha Mlanie

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    Obra da homenageada

    Poesia

    Pressgio (1950)

    Balada de Alzira (1951)

    Balada do festival (1955)Roteiro do silncio (1959)

    Trovas de muito amor para um amado senhor (1961)

    Ode fragmentria (1961)

    Sete cantos do poeta para o anjo (1962)

    Da morte. Odes mnimas (1980)

    Cantares de perda e predileo (1983)

    Poemas malditos, gozosos e devotos (1984)

    Sobre tua grande face (1986)

    Amavisse (1989)

    Alcolicas (1989)

    Do amor (1999)Jbilo, memria, noviciado da paixo (2003)

    Do desejo (1992)

    Buflicas (1992)

    Cantares do sem nome de partidas (1995)

    Teatro

    A Empresa ou A possessa: estria de austeridade e exceo (1967)

    O rato no muro (1967)

    O visitante (1968)

    Auto da barca de Camiri ou Estria, muito notria, de uma ao declaratria (1968)

    As aves da noite (1968)O novo sistema (1968)

    O verdugo (1968)

    A morte do patriarca (1969)

    Fico

    Fluxo-floema (1970)

    Qads (1973)

    Fices (1977)

    Tu no te moves de ti (1980)

    A obscena senhora D. (1982)

    Com os meus olhos de co e outras novelas (1986)

    O caderno rosa de Lori Lamby (1990)

    Contos descrnio Textos grotescos (1992)

    Cartas de um sedutor (1991)

    Rtilo nada. A obscena senhora D. Qads (1993)

    Estar sendo. Ter sido (1997)

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    NatalRN

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    Isso de mim que anseia despedida

    (Para perpetuar o que est sendo)

    No tem nome de amor. Nem celeste

    Ou terreno. Isso de mim marulhoso

    E tenro. Danarino tambm. Isso de mim

    novo: Como quem come o que nada contm.A impossvel oquido de um ovo.

    Hilda Hilst

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    ApresentaoO poeta inventa viagem, retornoe morre de saudade

    Por Pedro Fernandes13

    A poesia de Hilda Hilst e os homens de seu tempoPor Luisa Destri

    29

    POETAS E POEMASMatheus Jos Mineiro 41

    Ana Maria Rodrigues Oliveira 49

    Valdeck Almeida de Jesus 55

    Waleska Martins 59

    Bruno Baker 67

    Rafaela Nogueira 71

    Lo Br 77

    Guilherme Dearo 85

    Luiz Walter Furtado 93

    Jorge de Freitas 97

    Leonardo Chioda 105

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    ENTREMEIO: HILDA HILSTTRAOS DA MEMRIAO processo criativo de Hilda Hilst

    Por Mariana Payno

    121

    Recnditos da memriaPor Luzia Helena Novaes 128

    Surpresas no quarto de Hilda HilstPor Mariana Payno

    131

    POETAS E POEMASYasser Jamil Fayad 143

    Joo Grando 149

    Maria Azenha 169

    Carole B. 175

    Lucas Grosso 183

    Ludmila Barbosa 187

    Cesar Carvalho 191

    Marcos Mariani Casadore 195

    Daniel Marchi 203

    Andre Ribas 207

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    O poeta inventa viagem, retorno, e sofre de saudade

    Hilda Hilst

    Costumeiramente pensa-se sobre forma e linguagem quando se falasobre renovao na poesia. Mesmo sabedores de que isso , de fato,

    uma constante; basta olharmos de perto determinados exerccios

    poticos produtos das chamadas vanguardas literrias os instantes

    mais radicais, podemos assim dizer, sobre as renovaes em quaisquer

    campos da literaturae a incorporao das suas influncias para vermos

    isso claramente. Para citar do ltimo grupo, isto , dos que beberam na

    fonte de tais revolues, basta citar Carlos Drummond de Andrade,

    quem melhor no seu tempo compreendeu os propsitos alardeados pelo

    modernismo, Joo Cabral de Melo Neto e sua potica de trao cubista,Manoel de Barros e sua estreita aproximao com o surrealismo, e j

    temos nomes mais que representativos, significativos, quando nos

    referimos cena literria nacional.

    7facesPedro Fernandes 13

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    Mas, essas renovaes tambm se mostram (nem sempre conjugadas

    aos aspectos formais e lingusticos) no tema. E possvel que este

    signifique tanto ou mais que os outros aspectos, sobretudo, quando

    oferecem rupturas para os modelos correntestal como fez Rimbaud

    ou para os chamados temas no crveis pela poesia, ou ainda para

    assuntos sempre recorrentes quando muitas vezes, numa dimenso

    maior, so outros os que melhor serviriam ao poeta. Nas duas

    situaes no lidamos com o poeta ingnuo mas com o leitor perspicaz

    dos nomes formadores da chamada tradio a qual interessa filiar sua

    obra (filiar no significa necessariamente seguir um protocolo de uma

    determinada corrente ou certo grupo mas dialogar com aspectos que

    lhe servem de interesse composio de sua obra) e dos nomes de

    seu tempo. Como todo indivduo que labora com a palavra

    inconcebvel, no auge da cultura letrada, de forte influncia

    bibliogrfica e ante a pluralidade de vozes, poetas que, por gosto ou

    ignorncia, se desfaam dos seus antecessores e dos seus

    contemporneos. Desfazer-se tem aqui outra conotao, diferente de

    negar. Negar quase-sempre uma necessidade para ao poeta e a

    feitura de seu universo. Negar uma alternativa de autoafirmao da

    sua voz. uma estratgia dissonante e consonante da criao. Mesmo

    aqueles que se sustentam pela mxima de que a experincia (e s ela)

    o suficiente para a construo de uma obra.

    Essas constataes aparentemente fundamentais quando o leitor mais

    atento busca fundamentos para os motivos em sua grande parte de

    natureza irrefletida, porque h entre ele e o poema uma relao de

    afinidade determinada por uma complexa rede de aspectos subjetivos

    alguns deles indeterminveis pelas vias do olhar racionalista, crtico

    ou deterministaservem leitura do poeta em construo e do poeta

    de magnitude quase sempre inquestionvel, os j reconhecidos ou os

    por conhecer. So caminhos ou termos encontrados pela crtica a fim

    de justificar suas escolhas que no atravs do mero influxo de uma

    paixo pelo que l ou ainda, nos tempos de fronteiras corrompidas,

    um distanciamento assumido sobretudo pelo leitor de boa ndole do

    poeta amigo ou do poeta vinculado a determinado grupo editorial e

    sobre o qual sempre mais conveniente falar bem e no soltar farpas

    sobre certas inconvenincias da escrita. Evidentemente que o embate

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    (no a chantagem e o xingamento para citar dois comportamentos do

    leitor raso que no dialogae aqui, por pura ignornciacom o que

    no lhe conveniente) muito mais produtivo para o poeta. E o poeta

    lcido h sempre que desconfiar quando sua voz s encontra

    consonncias, porque estas no existem e porque so fiis produtoras

    do poeta medocre ou, para glosar certo verso da Ana Cristina Cesar, a

    voz de nico tom pode fazer qualquer um sentir-se Fernando Pessoa.

    Entre os nomes ousaram intervir com os chamados temas pouco

    poticos e por isso as observaes desenvolvidas at aqui est o

    de Hilda Hilst; talvez por essa razo e porque no se interessou pactuar

    com determinados grupos do Olimpo (leiam a expresso com a

    mxima de ironia possvel), a poeta tambm est no rol daqueles cuja

    obra melhor ficaria se cada no esquecimento. Contra essa ltima

    imposio podemos pensar na sada construda por ela: passar-se pelo

    que no era (ou ser que era?) a fim de enquanto se desfazia da voz

    comum que rebaixava seu trabalho se mostrava igualmente como as

    outras j ingressadas por toda sorte de subterfgios ao panteo dos

    sacrossantos. Essa posio arriscada e no serve aos fracos, aos que

    se encantam pelo bruxulear da fama do bem-aceito e esquecem do

    lugar devido do poeta o no-lugar. Hilda fez-se em trnsito e

    construiu aberturas para ruir com o interesse escuso da crtica

    conveniente e conivente que zelou por jog-la no limbo.

    O poeta e no homem do seu tempo. Sabe de quais materiais

    molda seu universo. porque no possvel se desfazer das obsesses

    que lhe tomam no momento de composio; no porque, mesmo

    expondo s claras os motivos do seu tempo, estes no so sorvidos

    sua maneira pelos leitores imediatos. Isso justifica a perenidade de

    determinadas obras; justifica o caso de redescoberta da poesia de

    Hilda Hilst. o processo de contnua leitura motivado em parte pela

    exposio escusa da crtica de seu tempo quando no o silncio em

    torno da sua obrasilncio lido pela poeta como o pior dos castigos

    da musa contra o trabalho do poeta, silncio que sempre foi

    preenchido pelas banalidades produzidas por outros poetasque faz

    finalmente sua obra alar outra dimenso da sua obra na e para a

    literatura recente.

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    No se trata isso de reconciliao do centro com os das margens

    porque alm dessas duas dimenses possuir suas limitaes,

    sobretudo a segunda, a releitura de uma obra nem sempre feita com

    o interesse de corrigir a viso deturpada de um tempo. porque

    finalmente feita uma leitura coerente e no sentencial de sua obra.

    Nesse momento parece que sempre ouviremos ela nos dizer, fico

    besta quando me entendem. E, afinal, pode nem ser entendimento

    somente; que obedecendo certa posio repetvel entre os grandes,

    Hilda esteve em contato com as vozes de um tempo porvir, ainda que

    este tempo de hoje ora parea to mais retrgrado, corrompido,

    coberto por uma espessa camada de fumo com elementos do pior da

    civilizao. E esta no uma posio pessimista; somente uma

    constatao do prprio malgrado humano lido pela poeta em Poemas

    aos homens de nosso tempo.

    Da extensa e multifacetada obra de Hilda Hilst, a poesia, tal como sua

    prosa, esteve interessada em expor, dentre outras questes ou temas,

    os conflitos centrais entre sujeito mundo e os discursos sempre

    apresentados como acabados ou no-sensveis ao campo do poeta; tal

    posio est em consonncia com o que se esperava da obra de um

    poeta do seu tempo, mas, tudo se filia a uma condio marcadamente

    nica s possvel de ser realizada atravs de uma escrita interessada

    no trabalho no de permanncia mas de desestabilizao das

    trivialidades. Devemos a Hilda sua perspiccia e inteligncia em

    afastar-se da mesmidade dos temas no interesse de uma obra

    autossuficiente; que fez da contradio e dos rigores estabelecidos dos

    discursos matria vital para sua poesia coragem dispensada em

    muitos poetas e utilizada com o vigor necessrio na construo de uma

    obra desde sempre igualmente necessria.

    7facesPedro Fernandes 16

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    Hilda Hilst (1930-2004)

    Yuri Vieira

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    Meus poemas nascem porque precisam nascer. Nascem do inconformismo. Do desejo de

    ultrapassar o Nada. As emoes sentimentais raramente inspiram a minha poesia que

    quase sempre surge de um problema maior o problema da morte, no no sentido

    metafsico de tudo quanto possa advir depois de acontecida. O que faz nascer a minha

    poesia a no aceitao de que um dia a vida se diluir e, com ela, o amor, as emoes do

    sonho e toda essa fora potencial que vive dentro de ns.

    Hilda Hilst

    Hilda Hilst (21 de abril de 193004 de fevereiro de 2004). Escreveu poemas, contos,romances, crnicas, peas de teatro. Foi pela poesia que iniciou sua escrita em 1950

    e comps uma obra fundada na tradio lrica, com influncia dos poetas latinos

    Catulo e Marcial e constri um Eu que busca uma compreenso de si mesmo e do

    mundo. pertinente o tema do amor, tema privilegiado que segue o modelo

    idealizado de poesia como as cantigas de amigo medievais, que cantam o amado

    ausente. Seus poemas versam sobre o amor, a morte, Deus e o silncio; A poesia

    hilstiana tanto explora a natureza fsica e ertica como a metafsica. Entre 1967 e

    1974 parou de escrever poesia, dedicando-se mais ao exerccio da prosa. Na

    chamada poesia tardia perodo da escrita de obras como Do desejoe Buflicas

    flertou com o trao pornogrfico como num gesto de afirmao sobre a pluralidade

    de sua escrita, um grito no silncio em torno de sua obra ento lida como literatura

    sriae a prpria desconstruo das estereotipias arraigadas nos meios literrio e

    crtico.

    * Os textos entre aspas so excertos do importante estudo Niilismo heroico em Samuel Beckett e

    Hilda Hilst, de Rosanne Bezerra de Arajo (EDUFRN, 2012).

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    Macha Mlanie

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    PRELDIOS-INTENSOS PARA OS DESMEMORIADOS DO AMOR

    I

    Toma-me. A tua boca de linho sobre a minha boca

    Austera. Toma-me AGORA, ANTES

    Antes que a carnadura se desfaa em sangue, antes

    Da morte, amor, da minha morte, toma-me

    Crava a tua mo, respira meu sopro, deglute

    Em cadncia minha escura agonia.

    Tempo do corpo este tempo, da fome

    Do de dentro. Corpo se conhecendo, lento,Um sol de diamante alimentando o ventre,

    O leite da tua carne, a minha

    Fugidia.

    E sobre ns este tempo futuro urdindo

    Urdindo a grande teia. Sobre ns a vida

    A vida se derramando. Cclica. Escorrendo.

    Te descobres vivo sob um jogo novo.

    Te ordenas. E eu deliquescida: amor, amor,

    Antes do muro, antes da terra, devo

    Devo gritar a minha palavra, uma encantada

    Ilharga

    Na clida textura de um rochedo. Devo gritar

    Digo para mim mesma. Mas ao teu lado me estendo

    Imensa. De prpura. De prata. De delicadeza.

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    II

    Tateio. A fronte. O brao. O ombro.

    O fundo sortilgio da omoplata.

    Matria-menina a tua fronte e eu

    Madurez, ausncia nos teus clarosGuardados.

    Ai, ai de mim. Enquanto caminhas

    Em lcida altivez, eu j sou o passado.

    Esta fronte que minha, prodigiosa

    De npcias e caminho

    to diversa da tua fronte descuidada.

    Tateio. E a um s tempo vivo

    E vou morrendo. Entre terra e guaMeu existir anfbio. Passeia

    Sobre mim, amor, e colhe o que me resta:

    Noturno girassol. Rama secreta.

    III

    Contente. Contente do instante

    Da ressurreio, das insnias heroicas

    Contente da assombrada canoQue no meu peito agora se entrelaa.

    Sabes? O fogo iluminou a casa.

    E sobre a claridade do capim

    Um expandir-se de asa, um trinado

    Uma garganta aguda, vitoriosa.

    Desde sempre em mim. Desde

    Sempre estiveste. Nas arcadas do Tempo

    Nas ermas biografias, neste adro solarNo meu mudo momento

    Desde sempre, amor, redescoberto em mim.

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    IV

    Que boca h de roer o tempo? Que rosto

    H de chegar depois do meu? Quantas vezes

    O tule do meu sopro h de pousarSobre a brancura fremente do teu dorso?

    Atravessaremos juntos as grandes espirais

    A artria estendida do silncio, o vo

    O patamar do tempo?

    Quantas vezes dirs: vida, vsper, magna-marinha

    E quantas vezes direi: s meu. E as distendidas

    Tardes, as largas luas, as madrugadas agnicas

    Sem poder tocar-te. Quantas vezes, amor

    Uma nova vertente h de nascer em ti

    E quantas vezes em mim h de morrer.

    DeJbilo, memria, noviciado e paixo (fragmento)

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    AS COISAS QUE PROCURO

    As coisas que procuro

    No tem nome.

    A minha fala de amorNo tem segredo.

    Perguntam-me se quero

    A vida ou a morte.

    E me perguntam sempre

    Coisas duras.

    Tive casa e jardim.

    E rosas no canteiro.

    E nunca perguntei

    Ao jardineiro

    O porqu do jasmim

    Sua brancura, o cheiro.

    Queiram-me assim.

    Tenho sorrido apenas.

    E o mais certo sorrir

    Quando se tem amor

    Dentro do peito.

    De Roteiro do silncio

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    Se eu soubesse

    Teu nome verdadeiro

    Te tomaria

    mida, tnue

    E ento descansarias.

    Se sussurrares

    Teu nome secreto

    Nos meus caminhos

    Entre a vida e o sono

    Te prometo, morte,

    A vida de um poeta.

    A minha: Palavras vivas, fogo, fonte.

    Se me tocares,

    Amantssima, branda

    Como fui tocada pelos homens

    Ao invs de Morte

    Te chamo

    Poesia

    Fogo, Fonte, Palavra vivaSorte.

    De Da morte. Odes mnimas

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    Macha Mlanie

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    Luisa Destri

    O desejo de encontrar a melhor maneira de se comunicar com o outro

    algo de que a obra de Hilda Hilst muito se ocupou. Tendo at mesmo

    motivado, conforme afirmou a prpria autora, a diversificao dos

    gneros literrios praticados1, a preocupao tema de importantes

    passagens, alm de estar no cerne de muitas imagens ao longo da

    obra. Lori Lamby, sempre procura da melhor palavra em seu

    dicionrio, v o pai entrar em crse porque ningum l os seus livros,

    razo pela qual a garota fantasia o sucesso de seu prprio caderno

    rosa. Sem a companhia de Ehud, o marido, a viva Hill perde a

    capacidade de interagir com a vizinhana. J para Ams Kres a falta

    de sanidade est relacionada a problemas de contato e transmisso:

    Estou mal. Curto-circuitando.

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    5. Ai, corao, lamenta e apaga

    6. Teu existir de sangue

    7. Essa desordenada convulso

    8. Porque Tlio viaja e no te sabe.

    9. Sabe apenas de si, e das notcias

    10. Supremas da poltica, dos homens

    11. Fica atento eloquncia

    12. E de ti, corao (antes que a pedra

    13. Se julgue irm da tua matria

    14. Ouve, contido): De ti, Tlio no sabe.

    15. Porisso volta terra, esquece os ares.

    Amado e poeta. Ambos ss, ambos nos ares. Uma nova espcie de cena

    idlica, cuja efetuao irnica j marcada pelo nome classicizante.

    Tlio viaja de avio na amplido dos ares e dos lugares reclamados pelos

    negcios; o eu lrico morre de saudade e angstia, a esper-lo em casa.

    Tlio voa, mas apenas porque viaja. Na verdade ela, o sujeito

    apaixonado, que pode recriar, com o verso O corao nos ares, o chavo

    por que se expressam os apaixonados: Estou nas nuvens.

    O existir em sangue da amante contrape-se, esquematicamente,

    ateno ordenada do amado s notcias da poltica. O discurso em

    convulso da poeta o exato oposto da eloquncia que atrai os

    homens. Tlio sabe do que, sendo notcia, fugaz e mundano daquilo

    que, embora supremo, no parece extraordinrio ao eu lrico, por

    carecer da intensidade fundamental da poesia.

    porque o amado no se deixa comover pelos versos a ele ofertados (De

    ti, Tlio no sabe) que o eu lrico d uma espcie de conselho a seu

    prprio corao: contenha-se, antes que a pedra/ Se julgue irm da tua

    matria, ou seja, evite tornar-se um corao de pedra. A amante se

    pe em estado de alerta quando compreende que o outro no a conhece,

    e que melhor seria deix-lo nos ares e retornar vida sem ele. Da o fecho

    desenganado que no se d sem a recriao de outro lugar-comum:

    coloque os ps no cho.

    7facesLuisa Destri 31

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    A atestar o diferente estatuto de cada linguagem para o eu lrico est a

    dificuldade de leitura provocada pelo enjambement entre os versos

    dcimo primeiro e dcimo segundo. Como a estrofe havia se iniciado com

    o imperativo ao corao, o verbo fica, forma que vale tanto para o

    imperativo segunda pessoa quanto para o presente do indicativo da

    terceira, parecia vir na mesma esteira. Assim, a eloquncia, que se

    poderia oferecer como a expressividade do sujeito, torna-se pejorativa ao

    qualificar os interesses de Tlio, e talvez induza o leitor ao mesmo

    equvoco sofrido por um ingnuo corao, apaixonadamente implicado

    em seus ais.

    Como razo para que a poeta tente segurar seu corao, h o dilema

    produzido pelo andamento do poema argumentativo: que pode a

    expresso lrica do sujeito, o lamento, o despejamento romntico de ai,

    corao, diante de um homem exato, que do avio pensa nas notcias,

    em seu trabalho, nos discursos e na poltica?

    Se Tlio (a persona do amado) voa sozinho e se esquece da amante, e se

    no v interesse ou verdade na poesia que esta lhe dedica, ou no

    reconhece valor discursivo na embriaguez por ele mesmo provocada, o eu

    lrico deve deixar de subir s alturas para encontr-lo. Por recusa do

    amado, ela deve renunciar ao desejo de transformar-se nele. Deve voltar-

    se em definitivo para onde est, a terra, na distncia de Tlio,

    irreparavelmente ausente.

    Sustentam cada uma das estrofes expresses corriqueiras e que

    facilmente se aplicariam linguagem dos amantes: estou nas nuvens,

    corao de pedra e ps no cho. Pode-se tratar de esforo para

    recuperar formulaes j banalizadas pelo uso cotidiano, de tentativa de

    fazer elevada uma matria gasta, antigos lugares-comuns. Mas, como

    constata o eu lrico, que se vale da recriao dessas expresses para

    manifestar as dificuldades encontradas ao dirigir-se ao amado, o

    procedimento no se sustenta. Ainda que procure fazer sublime sua

    prpria eloquncia, retorna a sentidos to pouco expressivos como os dos

    clichs. Parece impossvel a penetrao do discurso amoroso e potico,

    tal como concebido, no mundo dos negcios em que vive Tlio.

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    acha Mlanie

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    Esquematicamente, portanto, o poema apresenta dois universos, duas

    linguagens de diferentes naturezas, cuja interpenetrao parece

    impossvel. Tlio, em sua ordem, seu voo e a poltica, o representante

    legtimo do mundo dos negcios. E o mundo da fantasia figura como

    espao em que o eu lrico vive isolado, cultivando um desejo que nada

    pode contra a distncia em que se coloca o amado.

    O sujeito se defronta, consequentemente, com sua prpria impotncia. A

    linguagem e a expresso mostram-se incapazes de penetrar o universo do

    outro ou no so capazes de dar sustentao firme fantasia irrealista da

    amante, que se deseja enganar, mas que tampouco nisso logra xito. Toda

    a intensidade de que se tenta revestir a expresso, ressaltada pelo ai da

    segunda estrofe, refutada, fazendo recarem sobre a prpria poesia as

    dificuldades da adequao de um discurso amoroso e, por conseguinte,

    da configurao mesma da lrica.

    A conscincia das dificuldades colocadas pelo universo prprio e

    impenetrvel do amado e a afirmao de uma potica que se define como

    movida por uma carncia original, da qual o sujeito irremediavelmente

    tem conscincia, parecem constituir o motivo bsico para que a poeta

    procure, a todo custo, recriar uma linguagem que j no serve aos

    amantes e tampouco poesia.

    O retorno aos clichs revela, portanto, o desejo deste eu lrico em buscar

    a possibilidade ou a potncia de sua comunicao. Nada mais natural que

    a procura passe a se dar tambm no mbito da tradio lrica. De fato, em

    Jbilo, memria, noviciado da paixoHilda Hilst dialoga com autores to

    diversos quanto Catulo, Cames, Maiakvski, Drummond, com a

    expectativa de elevar seu prprio canto. Que sirva de exemplo o seguinte

    fragmento do poema IX de Ode descontnua e remota para flauta e obo.

    De Ariana para Dionsio: [...] se a mim no me deram/ Esplndida

    beleza/ Deram-me a garganta/ Esplandecida: a palavra de ouro, que

    reescreve um trecho da fictcia carta de Safo de Lesbos, segundo a

    imaginao do poeta latino Ovdio: Se a natureza rigorosa recusou-me a

    beleza eu corrijo esse erro com meu gnio; minha silhueta pequena mas

    tenho um nome que pode abranger a terra: tenho em mim o que pode

    espalhar a fama4.

    7facesLuisa Destri 34

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    Macha Mlanie

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    Ocorre, porm, que aquele a quem se dirigem os poemas de amor do livro

    no est preparado para tal palavra. Jbilose inicia com o imperativo ao

    amado Olha-me de novo , cresce com o sofrimento decorrente da

    falta amorosa bom que seja assim, Dionsio, que no venhas e

    radicaliza diante da ausncia de resposta: Ou te transformas, rei de fogo

    e justo,/ E, a quem merece, ds amor e alento// Ou se refaz em ira a minha

    luxria/ Me desfao de ti, muito a contento (num transtorno que atinge

    inclusive a sintaxe, dificultando a leitura do fragmento). Embora no se

    trate de uma arquitetura rgida, a sequncia dos conjuntos e dos poemas

    evidentemente elaborada, e permite ver certo amadurecimento do

    sujeito lrico. medida que o outro se esquiva, o eu se torna mais

    confiante do valor de seu canto.

    Em termos de uma lrica amorosa, descobrir-se a partir da ausncia do

    outro um processo essencialmente feminino, j que se d custa da

    subverso das expectativas relacionadas aos gneros poticos que Hilda

    Hilst exercita. As odes dedicadas a Dionsio poderiam ser elegias, por fora

    do lamento amoroso; a retomada das cantigas medievais ilumina a coita

    da amiga, mas acaba por representar o sabor de descobrir-se s; ao buscar

    a introspeco da cano camoniana, o sujeito renuncia a transformar-se

    na cousa amada, pois no outro reconhece apenas medo e muralha,

    pedra e areia, soberba e solido5. Nada, porm, est livre de

    contradies; nem por reafirmar sua superioridade diante do amado a

    amante deixa de desej-lo, como quem se condena fatalidade: Hei de

    fazer-me triste imagem tua.

    Neste ponto, uma ressalva precisa: nos conjuntos que compemJbilo,

    trs amados so identificados: Tlio, em Dez chamamentos ao amigo,

    O poeta inventa viagem, retorno, e sofre de saudade, Moderato

    cantabile e rias pequenas. Para bandolim; Dionsio, em Ode

    descontnua e remota para flauta e obo. De Ariana para Dionsio; um

    amor no nomeado em Preldios-intensos para os desmemoriados do

    amor. Embora em relao ao primeiro a regra quase absoluta seja a no

    realizao da experincia amorosa, com os outros dois a amante chega a

    vivenciar o encontro. Mas, mesmo quando ocorre, e ainda quando

    proporciona um poema que est entre o que de melhor produziu a autora

    (refiro-me ao primeiro da srie Preldios), a plenitude no parece

    possvel. Segundo as expectativas dessa amante, a experincia total

    7facesLuisa Destri 36

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    corresponderia superao dos limites individuaiso que, na melhor das

    hipteses, se pode experimentar apenas momentaneamente, na fuso

    dos corpos.

    Ora, se as duas marcas fortes de Jbilo so a preocupao com a

    circunstncia histrica e a constatao de que at mesmo no amor o

    contato com o outro limitado, o livro encena uma espcie de

    circularidade: nascido do desejo de resgatar a potncia do canto lrico, e

    procurando tambm nos textos da tradio a melhor forma de faz-lo,

    no reencontra seno sua prpria dificuldade. Ai, o mundo. Ai, eu,

    lamenta um narrador de Fluxo-floema. Dificuldade de comunicao e

    individualismo radical caminham juntos ao longo de toda a obra hilstiana.

    No caso deJbilo, ter em baixa conta aquele a quem se ama algo que d

    origem a uma clivagem. De um lado est a poesia, preciosa como uma

    pequena caixa de palavras, que o eu lrico estima eque deseja entregar

    ao amado; de outro, a repetida confirmao de que o outro no capaz

    de confirmar essa estima, pouco se importando com tal preciosidade.

    Diante de dois polos que no dialogam, de duas realidades to

    intransitivas quanto o mundo das notcias supremas da poltica e o da

    poesia, s poderia nascer uma aparente contradio. Assim, Jbilo,

    memria, noviciado da paixo, um dos mais belos livros de Hilda Hilst, traz

    tambm suas maiores concesses circunstncia imediata. Se o projeto

    de levar ao outro uma poesia to elevada esbarra apenas na recusa do

    valor dessa poesia, a urgncia de tocar o outro, provocada pela

    conscincia histrica, resulta na denncia direta da garganta do mundo

    que, segundo o poema da dcada de 1970, ronda escurecida.

    Que lies tal problema poderia nos ensinar hoje?

    Notas

    1Refiro-me seguinte declarao de Hilst: Ns vivemos num mundo em que aspessoas querem se comunicar de uma forma urgente e terrvel. Comigoaconteceu tambm isso. S poesia j no me bastava, citada em entrevista aRegina Helena em 1969, Hilda Hilst: suas peas vo acontecer (recolhida porCristiano Diniz em Fico besta quando me entendem. So Paulo: Globo, 2013, p.25-27).

    7facesLuisa Destri 37

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    2Adoto os termos propostos por Wolfgang Kayser (Anlise e interpretao daobra literria. Trad. Paulo Quintela. Coimbra: Amrico Amado Editor, 1985), queexpe as trs atitudes bsicas do gnero lrico: a enunciao, a apostrofao e acano.

    3Embora aqui a encaminhe com objetivos diversos, retomo a leitura do poemaque desenvolvi em minha dissertao de mestrado, De tua sbia ausncia apoesia de Hilda Hilst e a tradio lrica amorosa. Campinas, UniversidadeEstadual de Campinas, Instituto de Estudos da Linguagem, 2010, 158f.

    4OVDIO. Cartas de amor: as Heroides. So Paulo: Landy, 2003, p. 176.

    5Penso sobretudo no poema I de Ode descontnua e remota para flauta e obo.De Ariana para Dionsio, em relao aos dois primeiros casos, e no XVI de Opoeta inventa viagem, retorno, e sofre de saudade. De forma mais cuidadosa,analiso as duas composies em minha dissertao de mestrado.

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    Matheus Jos MineiroPonte NovaMG

    O poeta autor do livroA Cachoeira do poema na fazenda do seu astral(Selo Petrpolis Inc),

    dos fanzines O trem bo poesia com Limo,Alcoologia potica, Galxia pupila, Estrondo na

    bolsa fetale Costelinha com quiabo e poesia. Participa da Off FLIPParaty desde 2011. Tem

    publicaes em revistas literrias como Usina, Sava, Cult, Subversa, Literatis, Sexuse jornais

    como Plstico bolha, ou em portais como o LiteraturaBR. correspondente da Academia

    Petropolitana de PoesiaCasa Raul de Leoni, da Oficina Experimental de Poesia.

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    CINEMA VERTEBRAL

    olhos que exibem dois curtas metragens castanhos cor de amndoas.

    viso caleidoscpica multicolorida de cores tranquilas.

    cinema vertebrado projetado nas paredes das minhas retinascom som de chuvisco nas telhas de amianto da minha cabea.

    escutando Corntios 13 dentro da eucaristia e dentro da serraria

    como se instalasse no meu corpo a musculatura dos braos de um babuno.

    A gente permanece em busca de tomos de oxignio no sufocamento

    suco de melo, morfina para um mofo Morfeu, bulbo de papoula, rocamboles

    ch de erva doce

    pois anseiam arremessar-nos nas fornalhas de Nabucodonosor.

    Entorses, luxaes nos ombros e rupturas nos joelhos desejam ardentemente

    cada milmetro do nosso esqueleto .

    mas potro que termina de desmamar

    logo sossega no colo da sombra de uma gameleira

    e sonha com todas as ressonncias do verbo relinchar.

    Feito feto curtido em toneis de jequitib

    vendo cirros e cumulunimbus

    relembrando a gente

    que tambm podemos relampejar, trovejar, chuviscar e babar arco ris .

    7facesMatheus Jos Mineiro 43

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    UM ESTRELA E ESTRALA O OUTRO

    A partir de ento meus olhos so dois telescpios castanhos te avistando,

    cometa que orbita o estrelrio da minha pupila.

    Fotografia massoteraputica debaixo dos meus clios.

    passo a te medir com sextantes, lmens e volts .

    Certo que satlites e sondas espaciais da NASA

    tentam captar a estrela que gira a galxia cor de colmeia da sua retina

    e que todos os sismgrafos e placas tectnicas se agitam quando a gente se abraa,

    que todos barmetros enlouquecem quando chove dentro da gente

    e o ganso e a hlice da usina elica decolam quando a gente passa.

    Tens os mesmos traos de um poema

    nave de igreja barrocaque deixa meus cupins estupefatos, atnitos e encantados.

    haste de jurema, terapia, mousse de maracuj, bolo de cenoura, tonel de umburana

    da minha cachaa,

    lareira e meia de croch diante deste urso polar de meses e garras.

    quando a gente est anoitecido

    se risca arisca relmpagos e trovoadas no cu da boca.

    Se a palavra despenca da voz

    queda de andaimes

    blocos de ardsiadespenca macio dentro do meu ouvido

    tipo rio negro mergulhando no boto rosa

    chuvisco escalando as parablica

    lquens de encontro ao tronco do meu angico

    Poema que me pega pelo brao e me leva para um stio dentro da palavra sossego

    onde sobra eucalipto

    para alimentar a caldeira da usina de acar e lcool

    instalada nas cavidades do corpo da gente.

    .

    7facesMatheus Jos Mineiro 44

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    DE IMPLOSO ESTRELAR IRIDESCENTE NA PUPA

    certas ocasies ocasionando queimaduras e irritaes na pele da gentee somente depois que se sente o alvio e o ciclone num assopro.

    a clida calma da taturana caminhando na palma da mo.

    nimo nos dias de hoje

    transforma nossas artrias

    em fios de alta tenso desencapados.

    Quando demolem meu teto com chutes e tapas

    nuvens carregadas chegam para ensinar-me a relampejar.

    Quando o mundo,

    ferro de martelo e de marreta, despenca no p do meu verbo caminhar

    vejo-me entre o rosnado de gatas siamesas na laje

    e o rompimento das comportas e adutoras da usina hidreltrica.

    Mas

    a tranquilidade do besouro pardo que vinca

    o estresse acinzentado e o trnsito da rotinatorce contorce a cartida deste barulho bao

    que nos envolve

    como cidade

    como ao polvo tentculos

    como abrao.

    massagens aiurvdicas ao invs de socos arranhes e pontaps

    no reboco da quitinete do corpo(este manicmio que acolhe um anjo)

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    TODO DIAMANTE BROTA NO ESCURO E PERPASSA O ESMERIL

    todas estas inquietaes e apreenses,

    cromado tatu canastra que escava a regio do pescoo

    mquina triturando nossa calma.

    os dentes de titnio do labrador

    e a mandbula de brita da moreia

    disputam a primeira mordida na textura deste corao crocante.

    ser as caibras

    na mecatrnica pata deste javali que pisoteia nossos alfaces e nossas rculas.

    embutir o sono de um carrinho de bebe

    e a procisso de um jabuti nas vias pblicas

    onde o sossego desossado por hienas

    e olhos so arrancados por abutres .

    Toda vez que sangro ou me queimo junto com o diesel de um caminho

    o Poema aproxima - se de mim ,

    me coloca na garupa da sua bicicleta

    e pedala pelas estradas de terra da palavra nimo;

    velotrol colidindo com um tanque de guerra israelita;

    desengordurante;

    enxada roando este terreno ngreme que a vida;

    gua mineral lenol fretico escorrendo do trax diante da aridez dos dias;

    protena esmurrando a enfermidade ;

    embrio fervido nas caldeiras da Usina da Jatiboca.

    At aquele momento de no sentir mais a sua altura,

    o seu comprimento e nem a espessura sobre o Planeta,

    ver o corpo to somente a propulso de um jato de luz

    com calor de cor parda.Em meio a anemias e toxinas

    abocanhando a vida com mpeto de maxilar de um hipoptamo

    talvez como nuvem que pela primeira vez relampeja sobre o metal da cidade.

    7facesMatheus Jos Mineiro 46

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    B

    arbaraKroll

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    ALERGIA A COR CINZA

    a vida manuseia a gente com foice e faco, fervoroso boia fria.

    Sabe que o corao

    material corrosivo o qual exige luvas para toc-lo.

    Desembestada, a vaca erupo

    esmaga verduras e hortalias,

    acaniveta a cartida , lesiona a panturrilha ,

    gs propano no olho da fasca.

    Contudo

    cotidianamente

    uma fora resistente, com mpeto de bfalos e bises,

    prossegue subindo a minha cabea

    morro com o calamento de terra e bloquetes de pedras.

    O medo a insegurana so substncias txicas no fgado da gente.

    Entre o sufl e a fuzilaria entre o mudra e a lmina da serraria

    aturamo-nos.

    moemos este rap alucingeno que o amor e o vigor

    no meio do coma e dos transtornos do alumnio.

    o poema sendo aquele que oxigena o sanguequando estamos esmagados

    entre os ferres de ao inoxidvel da formiga savaque mede o mesmo tamanho de uma cidade

    o poema sendo o analgsico o poema sendo o sedantenesta esta vida, diria colheita de jiquiris e urtigas.

    E com esta sensao que prossigo

    sensao de barranco e chuva

    diante do galpo da indstria de material blico

    mos esfregando galhos de cansano

    halterofilista que sofre pra levantar o msculo do prprio corao

    carreta carregada de querosene tombando numa rodovia.

    7facesMatheus Jos Mineiro 48

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    Ana Maria Rodrigues OliveiraLisboa

    Portugal

    Nascida no Alentejo, distrito de Portalegre em 1960, Ana Maria licenciada em Filosofia pela

    Faculdade de Cincias Sociais e Humanas de Lisboa. Editou o seu primeiro livro de poesia Grito

    de Liberdadeem 2008 pela Corpos Editora. Participou entre 2008 e 2014 em vrias coletneas

    e em 2015 publicou Esprito guerreiro(edio da autora). Profissionalmente lecionou na zona

    de Cascais e tambm nos Aores. Atualmente exerce num infantrio onde desenvolve um

    projeto de Filosofia para crianas.

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    RVORE DO RENASCIMENTO

    Contemplo a dana dos entes anglicos semelhantesEm redor da rvore frondosa do renascimentoVislumbro a agitao harmoniosa da ramagem

    Mesmo na estao cinzenta de temporalOnde se afundam determinadas e austeras as razesProcurando a escurido qual abrigo do vendavalCaindo as folhas em perfeito desmaio adubando a terraOnde as criaturas subsistem em gigante estendal

    Que onda raivosa agitada e tresloucadaInunda impiedosamente a TerraErguendo-se em espuma esbranquiadaDestruindo indiferente as arribasRaptando a suave e frgil areiaDeixando a embarcao humana encalhada

    Onde se perpetuam e escondem subtilmenteAs sementes diminutas e subtis da vidaPorventura l no alto da montanha tamanhaQue as prende as acolhe e lhes d guaridaE eu efemeridade andante em tronco persistenteTeimosamente flutuo na corrente deriva

    As criaturas que esquecem a ligao rvore me

    Esfumam-se em fantasmagoria esquecidaDesprezando o elo a unidade que nos vincula a todosA luz do amor nesta existncia corrompida

    7facesAna Maria Rodrigues Oliveira 51

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    TORRENTES DESARVORADAS

    Rios se formam onde outroraCriaturas corriam em vivncias que se diluamNos gestos autmatos de quem programado

    Para um labirinto de ilusesDistines devaneios e podrides

    Torrentes descontroladas descem montanhasArrastando seres sonhos

    Corpos e monstros medonhos

    E nesta torrente tudo se perpassa

    Tudo se abraa num transe breve instante

    Gota de eternidade palavras sem sentido

    Sem significado sem luz sem idade

    Gigantes rochedos se abrem em frestas

    Fissuras que se movem obedecendo necessidade

    luta de tits e ento num relmpago incerto

    Os altos cumes desabam

    A superioridade devorada pela transio

    E as imponncias reverncias acabam

    E nesta transmutao d-se o retorno

    Ao despertar num amanhecer que deixa marcas

    De brancura neste cho que ainda pisoEnquanto um trovo imenso e aterrador

    Percorre o espao feito deste enlaar

    Que ainda me prende

    Nesta subtileza bordada de estranheza

    Onde a pequenez em lascvia se mistura

    Em tentculos de exuberncia com a grandeza

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    Franz

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    FELICIDADE

    Orienta-me os passos pelas estradas infinitasImpregnadas de neve cinzenta onde o frioCorta os sentidos deixa os animais desauridos

    E as criaturas mais desprevenidas sem abrigos

    Elucida-me nas encruzilhadas da vidaNas decises sem devaneios ingratosSem demonacas ilusesPara que o meu olhar recaia como dois farisSobre os outros e o mundo como sis

    Abrao-te em estado de alma serenoComo se a ddiva da vida bastasse em plenitudePois o milagre do acontecer requer sensatezAceitao desfrute entrega atitude

    Retalho-me em felicidade e deixo correrO rio da descrena para o mundo da escuridoDistendo-me na alegria que prometi a mim mesmaLevanto o semblante para a lua e ergo-me mesmo em exausto

    Moldo em mim o castelo da paz onde permaneoMesmo na velocidade alucinante das criaturasEm condio pedregosa eternamente errante

    E nesta confluncia do ser e do conhecer vai-se o tormentoE em reminiscncias de estrelas longnquasInunda-nos em fogo o reconhecimento

    7facesAna Maria Rodrigues Oliveira 54

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    Valdeck Almeida de JesusSalvador Bahia

    Nasceu em 1966; jornalista, escritor e poeta. Embaixador da Divine Acadmie Franaise des

    Arts, Lettres et Culture e Embaixador Universal da Paz. Filiado Unio Brasileira de Escritores

    UBE e Membro-Fundador da Unio Baiana de EscritoresUBESC. Cnsul do Parlamento

    Nacional de Escritores da Colmbia (2013 a 2015), autor de 17 livros e coautor de 115

    antologias. Ex-presidente do Colegiado Setorial de Literatura da Bahia e atual Conselheiro do

    PMLLB de Salvador, Bahia.

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    S-FRNCIA

    De mo em mo

    Vou fazendo amor

    Sentindo falta

    Sentindo dor

    Amando aos montes

    Na minha casa

    Ou sob as pontes...

    Amando amores

    Guardando dores

    Gente invisvel

    Tambm de cores

    Amando ausncia

    E na sofrncia

    No tem cimes

    Pois quem eu amo

    Nem mesmo sabe

    Um dia alguns

    Outro nenhuns

    De mo em mo

    Amo silncio

    Amo paixo

    Salvador, 17 de maio de 2015

    7facesValdeck Almeida de Jesus 57

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    NO TENHO MEDO DE DEUS

    No fico amedrontado

    No me intimido

    No me atemorizo

    No me acovardo

    No me preocupo

    No tenho temor

    No fico alarmado

    No fico receoso

    No fico temeroso

    Deus energia

    fora, utopia

    Deus sonho

    medonho

    Imenso, incomensurvel

    Deus mil, miservel

    Deus tudo

    No tenho medo de nada

    No tenho medo de tudo

    Sou Deus, sou agulha

    Sou Deus, sua fagulha

    Sou a fbula de Deus

    Sou oniscincia,

    Onipresena

    Onipotncia

    No tenho medo de mim...

    Salvador, 10 de abril de 2015

    7facesValdeck Almeida de Jesus 58

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    Waleska MartinsCampo Grande Mato Grosso do Sul

    graduada em Letras, com mestrado em Estudos de Linguagens, pela Universidade Federal

    de Mato Grosso do Sul, e doutorado em Estudos Literrios, pela Unesp/Araraquara.

    Professora da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul. Apaixonada por poesia, prosa,

    msica, dana, teatro, arte, cultura e tudo aquilo que reflete paixo e que pulsa no sangue

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    CONTINUAMENTE

    A Morte minha cor,

    meu batom,

    Amuleto que carrego para afastar pessoas.

    Tatuei andorinhas no pulso e vejo razes

    Pulsando na terra.

    O des-encontro quase um ponto

    Final de uma linha que nem comeou.

    Presa entre cascas feridas bocas,

    Sinto chegar

    A Morte que sussurra uma histria

    Em lngua viva

    Que s eu entendo.

    Sou a ponte entre o tdio e o espelho.

    Agora as andorinhas esto em meus dedos

    E as razes em meus ps.

    Viro respiro e vejo casas molhadas.

    Ouo a Morte sussurrando a minha inaptido,

    Abro os olhos e o cadver continua morrendo.

    A mo desliza na plcida gua, enquanto o barco rasga o cu.

    Esse meu momento de no existir.

    Peo perdo por pecados que no percebo

    Para um Deus que no me ouve.

    Agora, existir outra coisa.

    7facesWaleska Martins 61

  • 7/25/2019 Caderno Revista 7faces n.12

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    Macha Mlanie

  • 7/25/2019 Caderno Revista 7faces n.12

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    GOZOS, DELRIO E SAGRADO

    Que venha na boca morta

    O rudo do prazer.

    No corpo inerte, de pernas retorcidas,

    Escorre a impureza.

    Que se apresente o membro rijo

    Ainda latejando, ainda em delrio.

    Rogando palavras sagradas,

    Esperando a divina providencia da salvao.

    Entre os dedos escorre um cabelo em suor,

    Nos braos ainda pulsa o sangue negro,

    O cenrio idlico,

    O peito ainda arde em desejo insano e o gozo retido.

    Nos olhos, o espelho reflete um corpo inerte,

    A boca morta entreaberta,

    As mos sem jogo,

    Os bicos dos seios sem o rseo.

    Entre o sagrado e o profano

    S o gozo respira.

  • 7/25/2019 Caderno Revista 7faces n.12

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    EM TI, EM NS

    Aquele anjo intolerante!

    Avana e recua na sombra.

    Vem me visitar, sem pedir licena, sem mais...

    Anda de um lado para o outro

    Olhando meu retrato nos olhos.

    Encaro o sol de frente!

    O anjo continua olhando minha alma.

    Fita o retrato imvel.

    Inquieto.

    Sinto sua fora pulsar dentro de mim.

    De sbito destroa-me!

    Arfa grunha olha para o cu.

    Volta calmo,

    Quieto para a sombra,

    Olhos fixos.

    Baixa a plpebra da vergonha honrada

    E caminha sem direo.

    Volta quando quer.

    Vem quando o desejo lhe bate.

    Algo fica de ti, em mim.

    7facesWaleska Martins 64

  • 7/25/2019 Caderno Revista 7faces n.12

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    Guilherme

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    ENTRE ELAS

    Uma Flor bela tem desejos vos

    Qual das pedras de seu castelo ir destruir seu caminho?

    Em atitude de Ceclia a Bela adormece e cora em denso Prado.

    Nem o Nada sobrevive ao amor,

    Nem o Fim do mundo, nem Laura.

    7facesWaleska Martins 66

  • 7/25/2019 Caderno Revista 7faces n.12

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    Bruno BakerTeresina Piau

    Bruno Baker Bruno Leonardo Rios Oliveira; aconteceu em fevereiro de 1986 em Teresina,

    Piauem pleno "carna(l)val dionisaco". poeta, biblifilo, pesquisador musical, amante de

    Jazz, Blues, Rock and Roll, msica dita erudita, Brega etc.

  • 7/25/2019 Caderno Revista 7faces n.12

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  • 7/25/2019 Caderno Revista 7faces n.12

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    PARA MINHA NO AMADA

    Deixo de analisar calmamente

    Olho devagar sem mexer na eternidade

    Suas mos demoram no absurdo

    Minha pateticidade voa sem transmitirA noite que invade a tua vastido

    Serei indisposto e violento no desastre

    Que o dia no seja senso

    Que os ventos curvem a esperana clica

    O amor derrete impresses verdadeiras

    E o falso absoluto como metida modernidade

    Me politiza, mas no a quero

    Apenas colabora com o impacto pequeno

    De minha conservao

    E vejo na dor a sintonia do ar tmido

    Agora vou deitar em faixas fadigas

    E treinar para os obstculos engolidos

    De baixo a cima

    7facesBruno Baker 69

  • 7/25/2019 Caderno Revista 7faces n.12

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    POEMA III

    Atravs da minha outra metade

    Separo ossos e beros de ouro

    Nasci prematuramente de um organismo

    Que se sustenta pela nitidezSou um artefato promscuo

    Vejo a criao delinquente

    Aps um aborto

    Aps um longo acerto

    Minha nuca so minhas costas martimas

    Meus cabelos so rios-fossas

    E estou aqui provando

    O corpo exausto

    O corpo metido

    A conscincia

    A frieza

    Um ultimato

    7facesBruno Baker 70

  • 7/25/2019 Caderno Revista 7faces n.12

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    Rafaela NogueiraNiteri Rio de Janeiro

    Rafaela Nogueira Barbosa nasceu em 23 de maio de 1985 em Cabo Frio, Rio de Janeiro. Nestedia, o vento na regio dos Lagos se intensificou para atribuir o corte sua poesia. Filha deNbia Nogueira e Joo Barbosa, carrega no sangue A+ a veia nordestina da criatividade e outraveia de bomia carioca. Rafaela estudante de Letras na Universidade Federal do Rio deJaneiro. Em junho de 2014, lanou seu primeiro livro de poesia Confisses montonas, pelaEditora Multifoco. Rafa dos poemas, atualmente, reside em Niteri, ao lado do cinema.

  • 7/25/2019 Caderno Revista 7faces n.12

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  • 7/25/2019 Caderno Revista 7faces n.12

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    SACADA

    Sempre admirei sacadas

    Mas aquela em que vocOlhando as runas

    Estendia a ansiedade

    Se repetiu dentro de mim

    At tentar te abandonar

    7facesRafaela Nogueira 73

  • 7/25/2019 Caderno Revista 7faces n.12

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    BFALOS

    Eu estava bem, l na Chapada dos Veadeiros

    E de repente tudo me chamou.

    Um veado atravessou, tinha um compromisso.

    Bfalos no caminho se refrescavam.

    O cerrado queimava!

    O interior tinha aquele cheiro de fazenda.

    Na alvorada fui convidada s trilhas,

    Caiu uma chuva no meio do nada.

    Abriu-se um cnion no fim do mundo.

  • 7/25/2019 Caderno Revista 7faces n.12

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    MAIO FRATURADO

    I

    Ela se parece com a tarde que caiu

    Precisando de repouso e sonhos dourados

    E que avistem seu horizonte descolorindo

    Atravessar a retina num transporte aqutico

    I

    Remar, remar

    Vem comigo, diz aportado

    Braos de barco nesse alargo azul

    To azul que eu posso garantir

    Que embaixo tem mar

  • 7/25/2019 Caderno Revista 7faces n.12

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    ARENQUES AO CORRER DA LUA

    A moa me acorda sua madrugada

    Cantando bbada na varanda

    melhor do que galo

    (sabendo que um galo sozinho no tece uma manh)

    E fogos para padroeiros no interior da sala

    E se o feriado for somente a So Paulo

    (um gato estrebuchado espanta uma manh)

    Agora posso dormir de boca aberta sem ter vergonha

    Penso que vou passar o ltimo ms contigo em Lisboa

    Filtro o caf com papel toalha enquanto ouo The Outfield

    Say it isnt so, tell me Im the only one

    Say it isnt so, without you I cant go on

    E vai tudo amanhecer meu bem

    Assim como vai entardecer

    Depende do lugar e do que voc sintonizar na sua rdio

    E se a mesa da cozinha serve de bateria

    E a gente finalmente tem uma banda de garagem

    7facesBruno Baker 76

  • 7/25/2019 Caderno Revista 7faces n.12

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    Lo BrBraslia DF

    Lo Br poeta e cineclubista. Produtor cultural com experincias em governo e sociedade civil

    na rea de audiovisual. Formado pela Universidade Federal de So Carlos, integrou rede de

    Pontos de Cultura de SP e de cineclubes brasileiros. Trabalhou no Ministrio das

    Comunicaes e Cultura.

  • 7/25/2019 Caderno Revista 7faces n.12

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  • 7/25/2019 Caderno Revista 7faces n.12

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    DESEJO III

    a neuroimagem de um Deus sorridente se integra analogia do conhecimento

    organizador seja atravs das respiraes fundadoras ou da sagrada sexualidade

    extrada do gozo transpessoal advindo da nascente do prazer primevo

    explodida num lirismo irascvel que existente desde nosso primeiro

    N

    7facesLo Br 79

  • 7/25/2019 Caderno Revista 7faces n.12

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    Hanss Be

  • 7/25/2019 Caderno Revista 7faces n.12

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    DESEJO XV

    vises dentro de chuvas multicores

    que implementam na gente

    um inconsciente ancestral

    e delineiam nos corpos

    uma desejao de acontecimentos inaugurais

    que se inclinam at uma ps-vida

    mas que vai e volta e vibra

    em torno da sublimao sutil

    que

    adentrar

    a era labirntica de si

  • 7/25/2019 Caderno Revista 7faces n.12

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    MTODO IX

    no seu estdio circular

    cola cartazes

    cheios de palavras

    reles e estelares

    lapidadas lentamente

    de acordo com a cor

    filma lapsos

    prega preces

    inventa timbres

    travessa caminhos energticos catalisados por toda construo afetiva e neural vestidas

    pelas assinaturas das conglomeraes de conhecimentos que foram e so exercidas por

    todo e qualquer agrupamento de corpos envolvidos de sangue e saber de mim e voc

  • 7/25/2019 Caderno Revista 7faces n.12

    83/236

    MORTE VIII

    Ns pensamos

    as culturas

    das formas da morte

    a evoluo das ideias fundamentais

    drenando, como uma melodia

    uma temperana nada imaginria

    de um contexto mais amplo

    apenas mais um passo

    no nosso esprito de sntese

  • 7/25/2019 Caderno Revista 7faces n.12

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    F VII

    artfice incapturvel

    no ao acaso

    nos outros

    mas concentrado

    aqui

    no claro

    altivez vital

    influindo na conexo

    micro e macro neural

    sua cognio do inato

    a sabedoria da emoo

    uma bolha azulada

    estatelada

    na vibrao de tudo

    que sentido

    7facesLo Br 84

  • 7/25/2019 Caderno Revista 7faces n.12

    85/236

    Guilherme DearoSo Paulo SP

    Formado em Jornalismo pela ECA-USP, jornalista e escritor. Atualmente, editor-assistente

    do site da Revista Exame. Na rea de literatura, autor do livro de poesia Duas hipteses para

    um acontecimento(Editora Giostri, 2014), alm de ter publicado poemas em coletneas de

    revistas. Como dramaturgo, j teve dois textos encenados durante as Satyrianas, o festival de

    teatro do grupo Os Satyros. Desde 2015, trabalha na rea de dramaturgismo da companhia e

    prepara um livro sobre o grupo.

  • 7/25/2019 Caderno Revista 7faces n.12

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  • 7/25/2019 Caderno Revista 7faces n.12

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    Guilherme

  • 7/25/2019 Caderno Revista 7faces n.12

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    FLAMINGO

    Sonhei um flamingo

    ltimo voo rosa-crepuscular

    A primeira noiteo ltimo dia

    Amanheci ltimo flamingo

    inocente e esttico

    pena sedenta

    e da lua manchei-me azul

    e do reflexo na gua

    vi a verdade selvagem e a

    fera morena de olhos espreitos

    Deitei-me em seu ombro brilhante

    oferecendo meu pescoo

    longo fino rosa e frgil

    Sussurrei-lhe Devore-me

    e ali foi o sacrifcio

    e dormi flamingo

    A primeira noite

    o ltimo dia

    dormi flamingo

    sonhei a carne

    despertei sem voo

    bestial e sem cabea

    dormi ltimo pssaro

    levantei anunciado pela noite

    que pedia ver meu ltimo voo

    de flamingo

    e arremessou-me no cu

    azul e flamingo

    e o vento era indito.

    7facesGuilherme Dearo 88

  • 7/25/2019 Caderno Revista 7faces n.12

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    TESTAMENTOS

    fazer-me cinzas

    para ir com o vento

    irritar um nariz

    espanar-me de um livroir de encontro ao nada

    atrs da nuvem.

    ou

    fazer-me esttua

    monumento petrificado

    putrefato.

    para ir com a terra

    da festa dos vermes

    e voltar de onde vim.

    ou

    ainda

    levar-me terra e ao cu

    primeiro cu, depois terra

    e para isso arrancar-me

    braos e pernas

    com um machado

    depois jogar os pedaos

    e esperar

    o revoar das negras asas

    e o comer do fgado

    em violentas bicadas eternas.

    faz-me um tempo de retorno

    e devoluo.

    7facesGuilherme Dearo 89

  • 7/25/2019 Caderno Revista 7faces n.12

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    HUMANIDADE

    Sonha com o leo

    que pode lhe devorar

    Sonha com o tigreque pode lhe devorar

    Sonha com a besta...

    Faminta!

    Quer ser leo

    Quer ser leo e tigre.

    A besta faminta.

    Assim deseja a mortee seu retorno

    barriga

    entranhamente.

    Assim quer ver a prpria carne

    dilacerada

    e sangue e tripa

    lembrar-lhe to claramente

    de sua pequena humanidade.

  • 7/25/2019 Caderno Revista 7faces n.12

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    Guilherme

  • 7/25/2019 Caderno Revista 7faces n.12

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    MSCARA

    Seu rosto como mscara

    eterna, fixa

    repousa nos braos

    madeira e pedranariz metlico-alongado

    olhos cavos e boca esttica

    me mira triste e dura

    me desafia inteira, incompreendida

    no pisca

    sabe e me v

    os dedos caminham por entre cada trao

    da face nicaalisam redondos da esquerda e para baixo

    o contorno da boca, intil, lbios duros

    da lngua pecaminosa

    e no olho testemunha, o dedo se enfia

    at cutucar o avesso

    cada linha, cada sulco

    da tristeza e do martrio

    lembrana e ferro

    cicatriz abotoada

    e tudo foi enterrado

    e h razes

    e h inferioridade

    e no haver depois

    mscara mgica

    enfeitiada

    resignada

    mscara carnavalesca e

    mscara morturia.

    e a gente pensa que est

    a salvo

    a salvo.

    7facesGuilherme Dearo 92

  • 7/25/2019 Caderno Revista 7faces n.12

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    Luiz Walter FurtadoOuro Preto MG

    Nasceu em Belo Horizonte, Minas gerais, em 28 de janeiro de 1957. Mora Em Ouro Preto desde 1992,

    cidade que adora e que o recebeu de braos abertos. casado e tem dois filhos. Mdico pediatra,

    professor de pediatria e poeta.

  • 7/25/2019 Caderno Revista 7faces n.12

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    PREGO NA PAREDE

    Enquanto numa sala os homens riam

    Mulheres conversavam na cozinha

    Assim que pela casa aconteciam

    As festas, os natais, tudo o que havia

    E nas paredes velhas descascadas

    Os quadros ancestrais ali expostos

    Dos quais s resta um prego pequenino

    Assim, meio pregado, meio torto

    E dele, j no sei se mais me assusta

    A parte que se adentra na parede

    Que j sabia as sombras desse tempo

    Ou se, na parte exposta sempre luz

    Que hoje, j coberta de fuligem,

    Sustenta a sombra imberbe do que fui.

    7facesLuiz Walter Furtado 95

  • 7/25/2019 Caderno Revista 7faces n.12

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    CINCO SOLIDES

    Eram cinco as que amavam

    Duas de amores to frgeis

    Daqueles que mal suportam

    poucas difceis passagens

    Outras tinham amores

    que no comportam partidas

    Daqueles que, sem temores,

    atravessam pela vida

    A quinta, sendo sozinha,

    suportava sentimentos

    dos tantos doces momentos

    da livre vida que tinha

    Nessa novela de atrizes

    de to diversos amores

    Uns de leve, outros paixes

    Todas seguiram na vida

    tentando ver compartidas

    suas cinco solides.

    7facesLuiz Walter Furtado 96

  • 7/25/2019 Caderno Revista 7faces n.12

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    Jorge de FreitasOuro Preto MG

    Doutorando em Estudos Literrios pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Mestre

    em Esttica e Filosofia da Arte pela Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP). Atualmente

    realiza pesquisa sobre a poesia de Paul Celan. Possui poemas e artigos publicados em revistas

    especializadas.

  • 7/25/2019 Caderno Revista 7faces n.12

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  • 7/25/2019 Caderno Revista 7faces n.12

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    O DORSO DO MINOTAURO

    I

    Mnade, a caadora de cabeas,estrangeira de fitas e cores nas terras de Tebas,adornada com oliveiras, ervas finas eencantamentos ninfomanacos,subjugara o rei com a famosa dana vinda de Sevilha.arqueira ligeira e Amazona feroz,descendente das hordas de Pentesilia edos amores de Proto,inimiga juramentadado mentiroso Apolo edo irascvel filho de Ttis.Tu, com frreas mosem negro marmreo esculpiu o clebreDorso do Minotauro.Magnfica fera escultrica,irmo de fazer inveja aos filhos do barro e da argila,com boca de amante e olhos de bestateu dorso, banhado de sangue, motivo de poetas.

    II

    !Salve, demnio mudo!

    Ignoro,teu lgubre ronco,teus crneos marfins escarlates,tua nsia carnal,tuas garras de Harpia,tuas presas de carnia,teu asco de macho taurino,

    tua origem no rebanho real,teu dorso entalhado em nobre pedraria,e te talho,e te cravo,npoca de Tauromaquia,meus rudimentaresAprestos para matar.

    7facesJorge de Freitas 99

  • 7/25/2019 Caderno Revista 7faces n.12

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    III

    Com mos hbeis,afiados apetrechos eatividade rotineira de especialista,

    o dorso abatido na semanaanterior rsea festa,destinada as esponsais da luxuriosa guerreira,fez-se manto de couro cozido, curtido emagnificamente, esticado.Exposta,tal qual moa que desabrocha em primavera de carcias,a chifruda cabea,taxidermicamente ajeitada,enfeita o hall de entradanum espetculo quase mitolgico.

    7facesJorge de Freitas 100

  • 7/25/2019 Caderno Revista 7faces n.12

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    Victor Bra

  • 7/25/2019 Caderno Revista 7faces n.12

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    O RAMO DE MAME

    Cum punhadinho de terrada beira do Bahr al-Jabal

    e uma sementinha de nada na mo,o Pai,depois do tempo daJahiliyyah,criou uma rvoreque rompeu a pedra bruta ese dividiu em dois ramos.

    Diz a Escritaque:dum lado, direita,do lado banhado pela luz,seguiu o ramo de papai,doutro, esquerda,do lado que torto,seguiu o ramo de mame.

    No Sudd,aps trs meses de caminhada,papaitomou e par-tiu o ramo de mame,afogou na charneca a parte do torto e,

    com violncia, pedindo ao Pai o perdo,o uniu com o dele.

    O ra-mo dema-memor-reu tmido e frgilsob a sombra forte

    do ramo de papai.

    eu sou o nico frutodo ramo de mame,assim,amo o som Alade,anseio pelas histriasda Princesa e do Sulto,

  • 7/25/2019 Caderno Revista 7faces n.12

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    e adormeo quando escutoas Sentenas de papai.Tenho a marca do torto, aos olhos do PaipaiNasci meio podre.

    Sou o fruto podre do ramo cortado!

  • 7/25/2019 Caderno Revista 7faces n.12

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    SOB O SIGNO DO CENTAURO

    Sob o Signo do Centauro,dois goles de cerveja amarga com alguns falaciososamigos. O cigarro a queimar a ponta encardida do

    dedo marca o ritmo da conversa,conversa de bbados, conversa jocosa,travada por inaudveis palavrasna soberania do balcocom a dureza dos gestos.

    No trote da volta pra casa,sob a chuva que antecipa o outono,uma lembrana dos sabores pascaisa conservar o seu rastrona loua suja sobre a pia da cozinhafornece-me abrigo.Porcelana para dias festivos trazida da Chinaem grandes caixotes forrados de palha seca,vendida aos gritos no Mercado Central...Existe uma doura secreta no sala temperar os fgados e os jils fritos na chapaque me faz confundir saliva com chuva...Cantarei, cantarei, cantaremos

    o aproximar da derradeira viso,quando a Mstica nos revelar o futuroque se acumula na borra do caf?

    7facesJorge de Freitas 104

  • 7/25/2019 Caderno Revista 7faces n.12

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    Leonardo ChiodaSo Paulo SP

    natural de Jaboticabal, So Paulo. Escritor e leitor de imagens, graduado em Letras pela

    Universidade Estadual Paulista. Estudou literatura italiana, histria do teatro e poesia

    portuguesa na Universit degli Studi di Perugia, na Itlia. Tempestardes (Patu, 2013), seu

    primeiro livro de poemas, integra a Coleo Patuscada, ganhadora do ProAC 2012. Tem

    poemas traduzidos e estudos sobre literatura e simbologia em diversas publicaes virtuais e

    impressas. um dos principais exponentes do Tar no Brasil. Vive entre a capital e o interior.

  • 7/25/2019 Caderno Revista 7faces n.12

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  • 7/25/2019 Caderno Revista 7faces n.12

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    uma confisso obscura

    uma vez me meti nas esquadras dos intelectuais

    foi depois de perder o verso primognito para uma varola

    to assassina quanto a prpria vida pura

    durante o luto afirmei de modo categrico no a respeito da

    incapacidade

    de lembrar palavras

    palavras de qualquer poema que escrevi

    e tenebroso inconsolado e quase prncipe ao astro negro de Nerval

    disse a todos os forosos que as palavras no podem ser

    carregadas de um ngulo a outro sem perder a fora

    que as conecta terra

    eu que ergui com coragem a serpente intrusa

    sentindo o peso do temporal

    o volume indignado de bilhes e bilhes

    notei que as esquadras eram mais slidas

    que os intelectuais vrios a caminho do nada absoluto

    aprendi: uma engenharia

    e novos e ignorantes sero velhos carcomidos

    que nenhuma frescura ser perdoada

    que nenhum trejeito ou incapacidade real de tema e revrbero

    ganhar o perdo dos justos

    mas no h muito de justo num escrito que nos revela

    e se estive abertamente no antro de estrelas ou equvocos

    foi para levar um ramo de treva

    a quem acredita na inocncia da mtricalivre como uma teoria sobre a colina

    7facesLeonardo Chioda 107

  • 7/25/2019 Caderno Revista 7faces n.12

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    terrvel o meu dorso e so garras apertando mos quentes

    e plumas e musgos e o vinho incrvel da memria

    uma confisso obscura a quem se expande no rito da leitura

    a pura cmara do espelho inescrito

    louco criado em ptio

    a sangue caderno e aldrava

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    agora e na aurora da linguagem

    ao poema no interessa questes prioritrias

    de uma legibilidade

    que o raia parta quem o l

    e quem o deixa

    o poema zanza pelos estados da matria

    porque um peixe primordial: reconhece a extenso

    do tanque como sua grandeza e matria aqutica feito a glria

    me em totalidade

    e rainha de si a letra da nitidez

    mas de mim o ilegvel que se v continuamente

    a passos de polvo

    a dons de esttua e profecia

    e ento essa narrativa terrivelmente gstrica

    e esses cabos de prola que trespassam os seios

    a abundncia do almoo nos arredores do municpio

    os anis de prata em cada esquina

    a confusa prolfica sesso de virtudes lavradas pelo esprito original

    o poema se deleita no paraso em quartzo constante

    na presena crescente

    na vnia gelada dos meus mortos

    agora e na aurora da linguagem

    e come-se poemas porque faz bem

    e me fortaleo de acordo com o mau gosto

    da imagem sem esforo dos ttulos fceis

    mas at da pureza da palavra se extrai outra matria

    mesmo o que enoja me oferece algum crtalo costurado mensagem

    um novo rosto limpo e recomeante ao poema

    um tempo inatingvel de fruta nmero e estrada

  • 7/25/2019 Caderno Revista 7faces n.12

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    Oskar Kokoschka

  • 7/25/2019 Caderno Revista 7faces n.12

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    jardim das delcias

    no meio do dia as folhas brotando do peito bruto

    uma convergncia entre o interior das coisas

    e a tatuagem da seiva

    tema que inaugura a rotina com requintes de crueza

    as varandas de lembrana

    a ptala

    o znite no mel do tempo

    vaga o quintal em que a me esperava o marido

    espectro na vasta terra haja vista

    do profundo da casa o fruto o ncar

    onde caibam as rvores louvando em nitidez

    a infncia as mos dadas em ciranda ao sagrado:

    a jabuticabeira

    senhora testemunha das aventuras inacabadas

    os olhos galhos ventando os minutos da inocncia

    a performance da terra

    as magias

    incensa o porto h heras incrustado e esquecido

    no lodo dos lavores e palcios: a vida natural da figura

    a frente dos prticos

    o revrbero um redemoinho imaginrio

    ento rev a fbula concebida na fonte do menino

    pela mtrica do destino

    logram as nascentes e no secam

    feito enigma de tempo e gua

    grata a musa

    fcula de um ptio intransitvel

    a linguagem do mrmore celebrando a tarde o ureo o rubro

    as folhas da onipresena

    no meio do dia os smbolos o folclore palpvel do jardim

    todos eles ladrilhados sob a cor do eterno

    poema semifinalista do Mapa Cultural Paulista 2014

  • 7/25/2019 Caderno Revista 7faces n.12

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    uma vida negociada a madreprola

    em soluo ptrida de rotina emerge o dorso ilustrea vida galvanizada

    a pedra puxada a cavalo

    uma carroa desembesta a ponto de matar o tempo

    na velocidade da coerncia

    no respiro suprfluo a galope

    a vcuo a pensamento terrfico: uma ternura ilegal

    certa que uma vida negociada a madreprolavendida por nada no mercado negro livre

    apenas enrolada em papel pardo

    feito um coice

    um juramento suburbano

    a olhos dados

    a dentes vistos

    vida juguladaespora de prata tratada a sangue

    por toda a tmpora

    atentado ao rumor: lrico

    o estreito cavalgar desta lngua

    tambm decomposta

    verncula vida vivida regada a ametista

    tbua colocada a relinchoaparelho sonoro absurdamente doce

    e uma vida vulcnica que me esgara o trajeto

    equino de ouro massivo

    ouro do mais caro em brasa pura

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    em estbulo coerente [ vida que perdura]

    oh animal de poder

    desde a crina at o louvor etimolgico

    indagando a maestria

    7facesLeonardo Chioda 113

  • 7/25/2019 Caderno Revista 7faces n.12

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    quem me dera um poema

    quem me dera um poema

    todo ntido e cortante quanto a mais antiga

    cena da gua

    poema em boro elemento egeu

    de concha fina a lasca abrupta

    um poema puro

    to real to propcio para enfiar

    debaixo das unhas

    quem me dera um camafeu escrito a gozo

    iguaria de estrutura inquebrvel

    entre ptio e vertigem

    triangular no quadril

    no po cotidiano das frias

    quem me dera os poemas se conhecendo

    e trocando fluidos entre stios

    da polpa roscea do nascimento ruga confirmada do obiturio

    uma das invenes mais oportunas

    quem me dera um busto

    um joelho que colonizasse o novo mundo

  • 7/25/2019 Caderno Revista 7faces n.12

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    rei ouro empunhando sol negro

    rei negro assumindo ouro carregado de sombra

    rei sol emergindo de orgasmo rubro

    rei ouro empunhando sol negrocubo dilatado testa

    um blano para a fotografia

    uma origem ao silncio do rgo ocenico

    rei que rene o corpo da lembrana pele penlope da glria

    aquele que outorga o nervo com um cetro de sal

    e o que se sabe de um rei sua cronologia

    um dorso extenso de cerimnia e sacrifcio

    entre grito e cmara inicitica: o soberano verme de poltica

    e um mtodo arrojado para castrar o texto pai

    de um rei se sabe a npcia

    os terrores da rainhaa radincia da fera imolada

    e sei de um rei que viola seu prprio augrio

    seu sangue coroadofluido e espesso e dicionrio para a vida

    cada dia derramado

    um sangue que no se envenena

    de um rei se tem os degraus

    e daqui se v o msculo no vinho

    o rosto negado ao triunfo o discurso regado a rosa

    ave glande excelsa

    de um rei se tira fora e estilo

    o dom de principiar vingana [a mscara da morte pura]

    o smen o sol e toda a pureza negra dos olhos

    smile na hora

    e na flora do fogo

    at que os ossos sejam a cincia majestosa

    do prprio mito

    fstula dissertada no escombro

    rgulo queimado vivo

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    os poucos poemas no corao

    fodido s custas da livraria

    tormenta da imaginao pontuada em papel plen

    de excelente gramatura

    pontas afiadas cada vez mais

    e mal remunerado

    um boleto gerado na expectativa de sucesso como se houvesse glria

    alm de ser lido na pressa

    a tentar o pdio dos editais

    e qualquer contrato

    em nome da flora literria

    a nova e avulsa

    a safra impensada de livros que tomam as prateleiras particulares

    os poucos poemas no corao

    e querer ser reeditado

    e convidado de honra no olimpo

    e o prazo para retirar o prmio

    e mais nada

    mas e o pagamento do poeta

    este corteso no inferno

    dos sebos

    um stio de sangue

    e a poeira mais ntima acumulada no peito: um pntano

    vigiado pelo senhor do esquecimento

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    metaminoica

    18

    o amante que um dia abandona

    uma hora volta

    [e vai aos pedaos para a panela] frisa a me antiga dos seios corais

    o vaso plvico na profuso do terrao

    27

    as armas brancas

    o cl dos textos gozosos

    esse sorriso helicoidal por toda a areia

    44

    todo esse cuidado

    tomado para no se deixar levar

    pela beleza do caminho

    7facesLeonardo Chioda 117

  • 7/25/2019 Caderno Revista 7faces n.12

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    HilstHilda

    traos da memria

    entremeio

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    Todo material reproduzido nesta seo do

    Arquivo do Instituto Hilda Hilst

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    O processo

    criativo de

    Hilda HilstPor Mariana Payno

    Quando esses detalhes surgiam, giravam sobre onegcio que a nova

    gerao agraciara com o termo unissex de chupar. Hilda Hilst

    circulou o trecho no livro Um ms s de domingos, de John Updike, eescreveu ao lado, a caneta verde, Lori Lamby. O procedimento se

    repete em muitos dos trs mil volumes de sua biblioteca, agora

    higienizada e catalogada pelo projeto Sala de Memria Casa do Sol:

    alm de destacar frases interessantes e tecer comentrios sobre as

    obras e autores, Hilda deixou vrias pistas de seu processo criativo

    entre os livros.

    Um dos exemplos mais fortes um rascunho encontrado em Esboo

    da Teoria das Emoes, de Jean Paul-Sartre. O trecho curiosamente

    um esboo de vrias ideias que nortearam a produo hilstiana nasdcadas de 1970 e 1980. Os trs primeiros versos esto no s na

    epgrafe deAxelrodem Tu no te moves de ti(1980) como em uma

    entrevista concedida aoJornal da Tardeno mesmo ano, observa Leusa

    Arajo, pesquisadora e amiga de Hilda. Ela prpria cita os versos que

    partiram da, diz. Tambm tem cacos disso em Com meus olhos de

    co(1986).

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    At que se desfaam as cordas do sentir. Nunca at quando.___________________________ assim: a emoo di de um jeito

    extremo, o + penoso, o + difcil. Tudo se rompe L DENTRO Como se

    a vida tivesse terminado, entende? Como se a morte no fosse

    Esperana, nem nada, eu sem amor sou NADA Antes da Idia Antes

    DELE, O OBSCURO, Comea a ser. Mas mesmo a ALMA que est

    pedindo alguma coisa? A ALMA? igual a minha? Tem parecena?

    Existe, irm? Tudo apenas a carne besteira? Amanhece de mim? At

    quando? Amanhece de mim. mim?

    Reunidos no que parece ser uma estrofe inacabada, vestgios de outras

    obras em prosa aparecem nas palavras deixadas por Hilda nas pginas

    de Sartre. Ela j havia usado o ANTES DA IDEIA, em caixa alta,

    em Qads (1973), no dilogo com o Cara Cavada: repregaram mil

    vezes mil alguns que perguntavam o que fazias ANTES, ANTES DA

    IDIA?. Veja que depois ela vai responder: antes da ideia, o obscuro,

    comenta Leusa. Pelojeito ela usou essas ideias por todos os lados.

    Como no tem um acabamento final, sinto que so anotaes para

    posterior aproveitamento, perguntas la Diriosde Kafka que depois

    entram na prosa e na poesia.

    De fato, o indito encontrado na Sala de Memria antecipa algumas

    ideias presentes em Da Morte. Odes Mnimas(1979), publicado junto

    anterior produo potica da autora no volume Poesia, de 1980.

    Bonito ver como Hilda questiona a morte e a chama de irm, como

    far depois em Da Morte. Odes Mnimas: Porque tu, morte, minha

    irm. Portanto, ela j estava com estas questes e palavras em

    gestao, explica Leusa. linda a maneira como ela cita vrias vezes

    a poesia na prosa e vice-versa. Tem um vocabulrio prprio,

    ontolgico.

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    or isso que acho o Vargas Llosa to pouco sedutor como escritor de fico

    otao de leitura de Hilda Hilst na edio deA orgia perptua, de Vargas Llosa]A

    a um ensaio no qual Vargas Llosa mescla memria e erudio para falar sobre

    stave Flaubert e o romance Madame Bovary.

  • 7/25/2019 Caderno Revista 7faces n.12

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    Qto. ao enforque relativo ao social, discrepncia entre pobres e ricos, s

    consideraes a respeito da vitria, dodinheiro, a Deusa-Cadela como dizia

    Henry James raqutico. Qto. aos relato

    erticos de D. H. L. so hoje hilariantes!

    [Anotao encontrada no livro O amant

    de Lady Chartterly, de D. H. Lawrence]

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    Pgina 1: III 5 6 7 / doses de usque 21/ julho 89. Ainda no estou bbada. / p.251

    Meu Deus! Mas a paixo devorava c/ suas chamas conformadoras [?] /1928 / Ah!

    Pgina 2: 226! Credo! 136 137 178 238! 251! Ruiu! [?] 226!! p.66 Importante! Sobre o

    dinheiro Levemente [?] [...] clida inefvel [...] tpida e palpitante o ressurgir do falo

    [Anotaes de leitura de Hilda Hilst na edio de O amante de Lady Chartterly, de D.

    H. Lawrence]

  • 7/25/2019 Caderno Revista 7faces n.12

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    Reconditos da

    memoriaPor Luiza Helena Novaes

    A vida uma questo de remanejamento. As coisas em si no tm vida,

    o olho que carinhosamente vai agregando valor, e com isso,

    transformando o redor.

    Algumas pessoas eram treinadas para limpar, catalogar e ordenar todo

    um escopo de material fsico. Porm, as prateleiras e armrios eram

    smbolos de outros cantos escondidos do corpo. Sentimentos,

    emoes e extravasamentos eram necessrios ser discutidos

    internamente para que a organizao do espao pudesse ocorrer.

    Primeiramente, preciso humildade para suportar as intensas

    incurses na sujeira de cada um dos livros e a fora bruta para carregar

    as caixas de um lado a outro at chegar ao seu destino final.

    Negociaes com outros seres e outros seres e outras vontades

    tambm no deixavam de passar desapercebidos.

    De dentro, custa mais caro saber julgar o que realmente necessita ter

    lugar. J havia escrito e pensado sobre isso anteriormente. Sabe?Aquele livro do crtico de teatro que havia me feito pensar o motivo de

    todas essas coisas, as vestes que tiramos e colocamos at o derradeiro

    dia, e esses personagens.

    Como faz para caminhar de maneira orgnica sem carregar do todo o

    excesso, sem pedir ou precisar mais do que o devido? Custava olhar

    ^

  • 7/25/2019 Caderno Revista 7faces n.12

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    para os supostos donos da coisa para entender a ganncia da casa de

    cada um de ns, onde a nossa luxria deveria ficar travada entre uma

    e outra prateleira denominada deslizante. (Quantos presentes havia

    ganhado e quantos outros havia dado.)

    No por obrigao ou por falta do que fazer, seno pelo amor comocaminho a percorrer. Eram livros e mais livros nas estantes e eles

    deveriam noite sofrer uma organizao sem que minha presena

    fsica fosse necessria.

    Todo trabalho humano um mito de Ssifo, serve como arqutipo de

    uma esteira de obrigaes. Para que foi mesmo que viemos at aqui?

    Que outras perguntas deixaram de ser respondidas e resolvidas?

    A senhora dona do arquivo, poderosa poetisa plena e consciente de

    sua importncia e poder, havia caminhado por entre as mesmas

    pedras que eu havia de trilhar, e essa mesma senhora tinha dons

    estimveis. Poderia descrev-los, porm creio ser dispensvel.

    Os ces que a casa habitam eram espritos dos mesmos ces que a casa

    j habitaram. E aquela mulher, a senhora que todas as noites se deita

    na mesma cama, ela tambm poderia ser simplesmente parte da

    nobre alma da escritora, agora encarnada em uma pintora graciosa.

    Brincava internamente, divertia-me por consequncia sozinha. C eusei de minhas malcias e interesses, a mim j me bastam as minhas

    misrias, mentiras e maldades pra decifrar. A cada um segundo sua

    luz, repensando o materialista. Isso tambm passa, assim como a tal

    da dialtica.

    Se estamos sempre discutindo com os nossos contemporneos e com

    quem veio antes, terei de dizer muitas e muitas pginas para descrever

    tudo que j corri com os olhos e todos autores que, como eu, j foram

    olhados com olhar atento de criana, pura e inocente, at segundo

    chamado.

    Nos recnditos da casa havia ainda as rvores e um jardim que vivia

    dando problemas, inclusive o prprio jardineiro que deveria se

    aposentar e pacificar em vez de esperar a horta frutificar. Avaliava.

    Porm, ele sempre chegava bem mais cedo do que eu e saa bem mais

    tarde.

  • 7/25/2019 Caderno Revista 7faces n.12

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    Sempre. Sentia-me como madame que s faz suas vontades e nada

    segue do horrio que materialmente os homens esto condenados. De

    fardo, s o interno pra organizar claramente. Era um esforo

    transcendental.

    Havia tambm a rvore, se por espcime gosta de classificao,

    Figueira o seu nome, e sua funo energtica cumprir desejos e

    sonhos. Vejam, meus caros, alguns personagens acreditam em

    lmpadas mgicas e outras espcies de adornos de eventual aura de

    realizao de vontades. Creio que pessoas mais conectadas a foras da

    natureza podem, sim, carregar a esperana de que uma rvore seja

    realizadora da esperana. preciso saber esperar. Faz parte dos

    ensinos que a escola ainda no soube como controlar dentro do

    organismo, completamente condicionado a viver de forma mecnica

    em sociedade.

    Percebam, de quando em quando algum doce lhe ofertado para que

    o paladar possa continuar sendo adocicado pelas ddivas. Havia

    conversado sobre misso e de quando em quando sentia de novo isso

    voltar tona.

    Para chegar s prateleiras, esses livros haviam passado por minucioso

    exame de seu estado de conservao, posteriormente por uma

    limpeza superficial, um a um, catalogao e, agora, encontravam-seem ordem alfabtica por temas escolhidos a dedo. No sei se

    concordava com a classificao, porm eles, os livros, no reclamavam

    seu correto lugar. As dvidas eram somente parte fundamental da

    falta de confiana de que tudo estava dentro do plano preciso a ser

    traado.

    Gostaria de deixar claro que todo meu esforo atual caminha

    precisamente para conseguir permitir que voc seja voc, sem

    limitaes e, principalmente, violncia ou agresso, em liberdade,

    ainda que essa seja uma daquelas palavras auspiciosas. Os livrostambm, deix-los ser quem so.

    Como faz pra que o simples seja simples e pronto? Sem processo.

  • 7/25/2019 Caderno Revista 7faces n.12

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    Surpresas no

    quarto de

    Hilda HilstPor Mariana Payno

    Duas tcnicas em arquivstica, alguns pincis, cola e papis especiais,

    cerca de trs mil livros. Assim comearam os trabalhos da Sala de

    Memria Casa do Sol* no primeiro semestre de 2015. Criado para

    organizar o acervo de Hilda Hilst e de outros artistas e escritores que

    fizeram parte da histria da Casa, a primeira fase do projeto concluiu

    a higienizao e organizao de 3.125 volumes. Grande consumidora

    de literatura de todo o tipo, da mstica fico, da filosofia poesia,

    Hilda Hilst fez de suas leituras parte de seu processo criativo e no

    meio dos livros que surgiram as primeiras surpresas da Sala deMemria. Exatos 1.661 deles tm alguma interveno de Hilda ao

    longo das pginas.

    Grifos, observaes e at escritos inditos da autora esto derramados

    entre as palavras de Vargas Llosa, Beckett, Baudelaire e Borges, entre

  • 7/25/2019 Caderno Revista 7faces n.12

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    outros. Uma srie de ilustraes nunca publicadas se encontra no

    canto das pginas. Alm disso, foram localizados originais de obras,

    como Rtilo Nada, Tu no te moves de ti eA Obscena Senhora D. Dez

    cartas inditas de Clarice Lispector para o escritor Jos Luis Mora

    Fuentes tambm esto entre as primeiras redescobertas do acervo. Aprxima etapa do projeto prev o mesmo processo de ordenao

    esses documentos: agendas, desenhos, originais datilografados,

    bilhetes, listas, fotografias, rolos de filme super 8, discos de vinil.

    Para receber a Sala de Memria, a Casa do Sol passou por uma srie

    de reformas, atendendo a todas as necessidades tcnicas e conceituais

    da preservao documental. Alis, a Casa em si a primeira grande

    pea do acervo de Hilda Hilst, j que foi desenhada e construda por

    ela com o objetivo de produzir literatura. Mais do que morada sagrada

    da escritora, a Casa do Sol, palco da criao da maioria de seus livros,

    protagonista de sua obra.

    O antigo quarto da autora foi o cmodo escolhido para abrigar a Sala

    de Memria, o arquivo deslizante e os armrios especiais para

    conservao de documentos e fotografias. Por ser o corao da Casa

    do Sol, o lugar que guarda tambm a memria imaterial. Houve

    muito cuidado para no descaracterizar o espao: as paredes,

    incluindo aquela com as fotos das referncias intelectuais de Hilda, a

    lareira e o armrio continuam intactos e preservados. Em meio s

    folhas amareladas, o Esprito da Coisa espreita o cuidado de ol