revista mosaicum n. 12

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FACULDADE DO SUL DA BAHIA - FASB NÚCLEO DE PÓS-GRADUAÇÃO, PESQUISA E EXTENSÃO REVISTA Ano 6, n. 12, Jul.-Dez. 2010 ISSN:1808-589X

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Publicação científica do Núcleo de Pós-graduação, Pesquisa e Extensão da Faculdade do Sul da Bahia

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Page 1: Revista Mosaicum n. 12

FACULDADE DO SUL DA BAHIA - FASB

NÚCLEO DE PÓS-GRADUAÇÃO, PESQUISA E EXTENSÃO

Mosaicum

REVISTA

Ano 6, n. 12, Jul.-Dez. 2010

ISSN:1808-589X

Page 2: Revista Mosaicum n. 12

Revista indexada em:EDUBASE - Unicamp - (http://www.bibli.fae.unicamp.br/)Latindex - (http://www.latindex.unam.mx/)

Os artigos publicados nesta Revista são de inteira responsabilidade de seus autores e não refletem, necessariamente, o pensamen-tos dos editores.

FUNDAÇÃO FRANCISO DE ASSIS

Presidente: Lay Alves Ribeiro

FACULDADE DO SUL DA BAHIA

Diretor-acadêmico: Valci Vieira dos Santos

Diretor-administrativo: Wilson Alves de Araújo.

NÚCLEO DE PÓS-GRADUAÇÃO, PESQUISA E EXTENSÃO - NUPPE

Coordenação: Jessyluce Cardoso Reis

REVISTA MOSAICUMPublicação semestral do Núcleo de Pós-graduação, Pesquisa e Extensão da Faculdade do Sul da Bahia

(Fasb)

Conselho científico:Abrahão Costa Andrade (UFRN)Bernardina Maria de Sousa Leal (UFF)Ester Abreu Vieira de Oliveira (CESV/UFES)Eva Aparecida da Silva (UFVJM)J. Agustín Torijano Pérez (Universidad de Salamanca)Jaceny Maria Reynaud (UFRGS)Josina Nunes Drumond (PUC/SP)Nilson Robson Guedes da Silva (Faculdade Anhanguera de Limeira)Paulo Roberto Duarte Lopes (UEFS)Raphael Padula (COPPE/RJ)Ricardo Daher Oliveira (UNES)Ricardo Jucá Chagas (UESB)Rodrigo Loureiro Medeiros (UFES)Sélcio de Souza Silva (UNEB/UCGO)Valci Vieira dos Santos (UNEB)Wisley Falco Sales (UESC)

Conselho Editorial:Carlos Felipe Moisés

Valci Vieira dos Santos

Wilbett Oliveira

Diagramação/revisão/capaWilbett Oliveira

© 2009 Núcleo de Pós-graduação, Pesquisa e Extensão da Faculdade do Sul da Bahia (Fasb). Proibidaa reprodução parcial ou total por qualqur meio de impressão, em forma idêntica, resumida, parcial oumodificada, em língua portuguesa ou outro idioma.

Revista Mosaicum

Ano 6, n. 12 (jul.-dez. 2010).

Teixeira de Freitas, BA.

ISSN: 1808-589X

1. Publicação Periódica - Faculdade do Sul da Bahia.

CDD 050

Correspondências:Rua Sagrada Família, 120 - Bela Vista

Teixeira de Freitas, BA

CEP 45997-014

(73) 3011.7000 - ramal 7005

Home page: www.revistamosaicum.com.br

E-mail: [email protected]

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EDITORIAL................................................................................................................5

ADMINISTRAÇÃO1 A GESTÃO DO CONHECIMENTO COMO MECANISMO DE MELHORIADOS ATIVOS INTANGÍVEIS DAS ORGANIZAÇÕES...............................................7Marcos de Oliveira AthaydeRicardo Daher Oliveira

2 A GESTÃO DO CONHECIMENTO COMO DIFERENCIAL DE COMPETITIVI-DADE E SOBREVIVÊNCIA DAS ORGANIZAÇÕES............................................. 25Henderson Carvalho TorresRodney Alves BarbosaKátia de Fátima Vilela

EDUCAÇÃO3 RAZÃO COMUNICATIVA E O PROJETO PEDAGÓGICO DE EMANCIPA-ÇÃO HUMANA........................................................................................................ 31Vicente Zatti

SOCIOLOGIA4 SURGIMENTO, FORMAÇÃO E DESENVOLVIMENTO DA SOCIOLOGIA.........37Olga Suely Soares de SouzaCleonalto Gil Barbosa

FILOSOFIA5 A NOÇÃO DE PESSOA COMO RECURSO CONCEITUAL PARA UMA POSSÍVELANTROPOLOGIA FILOSÓFICA..............................................................................43Abrahão Costa AndradeAnette Maria Araújo Leal

6 O PARADOXO DA CONDIÇÃO HUMANA EM PASCAL.................................. 59Joelson Pereira de Sousa

LITERATURA7 O NÁUFRAGO, DE THOMAS BERNHARD: VIDAS EMPAREDADAS....................67Valci Vieira dos Santos

BIOLOGIA8 ANÁLISE DA QUALIDADE MICROBIOLÓGICA E HIGIÊNICO-SANITÁRIADE POLPAS DE FRUTAS COMERCIALIZADAS EM SUPERMERCADOS DOMUNICÍPIO DE TEIXEIRA DE FREITAS, BA........................................................77Tharcilla Nascimento da Silva MacenaJorge Luiz FortunaBetânia do Amaral e SouzaEverton da Silva Lopes

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ICTIOLOGIA9 ALIMENTAÇÃO DE LARIMUS BREVICEPS (CUVIER, 1830) (ACTINO-PTERYGII: SCIAENIDAE) NA PRAIA DO MALHADO, ILHÉUS (BAHIA)..............................................85Paulo Roberto Duarte LopesJailza Tavares de Oliveira-SilvaIdeval Pires Fernandes

10 CONTRIBUIÇÃO AO CONHECIMENTO DA ICTIOFAUNA (ACTINOPTERYGII) OCOR-RENTE NA PRAIA DO MALHADO, ILHÉUS (BAHIA)................................................................. 93Paulo Roberto Duarte Lopes Jailza Tavares de Oliveira-Silva Ideval Pires Fernandes

SOBRE OS AUTORES................................................................................................................... 103NORMAS PARA PUBLICAÇÃO.....................................................................................................105

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EDITORIAL

Os textos que abrem este décimo segundo número da Revista Mosaicumretomam a discussão sobre a relevância do conhecimento nas organizações. Noprimeiro, os professores Marcos de Oliveira Athayde e Ricardo Daher Oliveiraanalisam a gestão do conhecimento como contribuinte para melhoria dos ativosintangíveis das organizações, identificando as aplicações da gestão do conheci-mento nas empresas. Ao final do artigo, os autores sugerem ações que auxiliam adifusão e a melhoria da gestão do conhecimento organizacional. No segundo, osprofessores Henderson Carvalho Torres, Rodney Alves Barbosa e Kátia de Fá-tima Vilela constatam que a gestão do conhecimento manifesta-se em todas asações da vida, nas decisões e, até mesmo, na sobrevivência da espécie humana,mas foi há pouco tempo que as organizações e seus administradores passaram aperceber sua influência e suas implicações na competitividade e nos resultadosempresariais. Para os autores, o capital intelectual, como a qualificação dos cola-boradores, a tecnologia da informação e os incentivos à inovação podem desem-penhar papel preponderante na sobrevivência e no crescimento da organização.Afirmam ainda que os sistemas tradicionais de mensuração não foram concebi-dos para lidar com a complexidade desses ativos intangíveis baseados no conheci-mento. Concluem afirmando que, para poder competir e enfrentar os desafios deum mercado cada vez mais exigente, as organizações têm de investir em recursoshumanos a fim de capacitá-los e adaptá-los às rápidas mudanças do mercado.

O texto de Vicente Zatti, doutorando e mestre em Educação (UFRGS),discute razão comunicativa e o projeto pedagógico de emancipação humana. ParaZatti, Habermas, por considerar a modernidade um projeto inacabado, continuaacreditando na razão e no seu poder reflexivo-emancipatório. Herda de Kant aprioridade da razão, mas abandona o modelo de razão transcendental kantiana,reformulando-a numa concepção de razão destrancendentalizada, a razão comu-nicativa. Afirma a razão comunicativa como capaz de formar de modo racionalnossa vontade, ensinando que podemos chegar à emancipação de indivíduos egrupos sociais pelo entendimento comunicativo.

Em seguida, o texto da doutora em Educação Olga Suely Soares de Souzae do estudante de Direito Cleonalto Barbosa discute aspectos relevantes envol-vendo a origem, formação e desenvolvimento da Sociologia. Debate, ainda, asinfluências da Revoluções Industrial e da Revolução Francesa para o surgimentodos estudos sociológicos, dando ênfase ao Positivismo e ao Materialismo Históri-co. Seus autores mencionam ainda que a Sociologia é fundamental para o estudodos fatos sociais e para a compreensão das sociedades contemporâneas.

O poeta e filósofo Abrahão Costa Andrade e Anette Maria Araújo Leal, emseu texto intitulado A noção de pessoa como recurso conceitual para umapossível Antropologia Filosófica, traçam a possibilidade de uma antropologiafilosófica no âmbito da filosofia contemporânea, articulando, segundo os termosde Louis Dumont, a dupla possibilidade de um individualismo e de seu oposto, o“holismo”. Os autores apresentam o problema à luz de Cassirer, Sartre, MacIn-tyre e Heidegger, com o recurso à noção de “pessoa”, elevada, por Ricœur, àcategoria de conceito.

No texto seguinte, o filósofo Joelson Pereira de Souza, em seu artigo Oparadoxo da condição humana em Pascal, busca compreender a trajetória queanima as reflexões pascalianas acerca da condição humana. Para pensar o ser

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humano o autor mergulha em paradoxos que vão desde o mistério insondável dafé até a pretensão de fundamentar uma ciência baseada em verdades racionais.Essa posição ambígua entre fé e razão faz de Pascal um representante privilegi-ado da angústia da modernidade.

Em O Náufrago, de Thomas Bernhard: vidas emparedadas, o doutoran-do em Literatura Comparada (Universidade Federal Fluminense - UFF) ValciVieira dos Santos examina alguns aspectos da tumultuada relação estabelecidaentre os três personagens centrais da obra, cujas vidas hajam-se configuradas apartir de um constante dilema entre o viver e o morrer, ensejando, dessa forma, aflagrante construção de quadros dramáticos.

Em seguida, os professores Tharcilla Nascimento da Silva Macena, JorgeLuiz Fortuna, Betânia do Amaral e Souza e o estudante de Bilogia Everton daSilva Lopes, da Universidade Estadual da Bahia (Uneb - campus X), analisam aqualidade microbiológica e higiênico-sanitária de polpas de frutas comercializadasem supermercados do município de Teixeira de Freitas, BA. Os pesquisadoresanalisaram 72 amostras de polpas de frutas congeladas de três sabores diferen-tes (acerola, cacau e cajá), comercializadas nos supermercados do município deTeixeira de Freitas-BA. Para tanto, determinaram o pH das polpas, NúmeroMais Provável de coliformes totais e termotolerantes (NMP/g) e Unidades For-madoras de Colônias de bolores e leveduras (UFC/g). Concluíram que o pH daspolpas apresentaram-se dentro dos padrões. 48 amostras (66,7%) apresentaramresultados positivos para coliformes totais, e a mesma quantidade confirmou apresença de coliformes termotolerantes, sendo apenas uma (1,4%) fora do pa-drão aceitável. Quarenta e três amostras (59,7%) apresentaram contaminaçãopor bolores e leveduras, sendo que as contagens variaram de <1,0x 101 até 2,8x102 UFC/g, portanto, todas encontraram-se dentro dos padrões estabelecidos pelaInstrução Normativa n° 01 (BRASIL, 2000).

Os estudos em Ictiologia, tema constante nesta Revista, são representadospelos professores biólogos Paulo Roberto Duarte Lopes, Jailza Tavares de Oli-veira-Silva e Ideval Pires Fernandes da Universidade Estadual de Feira de Santa-na, BA. No primeiro, apresentam uma lista com comentários da ictiofauna ocor-rente na Praia do Malhado (município de Ilhéus, litoral sul do estado da Bahia,região nordeste do Brasil) incluindo as classes Chondrichthyes (ordem Mylio-batiformes, com 1 família e 1 espécie) e Actinopterygii (ordens Angulliformes aTetraodontiformes, com 30 famílias e 105 espécies). No segundo, examinam osconteúdos estomacais de 224 exemplares de Larimus breviceps (CUVIER, 1830)(Actinopterygii: Sciaenidae) coletados entre novembro de 2003 e dezembro de2006 na Praia do Malhado (sul do estado da Bahia, litoral nordeste do Brasil).Segundo estes autores, um total de 13 categorias alimentares foram identificadas,sendo que, com referência à freqüência de ocorrência, as principais categoriasforam Crustacea Decapoda (88,74%), Crustacea Decapoda Dendrobranchi-ata (camarões, 34,68%) e Actinopterygii Teleostei (peixes, 30,63%) e com refe-rência à frequência numérica, as principais categorias foram Decapoda (79,48%)e camarões (13,72%). Concluíram que na Praia do Malhado, L. breviceps apre-senta um hábito alimentar carnívoro com uma predominância de Crustacea.

Agradecemos ao Conselho científico, ao colaboradores e à Fundação Fran-cisco de Assis, pela colaboração ímpar para a publicação de mais este número.

Carlos Felipe MoisésValci Vieira dos Santos

Wilbett OliveiraEditores

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1 A GESTÃO DO CONHECIMENTO COMO MECANISMO DEMELHORIA DOS ATIVOS INTANGÍVEIS DAS ORGANIZAÇÕES

Marcos de Oliveira AthaydeRicardo Daher Oliveira

Resumo: Este artigo tem por principal objetivo a verificação da atuação da gestãodo conhecimento como contribuinte para melhoria dos ativos intangíveis das orga-nizações. Para tanto, foi realizado um estudo bibliográfico de forma a identificar asaplicações da gestão do conhecimento nas empresas. Ao final do artigo, sugerem-seações capazes de auxiliarem a difusão e melhoria da gestão do conhecimento organi-zacional.Palavras-chave: Conhecimento; ativos intangíveis; competitividade.

Abstract:Although the human knowledge is the main responsible for the process oftransformation of the nature, during centuries the individual knowledge was givenprestige to the detriment of the organizational knowledge. This took to a vision thatthe training could lead the man to the same knowledge without qualification. Withthe time, it was verified that the training was not more making the organizationsobtain success. It was necessary to qualify the employee for only after givingtrainings.Therefore, the present paper makes a theoretical revision of the practiceof the knowledge management, for later suggest a list of actions that will impel theorganizational knowledge.Key-Words: Qualification; Training, Knowledge Management

1 INTRODUÇÃO

Dada à acirrada competitividade do contexto empresarial, as organizaçõesdevem estar atentas às tendências de mercado a fim de alcançarem não somentea sobrevivência e o sucesso empresarial.

Nesse sentido, a gestão do conhecimento passou a ser discutida como aprincipal prática na organização para se atualizar e adequar às novas normas demercado. Tal preocupação, que outrora fora negligenciada, passou a ser fator degrande preocupação por parte, não somente dos colaboradores, mas também doalto escalão. Afinal, não é possível melhorar processos sem que o corpo social daorganização esteja devidamente qualificado.

De acordo com Drucker (1999), muitas organizações já estão percebendoque é preciso ir além de investimentos em bens tangíveis para enfrentar os desa-fios da era do conhecimento e buscam a valorização dos bens intangíveis da orga-nização. Se pensado assim, um novo modelo de gestão há de surgir para se tornaro catalisador para a evolução organizacional.

Para Magalhães (1999, p. 59), a gestão do conhecimento é a formalizaçãodas experiências, conhecimento e expertise, de forma que se tornem acessíveispara organização e ela possa criar novas competências, alcançando assim desem-penho superior estimulando a inovação e criando valores para seus clientes. Porisso é de grande valia que as organizações e profissionais nela envolvidos estejamreceptíveis a essa nova Era, em que possuir conhecimento atualizado e saberutilizá-lo é a melhor garantia para se tornar competitivo.

Sendo assim, muitas são as organizações que têm entendido que para geri-rem seus processos e alcançarem suas metas e objetivos é preciso que todos oscomponentes estejam alinhados, sugerindo que a empresa, ao tomar a decisão deinvestir em conhecimento estará investindo em maior qualidade para seus produ-

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tos e serviços, pois quanto mais conhecimento técnico e qualidade os participan-tes tiverem a respeito de suas atividades, maior confiança na execução da tarefa.

Essa temática, embora polêmica para algumas empresas, visto que investirno capital intelectual ao invés de investir em bens tangíveis foi, por séculos, consi-derado desperdício para a organização, tornou-se um caminho sem volta, pois,máquina e tecnologia são encontrados em qualquer feira, mas conhecimento emão de obra qualificada requerem mudanças na postura e na forma de tratar oconhecimento organizacional.

Nesse contexto, o presente artigo tem como proposta de pesquisa respon-der o seguinte problema: as práticas de gestão do conhecimento contribuem paraa melhoria do ativo intangível da organização? A busca por uma resposta acercado problema suscitado propõe como objetivo geral: verificar de que forma as pra-ticas propostas de gestão do conhecimento contribuem para a melhoria do ativointangível da organização.

2 REVISÃO DE LITERATURA

A partir desse tópico, o presente artigo fará uma abordagem a temas rela-cionados com aos fatores estratégicos da gestão do conhecimento, à cultura evalores da gestão do conhecimento , à estrutura da organização do conhecimen-to, à veiculação do conhecimento na organização ao comportamento organizacio-nal e à gestão do conhecimento, com o intuito de fornecer sustentação teórica aotema proposto.

2.1 A ERA DO CONHECIMENTO

De acordo com Rocha Neto (2003), as mudanças em curso no cenáriomundial têm afetado profundamente o homem, o seu meio ambiente e a sua orga-nização social. A sociedade moderna vive um momento de transição, caracteriza-do pelos profundos impactos provocados pelas novas tecnologias, com alteraçõesde hábitos, valores e tradições, antes assumidos como imutáveis. A principal des-sas mudanças tem sido o deslocamento das vantagens competitivas, antes basea-das na produção em larga escala, sendo o preço variável determinante à agrega-ção de valor, bem como à necessidade de personalização de produtos e serviçospara atender as demandas especiais dos clientes. Isso requer a introdução contí-nua de inovações, a constituição de uma base competente de ciência e tecnologia,bem como de gestão do conhecimento e competências.

O capital humano significa pessoas estudadas e especializadas, que sãohoje o ponto central na transformação global. De acordo com Crawford (1994), aexpressão capital humano apareceu pela primeira vez na literatura econômica em1961. Embora na sociedade industrial o capital físico e financeiro fosse um fatorcrítico para o sucesso, na economia do conhecimento a importância relativa docapital físico diminui à medida que a tecnologia torna-se mais barata e a qualifica-ção, o conhecimento e as habilidades das pessoas crescem em importância.

Conforme Drucker (1999), é exatamente na área econômica que está agrande diferença entre o trabalhador manual e o trabalhador do conhecimento.Segundo o autor, a teoria econômica e a maior parte das empresas veem o traba-lhador manual como custo. Para que seja produtivo, deve ser considerado ativo e,como qualquer outro ativo, precisa crescer. Os trabalhadores do conhecimento

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possuem os meios de produção. O conhecimento que eles detêm é um ativo.Nesse novo ambiente organizacional, segundo Ramos (1989), deve-se con-

siderar o homem na sua totalidade. Não basta apenas às organizações contaremcom a mão dos indivíduos (mão de obra, músculos); elas necessitam também doseu cérebro. Assim, o foco passa do homem operacional, aquele que apenas exe-cuta, para o homem parentético, aquele que pensa, que reflete, que analisa, quecrítica. Não se pode mais separar os integrantes da organização em seres queexecutam e em seres que pensam. As organizações necessitam que os indivíduosque as compõem, independentemente da sua posição, contribuam com ideias, comcriatividade e inovação. Tenham uma postura de aprendizagem contínua, pois asorganizações aprendem através dos seus indivíduos. O ambiente comunicativo iráproporcionar a interação entre os indivíduos possibilitando a troca de experiênciase conhecimento.

Para Nóbrega (1999), o princípio básico na procura da visão holística é o demaximizar a participação, a interação, a troca, o livre fluir dos sinais e mensagensde todas as formas possíveis. Nesse sentido, as organizações precisam ser vistascomo relações criativas e não como estruturas rígidas, como fonte de geração deideias e não de controle, pois o sucesso das organizações situa-se mais nas suascapacidades intelectuais e holísticas do que nos ativos físicos, mais no campo degeração de ideias do que na geração de ativos tangíveis, em que a capacidade degerir o potencial humano se transforma numa habilidade executiva essencial.

Drucker (2002, p. 22) afirma que os trabalhadores de conhecimento não seidentificam mais com o empregador, e sim, com uma área de conhecimento. Des-sa forma, é o trabalhador da era do conhecimento que, em grande medida, irádeterminar o perfil da organização do futuro e que tipo de organização terá suces-so.

Entende-se que viabilizar iniciativas de sucesso está diretamente relaciona-do com as oportunidades que uma empresa dá para que seus talentos invisíveisvenham à tona. Parafraseando Nonaka e Takeuchi (1997), transformar conheci-mento tácito em conhecimento explícito é muito mais efetivo para o sucesso em-presarial do que garantir a modernidade de sistemas que, por serem copiáveis edisponíveis a todos, estão se caracterizando como commodities. Visto assim, agestão do conhecimento, antes de ser uma metodologia ou uma ferramenta degestão como tantas outras, é um movimento coletivo, adaptativo e pró-ativo quevisa ajustar as organizações a uma forma de pro-dução pós-industrial, onde oconhecimento se torna o mais importante insumo de produção.

Empresas investem numa expectativa de ganhos cujos resultados sempreficam aquém do seu potencial que, na maioria da vezes, também não é conhecido.Tem-se visto que, independentemente do processo que se estudar, é o aspectohumano que faz a diferença: um processo de distribuição inserido no negócio delogística, por mais eficiente que seja se não houver a compreensão por parte daspessoas envolvidas, do todo organizacional e do impacto que a ação de cada umcausa nesse todo agregado com certeza será mais um processo implementadomuito abaixo do potencial.

Dentro das universidades, a gestão de conhecimento é vista como um estu-do da socialização do conhecimento dentro das organizações e como essa socia-lização interfere na cadeia produtiva e no contrato social entre os membros daorganização.

A empresa, por sua vez, discute o conhecimento voltado para resultados

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pragmáticos e para rentabilidade, buscando respostas mais práticas para as ques-tões: de como transformar conhecimento em valor; de como transformar valor emdiferencial competitivo; de como criar um sistema de capacitação contínua e mes-mo, de como fornecer a informação certa, para a pessoa certa, no momento cer-to.

Um processo de melhoria empresarial requer a compreensão do contexto ede tudo aquilo que se passa na interação entre as partes do sistema organizacio-nal, assim a sensibilidade para inventariar os custos invisíveis que estão presentesno desconhecimento das competências existentes e das necessárias, baixa moti-vação pela pouca compreensão da contribuição de cada atividade para o propósi-to empresarial; baixa consciência sobre o papel dos empreendedores e liderançasno mercado competitivo e na prosperidade; níveis deficientes de compreensãosobre o negócio e seus fatores de sucesso; baixa sensibilidade relacionada à visãoglobal da empresa e ao papel de cada colaborador para a satisfação de clientes emercados; pouca disposição para assumir desafios e no pouco entendimento so-bre consequências de geração de riquezas para a sociedade como um todo.

Apostar nos talentos existentes motivando para a realização daquilo quesupera e transcende o dia-a-dia dos processos, relacionamentos e resultados é umdos objetivos da gestão do conhecimento, que vem preenchendo nas empresas osvácuos deixados pelos rastros da ineficiência, da baixa criatividade e da poucainovação.

2.2 A GESTÃO DO CONHECIMENTO

Vários estudos foram feitos no sentido de obter explicações sobre a formapela qual o homem adquire conhecimento. Entre outros, Hessen (1999) identificaque o conhecimento humano tem tanto um sentido lógico quanto psicológico cujosaspectos são identificados pelas escolas que especulam sobre as origens do co-nhecimento. Sendo assim, algumas dessas escolas defendem a formação do co-nhecimento como um processo lógico, outras pelo processo experimental e ou-tras, pela relação entre esses dois processos.

A verificação da discussão acerca das origens do conhecimento fortalece adefinição dada por Hessen (1999, p. 69) para o conhecimento, segundo o qual,“conhecimento quer dizer uma relação entre sujeito e objeto”. O autor descreveque “o verdadeiro problema do conhecimento, portanto, coincide com a questãosobre a relação entre sujeito e objeto”.

É a partir da constatação de que o conhecimento é uma relação que seestabelece entre o sujeito que conhece e o objeto conhecido que, Almeida (2002)e Ruiz (2002) descrevem, com base na teoria do conhecimento, os quatro (04)tipos de conhecimentos que traduzem a relação existente entre sujeito e objeto,que são: o conhecimento empírico (obtido a partir da inserção do sujeito tantono ambiente interno quanto no externo e da interação com as pessoas que fazemparte destes ambientes),o conhecimento científico (que procura conhecer ascausas e as leis que se aplicam sobre determinado fenômeno), o conhecimentofilosófico (que busca constantemente o sentido, a justificativa possível a respeitode tudo aquilo que envolve o homem e sobre o próprio homem em sua existênciaconcreta) e o conhecimento teológico (identificado em função da existência dealgo oculto ou de um mistério que alguém deseja conhecer, podendo estar associ-ado a dados da natureza, a vida futura ou mesmo a existência do absoluto). Esses

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tipos de conhecimentos representam quase toda a base teórica para a fundamen-tação do que modernamente se traduz como teoria do conhecimento e que possi-bilita a discussão acerca da gestão do conhecimento.

A conversão do conhecimento empírico em conhecimento científico comoforma de melhorar os processos industriais ganhou força nas empresas, a partirda obra de Taylor (1990), publicada originalmente em 1911, sob o título Principlesof Scientific Management. Taylor (1990) sugere que, dentre as causas prová-veis da ineficiência do trabalhador esta a ausência dos métodos científicos naexecução das tarefas. De lá para cá, é exatamente isto que as empresas vêmfazendo, ou seja, melhorando seus processos a partir do desenvolvimento do co-nhecimento científico do homem.

2.2.1 A CONVERSÃO DO CONHECIMENTO TÁCITO EM CONHECIMENTO EXPLÍCITO

As experiências de vida dos funcionários são valorizadas na gestão do co-nhecimento. Elas compõem o chamado conhecimento tácito, em oposição ao ex-plícito, este proveniente da atividade prática do funcionário em seu dia-a-dia eobtido por meio de instrumentos formais, como cursos, workshops, livros e oschamados “cases” das empresas.

O conhecimento tácito está inserido nas relações que as pessoas mantêmentre si. Muito do que se sabe não pode ser verbalizado ou escrito através depalavras. Por essa razão, programa de desenvolvimento de equipe promovido pelaempresa prevê uma etapa em que os funcionários reunidos vivem, comentamfatos pessoais que tenham marcado suas vidas. Quando muito, um funcionárioconhece o outro somente pelo que é na empresa. É importante a proximidade coma experiência pessoal de cada um.

Para desenvolver o outro tipo de conhecimento, o explícito, as empresaspromovem atividades criadas pelas universidades internas; fundações ligadas àuniversidade; entidades formadas por acadêmicos; ou ainda, através de empre-sas constituídas por especialistas de outras áreas.

A importância deste tema na literatura organizacional, do que vem a serconhecimento tácito e explícito tem sido bem explorada. Mitzenberg (1989) foium dos primeiros teóricos organizacionais a trazer a questão do real processo deaprendizado individual e da intuição para o centro das atenções da teoria gerencialapós acompanhar o processo de tomada de decisão gerencial, seguindo a clássi-ca metodologia de análise fabril que consistia na dissociação do processo de tra-balho das especialidades dos trabalhadores, ou seja, o processo de trabalho deveser independente do ofício, da tradição e do conhecimento dos trabalhadores, masinteiramente dependente das políticas gerenciais. Acreditava-se que havia umamelhor maneira de realizar uma tarefa, e a produtividade poderia ser aumentadacom os operários desempenhando tarefas rotineiras e não exigindo que eles to-massem decisões. Ou seja, utilizou-se um cronômetro e media-se o processo ge-rencial. Aos resultados com a pesquisa de campo associava as descobertas dasciências médicas sobre o funcionamento do cérebro humano: o cérebro humanotem dois hemisférios bem distintos. O esquerdo opera de forma linear, sequenciae lógica. Já o direito é especializado em processamento simultâneo, holístico erelacional. Além disso, e de suma importância para as teorias cognitivas, está ofato de o conhecimento adquirido pelo lado esquerdo, ser explicável, enquantoaquele “mais sombrio” adquirido pelo lado direito, ser implícito.

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Na verdade, evidências mais recentes mostram que o cérebro humano éainda mais complexo do que Mintzberg (1989) supunha, na medida em que ele seconstitui em um conjunto de subsistema que se inter-relacionam permanentemente,onde as emoções definidas como processos físicos afetam sobremaneira as deci-sões racionais. Ou seja, o ponto de partida da ciência deve ser anti-cartesiano.

As conclusões de Mintzberg (1989) são, entretanto, particularmente rele-vantes quando se procura tratar do tema aprendizado individual e de sua relaçãocom o aprendizado organizacional e com gestão de conhecimento. Sua pesquisamostrou, pois, que a intuição ou o conhecimento implícito tem um papel funda-mental sobre o processo real utilizado pelos gerentes para a tomada de decisão edifusão de informação, ou seja, os gerentes utilizam-se, sobremaneira, no hemis-fério direito do cérebro no seu dia-a-dia.

Gerir conhecimento é muito mais que estabelecer um espaço físico para oarmazenamento de dados e informações, criar procedimentos que definam res-ponsabilidades e formas de tratamento técnico de publicações e documentos. Ge-rir conhecimento é também promover um ambiente adequado à criação, dissemi-nação e acumulação do conhecimento, para que os indivíduos possam desenvol-ver suas capacidades criativas e inovadoras.

2.3 DIMENSÕES DA GESTÃO DO CONHECIMENTO

2.3.1 ESTRATÉGIAS

A construção de uma efetiva mentalidade estratégica depende mais do quese imagina do domínio de conhecimento do que poderíamos chamar de escala de“prioridade do processo decisório estratégico”. Mesmo que pareça conceitual te-órico à primeira vista, é de fundamental importância para qualquer líder dominar asequencia lógica de decisão optando pelo ordenamento objetivos-estratégias-re-cursos ou pelo antagônico recursos-estratégias-objetivos.

Um componente fundamental de uma organização saudável é a capacidadede decidir o que a organização faz de maneira contínua. O planejamento serádeterminado simultaneamente pelos mercados locais e global e as estratégias em-presariais mudarão de acordo com o comportamento do mercado. Uma força detrabalho e uma estrutura amorfas serão críticas para sobreviver às transiçõesnecessárias para prosperar em um futuro de rápidas mudanças.

Ninguém sabe ao certo que tipo de concorrência enfrentará. Deve-se estarpreparado para o ambiente mais competitivo, de frequentes mudanças, que sepossa imaginar; formar uma força de trabalho capaz, fluida e organizada em umaestrutura flexível.

As empresas saudáveis devem estar capacitadas a determinar como irãofazer o que fazem. Elas precisam de uma visão e de valores organizacionais muitoclaros e que resistam ao desgaste em meio às mudanças que ocorrem no mercadoe na organização. A visão e os valores precisam ser compartilhados por todos naorganização para criar uma base comum para a ação.

Outro componente fundamental do “como” é a maneira pela qual a empre-sa se organiza para efetuar o trabalho. O trabalho será realizado por meio deparceria bem integrada com fornecedores e clientes. Empresas saudáveis devemconseguir que as redes funcionem e precisam contar com pessoas capazes deadministrar várias relações, pois uma entidade pode acabar sendo cliente, forne-

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cedor e quem sabe concorrente, tudo ao mesmo tempo. A comunicação sobre asituação da empresa precisa ser eficiente e eficaz em toda a organização e utilizartodos os meios possíveis. A palavra de ordem é velocidade, exigindo que umaorganização se comprometa de modo agressivo com o aprendizado organizacio-nal, como forma a integrar as lições aprendidas com a experiência recente eaplicá-la nas ações atuais.

Uma vez decidido o que e como fazer, de quem a empresa precisa se torna-rá bem mais visível. As principais competências da empresa irão determinar ashabilidades e aptidões a partir das quais a empresa seleciona e desenvolve talen-tos. Empresas saudáveis irão contratar para o conjunto de habilidades, não paracargos. Eles irão importar talentos conforme a necessidade e “recontratar”ostalentos existentes, fazendo o que for preciso para contratar os melhores confor-me definido para aquela organização. Os funcionários das organizações saudá-veis se comprometerão com o aprendizado diário, considerando-o fundamentalpara o sucesso pessoal e empresarial.

Posterior contratação, para reter as pessoas de que as empresas precisam,as empresas saudáveis deverão ser o tipo de empresa na qual pessoas talentosasdesejarão permanecer.

De acordo com Drucker ( 1997, p. 54), a organização precisa estimularseus colaboradores para alcançarem “a meta de sempre ser uma equipe vencedo-ra, assegurar que os líderes não sejam apenas técnica gerencialmente capazes,mas também éticos: sempre dizendo a verdade mesmo que isto significa dizer “eunão sei”, cumprindo suas promessas e agindo com justiça”. As empresas saudá-veis precisam proporcionar uma liderança ética que apoie e funcione como arqui-teto organizacional, Constantemente unindo grupos apropriados de pessoas paraefetuar o trabalho. As empresas saudáveis precisam ter vários líderes na reservapara que, caso alguma peça fundamental resolva deixar a empresa, a organizaçãocontinue progredindo.

2.3.1.1 OTIMIZAÇÃO DO CONHECIMENTO

A otimização do conhecimento far-se-á através da: disseminação e comu-nicação da missão e estratégia das organizações , envolvendo todos os níveishierárquicos , como forma de garantir a sua efetivação, adoção de estratégiasdiferenciadas de comunicação, envolvendo principalmente os executivos da orga-nização, de forma a garantir a rapidez e clareza no fluxo de informação e tambématravés de política de recursos humanos, que reflitam os valores da estratégiasorganizacionais.

Ao determinar e divulgar a missão da empresa, garantir-se-á que seus ob-jetivos sejam cumpridos dentro dos seus limites e chamará a atenção para o seuproduto fora dos muros da empresa. Para os funcionários, isto significa fazê-loentender claramente o que é a empresa na qual eles trabalham. Os gestores daempresa deverão providenciar para que a missão mostre as metas que os traba-lhadores precisam alcançar, mas nunca de forma agressiva operadora. Preocu-par-se em incentivar o empenho dos seus colaboradores. Preparar objetivos quepossam ser cumpridos e compreendidos imediatamente por todos os funcionários,independente do nível de escolaridade de cada um.

Os clientes, fornecedores e o grande público também precisam conhecer aempresa não só por campanhas publicitárias. Divulgar a missão, os objetivos e,excluindo as partes sigilosas, mostrar como pretende realizar as suas ações.

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2.4 CULTURA E ORGANIZAÇÃO EMPRESARIAL

Um conceito tão amplo como o de cultura, cunhado a partir da interpreta-ção da história evolutiva da espécie humana, como um todo, e em trajetória total ,no tempo e no espaço, tem sua aplicação no âmbito das organizações empresari-ais, quando se considera como um subsistema em interação com um sistema mai-or e mais abrangente. Trata-se da mesma imagem mental que se usa ao pensar oconceito vida, quando aplicado a um organismo unicelular ou complexo, a umaespécie ou a uma célula. Esses diferentes níveis de manifestação da vida, encer-ram em si características que os fazem compartilhar uma mesma classe de fenô-menos e podem ser identificados como tal.

Assim, a organização empresarial, é um conjunto delimitado de interaçõeshumanas, que podem apresentar as características que se consegue identificar,como sendo as da cultura.

Em primeiro lugar, é preciso entender que a transformação de uma organi-zação em uma cultura é processual. Uma empresa ou uma organização, não nas-ce sendo uma cultura, ela se transforma ao longo do tempo numa cultura, damesma forma que a história evolutiva cunhou o homem como espécie biológicaculturalmente adaptativa.

O grupo de pessoas que conforma a organização (os fundadores e, ao longodo tempo, os dirigentes), ao transacionar com o meio ambiente, e ao criar as estru-turas internas, para responder a essa interação externa, estabelecem uma maneiraprópria de agir e interagir. Com isto, criam para a empresa ou organização umaidentidade reconhecível, no conjunto geral do ambiente de negócios, e nos merca-dos, bem como entre as pessoas que compartilham de seus limites internos.

Para o surgimento dessa identidade, a permanência das pessoas envolvidasno processo é vital. Uma organização que muda todo o seu pessoal , ou a maioriadele, muito frequentemente, não tem como se transformar numa cultura. O gruposocial constituinte da organização, necessita de tempo para que, da sua ação con-junta, nas interações internas e externas, seja possível emergir uma realidade so-cialmente construída, transformando-o numa cultura.

O agrupamento humano em interação numa organização, ao se relacionarentre si, e com o meio externo, através de sua estruturação interna do poder , fazuma construção social da realidade, que lhe propicia a sobrevivência com unida-de, segundo os mesmos princípios pelos quais mutações são preservadas dentrode cadeias ecológicas do mundo vivo.

As mutações representam a concretização de uma dada organização davida, dentro do elenco maior das variedades possíveis. De sua adequação ou não,às condições ambientais que a cercam, dependerá sua sobrevivência ouextinção.Quando um grupo social atinge esse nível de criação de uma interpreta-ção própria de sua relação com o meio ambiente externo, que é introjetada paranuma estruturação interna correspondente, passa a usufruir em plenitude de me-canismo adaptativo por excelência, incorporado pela espécie na sua história evo-lutiva, ou seja a cultura.

Uma cultura estabelece uma identidade, uma marca reconhecível, pelos dedentro e pelos de fora, através da exteriorização em formas variadas, de umavisão de mundo, de um modo próprio de fazer as coisas, de categorizar, de intera-gir, que emerge, via uma estrutura interna de poder, da configuração especialcriada internamente, para responder às solicitações e peculiaridades apreendidas,

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reconhecidas no meio externo pelas pessoas nas posições dirigentes.É comum dizer que o ambiente externo, mais especificamente o mercado,

é a principal força modeladora da cultura e consequentemente, da estrutura inter-na de uma organização. Não se pode aceitar essa afirmação pois senão, dado ummercado, todas as empresas nele interagindo, apresentariam a mesma conforma-ção interna e os mesmos conteúdos.

Assim o mercado deve ser visto como uma contingência e na verdade suaação é mais seletiva do que criadora. Ele estabelece parâmetros, limites, propos-tas e desafios que tem que ser interpretados, tornados significativos e conforma-dores pelas diversas instâncias da estrutura de poder das organizações, que nelese encontram, munidas de sua visão de mundo (sua mitologia, suas crenças, seusvalores), de suas estruturas de relações (as relações de poder) e aparato material(tecnologia, bens materiais, recursos financeiros etc.).

É através da construção social da realidade estabelecida pela organização,que os parâmetros e desafios do mercado adquirem significados, e estruturamações por parte da empresa, que serão adequadas ou não recompensadoras ouprejudiciais, conforme o nível de ajustamento daquela construção aos limites eincentivos, isto é, à ação seletiva do ambiente externo, do mercado.

A construção social da realidade encontrada numa organização, sua cultura, é produto da estrutura interna de poder que a conforma em suas relações einterações sociais e pessoais, em seus conteúdos e significados, em sua produçãomaterial, sua tecnologia organizacional e de produção, enfim a própria existênciae realidade da organização. Nessa abordagem antropológica, a estrutura de podernuma organização, é a própria rede de relações não formais estabelecidas internae externamente pelas pessoas que ali convivem.

As estruturas formais, geralmente expressas por um organograma, por re-lações espaciais delimitadas e por formas institucionalizadas de comunicação, sãoapenas uma aproximação à estrutura real e viva das relações de poder da organi-zação. Essas representações expressam o nível de realidade mais externo e maispúblico da organização: aquele que é apresentado ao visitante e ao iniciante doprocesso de socialização interno.

A verdadeira estrutura de poder, configurada na rede de relações das pesso-as da organização, somente é apreensível, após certo tempo de convivência dentrodela e, certamente, apresenta muitos pontos de similitude e concordância com aimagem expressa nos organogramas e nos processos formais e formalizados decomunicação, sendo, no entanto, rapidamente apreensível para olhos treinados.

O conhecimento e participação dessa rede de relações e comunicações, éfunção da própria integração das pessoas na cultura e na rede de poder da orga-nização. A absorção da cultura da organização, habilita as pessoas a participaremdesse jogo de relações e de comunicação, que vai além das definições formais eestruturais (organo-gramáticas) dos cargos e posições.

Focalizando o ambiente empresarial através de uma fundamentação antro-pológica, evidencia-se os aspectos processuais e dinâmicos da cultura que aí sepode estabelecer. Empresas podem ou não, ser cultura; todas, porém, têm cultura,uma vez que fazem parte de um ambiente social maior, que é em si, uma cultura.

2.5 ESTRUTURA ORGANIZACIONAL

Em termos de estrutura organizacional, cabe ressaltar a importância dada

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às equipes numa estrutura de Gestão de Conhecimento. O verdadeiro contexto noqual ocorre grande parte da conversão do conhecimento é o nível de equipe.(NONAKA; TAKEUCHI, 1997)

A estrutura organizacional de equipe é utilizada extensivamente no proces-so de desenvolvimento de produto, por reduzir a redundância de esforços e porser uma fonte natural de troca de conhecimento. No entanto, apenas a formaçãodas equipes, como uma eliminação das separações espaciais, não é suficientepara a efetiva troca de conhecimento. São necessárias também à delegação paraessas equipes, a redução da burocracia, a adoção de uma linguagem comum e adefinição de objetivos claros e concisos. (DRUCKER, 2002)

Em termos da gestão de recursos humanos, Fleury & Fleury (1995) desta-cam três pontos, que passam a ser potencializadores da Gestão do Conhecimento.a) captação: nos processos de recrutamento e seleção, novos procedimentos etécnicas devem ser empregados, visando identificar pessoas com potencial decrescimento, flexibilidade e com valores coerentes aos princípios da Gestão doConhecimento; b) desenvolvimento: todo o processo de desenvolvimento das pes-soas deve estar alinhado à definição das estratégias de negócio e competênciasessenciais da organização, e; c) remuneração: neste item, observa-se a adoção denovas formas de remuneração, como a participação nos resultados, a remunera-ção variável, a remuneração baseada em competências e no trabalho em grupo.

Todas as políticas de recursos humanos, dentro do contexto da Gestão doConhecimento, devem procurar reforçar os princípios norteadores desta gestão.É através destas políticas que uma organização renova e fortalece esses valoresbásicos para a Gestão do Conhecimento.   

A Tecnologia de Informação utilizada na Gestão do Conhecimento é aquelaque não apenas capta e distribui o conhecimento estruturado, mas também viabi-liza a transferência de conhecimento tácito entre as pessoas, como a videoconfe-rência e o telefone (DAVENPORT; PRUSAK, 1999).

Davenport e Prusak (1999) discutem algumas tecnologias infraestruturaisque tornam possível a transferência do conhecimento, entre elas o repositório doconhecimento explícito estruturado e os sistemas especialistas.

As ferramentas tecnológicas que suportam a criação e o entendimento sãomais importantes no processo de desenvolvimento de produto do que as tecnologi-as que simplesmente suportam a comunicação.  Tecnologias que permitem testesde hipótese sobre o mundo real, que permitem a organização de um grande con-junto de dados e previsões sobre o futuro, ajudam as pessoas a usar o conheci-mento e não apenas a compartilhá-lo.

É importante ressaltar que a tecnologia isoladamente não transforma umaempresa em criadora do conhecimento. A tecnologia é comum no campo de distri-buição do conhecimento, mas raramente, promove o processo de uso do conheci-mento. Também a tecnologia da informação torna-se relativamente menos útil noque se refere à criação do conhecimento, que em grande medida continua sendo umato de indivíduos e grupos e de seus cérebros. (DAVENPORT; PRUSAK, 1999).

Segundo Snouden (2003) são muitas as iniciativas corporativas que forma-tam seus profissionais, analogamente aos pássaros, cortam presas, endireitam bi-cos e aparam penas, desperdiçando tudo que é valioso em um programa de Ges-tão do Conhecimento. Em parte, isso representa o desejo de controle, que erarelevante na Gestão de Processos e da qualidade, mas impossível na Gestão doConhecimento, o conhecimento só pode ser voluntário, jamais recrutado.

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2.5.1 FLUXO INTERNO DA ORGANIZAÇÃO

O funcionário intelectual pode precisar de uma máquina, seja ela um com-putador, um aparelho de ultrassonografia ou um telescópio. Mas a máquina nãodiz ao trabalhador de conhecimento o que fazer, muito menos como fazer. E semesse conhecimento, que pertence ao funcionário, a máquina é improdutiva (DRU-CKER, 2002).

A estrutura interna é o fluxo de conhecimento dentro de uma organização:os conceitos, os modelos e os sistemas de computação e administrativos que ser-vem de suporte para os profissionais envolvidos no processo de criação de co-nhecimento com os clientes. Como os funcionários se combinam com a estruturainterna para constituir a organização, gerenciar a estrutura interna significa ge-renciar a organização. Dentro de uma organização do conhecimento, a tensãoentre os profissionais e seus clientes e entre profissionais e gerentes constitui umaestrutura interna crítica que deve ser gerenciada.

2.5.2 TENSÃO ORGANIZACIONAL

O momento de tensão desempenha um papel vital na solução criativa deproblemas. Os resultados da criatividade são esporádicos e imprevisíveis, por issoos líderes que quiserem que suas organizações sejam criativas devem estar pre-parados para suportar as oscilações de humor e emoções. E por serem inevitá-veis, os insucessos e fracassos devem ser vistos pelos líderes de pessoas criativascomo experiências educativas.

Os gerentes devem compreender esse processo e a maneira como ele afe-ta o comportamento e o desempenho de seus profissionais.

Os valores dos profissionais tendem a concorrer com os dos gerentes, cujafunção é cuidar da organização. Isso gera uma tensão. Utilizar essas tensõescomo combustível para impulsionar a organização é uma das chaves para a lide-rança bem sucedida das organizações do conhecimento.

Para utilizar essa tensão, a gerência precisa saber que seu poder emanabasicamente do controle de seus representantes, os gerentes e os líderes, sobre oscomandados da empresa. Por outro lado, o poder dos profissionais é provenientede suas próprias habilidades e, quando eles atuam no setor privado, de sua capa-cidade de gerar receita para suas empresas.

A tensão não gerenciada pode ser prejudicial em vários aspectos. A menosque haja alternativas, profissionais e gerentes tendem a desenvolver sua compe-tência em direções diferentes.

2.5.3 PRODUÇÃO E ESTRUTURAS DO CONHECIMENTO NAS ORGANIZAÇÕES

Nas organizações do conhecimento, o conhecimento tácito é convertido emuma forma explícita (informação) de duas maneiras: pela combinação de concei-tos e modelos em novas formas, ou pela exteriorização do conhecimento. Porexemplo, os contadores combinam várias fontes de informações em relatórios. Osarquitetos exteriorizam seus modelos mentais de prédios tridimensionais em dese-nhos bidimensionais. Embora existam muitos ciclos de feedback na conversão deconhecimento, pode-se distinguir uma estrutura genérica de criação de conheci-mento ( coleta, sistematização e apresentação). A maior parte do trabalho de

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processamento de informações possui a mesma estrutura de coleta, sistematiza-ção e apresentação. O tempo dedicado a cada fase, entretanto, varia de acordocom a natureza do processo. Toda organização desenvolve os seus próprios mé-todos.

2.6 ADMINISTRAÇÃO DE RECURSOS HUMANOS

Os mecanismos de suporte à Gestão do Conhecimento incluem as políticaspara a administração de recursos humanos, pelas quais as empresas expressam,com maior constância, o tipo de pessoas, habilidades e atitudes que são desejadas.

As tendências recentes em termos de políticas de recursos humanos, nasorganizações reconhecidamente mais inovadoras, têm uma relação direta com ocrescimento da importância do aprendizado, conhecimento e criatividade para acompetitividade das empresas.

Este novo cenário está criando novas tensões e mudando o equilíbrio depoder dentro das organizações. Os colaboradores querem, cada vez mais, nãoapenas uma compensação financeira, mas também a possibilidade de desenvolvi-mento pessoal. De outro lado, as empresas querem que os colaboradores aumen-tem, continuamente, o estoque de conhecimento organizacional.

2.6.1 RECRUTAMENTO E SELEÇÃO

O processo de seleção é essencial, estratégico para o sucesso de uma em-presa, pois é através dele que as organizações podem identificar talentos compotencial para fazer a diferença (iniciativa, autonomia, criatividade, trabalho emequipe, etc.) no mercado competitivo.

O raciocínio, por detrás desta ênfase, é que a capacidade cognitiva, a cria-tividade e a motivação individual, assim como a capacidade de trabalhar bem emgrupos, embora possível de ser melhorada e facilitada pela organização, são ca-racterísticas pessoais, que os indivíduos desenvolveram ao longo de suas vidas e,por isso mesmo, dificilmente modificáveis em sua essência.

Recrutar (identificar, encontrar talentos) e Selecionar (diferenciar os me-lhores dentre os identificados) são, definitivamente, atividades muito complexas, eque devem estar incluídas entre as muitas atividades de cunho estratégico de todae qualquer organização. Devem, portanto, ser tratadas com extremo profissiona-lismo, com a contratação de profissionais devidamente habilitados, que aceitem odesafio de conduzir um processo que na maioria das vezes pode ser muito falho,em virtude de faltas de critérios e instrumentos adequados, que podem gerar gran-des perdas financeiras, sem contar que a alta rotatividade espelha a ineficácia doprocesso seletivo e os custos que enganos como estes podem causar com relaçãoà perda de tempo ou de clientes.

Para Sveiby (1998), ainda, esta seria uma das decisões de investimentomais importantes para as empresas intensivas em conhecimento. Para este autor,estas empresas concorrem, de fato, em dois mercados, o de clientes e o de cola-boradores. A seleção de pessoal é muito mais importante do que o treinamento,pois embora possam ser treinados, dificilmente, consegue-se mudar suas caracte-rísticas básicas que afetam todos os tipos de julgamento, processo de tomada dedecisões e capacidade de aceitar diferentes níveis de risco.

Em muitas empresas que têm uma gestão pró-ativa e de sucesso do capital

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intelectual, a questão de recrutamento e seleção é encarada, pela alta administra-ção como uma das mais estratégicas e que exigem grande dedicação de tempo erecursos.

O processo seletivo se torna altamente rigoroso e prioritário em empresaslíderes de todos os setores da economia, onde o processo envolve uma combina-ção de várias entrevistas, testes escritos e testes práticos, além de estudos decasos e dinâmicas de grupos que são utilizados para analisar o potencial analítico,de trabalho em equipe e de liderança.

A seleção de pessoas criativas, com capacidade de aprender e com boaformação talvez não seja a única questão para as empresas. Mais importantepode ser o desafio de aumentar a criatividade e capacidade de aprendizado daempresa através de contratações. (THOMAS; ELY, 1996)

Hamel e Prahalad (1994), por exemplo, acreditam que os critérios de con-tratação e promoção dos colaboradores têm um grande impacto na capacidadedas empresas em reinventar continuamente seu futuro. Empresas que contratamsempre o mesmo perfil de pessoas estariam atreladas ao passado. Fazendo umaanalogia com a biologia, estes autores dizem ser necessário aumentar a variedadegenética das empresas através da contratação e promoção de pessoas essencial-mente diferentes do padrão. Só assim as empresas conseguirão desenvolver no-vas perspectivas e criar coisas absolutamente novas.

A terceirização do serviço de recrutamento e seleção é uma alternativapara quem busca uma contratação inteligente e eficaz. Nem sempre a organiza-ção tem em seu staff uma equipe disponível para desenvolver tal trabalho. Mas,delegar a contratação exige tanta responsabilidade quanto a de contratar direta-mente - afinal, terceirizar também inclui escolher entre muitas. Lembrando-seque é imprescindível a participação ativa da organização no processo seletivo,também entrevistando e passando o candidato pela aprovação de outras pessoasda empresa e do setor solicitante.

Muitas são as etapas num processo de seleção. Achar um profissional queatenda às exigências de uma empresa, não é uma tarefa fácil. Mais do que nunca,contratar e reter talentos é, hoje, um processo que exige muito profissionalismo.Afinal, ele também funciona como um cartão de visitas da empresa diante docandidato. Com a consciência de que não dá para acertar sempre, pois o serhumano é muito complexo e encontrar talentos não é fácil, acredita-se que, umtrabalho sério, que possua como foco a qualidade na gestão de recursos humanos,pode atingir o objetivo máximo de tornar sua empresa competitiva e lucrativa.

Em uma economia cada vez mais globalizada, as técnicas tornam-se, cadavez mais parecidas, os produtos, cada vez mais similares, e então, o Fator Huma-no torna-se um item, cada vez mais, decisivo no sucesso de uma corporação.

As diferenças entre uma pessoa e outra, que realmente importam para umaorganização, não residem unicamente no que as pessoas sabem ou fizeram, e simem seu potencial de aprendizagem e realização!

2.6.2 TREINAMENTO

No sentido mais amplo da palavra, treinamento significa: habilitar pessoasem algo que ainda não sabem fazer ou mesmo em algo que não fazem tão bem. Otreinamento tem funcionado como a mais antiga ferramenta de aperfeiçoamentohumano.

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Na pré-história, os seres humanos já treinavam suas habilidades de caça epesca, repassando seu aprendizado de forma teórica e prática e, desta forma,ensinavam e aprendiam uns com os outros.

O treinamento deixou de ser um papel do setor de recursos humanos quefunciona, no momento, como apoio técnico, formado por consultores especialistasno acompanhamento destas atividades - para ser algo fundamental na competên-cia gerencial.

Quinn et. al. (1996) avaliam como insuficiente o nível de investimento emtreinamento para a criatividade na empresas, que eles consideram ser um doscomponentes mais importantes do capital intelectual.

Shapero (1985), por seu lado, questiona a eficácia de programas de treina-mento para a criatividade que se propõem a mostrar “o caminho” para a geraçãode ideias criativas e criar métodos universais para a resolução de problemas. Istonão quer dizer que sua avaliação seja contrária à aplicação de programas educa-cionais para o desenvolvimento da criatividade. Sua posição é de que os indivídu-os devam encontrar sua própria abordagem para o desenvolvimento da criativida-de.

A competitividade dos dias atuais trouxe mudanças no cenário profissional,principalmente no papel do líder. Este passou a ser chamado de Coach (treina-dor), representando aquele que treina, desenvolve e acompanha.

2.6.3 CARREIRA E SISTEMAS DE RECOMPENSA

Para sustentar as estratégias de aprendizado organizacional, as empresasinovadoras têm trabalhado no sentido de tornar as carreiras e políticas de remune-ração instrumentos de estímulo à adoção de: a) diferentes perspectivas da reali-dade (pensamento sistêmico); b) atitudes pró-trabalho em equipe; c) maior com-promisso com o aprendizado do que com a busca de títulos e símbolos de status;d) comprometimento com as visões e desafios de longo prazo, e; e) preservar o“capital intelectual” que os colaboradores detêm.

Os cargos são definidos de forma cada vez mais ampla e a rotação entrediferentes áreas é estimulada. Dessa maneira, as pessoas precisam aprender aresolver problemas e a usar sua criatividade e capacidade de aprender, ao invés deseguir procedimentos e regras. Além disso, em função das várias superposiçõescom o trabalho de outras pessoas, os colaboradores acabam por entender melhor otrabalho dos outros para realizar a macro-tarefa. Isto, logicamente, aumenta anecessidade do diálogo que, é fundamental para a criação de conhecimento.

De outro lado, a solução de problemas e a não aderência a regras e proce-dimentos, implica que os colaboradores estarão trabalhando, mais frequentemen-te, organizados em projetos que requerem equipes multidisciplinares. Isto exige detodos os colaboradores, ao contrário do passado, uma capacidade de, além depossuir algum tipo de especialidade funcional, o desenvolvimento de uma pers-pectiva generalista (PINCHOT; PINCHOT, 1996).

Fischer (1998) argumenta muito apropriadamente que a definição do cargoestá deixando de ser a principal base de referência para todos os demais processosde gestão de Recursos Humanos. Esta prática, salienta este autor, é incompatívelcom tendências recentes como o uso de equipes multifuncionais, estruturas em cé-lulas, matriciais por projetos e em rede. O conceito substituto, embora de difíciloperacionalização, seria, segundo Fischer (1998), o do “espaço ocupacional”, cen-

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trado na ideia de que as pessoas são estimuladas a aplicar sua competência, comdeterminado grau de autonomia, na defesa dos interesses da organização.

O reconhecimento da “propriedade virtual do colaborador” sobre o conhe-cimento intelectual estaria fazendo com que algumas empresas mais avançadasestejam aumentando seus laços de lealdade com seus colaboradores através deseus sistemas de remuneração e administração de pessoal Algumas estatísticasindicam índices anuais de rotatividade de apenas 2% a 5% nestas empresas (FLEU-RY; FLEURY, 1995).

Estes argumentos reforçam, portanto, a conhecida lógica do emprego vita-lício no Japão (que vem sendo lentamente modificada), que se baseia em acordoinformal entre o colaborador e a empresa: esta procura não demiti-lo e treiná-lo(para extrair o máximo deste tipo de ativo); o colaborador, por sua vez, não pededemissão, aceitando todos os tipos de trabalho durante sua vida útil na empresa.Os compromissos dos colaboradores com a empresa estão, pois, altamente ali-nhados (FLEURY; FLEURY, 1995).

As novas políticas de remuneração de empresas inovadoras e de sucesso eque estão rompendo com a tradição burocrática, reforçam o compromisso com aaquisição de habilidades variadas, com o trabalho em equipe e com o desempenhogeral e de longo prazo.

O raciocínio é lógico e óbvio: não faz sentido se falar em trabalho em equipee cooperação entre os colaboradores e basear sistemas de pagamento apenas nodesempenho individual. A literatura mostra, claramente, que esquemas individuaisde pagamento por desempenho desestimulam o trabalho em equipe, encorajam oscolaboradores a pensar apenas no curto prazo e levam as pessoas a relacionarema compensação com habilidades políticas e de adulação; ou seja, são atitudes ecomportamentos diretamente opostos àqueles associados à inovação e ao apren-dizado coletivo.

Fischer (1998), por exemplo, destaca que o uso de sistemas de remunera-ção centrados na pessoa e não no cargo e associados, em boa medida ao alcancede resultados e objetivos específicos alinhados com a estratégia da empresa, estáse difundindo, rapidamente, pelo menos nos cargos mais altos e técnicos, tantonos EUA, como no Brasil. Em particular, ele chama a atenção para alguns casosemergentes de empresas no Brasil que reservam parte do salário para remunerarcolaboradores que tenham adquirido algum tipo de conhecimento útil para o negó-cio da empresa. Além disso, relata-se que as empresas que estavam adotandoesquemas sócio - técnicos, tanto no exterior, como no Brasil, também estariamimplementando sistemas de pagamento baseados em aquisição de habilidades ecompetências e incluindo esquemas de participação nos resultados. (MARX, 1996).Apesar das fortes evidências encontradas na literatura e da coerência com osestilos mais progressistas e inovadores, a realidade estaria mostrando que a gran-de maioria das empresas ainda estariam adotando apenas os esquemas associa-dos, exclusivamente, ao desempenho individual.

As organizações poderão adotar iniciativas que influenciem o futuro dosprofissionais. Dentre elas: adoção de uma gestão de carreira compartilhada, am-pliação dos investimentos e dos recursos em capacitação e desenvolvimento depessoal - qualificando os colaboradores para atuarem dentro ou fora da empresa.Com isso, será desencadeado um processo que identifique as potencialidades doscolaboradores, preparando-os para a empregabilidade total, tornando-os empre-gáveis e não somente colaboradores.

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Esse processo contínuo de transformações exige igual dinamicidade no pro-cesso de capacitação das pessoas e da possibilidade do profissional acompanharessa evolução. Deve-se, ainda, ter consciência de que o desafio de preparar amão-de-obra depende, em parte, do governo, dos empresários, das instituições deensino, mas acima de tudo, dos próprios colaboradores.

Neste mesmo sentido, Stewart (1998) cita o trabalho dos sociólogos Keislere Sproull, em seu livro chamado Connections, que mostram que, paradoxalmente,o desejo de parecer racional tem levado a um comportamento não racional, que setraduz em uma preocupação excessiva com a informação por parte das pessoas.Outros autores, por sua vez, também distinguem conhecimento de informação.Conhecimento é informação interpretada, o que faz com que a simples transfe-rência de informação não aumente o conhecimento ou a competência.

A criação de conhecimento organizacional depende, em grande medida, docontato humano, da intuição, do conhecimento tácito, da cooperação, da explicita-ção de modelos mentais, da diversidade de opiniões e do pensamento sistêmico.Enfim, é mais importante aumentar a capacidade interpretativa dos funcionários enão, simplesmente, aumentar a quantidade de informação disponível.

No modelo perfeito da partilha de conhecimento, os gestores são valoriza-dos não porque sabem mais do que os seus empregados, mas porque lhes conse-guem rapidamente comunicar o que sabem e porque conseguem que eles façam omesmo entre si. Os líderes constroem ambientes de confiança e respeito mútuoonde a contribuição criativa é nutrida, e os empregados em todos os níveis enten-dem que, ser bem sucedido neste mundo em rede, requer cada vez mais colabora-ção.

3 CONCLUSÕES

O conhecimento, atualmente, é comprovado por meio da ação. O que sig-nifica conhecimento é a informação que se efetiva em ação, a informação focali-zada nos resultados. Esses resultados são vistos fora da pessoa, na sociedade ena economia, ou no progresso do conhecimento em si.

As experiências de vida dos funcionários, compõem o chamado conheci-mento tácito, em oposição ao explícito, este proveniente da atividade prática dofuncionário em seu dia-a-dia e obtido por meio de instrumentos formais, comocursos, workshops, livros e os chamados “cases” das empresas.

Na sociedade atual, o conhecimento é o recurso básico para os indivíduose para a economia em geral. A terra, a mão-de-obra e o capital, os tradicionaisfatores de produção, não desaparecem, mas se tornam secundários.

A sociedade de conhecimento também é uma sociedade de organizações: oobjetivo e a função de toda organização, comercial ou não, é a integração deconhecimentos especializados em uma tarefa comum.

As organizações conscientes da inviabilidade de padrões definitivos, temprocurado identificar fontes de estímulo à criatividade e a formação de novaslideranças no ambiente organizacional. O homem é um ser indivisível que nãopode ser entendido através de uma parte separada de diferentes partes. O con-junto não é apenas a soma de todas as partes adaptando a visão holística à área deadministração, a empresa não é mais vista simplesmente como um conjunto dedepartamentos que executam atividades isoladas, mas como um corpo, sistemaaberto em contínua interação com o ambiente. Assim, a única vantagem competi-

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tiva sustentável que uma empresa tem é aquilo que ela coletivamente sabe: aeficiência com que ela usa o que sabe e a prontidão com que ela adquire e usanovos conhecimentos.

3.1 PROPOSIÇÕES

Com base no exposto anteriormente, verifica-se a necessidade de mudan-ças nas estruturas técnico-administrativas para atender as premissas da Gestãodo Conhecimento nas organizações. Neste contexto são apresentadas proposi-ções que visam orientar os gestores para a otimização dos ativos intangíveis:a) os gestores devem implementar mecanismos para que os funcionários emitamsugestões para maximizar os processos, produtos e serviços; b) informar aos fun-cionários sobre as metas alcançadas, assim, há possibilidade de convergir atitudepró-ativa para o ambiente de trabalho; c) dar feedback aos funcionários à respeitode suas atividades desenvolvidas; d) criar equipes multidisciplinares, visando me-lhoria nas ações focadas na missão da organização; e) os gestores precisam iden-tificar os especialistas, conhecê-los pessoalmente e criar papéis e tarefas que ossatisfaçam; f) os valores dos especialistas tendem a dominar uma organização doconhecimento. Para liderar a organização, os gerentes devem aprender a enxer-gar esses valores; g) os gestores precisam buscar em suas organizações profissi-onais capazes de se transformar em mentores, professores e líderes, e;h) deve-sevalorizar e remunerar os talentos da organização.

4 REFERÊNCIAS

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A GESTÃO DO CONHECIMENTO COMO DIFERENCIALDE COMPETITIVIDADE E SOBREVIVÊNCIA DAS ORGANIZAÇÕES

Henderson Carvalho TorresRodney Alves BarbosaKátia de Fátima Vilela

Resumo:  Desde os primórdios, a gestão do conhecimento manifesta-se em todas asações da vida, nas decisões e até mesmo na sobrevivência da espécie humana, masfoi há pouco tempo que as organizações e seus administradores passaram a perce-ber sua influência e suas implicações na  competitividade e nos resultados empresa-riais. O capital intelectual como a qualificação dos colaboradores, a tecnologia dainformação e os incentivos à inovação podem desempenhar papel preponderante nasobrevivência e no crescimento da organização. Os sistemas tradicionais de mensu-ração não foram concebidos para lidar com a complexidade desses ativos intangíveisbaseados no conhecimento. O conhecimento é à base da estrutura interna e externade qualquer organização. Para poder competir e enfrentar os desafios de um merca-do cada vez mais exigente, as organizações têm que investir em recursos humanos afim de capacitá-los a aprender constantemente e se adaptarem às rápidas mudançasdo mercado cada vez mais globalizado.Palavras-chave: Organização, competitividade e conhecimento.

Abstract: From the beginning, knowledge management is manifested in all life acti-ons such as decisions and even the survival of humankind, and the little time thatorganizations and their managers have come to realize its influence and its implica-tions on competitiveness and business results. Intellectual capital such as trainingof employees, information technology and innovation incentives, can play key rolein the survival and growth of the organization. Traditional systems of measure-ment, were not designed to handle the complexity of these intangible assets basedon knowledge. Knowledge is the basis of internal and external structure of anyorganization. To compete and face the challenges of an increasingly demandingmarket, organizations must invest in human resources to enable them to constantlylearn and adapt to the rapid changes of an increasingly globalized market.Keywords: Organization, competitiveness and knowledge

INTRODUÇÃO

Diante do cenário atual que envolve a maioria das organizações e das inú-meras transformações e mudanças, a gestão do conhecimento tem se destacadocomo diferencial de competitividade.

Nesse sentido, faz-se necessário que  as organizações reajam de formamais dinâmica frente às novas condições e tendências do novo mercado, bemcomo busquem satisfazer as novas necessidades do cliente que, de forma cons-tante, também busca soluções inovadoras e melhoria contínua nos produtos, pro-cessos e serviços.

É nesse contexto que o conhecimento tem sua relevância. Entretanto, amaneira como gerenciá-lo propiciou uma mudança brusca no modo como as orga-nizações desempenhavam suas atividades. Ao se tornar diferencial competitivo,o conhecimento requer de alguma forma que a participação das pessoas se tornefator essencial para o sucesso da implementação da gestão do conhecimento nasorganizações. Não obstante, ele consiste em uma construção pessoal, ainda quedesencadeada nos processos sociais.

O objetivo deste artigo é discutir sobre o comportamento das organiza-ções, conhecimento e capital intelectual na busca de melhorias na gestão do co-

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nhecimento, entendendo-o como diferencial competitivo.Por meio de pesquisa exploratória bibliográfica, far-se-á revisão de litera-

tura em textos teóricos, tais como livros, artigos científico para apresentar asdiscussões de autores renomados nessa área de conhecimento, quais sejam, Mi-chael Porter, Klein, Peter Drucker.

A relevância  deste estudo se dá justamente por ampliar as discussõesacerca da temática e permitir melhor entendimento da gestão do conhecimentoque, inevitavelmente, transformou-se em ferramenta essencial na Sociedade daInformação, além de consistir em condição sine qua non para a manutenção dacompetitividade das organizações no cenário atual globalizado.

A ORGANIZAÇÃO

As organizações precisam ordenar todo o conhecimento que produzem edepois transformá-lo em diferencial competitivo, produzindo e transferindo esseaprendizado aos seus colaboradores.

O conhecimento mais do que um conjunto de informações, também englo-ba a experiência individual e o valor agregado pelo indivíduo ao processar essasinformações. Para a gestão do conhecimento, o importante é detectar quais des-tes saberes são estratégicos para a organização.

De acordo com Peter Drucker (2000, p.14). “[...] na organização baseadaem informações o conhecimento se situará, sobretudo na base, na mente dosespecialistas que exercitam as várias tarefas e gerenciam-se a si próprios”. Comisso, os colaboradores passam de simples receptores de informação para verda-deiras fabricas de conhecimento.

Na era da Informação as mudanças não são apenas estruturais. São, aci-ma de tudo, mudanças culturais e comportamentais, em que os gerentes de linhaprecisam desenvolver habilidades humanas para lidar com suas equipes de traba-lho, não basta dominar um conhecimento daquela área especifica, eles precisamsaber aprender e compartilhá-lo, além de saber motivar e liderar sua equipe.

Não é possível falar em gestão do conhecimento e aprendizado organizaci-onal sem ir a fundo sobre compartilhamento de conhecimento. Quem compartilhaseus conhecimentos aumenta de certa forma seu próprio capital intelectual, le-vando continuamente ao auto-aprendizado. Uma excelente fonte de informaçãosão as redes de aprendizado, pois funcionam como verdadeiros filtros diante domontante de informações que é gerada diariamente.

O compartilhamento constante de conhecimento funciona ao mesmo tem-po como mecanismo de feedback pessoal, estimulando aqueles que comparti-lham a buscar da excelência em suas áreas de conhecimento, pois

Para que o aprendizado seja mais que um assunto local, o conhecimentodeve disseminar-se com rapidez e eficiência por toda a organização. As ideiascausam maior impacto quando são amplamente compartilhadas, e não quandomantidas em poucas mentes [...] (KLEIN, 2000, p. 68).

As organizações necessitam de pessoas capazes de articular várias redesde relacionamento, comunicativas e que saibam operar em setores altamente com-petitivos, sujeito a rápidas mudanças. A organização que compartilha informaçãoe conhecimento tem a capacidade de prever e responder com mais rapidez e commenos erros aos problemas que possam surgir.

O conhecimento tem que ser explícito e coletivo, através de encontros e

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fóruns de discussão, que provoquem reflexões, onde bem direcionadas tornam-seferramentas importantes para o sucesso da organização, que busca a constanteatualização e recriação de seus processos produtivos.

Diante de um ambiente de contínuas mudanças, as empresas inovadorastêm o conhecimento coletivo como uma competência fundamental para o desem-penho organizacional. Mas para tanto os profissionais devem receber treinamentoapropriado para desenvolver suas qualidades, habilidades e conhecimentos, tantono campo estratégico como no campo dos aspectos técnicos. No entanto, é ne-cessário observar que ao concentrar esforços em treinamentos operacionais enão buscar o desenvolvimento profissional de seus colaboradores pode ser umerro estratégico que pode comprometer a performance da empresa no futuro, poiso treinamento operacional visa a apenas o aqui e agora, e a organização precisadesenvolver a sua equipe de trabalho continuamente para acompanhar as novasdemandas do mercado, oferecidos pelos recursos tecnológicos.

Antes de iniciar um programa de treinamento é absolutamente importanteconhecer as habilidades e aptidões das pessoas envolvidas no processo, de formaque o treinamento seja capaz de suprir as demandas técnicas dos envolvidos deforma eficaz, trazendo assim, eficiência para a organização, além de buscar odesenvolvimento das habilidades de cada colaborador, tornando-o proativo.

Em uma época como a que vivemos, as exigências de competitividade sãomuito fortes, e as organizações precisam criar maneiras de gerir adequadamente osconhecimentos tácitos e explícitos que juntos estabelecem o seu capital intelectual.

A gestão do conhecimento é um fator decisivo para a eficácia organizacio-nal, em função de permitir à organização catalogar e controlar através da tecno-logia da informação as informações necessárias à elaboração e execução de seusprocessos produtivos. Paiva (1999) diz que o conhecimento passou a representarum importante diferencial competitivo, para as empresas que sabem adquiri-lo,mantê-lo e utilizá-lo de forma eficiente e eficaz. Esse conhecimento passou agerar o Capital Intelectual que, às vezes, é bem mais importante que o CapitalEconômico.

As organizações que investem em gestão do conhecimento estão se prepa-rando melhor para o futuro, pois a sociedade da informação trouxe profundasmudanças para o mercado de trabalho, fazendo com que coubessem as empresaso desafio de otimizar, reter e gerenciar da melhor forma possível o conhecimentoque seus colaboradores trazem para o seu processo produtivo. Com esse enfoqueda gestão do conhecimento a organização começa a rever a suas estratégias, suaestrutura e sua cultura, pois isso se dá num ambiente altamente competitivo, ondea globalização dita o ritmo das mudanças que por sinal tem sido cada vez emmenores intervalos de tempo, determinando as mudanças na economia e as me-lhorias nos transportes e nos meios de comunicações, dando aos consumidoresuma gama de opções sem precedentes, não deixando margem para ineficiência.O ciclo de desenvolvimento de novos produtos é cada vez mais curto. As empre-sas precisam de qualidade, valor agregado, serviço, inovação, flexibilidade, agili-dade e velocidade de forma cada vez mais crítica. As organizações tendem a sediferenciar pelo que elas sabem e pela forma como conseguem aprender e usaresse conhecimento.

ESTRATÉGIA E COMPETITIVIDADE

A Estratégica Organizacional deve materializar-se através de um processo

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que objetive estruturar e construir o futuro da organização por meio de ações

ordenadas e sequências, pautadas em um planejamento racional que visa à otimi-zação dos resultados através da mobilização e participação dos colaboradores nabusca e obtenção desses resultados que, no entanto devem orientar-se por valo-res que sirvam ao estabelecimento de parâmetros que norteiem o comportamentodos colaboradores, com o objetivo de evitar que o alcance das metas propostasseja um motivador para comportamentos individuais inadequados e entrópicos.

A estratégia determina o comportamento da organização em um ambientedinâmico e competitivo e tem como condicionante a missão organizacional, a vi-são do futuro e os objetivos principais desejados pela organização. Mais do queum planejamento rígido, a estratégia organizacional é, sobretudo, o caminho peloqual a organização trilhará em busca de suas metas e posições pretendidas nocenário de competitividade onde está inserida. Ela deve ser muito mais um pro-cesso do que um fim, em que a organização deve buscar uma constante adapta-ção ao ambiente de grandes mutações oriundas em uma economia globalizada.Rego Pereira (2005, p. 97) nos relata que “o que caracteriza uma empresa eficazé sua capacidade de ser competitiva constantemente”.

Um dos componentes essenciais à consolidação da estratégia organizacio-nal é o estabelecimento do propósito estratégico que estabelece o futuro para aorganização e, portanto, é fundamental que este seja elaborado a partir de umplanejamento racional, para que a organização não venha no futuro a se frustrarcom uma situação desinteressante do ponto de vista da eficácia organizacional.Nesse sentido,

A estratégia pode ser vista como uma força mediadora entre a organização e seu ambiente.Por essa razão, a formulação da estratégia envolve a interpretação do ambiente e o desenvol-vimento de padrões consistentes em uma série de decisões organizacionais (estratégias)para lidar com essa estratégia principal (MINTZBERG apud BEAL, 2004, p. 70).

Um dos fatores a ser considerado no estabelecimento da estratégia de com-petitividade a ser adotada pela organização é o conhecimento de seu entorno, poiso mesmo refere-se às questões ligadas diretamente ao ramo de atividades em quea empresa atua. E seu conhecimento é importantíssimo, pois é nele que se encon-tram as ameaças e oportunidades que podem determinar o sucesso ou fracassode uma organização. Uma interessante observação feita por Beal é que:

ao desenvolver esforços para definir e explicitar sua estratégia por meio de um processo deplanejamento estratégico, a organização adquire direção, foco e constância de finalidade,facilitando o movimento da posição atual para uma posição mais desejável com economia detempo, esforço, custos e recursos (2004, p. 72).

De acordo com Whight, Kroll e Parnell, administração estratégica é:

Processo continuo de determinação da missão e objetivos da empresa no contexto de seuambiente externo e de seus pontos fortes e fracos internos, formulação de estratégias apropri-adas, implementação dessas estratégias e execução do controle para assegurar que as estraté-gias organizacionais sejam bem sucedidas quanto ao alcance dos objetivos (2007, p. 45).

A prática da administração nos leva a buscar caminhos adequados ao quese julga apropriado ao sucesso organizacional. Tais caminhos levarão à necessi-dade de tomar decisões, que fatalmente levarão a novos caminhos, que também

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suscitarão novas decisões.Esse é o universo da administração e o oficio do administrador, que toma

decisões com base em perspectivas de resultados, que serão alcançados apóstrilhar caminhos escolhidos de forma racional e estratégica. Nenhuma decisão étomada sem que haja um efeito chamado desdobramento. O desdobramento é aconsequência de uma decisão administrativa, e pode ser positivo ou negativo, e odesafio está em tentar evitar desdobramentos negativos à organização. Tal desa-fio não é fácil de ser vencido, pois todas as decisões tomadas possuem em seuescopo aspectos positivos e negativos, e a questão central é analisar os possíveisdesdobramentos, oriundos dessas decisões para, racionalmente decidir o caminhoque será escolhido a seguir.

É importante considerar que o Administrador trabalha com probabilidades enão com previsibilidades, pois o contexto que envolve uma organização é rechea-do de variáveis. A maior de todas as variáveis que cercam o futuro de uma orga-nização chama-se “pessoas”, pois estas raramente demonstram claramente o quesão e o que almejam. Dependendo da conjuntura social e política, assumem com-portamento inesperado e, por vezes, contraditórios ao seu padrão usual de com-prometimento com as questões organizacionais e ao mesmo tempo trazem consi-go capacidade de aprender, compartilhar e produzir conhecimento, podendo-setornar um diferencial competitivo para as organizações.

Em um ambiente de competitividade como o que se vive, é muito importan-te para qualquer tipo de organização, independente de seu tamanho, planejar ofuturo e estabelecer um caminho para alcançá-lo. É importante compreender queo sucesso de uma organização é construído ao longo do tempo e não em ummomento especifico. Trabalhar com metas apenas qualitativas, como ser a melhorempresa, ou ser referencia em qualidade de produtos ou serviços, possuir o melhoratendimento, ou coisa semelhante, é muito complicado de se avaliar se não fordeterminada uma maneira de medir, de mensurar por meio quantitativo, aquilo quese busca alcançar.

O planejamento estratégico é um caminho, que bem escolhido, facilita edireciona ao processo de transição e adaptação, entre a situação atual, e a situa-ção desejada. A grande questão é a escolha do destino, a busca pelo melhor cami-nho, as pessoas e o compromisso da jornada.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Com as mudanças econômicas, tecnológicas, políticas e sociais, esta ha-vendo uma profunda alteração na estrutura e nos valores da sociedade e emconsequência isso tem mudado a maneira das organizações gerir seus recursos.

O problema tem sido mensurar e lidar com seu capital intelectual. A grandequestão é saber como identificar e disseminar o conhecimento gerado dentro daempresa, promovendo a transformação de material intelectual bruto gerado pelosingredientes da organização em Capital Intelectual, e que garanta uma trajetóriade crescimento e desenvolvimento. Todavia, não se pode deixar de reconhecerque as mudanças nas organizações bem como sua preocupação com a competi-tividade só poderá ser alcançado com a gestão do conhecimento.

A nova tendência de gestão do conhecimento nas empresas possui carac-terísticas marcantes e poderosas, capazes de promover no ambiente interno dasempresas, nos mercados nos quais elas participam, e na sociedade na qual inter-ferem, cenários racionais de aproveitamento da força do trabalho, criando oportu-

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nidades efetivas de desenvolvimento individual e corporativo. Em vista disso, éfundamental que a administração tenha alguns cuidados, para que os colaborado-res considerados como Capital Intelectual do departamento não mudem para ou-tras áreas (ou empresas) e mesmo que permaneçam, não percam a motivaçãopara o constante aperfeiçoamento. E que a organização aprenda a aprender.

O conhecimento, assim como dinheiro e os equipamentos, existe e só vale apena cultivá-los no contexto da estratégia, quando se pode gerenciá-los. Não sepode definir e gerir o capital intelectual sem saber o que se está tentando fazercom eles. Toda organização possui valiosos materiais intelectuais sob a forma derecursos, perspectivas e capacidades táticas e explícitas, dados, informação, co-nhecimento e talvez sabedoria. Entretanto, não se pode gerenciar o capital inte-lectual sem localizá-lo em pontos estrategicamente importantes e onde a gerênciarealmente seja importante.

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RAZÃO COMUNICATIVA E O PROJETO PEDAGÓGICO DE EMANCIPAÇÃO HUMANA

Vicente Zatti

Resumo: Habermas, por considerar a modernidade um projeto inacabado, continuaacreditando na razão e no seu poder reflexivo-emancipatório. Herda de Kant aprioridade da razão, mas abandona o modelo de razão transcendental kantiana,reformulando-a numa concepção de razão destrancendentalizada, a razão comunica-tiva. Afirma a razão comunicativa como capaz de formar de modo racional nossavontade, ensinando que podemos chegar à emancipação de indivíduos e grupossociais pelo entendimento comunicativo.Palavras-chave: Filosofia da Educação; Racionalidade; Emancipação.

Abstract: Habermas, considering modernity an incomplete project, continues be-lieving in reason and its reflexive-emancipatory power. He inherits from Kant thepriority of reason, but abandons the model of Kantian transcendental reason, refor-mulating it into a conception of non-transcendentalized reason: communicativereason. He puts communicative reason as capable of rationally forming our will,teaching that we can achieve the emancipation of individuals and social groupsthrough communicative understanding.Keywords: Philosophy of Education; Rationality; Emancipation.

Na modernidade a escola surge como “instituição universal” com a preten-são de formar sujeitos capazes de autonomia intelectual e moral, sujeitos capazesde superar as heteronomias, ignorâncias, opressões. A função principal da escolaera promover o esclarecimento, emancipar o homem por meio de uma educaçãovoltada para a racionalidade. Embora o ideário emancipatório seja comum a todosos filósofos da época do iluminismo, é em Kant que adquire maior centralidade, oque podemos perceber na seguinte passagem em que o filósofo define o iluminis-mo (esclarecimento) como saída da menoridade: “Esclarecimento [Aufklärung]é a saída do homem de sua menoridade, da qual ele próprio é culpado. A menori-dade é a incapacidade de fazer uso de seu entendimento sem a direção de outroindivíduo” (KANT, 2005, p. 63-4). Fica claro a partir da citação, que em Kant oAufklärung, significa mais que conhecer simplesmente, acima de tudo, significaa realização de sua filosofia prática, que busca a emancipação da ação humanaatravés de um processo racional. O Aufklärung implica na superação da meno-ridade, que é uma condição de heteronomia, requer a decisão e a coragem deservir-se de si mesmo, ou seja, de servir-se de sua própria razão para pensar porconta própria, guiar-se sem a direção de outro indivíduo, emancipar-se.

Segundo Mühl (2005, p. 309), o princípio fundamental da pedagogia kantia-na está relacionado à palavra Aufklärung, o esclarecimento, dado pelas luzes darazão, “possibilita o indivíduo abandonar a ignorância, permitindo sua ascensão aum nível superior de cultura, educação e formação” (MÜHL, 2005, p. 309). Essaideia é o “pano de fundo” sobre o qual Kant escreve a obra Sobre a Pedagogia.Nela o filósofo confere à educação o papel de formar o homem: “O homem nãopode tornar-se verdadeiro homem senão pela educação” (KANT, 1996, p. 15).Esta afirmação de Kant revela que a educação tem o papel de formar o homem.É pelo fato de o homem nascer inconcluso, por não ter instintos que lhe determi-nem, que ele precisa ser formado pela educação, precisa de sua própria razãopara se tornar homem. Nesse sentido, o objetivo principal da educação será edu-car para que se possa fazer o uso livre da própria razão. Em Kant a grande tarefada educação que vise à emancipação é educar o homem para uma vida racional.

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A ideia de sujeito autônomo, emancipado da modernidade, se funda especi-almente na ideia kantiana de razão. Kant pensa uma razão prática universal quefornece princípios formais universais. Para que haja autonomia a lei promulgadapela vontade terá de ser uma lei universal, válida para todo ser racional, em casocontrário, a lei estará condicionada a algum interesse subjetivo, e a vontade serádependente do objeto de interesse, e, portanto, heterônoma. Quando a vontade éautônoma, promulga leis universais, isentas de todo interesse, que reclamam aobediência por puro dever, que é a própria ideia do imperativo categórico: “Ageapenas segundo uma máxima tal que possas ao mesmo tempo querer que ela setorne lei universal” (KANT, 1974, p. 223). A vontade é autônoma na medida emque não é simplesmente submetida a leis, já que é também sua autora. Tal princí-pio só é possível na pressuposição da liberdade da vontade, a vontade deve querera própria autonomia e sua liberdade consiste em ser lei para si mesma. A estaideia de autonomia se prende a ideia de dignidade da pessoa. O ser racional aoparticipar da legislação universal, ao se submeter à lei que ele próprio se confere,é fim em si, não possui valor relativo, mas uma dignidade, um valor intrínseco. “Aautonomia é, pois o fundamento da dignidade da natureza humana e de toda anatureza racional” (KANT, 1974, p. 235).

Segundo Prestes (1996, p. 19), a modernidade apoia-se justamente na pos-sibilidade da razão enunciar verdades universais, entender e dominar o mundo,superando os mitos e as forças mágicas de forma a emancipar o homem. Mas omodelo de racionalidade que a modernidade iluminista prioriza é o modelo deduti-vo, pelo qual só as ciências naturais podem ser racionais. Kant se opôs à essavisão preponderante no iluminismo que reduz a razão à racionalidade técnico-científica ao formular o conceito de razão prática, mostrando que a racionalidadeperpassa outras esferas da vida humana e, a razão teórica é restrita ao mundonatural, o mundo dos fenômenos. Embora Kant tenha rompido com o iluminismo,até certo ponto, ao apresentar uma concepção mais ampla de razão e, rompido coma metafísica tradicional ao restringir o conhecimento ao mundo natural, sua concep-ção de razão cai na metafísica da subjetividade, apresenta uma razão formal todo-poderosa que fornece de forma a priori as categorias para o homem conhecer e osprincípios para agir moralmente. Dessa forma, o pensamento de Kant, bem como afilosofia moderna, representa a chamada filosofia da consciência.

A base de justificação da educação desde a modernidade foi justamente afilosofia da consciência e a teoria da subjetividade. No entanto, no século XXassistimos a uma crise na educação que surge como reflexo da crise da moderni-dade. Pensadores como Marx, Freud e Nietzsche, os chamados filósofos da sus-peita, além de Heidegger, Adorno, Horkheimer, Foucault, etc., abalaram a ideia deconsciência iluminista por mostrarem os limites da razão humana. Por meio demétodos de desconstrução, os fundamentos metafísicos do mundo moderno fo-ram mostrados como históricos, como produto de uma história de interpretaçãohumana. A ideia de ética universal, que constitui base para o projeto pedagógicomoderno é abalada. Os fundamentos absolutos são desestabilizados e a ideia deuma razão transcendente capaz de fornecer princípios e normas com validaderacional meta-histórica é negada. Sem uma razão metafísica como fundamento, oprojeto moderno de progresso moral e emancipação humana é posto em suspeita.Dos questionamentos trazidos à confiança no progresso da razão, os mais profun-dos e radicais são os de Nietzsche. Nele estão as raízes da chamada pós-moder-nidade, que faz emergir a relatividade e a contingência, e afirma a decadência de

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categorias como verdade, unidade e finalidade. A queda das categorias metafísi-cas mostra que não há garantias, certezas absolutas de uma educação para oaperfeiçoamento e emancipação.

Com os questionamentos dos filósofos da suspeita e dos filósofos pós-mo-dernos, nos damos conta de que não há nenhum quadro metafísico que forneça osentido da realidade. Na Idade Média Deus era a garantia da realidade, no Ilumi-nismo a Razão. Percebemos que não há realidade absoluta, homogênea, ao con-trário, a realidade é heterogênea, algo que se constrói e interpreta. Assim, a plura-lidade entra em voga, e nenhuma interpretação da realidade pode outorgar-se odireito de ser a única válida. Surge uma nova complexidade na experiência domundo em que a multiplicidade e o contingente também assumem papel importan-te na construção do sentido da realidade. Somos levados a ter uma visão desen-cantada do mundo, ou seja, não há estrutura, leis ou valores absolutos: o que existecomo mundo humano é criado pelo homem. Mas a desconstrução, ao desautorizara metafísica, elimina também o potencial crítico-reflexivo da razão e, em conse-quência, elimina a possibilidade de emancipação, elimina formulações com o ca-ráter de verdade implicando em relativismo e, abandona o homem ao risco deficar imerso na opressão das estruturas de poder do sistema.

Portanto, depois da crítica e desconstrução da tradição metafísica, feitacom maior radicalidade por Nietzsche, e da não realização das expectativas eman-cipatórias da modernidade, cabe investigar em que termos podemos pensar umaracionalidade pós-metafísica que seja possibilitadora da emancipação do homempara a vivência da condição humana e liberdade? Como abandonarmos a metafí-sica, a filosofia da consciência da tradição kantiana, sem cairmos no relativismode correntes pós-modernas e sem cairmos nas coações unilaterais do sistema,tendo a possibilidade de resgatar o aspecto normativo da educação e assim, po-dermos pensar uma educação promotora de emancipação?

O filósofo alemão Jürgen Habermas nos fornece uma possibilidade de res-posta a essas questões, pois, segundo Hermann (2005, p. 27-8), ele não aceita odesconstrutivismo em toda sua extensão, pelo método reconstrutivo reformula aconcepção de razão de Kant e, reacende a possibilidade das expectativas eman-cipatórias da modernidade. Funda sua teoria em um novo conceito de razão, arazão comunicativa. Ele confirma a prioridade da razão, mas a reformula emtermos de razão comunicativa. Defende a ideia de liberdade e emancipação nego-ciada de cada um no todo societário, introduzindo a ação comunicativa que instau-ra o respeito da dignidade de cada um com base na reciprocidade dos direitos edeveres. Quanto à prioridade da razão é devedor de Kant, no entanto, a razãocomunicativa é razão destrancendentalizada e instaura um procedimento dialógi-co. Conforme Hermann (2001, p.118) Habermas abandona a reflexão transcen-dental kantiana como fundamentação da ética para empenhar-se na construçãoracional de uma ética universalista, a ética discursiva. Ele vai defender soluçõesconsensuais por meio de argumentos racionais. “Somente no discurso racional asregras podem adquirir aceitabilidade e normatividade universal” (HERMANN,2001, p.120). A verdade das normas deve ser buscada em pretensões de validaderesgatáveis no interior do discurso.

A razão comunicativa, que possui potencial emancipatório, diferencia-se darazão instrumental, conceitos que podem ser mais bem compreendidos a partir dadistinção entre sistema e mundo da vida. Segundo Martini (1996, p. 17), o mundoda vida se caracteriza como horizonte pré-compreensivo já dado, a partir do qual

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podemos tematizar nossas pretensões de racionalidade por meio da ação comuni-cativa. “Em suma, o mundo vivido constitui o espaço social em que a ação comu-nicativa permite a realização da razão comunicativa calcada no diálogo e na forçado melhor argumento em contextos interativos, livres de coação”. (FREITAG,2005, p. 165). Já o sistema é regido pela razão instrumental. Habermas denunciaa racionalização que se refere a processos de transformação institucional segun-do a racionalidade instrumental, em que predomina o cálculo da eficácia, ou seja,os meios são ajustados a fins. Por meio de um fenômeno que Habermas chamoudissociação, a racionalização se estendeu ao mundo da vida, o que constitui acolonização do mundo da vida pelo sistema. Isso implica a penetração da raciona-lidade instrumental, dos mecanismos do dinheiro e do poder no interior das institui-ções culturais. Por isso a descolonização é necessária para a livre atuação darazão comunicativa em todas as esferas do mundo vivido e para que ela elaboreespaços para atuação da razão instrumental. As regras, as normas, devem serbuscadas em processos argumentativos no qual todos participam.

De acordo com Colmenares (2002, p. 9), a análise crítica que Habermasfaz do predomínio da racionalidade instrumental e do cientificismo, orienta suainvestigação para a construção de uma teoria da ação comunicativa, uma teoriafundada no diálogo em que os dialogantes se referem a algo no mundo com possi-bilidade de um entendimento mútuo. Assim a validez das normas sociais é assegu-rada por um reconhecimento intersubjetivo fundado no entendimento e num con-senso valorativo. Essa interação envolve o reconhecimento do outro e da comple-mentaridade do eu exercida pelo outro. De acordo com Colmenares (2002, p. 10),a teoria habermasiana estabelece uma utopia segundo a qual somente uma socie-dade emancipada, com a autonomia de todos os seus membros, garantirá a comu-nicação dialógica, livre de dominação, de todos com todos, na qual se dá a identi-dade constituída reciprocamente e a ideia de verdadeiro consenso. Ainda segundoColmenares (2002, p. 10), para Habermas a emancipação consiste na libertaçãode tudo o que se apresenta como poder de alienação do sujeito, de tudo aquilo queimpede a realização de si mesmo e a instauração da própria autonomia.

Habermas concebe o sujeito absolutamente contingente que se constituiatravés dos meios materiais de produção e de vida, mediante o trabalho e intera-ção. “Não é o interesse emancipatório que habita na razão, mas o contrário é arazão que habita no interesse”. (COLMENARES, 2002, p. 10). Isso quer dizerque a razão não segue uma evolução imanente, mas emerge da história. “Não háuma razão pura que só posteriormente vestiria roupagens linguísticas. A razão éoriginalmente uma razão encarnada tanto nos contextos de ações comunicativascomo nas estruturas do mundo da vida”. (HABERMAS, 2002a, p. 447). A razãooperante na ação comunicativa se encontra sob as limitações situacionais e exte-riores e suas condições de possibilidade obrigam-na a ramificar-se nas dimensõesdo tempo histórico, do espaço social e das experiências centradas no corpo. (cf.HABERMAS, 2002a, p. 452). Portanto, não é uma razão meta-histórica.

Para Hermann (1999, p. 87), Habermas recorre ao conteúdo utópico epedagógico da modernidade, pois a produção da racionalidade comunicativa de-pende do desenvolvimento de um processo argumentativo, baseado na competên-cia do eu. Segundo Freitag (1991, p. 89), a formação de um “eu competente”, istoé, de um sujeito capaz de participar de ações comunicativas e discursos, significaa formação de um “eu autônomo”. O “eu autônomo” e, portanto, competente, éaquele que resiste à coerção da sociedade e dos mais fortes, opondo-se a hetero-

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nomia imposta pelo social. Também é capaz de questionar as pretensões de vali-dade embutidas na linguagem institucionalizada. Mas, tal autonomia possui umsentido cooperativo, em que o sujeito é um participante, portanto, diferente damoral kantiana em que o indivíduo monologicamente julgava a respeito de leismorais universais. Trata-se da autonomia do indivíduo que é competente para odiscurso, estando assim, preparado para reconhecer e questionar as formas deheteronomia que se apresentarem. Tal indivíduo aceitará como única coerçãolegítima, a do melhor argumento.

Para Habermas, a educação é uma ação social entre sujeitos e toda açãosocial é uma interação. De acordo com Hermann (1999, p. 65), a relação profes-sor-aluno depende do reconhecimento recíproco entre os sujeitos e se encaminhaenquanto um processo de humanização como práxis emancipatória, humanamen-te libertadora. Em Habermas a intersubjetividade é possível, pois a entende como“linguagem” e “mundo da vida”, como práxis comunicativa. “A estrutura do diálo-go significa que os parceiros têm um mútuo reconhecimento em suas pretensõesde validade, o que implica um mundo de significados e normas comuns” (HER-MANN, 1999, p. 113).

Esta racionalidade comunicativa se expressa na força unificadora do dis-curso orientado para o entendimento, que assegura aos falantes participantes noato de comunicação um mundo da vida intersubjetivamente partilhado, garantindoassim simultaneamente um horizonte no seio do qual todos se possam referir a umsó mundo objetivo. Segundo Habermas (2002b, p. 192),

O ato educativo como um processo intersubjetivo de construção de verdades sobre simesmo e sobre a sociedade, através do diálogo racional, parece ser a possibilidade de umaeducação emancipatória hoje. Apenas se a escola tem como pressuposto nas suas ações quea consciência se constrói intersubjetivamente, que o sujeito não se forma isoladamente, masem grupo, pode vir efetivamente a contribuir para a formação de agentes capazes de erigirum processo de emancipação social. Para promover uma educação voltada a emancipação,a socialização escolar deve estar suficientemente livre dos imperativos sistêmicos e enri-quecida da prática da ação comunicativa. Ainda, a prática educativa deve preparar sujeitosque “lutem” por “espaços comunicativos” na sociedade, sujeitos que além de agir comuni-cativamente e argumentativamente, saibam abrir espaços para a possibilidade da práticacomunicativa e discursiva diante do aumento do domínio sistêmico.

REFERÊNCIAS

COLMENARES, Flor Delgado de. La educación contemporânea entre la racio-nalidad y la emancipación. Acción Pedagógica. Caracas, v. 1, n. 2, 2002.FREITAG, Barbara. Dialogando com Jürgen Habermas. Rio de Janeiro: Tem-po Brasileiro, 2005._____. Piaget e a filosofia. São Paulo: Editora UNESP, 1991.HABERMAS, Jürgen. Agir comunicativo e razão destrancendentalizada. Trad.Lucia Aragão. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2002a._____. O discurso filosófico da modernidade. Trad. Luiz Sérgio Repa, RodneiNascimento. São Paulo: Martins Fontes, 2002b.HERMANN, Nadja. Ética e estética: a relação quase esquecida. Porto Ale-gre: EDIPUCRS, 2005._____. Pluralidade e ética em educação. Rio de Janeiro: DP&A, 2001._____. Validade em educação: intuições e problemas na recepção de Ha-bermas. Porto Alegre: EDIPUCRS, 1999.

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KANT, Immanuel. Fundamentação da metafísica dos costumes. In: Os Pensa-dores. São Paulo: Abril Cultural, 1974._____. Resposta à pergunta: que é “esclarecimento”?(Aufklärung). In: TextosSeletos. Trad. Floriano de Sousa Fernandes. 3. ed. Petrópolis: Vozes, 2005._____. Sobre a Pedagogia. Trad. Francisco Cock Fontanella. Piracicaba: Edi-tora UNIMEP, 1996.MARTINI, Rosa Maria Filippozzi. Habermas e a crítica do conhecimento peda-gógico na pós-modernidade. In: Educação & realidade. Porto Alegre: 21(2): 9-29, jul./dez. 1996.MÜHL, Eldon Henrique. A criança e a educação para a maioridade: considera-ções a partir de Walter Benjamin. In: DALBOSCO, Claudio Almir; FLICKIN-GER, Hans-Georg (Org.). Educação e maioridade: dimensões da racionalidadepedagógica. São Paulo: Cortez; Passo Fundo: Ed. da Universidade de Passo Fun-do, 2005.PRESTES, Nadja Mara Hermann.   Educação e racionalidade: conexões epossibilidades de uma razão comunicativa na escola. Porto Alegre: EDIPUCRS,1996.

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O SURGIMENTO, FORMAÇÃO E DESENVOLVIMENTO DA SOCIOLOGIA

Olga Suely Soares de SouzaCleonalto Gil Barbosa

Resumo: Este artigo discute aspectos relevantes envolvendo a origem, formação edesenvolvimento da Sociologia. Debate, ainda, as influências das revoluções: indus-trial e francesa, para o surgimento dos estudos sociológicos, dando ênfase ao Posi-tivismo e ao materialismo histórico. Procura mencionar, dessa forma, a importânciada Sociologia para o estudo dos fatos sociais e para a compreensão das sociedadescontemporâneas.Palavras-chave: Positivismo; Capitalismo; Sociedade; Fatos Sociais.

Abstract: This article discusses relevant issues surrounding the origin, formationand development of Sociology. Debate also the influences of revolutions: industrialand French, to the emergence of sociological studies, focusing on Positivism andhistorical materialism. Search mention thus the importance of sociology for thestudy of social facts and the understanding of contemporary societies.Keywords: Positivism; Capitalism; Society; Social Facts.

1 INTRODUÇÃO

A Sociologia é uma ciência de grande relevância para o estudo e compre-ensão das relações humanas na sociedade. Mas antes de adentrar em uma analo-gia acerca dos métodos e resultados adotados pela mesma, deve-se conhecer asua origem para que haja um entendimento mais didático em torno de suas con-jecturas e inferências sociais.

Atualmente, a Sociologia é uma das ciências humanas mais consultadasquando se trata de problemas sociais diversos. Para melhor compreendê-la, faz-se necessário um estudo mais acurado acerca de seu surgimento, formação edesenvolvimento, dando, dessa forma, ênfase ao seu contexto histórico.

O objetivo deste estudo é discutir os aspectos relevantes da origem, daformação e do desenvolvimento da Sociologia. Para tanto, procura avaliar asinfluências da Revolução Industrial e da Revolução Francesa para o surgimentodos estudos sociológicos, dando ênfase ao Positivismo e ao Materialismo Históri-co. Procura ainda debater sobre a importância da Sociologia para o estudo dosfatos sociais e para a compreensão das sociedades contemporâneas. Por meio depesquisa exploratória bibliográfica apresenta a ideias de teóricos acerca da temá-tica discutida, quais sejam, Paulo Dourado de Gusmão, Benjamim Marcos Lago eCarlos Benedito Martins.

Em síntese, a Sociologia, desde o seu surgimento não parou de influenciar eser influenciada pelo universo intelectual. Por esse prisma, diversas abordagens,de diferentes áreas do conhecimento, adentraram em discussões que visavamfundamentar ou ser fundamentadas por teorias sociológicas. Deve–se mencionaralgumas correntes que deram seguimento aos trabalhos dos precursores Comte,Durkheim, Weber, etc., como os teóricos da Escola de Frankfurt: Max Horkhei-mer (1895-1973), Theodor Wiesengrund Adorno (1903-1969), Walter Benjamin(1892-1940), Herbert Marcuse (1898 -1979), Jüngern Habermas (1929), que pormeio de teorias críticas observaram e descreveram fenômenos sociais como a

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Indústria cultural; a angústia mítica; a teoria da grande negação, a violência es-tru-ural e a lei da alternância. Os estudos sociológicos foram também perpetua-dos pelos neo-marxistas: Louis Athusser (1918-1990), Pierre Bourdieu (1930) eAntonio Gramsci (1891-1937), que partiram do método marxista, dando-lhe novaabordagem ao discutir os fenômenos sociais. Eles defendiam a tese de que grandeparte da dominação não é feita pela força, mas, sobretudo ideologia que promoveo convencimento.

Conclui retomando a palavra de Gusmão, para quem a sociologia deve sevoltar exclusivamente para apenas uma abordagem da vida humana: o social,tendo em vista que esta se compõe de ações, interações, símbolos, valores, estru-turas, funções, organizações etc.,preterindo os outros objetos que devem consis-tem em objetos das outras ciências, sem, no entanto, negar o caráter interdiscipli-nar que entre eles. Por fim, considera que o estudo sociológico se reveste deanálise objetiva, metódica, sistemática para possibilitar a qualquer tempo a confe-rência e controle dos resultados obtidos por meio de suas pesquisas.

2 CONTEXTO HISTÓRICO DA SOCIOLOGIA

Surge em um momento histórico de grandes mudanças, uma ciência que sepropunha a estudar os fenômenos sociais, até então novos e que eram responsá-veis por criar situações caóticas na Europa. Esta seria denominada de Sociologiapelo seu idealizador, o filósofo Auguste Comte (1798-1857).

Incumbe destacar, no entanto, que

a Sociologia, como ciência, foi inegavelmente fundada no século passado, em 1828, porCOMTE, com seu Cours de Philosophie Positive. Não sob a denominação de “Sociologia”,mas como “Física Social”, pois só foi batizada com o nome que até hoje é conhecida, pelopróprio COMTE em 1839 [...] (GUSMÃO, 1983, p. 11).

Auguste Comte percebeu que termo Física Social seria inadequado paradesignar a sua ambiciosa ciência e resolveu nominá-la de Sociologia que etimolo-gicamente é um termo híbrido, originado do latim socius, literalmente, companhei-ro, por extensão sociedade, e do grego logos, que significa razão, discurso, estu-do, ampliado modernamente para o significado de ciência (LAGO, 1996, p. 14).

Nessa seara, é adequado demarcar o contexto histórico no qual a Sociolo-gia nasceu. Enquanto a Europa passava por um período de transição sistêmica noqual o feudalismo decadente cedia espaço para o modelo capitalista, um caossocial fora criado. Já que os burgos eram substituídos por um novo modelo deagremiação social: as cidades, que nasciam sem infraestrutura, sem planejamentourbano etc. Foram impulsionadas, ainda, pelo surgimento de duas grandes revolu-ções: a industrial e a francesa que estimularam a divisão da sociedade em duasclasses distintas: a burguesia que detinha os meios de produção e o proletariado,responsável pela mão de obra. Segundo Carlos Benedito Martins (2002, p. 11),

a dupla revolução que este século testemunha – a industrial e a francesa – constituía os doislados de um mesmo processo, qual seja, a instalação definitiva da sociedade capitalista. Apalavra sociologia apareceria somente um século depois, por volta de 1830, mas são osacontecimentos desencadeados pela dupla revolução que a precipitam e a tornam possível.

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2.1 A Revolução Industrial e da Revolução Francesa no contexto da Soci-ologia

No século XVIII, inicia-se a Revolução Industrial tendo como país sede aInglaterra. Nesse período, o modo de produção artesanal da idade média forasubstituído pela tecnologia das máquinas a vapor, gerando uma transformação so-ial bastante tumultuada. Como as máquinas produziam em larga escala, váriaspessoas perderam seus empregos. Fator que já assinalava o desemprego comoum problema social grave. Além disso, a Revolução Industrial trouxe um novoambiente de trabalho: as fábricas que eram administradas pelos patrões burgue-ses que exploravam os trabalhadores obrigando-os a exercer suas atividades la-borais por cerca de 10 (doze) horas diariamente, sem ter praticamente direitostrabalhistas. Nesse sentido acrescenta Martins (2002, p. 13) que

a transformação da atividade artesanal em manufatureira e, por último, em atividade fabril,desencadeou uma maciça emigração do campo para a cidade, assim como engajou mulherese crianças em jornadas de trabalho de pelo menos doze horas, sem férias e feriados, ganhan-do um salário de subsistência.

Será que esses acontecimentos são mesmo importantes para a Sociologia?Para Martins (2002, p. 15), “[...] a profundidade das transformações em cursocolocava a sociedade num plano de análise, ou seja, esta passava a se constituirem problema, em objeto que deveria ser investigado.”. Nessa perspectiva, “asociologia constitui em certa medida uma resposta intelectual às novas situaçõescolocadas pela revolução industrial” (MARTINS, 2002, p. 16).

Apesar de todas as mazelas mencionadas, a Revolução Industrial, assimcomo a Revolução Francesa, foram vitais para progresso do Capitalismo ao assi-nalar o novo modelo de agrupamento social que seria adotado pelos países daEuropa e posteriormente da América.

A Revolução Francesa tem como marco inicial o ano de 1789, fortementeinfluenciada pelos ideais iluministas propagados por filósofos e escritores dos sé-culos XVII e XVIII, como John Locke, Montesquieu, Diderot, Voltaire, Jean Jac-ques Rousseau, Emanuel Kant, que “concebiam o indivíduo como dotado de ra-zão, possuindo uma perfeição inata e destinado à liberdade e à igualdade social”(MARTINS, 2002, p. 21). Por meio de suas obras, tais filósofos deixaram umlegado político e social que ajudou a estruturar intelectualmente as sociedadesmoderna e contemporânea.

Cumpre destacar então o impacto social que a Revolução Francesa cau-sou ao eliminar a estrutura feudal e o estado monárquico:

O objetivo da revolução de 1789 não era apenas mudar a estrutura do Estado, mas abolirradicalmente a antiga forma de sociedade, com suas instituições, seus costumes e hábitosarraigados, e ao mesmo tempo promover profundas inovações na economia, na política, navida cultural etc. (MARTINS, 2002, p. 24).

Tais objetivos foram em parte atingidos por meio de golpes contra a igreja,as instituições, os costumes da época, criando uma situação caótica que perduroupor vários anos na França, até chegar a uma condição de normalidade.

Sob o alicerce ideológico da trilogia liberdade, igualdade e fraternidade, aRevolução Francesa influenciou o mundo ao desenvolver uma nova concepção de

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política, de estado e de sociedade.A sociologia recebeu relevante contribuição da Revolução Francesa, prin-

cipalmente para o seu surgimento e formação, visto que esta patrocinou umamudança na forma de pensamento ao questionar, baseada, inclusive, em argu-mentação científica, o controle teológico da sociedade, ou seja, a partir da revolu-ção francesa, o conhecimento paulatinamente procurou abandonar a visão sobre-natural, para explicar os acontecimentos sociais por meio de uma averiguaçãoracional da natureza e da sociedade.

2.2 O POSITIVISMO E O MATERIALISMO HISTÓRICO

Auguste Comte, ao observar o caos social criado principalmente pela revo-lução francesa, elabora a teoria positivista que teve uma função decisiva ao con-tribuir para a construção do método de investigação sociológico, mais especifica-mente em sua fase de formação. Por esse viés,

Auguste Comte, em que pese ter permanecido dentro de uma estrutura depensamento filosófica, embasou condições metodológicas que, posteriormente, con-duziram a Sociologia para o domínio integralmente científico. O que caracterizoucomo estática (teoria da ordem) e dinâmica (teoria do progresso) foi-se definindona consideração da estrutura e organização social (CASTRO, 2003, p. 75).

Comte, em sua obra “Apelo aos conservadores”, de 1855, atribuiu setedefinições ao vocábulo Positivismo: real, útil, certo, preciso, relativo, orgânico esimpático, que vão nortear os estudos sociológicos até meados do século XX,fomentando a necessidade da disciplina, da ordem e do progresso. Partindo dessepostulado, expõe Paulo Dourado de Gusmão que Comte sustentou a sua tese naLei dos Três Estados ao afirmar que a história da humanidade passou por trêsperíodos:

estado teológico, em que forças sobrenaturais deram explicações aos fenômenos e em que areligião predominou, estado metafísico, em que forças abstratas substituíram as forçassobrenaturais na explicação do mundo, e, por último, estado positivo, em que o homem,renunciando aos conhecimentos absolutos e ao problema das origens e das finalidades,explica os fenômenos através de leis naturais e efetivas (GUSMÂO, 1983, p. 22).

Para Comte, a organização social teria respeitado esta lei de desenvolvi-mento linear. Portanto foi na Lei dos Três Estados que o pai da Sociologia funda-mentou a teoria positivista com a tese de que o homem passou por três estágiossucessivos em sua evolução intelectual: o Teológico (inicial), no qual predomina areligião; o Metafísico (transitório), predomínio da metafísica e o Positivo (estadodefinitivo) onde há o predomínio da Sociologia que, para ele, deveria ser a “rainhadas ciências”.

Praticamente contemporâneo ao Positivismo Comtiano, o Materalismo His-tórico desenvolvido por Karl Marx (1818-1883) e Friedrich Hegel também mere-ce destaque, pois enquanto o Positivismo estava preocupado em trazer uma novadisciplina social, tornando-se assim coloborador do Estado e da classe dominante,que na época já era a burguesia, o Marxismo produzia a cartilha que apontava adivisão das classes sociais e fazia um convite convincente à organização do pro-letariado em nome de seus direitos.

Nesse sentido, faz-se necessário salientar também que

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enquanto para Hegel a base da dialética é o “espírito fundamental”, para Max é a matéria e,na sociedade, a matéria de natureza econômica. A dialética – tese, antítese e síntese – que serepete a cada síntese determina todo processo histórico como luta de classes (CASTRO,2003, p. 58).

Especificamente, para a Sociologia, o Materialismo Histórico foi de sumaimportância, pois o marxiscimo contribuiu para a elaboração “[...] de uma teoriasistemática da estrutura e das transformações sociais” (CASTRO, 2003, p. 59),sendo posterioriomente retomada pelos sociólogos neo-marxistas.

3 O DESENVOLVIMENTO DA SOCIOLOGIA

Diferentes intelectuais e filósofos como Émile Durkheim (1858-1917), MaxWeber (1864-1920), fizeram uma releitura ao positivismo Comtiano e propiciaramà Sociologia conquistar de fato o status de ciência social levando-a ao universoacadêmico. “Durkheim divisou a Sociologia bidimensional – Morfologia e Fisiolo-gia Social – caracterizando melhor a abordagem científica, libertando-a da Filoso-fia” (CASTRO, 2003, p. 82). De acordo com a sua teoria, o fato social (que étodo acontecimento que envolve o ser humano), por ser fenômeno sui generis,distinto dos indivíduos, precisa ser tratado como “coisa”, portanto, tem que seranalisado de maneira racional, técnica, desprovido de qualquer subjetividade ousentimento, pois estes podem afastar a análise sociológica do campo científico.

Ao analisar a estrutura das sociedades, Durkheim percebeu que há dois“tipos” de sociedade: uma organizada por solidariedade mecânica e a outro porsolidariedade orgânica. A solidariedade mecânica é facilmente encontrada emsociedades geralmente menores, que possuem consciência coletiva forte, são maisfamiliares, nelas imperam o direito penal (tudo é punitivo), em síntese, são aquelasonde a divisão do trabalho ainda é sexual, ou seja, existe trabalho que só a mulherdeve realizar, por exemplo, as atividades domésticas. A solidariedade orgânica éuma característica da “sociedade diferenciada”, que é, por sua vez, maior, maistecnológica, menos familiar, a divisão do trabalho é por especialização, impera odireito contratual, sendo, enfim, mais técnica.

Os trabalhos de Durkheim foram essenciais para o desenvolvimento daSociologia, pois ele procurou desenvolver métodos mais precisos e objetivos paraa observação e análise dos fatos sociais. Assim como Durkheim, Max Weber(1864-1920) “preocupado também com a delimitação do campo da Sociologia[...], caracteriza–a como uma ciência para compreensão e para a interpretaçãodo comportamento social” (CASTRO, 2003, p. 63). Suas abordagens dissemina-ram as bases da Sociologia moderna ao lançar a teoria positivista com uma novaroupagem, identificando-a como Funcionalismo ou Idealismo. Para ele a socieda-de é como uma “teia” na qual todo ser humano realiza uma função que cooperapara o equilíbrio ou desequilíbrio social. Sendo assim, “Max Weber tipifica o social– idealtipo – sem seccionar estruturas e instituições, antes, globalizando-o na ‘So-ciologia Compreensiva’” (CASTRO, 2003, p.82).

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Em síntese, a Sociologia, desde o seu surgimento não parou de influenciar eser influenciada pelo universo intelectual. Por esse prisma, diversas abordagens,de diferentes áreas do conhecimento, adentraram em discussões que visavam

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fundamentar ou ser fundamentadas por teorias sociológicas. Deve–se mencionaralgumas correntes que deram seguimento aos trabalhos dos precursores Comte,Durkheim, Weber, etc., como os teóricos da Escola de Frankfurt: Max Horkhei-mer (1895-1973), Theodor Wiesengrund Adorno (1903-1969), Walter Benjamin(1892-1940), Herbert Marcuse (1898 -1979), Jüngern Habermas (1929), que pormeio de teorias críticas observaram e descreveram fenômenos sociais como aIndústria cultural; a angústia mítica; a teoria da grande negação, a violência es-trutural e a lei da alternância.

Os estudos sociológicos foram também perpetuados pelos Neo-marxistas:Louis Athusser (1918-1990), Pierre Bourdieu (1930) e Antonio Gramsci (1891-1937), que partiram do método marxista, dando-lhe nova abordagem ao discutir osfenômenos sociais. Eles defendiam a tese de que grande parte da dominação nãoé feita pela força, mas, sobretudo ideologia que promove o convencimento.

É preciso reconhecer, no entanto, que “a sociologia só deve estudar umúnico aspecto da vida humana: o social, principalmente enquanto composto deações, interações, símbolos, valores, estruturas, funções, organizações etc.” (GUS-MÃO, 1983, p. 13). Os demais problemas devem ser objetos de outras ciências.Isso não significa que elas sejam absolutamente independentes, pois a interdisci-plinaridade representa também uma complementação de informações.

O perigo aparece quando elas são norteadas por fontes empíricas, basea-das em especulação, sem averiguação cientifica. Um estudo para ser consideradosociológico precisa, portanto, ser resultado de análise objetiva, metódica, sistemá-tica para possibilitar a qualquer tempo a conferência e controle dos resultadosobtidos por meio de suas pesquisas.

5 REFERÊNCIAS

CASTRO, Celso Antonio Pinheiro de. Sociologia do direito: fundamentos desociologia geral aplicada ao direito. 8. ed. São Paulo: Atlas, 2003.CASTRO, Ana Maria de; DIAS, Edmundo Fernandes (Orgs.). Introdução aopensamento sociológico. 15. ed. São Paulo: Centauro, 2001.GUSMÃO, Paulo Dourado de. Manual de sociologia. 6. ed. RJ: Forense, 1983.LAGO, Benjamim Marcos. Curso de sociologia e política. 4. ed. Petrópolis:Vozes, 1996.MARTINS, Carlos Benedito. O que é sociologia. 38. ed. São Paulo: Brasiliense,1994.

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A NOÇÃO DE PESSOA COMO RECURSO CONCEITUALPARA UMA POSSÍVEL ANTROPOLOGIA FILOSÓFICA

Abrahão Costa AndradeAnette Maria Araújo Leal

Resumo: O objetivo deste ensaio é traçar a possibilidade de uma antropologiafilosófica no âmbito da filosofia contemporânea, articulando, segundo os termos deLouis Dumont, a dupla possibilidade de um individualismo e de seu oposto, o“holismo”. Nós o faremos, depois de apresentar o problema à luz de Cassirer,Sartre, MacIntyre e Heidegger, com o recurso à noção de “pessoa”, elevada, porRicœur, à categoria de conceito.Palavras-chave: Antropologia filosófica ; Holismo; Individualismo; Pessoa.

Abstract: The aim of this paper is to trace the possibility of a philosophicalanthropology in the contemporary philosophy. We will articulate the double pos-sibility of a individualism and your opposite, holism, like say Louis Dumont. Wego to do this, after to present the problem as Cassirer, Sartre, MacIntyre andHeidegger thought, with the resource of the notion of “person”, take as concept forPaul Ricœur.Key-words: Philosophical Anthropology ; Holism; Individualism ; Person.

A ideia deste artigo se deixa articular no debate de duas questões correla-cionadas: (i) depois da proposição radical, feita por Martin Heidegger, de umaontologia fundamental que, com sua pesquisa sobre o aí do ser, ou do ser mesmocomo aí que antecede e transpõe em sua abertura a dualidade de homem e mun-do, e, com isso, torna aparentemente supérflua a pergunta sobre o homem comoanimal racional, será possível, atualmente, uma antropologia filosófica como dis-ciplina cabível no âmbito da filosofia contemporânea? (ii) No caso de permanecervigente a possibilidade dessa disciplina filosófica, como se decidir entre a pers-pectiva metodológica, que parte do indivíduo em direção ao todo do mundo cultu-ral, social e histórico (individualismo como valor social), e essa outra perspectiva,que parte deste mundo como um todo para elevar à inteligibilidade a noção deindivíduo (o holismo, primado do todo sobre as partes)? Esse dualismo de valoressociais foi estudado de um modo sistemático, ao longo da segunda metade doséculo 20, pelo etnólogo francês Louis Dumont, em cujo Homo aequalis escreve:“A grande maioria das sociedades valoriza, em primeiro lugar, a ordem, portanto,a conformidade de cada elemento ao seu papel no conjunto, à sociedade como umtodo; chamo esta orientação geral dos valores de ‘holismo’” (DUMONT, 2000, p.14). O holismo é o modo de ser de um dada sociedade cuja marca distintiva seriaa força da hierarquia na organização das relações sociais. Em contraposição àhierarquia, “outras sociedades, como a nossa, valorizam, em primeiro lugar, o serhumano individual: a nosso ver, cada homem é uma encarnação da humanidadeinteira e, como tal, é igual a qualquer outro e livre. É o que chamo de individualis-mo” (DUMONT, 2000, p. 14). A força da igualdade e da liberdade asseguraria ovalor maior em torno do qual as relações sociais se desenrolam, nem sempre,entretanto, uniformemente.

Nosso trabalho desejaria encontrar um rumo de pensamento no qual pudes-se pensar essa dupla possibilidade, entre a ordem que garante a sociabilidadecomunitária e a liberdade que permite a realização completa do indivíduo. Paratanto, porém, faz-se necessário averiguar, antes, a primeira das nossas questões:ainda é possível uma antropologia filosófica? Essa questão foi sentida dramatica-

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mente, e formulada com precisão, por Ernst Cassirer, em cujo livro Ensaio sobreo homem, escrito ainda na primeira metade do século 20 (CASSIRER, 1945),antes de propor sua teoria das formas simbólicas como uma possibilidade de umaantropologia filosófica geral, passa a limpo a história ocidental da filosofia, tentan-do mostrar em que sentido a pergunta pelo ser do homem, essa busca por umconhecimento de si, entrou em crise.

O autor recorda que o início da vida cultural e intelectual do homem visouao ajuste mental deste homem ao ambiente imediato no qual estava inserido. Àsexplicações mitológicas do universo, misturaram-se as explicações sobre a ori-gem do homem, expressando-se, assim, lado a lado uma antropologia e uma cos-mologia primitivas. Esta relação é reforçada pela religião, para quem o autoco-nhecimento é exigência moral, obrigação fundamental do homem. O pensamentofilosófico, entrementes, segue essa mesma trajetória, a partir da filosofia grega, aqual se ocupa, em seus primórdios, com exclusividade, do universo físico. Aospoucos, no entanto, dedicam-se os pensadores clássicos para além da filosofiafísica. Assim, já Heráclito afirmaria “Busquei a mim mesmo”, o que o situa nolimite entre a filosofia cosmológica e a antropológica.

Sócrates torna-se, porém, a expressão máxima do debruçar-se sobre a ques-tão do homem e centraliza no universo humano todos os problemas da filosofianatural e da metafísica gregas. Surge em Sócrates uma filosofia estritamente antro-pológica, que se distingue da filosofia dos seus antecessores pela constatação deque o homem só pode ser descrito e definido nos termos de sua consciência, aquiloque depois seria chamado “a vida interior”, esse diálogo de si consigo mesmo, numaprimeira duplicação de si que, por sua vez, é uma evidência de que o caráter dohomem só se torna compreensível nas relações imediatas que mantém com o outro.O enfoque da filosofia, com Sócrates, passa a ser dialógico ou dialético quando setrata de conhecer a natureza humana. Assim, a verdade é produto de ato social e,portanto, se explica no pensamento dialético. Como resposta à questão “O que éhomem?”, afirma-se que o homem é a criatura que examina as condições de suaexistência em busca de si mesmo; é dotado da capacidade de dar uma resposta a simesmo e aos outros, sendo, pois, por essa responsabilidade, um sujeito moral.

O estoicismo mantém o rumo desses princípios quando estabelece o autoco-nhecimento como pré-requisito da auto-realização, privilégio e dever fundamentaldo homem, com fundamento moral, universal e metafísico. Apesar das mudançasda vida, deve-se compreender que o seu verdadeiro valor reside em uma ordemeterna e imutável. Este princípio norteou a filosofia grega originária caracterizadapor um espírito de juízo, de discernimento e de crítica. O estoicismo situa o homemem perfeito equilíbrio com a natureza/universo, plenamente consciente de que ne-nhuma força externa pode perturbar tal equilíbrio.

A despeito do estoicismo, continua Cassirer, a teoria cristã se destaca pelaênfase dada à desnecessidade de uma independência absoluta do homem, poisenquanto para o estoicimso tal independência se constitui virtude fundamental,naquela é tomada como vício e erro fundamentais. Esse choque entre poderesespirituais conflitantes é o objeto da filosofia antropológica, que se ocupa não deum único problema teórico, mas da busca por uma decisão definitiva quanto aodestino do homem, entre dependência (holismo) e independência (individualismo).Agostinho estabelece uma novo antropologia — que se mantém em todos os gran-des sistemas de pensamento medieval — cujo traço marcante é o reconhecimen-to de que a razão é de natureza dupla e dividida, e por isso não compete à razão

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mostrar o caminho da clareza, da verdade e da sabedoria. A partir de então, Cas-sirer assevera, invertem-se os valores da filosofia grega: a razão — tida pelosgregos como o mais alto privilégio e orgulho do homem — converte-se em perigo,tentação e idolatria. O curso do medievo é o percurso momentaneamente vitorio-so da perspectiva holista.

No início da modernidade, porém, a superioridade do todo se inverte emdireção a uma maior valorização do indivíduo. Mas não tão linearmente quantoseria fácil pensar. Pascal – recorda Cassirer – concede à antropologia filosóficanovo vigor, tornando-se o autor máximo de sua expressão. Ele uniu as vantagensda literatura e da filosofia modernas e usou-as como armas contra o espírito e afilosofia cartesianos. Como geômetra, concorda que nada resiste à geometria.Mas como filósofo, procura fazer distinção fundamental entre o espírito geométri-co e o espírito agudo (sutil). O primeiro tem a vantagem de possuir clareza deseus princípios e necessitar de deduções. Mas esse espírito não explica a mentehumana, detentora de rica sutileza e de natureza variável e versátil. A matemáti-ca, portanto, não é instrumento de uma antropologia filosófica.

A lógica e a metafísica tradicionais, que têm por fundamento a lei da nãocontradição, também não resolvem o enigma do homem, uma vez que são capa-zes de compreender apenas o que é dotado de natureza e verdade coerentes. Ohomem não possui essa homogeneidade como característica precípua, pois suavida e conduta situa-se entre o ser e o não-ser, dela fazendo parte naturalmente acontradição. A partir da modernidade, a questão “O que é o homem?” induz àdescoberta de um novo instrumento de pensamento, uma teoria geral do homemque tem por base observações empíricas e princípios lógicos gerais. Neste senti-do, continua Cassirer, a nova cosmologia introduzida por Nicolau Copérnico étambém a única base para uma nova antropologia. Conceitos como o de infinitoadquirem um novo significado, e não mais o de negação (explicitado no prefixo“in”): significa imensurável e inesgotável abundância da realidade e o poder irres-trito do intelecto humano. Giordano Bruno argumentaria que a razão humana, apartir do universo infinito, se abre ante uma infinidade de possibilidades de seupróprio uso. O sistema copernicano apresentou um problema para cuja soluçãoconcorreram todos os metafísicos e cientistas do século XVII. Os grandes siste-mas metafísicos desse século buscaram uma solução racionalista, matemática,para estabelecerem o vínculo entre o homem e o universo, permitindo uma verda-deira compreensão das ordens cósmica e moral. Homem e universo se explicame se vinculam por essa teoria. Diderot, enfatiza Cassirer, defende a necessidadedo surgimento de uma ciência de caráter mais concreto, que tenha por fundamen-to, não mais os princípios gerais, mas a própria observação dos fatos. O séculoXIX traz novas idéias e novos conceitos matemáticos, mas também uma prece-dência do pensamento biológico sobre o matemático. Com Darwin e A Origemdas Espécies, a antropologia filosófica, diz Cassirer, não sem otimismo, finca suasraízes em definitivo no solo do conhecimento. Nem definição geral da naturezanem essência do homem: a questão passa a ser a de interpretar as evidências dateoria geral da evolução das quais são dotados os fatos empíricos.

A determinação dessa interpretação segue um caráter metafísico que re-monta a Aristóteles com sua interpretação formal da evolução. A divergênciacom os modernos reside justamente na tentativa destes de fazerem uma interpre-tação material, entendendo a estrutura da natureza orgânica não mais em termosda vida humana, como em Aristóteles, mas unicamente a partir de causas materi-

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ais. A teoria da evolução assegura a existência de uma corrente contínua e inin-terrupta de vida. Mas explicaria também a vida e a cultura humanas? Que forçaaciona e põe em movimento o pensamento e a vontade desse complexo ser vivoque é o homem? A partir deste questionamento, as teorias filosóficas que se se-guiram buscaram provar que a natureza humana era una e homogênea.

Eis um horizonte bom de ser aspirado; mas o desenvolvimento dessas teo-rias conduz a uma anarquia de pensamento, sem que haja uma linha geral deinvestigação que a si submetesse todas as discrepâncias dos pensamentos indivi-duais. E aqui o núcleo vivo do impasse: instalava-se aí a crise da questão dohomem, a qual passou a ser abordada de acordo com os diferentes pontos de vidados diversos ramos do saber, sem que fosse possível a unificação das perspecti-vas particulares.

Atualmente, a questão sobre “o que é homem?” reside na necessidade dese encontrar um fio condutor ao qual se conectem as múltiplas ciências particula-res. Para nosso autor, o caminho rumo à busca de uma solução para a crise doconhecimento de si do homem depende de se encontrar uma unidade conceitualque integre os dados desconexos produzidos pelo conhecimento até o momento epermita uma compreensão real do caráter geral da cultura humana.

A nossa hipótese de trabalho é que a noção de pessoa, elevada por PaulRicœur a conceito, candidata-se com muita probabilidade de êxito a desempenharessa função de unidade, sem deixar de lado a dupla perspectiva do holismo e doindividualismo como valores sociais (e perspectivas metodológicas).

SARTRE E A SUBJETIVIDADE: UM INDIVIDUALISMO UNIVERSALISTA

Nesta seção, vamos precisar o que seja a perspectiva do individualismo apartir de um estudo da relação entre Jean-Paul Sartre e o conceito de subjetivida-de, mediante a evocação de seu famoso texto O existencialismo é um humanis-mo. Esse texto foi construído sobre duas teses: (i) a existência precede a essên-cia; e (ii) o homem é plenamente responsável. O existencialismo de Sartre é umadoutrina que torna a vida humana possível, declara que toda a verdade e toda aação implicam um meio e uma subjetividade humana, e deixa sempre uma possi-bilidade de escolha ao homem. Segundo o autor, há duas escolas existencialistas,que mantêm em comum o fato de admitirem que a existência precede a essência,ou seja, que a compreensão sobre a questão do homem parte da subjetividade.Essa perspectiva inverte a visão técnica do mundo, segundo a qual a essência —conjunto de receitas e características que permitem definir e determinar uma pre-sença — precede a existência. Ou em outras palavras: a produção precede aexistência. Para Sartre, à visão técnica vincula-se a idéia de que o homem édotado de uma natureza humana, que se constitui no conceito humano encontra-do em todos os homens, e que caracteriza a filosofia de Diderot, de Voltaire e deKant.

Sartre, porém, segue a escola do existencialismo ateu, cuja argumentaçãoparte do pressuposto de que se Deus não existe, pelo menos o homem é um ser noqual a existência precede a essência, um ser que existe antes de poder ser determi-nado por qualquer conceito. Assim explicita-se o primeiro princípio do existencialis-mo: o homem existe, se descobre e surge no mundo para somente depois se definir,e isso a partir do que ele próprio fizer de si. Portanto, não há natureza humana, umavez que o homem é como ele se concebe depois da existência e de suas interven-

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ções (ou omissões) no mundo. A isso é que Sartre chama subjetividade: o homem éum projeto que se lança ao mundo, nada existindo anteriormente a este projeto.

O segundo princípio do existencialismo, decorrente do primeiro, consisteem que o homem é responsável por aquilo que é, bem como é responsável portodos os homens. Este é o sentido mais profundo do existencialismo defendido peloautor, o lugar metodológico no qual o apoio mais profundo à tese individualista resva-la de propósito para um sentido universalista; ou melhor, é um holismo defendido doponto de vista da individualidade inscrita no conceito filosófico de subjetividade:cada homem se escolhe a si próprio, mas nesta escolha ele implica todos os demaishomens, uma escolha que define uma imagem válida para todos e para toda umaépoca.

Como ocorre essa passagem, no interior da subjetividade e sem sair dela,para uma intersubjetividade? Nesse processo de escolha de si mesmo e envolvi-mento da humanidade, o homem vivencia a angústia, o abandono e o desespero. Oprimeiro sentimento é experimentado pelo homem quando percebe a sua total eprofunda responsabilidade, no momento em que escolhe ser, uma vez que tal es-colha é, simultaneamente, um compromisso com toda a humanidade. A angústia éparte da própria ação de escolher. O abandono é o sentimento do homem quepercebe que se Deus não existe, tudo é permitido, mas também não há desculpasou justificação para seus atos, porquanto não sendo determinado por uma nature-za humana dada e imutável, o homem é liberdade. Por outro lado, a inexistênciade Deus implica na ausência de valores ou imposições que legitimem o comporta-mento deste homem livre. Condenado a ser livre por não ter criado a si próprio, ohomem encontra-se lançado no mundo como responsável por tudo o que fizer a simesmo, acrescido do fato de que neste fazer implica toda a humanidade. Semapoio e auxílio de Deus ou da natureza, o homem se inventa a cada instante. Nistoreside o seu abandono e seu desespero, pois não há nenhuma moral geral queindique o que deva ser feito.

Os limites da ação possível são estabelecidos por sua própria vontade. Entre-tanto, essa condição não conduz a uma inércia ou ao quietismo, porque para nossoautor só há realidade na ação, uma vez que a vida do homem se realiza no conjuntodos seus atos, estando o seu destino dependente unicamente do seu próprio agir. Ohomem está inserido numa situação organizada, condenado a fazer escolhas, impli-cando nestas escolhas toda a humanidade. Porque não está realizado, o homem faz-se. Ao fazer-se, faz uma escolha moral ligando-se a um compromisso com os de-mais homens. A liberdade do indivíduo implica a liberdade dos outros. Neste sentido,existencialismo é humanismo porque está ligado ao fato de que não há outro univer-so senão o universo da subjetividade humana, a qual conduz o homem sempre parafora de si, superando-se e assim realizando-se como ser humano.

Em resumo, Sartre expõe os dois conceitos básicos de seu pensamento: aexistência precede a essência, isto é, “o homem não é mais que o que ele faz. [...]É também a isso que se chama subjetividade” (SARTRE, 1973, p. 12); e, emseguida: “Subjetivismo quer dizer, por um lado, escolha do sujeito individual por sipróprio; e por outro, impossibilidade para o homem de superar a subjetividadehumana” (SARTRE, 1973, p. 12), o princípio da responsabilidade. No primeiroenunciado se enlaçam todos os motivos do discurso reconhecido com facilidadecomo existencialista: não há natureza humana, cada homem é um nada e é dofundo desse nada que ele experimenta a liberdade para inventar-se a si mesmo,seja na autenticidade de uma vida que se sabe inventada, seja na má-fé de umavida que tenta passar como eterno um jeito de ser que fora, na verdade, uma

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escolha de ser, histórica e biograficamente construído para ser assim, e não deoutro jeito. Num caso como noutro, sustenta-se a ideia central da subjetividade. Osujeito é sua escolha. O sujeito é livre para escolher. E mesmo que não escolher,essa será a sua escolha. Não há modo de escamotear. Tudo o que é, é porque temsido, e tem sido porque fora escolhido, e desse modo poderia, sempre, ser diferen-te. Nada fisga o homem em uma essência pétrea. A essência do homem é o sumode suas escolhas: e escolher é agir. O homem é um animal que se realiza no ato defazer-se, e se faz porque projeta fazer, toma alternativas múltiplas, e escolhe.Entretanto, o ato de escolher não é desprovido de perigos. Não é um sujeito abso-luto o que escolhe. Não é uma liberdade cega. Fosse assim, e viver seria umabrincadeira: cada dia um projeto; cada hora, uma realização contraditória. A festade ser, em cada instante, outro, saboreando a multiplicidade. Mas o existencialis-mo de Sartre é um pensamento sisudo, e austero. O ato da escolha é precedidopor um forte sentimento de incômodo, a angústia. E para um homem angustiadonão há festa. Há é aquela sensação de sufoco: a angústia não é uma escolha doindivíduo. Aqui o limite de sua liberdade: o individuo se pega angustiado. Aqui,também, a emergência do segundo princípio acima enunciado: “impossibilidadepara o homem de superar a subjetividade humana”. Fosse possível essa supera-ção e todas as minhas escolhas diriam respeito apenas a mim, e a ninguém teriade prestar contas. Sairia de casa com a decisão tomada, e agiria aqui como alisem dar importância a nada nem a ninguém mais.

Todavia, não é assim. Antes da decisão sou agarrado por um sentimentoque não gostaria de sentir, a angústia. E o que me diz esse sentimento? De ondevem que me sinta angustiado? A angústia é o buraco em mim por onde sou obriga-do a ver, dentro de minha própria liberdade de escolha, os outros homens e omundo onde vivo, à espreita. A angústia é a mola de passagem do individual parao coletivo (os outros e o mundo); do particular para o universal. É no mais fundode minha subjetividade que o outro e o mundo aparecem como concernidos amim. E por isso me angustio: porque minha decisão, minha escolha, nunca poderáser apenas minha. Será, queira eu ou não, uma escolha que traz consigo toda ahumanidade e me engana na responsabilidade para com o mundo e os outros.Uma escolha de um presidente da república atinge o país. Uma escolha minhaatinge toda a humanidade. Ninguém gostaria que fosse assim. A subjetividade,aliás, sempre fora pensada como algo do indivíduo, ou situado no indivíduo. EmSartre, o indivíduo se experimenta como sujeito e, como sujeito, vê-se como liber-dade; dentro de sua liberdade, nada lhe determina e, por isso, todas as escolhassão possíveis. Entretanto, na hora de tomar minha decisão, advém-me a angústia.O segredo de minha liberdade é que sempre terá de partir de mim o que quer queeu queira ver realizado. O segredo de minha angústia é que, sempre que vouescolher, noto a contragosto que não posso querer nada sozinho; não posso evitara possibilidade de minha escolha ser também a escolha de outros; não posso fazerde conta que minha escolha seja uma escolha única e intransferível. Cada vonta-de minha implica a existência dos outros. Subjetividade, assim, é o nome do lugaronde se encontram o eu, os outros e o mundo. Trazendo a responsabilidade todapara o lado do indivíduo, Sartre nem por isso se desfaz da exigência de pensar ainevitabilidade do todo (os outros e o mundo). Mas esse todo é inscrito no própriosolo da liberdade individual, ou mais rigorosamente “subjetiva”. O processo deemancipação histórica da humanidade, ou será uma decisão de cada um, queimplicará, de cada vez, a todos, ou não teremos jamais qualquer chance de fazer

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do mundo posto outro mundo possível. Como o Deus agostiniano, a humanidadecomo um todo (holismo) não existe senão no interior de cada sujeito (individualis-mo).

MACINTYRE E A TRADIÇÃO: NA REGIÃO DO HOLISMO

Assumindo explicitamente sua herança cartesiana, e expondo seu pensa-mento com clara ressonância kantiana, Sartre, ao fincar pé no conceito de umasubjetividade livre, coloca-se ao lado da “tradição” do Iluminismo e, com ela, aoda exaltação do indivíduo como meta e princípio. Essa tradição, todavia, conheceuao longo do século 20 sérias objeções, não só filosóficas como também histórico-sociais. No meio dessas objeções, duas atitudes foram possíveis, ora um adeusgeral à noção de racionalidade; ora um convite a um repensar essa racionalidade,seja por um retorno à tradição kantiana, seja por um retorno à tradição aristotéli-ca, em busca de uma racionalidade prática possível. Na obra Depois da virtude,Alasdair MacIntyre inscreve-se na tradição de um contra-iluminismo pelas viasde um retorno à tradição aristotélica. Em certa altura desse livro, faz uma aborda-gem sobre a vida humana como sendo um todo que proporciona à virtude um fimadequado. O autor explica que, no entanto, este entendimento não é próprio dacontemporaneidade que, ao contrário e pelo fato de ter seguido o método moder-no da segmentação, trata a vida humana como sendo diversas “vidas”, estandocada segmento orientado por normas e comportamentos específicos.

Em decorrência da cisão que caracterizou a modernidade, separa-se, comono existencialismo de Sartre, a unidade da vida humana em indivíduo, e os papéis porele representados nas relações sociais. Sob esse prisma, o indivíduo distingue-seainda dos relacionamentos sociais em cujo seio desempenha os tais papéis. Nessecontexto, o que se considera virtude restringe-se à capacidade ou à habilidade doindivíduo em bem executar um ato ou bem realizar uma atividade. O que MacIntyrepropõe é entender a vida humana, não mais em suas partes seccionadas, como sefossem independentes, mas como um todo, que pode ser explicado pela narrativados papéis que desempenha ao longo da sua história, do nascimento à morte. Naperspectiva de nosso autor, a virtude só é inteligível enquanto característica de umavida una, íntegra, e não característica das “vidas” de um mesmo indivíduo.

A noção de virtude aí pressuposta está vinculada, pois, ao conceito pré-moderno de identidade — o eu como unidade narrativa, sem separação em vidasou papéis paralelos. Uma identidade que é una, do nascimento à morte, em ummovimento contínuo, mas sem segmentação, não uma série de momentos estan-ques e independentes. MacIntyre entende que a segmentação falha na medidaem que não se pode caracterizar o comportamento sem vinculá-lo à intenção quemoveu o indivíduo a se comportar desta ou daquela maneira, bem como na medidaem que não se pode ter uma intenção inteligível sem levar em consideração oscenários (contextos) em que a ação ou a atividade se realiza.

Os cenários, segundo nosso autor, são elementos que ajudam a tornar inte-ligível a intenção, tanto para quem a possui quanto para os outros com quemconvive no momento em que ela se concretiza, porque fazem parte de uma histó-ria, na qual se situam as histórias de cada vida humana, incluindo as mudançasque se operaram com o passar do tempo. O autor ressalta que o comportamento,ao se concretizar, traz na sua composição as intenções, as crenças e os cenáriosda vida de quem realiza tal comportamento. Assim, as intenções que movem um

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indivíduo inserem um ato por ele praticado em dois contextos: na história própriado indivíduo e na história do cenário no qual tal indivíduo praticou o ato. Por isso,MacIntyre afirma: “A história narrativa de certo tipo revela-se o gênero funda-mental e essencial para a caracterização dos atos humanos” (MACINTYRE,2001, p. 351). Ao referir-se a ato humano, não pretende o autor incluir-se naperspectiva da filosofia analítica que toma a idéia de “um” ato humano comofundamental para as teorias dos atos sociais. Para esclarecer em que diverge asua argumentação da perspectiva analítica, MacIntyre chama a atenção para oconceito de ato inteligível, o qual se relaciona intimamente com a responsabilida-de de quem o pratica, ao qual caberá explicá-lo, de forma inteligível, sempre queassim se lho exigirem os demais indivíduos.

O autor amplia a noção fundamental de inteligibilidade tanto para os atos dafala quanto para as finalidades, tendo ambas como requisito comum um contextocomo a conversa, por exemplo. Alasdair MacIntyre compreende a conversa como“a forma das interações humanas em geral” (MACINTYRE, 2001, p. 355), aqual, assim como os atos humanos, se apresenta como narrativa encenada. Talnarrativa não se confunde com a ordenação de fatos desencontrados que umescritor, ou um poeta ou um dramaturgo faz em um texto. Consiste a narrativa orareferida na história dos indivíduos envolvidos em um cenário e na história mesmadesse cenário. Depreende-se, portanto, disto, que por serem as histórias vividasantes de serem narradas, a forma de narrativa é adequada à compreensão dosatos humanos, uma vez que cada indivíduo vive e entende sua própria vida tam-bém em forma de narrativa.

No entrelaçamento dessas narrativas, os dramas de cada indivíduo influen-ciam e restringem os dramas dos demais, numa complexidade de histórias, fazen-do com que a ação e a narrativa se vinculem conceitualmente pela idéia de inte-ligibilidade. Assim, o ato é um momento em uma história ou em várias histórias e,por conseguinte, há uma necessária e fundamental interdependência entre as idéi-as de história e de ato. Na complexidade de histórias que se entrecruzam, cadaindivíduo “mergulha”, como se expressa, em uma história já feita por quem lheantecedeu e, a partir desse mergulho inicial, dá a ela um prosseguimento que tam-bém sofre restrições de atos de outros indivíduos inseridos e com os quais convivenesse mesmo contexto. Até mesmos os cenários sociais que constituem a históriaexercem influência sobre essa tarefa de continuidade que cabe ao indivíduo.

A essa altura da argumentação, o autor inscreve mais dois termos — im-previsibilidade e teleologia — como essenciais à compreensão da idéia de vidahumana como uma unidade narrativa. Segundo ele, o tempo presente da vidahumana coexiste com a imprevisibilidade do futuro cuja imagem já se lhe apresen-ta, bem como coexiste com as metas na direção das quais se move o presente eque deverão ser alcançadas no futuro imaginado. Teleologia e imprevisibilidadesão, pois, condições necessárias à estrutura narrativa da vida humana. Ora, ainscrição desses dois termos não é sem consequência para o nosso argumento.MacIntyre introduz, então, a tese segundo a qual o homem é um animal contadorde histórias que aspiram à verdade. Assim, a mitologia foi essencial para o enten-dimento de sociedade e para a educação visando às virtudes. Ele afirma que nãohá como se entender uma sociedade, qualquer que seja ela, sem se utilizar do“estoque de histórias” dessa sociedade.

Se a vida humana deve ser entendida como uma unidade de narrativa dashistórias do indivíduo e dos cenários no qual existe, qual é o conceito de identidade

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pessoal aí subjacente? MacIntyre parte da tese de que, assim como a história nãoé uma seqüência de atos — sendo este um episódio numa história possível ou real—, uma pessoa é o eu que habita um personagem da história, na medida em queé abstraído dessa história. Assim, o conceito de identidade implica em (i) ser oindivíduo que outras pessoas possam pensar que é, no decorrer da história que vaido seu nascimento à sua morte; e (ii) ser o tema de uma história que é própria detal indivíduo. A noção de tema está ligada, de acordo com o autor, à responsabili-dade pelos atos e experiências inerentes à vida narrável desse indivíduo. “A iden-tidade pessoal”, diz ele, “é exatamente aquela identidade pressuposta pela unida-de do personagem que a unidade na narrativa requer” (MACINTYRE, 2001, p.366). Em decorrência, descobre-se a correlação, mútua e recíproca, entre os per-sonagens, na medida em que cada indivíduo é responsável, mas também exerce opapel de possível questionador dos outros, pois cada um faz parte da história dosdemais. E aqui o ponto nodal. “A narrativa de qualquer vida faz parte de umconjunto interligado de narrativas” (MACINTYRE, 2001, p. 366), que se consti-tuem por intermédio do pedido de explicação e na explicação dada. Nesses ter-mos, percebe-se que a tese defendida por nosso autor é a de apresentar os con-ceitos de narrativa, inteligibilidade, responsabilidade e de identidade pessoal comoimbricados uns nos outros, em um relacionamento de pressuposição mútua.

Essa mutualidade traz consigo um pressuposto unificador, a partir do qual anoção de virtude se sustenta: o conceito de tradição. O papel que a virtude de-sempenha nessa unidade de vida que é a unidade de uma narrativa inserida numavida única é triplo: (i) disposição para sustentar e capacitar ao alcance dos bensinternos às profissões; (ii) disposição para sustentar a procura pelo bem, capaci-tando o indivíduo a superar males e riscos, e (iii) disposição para sustentar astradições que proporcionam tanto profissões quanto vidas com seu necessáriocontexto histórico. Partindo da tese de que há uma coincidência entre a posse queo indivíduo faz da sua identidade histórica e a posse que faz da sua identidadesocial, é forçoso concluir que cada história individual está contida na história dascomunidades na qual o indivíduo se insere. Ora, fazer parte de uma história impli-ca em que o indivíduo é, quer queira quer não, portador de uma tradição.

O autor defende o conceito de tradição viva como sendo uma “argumenta-ção ampliada pela história e socialmente incorporada”, que inclui a continuidadede conflitos e a noção de que prosseguem uma narrativa ainda não concluída,estando a tradição passível de superação. Esse núcleo conceitual, a tradição, as-segura a nosso autor a permanência e a validade desta permanência no rol deuma atitude metodológica holista, uma vez que aponta para a necessidade de quecada um viva sua história, não como, de cada vez, como um novo Adão, mas comoalguém cuja auto-invenção está subordinada ao conhecimento de uma históriaanterior. Tudo de passa como se não houvesse possibilidade do novo sem o co-nhecimento do antigo que o precede. O novo, fora disso, correria sempre o riscode ser reedição inconsistente do antigo ignorado.

O alcance positivo desta ideia é o de que, por exemplo, um alemão nascidodepois de 1945, que dissesse nada ter a ver com o holocausto, traçasse sua histó-ria, em conformidade com seus contemporâneos, dali para frente, sem memóriado que houvera e, em um caso extremo, por exemplo, ainda, de superpopulação deestrangeiros ilegais, fosse conduzido à ideia “genial” de que a solução do incômo-do estaria em mandar matar todos os indesejados da pátria. Ao contrário, a for-mação do indivíduo com ênfase na circunstância de que ele é herdeiro da história

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que o precede e que só poderá ter novas idéias no trato do conhecimento datradição com que ele só rompe quanto mais dela se apropria, por meio do conhe-cimento como reminiscência e recordação, conduz as possibilidades da história,individual e coletiva, para paragens e horizontes muito mais amplos. Nesse segun-do caso é que uma ideia realmente genial pode acontecer.

Nesta altura, seria interessante glosar uma das frases mais conhecidas deSartre, agora à luz do holismo de seu “rival”, MacIntyre: “Não importa o que osoutros fizeram de você”, dizia o filósofo francês, “importa o que você fez dos queos outros fizeram de você”. Lida na perspectiva de Sartre, a ênfase, claro, recaisobre o ato individual de tomar a ação dos outros sobre o si e transformá-la emalgo que ganha forma a partir dessa iniciativa pessoal, segundo a ideia de que oindivíduo é responsável por si mesmo. Pensamos que MacIntyre não discordariadessa conclusão, desde que fosse feito o seguinte reparo: você só se torna o queé na medida em que sabe retomar, em seu favor, o que os outros fizeram de você;logo, você precisa saber o que os outros fizeram de você, pois esse saber é amatéria de sua autotransformação. Assim, não importa o que os outros fizeramde você, se você quer ir além dessa passividade e transformar em historia o seumero destino, você terá de reportar àquilo que lhe fez carente de uma guinada emdireção a outro caminho; você terá de mergulhar na tradição que o trouxe atéaqui; ultrapassá-la somente enquanto a conhece.

HEIDEGGER POR UM HOLISMO ONTOLÓGICO

A posição de Heidegger no itinerário por nós proposto é sobremaneira cru-cial. De um só golpe, Heidegger, em sua famosa Carta sobre o humanismo, essebrilhante comentário a Ser e tempo, questiona a possibilidade de uma antropologiafilosófica e torna, com isso, irrelevante a dualidade entre individualismo e holismo.Uma ontologia fundamental nos dispensa do conceito de homem. Mais: uma onto-logia fundamental abre um campo de pensamento aquém das distinções mais co-muns, de segunda categoria ontológica, justamente como essa distinção entre “in-divíduo” e “todo”. “É claro que a sublimidade da essência do homem não repousano fato de ele ser a substância do ente como seu ‘sujeito’, para, na qualidade depotentado do ser, deixar-se diluir na tão decantada ‘objetividade’, a entidade doente” (Heidegger, 1973: 356). Sua recusa do humanismo – noção, para ele, deve-dora da distinção metafísica entre homem e natureza – não é a recusa da preten-são de alcançar um sentido mais pleno para o ser desse ente que veio sendo, aolongo da história da metafísica, chamado de homem. Sua recusa do humanismo éo engajamento em uma noção de ser em cuja verdade, uma vez explicitada, abrir-se-ia uma experiência de ser homem e de estar no mundo com a qual já não seprecisaria romper os liames entre um e outro. “Ao contrário, o homem é ‘jogado’pelo ser mesmo na verdade do ser, para que, ecsistindo, desta maneira, guarde averdade do ser, para que na luz do ser o ente se manifeste como o ente efetiva-mente é.” (HEIDEGGER, 1973, p. 356). Aceder a este campo aberto como “ver-dade do ser” é fazer a experiência de uma abertura na qual o contato com o ser é,ao mesmo tempo, um convite para traçar um destino sem o qual nenhuma histórianova pode acontecer como contraposição ao curso vigente do mundo contempo-râneo. O desafio, portanto, não é apenas de testar um pensamento radical e radi-calmente novo (onde a pergunta pelo ser do homem se tornaria ininteligível e, comela, uma antropologia filosófica), mas de, com esse pensamento, apontar para um

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modo de habitar o mundo no qual sentido algum faria a pergunta sobre quem vemprimeiro, o todo da comunidade e de sua tradição ou a parte do indivíduo e de sualivre subjetividade.

Todavia, o que significa, em Heidegger, essa “verdade do ser” como aber-tura? Heidegger, com efeito, trata da questão da verdade do ser a partir do ques-tionamento sobre a legitimidade do termo humanismo. Porém, mais do que adiscussão sobre a conservação ou não da palavra humanismo, o autor demonstraa necessidade de se buscar o caminho que devolva à palavra o valor de suaessência. O que, desde logo, deve deixar claro que o “fim do homem” e a procla-mação da inviabilidade radical de uma antropologia filosófica não significam, comodissemos, nenhum desprezo por aquele ente que um dia encontrou sentido emdesignar-se a si mesmo como “homem”, a saber, um animal racional. Nessaperspectiva, Heidegger conduz a problemática inicial para uma profunda análisesobre a linguagem como a casa do ser, e o pensar como aquilo que edifica talcasa, na medida em que traz à linguagem, em seu dizer, a palavra pronunciada doser como seu próprio abrir-se, como verdade do ser. Mas, então, permanece apergunta: o que vem a ser essa abertura da verdade do ser como linguagem? Seráque já sabemos o que “linguagem” quer dizer? O que é a linguagem como “casa”,como “morada”?

Todo o desafio para uma melhor inteligibilidade da posição heideggerianaencontra-se na compreensão que se tenha de sua noção de linguagem. Assim, oautor ocupa-se da linguagem como acesso ao pensar, que age, por sua vez, en-quanto se exerce como pensar, como o cumprir-se da verdade do ser. Mas qual éessa verdade? Para chegar a ela, assevera, é preciso libertar-se da interpretaçãotécnica do pensar — o pensar como o produzir um efeito — instaurada desdePlatão e Aristóteles. Desde aí, a Filosofia seguiu presa do temor de não ser ciên-cia, o que a fez esquecer-se do ser cuja vigência antecede a ciência, a exige comoum recurso possível e a possibilita. Em outras palavras, o brilho da eficácia daciência ofuscou a origem que a tornou possível, a filosofia, e esta, ofuscada porsua própria cria, abandonou a essência do pensar, medindo-o inadequadamente e,portanto, deixando-o fora do seu elemento, quando passou a medi-lo pela ciência.

Atingir a verdade do ser é chegar perto do lugar onde uma vez se feznecessário a ciência, mas não tanto para fazer ciência, como para averiguar apossibilidade de chegar a um outro recurso que favoreça a manutenção daquelaverdade. A verdade do ser é ser a abertura, em cuja amplidão a realização dohomem seja possível sem, todavia, obstar seu estar junto com os outros homens ecom o mundo. Heidegger entende que é preciso, portanto, refletir sobre a essên-cia da linguagem em um nível outro que não o da pura filosofia da linguagem.Como habitação do ser, a linguagem é “guardada” pelos pensadores e poetas, quetêm por tarefa abrir um espaço essencial mais originário para a linguagem, maisdo que aquele destinado pela Gramática ou a Lógica ocidentais. Essa linguagemcomo abertura e morada, como pátria (Heidegger, 1973: 359; 360), é a própriacondição de uma escolha histórica entre a ciência e outra atividade que se ponhacomo promessa de possibilitar seja o mundo um lugar habitável. A verdade do sercomo linguagem e a linguagem como morada deixa claro o ponto a partir do qualdevemos colher a contribuição de Heidegger: “A palavra nomeia o âmbito abertoonde o homem habita”. O “âmbito” é a própria verdade do ser, isto é, ser não émais o nome de uma entidade metafísica, mas essa abertura mundana na fissurada qual homem e mundo fazem suas experiências como uma só experiência. O

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ser, como âmbito habitável, é o tempo. O tempo no curso do qual nem homem nemmundo se dão como “mundo” e “homem”, mas como o aí do próprio ser.

O ser se manifesta ao homem no projeto ec-stático, quando joga no proje-tar o homem para a ec-existência do ser-aí como sua essência. Este projeto joga-do é o destino, cuja forma é a clareira do ser. É em tal proximidade da clareira doaí que mora o homem ec-sistente. Tal proximidade só é percebida e pensada apartir da poesia do poeta. O homem vive seu mundo. Mas é o poeta quem odesperta para esse viver como um viver no mundo, mediante o uso que ele faz dalinguagem como um trazer o mundo para o si da linguagem: a palavra poética é,em si, um mundo que se abre para dizer ao homem que ele só é na medida em queé nesse mundo que a poesia abre. Segundo Heidegger, o homem desdobra seu serem sua essência quando recebe o apelo do ser advindo na linguagem do poeta. Naintimidade com este apelo, o homem se posta na clareira do ser, isto é, a ec-sistência do homem; sendo este o seu modo próprio de ser: a ec-sistência é omodo humano de “ser”, é aquilo que o homem é, a saber, o ser lançado nummundo que é linguagem.

Esta é a explicação da frase “a essência do ser-aí reside em sua existência”,a qual Heidegger afirma não guardar qualquer relação com a máxima do Existenci-alismo sartreano, segundo a qual “a existência precede a essência”. Esclarecendo osentido de sua frase, o filósofo alemão afirma que o homem desdobra-se em seu serque ele é na clareira do ser — o “aí”. O “ser” do aí ec-siste, no sentido de que ec-sistência significa estar exposto na verdade do ser. Ec-sistência, portanto, não seconfunde com existência, noção metafísica cujo significado é a realidade efetivadaquilo que alguma coisa é. A ec-sistência em sua essência existencial denomina-seec-stática, isto é, relação que o ser mesmo retém junto a si e recolhe no mesmoinstante em que se lança para fora como o lugar da verdade do ser.

A verdade do ser é ser simplesmente aí como não dado. O homem ec-sisteenquanto pertence à verdade do ser, mas o ser não é, todavia, produto do homem.Jogado no “cuidado” de si, o homem está posto “na” abertura do ser. “Mundo” éa clareira do ser na qual o homem se encontra ao ser-jogado de sua essência.Somente enquanto se manifesta a clareira do ser, dá-se ser, e este se sacode emdireção ao próprio do homem. O humanismo de Heidegger se define, pois, desdea proximidade do ser, no qual está em jogo a essência historial do homem, a qualconsiste na ec-sistência do homem, um nome difícil para dizer essa coisa somen-te em aparência fácil que é estar-no-mundo.

Insistindo na expressão “verdade do ser” como o nome para esse abrir-sedo estar-no-mundo, Heidegger desenha uma experiência que torna impossível apermanência do debate entre holismo e individualismo, simplesmente porque, coma noção de “verdade do ser”, isto é, com a noção do “estar-no-mundo” como algoconcernente tanto ao indivíduo quanto ao mundo, ele inaugura um holismo maisradical. Uma mente maldosa poderia encurtar o entendimento do alto projeto hei-deggeriano dizendo tratar-se, esse holismo, de uma ontologização da província,quiçá da simples vida campestre. Sem dúvida ele deixa brecha para essa interpre-tação. Mas fazer uma caricatura de um filósofo ainda não é tê-lo compreendido.Nossa posição é que, mesmo que não aceitemos a sua palavra final, uma vez quedeixa intacta a crítica necessária ao capitalismo que se beneficia daquele huma-nismo metafísico que sua ontologia suplantou, sua posição filosófica coloca-nosem uma altura que somente aumenta nossa exigência de pensar: Se perguntaronde fica o indivíduo depois dessa sua ultrapassagem pela noção de “verdade do

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ser” é desfazer o percurso que instaurou aquela verdade como sua superação, edemonstrar que nada ficou entendido, então cumpre-nos perguntar onde fica oindivíduo dentro dessa própria ultrapassagem.

Nessa direção, é necessário encontrar a palavra que melhor o designe, semque sua pronúncia deixe trazer de volta as tralhas metafísicas que a ontologiafundamental, em sua instauração, já a muito, e com tino, desprezou. Essa palavra,acreditamos, é “pessoa”.

RICŒUR E A NOÇÃO DE PESSOA COMO SUPERAÇÃO ACOLHEDORA DA DUPLA POSSIBILIDA-DE DOS VALORES SOCIAIS

A tendência aberta pela posição heideggeriana estimulou, principalmentena França, a ideia de que uma antropologia filosófica era uma empresa superada.A reação corajosa de Paul Ricœur não só desafiou o consenso, como abriu umaperspectiva na qual o dualismo se desfaz, mas não porque cada um dos dois valo-res sociais se torne irrelevante, senão porque ambos podem se favorecer da novaforma como o objeto em jogo é apresentado. Aquilo que Heidegger pensou como“verdade do ser”, Ricœur quer designar como “pessoa”. E esta última, seguindoEric Weil, ele a concebe como uma “atitude”.

No texto Morre o personalismo, volta a pessoa, o autor parte da obra deEmmanuel Mounier para fazer uma leitura crítica sobre o termo personalismo –quase no mesmo sentido em que Heidegger faz com o termo humanismo – e suarelação com o que chama de “outros –ismos”, notadamente o existencialismo e omarxismo, a fim de aceitar sem conformismo a situação histórica em que se es-treitou a impossibilidade do personalismo como uma situação incontornável. Ri-cœur destaca a influência devastadora que, além do heideggerianismo e do nietzs-chianismo, o estruturalismo exerceu sobre a constelação dos –ismos e, em espe-cial, sobre o “reino tripartite: personalismo-existencialismo-marxismo” (RICŒUR,1996, p. 156). Mas essa disposição com que aceita a “morte” do personalismotem seu estofo na convicção mais alta da possibilidade de se voltar a se falar de“pessoa”, de um modo renovado e blindado das críticas previamente feitas àsnoções correlatas, porém insuficientes e merecedoras das críticas, como “eu”;“sujeito” ou “consciência”.

Argumenta que o movimento do personalismo no contexto em que foi de-flagrado por Mounier teve seu destaque quase restrito à França, de modo que otripé personalismo-existencialismo-marxismo “permanecia tipicamente francês”.Com o advento do estruturalismo, cuja maneira de pensar seguia a idéia de siste-ma e não de história, o personalismo, juntamente como o existencialismo e certomarxismo, viu-se lançado à lata de lixo da história, e com maior razão que osdemais, ora vista a desproporção, em termos de vigor teórico, entre ele e aquelesoutros “-ismos”. É com imensa delicadeza que Ricœur deixa que o compreenda-mos assim, pois afinal ele está a falar de um amigo, e de um amigo morto; mas, nofundo, é disso que se trata.

O personalismo não teve personalidade teórica comparável a muitos de-senvolvimentos do existencialismo e do marxismo. Mas prestar uma homenagemao amigo morto não é elogiar o que este fizera, mesmo se forte, mas tentar atingirpor outros meios o mesmo fim que um dia ele visou, e por desventura não alcan-çou. Daí sua insistência na “noção” de pessoa. No mesmo movimento em que arevigora teoricamente, fortalecendo-a como um conceito, ele pretende recolocar

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em movimento o fundo daquilo que o amigo apenas divisou.Trata-se de fazer valer a noção de pessoa como um conceito suficiente-

mente forte; pronto a se por no centro de uma antropologia filosófica e, aí, permitirque se desenvolvam inflexões metodológicas tanto “individualistas” como “holis-tas”, não segundo algum ecletismo vão, mas em conformidade com a complexida-de do objeto reposto na elaboração do conceito de “humano” como “pessoa”.Para ele, a pessoa não é um indivíduo, mas o núcleo de uma “atitude” — estatutoepistemológico que o autor identifica como o mais apropriado na linguagem paraque as referências à pessoa não impliquem no retorno ao termo personalismo.Ricœur afirma que o pensamento filosófico compreende que à atitude correspon-dem “categorias” múltiplas e diferentes, que se manifestam por uma unidade ca-racterizada essencialmente pelas noções de crise e engajamento, mediadas peloconfronto, dirá Ricœur, com o “intolerável”. A pessoa seria o nome dessa atitude,que se explicita tanto afeita ao indivíduo quanto à comunidade.

A crise é o que define, numa primeira aproximação, a atitude-pessoa, quan-do esta se encontra na seguinte situação: não percebe mais seu “lugar” no univer-so; não reconhece hierarquia de valores que lhe sirvam de referência; e na rela-ção com os demais não os distingue como amigos ou adversários. Podemos ilus-trar isso, tanto no nível individual, referindo-se a um personagem de um romance,o Padre Nando, por exemplo, de Quarup; quanto num nível mais amplo, como aum dado momento histórico, os anos 1970, por exemplo. Quarup, de AntonioCalado, publicado em fins da década de 1960, pode ser lido como o processo peloqual o Padre Nando passa de um estado estável de crença nos valores do cristia-nismo para uma reversão axiológica completa, passando por um momento crucial,o de crise, no qual a instabilidade se inscreve no mesmo momento em que tudoque antes era sólido vem a ser experimentado sob o signo da confusão do chama-do “estado de espírito”. Este, “nos momentos mais graves, é transmitido ao leitorcom toda fidelidade do narrador, sempre empenhado em respeitar as imagens esituações, como se o narrador, enquanto mediador do processo, se anulasse e opersonagem se revelasse ao leitor, com toda a sua carga de contradições, porconta própria” (Gouveia, 2006: 20). Esses momentos atingem pontos lancinantesque beiram a perda do sentido, cujo uso do éter como droga atinge a condição demetonímia desse completo desequilíbrio. Quanto ao momento histórico, Eric Ho-bsbawm escreve: “A história dos vinte anos após 1973 é a de um mundo queperdeu suas referências e resvalou para a instabilidade e a crise” (HOBSBAWM,1995, p. 393). Mas a contingência de se ver na instabilidade é um convite paraolhar mais de perto a própria condição atual com olhar ainda mais impiedoso esem autocomiseração.

É esse olhar que lança a pessoa, considerada tanto como indivíduo quantocomo comunidade, na posição de encarar o que lhe surge como intolerável. Essacategoria não podia ser mais geral: o intolerável não pode ser apontado como istoou aquilo. Quem aponta é quem está em crise e sofre suas dores. O filósofo dásuporte conceitual para a compreensão desse limite existencial-histórico. O into-lerável, uma vez detectado, lança a pessoa em direção ao que ela gostaria quefosse diferente. Para Nando, o intolerável era o estado de exceção como regrageral em que afundava o Brasil por volta dos fins dos anos 1960. Para o capitalis-mo em crise, o intolerável era o Estado-nação e o estado de bem-estar social a eleagregado. O encontro com o intolerável cria frente de batalhas. Na frente debatalha a pessoa encontra a fonte que, na crise, secara, para mover-se em dire-

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ção a novos valores e novas experiências de vida.É o momento do engajamento. Este seria o segundo núcleo da atitude-

pessoa. Contra o que fora diagnosticado como intolerável, a pessoa se engaja naluta por fazer diferente. Nando passa a conceber o mundo como uma vasta mu-lher, e encontra-se a si mesmo como uma amante inesgotável. A favor disso estádisposto a oferecer sua vida. E sabemos que só damos o que possuímos. Possuiruma vida já não é um traço de crise, mas de uma situação de recomposição, dereconhecimento de si como portador de um norte, como uma pessoa. O capitalis-mo incrementa seu processo de globalização e destrói, como um trator cego, asidiossincrasias nacionais, engajando-se na tarefa de transformar o mundo numaaldeia global.

Da crise ao diagnóstico do intolerável, e deste ao engajamento a favor deseu contrário, o conceito de pessoa se sustenta como um conceito com o qualpodemos pensar a experiência humana tanto na frente de trabalho de construçãode um indivíduo, quanto naquela de uma construção coletiva de um projeto histó-rico. Quando projeto individual e projeto histórico seguem juntos, temos, aparente-mente, uma realidade, mas com mais certeza temos uma ideologia em bom funci-onamento; quando vão separados, como o mundo transformado em vasta mulher,de Nando, que nada tem a ver com o mundo transformado em uma aldeia mesqui-nha, do capitalismo globalizado, temos uma utopia. O descompasso entre um eoutro, porém, não desfaz o vigor com que podemos, sob o conceito de pessoa,pensar a ambos.

REFERÊNCIAS

CASSIRER, E. Ensaio sobre o homem: introdução a uma filosofia da culturahumana. Trad.: Tomás R. Bueno. São Paulo: Martins Fontes, 1994; primeira edi-ção: 1944.DUMONT, L. Homo aequalis. Gênese e plenitude da ideologia econômica. Trad.:José L. Nascimento. Bauru: EDUSC, 2000; primeira edição: 1977.GOUVEIA, A. Literatura e repressão pós-64. O romance de Antonio Calado.João Pessoa: Ideia, 2006.HEIDEGGER, M. Conferências e escritos filosóficos. Col. Os pensadores.Trad.: Ernildo Stein. São Paulo: Abril Cultural, 1973.HOBSBAWM, E. Era dos extremos. Breve século XX. 1914-1991. São Paulo:Companhia das Letras, 1995.MACINTYRE, A. Depois da virtude. Trad.: Jussara Simões. Bauru: EDUSC,2001.RICOEUR, P. Leituras 2. A região do filósofo. Trad.: Nicolas N. Campanário.São Paulo: Loyola, 1996.SARTRE, J.-P. O existencialismo é um humanismo. Trad.:Vergílio Ferreira. SãoPaulo: Abril Cultural, 1973.

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O PARADOXO DA CONDIÇÃO HUMANA EM PASCAL

Joelson Pereira de Souza

Resumo: Este artigo busca compreender a trajetória que anima as reflexões pasca-lianas acerca da condição humana. Para pensar o ser humano o autor mergulha emparadoxos que vão desde o mistério insondável da fé até a pretensão de fundamen-tar uma ciência baseada em verdades racionais. Essa posição ambígua entre fé erazão faz de Pascal um representante privilegiado da angústia da modernidade.Palavras-chave: razão, fé, condição humana.

Abstract: This article seeks to understand the trajectory that animates Pascal’sreflections about the human condition. To think the human being the author delvesinto the paradoxes that go from the unfathomable mystery of faith to substantiatethe claim of a rational science-based truths. This ambiguous position between faithand reason make Pascal a privileged representative of the anguish of modernity.Key-words: reason; faith, human condition,

INTRODUÇÃO

Somos cheios de coisas que nos impelem para fora.

Blaise Pascal

Na França do século XVII, tomada pelo espírito do grande racionalismo,Blaise Pascal (1623 – 1662) se destacou como um pensador capaz de expressara precariedade do espírito humano com perspicácia filosófica e ousadia literária,sua obra seria identificada como um manifesto contra a razão absolutizada, umacrítica anti-humanista esboçada em um século de muitas manifestações do huma-nismo enquanto corrente de pensamento filosófico.

Este artigo busca compreender a trajetória que anima as reflexões pascali-anas, reunindo as muitas perspectivas que, presentes em Pascal, realizam um tipode pensamento que se mostra como um verdadeiro mosaico de pessimismos an-tropológicos que registram deste as incapacidades às insuficiências relativas àcondição humana. Pois, para pensar o ser humano o autor mergulha em parado-xos que vão desde o mistério insondável da fé até a pretensão de fundamentaruma ciência baseada em verdades racionais.

Nenhuma periodização ou localização histórica nos fará perceber objetiva-mente os conflitos, as crises e os debates que acabaram por caracterizar umdeterminado ponto da história. Essa consciência dos limites epistemológicos re-duz qualquer tentativa de ambientalizar o autor em seu tempo à mera aceitação deuma narrativa histórica acerca de fatos, personagens e acontecimentos que oshistoriadores julgaram relevantes. Mesmo assim, aquilo que é uma simples tenta-tiva ganha status e importância dentro de um projeto que remete ao estudo deideias e textos produzidos em épocas que nos antecederam em muitos séculos.Assim, o tempo de Pascal não nos é possível, mas o que sabemos sobre ele nos énecessário.

SÉCULO XVII: A PORTA DE ENTRADA DA MODERNIDADE

Pascal viveu no século XVII num período de radicalismos, contradições eparadoxos. É possível que nos manuais de história esse momento seja identificadocomo a passagem de uma mentalidade tipicamente medieval para uma mentalida-

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de moderna, pois, trata-se de um processo histórico que afirma o pensamentocientífico do ocidente ao mesmo tempo em que nega o discurso teológico emquestões de conhecimento.

Reconhecidamente este é o século das inovações no pensamento europeu.A consolidação da revolução científica iniciada em Copérnico (1473-1543) e darevolução filosófica realizada por Descartes (1596-1650) proporcionaram umalarga abertura no campo das ideias e dos experimentos científicos, insuflandoconcepções dinâmicas quanto à questão do conhecimento e incentivando o surgi-mento de novidades de alcance teórico e prático.

Pensadores como: Bacon, Galileu, Kepler, Hobbes, Torricelli, Descartes eNewton, entre outros, são pensadores emergentes numa Europa racionalista ecientificista. Estes autores, uns mais outros menos, rompem com a concepção defundamentação sobrenatural/divina do conhecimento. Para eles, a revelação deDeus não é mais fator determinante nas investigações do conhecimento, a menta-lidade científica busca descrever racionalmente o funcionamento do mundo aoinvés de simplesmente aceitar a autoridade dos argumentos eclesiásticos. O sujei-to racional é o novo ponto de partida epistemológico. Nesse sentido,

No campo do conhecimento, as modernas ciências experimentais transformaram totalmentenossa visão de mundo e conduziram ao comportamento racional perante a realidade. Perma-nece e prevalece o que resiste à crítica racional. A ciência e a técnica dão ao homem pelomenos um suposto senhorio sobre as coisas para sua manipulação e o planejamento racio-nal. O resultado é um mundo hominizado e secularizado, despido dos vestígios de Deus(ZILLES, 1991, p. 12).

Em seguida, o mesmo Urbano Zilles comenta esta metamorfose que de-senvolve o pensamento ocidental a partir das discussões sobre fé e razão:

A revolução copernicana no pensamento, no fim da Idade Média e no começo dos temposmodernos, consiste na volta para a subjetividade pensante. (...) O homem moderno questi-ona o acesso imediato do real e passa a falar da realidade através da mediação da subjetivi-dade, desenvolve novo método de investigação e conhecimento, apoiando-se unicamente narazão e na experiência científica (ZILLES, 1991, p. 8).

Quando mudamos as perspectivas em relação à abordagem do conheci-mento, mudamos também o ponto de vista de perguntas essenciais, como as per-guntas sobre Deus, o universo e o próprio homem. Perguntas que ganharam no-vas versões e não seriam mais as mesmas depois de Copérnico, Galileu, Descar-tes e Newton. É nesse ambiente embalado pelas dúvidas contra todo dogmatismoque emerge o pensamento de Blaise Pascal.

PASCAL, UM GÊNIO ENTRE A CIÊNCIA E A RELIGIÃO

Nascido na França em 1612, Blaise Pascal recebe uma educação domésti-ca. A função de educador é exercida pelo pai, o geômetra Etienne Pascal, quelogo perceberia a precocidade do filho para assuntos matemáticos.

Já aos doze anos, Pascal provoca furor no meio acadêmico ao descrever atrigésima segunda proposição da matemática euclidiana. Os passos seguintes se-riam a elaboração de um Tratado Sobre os Cones, a construção da primeiramáquina de calcular (aos dezenove anos), a formulação do cálculo das probabili-dades (Geometria do Acaso) e um Tratado Sobre as Potências Numéricas,

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entre muitos outros experimentos (REALE; ANTISERI, 1990, 599-60).A primeira metade da vida de Pascal fora dedicada às ciências matemáti-

cas e experimentais, ocupação que lhe concede desde cedo prestígio e reconheci-mento. Transitando por este ambiente notadamente científico ele estabelece co-municação com os grandes pensadores do século XVII. Como frequentador doscírculos livres de conhecimento participa das discussões que animam a intelectu-alidade francesa da época, inclusive se envolvendo em polêmicas teológicas queiam muito além das ciências.

O encontro com os jansenistas1 de Port-Rayol faria de Pascal, que já eraum brilhante cientista, um indivíduo preocupado em saber quem é este ser huma-no que vive na busca de Deus e de si mesmo meio à iluminação da razão moder-na. Como poucos, percebe as consequências dramáticas da revolução científicapara o homem de sua época. Sua maior preocupação será a de saber onde colo-car o homem finito num universo agora infinito (REALE; ANTISERI, 1990, 599-60).

No fragmento 144 dos Pensamentos, Pascal declara a radicalidade damudança de suas ocupações intelectuais:

Passei um longo tempo no estudo das ciências abstratas, e a pouca comunicação que se podeter delas me agastou. Quando dei início ao estudo do homem, percebi que as ciênciasabstratas não lhe são próprias, e que me afastava mais de minha condição, ao procurarentendê-las, do que outros, ignorando-as, perdoei aos demais o fato de conhecê-las pouco.Mas imaginei que encontraria, ao menos, muitos companheiros no estudo do homem, poisesse é o verdadeiro estudo que lhe é próprio. Enganei-me (PASCAL 1990, p. 14).

O pensamento cristão2 em sua vertente agostiniana irá desenvolver emPascal uma visão trágica dos paradoxos da modernidade. Conhecer o homem é agrande fascinação que rege seu pensamento, homem que para ele existe em umacondição insuficiente e angustiada.

No convento de Port-Royal Pascal passa a ser defensor das doutrinas janse-nistas perante a igreja oficial. As Provinciais são uma coleção de dezoito cartaspublicadas neste ambiente de controvérsia. Essa obra seria logo incluída, pela Con-gregação do Index, entre as literaturas proibidas pela igreja romana.

O centro da trajetória espiritual de Pascal reside no seu encontro com ojansenismo, que lhe permitiu exprimir melhor sua sede de absoluto e de transcen-dência. A vocação religiosa de Pascal encontra no jansenismo o solo favorávelpara sua expansão (PASCAL 1990, p. 11).

O fôlego trazido pela religiosidade anima o grande projeto literário de Pas-cal, uma Apologia do Cristianismo, obra interrompida por sua morte aos trinta enove anos, mas que fora publicada postumamente como caderno de notas parauma obra muito maior. Trata-se de aforismos e fragmentos que foram compiladose receberam o título de Pensées (Pensamentos).

Sobre essa obra comenta Hans Küng:

A linguagem compacta e flexível de Pascal, é a olhos vistos a de um erudito e poeta aomesmo tempo: unindo a claridade ao ritmo, a precisão à poesia, falando à cabeça ao mesmotempo que ao coração. (...) Seus Pensées são uma das obras de maior destaque da literaturauniversal (KÜNG, 2005, p.78-9).

Mesmo com as particularidades de uma obra segmentada, o vigor da escri-ta faz de Pascal um inovador também na literatura, seus fragmentos assumem

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características de prosa com elementos irônicos e satíricos, suas palavras levaminevitavelmente a um misto de angústia existencial e prazer estético, suas páginasconduzem a um ácido exame da realidade humana ao mesmo tempo em queameniza pelo estilo e pela forma a dureza de seus conteúdos. É assim, um dosmaiores literários de língua francesa (KÜNG, 2005, p.78-9).

CRÍTICA À CIÊNCIA

Pascal foi um cientista. A física, a matemática, a geometria e a engenhariaforam áreas do conhecimento pelas quais Pascal transitava com competênciacapaz de inovações significativas.

A palavra crítica, sugerida neste tópico, busca sinalizar a postura não muitoentusiasta de Pascal quanto às possibilidades da nova racionalidade científica.Vale dizer, no entanto, que esta postura de Pascal se dá em um período em que osambientes acadêmicos celebravam o racionalismo filosófico e o mecanicismo ci-entífico como capazes de conhecer qualquer realidade do universo que o homemdesejasse investigar.

Os exemplos clássicos de novos paradigmas nascidos no século XVII são:a teoria heliocêntrica3 que mostra um universo descentrado com a terra em movi-mento, defendida por Copérnico, Kepler e Galileu e a matemática, modelo para aciência e para a filosofia que aplicaram em seus domínios a ideia de que tudo nouniverso pode ser conhecido e explicado em caracteres matemáticos.

E por fim, o aparecimento de uma nova epistemologia, em Descartes, quepromove o homem a sujeito ativo do conhecimento. É a descoberta do métodocorreto de pensar e de conhecer. O cogito cartesiano: “penso, logo existo”, é aafirmação da razão, ou seja, do sujeito racional como capaz de realizar o conheci-mento verdadeiro da realidade (PASCAL 1990, p. 11).

A teoria heliocêntrica, a matemática e o sujeito pensante apontam parauma poderosa revolução no campo das ciências iniciada à custa destes novosparadigmas. O homem que emerge deste projeto de modernidade se mostra oti-mista quanto à capacidade de compreender a totalidade do universo, na verdadeesta parece ser a tarefa que ele mesmo se propõe.

Thomas Kuhn, no seu livro A Estrutura das Revoluções Científicas, apre-senta as revoluções como mudanças de concepções de mundo, variações no olhardo homem sobre aquilo que pode ser apreendido.

Guiados por um novo paradigma, os cientistas adotam novos instrumentose orientam seu olhar em novas direções. E o que é ainda mais importante: duranteas revoluções, os cientistas veem coisas novas e diferentes quando, empregandoinstrumentos familiares, olham para os mesmo pontos examinados anteriormente(KUHN, 2001, p. 145).

Pascal compreende bem essas mudanças de paradigmas, especialmentequanto à ciência que deixa de ser contemplativa e assume um caráter ativo, deconquista do conhecimento.

Pascal desenvolve uma consciência trágica: reconhece tudo o que havia deprecioso e de definitivo no novo conhecimento científico e, simultaneamente, re-cusa-se radicalmente a considerar este mundo como a única perspectiva para ohomem. Considera a razão um fator importante na vida humana, [...], porém nãoseria todo o homem, nem deve nem pode ser suficiente para a sua vida, mesmo noplano da investigação científica (PASCAL 1990, p. 19).

No fragmento 327 ele diz:

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As ciências têm duas extremidades, que se tocam. A primeira é a pura ignorância natural emque se acham os homens ao nascer. A outra é a extremidade a que chegam as grandes almas,as quais, depois de percorrer todos os caminhos do que os homens podem saber, constatamque nada sabem e se descobrem na mesma ignorância de que partiram, no entanto, trata-sede uma ignorância sábia, que conhece a si mesma (PASCAL 1990, p. 117).

Nesse clássico fragmento sobre a ciência, Pascal apresenta sua posiçãoquanto ao racionalismo cartesiano do seu tempo: reconhece o valor da razão parao pensamento e para as ciências, mas não considera o movimento cientificistasuficiente para explicar a existência humana e de todo o universo e, sobretudo,não aceita que a razão seja capaz de abarcar todas as dúvidas existências dohomem, especialmente sobre o conhecimento da verdade de si mesmo, de Deus edo próprio universo. Para ele, a ignorância sábia representa a máxima conquistadeste espírito racional que anima o conhecimento científico da realidade. Enfim,Pascal conclui que o homem é mais que um ser científico e racional, e como tal arazão não lhe basta.

O SABOR DA MODERNIDADE

Pascal ainda percebe com extrema sensibilidade crítica e filosófica o movi-mento de mudança no olhar do homem sobre o mundo, pois para ele o homem e omundo continuam invariavelmente inatingíveis e incomunicáveis ante esta euforiaracionalista apregoada em seu tempo. A realidade existencial do homem e domundo não possuem clareza ou distinção racional.

No fragmento 72 lemos:

O mundo visível é somente uma linha imperceptível na amplidão da natureza, que a nós nãoé dado conhecer nem mesmo de maneira vaga. Por mais que alarguemos nossas concepções,e que as projetemos para além dos espaços imagináveis, concebemos apenas átomos emcomparação com a realidade das coisas. Esta é uma esfera infinita cujo o centro se acha emtoda parte e cuja circunferência não se acha em nenhuma (PASCAL 1990, p. 43).

Estamos diante da primeira contradição ou do primeiro paradoxo de Pascal,um cientista que duvida da ciência, um racionalista que duvida da razão, “[...]precisamente por esta sua existência contraditória, Pascal veio a ser, ainda maisque Descartes, o protótipo do homem moderno (KÜNG, 2005, p.76).

Pascal aceita e assume o racionalismo no domínio da ciência, embora reco-nhecendo os limites que ele encontra também nesse domínio, mas não consideraque o racionalismo possa se estender à esfera da moral e da religião (REALE;ANTISERI, 1990, p. 599).

CRÍTICA À RELIGIÃO

Não é possível afirmar que Pascal tenha sido um teólogo ou um filósofo dareligião (também não é possível afirmar que não foi), entre as duas possibilidadesele estará sempre à margem, tanto nos manuais de história da teologia quanto nosmanuais de história da filosofia.

O fato é que a religião cristã é um acontecimento tardio na vida destepensador, contudo, suas produções reflexivas representaram já naquela épocaimportantes inovações na forma de entender a fé e a religião. Seu pensamento

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situa-se numa tênue linha imaginária entre a teologia e a filosofia, suas reflexões

serviram tanto para inspirar meditações de espiritualistas como para inspirar filo-sofias céticas e por que não, ateias.

Os escritos de Pascal sobre a religião cristã são estrategicamente direcio-nados e objetivamente apologéticos, porém, em alguns momentos percebermosum autor angustiado que rompe seus próprios propósitos em linhas que registramseus pensamentos em conexão com um sentimento trágico e paradoxal da exis-tência humana. Assim, “[...] ele se situa em uma frente apologética contra oslibertinos, livre pensadores e ateus. [...] enfim, também capta com fino olfato osproblemas do homem e acaba por chocar - talvez mais que nenhum outro - com ofundamento último da existência humana” (KÜNG, 2005. p. 79).

Em Port-Royal, ao lado dos jansenistas, Pascal debate alguns temas teoló-gicos com os teólogos da Companhia de Jesus que defendiam inovações no pen-samento cristão baseadas na escolástica4 e no tomismo5.

Pascal é crítico da religião cristã apresentada em termos do racionalismoda escolástica e do tomismo. Essas perspectivas procuravam demonstrar peranteuma razão cada vez mais exigente as verdades metafísicas, e especialmente aexistência de Deus. Assim,

Desde o século XVII, surgem esforços apologéticos para justificar a reli-gião no mundo moderno porque esta (o cristianismo) se distanciou da evoluçãohistórica do mundo técnico-científico ( ZILLES, 1991, p.15).

Essas posturas se mostravam cada vez mais perdidas e vazias de sentido, pois não encon-travam seu lugar entre a teologia e a filosofia, entre a fé e a razão, pois “Pascal consideraque, nesse campo (religião), a primeira e fundamental exigência é a compreensão do homemcomo tal e que a razão é incapaz de alcançar essa compreensão” (REALE; ANTISERI,1990, p. 599).

Em Pascal, esse entendimento da condição humana frente à realidade domistério tremendo que é Deus, se dá a partir da compreensão da fé que não sesepara da razão, mas que ao mesmo tempo é seu fundamento. No próximo tópicotrataremos da fé e da razão.

No interior do pensamento pascaliano, percebe-se uma aversão à tradiçãoteológica de provas da existência de Deus, ou seja, quando se pretende submetera fé a critérios da razão. Assim, pensadores como Tomás de Aquino e suas CincoVias para provar a existência de Deus, Anselmo de Aosta e o ArgumentoOntológico, e por fim, Descartes, que sede à mesma tentação e invoca toda essatradição de provas racionais da existência de Deus, são alvos das críticas dePascal a uma religião que se deixa guiar cegamente pela razão, e assim é seduzi-da a mostrar-se como certeza absoluta.

Segundo Pascal, “Caso se devesse apenas fazer coisas com certeza, nadadeveria ser feito pela religião, uma vez que ela não oferece certeza” (PASCAL,1999, p. 95). Ainda segundo o filósofo:

As provas metafísicas de Deus encontram-se tão apartadas do raciocínio dos homens e tãoembrulhadas que pensam pouco, e, mesmo que isso valesse para alguns, somente valeria noinstante em que vissem tal demonstração, uma hora depois, entretanto, receariam ter-seenganado (PASCAL, 1999, p. 95)[...]Teria muito mais medo de me iludir, e vir acreditar que a religião cristã é verdadeira, do quede me enganar por julgá-la verdadeira (PASCAL, 1999, p. 96).

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CONTRA O DEUS DOS FILÓSOFOS

Permanecendo nesta discussão sobre Deus6 e religião, Pascal cunha umaexpressão que seria vastamente utilizada por outros pensadores. No texto que échamado de Memorial, de 1654, Pascal escreve sua confissão de fé e assinalasua verdadeira conversão ao cristianismo, dizendo: “Deus de Abraão, de Isaac ede Jacó, não dos filósofos e cientistas.”

Pascal não se contenta com um Deus metafísico. O memorial recorda oÊxodo. Procura a certeza não na própria consciência, nem no conceito, numaidéia de Deus, nem no Deus dos filósofos, mas no Deus vivo da Bíblia. Busca ofundamento da certeza na fé (ZILLES, 1991, p. 40).

Nesta confissão de fé, Pascal está afirmando a distância existente entre oDeus apresentado nos postulados filosóficos e o Deus testemunhado pela tradi-ção bíblica dos patriarcas, dos profetas e discípulos. Em razão disso, Pascal éradical na crítica contra Descartes: “Não consigo perdoar Descartes, bem quise-ra ele, em toda sua filosofia, passar sem Deus, mas não pôde evitar fazer com queEle desse um piparote para pôr o mundo em movimento, depois do quê, não preci-sa mais de Deus” (PASCAL, 1999, p. 96). Após essas considerações pode-sedizer sobre o pensamento de Pascal: “A religião é um dado que está aí e não sefunda na filosofia. Não é filosofia. Desde Blaise Pascal, costuma-se opor o Deusdos filósofos ao Deus de Abraão, Isaac, Jacó, ou seja, ao Deus de Jesus Cristo”(PASCAL, 1999, p. 10).

Mais que isso, Pascal apresenta a aposta da fé como fundamento para acerteza e para a verdade de Deus, da religião, do próprio homem e do universo. Arazão aqui não pode arbitrar, mas também a fé não pode apontar certezas de cunhoracional, por isso, o paradoxo da condição humana é justamente o de possuir umarazão cética ao mesmo tempo que possui um coração repleto de crença e fé.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Filósofo ou teólogo, crente ou ateu, o paradoxo pascaliano remete a umapossível caracterização do homem de nosso tempo. Mesmo que apoiado nas con-quistas científicas que cada vez mais evolui com rapidez surpreende e em camposnunca antes imaginados, o homem em sua mera condição humana não pode fugirdo enfrentamento das questões existenciais que perguntam sobre o sentido da suapresença no mundo e, mais ainda, ante ao drama irrevogável da finitude que em-bala toda a realidade do existir.

Neste ponto preciso encontra-se toda a angústia do pensamento de BlaisePascal, que não encontra repouso nas garantias racionais de que tudo pode serconhecido e dominado pelo homem, muito menos encontra segurança definitiva noconforto da crença de que o mundo como o conhecemos é resultado da manifesta-ção da graça divina que alcança todas as coisas. E assim, entre a razão humanasegura de si mesma ou a fé em um Deus todo poderoso, Pascal vacila como outroravacila todos os homens. Pois afinal, os paradoxos, as ambiguidades não passam defotografias da nossa natureza incapaz e insuficiente de alcançar a verdade.

NOTAS

1 Reale e Antiseri apresentam o jansenismo como um movimento dentro da Igreja Católica Romana.Surge com Cornélio Jansênio (1583 - 1638), bispo de Ypres interior da França, ao publicar a obraAugustinus. Nesta obra o autor apresenta cinco teses sobre a relação razão é fé. Sob o ideal de expor

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a genuína doutrina de santo Agostinho, Jansênio formula suas teses contrárias ao uso da razãonas questões de fé, sendo apenas necessário referir-se à memória da tradição, que havia seperdido com as muitas inovações realizadas no pensamento cristão. Sucessivas condenaçõespela Sagrada Congregação do Index foram feitas aos jansenistas, sendo a última e definitiva a de28 de agosto de 1784, com a bula Auctorem Fidei. pp. 593-595.2 A tradição agostiniana/jansenista apresenta uma versão do cristianismo radicalmente pessi-mista quando às capacidades humanas. A mácula do pecado original havia lançado o ser humanonuma condição absoluta de imperfeição, de modo que, qualquer realização humana carrega em sia essência dessa incapacidade.3 Reale e Antiseri, comentam que “Deslocando a Terra do centro do universo, Copérnico mudoutambémo lugar do homem no cosmos. A Revolução astronômica implicou também uma revoluçãofilosófica. [...] Ao deslocar a posição da Terra, Copérnico também retirou o homem do centro douniverso. [...] Em suma, a revolução copernicana foi também uma revolução no mundo da ideias,a transformação de ideias inveteradas que o homem tinha do universo, de sua relação com ele edo seu lugar nele.” p. 212-3. 4Abbagnano comento no Dicionário de Filosofia no verbete Escolástica: “Em sentido próprio,a filosofia cristã na Idade Média. [...] A Escolástica é o exercício da atividade racional (ou, naprática , o uso de alguma outra filosofia determinada, neoplatônica ou aristotélica) com vistas aoacesso à verdade religiosa, à sua demonstração ou ao seu esclarecimento nos limites em que issoé possível, apresentando um arsenal de defensivo contra a incredulidade e as heresias.”5Abbagnano comento no Dicionário de Filosofia no verbete Tomismo: “Fundamentos dafilosofia de S. Tomás, conservados e defendidos pelas correntes medievais e modernas que nelese inspiram.” O Tomismo caracteriza-se sobretudo pela relação entre razão e fé, que consisteem confiar à razão a tarefa de demonstrar os preâmbulos da fé, de esclarecer e defender osdogmas indemonstráveis e de proceder de modo relativamente autônomo no domínio da física eda metafísica.6 Seguindo inspiração pascaliana, pode-se afirmar que a importância deste trabalho reside naquestão de que nada pode significar mais para o destino da humanidade, e para o destino de cadaindivíduo particular, do que o fato de Deus existir ou não existir.

REFERÊNCIAS

ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de filosofia. São Paulo: Martins Fontes,2000.ATTALI, Jacques. Blaise Pascal ou o gênio francês. Bauru, SP: EDUSC,2003.KUHN, Tomas. A estrutura das revoluções científicas. São Paulo: Pers-pectiva, 2001.KÜNG, Hans. Existe Dios? Trotta: Madri, 2005.PASCAL, Blaise. Pensamentos. São Paulo: Nova Cultural, 1999. Coleção OsPensadores.______. Pensamentos. São Paulo: Abril Cultural, 1973. Coleção Os Pensa-dores. PONDÉ, Luiz Felipe. O homem insuficiente: comentários de antropologiapascaliana. São Paulo: EDUSP, 2001.REALE; ANTISERI. História da filosofia: do humanismo a Kant. São Pau-lo: Paulus, 1990.ZILLES, Urbano. O problema do conhecimento de Deus. Porto Alegre,EDIPUCRS, 1989.______. Filosofia da religião. São Paulo: Paulus, 1991.

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O NÁUFRAGO, DE THOMAS BERNHARD: VIDAS EMPAREDADAS

Valci Vieira dos Santos

Resumo: Este trabalho examina alguns aspectos da tumultuada relação estabelecidaentre os três personagens centrais da obra O náufrago, de Thomas Bernhard, cujasvidas hajam-se configuradas a partir de um constante dilema entre o viver e omorrer, ensejando, dessa forma, a flagrante construção de quadros dramáticos.Palavras-chave: O náufrago; vidas emparedadas; quadros dramáticos.

Abstract: This paper examines some aspects of the tumultuous relationship be-tween the three main characters in the book “O Náufrago”, by Thomas Bernhard,whose lives there are to be configured from a constant dilemma between living anddying, occasioning thereby the construction of the act dramatic situations.Keywords: The castaway; walled lives; dramatic pictures.

Vivemos tentando escapar de nós mesmos, mas fracassamos sempre nessatentativa, quebramos a cara, porque nos recusamos a compreender que não

podemos escapar de nós mesmos, a não ser por meio da morte.

(Bernhard)

Ao depararmos com a leitura de O náufrago, somos colocados o tempotodo à prova: a começar pelo papel que nós, leitores, assumimos na relação texto-leitor, diante de uma obra de arte, cujo aspecto importante, em sua constituição, éessa capacidade que o autor também contemporâneo tem de veicular uma “men-sagem fundamentalmente ambígua, uma pluralidade de significados que convivemnum só significante” (ECO, 1997, p.22). Mas tal ambiguidade, na escrita contem-porânea, torna-se um convite, uma sugestão ao leitor, uma provocação para queeste se posicione frente a textos cuja estrutura deliberadamente se mostra emmovimento, inacabados, e por isso mesmo, no dizer de Iser (2002), não são figurasplenas, mas discursos marcados por indeterminações chamadas “vazios” que pe-dem uma intensificação da atividade imaginativa do leitor.

Thomas Bernhard é, assim, mais um desses escritores que estruturam suaobra de tal forma que se torna difícil assentar-lhe um sentido estável. Aliás, essanão parece ser a sua intenção, haja vista tratar-se de um texto que nos remete aum longo parágrafo, sem pausas nem descanso. A repetição de frases, palavras eideias deixam, por vezes, o leitor desorientado, asfixiado, à deriva. Num dadomomento, confundimo-nos com a figura do náufrago, quase sempre numa tentati-va desesperada de sobreviver às armadilhas que a vida (a leitura) nos impõe.

Em O náufrago, fica também evidente, por parte de seu autor, a des-construção de vários estatutos, especialmente o literário, que, muitas vezes, insis-tem na cristalização, a começar pelo desfacelamento da estrutura romanesca, noflagrante desejo de romper com categorias lineares. Adepto da chamada tradiçãomoderna, Bernhard procura dialogar com as mais diferentes instâncias literárias,presentes num mesmo espaço da escrita. Dessa forma, o caráter híbrido da obradenuncia seu proselitismo pelo diferente, pela capacidade de tratar com argucio-sidade grandes temas tão atraentes, mas, ao mesmo tempo, tão difíceis às vezesde serem digeridos: a arte, a mediocridade, o gênio, a solidão e o fracasso.

O certo é que O náufrago é um texto denso e tenso, de acentuado teordepressivo, não somente pelo caráter de seus personagens, mas especialmente

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pelas opiniões fortes e extremistas, marcadas pelo desprezo imprimido às pesso-as, lugares e eventos, cuja estrutura, a princípio, dá ao leitor uma sensação de queserá preciso muito fôlego (e realmente será preciso) para dar conta de entenderos imbricados fios responsáveis pela construção dessa resistente teia literária,imune a qualquer tipo de rótulo. Simultânea a sua estrutura narrativa, já a partir doquarto parágrafo, passamos a conviver com intensos fragmentos de memória deum narrador-personagem, que, com sua argúcia e perícia, vai, aos poucos, desve-lando a vã tentativa de um leitor sonolento de querer-se desvencilhado de suasarmadilhas:

Há exatos vinte e oito anos, moramos juntos em Leopoldskron e, ao longo de todo um verãoarruinado pela chuva, estudamos com Horowitz, com quem aprendemos mais (o que seaplica a Wertheimer e a mim, naturalmente, não a Glenn Gould) do que nos oito anosanteriores de Mozarteum e da Academia de Viena (BERNHARD, 7-8).

Na obra, o tempo presente é fortemente marcado pelo tom delineado, emfunção das ocorrências do passado, resultantes de um monólogo interior, pertur-bador, intrigante, o qual anuncia o poder verbal de Thomas Bernhard, autor co-nhecido pela “alta voltagem” de sua escrita incisiva e “pérfuro-cortante”, queziguezagueia dentre os seus dilemas e estilemas crítico-criativos. Aliás, essa es-crita incisiva tem a morte como o seu grande tema, o qual desestabiliza o leitordesde o seu início, quando é recebido, ainda nos dois primeiros parágrafos, com orelato do fim trágico de dois dos personagens centrais: Glenn Gould, virtuose dopiano, morto em decorrência de uma doença pulmonar; e Wertheimer, vítima desuicídio com contornos macabros. Daí em diante serão exibidos sucessivos qua-dros dramáticos, cuidadosamente pintados com cores indeléveis, que dão forma aassuntos os mais variados possíveis: o mundo e seus múltiplos mutilados; a(in)felicidade humana; a hipocrisia dos homens; a intransigência daqueles que sedizem patronos da justiça; os mau-entendidos do mundo, enfim, o sofrimento devidas emparedadas.

Esses temas terão lugar nas vidas de três amigos, três gênios, três homensobcecados pela perfeição: Glenn Gould, Wertheimer e o narrador. A busca obses-siva pela (in)felicidade leva-os a um processo contínuo de autodestruição, cujasexistências se arrastam em debalde tentativas de encontrarem-se, apesar de es-tarem fadados ao isolacionismo, de consequências fatais. Dentre as várias tenta-tivas de se encontrarem, uma, incontinenti, é insinuada logo no início do primeiroencontro, quando eles se conhecem e se tornam alunos do professor Horowitz.Nesse momento, é possível crer que se tratasse de três jovens unidos pelo mesmoobjetivo: tornarem-se exímios pianistas, até porque, o prazer de estudar com ogrande mestre do piano, Horowitz, aquele que “transformou todos os nossos pro-fessores em zeros à esquerda” (p. 8), fê-los se esquecerem dos desprazeres:

Não comíamos quase nada nem jamais sentimos as dores nas costas que sempre nos atormenta-ram nos cursos com nossos velhos professores; estudando com Horowitz, as dores nas costasnão apareciam, e isso porque estudávamos com tanta intensidade que era mesmo impossível queaparecessem (BERNHARD, p. 8).

Mas não é exatamente isso que acontece. Ainda durante a estada dos trêsnas aulas de piano, Glenn Gould se destaca irremediavelmente, ficando “claro queGlenn era já melhor pianista do que o próprio Horowitz” (p. 8). Irremediavelmente,

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também, se “perdem” as três vidas, tornando-se desplaced: Wertheimer, o náufra-go, que repudia a tudo e a todos, aposta todas as suas fichas numa carreira devirtuoso do piano, a qual desaba tão logo conhece Glenn; o narrador, insatisfeito coma posição de segundo melhor, oferece o seu piano a uma filha de um professor daprovíncia; já Glenn Gould não desistiu, transformando-se numa monstruosidade dopiano, “monstruosidade da qual ele nunca mais escapou e da qual, aliás, nunca tevevontade de escapar” (p. 9), e por isso “sucumbira sem demora, graças a sua obses-são pela arte, a seu radicalismo pianístico” (p. 9 - grifos do autor).

Dessa forma, os quadros dramáticos constantes da obra vão sendo pinta-dos com uma de suas matérias-primas básicas: a solidão. Apesar de possuíremvidas muito similares, como, por exemplo, o fato de todos terem cursado a mesmaescola, mutatis mutandis, as mesmas condições socioculturais e econômicas, sendoestas últimas assaz favoráveis, o que os leva a encarar o trabalho como umacasualidade, e não uma necessidade vital, ou até mesmo uma atividade imprescin-dível, haja vista serem herdeiros de grandes fortunas, ainda assim, suas vidaspassam a ser pautadas pela solidão.

A solidão se manifesta em cada um deles, por intermédio de vários compor-tamentos. Os três exibem perturbadoras rupturas sociais e apresentam personalida-des extravagantes e diversas entre si. Num primeiro plano, acha-se a figura deWertheimer, a mais intrigante delas, que, para Glenn Gould, era o náufrago, umfanático, “vive morrendo quase ininterruptamente de autocomiseração” (p. 29- grifos do autor).

Wertheimer tenta driblar a solidão portando-se de modo estranho, com for-tes sinais de depressão e mente perturbadoras, facilmente comprovado nos su-cessivos distúrbios comportamentais, demarcadores de uma vida enclausurada,emparedada. Em verdade, desde a infância, revelou-se um ser desajustado: “Des-de menino tinha vontade de morrer, de se matar, como se diz, mas nunca alcançoua concentração necessária para tanto. Não conseguia se haver com o fato de ternascido num mundo que, em essência, tinha sido sempre repugnante para ele,desde o princípio” (p. 42). Seu desassossego se agrava quando a irmã, até entãodominada por ele, decide desvencilhar-se, e se casa, passando a morar distante.O abandono dela como que fortalece a ideia, aos poucos articulada, de um suicídioanunciado. Suicídio esse revelador de um ser em constante desassossego, mórbi-do, que não conseguia ajustar-se até mesmo com a família. Passamos, a seguir, ailustrar com algumas passagens da obra, o emparedamento de Wertheimer:

Depois da partida da irmã, Wertheimer passou a recolher-se em Traich a intervalos detempo cada vez menores: vou para Traich porque odeio Traich, dizia. A casa no Kohlmarktacumulava poeira, já que na sua ausência ele não deixava ninguém entrar lá. Em Traic, muitasvezes ficava dias dentro de casa; só mandava o lenhador trazer um jarro de leite, manteiga,pão, um pedaço de carne defumada. E lia seus filósofos: Schopenhauer, Kant, Spinoza.Também ali mantinha as cortinas fechadas quase o tempo todo (p. 29).

Wertheimer sempre leu livros que tratavam de suicidas, doenças e mortes, pensei, em pé, napousada, livros descrevendo a miséria humana, a falta de saída, a falta de sentido, a inutili-dade, livros onde tudo é sempre devastador e mortal. Por isso amava acima de tudo Dostoi-évski e todos os seus sucessores, a literatura russa como um todo, porque ela é a verdadei-ramente mortal, mas gostava também dos deprimentes filósofos franceses. Porém, o quegostava mesmo de ler e lia com insistência eram os textos de medicina, e suas andançassempre o conduziram aos hospitais e sanatórios, aos asilos e necrotérios (p.54-5).

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O certo é que as vãs tentativas de Wertheimer, e até mesmo da família, delivrar-se da clausura dos pensamentos, das frustrações e da fraqueza espiritual, epor isso tentou refugiar-se nas ciências do espírito, não foram suficientes pararomper as amarras que o oprimiam: “Esperavam que ele viesse a ser comerciantecomo o pai, mas no fundo tampouco se tornou o que ele próprio queria: músico;em vez disso, foi destruído pelas chamadas ciências do espírito, segundo suaspalavras” (p. 40 - grifos do autor). Por outro lado, a solidão de Wertheimer atingeseu ápice, quando se vê enjaulado por todas as direções, por todos os lugares:

E assim vou indo de uma jaula para outra, [...] do Kohlmarkt para Traich e de volta para oKohlmarkt (...). Da jaula catastrófica da cidade grande para a jaula catastrófica da floresta.Às vezes me escondo numa, às vezes noutra; ora na perversidade do Kohlmarkt, ora naperversidade da floresta, no campo [p. 35].

Quanto à figura do narrador-personagem, seu desajuste talvez não se revelecom tanta intensidade como a de Wertheimer, mas, ainda assim, é possível traçar operfil de um ser desassossegado, e por isso preso às suas angústias. Sua solidãotambém se manifesta no sentimento de querer manter-se afastado de tudo e detodos, numa atitude clara de misantropia, de preferir o anonimato aos aplausos:

[...] pois desde o começo sempre detestei o virtuosismo e seus efeitos colaterais, sempredetestei principalmente me apresentar perante a multidão, e odiava acima de tudo o aplau-so, não o suportava; durante muito tempo não soube dizer se o que não suportava era o arviciado das salas de concerto, o aplauso ou ambos, até que ficou claro para mim que nãosuportava era o virtuosismo em si, e sobretudo o pianístico. E isso porque eu odiava acimade tudo o público e tudo o que se relaciona com ele, o que significa que odiava, portanto,o(s) próprio(s) virtuose(s) (p.17-8 - grifo do autor).

Assim, a sensação de emparedamento do narrador-personagem é tambémuma constante. Acha-se preso em uma jaula, cujos algozes são desde professo-res, lugares e até familiares. Vejamos alguns excertos da obra que corroboram talassertiva:

Antes de Horowitz, eu tinha estudado com Wührer, um daqueles professores que sufocam agente na mediocridade, e isso para não falar nos anteriores, todos eles de nome, como se diz,apresentando-se continuamente nas grandes cidades e titulares de ricas cátedras em nossasfamosas academias; e, no entanto, não passam de pianistas exterminadores [...] (p. 15)

Eu detestava tocar no Ehrbar, o que tinha sido imposto por meus pais, amim e a todos os demais membros da família; o Ehrbar era seu centro artístico, enele tinham tocado até as últimas peças de Brahms e Reger. Eu odiava essecentro artístico da família. Mas amava o Steinway que extorquira de meu pai eque tinha sido trazido de Paris nas mais difíceis circunstâncias (p. 20- grifos doautor).

Quem sabe uma das passagens mais emblemáticas que denunciam a soli-dão do narrador, seja aquela que demonstra o seu estado d’alma, quando se vêsozinho, sem a presença das duas pessoas que talvez mais amasse em vida: seusamigos!

Amizade, artistas!, pensei, meu Deus, que loucura! Sou o único que restou!Agora estou sozinho, pensei, pois, para dizer a verdade, tive só duas pessoas navida, pessoas que significavam para mim a própria vida: Glenn e Wertheimer.

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Agora os dois estão mortos, e eu tenho que me haver com esse fato (p.31). Não menos sozinho se sente Glenn Gould, apesar de seu sucesso ao piano,

de seu virtuosismo. Sua dedicação exclusiva às aulas de música, sua obsessãopelos acordes perfeitos, seu radicalismo e seu viver exaustivo apenas para as“Variações Goldberg”, fizeram-no, sem sombra de dúvida, sucumbir-se, não emdecorrência da doença, mas ao ostracismo a que se submeteu: “Mas Glenn nãosucumbiu a essa doença pulmonar, pensei. O que o matou foi a falta de saída emcuja direção ele tocou sua vida ao longo de quase quarenta anos, pensei.” (p.9)

Glenn Gould, a exemplo de Wertheimer, também se enjaulou. Este assimse posicionou em relação àquele: “Glenn se trancou em sua jaula americana, e euem minha jaula na Alta Áustria, ele disse, pensei. Ele, com sua mania de grande-za; eu, com meu desespero.” (p.35) O isolacionismo de Glenn é reforçado, aindapor Wertheimer, numa passagem mais adiante:

[...] estou convencido de que foi isso que fez com que ele mandasse construir sua casa nafloresta, seu estúdio, sua máquina de desespero (...). Que doidice, construir uma casa comum estúdio no meio da floresta, isolada de tudo e de todos, a quilômetros de distância – sóum maluco faz uma coisa dessas, um louco, afirmou ele (p. 35).

Para além do sentimento de clausura, de emparedamento, que cada um dospersonagens teve em seu mundo individual, a condição de amigos inseparáveistambém gerou estágios coletivos de desplaced, haja vista a comunhão mantidaentre eles, e por isso suscetíveis de impressões similares, apesar das diferençasinerentes a cada um. Assim, não é difícil identificar as inúmeras passagens daobra que ilustram o sentimento coletivo de entrincheiramento.

A fim de melhor compreendermos esses seres mutilados, que caminhampara um contínuo processo de autodestruição, tentamos buscar, em algumas ins-tâncias discursivas, motes para melhor fundamentar nossos argumentos:

Campo e Cidade

[...] Glenn era um ser urbano, como de resto eu também, e Wertheimer; no fundo,amávamos a cidade grande e detestávamos o campo, que, no entanto, explorávamos aomáximo (como, aliás, a metrópole também o faz, à sua maneira). Por causa da doença nopulmão, Wertheimer e Glenn acabaram tendo que ir para o campo, Wertheimer ainda mais acontragosto do que Glenn; este, em última instância, porque não suportava mais a humani-dade inteira, ao passo que Wertheimer teve que fazê-lo por causa dos acessos constantes detosse que tinha na cidade, e porque seu médico lhe tinha dito que na cidade suas chances desobrevivência eram nulas (p. 25).

Nesse excerto, é possível perceber o alto grau de instabilidade dos três ami-gos. O não-lugar passou a reger suas vidas, seus desejos, seus sonhos. O campo ea cidade, dois espaços emblemáticos que, historicamente, fazem oposição entre si,são retomados em várias passagens da obra, numa clara exemplificação de que osentimento de menos valia imperava. O campo, em especial, passou a fazer partede suas vidas como mero pano de fundo. Tornou-se, assim, um espaço de explora-ção, uma espécie de tábua de salvação, quando se viram perdidos em meio aoturbilhão da metrópole, porque não mais se identificavam com ela, ou porque “nãosuportava(m) mais a humanidade inteira”, ou porque passaram a ver no campo oúltimo recurso para a cura de uma doença que os minava.

O campo passou a ser, constantemente, alvo dos ataques de Glenn e Wer-

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theimer. Nele, os personagens descarregavam sua fúria, seus constantes ataquesà humanidade, numa flagrante demonstração de sentimentos encurralados. Cadaum, a seu modo, exibe perturbantes rupturas sociais e personalidades tão extrava-gantes quanto diversas entre si. Há uma sucessão de quadros dramáticos, deline-ados no espaço rural, os quais materializam a impressão que eles possuíam a seurespeito, todos pintados com temas e motivos depreciadores, reveladores, portan-to, do estado d‘alma de seus visitantes:

[...] O campo me aborrece, costumava dizer. Glenn tinha razão em me chamar sempre decaminhante do asfalto, disse-me ele – só ando no asfalto; no campo não ando, sinto um tédioinfinito e fico sentado dentro da cabana. [...] Odeio o campo [...] Mas passear ou mesmoandar pelo campo eu não consigo. Para mim, é a coisa mais sem sentido que existe, não voucometer essa estupidez, esse crime insano (p. 27).

Na passagem abaixo, talvez uma das mais ilustrativas de suas impressõessobre o campo, o personagem-narrador desfere toda sua fúria sobre ele, numaclara demonstração do sentimento nutrido. O campo, dessa forma, passa a ser umquadro em que as cores usadas para pintá-lo são opacas, sem brilho, sem expres-são. Os temas, por seu turno, revelam-nos quadros disformes, obscuros, sem atra-ção, dispensáveis, portanto:

Quem mora no campo emburrece com o passar do tempo e não percebe; durante um certoperíodo, acredita que está sendo original e que está cuidando da própria saúde, mas a vidano campo não é nada original: para quem não nasceu no campo e para o campo, é puro maugosto e só prejudica a saúde. As pessoas que vão para o campo se enterram ali, levando umavida no mínimo grotesca, que as conduz primeiro ao emburrecimento e depois à morteridícula (p. 28).

Salta-nos aos olhos, em última análise, a sucessão de imagens negativasassociadas à figura do campo. Este, inexoravelmente, na visão dos personagens,se torna sinônimo de tudo que é ruim, atribuindo-lhe, inclusive, o adjetivo de gro-tesco, essa também categoria estética que nos remete ao burlesco, ao mau gostoe, por vezes, ao disforme. Na verdade, a transferência dessas múltiplas e diversasimagens negativas dispensadas ao campo pode nos revelar o desajuste e a impo-tência dos personagens diante de sua incompetência para viver socialmente.

A família

Tinha me tornado um artista – a saída mais à mão – por desespero quanto à família,um virtuose do piano; se possível, um virtuose internacional do piano; o odiado Ehrbar emnossa sala de música dera-me a idéia, e na qualidade de uma arma contra eles, explorei essaidéia, desenvolvendo-a até a perfeição suprema contra a família. E com Glenn não foidiferente, tampouco com Wertheimer, que, como bem sei, só foi estudar arte, ou seja,música, para magoar o pai [...] (p. 22).

Outro impacto dramático, em que se desenvolvem sucessivas cenas deemparedamento, acontece no meio familiar, o que causa, a princípio, estranha-mento, pois a família seria essa linhagem composta de pessoas unidas por laçosafetivos, emocionais, que procuram conviver harmonicamente. Entretanto, essenão é o quadro pintado na obra. O que vemos, incessantemente, na visão dospersonagens, é a família assumindo também espaços que os encurralam. Já nasprimeiras páginas de O náufrago, nos deparamos com comportamentos e falas

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que repudiam a família. A aversão aos grupos familiares se inicia já no momentoem que decidem estudar música. Para o personagem-narrador, por exemplo, afamília se constituiu no primeiro obstáculo, pois não havia em seu seio tradiçãomusical. Ainda assim, com a atitude de colocar-se contra os desejos dos pais, opersonagem-narrador matricula-se no Mozarteum, estabelecendo um claro con-fronto. A passagem abaixo, nesse sentido, é-nos reveladora:

E eu usei e abusei do Mozarteum contra eles todos, empregando todos os meios que ele me

oferecia para contrariá-los. Se tivesse me dedicado a suas olarias e passado a vida inteira

tocando no velho Ehrbar, eles teriam ficado satisfeitos; assim, afastei-me da família por

intermédio do Steinway [...] (p. 21).

No excerto seguinte, o desajuste familiar assume talvez seu ponto maisalto. Nele, é possível evidenciar mais uma das semelhanças entre os três amigos:o isolamento, inclusive da família:

E com Glenn não foi diferente, tampouco com Wertheimer, que, como bem sei, só foiestudar arte, ou seja, música, para magoar o pai, pensei na pousada (...). Glenn o disse deforma ainda mais radical: eles me odeiam, a mim e a meu piano. Quando falo em Bach, elesquase vomitam, disse (p. 22).

Mas de todos os amigos, certamente o náufrago - e por isso o náufrago,ou, nas palavras do próprio narrador-personagem, “Wertheimer foi sempre e ape-nas o náufrago (p. 40) -, foi o que mais sentiu na pele o desajuste familiar. Afamília representava para ele a opressão, a grande responsável pelo seu fracasso,a força contrária, o contrapeso que não o permitia manter-se equilibrado, e porisso mesmo a odiava tanto:

Ninguém lançou sobre os próprios parentes uma luz tão terrível como Wertheimer, umretrato devastador. Odiava o pai, a mãe e a irmã, culpando-os por sua própria infelicidade.Acusava-os sem parar pelo fato de ele ter que existir, de o terem jogado numa ponta dapavorosa máquina da existência para que ele saísse destruído por inteiro na outra ponta.Não adianta reagir, vivia dizendo. A criança é jogada nessa máquina da existência pela mãe,e o pai mantém a vida toda a máquina em funcionamento, despedaçando coerentemente ofilho. Os pais sabem muito bem que em seus filhos dão continuidade à desgraça que elespróprios são [...] (p. 39 - grifo do autor).

Talvez ciente de sua própria fragilidade, Wertheimer deposita sobre suairmã suas últimas esperanças. Passa a dominá-la, numa vã tentativa de mostrarpara si mesmo que é forte, que pode segurar as rédeas da situação. Mas suaflagrante instabilidade emocional não a segura por muito tempo:

Nunca estava satisfeita, e eu fiz de tudo por ela, que podia comprar todas as roupas quequeria, disse. Mimei minha irmã, disse. E no ápice desse mimo todo, prosseguiu, ela foiembora para Zizers, perto de Chur, para essa região horrorosa. Todo mundo vai para a Suiçaquando não sabe mais o que fazer, ele disse, pensei (p. 43).

Diante do distanciamento da irmã, e para vingar-se dela, Wertheimer setorna autor da cena mais trágica da obra: arquiteta um suicídio de contornos ma-cabros. Enforca-se a poucos metros da casa de sua irmã, como que lhe dandouma punição ad eternum.

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Seres em desassossego, mutilados

O mundo está cheio de mutilados. Caminhamos pelas ruas e só vemos mutilados. Convida-mos alguém para nos visitar e recebemos um mutilado em casa, disse Glenn, pensei. Defato, eu próprio já observara isso diversas vezes, e só podia dar razão a ele. Wertheimer,Glenn, eu – todos mutilados, pensei” (p. 31).

Nesse dilaceramento entre o mundo construído e vivido pelos gênios e seuelitismo, a permanente angústia de ter todas as elevadas expectativas nunca atin-gidas, bem como o contraponto com indivíduos que não fazem parte desse mundo,e daí o estabelecimento de conflitos, acaba por dar margem a uma via de escapeem direção a um mero diletantismo, e por isso mesmo quase sempre propiciadorde desesperos existenciais, comportamentos estranhos e desajustados, muitas vezesrepugnantes, que podem gerar, de um lado, compaixão e compreensão; de outro,repulsão, ojeriza, incompreensões.

Difícil é elencarmos a multiplicidade de quadros dramáticos, constantes daobra, cujos componentes, temas e motivos enfileiram a galeria esboçada por Glenn,Wertheimer e o personagem-narrador. Nada parece ter escapado ao poder defogo da arma giratória deles: cidades, lugares, professores, instituições, relaciona-mentos etc. Célebres seres em desassossego, o forte sentimento de empareda-mento fê-los se tornarem criaturas em constantes histerias, e por isso autores defortes opiniões a respeito de tudo e de todos. Sentiam-se trancafiados em todos oslugares, bem como trancafiavam os seres, o mundo:

Trancamos nossos grandes pensadores em nossas estantes de livros, de onde, condenadospara sempre ao ridículo, eles nos fitam, ele disse, pensei. Dia e noite ouço a choradeira dosgrandes pensadores que trancamos em nossas estantes, essas grandezas intelectuais ridícu-las com suas cabeças encolhidas atrás do vidro, disse, pensei [...] (p. 58).

Ou nessa passagem que demonstra o ápice do desassossego de Werthei-mer, revelador de seu caráter autodestrutivo:

Examinando-se melhor, disse, também os chamados desfavorecidos, os chamados pobres,os que ficaram para trás, revelavam a mesma falta de caráter, eram tão repugnantes erepulsivos quanto os outros, aqueles de cujo meio fazíamos parte e que só julgávamosrepugnantes por esse motivo. As camadas inferiores são tão perigosas para todos quanto assuperiores, disse; agem com a mesma crueldade, devem ser evitadas tanto quanto as outras;são diferentes, mas igualmente cruéis, ele disse, pensei (p. 76).

Ou, ainda, quando o personagem-narrador ataca a hipocrisia de pessoasque afirmam ser o que são e o que não são, ou negam ter o que têm e o que nãotêm:

Por toda parte, as pessoas se comportam de maneira hipócrita ao dizer que sentem vergo-nha do dinheiro que têm e que os outros não têm, quando é afinal da natureza das coisas queuns tenham dinheiro e outros não, ora são uns, ora outros os que têm, isso não vai mudar,e os que têm não têm culpa de ter dinheiro, assim como os outros tampouco têm culpa denão ter etc., pensei, o que, no entanto, não é compreendido por nenhuma das partes, porqueem última instância elas só conhecem a hipocrisia e nada mais.(p. 94)

Assim é O náufrago. Uma obra intrigante. Três personagens tambémintrigantes. Três amigos que aparentemente se entendem, mas que se digladiam

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por possuírem personalidades tão fortes, tão excepcionais, muitas vezes respon-sáveis pela sua ascensão ou queda. A depender do contexto, um prospera; o ou-tro, os outros, ou todos se naufragam, apesar das investidas em direção à sobrevi-vência.

Enfim, numa debalde tentativa de considerações finais, até porque O náu-frago é daquelas obras literárias que rompem com a linearidade de textos queainda tentam sobreviver, e por isso nos desestabilizam o tempo todo, levando-nos,inclusive, a compartilhar com o sentimento gauche dos personagens, pois não setrata de uma escrita reveladora de textos previsíveis, procuramos explorar, aindaque de modo incipiente, o estilema de um autor ímpar que percorre a arte, agenialidade de seres e seus desajustes, o fracasso, a mediocridade e a perfeiçãoque se quer absoluta. O náufrago pode ser, portanto, todo aquele que se vê deso-rientado em meio a esse turbilhão de eventos trágicos, ou não. O certo é que oleitor, assim como os personagens da obra, tenta sobreviver o tempo todo, nocaso, à instigante escrita, a qual, fatalmente, obriga-o a desapegar-se das amarrasda forma, das tradições e da linearidade literárias, se quer manter-se vivo. Essecuidado talvez possa, ainda que temporariamente, livrá-lo de naufragar-se. Ou,poderá se deparar “continuamente com esses náufragos e homens sem saída [...],caminhando apressado contra o vento” (p. 122).

Refereências

BAUMAN, Zygmunt. Vidas desperdiçadas. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor,2005.BERNHARD, Thomas. O náufrago. São Paulo: Companhia das Letras, 2006.ECO, Umberto. Interpretação e Superinterpretação. São Paulo: Martins Fon-tes, 1997.ECO, Umberto. Obra aberta. São Paulo: Perspectiva, 1997.HELENA, Lucia. “Ruínas do moderno na ficção do pós-moderno: a ficção dacrise e o pensamento trágico”. In: Via Atlântica, n.9. Revista da Área de EstudosComparados de Literaturas de Língua Portuguesa, Departamento de LetrasClássicas e Vernáculas da FFCLCH da USP, 2006: PP. 139-162.ISER, Wolfgang. A interação do texto com o leitor”. In: LIMA, Luiz Costa (Org.).A literatura e o leitor: textos de estética da recepção. Rio de janeiro: Paz eTerra, 2002.

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ANÁLISE DA QUALIDADE MICROBIOLÓGICA E HIGIÊNICO-SANITÁRIA DE POL-PAS DE FRUTAS COMERCIALIZADAS EM SUPERMERCADOS

DO MUNICÍPIO DE TEIXEIRA DE FREITAS-BA

Tharcilla Nascimento da Silva MacenaJorge Luiz Fortuna

Betânia do Amaral e SouzaEverton da Silva Lopes

Resumo: Foram analisadas 72 amostras de polpas de frutas congeladas de trêssabores diferentes (acerola, cacau e cajá), comercializadas nos supermercados domunicípio de Teixeira de Freitas-BA. Foram determinados o pH das polpas, Núme-ro Mais Provável de coliformes totais e termotolerantes (NMP/g) e Unidades For-madoras de Colônias de bolores e leveduras (UFC/g). O pH das polpas apresenta-ram-se dentro dos padrões. 48 amostras (66,7%) apresentaram resultados positi-vos para coliformes totais, e a mesma quantidade confirmou a presença de colifor-mes termotolerantes, sendo apenas uma (1,4%) fora do padrão aceitável. Quarentae três amostras (59,7%) apresentaram contaminação por bolores e leveduras, sendoque as contagens variaram de <1,0x 101 até 2,8x 102 UFC/g, portanto, todas encon-traram-se dentro dos padrões estabelecidos pela Instrução Normativa n° 01 (BRA-SIL, 2000).Pslavras-chave: Polpas de Frutas, Qualidade, Coliformes, Bolores e Leveduras.

Abstract: Seventy-two frozen pulps samples of three different flavors, commerci-alized in supermarkets in the city of Teixeira de Freitas, State of Bahia, Brazil, weresubmitted to pH and microbiological analysis. The microbiological analysis inclu-ded counts for total and termotolerant coliforms (MPN/g) and the determination ofmoulds and yeasts (CFU/g). The pH of the pulps were within the standards.Forty-eight samples (66.7%) showed total coliform contamination, and the sameamount confirmed the presence of termotolerant coliform, and only one (1.4%)outside the acceptable standard. Forty-three samples (59.7%) showed levels ofmolds and yeasts ranging from <1.0 x 101 to 2.8 x 102 CFU/g, therefore, all werewithin the standards established by Normative n° 01.Keywords: Fruit Pulps, Coliforms, Quality, Moulds and Yeasts.

INTRODUÇÃO

O Brasil é o terceiro maior produtor mundial de frutas in natura, perdendoapenas para a China e Índia, países que apresentam grande tradição no setor. Porse tratar de um produto perecível, grande parte das frutas sofre deterioração empoucos dias, tendo sua comercialização dificultada, especialmente a longas distânci-as. Diante disso, a produção de polpas de frutas congeladas tem se destacado comouma importante alternativa para o aproveitamento dos frutos durante a safra, pois émais flexível no aspecto transporte e estocagem do produto uma vez que a polpa defruta tem validade bem maior que a fruta em sua forma natural e é de fácil manuseio(BRUNINI et al., 2002; GARCIA et al., 2008; KEPLER; FAIR, 2007).

Segundo o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, a polpa defruta pode ser definida como “produto não fermentado, não concentrado, nãodiluído, obtido pelo esmagamento de frutas polposas mediante processo tecnológi-co adequado, com teor mínimo de sólidos totais provenientes da parte comestíveldo fruto” (BRASIL, 2000).

Devido à polpa de fruta apresentar características de praticidade e ser umproduto de excelentes características quanto à cor, aroma e sabor, todas elasmuito próximas das características da fruta ao natural, ela vem ganhando grande

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popularidade, não só entre as donas de casa, mas também no comércio varejista,sendo bastante utilizada em restaurantes, hotéis, lanchonetes e hospitais, ocasio-nando um aumento na fabricação da mesma, pois embora seja um produto pro-cessado, a polpa de fruta substitui perfeitamente a fruta “in natura” no preparo desucos, néctares, doces e sorvetes, apresentando ainda, a vantagem de ser encon-trada no mercado durante o ano todo. Outro fator que também contribui para odesenvolvimento desse setor é a imensa capacidade da produção nacional daprincipal matéria-prima da polpa de fruta, a fruta em si (FÁZIO et al., 2006;MORAES, 2006; KEPLER; FAIR, 2007).

As indústrias de polpas de frutas congeladas têm se expandido bastantenos últimos anos, notadamente no Nordeste brasileiro. Com essa produção emlarga escala, a presença de contaminantes representa hoje, um dos grandesproblemas das indústrias de alimentos, causando a perda de produtos devido àalteração de cor, sabor, odor e textura, que resulta em grandes margens deprejuízo para as empresas. A segurança alimentar tem sido alvo de inúmeraspesquisas científicas que evidenciam que grande parte dos alimentos encontra-se em inconformidade com os padrões higiênico-sanitários, estabelecidos porleis que garantem a saúde pública (TEBALDI et al., 2007; GOLDBERG, 1997).

A maior parte da microbiota presente nas frutas reside em sua parte ex-terna, sendo o seu interior praticamente estéril, a menos que haja uma rupturaem alguma parte da casca. As frutas e seus derivados são em geral alimentosácidos e a elevada acidez restringe a microbiota deterioradora, especialmenteos microrganismos patogênicos. A microbiota normalmente presente constitui-se em bolores, leveduras, bactérias lácticas e outros microrganismos ácido tole-rantes como bactérias acéticas, Zymomonas e algumas espécies de Bacillus(SANTOS et al., 2008).

A microbiota que contamina os produtos de frutas é normalmente prove-niente das condições da matéria-prima e da lavagem a qual estas são submeti-das, além das condições higiênico-sanitárias dos manipuladores, equipamentose ambiente industrial em geral. Desta forma, o processamento de frutas paraobtenção de polpas, deve apresentar-se dentro dos padrões de higiene e quali-dade e para isso são indispensáveis normas rígidas, bem como seleção e limpe-za dos frutos, a fim de serem eliminados os microrganismos (OLIVEIRA et al.,1999; ABREU et al., 2003).

A análise de alimentos para se verificar quais os tipos e o número de micror-ganismos presentes é fundamental para se determinar as condições de higiene emque esse alimento foi produzido, os riscos que pode oferecer à saúde do consumidore se terá ou não a vida útil pretendida. Esta análise é indispensável também paraverificar se os padrões e especificações microbiológicas, nacionais ou internacio-nais, estão sendo atendidas adequadamente (FRANCO; LANDGRAF, 2008).

Em virtude do crescimento elevado no consumo de polpas e tendo em vistaa importância de avaliar as condições dos alimentos consumidos pela população afim de evitar surtos de Doenças Veiculadas por Alimentos (DVA), este trabalhoteve como objetivo avaliar a qualidade microbiológica de seis marcas de polpas defrutas congeladas comercializadas nos cinco supermercados principais do municí-pio de Teixeira de Freitas-BA, empregando-se as seguintes análises: contagem debolores e leveduras, determinação do Número Mais Provável (NMP) de colifor-mes totais e termotolerantes. Além disso, buscou-se traçar o perfil dos consumi-dores de polpas de frutas por meio de um questionário investigativo.

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METODOLOGIA

OBTENÇÃO DAS AMOSTRAS

As amostras de polpas de frutas congeladas foram adquiridas em cincoestabelecimentos comerciais da cidade de Teixeira de Freitas-BA no período de03 de novembro de 2009 a 28 de fevereiro de 2010. Foram analisadas 72 amostrasde três sabores diferentes (acerola, cacau e cajá), das seis marcas comerciaiscomercializadas no município. Estas foram adquiridas da maneira como estavamexpostas para a comercialização e todas se encontravam dentro do prazo de vali-dade com embalagem de polietileno íntegra de 100 g. As mesmas foram encami-nhadas dentro de recipientes isotérmicos com bolsas de gelo ao Laboratório deMicrobiologia da Universidade do Estado da Bahia, Campus X, onde foram arma-zenadas em freezer para análises posteriores.

Os padrões microbiológicos utilizados foram os regulamentados e fixadosna Resolução da Diretoria Colegiada n° 12 de 02 de janeiro de 2001 da ANVISA(Agência Nacional de Vigilância Sanitária) e na Instrução Normativa n° 01 de 07de janeiro de 2000, aprovada pelo MAPA (Ministério da Agricultura, Pecuária eAbastecimento).

Para polpas de frutas congeladas é estipulada a tolerância de 102 colifor-mes a 45ºC por grama e Salmonella ausente em 25g (BRASIL, 2001). A IN n°01 de 2000 informa que a soma de bolores e leveduras deve ser no máximo 2x103/g para polpa conservada quimicamente e/ou que sofreu tratamento térmico. Amesma não estipula um valor máximo de pH para as polpas de acerola, cacau ecajá, porém estipula o mínimo de 2,8, 3,4 e 2,2 respectivamente (BRASIL, 2000).

PREPARO DAS AMOSTRAS

São indispensáveis as técnicas corretas de preparação da amostra para aná-lise. Técnicas assépticas devem ser utilizadas em todas as etapas. Uma vez que adistribuição dos microrganismos nos alimentos não é uniforme, uma homogeneiza-ção prévia de toda a amostra é indispensável (FRANCO; LANDGRAF, 2008).

Foi realizada a assepsia de todas as embalagens de polietileno com etanol70%, após as amostras terem sido descongeladas sob refrigeração (<4,4°C) ehomogeneizadas por agitação. Com o auxílio de pipetas graduadas e estéreis,unidades analíticas de 1,0 mL foram retiradas de cada amostra e transferidas paratubos de ensaio, previamente identificados contendo Solução Salina Peptonada(ACUMEDIA) a 0,1%, obtendo assim a diluição 10-1. O diluído foi homogeneiza-do e, a partir desta diluição, foram obtidas as demais diluições seriadas até 10-3,utilizando-se o mesmo diluente. As três diluições obtidas foram usadas, conformenecessárias, nas análises subsequentes (SILVA et al., 2007).

DETERMINAÇÃO DO NÚMERO MAIS PROVÁVEL (NMP) DE COLIFORMES TOTAIS E TERMO-TOLERANTES

Alíquotas de 1,0 mL de cada diluição foram inoculadas em séries de trêstubos contendo caldo Lauril Sulfato Triptose (HIMEDIA) e tubos de fermentação(Durham). Após, os tubos foram incubados em estufa seca a 35°C por 24 a 48horas para teste presuntivo de coliformes. A partir dos tubos com leitura positiva

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(turvação e formação de gás no tubo de Durham), foram realizados os testesconfirmativos para coliformes totais em caldo Verde Brilhante de Bile Lactose(HIMEDIA) a 35°C por 24 a 48 horas e coliformes termotolerantes em caldoEscherichia coli (ACUMEDIA), a 45,5°C por 24 a 48 horas.

Os valores de NMP/g foram calculados de acordo com Silva et al. (2007).

DETERMINAÇÃO DO PH DAS AMOSTRAS

O pH das amostras foi determinado através de fitas indicadoras de pH(MERCK), que foram submersas em cada amostra. Os valores de pH foramcomparados aos estabelecidos na IN nº 01 do Ministério da Agricultura, Pecuáriae Abastecimento, de 2000 (BRASIL, 2000).

DETERMINAÇÃO DE BOLORES E LEVEDURAS

Para contagem de bolores e leveduras, foi utilizado o meio Ágar BatataDextrose (ACUMEDIA), acrescido de 0,2 mg/mL de cloranfenicol como pro-põem Santos et al. (2008). A técnica utilizada foi a de plaqueamento em profundi-dade (pour plate). De cada diluição de SSP, foi retirada uma alíquota de 1,0 mLque foi disposta em placas de Petri, devidamente esterilizadas, onde se verteu,posteriormente, cerca de 15,0 mL do ABD, foram feitos movimentos circularespara promover a homogeneização e em seguida as placas foram incubadas emestufas a 25ºC por três a cinco dias. Os resultados foram expressos pelo númerode Unidades Formadoras de Colônias por grama de material (UFC/g) (SILVA etal., 2007).

QUESTIONÁRIO INVESTIGATIVO

Para analisar o perfil do consumidor de polpa de fruta no município deTeixeira de Freitas no que diz respeito ao seu comportamento, preferências eatitudes no ato da compra, foi elaborado um questionário investigativo, semelhan-te ao proposto por Garcia et al. (2008), que foi aplicado através de entrevistasdiretas. As mesmas foram realizadas nos mesmos supermercados onde foramretiradas as amostras para análise, totalizando 100 consumidores.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Os resultados das amostras de polpa de frutas analisadas de acordo com adeterminação do número mais provável de coliformes totais e termotolerantes,além da enumeração de bolores e leveduras e medida do pH estão descritos nasTABELAS 1, 2 e 3.

De acordo com a quantificação da microbiota composta por coliformes, bolo-res e leveduras encontrados nas 72 (100%) amostras de polpas de frutas analisadas,71 (98,6%) foram classificadas como próprias para o consumo humano e uma (1,4%)foi considerada imprópria. As marcas A, B, C, E e F tiveram todas as amostrasqualificadas como aptas para o consumo. Na marca D, onze (91,7%) amostrasforam qualificadas como adequadas para o consumo (TABELA 4).

Outros trabalhos apresentaram resultados semelhantes aos encontradosneste estudo. Arruda et al. (2006), relataram que todas as amostras de polpas de

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frutas analisadas (100%) em Cuiabá-MT atendiam à legislação em vigor, portantoestavam adequadas ao consumo do ponto de vista microbiológico.

Santos et al. (2004), também constataram que todas as amostras de polpasde frutas congeladas produzidas no Maranhão, estavam de acordo com os padrõeslegais vigentes e próprias para o consumo.

Independente da existência de um padrão microbiológico na legislação bra-sileira em vigor para coliformes totais para este tipo de produto, as amostras tam-bém foram submetidas a essa determinação, para que se tivesse uma idéia de suacarga microbiana e das condições higiênico-sanitárias deste alimento, que muitoprovavelmente poderá refletir as condições higiênicas da matéria-prima, do ambi-ente e do pessoal.

Observou-se que em 48 amostras (66,7%) do total, havia a presença decoliformes totais, diferindo de Fázio et al. (2006) que analisaram polpas de frutascongeladas comercializadas na região de São José do Rio Preto-SP, não encon-trando coliformes totais em 100% das amostras assim como Cardoso et al. (2005)nas análises realizadas em Fortaleza-CE.

Os resultados obtidos nas contagens de coliformes termotolerantes demons-traram que 48 (66,7%) apresentaram resultados positivos para coliformes termo-tolerantes, sendo apenas uma (1,4%) acima do padrão aceitável, se aproximandodos resultados de Feitosa et al. (1997), Fázio et al. (2006) e Cardoso et al. (2005).Nas análises de Feitosa et al. (1997), 2,8% das amostras analisadas nos estados doCeará e Rio Grande do Norte estavam contaminadas. Já Fázio et al. (2006) eCardoso et al. (2005) não encontraram coliformes termotolerantes nas amostras.

De acordo com Florentino et al. (1997), a presença de bactérias do grupocoliformes a 45°C indica provável contaminação dos alimentos com material deorigem fecal. Essa contaminação pode estar associada à qualidade da água utiliza-da no processo, ou com práticas inadequadas de higiene pessoal dos manipulado-res (PELCZAR, 1996).

Quarenta e três amostras (59,7%) apresentaram contaminação por bolorese leveduras, sendo que as contagens variaram de <1,0x 101 até 2,8x 102 UFC/g. Talfato pode ser parcialmente atribuído ao elevado teor de carboidratos normalmentepresentes nas polpas de frutas, além do caráter ácido das mesmas. Todas as pol-pas que apresentaram contaminação por bolores e leveduras encontraram-se den-tro dos padrões estabelecidos pela Instrução Normativa n° 01 (BRASIL, 2000), aqual preconiza um máximo de 2,0x103 UFC/g. Estes resultados concordam com osencontrados por Cardoso et al. (2005) e Fázio et al. (2006), que não encontraramcontaminação em 100% das amostras, e se distanciam dos encontrados por Nas-cimento et al. (2006) na cidade de São Luís-MA, onde 100% das amostras esta-vam contaminadas, sendo que as contagens variaram de 1,0x 105 e 1,1x 108 UFC/g. Santos et al. (2008), analisando a qualidade microbiológica de polpas comerciali-zadas na cidade de Palmas-TO, observaram a presença de bolores e levedurasacima do permitido em 29,6% das amostras.

Segundo Franco e Landgraf (2008), baixas contagens de bolores e levedu-ras são consideradas normais (não significativas) em alimentos frescos e congela-dos. No entanto, contagens elevadas representam, além do aspecto deteriorante,que pode levar inclusive à rejeição do produto, um risco à saúde pública devido àpossível produção de micotoxinas por algumas espécies de bolores.

Os valores de pH das polpas de acerola e cajá ficaram em média 3,0, paraas polpas de cacau ficaram em média 4,0, todos dentro do permitido pela lei (BRA-

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SIL, 2000). O baixo valor de pH apresentado na maioria das polpas pode repre-sentar um fator limitante para o crescimento de bactérias patogênicas, mantendoos índices de contaminação bacteriana em níveis baixos.

Na pesquisa feita com os consumidores de polpas de frutas do município deTeixeira de Freitas-BA, verificou-se que 70% deles têm preferência por comprarem supermercados e, mesmo os que compram em outros lugares como feiras edistribuidoras também não deixam de consumir as polpas dos supermercados,provavelmente pela disponibilidade e conveniência de horário. Outro ponto é ofator segurança que estes ambientes proporcionam, conforto, facilidade de paga-mento e multiplicidade de produtos. Em pesquisa feita por Garcia et al. (2008) nacidade de Belém-PA verificou-se que 68% dos consumidores também preferemcomprar em supermercados.

Dentre os atributos que mais incentivam o consumo de polpa, segundo osentrevistados, destacam-se sabor (50%) e valor nutricional (35%). O atributo pra-ticidade (15%) revela a preocupação com a oportunidade de tempo. Para estesconsumidores a simples idéia de obter a fruta e dela extrair o suco é fator dedesestímulo ao consumo, pois implica em uma demanda de tempo, que é escasso.De igual modo, o atributo valor nutricional, pois não é suficiente ingerir algum produ-to para satisfazer uma necessidade mais básica, é importante a funcionalidade destealimento, ou seja, que adicione benefícios à saúde, elevando a resistência do orga-nismo e combatendo doenças de forma preventiva (GARCIA et al., 2008).

Os consumidores afirmam que higiene e preço são critérios decisivos decompra. Marca e consistência do produto foram considerados nulos, portanto ir-relevantes no ato da compra. Foi observado neste resultado que houve uma con-tradição, pois 60% dos entrevistados consideram a higiene decisiva para o consu-mo, no entanto, essa higiene não está atrelada ao selo de inspeção que apresenta8%. Isso mostra que os parâmetros de higiene para os consumidores são os as-pectos visuais do produto, a limpeza das gôndolas, a integridade das embalagens edo local que a polpa está armazenada. Revelando que o consumidor não se impor-ta com o selo de inspeção que passa por vários processos de controle de qualidadeou não sabe o que significa e o quanto representa para os produtos alimentícios.

No quesito preferência do sabor, 29% dos entrevistados preferem o saborcacau, seguido de graviola (25%). Observou-se que 90% dos consumidores têm apreocupação de verificar a data de fabricação e validade do produto e 100% nãoadquire o produto com embalagem danificada ou violada. Outro quesito que foiquestionado é a temperatura em que o produto está acondicionado, pois, segundoFranco e Landgraf (2008), a temperatura é o principal fator ambiental que propi-cia a multiplicação de microrganismos, e mesmo sendo um fator crucial que impli-ca na boa qualidade da polpa de fruta, apenas 48% das pessoas entrevistadasobservam se o freezer do supermercado está na temperatura indicada pelo fabri-cante da polpa de fruta, que é de no mínimo -18ºC.

Dos entrevistados, 40% declararam comprar polpas de frutas esporadica-mente, seguidos dos 20% que compram uma vez ao mês e 20% quando solicitadopor alguém da família.

Dos consumidores, 50% afirmaram que todos em casa consomem polpasde frutas igualmente, 40% declaram que somente adultos consomem, e 10% cri-anças entre sete e 12 anos.

Garcia et al. (2008), verificaram que 41% dos consumidores entrevistadosem Belém-PA declararam comprar polpa de frutas uma vez ao mês, seguidos dos

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31% que compram uma vez na semana. Dos consumidores, 32,71% responderamque têm idade na faixa de 28 a 37 anos e 30,85% na faixa de 38 a 47.

Quando se perguntou aos consumidores quais frutas eles gostariam de con-sumir como polpa e que não tem oferta no mercado, verificou-se que 42% estãosatisfeitos com as polpas que estão no mercado, mas há demanda por frutas queainda não estão sendo ofertadas como polpa, as mais cotadas são: pêssego 23%,tangerina 19%, melancia 14%, e melão com 2%. Esta abordagem tem o intuito deantecipar as tendências de mercado e a elaboração de novos produtos que satis-faça os desejos implícitos dos consumidores de polpas de frutas.

Ratificando os benefícios oportunizados pelo consumo de polpas de frutas,100% dos entrevistados nunca tiveram algum problema relacionado com o consu-mo de polpa de fruta.

CONCLUSÕES

Os resultados encontrados permitem dizer que os procedimentos tecnológi-cos adotados pelas empresas produtoras foram adequados do ponto de vista higi-ênico e microbiológico, considerando que grande porcentagem dos produtos en-contra-se em conformidade com os padrões estabelecidos para coliformes termo-tolerantes e bolores e leveduras, certificando assim a sua qualidade higiênico-sanitária. Isto indica que as indústrias, nos estados produtores, já vêm se preocu-pando em aplicar corretamente as Boas Práticas de Fabricação (BPF).

Como foi constatada a presença de coliformes totais nas amostras de pol-pas de frutas congeladas, sugere-se que seja estabelecida a contagem destasbactérias nesses produtos, com base em lei específica e metodologia padronizada.

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ANEXOS

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ALIMENTAÇÃO DE LARIMUS BREVICEPS (CUVIER, 1830) (ACTINOPTERYGII:SCIAENIDAE) NA PRAIA DO MALHADO, ILHÉUS (BAHIA)

Paulo Roberto Duarte LopesJailza Tavares de Oliveira-Silva

Ideval Pires Fernandes

Resumo: Foram examinados os conteúdos estomacais de 224 exemplares de Lari-mus breviceps (Cuvier, 1830) (Actinopterygii: Sciaenidae) coletados entre novem-bro de 2003 e dezembro de 2006 na Praia do Malhado (sul do estado da Bahia,litoral nordeste do Brasil). Um total de 13 categorias alimentares foram identifica-das. Com referência à freqüência de ocorrência, as principais categorias foram Crus-tacea Decapoda (88,74%), Crustacea Decapoda Dendrobranchiata (camarões,34,68%) e Actinopterygii Teleostei (peixes, 30,63%). Com referência à frequêncianumérica, as principais categorias foram Decapoda (79,48%) e camarões (13,72%).Na Praia do Malhado, L. breviceps apresenta um hábito alimentar carnívoro comuma predominância de Crustacea.Palavras-chave: dieta, teleósteo, Larimus breviceps, Bahia

Abstract: The gut content of 224 specimens of Larimus breviceps (Cuvier, 1830)(Actinopterygii: Sciaenidae) gathered between November, 2003 and December,2006, in the Malhado beach (south of Bahia state, northeast littoral of Brazil) wereexamined. A total of 13 feeding itens were identified. With reference to the frequen-cy of occurrence, the main itens were Crustacea Decapoda (88,74%), CrustaceaDecapoda Dendrobranchiata (shrimps, 34,68%) and Actinopteygii Teleostei (fi-shes, 30,63%). With reference to numerical frequency, the manin itens were Deca-poda (79,48%) and shrimps (13,72). In Malhado beach, L. breviceps presents ancarnivorous feeding habit with a predominancy of Crustacea.Key words: diet, teleost, Larimus breviceps, Bahia.

INTRODUÇÃO

Larimus breviceps (Cuvier, 1830), conhecido como oveva ou boca torta,atinge um comprimento máximo de 30,0 cm sendo encontrado sobre fundos lamo-sos e lamosos-arenosos em águas costeiras até 60,0 m de profundidade; juvenisocorrem também em estuários; distribui-se da Costa Rica (incluindo Antilhas) atéo estado de Santa Catarina, Brasil (MENEZES; FIGUEIREDO, 1980; CHAOapud CARPENTER, 2002).

Segundo Chao (apud CARPENTER, 2002), na área de pesca 31 (definidapela FAO, ONU, para o Oceano Atlântico ocidental e que inclui Flórida, Golfo doMéxico, Caribe, América Central e norte da América do Sul), os grandes exem-plares de L. breviceps são comercializados principalmente frescos enquanto osde menor tamanho são usados como isca.

MATERIAL E MÉTODOS

A Praia do Malhado (figura 1), localizada na zona urbana da sede do muni-cípio de Ilhéus, está sob influência do Porto do Malhado (o maior do sul da Bahia)e não é própria para banho devido aos dejetos que chegam através de um canalque corta bairros da cidade mas sustenta, através da captura de peixes e crustá-ceos, vários pescadores artesanais e agregados.

O material utilizado neste estudo foi coletado em novembro de 2003 (9exemplares), fevereiro (6), março (27), agosto (9) e outubro de 2004 (26), março(57), setembro (54) e novembro de 2005 (10) e dezembro de 2006 (26) por pesca-

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dores artesanais locais com auxílio de rede de arrasto manual denominada calão.Logo após a captura, os peixes foram congelados até o momento de serem

examinados para confirmação de sua identificação à nível genérico e específico(com base em Menezes, Figueiredo, 1980), fixados em formol 10% e posterior-mente transferidos para o conservante álcool 70%.

Cada indivíduo teve o comprimento total (CT) determinado (segundo a de-finição de Figueiredo, Menezes, 1978) e foi dissecado para retirado do estômagoe exame do seu conteúdo sob microscópio estereoscópico e das gônadas paraidentificação do sexo através do seu exame direto. Estágio de maturação gonadal(quando possível de ser definido), também através de exame direto, foi baseadona proposta de Vazzoler (1982).

Definições de freqüência de ocorrência e numérica bem como a determi-nação do volume de alimento ingerido (realizada através do deslocamento de águaem uma proveta graduada com precisão de 0,1 ml) seguem a proposta de FontelesFilho (1989).

RESULTADOS

No total foram examinados 224 exemplares de L. breviceps cujos CT´svariaram entre 35,0 mm e 180,0 mm. Classes de comprimento são apresentadasna tabela 1.

Foram identificados 54 fêmeas (24,11%), 9 machos (4,02%) e em 161 indi-víduos (71,87%) o sexo não pode ser determinado.

Nos indivíduos cujo sexo não pode ser determinado, o comprimento totalvariou entre 35,0 e 155,0 mm. Para as fêmeas, variou entre 52,0 e 180,0 mm e nosmacho entre 90,0 e 175,0 mm.

Entre as fêmeas, 38 (70,37%) estavam em estágio B (em maturação) dematuração gonadal, 13 (24,07%) em um estágio intermediário entre B e C e 3(5,55%) em estágio C (maduro) e o comprimento total variou entre 52,0 e 180,0mm.

Quanto aos machos, 7 (77,78%) estavam em estágio B, 1 (11,11%) emestágio C e em estágio intermediário entre B e C; seu comprimento total variouentre 90,0 e 175,0 mm.

No que se refere ao grau de digestão, 174 (78,38%) estômagos o alimentose encontrava meio digerido, em 33 (14,86%) encontrava-se digerido e em 15(6,76%) estava pouco digerido.

Quanto ao grau de repleção, 44,14% dos estômagos (98 indivíduos) esta-vam cheios, 33,78% (75) estavam meio cheios e 22,07% (49) estavam poucocheios; 2 estômagos (0,89%) estavam vazios.

Quanto ao volume de alimento ingerido, a maior parte dos estômagos con-tinha menos de 0,1 ml de alimento ingerido (36,49%) sendo seguido por 0,1 ml(25,22%), 0,3 ml (11,26%) e 0,2 ml (10,36%), o restante continha entre 0,4 ml e1,9 ml, em menores percentuais.

Entre as fêmeas, predominaram volumes de 0,2 ml (25,0%) seguidos por0,3 ml (20,0%) e 0,1 ml e 0,6 ml (cada um com 15,0%); nos machos, o pequenonúmero de exemplares analisados não permite maiores conclusões. Nos indivídu-os cujo sexo não pode ser identificado predominaram volumes de menos de 0,1 ml(40,21%) seguidos por 0,1 ml (27,32%), 0, 3 ml (9,79%) e 0,2 ml (9,28%).

Quanto às classes de comprimento, naquelas de menor tamanho predomi-

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naram volumes de menos de 0,1 ml e de 0,1 ml mas na classe de comprimento de123,0 mm-153,0 mm os maiores volumes foram 0,3 ml e 0,6 ml.

No total, foram identificadas 13 categorias alimentares cujas freqüênciasde ocorrência e numérica são apresentadas na tabela 2. Destacaram-se tanto emocorrência como em número Crustacea Decapoda (crustáceos decápodos), Crus-tacea Decapoda Dendrobranchiata (camarões) e Actinopterygii Teleostei (pei-xes).

Quanto à categoria alimentar Teleostei, foram identificados membros dasfamílias Engraulidae (12,63%) e Pristigasteridae (3,16%) mas a maioria dos pei-xes encontrados (84,21%) não puderam ser identificados devido ao elevado graude digestão.

Em termos de voracidade, o maior número de presas ocorreu em um indiví-duo medindo 175,0 mm de CT cujo estômago continha 53 presas (31 decápodos,20 camarões e 2 peixes). O número máximo de peixes ingeridos chegou a 4 (em2 indivíduos medindo 101,0 mm e 134,0 mm de CT). Um indivíduo com 98,0 mmtinha 30 decápodos no estômago enquanto outro com 103,0 mm tinha 20 cama-rões.

Entre as classes de comprimento propostas, de maneira geral, também pre-dominaram crustáceos decápodos, camarões e peixes como categorias alimenta-res com maior ocorrência e número (exceto na classe de menor comprimentoonde matéria orgânica digerida foi a segunda categoria em ocorrência e número).

DISCUSSÃO

Segundo Menezes, Figueiredo (1980) e Chao (apud CARPENTER, 2002),L. breviceps alimenta-se principalmente de pequenos camarões. Carvalho Filho(1999) afirma que L. breviceps alimenta-se principalmente de crustáceos bênti-cos como camarões.

Lowe-McConnell (1999), estudando os Sciaenidae da Guiana, inclui L. bre-viceps em um grupo alimentar que ingere camarões pelágicos, e que apresentaboca oblíqua inclinada para cima, olhos grandes, corpo mais curto e comprimidolateralmente e de coloração prateada.

Segundo Chao in Rondineli et al. (2007) a ausência de barbilhões, a presen-ça de dentes caniniformes, corpo alongado e boca oblíqua ou terminal são carac-terísticas de espécies que se alimentam no estrato superior da água (como em L.breviceps onde apenas os dentes caniniformes não estão presentes).

L. fasciatus Holbrook, 1855, a outra espécie do gênero que ocorre no Atlân-tico ocidental (mas não citada para o Brasil) também alimenta-se principalmentede pequenos camarões (Chao apud CARPENTER, 2002). Ross (1989) analisou1024 tubos digestivos desta espécie (exemplares medindo entre 19,0 e 182,0 mmde comprimento padrão) coletados ao largo da Carolina do Norte (EUA) identifi-cando 42 itens alimentares (predominando crustáceos e peixes) sendo que 5 des-tes dominaram a dieta totalizando 90% em volume e frequência.

Em 185 indivíduos de L. breviceps coletados na Praia de Jaguaribe (Ilha deItamaracá, Pernambuco) foram identificados 15 itens alimentares destacando-segrupos de Crustacea e Clorophyceae (Lopes, Oliveira-Silva, 1999). Na Praia doMalhado, observou-se principalmente maior participação de Teleostei, menor va-riação no grupo dos Crustacea e menor participação de matéria orgânica digerida.

A presença de escamas de Teleostei, sem outros restos como ossos e otó-

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litos no mesmo estômago, não pode ser considerado ainda como indicativo dehábito lepidofágico, não registrado para L. breviceps.

Peixes das famílias Engraulidae (pelágicos) e Pristigasteridae (principal-mente demersais) são de pequeno tamanho e formam cardumes (Cervigón et al.,1992; Munroe apud CARPENTER, 2002; Nizinski, Munroe apud CARPENTER,2002) tornando-se passíveis de serem ingeridos por L. breviceps. Ambas as famí-lias foram comuns na Praia do Malhado durante as coletas realizadas (Lopes,comum. pess.) e também foram observadas como as 2 principais presas de Tele-ostei para Isopisthus parvipinnis (Cuvier, 1830), também da família Sciaenidae,na Praia do Malhado (Lopes et al., 2008).

A presença de restos de vegetais superiores (ocorrência de 8,1%) e desedimentos (ocorrência de 3,6%) é considerada como acidental tendo sido ingeri-dos juntamente com presas do interesse de L. breviceps.

A presença de Crustacea Brachyura e Amphipoda, que em geral vivem nosubstrato, mesmo ingeridos em pequena quantidade, demonstra que L. brevicepspode ir ao fundo em busca de alimento como observado também por Lopes, Oli-veira-Silva (1999) provavelmente nos locais de pequena profundidade onde suacaptura foi realizada.

Nematoda (ocorrência de 4,05%) foram considerados parasitas do estô-mago de L. breviceps por serem encontrados inteiros e sem sinais de digestão.

Semelhante ao observado para L. breviceps, e também na Praia do Malha-do, Lopes et al. (2008) identificaram camarões, peixes e Decapoda como as prin-cipais presas de Isopisthus parvipinnis (Cuvier, 1830), família Sciaenidae, en-quanto Oliveira-Silva et al. (no prelo) identificaram camarões como principal pre-sa para Cynoscion microlepidotus (Cuvier, 1830, C. virescens (Cuvier, 1830) eMacrodon ancylodon (Bloch& Schneider, 1801), todos também da família Scia-enidae e que habitam no estrato superior da água (Rondinelli et al., 2007).

Na Praia de Ponta da Ilha (sul da Ilha de Itaparica, Bahia, cerca de 13°07´S- 38°45´W), foram examinados os conteúdos gastro-intestinais de 366 exemplaresde L. breviceps coletados entre setembro de 1998 a abril de 2000 sendo identifi-cados 32 categorias alimentares; em ocorrência, destaque para matéria orgânicadigerida (90,16%), Crustacea Copepoda (58,74%), restos de vegetais superiores(49,72%), sedimentos (37,15%) e Crustacea Decapoda Dendrobranchiata (ca-marões, 36,06%) e em número predominaram Copepoda (41,67%), CrustaceaDecapoda (21,53%) e camarões (11,59%) sendo os resultados obtidos algo seme-lhantes ao que foi observado para L. breviceps na Praia do Malhado.

 É possível que uma parte ou a totalidade das categorias alimentares Crus-tacea Decapoda e restos de Crustacea constituam na verdade Crustacea Deca-poda Dendrobranchiata, não identificados devido ao grau de digestão, o que am-pliaria a participação desta categoria na composição da dieta de L. breviceps naPraia do Malhado, do mesmo modo como observado para I. parvipinnis nestamesma praia.

L. breviceps na Praia do Malhado, em todas as classes de comprimentopropostas, apresenta como principais categorias alimentares crustáceos e peixes.

Os dados obtidos, embora preliminares, coincidem com aqueles citados naliteratura, confirmando L. breviceps na Praia do Malhado (Ilhéus, Bahia) comoalimentando-se principalmente de pequenos crustáceos sendo portanto predadore carnívoro, conforme as definições propostas por Fonteles Filho (1989) e Zavala-Camin (1996).

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AGRADECIMENTOS

Aos pescadores artesanais da Praia do Malhado pela cessão do materialcoletado; aos membros da colônia de pesca Z-34, especialmente Ilton, Marcio,Quidemir e Genivaldo, pelo apoio proporcionado; às universidades estaduais deFeira de Santana e de Santa Cruz, por apoiarem este estudo fornecendo infra-estrutura e apoio logístico.

REFERÊNCIAS

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Herpetologists Special Publication no. 5, pp. Rome, FAO Species Identifica-tion Guide for Fishery Purposes and American Society of Ichthyologistsand Herpetologists Special Publication no. 5, pp.NIZINSKI, M.S., MUNROE, T.A. 2002. Engraulidae. In: CARPENTER, K.E.(Ed.). The living marine resources of the Western Central Atlantic. Volume 2:Bony fishes part 1 (Acipenseridae to Grammatidae). Rome, FAO SpeciesIdentification Guide for Fishery Purposes and American Society of Ichthyo-logists and Herpetologists Special Publication no. 5, pp. 601-1374.OLIVEIRA-SILVA, J.T., LOPES, P.R.D., FERNANDES, I.P. no prelo. Notassobre a alimentação de peixes (Actinopterygii) da Praia do Malhado, Ilhéus (Bahia).III. Família Sciaenidae: Cynoscion microlepidotus, C. virescens, Macrodonancylodon e Paralonchurus brasiliensis. Revista Mosaicum.RONDINELI, G.R., BRAGA, F.M.S., TUTUI, S.L.S., BASTOS, G.C.C. Dietade Menticirrhus americanus (Linnaeus, 1758) e Cynoscion jamaicensis (Vai-llant e Bocourt, 1883) (Pisces, Sciaenidae) no sudeste do Brasil, estado de SãoPaulo. Boletim do Instituto de Pesca, 2007. 33, 2, 221-228.ROSS, S.W. Diet of the banded drum in North Carolina. Transactions of theAmerican Fisheries Society, 118: 680-686, 1989.VAZZOLER, A.E.A.M. Manual de métodos para estudos biológicos de po-pulações de peixes. Brasília: Conselho Nacional de Desenvolvimento Científicoe Tecnológico, 1982.ZAVALA-CAMIN, L.A. Introdução aos estudos sobre alimentação naturalem peixes. Editora da Universidade Estadual de Maringá, 1996.

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Categorias

alimentares

Frequência

de ocorrência (%)

Frequência

numérica (%)

Crustacea Decapoda 88,74 79,48

Crustacea Decapoda

Dendrobranchiata

34,68 13,72

Actinopterygii Teleostei 30,63 5,77

Restos de vegetal superior 8,1 -----

Matéria orgânica digerida 7,6 -----

Sed imento 3,6 -----

Escamas de Teleostei 1,8 0,36

Crustacea não identificado 1,35 0,24

Material não identificado 1,35 0,18

Crustacea Isopoda 0,9 0,12

Matéria inorgânica 0,9 -----

Crustacea Decapoda

Brachyura

0,45 0,06

Crustacea Amphipoda 0,45 0,06

Tabela 2: freqüências de ocorrência e numérica de 13 categorias alimentares identificadas para L.breviceps capturados na Praia do Malhado (Ilhéus, Bahia) entre novembro de 2003 e dezembrode 2006.

Classes de comprimento Número de exemplares

30,0-60,0 mm 40

61,0-91,0 mm 68

92,0-122,0 mm 86

123,0-153,0 mm 25

154,0-184,0 mm 5

Total: 224

Tabela 1: classes de comprimento de L. breviceps capturados na Praia do Malhado (Ilhéus,

Bahia) entre novembro de 2003 e dezembro de 2006.

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CONTRIBUIÇÃO AO CONHECIMENTO DA ICTIOFAUNA (ACTINOPTERYGII)OCORRENTE NA PRAIA DO MALHADO (ILHÉUS), BAHIA

Paulo Roberto Duarte LopesJailza Tavares de Oliveira-Silva

Ideval Pires Fernandes

Resumo: É apresentada uma lista com comentários da ictiofauna ocorrente na Praiado Malhado (município de Ilhéus, litoral sul do estado da Bahia, região nordeste doBrasil) incluindo as classes Chondrichthyes (ordem Myliobatiformes, com 1 famí-lia e 1 espécie) e Actinopterygii (ordens Angulliformes a Tetraodontiformes, com30 famílias e 105 espécies).Palavras-chave: lista, peixes ósseos, Praia do Malhado, Bahia.

Abstract: Contribution to knowledge of icthyofauna (Actinopterygii) recorded inMalhado Beach (Ilhéus, Bahia) The commented list of ichthyofauna recorded inMalhado Beach (Ilhéus municipality, south littoral of Bahia state, northeasternregion of Brazil) included the classes Chondrichtyes (order Myliobatiformes,with 1 family and 1 species) and Actinopterygii (orders Angulliformes to Tetrao-dontiformes, with 30 families and 105 species) is presented.Keywords: check-list, bony fishes, Malhado Beach, Bahia.

INTRODUÇÃO

A Praia do Malhado (figura 1), localizada na zona urbana da sede do municípiode Ilhéus (litoral do sul do estado da Bahia, nordeste do Brasil), está sob influência doPorto do Malhado (o maior do sul do Bahia) e não é própria para banho devido aosdejetos que recebe de um canal que corta bairros da cidade mas sustenta, através dacaptura de peixes e crustáceos, vários pescadores artesanais e agregados.

MATERIAL E MÉTODOS

O material objeto deste estudo é proveniente de capturas realizadas em no-vembro de 2003, janeiro, fevereiro, março, agosto, outubro e dezembro de 2004,março, junho, julho e setembro de 2005, agosto e dezembro de 2006 e abril de 2008por pescadores artesanais com rede de arrasto manual, denominada calão, em umtrecho da Praia do Malhado, sendo logo depois da captura mantido em câmarafrigorífica e posteriormente transportado para laboratório onde foi descongelado,fixado em formol 10% e transferido para o conservante definitivo, álcool 70% sendodepositado na coleção do Laboratório de Ictiologia (Departamento de Ciências Bi-ológicas) da Universidade Estadual de Feira de Santana (Bahia).

A sequência e grafia dos nomes das ordens e famílias segue a proposta deNelson (2006). As identificações à nível de ordem e família seguem Cervigón etal. (1992). A identificação à nível genérico e específico segue principalmente Fi-gueiredo (1977), Figueiredo & Menezes (1978, 1980, 2000) e Menezes & Figuei-redo (1980, 1985); para algumas espécies utilizaram-se referências específicas,citadas ao final de cada família.

RESULTADOS

A seguir, são apresentadas as identificações da Classe Chondrichthyes (1ordem, 1 família e 1 espécie) e da Classe Actinopterygii (11 ordens, 30 famílias, 65

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gêneros e 105 espécies) relativos à ictiofauna coletada na Praia de Malhado.

Classe ChondrichthyesOrdem MyliobatiformesFamília DasyatidaeDasyatis sp.

Classe ActinopterygiiOrdem AnguilliformesFamília OphichthidaeOphichthus parilis (Richardson, 1848)

Ordem ClupeiformesFamília PristigasteridaeChirocentrodon bleekerianus (Poey, 1867)Odontognathus mucronatus Lacepède, 1800Pellona harroweri (Fowler, 1919)

Na caracterização da família seguiu-se o critério de Whitehead et al. (1988)e para identificação das espécies foi adotado também Whitehead et al. (1988).

Família EngraulidaeAnchoa filifera (Fowler, 1915)Anchoa januaria Hildebrand, 1943Anchoa parva (Meek & Hildebrand, 1923)Anchoa sp.Anchoa spinifera (Valenciennes, 1848)Anchoa tricolor (Agassiz, 1829)Anchovia clupeoides (Swainson, 1839)Anchoviella brevirostris (Günther, 1868)Anchoviella cayennensis (Puyo, 1945)Anchoviella lepidentostole (Fowler, 1941)Cetengraulis edentulus (Cuvier, 1829)Lycengraulis grossidens (Agassiz, 1829)

Na identificação das espécies do gênero Anchoa e de A. cayennensisadotaram-se os critérios de Whitehead et al. (1988) e Nizinski e Munroe (apudCARPENTER, 2002)

Família ClupeidaeHarengula jaguana Poey, 1865Lile piquitinga (Schreiner & Miranda-Ribeiro, 1903)Opisthonema oglinum (Lesueur, 1818)Sardinella aurita Valenciennes, 1847

Na identificação destas espécies seguiu-se também Whitehead (1985). ParaS. aurita, optou-se pelo nome mais antigo mas sem adotar um critério de sinonímia.

Ordem SiluriformesFamília AriidaeAspistor luniscutis (Valenciennes, 1840)Bagre bagre (Linnaeus, 1758)Bagre marinus (Mitchill, 1815)Cathorops spixii (Eigenmann & Eigenmann, 1888)Genidens barbus (Lacepède, 1803)

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Notarius grandicassis (Valenciennes, 1840)

A identificação dos membros desta família baseou-se também em Acero inCarpenter (2002) e Marceniuk (2005). Os nomes das espécies seguem Marce-niuk (2005).

Ordem MugiliformesFamília MugilidaeMugil curema Valenciennes, 1836Mugil curvidens Valenciennes, 1836Mugil gaimardianus Desmarest, 1831Mugil liza Valenciennes, 1836Mugil sp.

A identificação das espécies seguiu também Menezes & Figueiredo (1983).

Ordem AtheriniformesFamília AtherinopsidaeAtherinella brasiliensis (Quoy & Gaimard, 1824)

A identificação está baseada em Chernoff (1986) e em Chernoff in Carpen-ter (2002). Anteriormente, a família era denominada Atherinidae e esta espécieXenomelaniris brasiliensis (Quoy & Gaimard, 1824) (Figueiredo; Menezes, 1978).

Ordem BeloniformesFamília HemiramphidaeHemiramphus brasiliensis (Linnaeus, 1758)Hyporhamphus sp.Hyporhamphus unifasciatus (Ranzani, 1842)

Ordem GasterosteiformesFamília SyngnathidaeHyppocampus reidi Ginsburg, 1933

Ordem ScorpaeniformesFamília TriglidaePrionotus punctatus (Bloch, 1793)

Ordem PerciformesFamília CentropomidaeCentropomus parallelus Poey, 1860Família SerranidaeDiplectrum radiale (Quoy & Gaimard, 1824)Rypticus randalli Courtenay, 1967Família PomatomidaePomatomus saltatrix (Linnaeus, 1766)Família CarangidaeCaranx crysos (Mitchill, 1815)Caranx hippos (Linnaeus, 1766)Caranx latus Agassiz, 1831Caranx ruber (Bloch, 1793)Caranx sp.Chloroscombrus chrysurus (Linnaeus, 1766)Oligoplites palometa (Cuvier, 1832)Oligoplites saliens (Bloch, 1793)

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Oligoplites saurus (Bloch & Schneider, 1801)Selar crumenophthalmus (Bloch, 1793)Selene setapinnis (Mitchill, 1815)Selene vomer (Linnaeus, 1758)Trachinotus carolinus (Linnaeus, 1766)Trachinotus falcatus (Linnaeus, 1758)Trachinotus goodei Jordan & Evermann, 1896Família LutjanidaeLutjanus analis (Cuvier, 1828)Família GerreidaeDiapterus auratus Ranzani, 1840Eucinostomus argenteus (Baird & Girard, 1854)Eucinostomus gula (Cuvier, 1830)Eucinostomus melanopterus (Bleeker, 1863)

A identificação de D. auratus foi baseada em Gilmore Jr. e Greenfield(apud CARPENTER, 2002).

Família HaemulidaeConodon nobilis (Linnaeus, 1758)Genyatremus luteus (Bloch, 1795)Pomadasys corvinaeformis (Steindachner, 1868)Pomadasys ramosus (Poey, 1860)Família PolynemidaePolydactylus virginicus (Linnaeus, 1758)Família SciaenidaeBairdiella ronchus (Cuvier, 1830)Cynoscion acoupa (Lacepède, 1801)Cynoscion microlepidotus (Cuvier, 1830)Cynoscion sp.Cynoscion virescens (Cuvier, 1830)Isopisthus parvipinnis (Cuvier, 1830)Larimus breviceps Cuvier, 1830Macrodon ancylodon (Bloch & Schneider, 1801)Menticirrhus americanus (Linnaeus, 1758)Menticirrhus littoralis (Holbrook, 1847)Micropogonais furnieri (Desmarest, 1823)Nebris microps Cuvier, 1830Ophioscion punctatissimus Meek & Hildebrand, 1925Paralonchurus brasiliensis (Steindachner, 1875)Stellifer brasiliensis (Schultz, 1945)Stellifer rastrifer (Jordan, 1889)Stellifer sp.Stellifer stellifer (Bloch, 1790)Família EphippidaeChaetodipterus faber (Broussonet, 1782)Família AcanthuridaeAcanthurus chirurgus (Bloch, 1787)Família SphyraenidaeSphyraena guachancho Cuvier, 1829Família TrichiuridaeTrichiurus lepturus Linnaeus, 1758Família ScombridaeScomberomorus brasiliensis Collette, Russo & Zavala-Camin, 1978Scomberomorus cavalla (Cuvier, 1829)Família StromateidaePeprilus paru Linnaeus, 1758

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Ordem PleuronectiformesFamília ParalichthyidaeEtropus crossotus Jordan & Gilbert, 1882Família AchiridaeAchirus cf. declivis Chabanaud, 1940Achirus lineatus (Linnaeus, 1758)Achirus sp.Trinectes microphthalmus Chabanaud, 1928Trinectes paulistanus (Miranda Ribeiro, 1915)Família CynoglossidaeSymphurus sp.Symphurus plagusia (Bloch & Schneider, 1801)Symphurus tessellatus (Quoy & Gaimard, 1824)

Ordem TetraodontiformesFamília TetraodontidaeLagocephalus laevigatus (Linnaeus, 1766)Sphoeroides greeleyi Gilbert, 1900Sphoeroides testudineus (Linnaeus, 1758)Família DiodontidaeCyclichthys antillarum (Jordan & Rutter, 1897)Cyclichthys spinosus (Linnaeus, 1758)

DISCUSSÃO

Poucos estudos estão disponíveis sobre a ictiofauna marinha do litoral sulda Bahia. Por exemplo, Barbosa Filho & Cetra (2007) caracterizaram a frotapesqueira que atua em Ilhéus, Tonini et al. (2007) estudaram a alimentação de C.parallelus na Lagoa Encantada (Ilhéus), Romero et al. (2008) analisaram a ali-mentação de I. parvipinnis capturados na região de Ilhéus, próximo à Praia doMalhado, enquanto Caló et al. (2009) avaliam o conhecimento de pescadores comrespeito à taxonomia e ecologia de algumas espécies de peixes.

Na Praia do Malhado, estudos vem sendo desenvolvidos sobre a alimenta-ção de algumas espécies de peixes aqui citadas: Lopes et al. (2008) avaliaram I.parvipinnis enquanto Lopes et al. (2009a) analisaram P. virginicus e Lopes etal. (2009b) D. radiale, R. randalii e T. lepturus; a alimentação de outras espéci-es também listadas neste trabalho vem sendo objeto de análise para posteriorpublicação. Nenhuma ampliação dos limites de distribuição geográfica para asespécies aqui citadas foi observada sendo todas já conhecidas para a costa brasi-leira (FIGUEIREDO; MENEZES, 1978, 1980, 2000; MENEZES e FIGUEIRE-DO, 1980, 1985; MENEZES et al., 2003).

Apesar da forte ação humana na Praia do Malhado, observa-se a presençade uma ictiofauna bastante diversificada incluindo espécies de valor comercialcomo alimento (por exemplo, Clupeidae, Mugilidae, Carangidae, Sciaenidae, Tri-chiuridae e Scombridae), como ornamental (H. reidi) e de importância médica(Ariidae) devido à presença de espinhos associados à glândulas venenosas (FI-GUEIREDO; MENEZES, 1978, 1980, 2000; MENEZES; FIGUEIREDO, 1980,1985; HADDAD JR., 2000; SAMPAIO; NOTTINGHAM, 2008).

Torna-se necessário a adoção de medidas que visem reduzir a poluição,disciplinar e ordenar a ocupação humana visando permitir que o ecossistema cons-tituído pela Praia do Malhado não continue sofrendo um processo de degradaçãoainda mais acentuado, com o comprometimento da biodiversidade a ela associadabem como dificultando a sobrevivência dos pescadores artesanais que dela reti-

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ram o seu sustento.

AGRADECIMENTOS

Aos pescadores artesanais da Praia do Malhado pela cessão do materialcoletado; aos membros da colônia de pesca Z-34, especialmente Ilton, Marcio,Quidemir e Genivaldo, pelo apoio proporcionado; às universidades estaduais deFeira de Santana e de Santa Cruz, por apoiarem este estudo fornecendo infra-estrutura e apoio logístico.

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Revista Mosaicum, n. 12 - ISSN 1808-589X - 101

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102 - Revista Mosaicum, n. 12 - ISSN 1808-589X

WHITEHEAD, P.J.P. FAO species catalogue. Vol. 7. Clupeoid fishes of the world.An annotated and illustrated catalogue of the herrings, sardines, pilchards, sprats,anchovies and wolf-herrings. Part 1 - Chirocentridae, Clupeidae and Pristigasteri-dae. FAO Fisheries Synopsis, v. 7, n. 125, pt. 1, p. 1-303, 1985.WHITEHEAD, P.J.P.; NELSON, G.J.; WONGRATANA, T. FAO species cata-logue. Vol. 7. Clupeoid fishes of the world. An annotated and illustrated catalogueof the herrings, sardines, pilchards, sprats, anchovies and wolf-herrings. Part 2 -Chirocentridae, Clupeidae and Pristigasteridae. FAO Fisheries Synopsis, v. 7, n.125, pt. 1, p. 305-579, 1988.

ANEXO: Mapa indicando o local de coleta (Praia do Malhado, Ilhéus,Bahia)

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Revista Mosaicum, n. 12 - ISSN 1808-589X - 103

BETÂNIA DO AMARAL E SOUZA

Graduanda em Ciências Biológicas (Licenciatura Plena) da Universidade do Estado daBahia – UNEB – Campus X.

CLEONALTO GIL BARBOSA

Bacharelando em Direito da Faculdade do Sul da Bahia (Fasb).

EVERTON DA SILVA LOPES

Graduando em Ciências Biológicas (Licenciatura Plena) da Universidade do Estado daBahia – UNEB – Campus X.

HENDERSON CARVALHO TORRES

Professor e coordenador da Faculdade do Sul da Bahia – FASB e Professor da Universida-de do Estado da Bahia – UNEBMestre em Educação pelo Instituto Superior Pedagógico Enrique José Varona – Graduadoem Administração.E-mail: [email protected]

IDEVAL PIRES FERNANDES

Prof. assistente. Universidade Estadual de Santa Cruz - Departamento de Ciências Exatas eTecnológicas.E-mail: [email protected]

JAILZA TAVARES DE OLIVEIRA-SILVA

Bióloga. Univ. Est. de Feira de Santana - Dep. de Ciências Biológicas - Lab. de Ictiologia.E-mail: [email protected]

JOELSON PEREIRA DE SOUSA

estre em Teologia e Filosofia (USJT, SP)E-mail: [email protected]

KÁTIA DE FÁTIMA VILELA

Especialista em Gerenciamento de Micro e Pequena Empresa e Graduada em Administraçãoe Tecnóloga em Gestão de Recursos Humanos e Professora da Faculdade do Sul da Bahia– FASBE-mail: [email protected]

THARCILLA NASCIMENTO DA SILVA MACENA

Mestre em Genética e Biologia Molecular (UESC), Professora de Biologia Celular e Molecu-lar/Genética do curso de Ciências Biológicas da Universidade do Estado da Bahia (UNEB)– Campus X e da Faculdade do Sul da Bahia (FASB) - Teixeira de Freitas, BA e Bacharel emBiomedicina pela Universidade Estadual de Santa Cruz (UESC).E-mail: [email protected].

JORGE LUIZ FORTUNA

Doutorando em Higiene e Processamento de Alimentos de Origem Animal na UniversidadeFederal Fluminense (UFF), Médico Veterinário pela UFF, Licenciado em Ciências Biológi-cas pela Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNI-RIO) e Mestre em HigieneVeterinária e Processamento Tecnológico de Produtos de Origem Animal (UFF) e Professorde Microbiologia do curso de Ciências Biológicas da Universidade do Estado da Bahia(UNEB) – Campus X – Teixeira de Freitas-BA.E-mail: [email protected]

SOBRE OS AUTORES

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MARCOS DE OLIVEIRA ATHAYDE

É professor do Programa de Pós-Graduação do Centro Universitário São Camilo.

OLGA SUELY SOARES DE SOUZA

Doutora em Educação pela Universidade Federal da Bahia – UFBA, Professora deSociologia pela Uneb e Fasb.E-mail: [email protected]

PAULO ROBERTO DUARTE LOPES

Prof. assistente. Universidade Estadual de Feira de Santana - Departamento de CiênciasBiológicas - Laboratório de Ictiologia.E-mail: [email protected]

RICARDO DAHER OLIVEIRA

Doutor em Engenharia da Produção com pós-doutorado em Gestão do Conhecimentopela HEC/Canadá.Email: [email protected]

RODNEY ALVES BARBOSA

Mestre em Engenharia de Produção pela UFSC, Graduado em Matemática e Professore Coordenador da Faculdade do Sul da Bahia – FASB.Email: [email protected]

VALCI VIEIRA DOS SANTOS

Doutorando em Literatura Comparada, pela Universidade Federal Fluminense-UFF.Email: [email protected]

VICENTE ZATTI

Doutorando e Mestre em Educação pela UFRGS, Graduado em Filosofia pela FAFIMC.E-mail: [email protected]

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A REVISTA MOSAICUM tem como objetivo ampliar as discussões para o conhecimento cien-tífico por meio de trabalhos originais de pesquisa em forma de artigos, ensaios e resenhasbibliográficas.

Os textos enviados para apreciação crítica devem contribuir analiticamente para o saber,considerando o contexto sociocultural e devem ser inéditos, não estando sob considera-ção para publicação em nenhum outro veículo de divulgação. Trabalhos publicados emanais de congressos podem ser considerados pelo Conselho Editorial, desde que estejamem forma final de artigo. Os textos podem ser redigidos em língua portuguesa, inglesa,francesa ou espanhola. As resenhas devem ser redigidas em língua portuguesa Prioridadeserá dada aos textos resultantes de pesquisa de campo.

1 Formatação:

a) papel A4 (210 x 297mm);b) espaçamento 1,5;c) fonte: Times New Roman, tamanho 12;d) margens: 3 cm superior e esquerda e 2 cm inferior e direitae) parágrafo: justificado e sem recuo da margem esquerda (primeira linha de cada parágra-fo).O título e os subtítulos devem ser alinhados à esquerda, apenas com a inicial maiúsculas,sem negrito, itálico ou qualquer destaque. Exemplo: Introdução, Considerações finais ouConclusões e Referências. A numeração desses tópicos é facultativa.

2 Quantidade páginas: Os artigos e ensaios não devem exceder 15 laudas, incluindotabelas, gráficos e ilustrações. Privilegiam-se trabalhos que contenham contribuiçõesanalíticas para o campo do saber. Na primeira página devem constar: a) título, b) nome(s)do(s) autor(es); c) endereço; d) telefone; e) e-mail; f) instituição a que pertence(m) e, g)credenciais (da maior titulação para a menor). Na segunda folha, devem constar apenas otítulo, no início do texto, sem identificação da autoria. Os autores de artigo e ensaiodeverão enviar resumo em português (para texto escritos em Língua Portuguesa e inglês)abstract (para os outros idiomas), em até 10 linhas, seguido de três a cinco palavras-chave, em ambas as línguas. O abstract deve ser devidamente revisado por profissionalda área para não comprometer a indexação da revista. As resenhas devem ter 3 laudas, nomínimo e 5, no máximo. Prioridade será dada à atualidade das resenhas. Nas resenhascríticas devem constar: a) a apresentação sumária da natureza da obra; b) contribuição daobra para o campo do saber; c) apresentação sintética das partes em que a obra se organi-za; d) indicação do resenhista; e) conclusão do resenhista, e; f) crítica do resenhista (sefor o caso). Seguir os critérios de apresentação de artigos e ensaios.

3 Ilustrações: As figuras, gráficos, tabelas ou fotografias, quando apresentados em fo-lhas separadas, devem ter indicação dos locais onde devem ser incluídos, ser titulados eapresentar referências de sua autoria/fonte. Para tanto, devem seguir a Norma de Apre-sentação Tabular, estabelecida pelo Conselho Nacional de Estatística e publicada peloIBGE, em 1979. É imprescindível o envio das figuras, gráficos, fotografias ou tabelas emJPEG, com boa resolução. Textos que apresentem ilustrações inseridas em word não serãopublicados.

4 Notas: As notas não devem ser colocadas no rodapé, mas ao final do texto. Use-as omenos possível, numere-as sequencialmente no corpo do texto e as apresente no final dotexto, antes das referências. Não use nota de referência para informar as credenciais/titulação do autor. Essas informações devem vir na folha de rosto.

NORMAS PARA PUBLICAÇÃO

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5 Sistema de chamada: Use o sistema autor-data (AUTORIA, ANO, PÁGINA). As referên-cias a autor(es) devem ser citadas no corpo do texto com indicações do último sobrenome,ano de publicação e página (se for o caso) conforme NBR 10520:2000. Não use ibid, op cit.e assemelhados no corpus do texto.

6 Referências: As referências devem conter todos os elementos essenciais do(s) autor(es)citado(s) e deverão ser apresentadas em ordem alfabética no final do texto, de acordo coma NBR 6023:2002, da ABNT.

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