caderno pensar dezembro 2012

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VITÓRIA, SÁBADO, 22 DE DEZEMBRO DE 2012 www.agazeta.com.br Pensar Clássicos de Natal Entrelinhas ESCRITOR COMENTA A ESTRUTURA NARRATIVA DA OBRA-PRIMA DE CECÍLIA MEIRELES. Página 3 Música PRODUTORA CULTURAL ANALISA O CENÁRIO E AS TENDÊNCIAS DA WORLD MUSIC. Página 5 Ideias JORNALISTA APONTA NOVOS RUMOS PARA A LITERATURA FEITA NO ESPÍRITO SANTO. Páginas 10 e 11 Arquitetura CRIAÇÕES DE NIEMEYER SUPERAM CONTROVÉRSIAS, AFIRMA PROFESSOR. Página 12 ESPECIALISTAS DESCREVEM COMO A MÚSICA ERUDITA RETRATOU A FESTA CRISTÃ Páginas 6 e 7 BRITISH MUSEUM/DIVULGAÇÃO Johann Sebastian Bach, autor do “Oratório de Natal”, obra para solistas, coro e orquestra composta para a celebração de 1734

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Page 1: Caderno Pensar dezembro 2012

VITÓRIA, SÁBADO, 22 DE DEZEMBRO DE 2012

www.agazeta.com.brPensar

Clássicos de Natal

EntrelinhasESCRITORCOMENTA AESTRUTURANARRATIVA DAOBRA-PRIMA DECECÍLIAMEIRELES.Página 3

MúsicaPRODUTORACULTURALANALISA OCENÁRIO E ASTENDÊNCIAS DAWORLD MUSIC.Página 5

IdeiasJORNALISTAAPONTA NOVOSRUMOS PARAA LITERATURAFEITA NOESPÍRITO SANTO.Páginas 10 e 11

ArquiteturaCRIAÇÕES DENIEMEYERSUPERAMCONTROVÉRSIAS,AFIRMAPROFESSOR.Página 12

ESPECIALISTAS DESCREVEM COMO A MÚSICAERUDITA RETRATOU A FESTA CRISTÃ Páginas 6 e 7

BRITISH MUSEUM/DIVULGAÇÃO

Johann Sebastian Bach, autor do “Oratório de Natal”, obra para solistas, coro e orquestra composta para a celebração de 1734

Documento:AG22CP001;Página:1;Formato:(274.11 x 381.00 mm);Chapa:Composto;Data:20 de Dec de 2012 19:49:51

Page 2: Caderno Pensar dezembro 2012

2PensarA GAZETAVITÓRIA,SÁBADO,22 DE DEZEMBRODE 2012

marque na agenda prateleiraquempensa

Anaximandro Amorimé advogado,professor e escritor.www.anaximandroamorim.com.br

André Arçariéartista-pesquisadoreestudantedeArtesVisuaispelaUfes.andre_nascimento_br@hotmail.com

Aline YasminépresidentedoInstitutoQuorumProduçõesArtí[email protected]

Helder Trefzgeré o maestro titular da Orquestra Filarmônicado Espírito Santo. [email protected]

Erico de Almeida Mangaraviteé servidor público e frequentador deconcertos e óperas. [email protected]

Tavares Diasé jornalista,escritoremestreemEstudosLiteráriospelaUfes. [email protected]

Ronald Z. Carvalhoé consultor de empresas e [email protected]

Lola Dillemé professora, poeta e escritora no municípioda Serra. [email protected]

Nayara Limaé [email protected]

Às Armas, Cidadãos! -Panfletos Manuscritosda Independência doBrasil (1820-1823)José M. de Carvalho,Lúcia Bastos eMarcello BasileOs 32 documentos

reunidos neste volume fornecemsubsídios inestimáveis para acompreensão dos anos decisivos daformação do Brasil moderno.

240 páginas. Companhia das Letras. R$ 42

As Melhores Frasesde Casa-Grande &SenzalaFátima Quintas(seleção)Os trechos selecionadospara esta coletâneasão como aperitivos

preparados para satisfazer os leitoresávidos por conhecer de maneira maisdireta a obra-prima de Gilberto Freyre.

288 páginas. Global. R$ 35

Diversidade da VidaEdward O. WilsonReconhecido no mundotodo como o papa dabiodiversidade, Wilsonanalisa os processosadaptativos responsáveispela criação de novas

espécies e aponta fortes indícios de queo planeta caminha para um grave etalvez irreversível processo dedegradação ambiental.

528 páginas. Companhia das Letras. R$ 29,50

A Aventura doPudim de NatalAgatha ChristiePublicado originalmenteem 1960, contém cincocasos do detetive HerculePoirot e um de MissMarple, escolhidos

pela própria autora, que fazaqui uma homenagem às festasde Natal de sua infância.

272 páginas. L&PM Pocket. R$ 19

CrônicasRoda de leitura na Biblioteca EstadualNa próxima quarta-feira, Sérgio Blank comanda roda deleitura com crônicas de Alvino Gatti, às 17h, na BibliotecaPública do Espírito Santo, em Vitória. Entrada franca.

Encontro literárioCafé com Letras 2013 já tem dataNo dia 19 de janeiro, a partir das 17h, acontece a primeira ediçãodo projeto Café com Letras 2013, no Shopping Norte Sul, emJardim Camburi. Os livros de autores capixabas que participaremdo encontro serão expostos na livraria Logos do shopping.

29de dezembroBossa, MPB e jazz para fechar 2012No próximo sábado, a partir das 20h, a cantoraAmélia Barreto e o violonista Victor Humberto seapresentam no Wunderbar Kaffee (Avenida RioBranco, 1.305, Praia do Canto, Vitória). Telefone: (27)3227-4331. No repertório, bossa nova, MPB e jazz.

17de marçoImagens daArgentina emexposiçãoVai até 17 de março de2013 a mostra “Recuerdo deTucumán”, da artistaplástica Monica Neves Leão,no Espaço Cultural CasarãoCerqueira Lima (Rua MunizFreire, 23, Cidade Alta,Vitória). A mostra exibefotografias realizadas pelaartista durante viagem àcidade de San Miguel deTucumán, na Argentina.Agendamentos de visitas:(27) 3132-5295.

José Roberto Santos Nevesé editor do Caderno Pensar, espaço para adiscussão e reflexão cultural que circulasemanalmente, aos sábados.

[email protected] ORDEM DO SAGRADO

Enquanto expressão artística da ordem do sagrado, amúsica clássica traduz em solos, coros e orquestra acelebração do nascimento de Jesus Cristo. Essa tradiçãoteve início no Renascimento musical (aproximadamenteentre 1400 e 1600 d.C.), com o compositor italianoGiovanni Gabrieli, e se estendeu através dos séculos nascomposições de mestres como Bach, Händel e Tchai-kovsky. Nas páginas 6 e 7, o maestro da Orquestra

Filarmônica do Espírito Santo (Ofes), Helder Trefzger, eo especialista em música clássica, Erico de AlmeidaMangaravite, descrevem o contexto em que foram es-critas as principais obras que marcaram a festa cristã,incluindo “Messias”, de Händel, “Oratório de Natal”, deJohann Sebastian Bach, e “O Quebra-Nozes”, de Tchai-kovsky. Ótimas sugestões de trilha sonora para esta dataespecial. Boa leitura, bom Pensar, bom Natal.

Pensar na webVídeos de composições inspiradas noNatal, gravações de world music, trailerda exposição “Deserto Gráfico” e trechosde livros comentados nesta edição,no www.gazetaonline.com.br

Pensar Editor: José Roberto Santos Neves; Editor de Arte: Paulo Nascimento; Textos: Colaboradores; Diagramação: Dirceu Gilberto Sarcinelli; Fotos: Editoria de Fotografia e Agências; Ilustrações: Editoria de Arte; Correspondência: Jornal

A GAZETA, Rua Chafic Murad, 902, Monte Belo, Vitória/ES, Cep: 29.053-315, Tel.: (27) 3321-8493

José Augusto Carvalhoé doutor em Língua Portuguesa pelaUniversidade de São Paulo. [email protected]

Gabriel VieiraégraduandoemLetrasPortuguêseInglê[email protected]

Marcelo dos Santos Nettoé jornalista, escritor e mestre em RelaçõesInternacionais. [email protected]

Ricardo Rochaéarquiteto,professordaUfesemembrodoConselhoEstadualdeCultura.rdsr8@hotmail.com

Documento:AG22CP002;Página:1;Formato:(274.11 x 381.00 mm);Chapa:Composto;Data:20 de Dec de 2012 20:47:17

Page 3: Caderno Pensar dezembro 2012

3PensarA GAZETA

VITÓRIA,SÁBADO,

22 DE DEZEMBRODE 2012

entrelinhaspor ANAXIMANDRO AMORIM

A INVENÇÃODE TIRADENTES

DIVULGAÇÃO

Escrito na década de 1940 epublicado originalmente em1953, o “Romanceiro da In-confidência” é, para muitos, aprincipal obra de Cecília Mei-reles. Foi após ir a Ouro Preto,

com a finalidade de documentar os even-tos da Semana Santa, que a autora,enquanto jornalista, encontrou inspiraçãopara reconstituir, de forma poética, osepisódios marcantes da Inconfidência Mi-neira. Nessa obra, Cecília Meireles uti-liza-se, pela primeira vez, e com muitasensibilidade, da temática social, enfa-tizando a luta pela liberdade (consubs-tanciada na fracassada conjura mineira).Fruto de longa pesquisa histórica, o livroretrata a sociedade de Minas Gerais doséculo XVIII, principalmente os perso-nagens envolvidos na Inconfidência, ten-do como fio condutor o martírio deJoaquim José da Silva Xavier, o Tira-dentes, personagem principal da obra.

Para tanto, Cecília Meireles resolveuoptar pelo romanceiro. O gênero, detradição ibérica, é uma narrativa com umtema central, formado por um conjuntode poemas curtos de caráter narrativo oulírico, destinados ao canto e transmitidosoralmente por trovadores. Cada partetem o nome de romance – que não deveser confundido com o gênero em prosa.Em geral, o romanceiro era uma ex-pressão poética que dava maior auten-ticidade e força evocativa a um episódiohistórico. Assim, Vila Rica é o “país dasArcádias”, numa alusão direta ao neo-classicismo brasileiro, com seus principaispoetas e suas pastoras: Glauceste Sa-túrnio e Nise, Dirceu e Marília. Como setrata de um romanceiro moderno, o ourotoma o aspecto do demônio, figura tãopresente no gênero (Por ódio, cobiça,inveja,/ vai sendo o inferno traçado./ Osreis querem seus tributos,/ - mas não seencontram vassalos./ Mil bateias vão ro-dando,/ mil bateias sem cansaço).

A obra é formada por 85 romances,além de outros poemas, como os queretratam os cenários. Em sua composição,é utilizada principalmente a redondilhamenor, verso de cinco sílabas poéticas(pentassílabo) e, predominantemente, aredondilha maior, verso de sete sílabas(heptassílabo). No entanto, deve-se ob-servar que Cecília não se prende to-talmente a um modelo. Vale-se, também,de versos mais curtos, de quatro sílabas,como em “Fala aos Inconfidentes Mortos”(Treva da noite/ lanosa capa/ nos ombroscurtos/ dos altos montes/ aglomerados).Há versos até decassílabos (Passei poressas plácidas colinas/ E vi das nuvens,silencioso, o gado,/Pascer nas solidõesesmeraldinas), além de versos brancos,

aliterações, e tantos outros recursos poé-ticos habilmente usados pela autora paraenriquecer sua poesia.

É difícil estabelecer uma divisão ri-gorosa da obra. O livro avança ou fazregredir o assunto, com poemas tran-sitórios, verdadeiros parênteses poéticos.A Inconfidência Mineira é entremeadacom outras histórias, como as de Chica daSilva (Que andor se atavia/ naquelavaranda?/ É Chica da Silva:/ é a Chi-ca-que-manda!); de Chico Rei (guarda nacarapinha, negra,/ o véu do ouro em pó);da donzela morta a punhaladas pelo pai(Ai, minas de Vila Rica,/ santa Virgem doPilar!/ dizem que eram minas de ouro.../- para mim, de rosalgar, / para mim,donzela morta/ pelo orgulho de meupai.); de Marília de Dirceu (“Não chorestanto, Marília,/ por esse amor acabado:/que esperavas que fizesse/ o teu pastordesgraçado,/ tão distante, tão sozinho,/em tão lamentoso estado?”); de BárbaraEliodora (Dona Bárbara Eliodora,/ Tãoaltiva e tão cantada,/ que foi Bueno e foiSilveira,/ dama de tão alta casta/ que emtoda terra das Minas/ a ninguém se

ROMANCEIRO DAINCONFIDÊNCIACecília Meireles. ColeçãoL&PM Pocket. 224 páginas.Quanto: R$ 17

comparara); e tantas outras que, longe deparecerem um emaranhado caótico, dãoconsistência à obra, enriquecendo-a emostrando o todo coeso deste “Roman-ceiro da Inconfidência”.

Como se trata de um fato histórico, edos mais importantes, a autora tem ocuidado de não apenas se limitar a re-latá-loemversos,masprocurarecriá-lopormeio da imaginação, no que encontramos,no livro, muito do seu conhecido estilo,composto de atmosferas fugidias, impre-cisas. Assim, Cecília Meireles chancela aimagem divinal de Tiradentes como umareprodução de um Cristo que se torna oredentor do Brasil, tendo Joaquim Silvériodos Reis como seu direto antagonista(Melhor negócio que Judas/ fazes tu,Joaquim Silvério:/ que ele traiu JesusCristo,/ tu trais um simples Alferes./ Re-cebeu trinta dinheiros...). Por fim, cons-truindo seu romanceiro como um mosaicode histórias conduzidas pelo mesmo panode fundo, Cecília não apenas consolida omito de Tiradentes, mas fortalece a iden-tidade mineira e, por que não dizertambém, a identidade brasileira.

TRECHO“Tenha meus dedos cortados,antes que tal verso escrevam...”LIBERDADE, AINDA QUETARDEouve-se em redor da mesa.E a bandeira já está viva,e sobre, na noite imensa.E os seus triste inventoresjá são réus – pois se atreverama falar em Liberdade(que ninguém sabe o que seja).

Romance XXIV ou Da bandeira daInconfidência, página 83

Cecília Meireles usou um conjunto de poemas curtos, de caráter narrativo, para construir o “Romanceiro da Inconfidência”

Documento:AG22CP003;Página:1;Formato:(274.11 x 381.00 mm);Chapa:Composto;Data:20 de Dec de 2012 19:51:15

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4PensarA GAZETAVITÓRIA,SÁBADO,22 DE DEZEMBRODE 2012

Exposição de desenhos em cartaz até 31 de dezembro, na Galeria Homero Massena, sugere aoespectador um mergulho no sentido da existência humana, aponta estudante de Artes Visuais

artes plásticaspor ANDRÉ ARÇARI

UMA REFLEXÃO SOBREOS DESERTOS DA MENTE

DIVULGAÇÃO

DESERTO GRÁFICOExposição de Gabriel Albuquerquee Luciano Feijão, com curadoria deJulio Tigre. Galeria HomeroMassena, Rua Pedro Palácios, 89,Cidade Alta/Centro, Vitória.Visitação até 31 de dezembro.Informações: (27) 3132-8395 [email protected] franca.

Em “Deserto Gráfico”, em car-taz na Galeria Homero Mas-sena, Luciano Feijão e GabrielAlbuquerque apresentamuma pesquisa pautada no fa-zer gráfico do desenho e em

uma possível reflexão de desertos.O Deserto sugerido pelo título da

exposição não comporta o estudo re-lacionado à geografia. Enquanto ciên-cia, a geografia estuda a superfície ter-restre, sua distribuição espacial e seusfenômenos relacionados à paisagem.Portanto busca questões relacionadas aosolo, vegetação, água, etc.

Os desenhos reunidos na mostra nãotratam desse deserto. O curador JulioTigre (também artista e professor) es-creve em seu texto para a exposição queambos os desenhistas têm como proposta,“entre outros possíveis significados para otema, a ideia de que a folha branca depapel ainda imaculada é como um campovasto de possibilidades.”

O então explorado deserto de LucianoFeijão e Gabriel Albuquerque pode, porvezes, estar inserido em um pensamento.Se um debate ou uma discussão são feitosno mínimo a dois, uma reflexão só podeser realizada em momentos de solidão. Oser solitário, agora sem um outro ente,abrigará seu pensamento sobre a exis-tência em seu interior. Esse deserto não éuma imersão em um nada, mas umainserção no habitar da mente.

Não à toa, relembrar Fernando Pes-soa se faz necessário. Em “Grandes sãoos desertos”, o poeta diz: “Grandes sãoos desertos, e tudo é deserto. Não sãoalgumas toneladas de pedras ou tijolosao alto que disfarçam o solo, o tal soloque é tudo. Grandes são os desertos e asalmas desertas e grandes. Desertas por-que não passa por elas senão elasmesmas...”

Cada artista realizou um conjunto de10 desenhos, dispostos nas paredes la-terais da galeria. Além dos 20 trabalhostotais, no fundo há uma grande folha quepreenche esta parede. Segundo GabrielAlbuquerque, no bate-papo do último dia27 de novembro, a ideia de se fazer umgrande desenho junto a Luciano Feijãoadveio de Julio Tigre. Iniciado durante overnissage, o desenho é um trabalho emprocesso noqual osdois artistas criam (emconjunto) uma situação única. O desenhopermanecerá em constante mudança du-

rante o tempo que a exposição estiver emcartaz, e terminará assim como começou,junto da mostra.

A exibição também conta com um textode Adolfo Oleare, que pode ser encontradotanto no folder quanto no catálogo lan-çado na primeira semana de dezembro. Apublicação está à venda e pode ser ad-quirida na Galeria Homero Massena.

Enquanto vasta imensidão em que se

Perfil dos artistas

Luciano FeijãoNasceu em Vitória (ES) em 1976. Graduadoem Artes Plásticas pela UniversidadeFederal do Espírito Santo, atualmente éaluno do Mestrado em Artes pela mesmainstituição. Participou de exposiçõescoletivas de desenho e gravura em Vitória eSão Paulo, com destaque para o “SPEstampa”, na Casa da Gravura Brasileira, e“Gravura/ES”, no Museu de Arte do EspíritoSanto, todos em 2012. É integrante do grupoCélula de Gravura, com pesquisa emlitografia. Trabalha como professor eilustrador, publicando regularmente na“Folha de S. Paulo”, com passagens pelo LeMonde Diplomatique Brasil, Editora Abril eEditora Record.

Gabriel AlbuquerqueÉ graduado em Cinema de Animação pelaEscola de Belas Artes da UFMG, ilustrador,professor de desenho e responsável pela áreade Cinema do Centro Cultural Sesc/Glória,além de ter dado aula na Ufes por dois anos emeio como professor substituto de Desenho I,II, III e IV. Realiza curtas-metragens emanimação, produz gravuras, desenhos eilustrações, além de coordenar oficinas eprojetos na área da Cultura.

inserem tanto ausência quanto presença,o deserto pode ser considerado um pa-radoxo. Ao mesmo tempo em que nelehabitam paisagem e indícios da exis-tência do mundo, pouco habitam pes-soas, seres e situações que encontramosna vasta paisagem urbana.

Por mais imprescindível que seja, essasensação que a arte apresenta aos es-pectadores de pensar o ser e pensarmos

como ser não é algo novo. Em seu ensaiosobre “Deserto Gráfico”, Adolfo Oleareafirma que o “artista é aquele capaz de verno ordinário o extraordinário, exatamentecomo Rainer Maria Rilke prescreveu aoseu correspondente, Sr. Kappus, em Cartasa um jovem poeta”.

É válido lembrar outrossim, sobre osescritos de Rilke, seu ensaio intitulado“Obras de Arte”, de 1903. O texto inicia-seda seguinte forma: “Talvez tenha sidosempre assim. Talvez tenha sempre havidouma grande distância entre uma época e agrande arte que nela surgiu. Talvez asobras de arte tenham sido sempre tãosolitárias, como são hoje...”

Obras de Luciano Feijão (acima) e Gabriel Albuquerque (no destaque): significados

Documento:AG22CP004;Página:1;Formato:(274.11 x 381.00 mm);Chapa:Composto;Data:20 de Dec de 2012 20:01:41

Page 5: Caderno Pensar dezembro 2012

5PensarA GAZETA

VITÓRIA,SÁBADO,

22 DE DEZEMBRODE 2012

falando de músicapor ALINE YASMIN

WORLD MUSIC, O LUGARDO HOMEM NO MUNDO

Falar de cultura é tratar doselementos fundantes de umpovo, sua linguagem própria,sua raiz. A amalgamizaçãoque, presente nas inscriçõesmais ancestrais, carrega a

personalidade pertencente a uma co-munidade. Nela estão contidos tambémos fatores que perpassam a relação com anatureza e a forma como a reproduzemna poética e na técnica. Isso se repete emtodas as manifestações e é facilmenteobservado num contato mais concreto,seja nos instrumentos, na sonoridade, nagastronomia, no grafismo e na arqui-tetura. E perdura como uma conatu-ralidade da arte com o homem e seumeio e sua identidade.

Volto os olhos para a atualidade e omovimento intercambiante que acontececom força nos quatro cantos do planeta. Oque chamo de relação com o outro, oualteridade pela arte, são conceitos fi-losóficos no universo da estética e dalinguagem integrados a uma perspectivapragmática. Há um crescente interessepela cultura popular, movimento que pa-rece ganhar força em todo mundo. Ointeresse pelo diferente e novo – ao outro– naquilo que é histórico ou tradicional édemonstrado em festivais e feiras (emespecial de música) que se consolidam eavolumam. Nesse mesmo cenário, a con-temporaneidade parece reforçar valorespresentes em movimentos de resgate dossimbolismos de cada história, e do in-divíduo representado coletivamente poruma determinada cultura ou tradição,para demonstrar o que é mais genuínooriginado em seu país.

Tanto sociedades milenares quantojovens culturas pouco ou muito de-senvolvidas tecnologicamente estão empermanente resgate de suas origens.Países como Japão, Alemanha, França eEstados Unidos trabalham para preser-var e revelar suas próprias linguagens.Os países do leste europeu, ricos eminstrumentos artísticos pouco ociden-talizados, investem em visibilidade emarcam presença com grupos tradicio-nais em feiras de world music, comopude constatar na Womex, em sua XIIedição na Grécia, ou no expressivo fes-tival Warszawski Festiwal Skrzyzowa-nieKultur, em Varsóvia, Polônia.

Um mecanismo caminha paralelo eantagônico, simultaneamente, pois na viainversa, um sentido de abertura de mun-do se contrapõe a esse conceito tra-dicionalista e passa pela necessidade dedar à arte seu espaço de manifestaçãocomo um movimento, não marcado pelosentido da coletividade, mas pela afi-

nidade de um grupo que pode estar aomesmo tempo reunido em toda parte,sem divisa geográfica ou cultural. Artistasque se conectam e se expressam com amesma sintonia, independente de suasorigens, reafirmando-se em identidadeindividual e por uma estética comumnorteada subjetivamente. Coreanos comoa banda Geomungo Factory fazem rockdistorcido; brasileiros produzem músicaeletrônica; turcos tocam jazz; italianoscantam reggae, como a cantora MamaMarjas, e tantos outros. Não se podeidentificar a pátria senão pelo uso even-tual de instrumentos peculiares, ou pelalíngua, o que nem sempre é garantido,pois muitas vezes também se afinam peloidioma do outro. Há quem tenha vistoingleses ensaiando uma batucada e can-tando refrãos em português.

Sem regrasÉ possível ainda encontrar aqueles que

utilizam a tradição e a recriam, como osucranianos Dakha Brakha, ou que mis-turam tudo e resultam no inusitado, sem

regras, com uma linguagem incontro-lável, mas que agrada a uma plateiaimprevista que se identifica tanto com oque há de essencial e lhe parece novo,como na mistura em si que traz umaparticularidade incorrigível. Penso queem todos os casos há um mesmo fun-damento, embora não apareça tão cla-ramente à primeira vista. A velocidade dainformação e o estreito contato promo-vido pela internet têm convidado o ho-

DIVULGAÇÃO

mem, ainda que em caminhos diversos, areafirmar suaprópriaexistência.Sedeumlado, pelos valores mantidos na tradição,por outro, pela possibilidade do contatocom o outro por afinidade estética ou aintegração de ambos os motivos.

Em todos os casos, temos a univer-salidade garantida pela necessidade es-sencial do homem em manifestar-se cria-tivamente, naquilo que o Mito Prome-teico trata e que nos difere dos demaisseres. A possibilidade poiética, a forçacriadora, que diz ao mundo por meio desímbolos que convergem em força ca-talisadora, presente tanto na preservaçãode seu território, como no caráter an-tropofágico, e nele a possibilidade doencontro com o outro, naquilo que oafina, ou o difere. Nisso consiste o pa-radoxo e, com a massificação do ser, anecessidade de retomar a teoria dosmitos e ritos, como trata Joseph Campbelem “Poder dos Mitos”. Não numa pers-pectiva metafísica, mas existencial, e darao homem, com sua virtualidade oni-presente, a demarcação do seu lugarno mundo e sua experiência.

A sonoridade do grupo coreano Geomungo Factory é um exemplo do intercâmbio que acontece nos quatro cantos do planeta

Documento:AG22CP005;Página:1;Formato:(274.11 x 381.00 mm);Chapa:Composto;Data:20 de Dec de 2012 19:53:22

Page 6: Caderno Pensar dezembro 2012

7PensarA GAZETA

VITÓRIA,SÁBADO,

22 DE DEZEMBRODE 2012

6PensarA GAZETAVITÓRIA,SÁBADO,22 DE DEZEMBRODE 2012

MAESTRO E ESPECIALISTA MOSTRAM COMO O NASCIMENTODE CRISTO INSPIROU COMPOSITORES ATRAVÉS DOS SÉCULOS

música clássicapor HELDER TREFZGER e ERICO DE ALMEIDA MANGARAVITE

O NATAL EMSOLOS, COROSE HARMONIAS

No período do Renascimento musical (entre 1400 e 1600 d.C.), o compositor italiano Giovanni Gabrieli já escrevia motetos natalinos, como “O magnum mysterium” e “Salvator noster”

DIVULGAÇÃO

Representação artística do “Weihnachts-Oratorium”, escrito por Johann Sebastian Bach para o Natal de 1734

Quando fui convidado porJosé Roberto Santos Ne-ves, editor do CadernoPensar, para escreverum pouco sobre a re-lação entre a música

clássica e o Natal, imediatamente lem-brei-me do meu amigo e colaboradorfrequente desse caderno, o agora de-legado Erico Mangaravite, que é umatento ouvinte da música clássica e,mais do que isso, um pesquisador, umapaixonado pela música, que não me-de esforços para acompanhar as pro-duções locais e nacionais, e que temuma visão crítica extremamente con-sistente e correta. Tomei então a li-berdade de convidá-lo para me ajudarnessa empreitada, ficando muito felizcom o seu aceite – acho que os leitoresganharão com isso!

A nossa intenção é mostrar um pou-co como o tema do Natal motivoucompositores de música clássica a es-crever algumas de suas obras. Vale apena salientar que nosso foco não sãoas músicas tradicionais de Natal, asconhecidas canções natalinas, como“Jingle Bells”, “Noite Feliz”, “We wishyou a merry Christmas” etc., e simas grandes obras clássicas criadas

Obras de destaque

a partir desse tema.E não foram poucos os com-

positores que escreveram músicassobre o nascimento de Cristo. Já noperíodo do Renascimento musical(aproximadamente entre 1400 e 1600dC), o compositor italiano GiovanniGabrieli (ca. 1555-1612) escrevia mo-tetos natalinos, como “O magnum mys-terium” e “Salvator noster”. Pouco de-pois, o alemão Heinrich Schütz(1585-1672) escreveu a “Historia derGeburt Jesu Christi” (História do Nas-cimento de Jesus Cristo).

Mas foi um pouco mais tarde, já no

período do Barroco musical, que ogrande compositor alemão Johann Se-bastian Bach (1685-1750) compôs umadas obras mais emblemáticas sobre essetema, o “Weihnachts-Oratorium” (Ora-tório de Natal), escrito para o Natal de1734. Peça de grande porte, escritapara ser executada em seis partes,durante os dias das principais festasnatalinas, ela é, atualmente, apresen-tada em duas partes, com uma duraçãode aproximadamente três horas.

Outros compositores dessa épocatambém se inspiraram no tema, dentreeles o inglês Henry Purcell

(1659-1695), o alemão Georg Tele-mann (1681-1767) e o italiano Giu-seppe Tartini (1692-1770), com can-tatas, sinfonias e outras peças. Uma dasobras mais conhecidas é o “ConcertoGrosso Op. 6, nº. 8”, que tem o sub-título “Fatto per la notte di Natale”(Feito para a noite de Natal), compostopelo italiano Arcangelo Corelli(1653-1713). Mas nenhuma obra ficoutão popular como o oratório “Messiah”(Messias), escrito pelo contemporâneode Bach, o compositor alemão, na-turalizado cidadão britânico em 1726,Georg Friedrich Händel (1685-1759).

Apesar de ser dividido em três grandespartes e conter mais de 50 peças, Hän-del compôs esse Oratório durante overão de 1741, em apenas três se-manas. Seu coro mais famoso, o “Hal-lelujah” (Aleluia), é um exemplo damaestria e inventividade de Händel,sendo uma das peças preferidas degrupos vocais mundo afora.

Diversos paísesNos séculos XIX e XX outros com-

positores, de diversos países, continua-ram a se inspirar no Natal para produzirbelas obras, como, por exemplo:

Na Alemanha, Felix Mendelssohn(1809-1847): “Christus”, Op. 97;

Na França, Camille Saint-Saëns(1835-1921): “Oratorio de Noël”, Op.12; Arthur Honegger (1892-1955):“Une Cantate de Noël” (Honegger, ape-sar de viver na França, sempre mantevea nacionalidade de cidadão suíço);

Na Rússia, Nikolai Rimsky-Korsakov(1844-1908): “Christmas Eve Suite”;

Na Inglaterra, Benjamin Britten(1913-1976): “Ceremony of Carols”.

Temas de canções natalinas são,eventualmente, utilizados por algunscompositores, mas não simplesmentearranjados, e sim integrados a umaobra maior, sendo citados e desen-volvidos dentro de uma visão peculiardo compositor. O próprio Honegger, emsua peça “Une Cantate de Noël”, citavárias delas, de uma maneira muitoparticular. Um dos exemplos mais co-nhecidos é o do compositor inglês Ral-ph Vaughan Williams (1872-1958), queescreveu uma bela fantasia sobre otema “Greensleeves” e também umaFantasia sobre canções de Natal (“Fan-tasia on Christmas Carols”). Seu con-terrâneo Gustav Holst (1874-1934) fezo mesmo ao compor “Christmas Day”.

Para terminar, não poderíamos deixarde citar um dos clássicos natalinos maisimportantes, o balé “O Quebra-Nozes”,do compositor russo Piotr Ilitch Tchai-kovsky (1840-1893), que se tornou umclássico do balé mundial, exercendoenorme fascínio nas plateias. O encontrodo conto de Alexandre Dumas com amúsica de Tchaikovsky e a coreografiaoriginal de Marius Petipa e Lev Ivanovfizeram com que, desde a sua estreia, em1892, na Rússia, se tornasse um dos balésmais montados em todo o mundo.

Podemos concluir que, além das belase tradicionais canções de Natal, muitotocadas nessa época, compositores im-portantes, de vários países, também seinspiraram no nascimento de Cristo eproduziram obras significativas que me-recem a nossa atenção. Por isso, fica oconvite: que tal reservar um tempinho,chamar a família e os amigos e ouvircom atenção alguma dessas obras ouparte delas? Vai ser uma experiênciaenriquecedora e uma ótima opor-tunidade de celebrar o Natal!

“Messias”, de George Friedrich HändelOratório para solistas, coro e orquestra. Tema:nascimento, vida, morte e ressurreição de JesusCristo, o Messias (redentor da humanidade).Estreia: 1742. Não existe somente uma versãodeste oratório. O número de músicos foimodesto nas primeiras apresentações: cerca de60 componentes, incluindo o coro. Poucos anosdepois, montagens com centenas de integrantestornaram-se populares, tendência que perdurouaté a década de 1960. Arranjadores introduziramalterações na partitura, incluindo instrumentosnão previstos originalmente. O próprio Handelcolaborou para a inexistência de uma versãoúnica da obra, pois também modificava apartitura em consideração às característicasespecíficas de um ou outro novo solista.

“Oratório de Natal”, de Johann Sebastian BachObra para solistas, coro e orquestra. Tema: onascimento de Jesus Cristo. Estreia: 1734.Composto especificamente para o Natal,mas fazendo uso de material reaproveitadode obras anteriores, o “Oratório” é formadopor seis cantatas a serem executadas entre25 de dezembro e 6 de janeiro. Acomposição é de caráter festivo, marcadapor coros jubilosos e árias com refinadoacompanhamento instrumental. Umaexcelente gravação é a que conta comregência de Peter Schreier, quecuriosamente também interpreta oEvangelista – proeza que não se restringiu aessa gravação, pois Schreier assim tambémse apresentou em concertos.

“O Quebra-Nozes”, de Piotr TchaikovskyBalé em dois atos.Tema: nessa estória infantil,a menina Clara ganha de presente de Natalum quebra-nozes em formato desoldadinho. Quando ela adormece,sonha com uma série de aventurasvividas em companhia do brinquedo,que se torna uma espéciede príncipe encantado. Estreia: 1892.O compositor escolheu oito trechosdo balé e organizou uma Suíte com omesmo nome da obra, sendo que estacompilação se tornou imensamentepopular. Recomendamos as versõesregidas por Mstislav Rostropovich eHerbert von Karajan.>

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Documento:Capa_AGazeta_22_12_2012 1a. SABADO_CP_Pensar_6-7.PS;Página:1;Formato:(548.22 x 382.06 mm);Chapa:Composto;Data:21 de Dec de 2012 18:49:53

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8PensarA GAZETAVITÓRIA,SÁBADO,22 DE DEZEMBRODE 2012

Poesia

CAMINHOS DEBORBOLETASLOLA DIASEntardecia, eu passeava pela estradade barro avermelhadaSentia o vento bater em meu rosto,em meus cabelos...Eu estava apaixonada,enlouquecidamente apaixonadaTudo era tão lindo!As borboletas eram azuis dacor do céuE azul eram os meus sonhos...Sonhei os sonhos mais lindos que umaadolescente pode sonharAo seu lado construí castelos,E projetei-os em várias dimensõesEra eu, você e o nosso amor.Você era o sol, a primavera a flordesabrochando...Hoje depois de tantos anos você aindaé o meu amorMas aquela menina, não sei onde elase escondeu...Olho no espelho não encontro o meusorriso,Será que as borboletas o roubaram demim?O meu sorriso, onde está o meusorriso?Você que hoje passa pelos lugaresonde passeiQue ama como um dia ameiPor favor se encontrar o meu sorrisoDevolva-o para mim...

VIDAINQUIETATarde vaziaDe uma paz inquietante parada no arQueria fazer coisas diferentesConhecer o desconhecido – o além...Aqui tudo já vi, experimentei e vivi.Sofri, amei e fui feliz.Amei com intensidade tudo e todosUm sorriso, um olhar, um beijodei a todos que por mim passaramna passarela da vidafui julgada e incompreendidaMas, ao meu modo eu fui felizfiz tudo que sempre quisnunca fui exclusivamente de ninguémminha vida era um encantoe eu a dividi com todosque por mim passarampararam, sorriram e se foram...hoje estou só e vaziacomo a tarde que melancólicadespertaenquanto o sol morre lentamenteentre nuvens inquietascomo a vida que vivi...

Crônicas

AGORA QUE OMUNDO ACABOUpor TAVARES DIASAgora que o mundo acabou, resolvi abriro coração para meus falecidos leitores, naesperançosa suposição de que os mortossejammais compreensivosqueosvivos.E,principalmente, do que os muito vivos.

Preciso lhes contar coisas mais im-portantes, reparar acusações mentiro-sas que me foram imputadas durantetantos anos.

Primeiro: não é verdade que eu te-nha sido o grande amor da JulianaPaes. Nem que ela tenha tentado sematar, quando a deixei. Isso foi in-ventado por gente interessada em meindispor com a Cléo Pires. Na época,tive um trabalhão pra recolocar ascoisas no leito, se a ex-leitora e oex-leitor me entendem.

Tampouco fui eu quem ensinou arecém-falecidos editores de todo o Brasila usar, em manchetes de jornais e re-

vistas, verbos de ligação nem formasverbais como “pode” ou “deve” (no sen-tido de algo que possa vir a acontecer ouesteja em vias de). Também não é minhaculpa se usavam “não” em títulos. Issotudo, nos tempos em que os jornalistaseram vivos, eram palavras que esfriavama matéria e afastavam os leitores. E títulointerrogativo? Na hora, o editor-chefetrovejava: “Foquinha, jornal não per-gunta; jornal responde”. Quanto a ex-pressões como “Carioca ganha” e “Ca-riacica ganha”, então, os mais frequentesdos cacófatos que eu lia/ouvia por essasbandas de cá, quando vocês viviam, emdefinitivo não é coisa minha. Sou apenasum velho editor meio caduco que sobrousozinho no mundo e que conversa comvocês, fantasmas de falecidos leitores.Nada de me levar a sério.

Um furo jornalístico: o que acabou

com o mundo foi a superficialidade hu-mana, aliás, a mais conhecida contri-buição com que os Estados Unidos brin-daram o extinto planeta – depois dacultura do genocídio e do tiro ao alvo,onde pontificou a modalidade tiro aoestudante. O Homem criou calendários,fatiou o tempo pra não perder a hora doserviço, e achava que o Universo iaobedecer a seus delírios. Acho que vocêsbem mereceram o fim que tiveram.

Agora, uma confissão: vou ficar comtodo o dinheiro do mundo pra mim.Vou morar no Taj Mahal, ter jatinhos,iates; vou quebrar as bancas de LasVegas e flanar por luxuosas coberturasao redor do mundo. E não quero saberde assombrações de antigos proprie-tários me enchendo o saco. Vamoscultivar o desapego, ex-gente.

E, ao fim e ao cabo, uma desconfiança:pra mim, esse negócio de profecia maiafoi alguma armação dos irmãos jor-nalistas Paulo e Pedro Maia, que jamaistiveram a intenção de dar fim a mundonenhum. Coitados. Mexer com genteburra dá nisso. A galera levava tudo ao péda letra. Deu no que deu.

Não posso revelar meu nome. Mesmo queo fizera, erraria, pois esqueci-o em de-corrência desta estranha situação que mefez esquecer-me, esquecer-se. Pensé, pri-mero, en escrever en español, pero creoque ya no lo sé. Esta mañana, al salir delhotel, saludé la bela niña de la recepciónen español, y estoy casi seguro que mecontestó en un dialeto Guarany muyantiguo de São Paulo, que me ensegnó mipadre, hace tantos años... Se murió hacepocos meses, este mi padre, y todavia nome acostumbré al mundo sen él.

Todas as manhãs quando saio destehotelmodernoesemgraça, iguala todososoutros, vejo a mesma linda menina. Queme sorri o mesmo sorriso. E diz: “Llegó elZ-5!” O velho táxi caindo aos pedaços, queme serve todo os dias, leva-me não sei paraonde e me traz não sei porque para oalmoço, depois para o jantar, para voltar abuscar-me no dia seguinte e assim pordiante, creio eu, por toda a eternidade. Porisso, creio eu, sinto-me como se tivessemorrido, e estivesse em uma espécie de

limbo, que não é um castigo. Mas tambémnão é uma recompensa. Tampouco umbralou purgatório. Uma situação que desafiatodas as crenças.

Y en que creem los que nó creem? Si,porque uno lo cree siempre, verdade?En si mismo... En la naturaleza. Nom-bres diversos para la misma cosa. Elmismo nombre para diversas cosas.

Agora o ano termina. Alguns dis-seram que o mundo ia acabar... Pareceque não... E se acabou? Acaba, pronto.Garanto que, depois do mundo acabar,ninguém vai sentir nada. Nem eu. Nemninguém. Talvez em algum outro mundo,por um estranho mecanismo qualquer,desconhecido, saibam e até noticiem ofim deste aqui. Parou por aí.

A ver. Como serán los tiempos despuésdel fin del mundo... Nadie lo sabe ni losabrá. Talvez Diós, si lo hay uno... Y si lohay donde está? Y donde vá, que vá ahacer si acaba el mundo? Crear un otro...Talvez, para que no se quede sin trabajo,aburrido. A ver... Un Diós sin mundo és

mucho peor que un mundo sin Diós...Então, amanhã, o mesmo táxi e o

mesmo motorista virão buscar-me namesma hora e vamos para o mesmo lugar.Juro que vai ser tudo igualzinho. Mais domesmo. Como tudo na vida, sempre. Asmenininhas da portaria deste hotel mo-derno e sem graça vão dizer as mesmascoisas e eu vou responder igual. Depois deamanhã, e depois, e assim por diante. Atésempre. Ou até o mundo acabar. Mas seisto é um limbo, ou um castigo, não sei, seo mundo acabar tudo vai continuar igual,por toda a eternidade, claro! E talvez eunem perceba que o mundo acabou, pô! Seé que não acabou...Vou acordar na mesmahora. O mesmo táxi vai chegar etc etc etc..E eu vou continuar sem saber onde estou,para onde vou, quem sou, quem somos,olha que bacana! Metalinguagem... Saus-sure puro... Una forma estraña de alguntipo de eternidad. Um pronóstico delpassado, sin futuro...

Espera até eu contar isso para o meuanalista... Como é mesmo o nome dele?

ONDE ESTAREI DESPUÉS DEL FIN DEL MUNDO?por RONALD Z. CARVALHO

Documento:AG22CP008;Página:1;Formato:(274.11 x 381.00 mm);Chapa:Composto;Data:20 de Dec de 2012 19:57:08

Page 8: Caderno Pensar dezembro 2012

9PensarA GAZETA

VITÓRIA,SÁBADO,

22 DE DEZEMBRODE 2012

poesias

MARIAGABRIEL VIEIRAEra quase de diaEu não vi MariaJá era de diaEu não dei bom dia

Eu preciso voltar para BahiaEu quero ver minha guriaMas que agoniaAntes preciso falar com Maria

Lá vem EmíliaEla vem com toda malíciaVou tratá-la com apatiaUsando muita gíria

Já se foi meu diaE não topei com MariaDisseram que foi para BahiaMas que ironiaNão consigo terminar essa poesia...

PAZ INTERIORQuando parei, dei-me a chorar.

Ouço o vento do mar de CamburiQue sussurra no meu ouvido.

Paro, escuto e assisto-me no que eueraNoto que as coisas vão seapressando...

Tornei-me uma pessoa presa dolamentoDerramo minhas lágrimas com gritosde morte

Não me acostumei com esse mundode homensSerá que é difícil encontrar a pazinterior?

Atravesso mares de profundasamarguras

Tudo se mostrou desprezível aos meusolhosPobre alma minha que quer sefindar...

A MORTESempre me escondo assustado nomeu quartoHá um inimigo que vive a me rondar...Nele não existe compaixão, vigiatodos os meus passosA qualquer vacilo, me apagará...

Naquele dia mostrou-se apressadoChegou ao início da madrugadaQuando eu estava no sono profundo...Acordou-me e indagou: “Aquele quemorre, viverá?”Sem ao menos querer ouvir a minharespostaMatou-me...

crônicas

GRAVE FELICIDADEpor NAYARA LIMA

Essas palavras chegam enquanto tomoum bom café, dentro de uma padariacujo estilo atrai senhoras de rosto bran-do. Ocorre, no entanto, que uma criançaestá debruçada na cadeira da frente eme olha há cerca de sete minutos, demodo fixo. Meus olhos, embora peçampela piedade de eu ser esquecida, de-sistem. Por tempo indeterminado, per-tenço ao menino desconhecido de maisou menos quatro anos de idade e ne-nhum movimento que pudesse vir demim faz-me novamente minha. A crian-ça não mostra qualquer expressão decontentamento ou dor. Apenas olha,viva, enquanto uma estrela arde no céuda China e alguém lá em Minas lamentanão ter visto o mar. Sobreviver ao fim domundo é ser vista por este menino. É termedo de sair da frente dele e assim

feri-lo. É esquecer uma história perdidana Avenida Paulista. Amanhecer lem-brando da palavra crisântemos.

Ter sobrevivido é sempre. É andar peloque é rua e ainda, na varanda, ficar expostaà plantação vizinha, entre coqueiro, ja-buticabeiraeárvorede floresamarelas.Umamorrigorosopeloestadodascoisas,desdea primeira luz de ter nascido até o corposolto de quando é manhã e sou na areia denossa Ilha. Eu ia dizer, um amor rigorosopelo estado das coisas toma o corpo de talmodo que se fica em estado grave. É de cairdoente. Chamar três médicos que dizemsobre taquicardia. Aconteceu-me.

“O amor apenas crescera”, no fundo aexplicação silenciosa era suficiente. Mascrescera para além da linha que sustenta asaúde do corpo? Ou minha saúde eramesmo o desenfreado coração que me

levou, por exemplo, àquele homem poetado queixo bonito falando, falando e eu sóolhando, comoseolha,meuDeus, comoseolha o quê? Nem do Louvre se vê tanto.

O doutor curioso através do este-toscópio busca o que apenas eu possosentir. Imagina o risonho instante deexplicar a eles? “Sentem aqui, vou dizeraos senhores...”.

Uma graça. Mas pouco a pouco umbaque gélido. E o fôlego não permite. E umsilêncio estrondoso do que se chama des-maio, do que se revela mudez, do que é sóo escuro do mundo. (Ou o começo dele).De que adiantaria se voltasse o homem, ouse perseverassem flores amarelas?

– Bendito o milagre que é o tempocom suas voltas. De repente, um car-rossel, e estou salva.

Pensei nas palavras terreno baldio,enquanto despertava. Depois amei ocalor intenso da palavra pantanal. Ànoite, protegida sob o lençol fresco,liguei a televisão. Willian Bonner pa-recia pela metade sem do lado a FátimaBernardes. E anunciara, perdido, umaquestão de calamidade pública.

NATAL SEM MAGIApor JOSÉ AUGUSTO CARVALHO

O Natal não é um dia, mas uma época porque eu ansiava quando criança. Ainda emnovembro, numa tarde qualquer de umsábado qualquer, o mais velho dos meusirmãos sentava-se diante de uma pequenamáquina de escrever Olympia e man-dava-me ditar-lhe os meus pedidos aPapai Noel... Nunca recebi o que pediraem nenhuma dessas cartinhas, mas sem-pre mantive a esperança de que seriaatendido, porque o Natal é sempre má-gico para todas as crianças.

Meus Natais perderam sua magia quan-do recebi pela primeira vez “presentesúteis”: um estojo com lápis e borracha euma pasta para os livros e cadernos queainda seriam comprados dois meses de-pois, para a minha primeira aula, noJardim da Infância.

À perda dessa magia acrescentou-semais tarde a certeza de que a data (25 dedezembro) foi fixadapela Igrejanoano525para cristianizar as festas pagãs que serealizavam nessa época entre 22 e 25, em

homenagem ao deus solar Mitra que, ape-sar de persa, era festejado em Roma, nascomemorações da entrada do solstício deinverno. Outras verdades se acrescentaramdepois a diminuir ainda mais a magia doNatal: Cristo era chamado Nazareno por-quenasceunumbairrodeNazaréchamadoBelém, e não na cidade de Belém; Cristoteria nascido em março e não em de-zembro, e teve pelo menos seis irmãosconsanguíneos (era costume na época queos casais tivessem muitos filhos para ajudarnos trabalhos do campo, porque José, o paide Jesus, não era apenas carpinteiro). Opior é que Jesus não nasceu no ano I, masno ano 4 ou 5, antes de Cristo (por um errono calendário romano-cristão organizadopelo monge Dionísio, o Pequeno, por voltado século VI).

Já não mais consigo ver magia noNatal, mas sempre procurei dar ao Nataldos meus filhos o sentido de magia queeu havia perdido cedo demais.

O Natal não é um dia, mas uma época.

Já a partir de novembro, começam aspromoções e reclames (como se dizia) docomércio; as músicas e jingles tocados àharpa nas ruas, nas lojas, nas rádios e nasTVs; os desenhos de Papai Noel nasrevistas e jornais... Esse é o cenário talvezneutro, mas festivo, dos Natais dos bra-sileiros adultos.

O cenário menos neutro, talvez aindafestivo, é o do 13º salário ou do abonosalarial, para fazer menos sofrida a dor dooutro cenário, o nada festivo e nada neutroda consequência: o das dívidas feitas comas compras, o do arrocho do ano seguinte,o dos aumentos dos impostos a pagar apartirde janeiro, odohorrordadeclaraçãodo imposto de renda... Um cenário quedura até o mês de maio, quando se poderespirar melhor e sentir o gosto amargo dateimosia de sobreviver.

O Natal não é um dia, mas uma época.Uma época que lembra uma lei de Mur-phy: “As coisas sempre podem piorar. Agente é que não tem imaginação.”

Documento:AG22CP009;Página:1;Formato:(274.11 x 381.00 mm);Chapa:Composto;Data:20 de Dec de 2012 20:04:11

Page 9: Caderno Pensar dezembro 2012

11PensarA GAZETA

VITÓRIA,SÁBADO,

22 DE DEZEMBRODE 2012

10PensarA GAZETAVITÓRIA,SÁBADO,22 DE DEZEMBRODE 2012

letraspor MARCELO DOS SANTOS NETTO

OS DESAFIOS DA LITERATURAPRODUZIDA NO ESTADONa visão de jornalista, o caminho para os escritores locais conquistarem o leitor capixaba eo mercado nacional passa pela formação de novos autores e a mudança de atitude literária

Aliteratura espírito-san-tense não parece acom-panhar o crescimentorecente do Estado. Sur-gem bons autores eboas obras; mas o pú-

blico amplo e o capital privado de-monstram pouco interesse pelo queescrevemos, o que dificulta a pro-dução e estimula a defecção dosescritores.

Mesmo sem dados objetivos, pre-cisamos debater soluções para esseparadoxo. A falta de literatura po-derá nos sepultar na insignificânciacultural. Urge estimularmos nossacriação literária. Incentivo não deveser dado apenas à leitura, como tam-bém à escrita.

Há algumas boas notícias. Temosassociações e leis de apoio. Contamoscom um pátio gráfico razoável. Nossaimprensa concede espaço à literatura.A proximidade dos grandes centros nosfornece serviços, tecnologias, mercadospotenciais, chances de contratos.

Nosso problema talvez não sejafalta de recursos, mas recursos nafalta. Investimos em ações ineficazescom objetivos distorcidos. A mudan-ça deve ser feita por meio da for-mação de nossos escritores e da nos-sa atitude literária. No lugar de ge-nial ou inspirada, nossa literaturadeve ser competitiva.

Quanto à atitude literária, nossoprimeiro desafio é o beletrismo. Nafalta de editoras, as academias e asuniversidades absorveram nossa li-teratura. Isso permitiu nossa so-brevida literária, mas subjugou nos-sos escritores a um tipo de leitorespecializado demais. Urge devol-ver o autor capixaba ao leitor co-mum, que lê para se divertir. Oentretenimento não é um objetivomenos nobre do que o estético.

Outro obstáculo é o regionalismo.Nossa obsessão por identidade nostornou provincianos, o que retardanossa literatura. Será melhor as-sumir o paradigma de José AugustoCarvalho, para quem não há lite-ratura espírito-santense, e sim, li-teratura brasileira feita em nossoEstado. Temos de buscar espaço na-cional: antes de capixabas, somosbrasileiros.

O tradicionalismo também nos imo-

biliza. Tendemos a nos socializar deforma restritiva e personalista. Issosubmete as novas gerações literárias àsuserania e ao fidalguismo. É claro, atradição merece espaço e respeito –mas não de forma a sufocar as novasgerações. Renovação é imprescindível.

JuventudePara nos renovar, precisamos de novos

escritores e de escritores novos. Temos dereservar oportunidades exclusivas paraeles. Com esse fim, podemos organizarconcursos literários e premiar obras deestreia meritosas. Um exemplo interes-

sante são as coletâneas “Acendendo Cha-mas”, lançadas anualmente pelo ColégioMarista. Essa atitude incentivará a pro-dução e livrará da vassalagem as novasgerações literárias.

Os autores tradicionais têm deincentivar as novas gerações. É pre-ciso que indiquem, que revelem eque divulguem novos talentos. Aten-ção especial deve ser dada aos jo-vens. Eles têm energia, idealismo,inovação. Temos de fornecer a elescondições para início de carreira. Oprimeiro impulso é decisivo.

Isso deve ser feito de maneira aconceder expressão às novas gera-ções. Não temos de dizer como de-vem pensar, e sim, ensiná-los a pen-sarem por si sós. Não podemos re-jeitar suas tendências, seus estilosou seus temas preferidos, como vam-piros ou fantasias medievais. Somosnós que precisamos das novas ge-rações, e não o contrário.

TécnicaLiteratura não é uma maçã ins-

piradora: sua qualidade depende depráticas que podem ser aprendidas eensinadas. Isso se consegue por meiode cursos e de oficinas literárias.Aqui, semiologia ou linguística po-dem ser dispensadas: é preciso ma-cetes estilísticos. Literatura é técnicaque pode, e deve, ser ensinada.

Nossos autores necessitam de treinoprofissional. Precisam discutir obrascomo “A arte da ficção”, de DavidLodge; “Gramática da Fantasia”, deGianni Rodari; “Aspectos do romance”,de E.M. Foster; “Segredos do romancepolicial”, de P.D. James. Escrever não émágica, é esforço e prática com orien-tação adequada.

No lugar de musas, precisamos deconhecer e de discutir métodos cria-tivos para criação, argumentação,desenvolvimento. A narrativa pre-cisa ser ensinada por meio de termosobjetivos. Outra vez, isso não é se-miótica ou inspiração. No lugar doprofessor de português ou de lite-ratura, é o editor quem deve nosensinar a escrever.

MercadoLiteratura é um negócio qual-

JOSEMAR GONÇALVES

José Carlos de Oliveira: cronista brilhante levou ideia negativa do Espírito Santo

quer. Precisamos aprender comoela é produzida e comercializadanos grandes centros industriais,

comerciais e administrativos do país.É debalde nos queixarmos deles. Nãopodemos descartá-los como intrusos:eles têm de ser nosso exemplo e nossoreforço.

Temos de convidar para palestraseditores como Laura Bacellar, que sededica a orientar escritores. Temos desaber quem são, como pensam, o quebuscam e como trabalham esses pro-fissionais. Necessitamos saber comoeles fazem dinheiro com literatura. Omercado nacional e o investimentoprivado são excelentes chances deredenção.

Não faz sentido rejeitar autores lo-cais que migrem para grandes centros.Pelo contrário, eles podem criar in-teresse externo em nós. É preciso cui-dar para que levem impressões lison-jeiras de nosso Estado. De outra forma,terão (boas) razões para falar mal denós, como insistia em fazer o capixabaCarlinhos Oliveira. Isso piorará nossasituação.

FinanciamentoO dinheiro público não deve ser

usado apenas para imprimir livros. Épreciso que financie a descoberta, oincentivo e o treinamento de novosescritores. Mais urgente do que pro-duzir livros é produzir autores.

O patrocínio de livros deve con-tinuar, mas sem personalismo e comrigor profissional. Obras imaturas de-vem ser dispensadas. O orçamento dasleis destinado à literatura não precisaser todo gasto na mera impressão delivros. O dinheiro restante pode sermais útil financiando cursos, palestras,oficinas, concursos literários.

O dinheiro público deve ser usadotambém para estudar nossa reali-dade literária. É preciso estatísticas,

pesquisas opinativas. Devemos ofe-recer bolsas para pesquisas dessetipo. Precisamos de informações ob-jetivas que nos auxiliem a obter so-luções planejáveis.

Necessitamos conhecer as soluçõespolíticas de outros Estados. É precisoestudar o funcionamento e os resul-tados de outras leis de patrocínio, comoa de Santa Catarina e a de Minas Gerais.Nossa própria eficácia deve ser ava-liada em comparação com a dessasoutras leis. Intercâmbio e autocríticasão essenciais.

MobilizaçãoEsses esforços devem ser insti-

tucionalizados. O incentivo à pro-

dução literária precisa ser uma prá-tica indissociável do Estado, não im-portando quem assuma a adminis-tração. O governo deve ter o com-promisso estrutural de garantir e deestimular a produção de livros e deescritores.

Nossa renovação literária precisatambém de incentivo simbólico. Te-mos de resgatar nossa autoestima.Não temos braços fracos, como in-sinua nosso hino. Sem nossa resis-tência, o Brasil teria sido perdidopara invasores. Além disso, as pri-meiras peças literárias nacionais sur-giram em nossa província, por meiode José de Anchieta. A literaturabrasileira começa aqui.

Finalmente, é preciso ressaltarnossa urgência em abandonar o re-gionalismo. Literatura espírito-san-tense não precisa somente falar decongo ou de moqueca. Podemos teraspirações mais amplas, como fan-tasia, ficção científica. Lembremosque Shakespeare falava bastante daItália e nem por isso foi menosinglês.

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>As coletâneas “Acendendo Chamas”, lançadas peloColégio Marista, abrem espaço para novos talentos

Documento:Capa_AGazeta_22_12_2012 1a. SABADO_CP_Pensar_10-11.PS;Página:1;Formato:(548.22 x 382.06 mm);Chapa:Composto;Data:21 de Dec de 2012 18:49:34

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12PensarA GAZETAVITÓRIA,SÁBADO,22 DE DEZEMBRODE 2012

memóriapor RICARDO ROCHA

NIEMEYER, UMA FIGURAGENIAL E CONTRADITÓRIAProfessor da Ufes destaca a contribuição do mestre para a arquitetura mundial e observaque a qualidade de suas criações transcende controvérsias, como a do uso das curvas

MARCELO CAMARGO/FOLHAPRESS

Quer queiramos ou não, Os-car Niemeyer (1907-2012)é o personagem mais im-portante da arquiteturabrasileira do século XX eum dos arquitetos mais in-

fluentes no mundo. Polêmico, divide opi-niões.Contudo,aqualidadedealgumasdesuas contribuições transcende controvér-sias como a do uso das curvas – que,diga-se de passagem, não são o temadominante em várias obras e projetosimportantes do carioca, desde a Obra doBerço no Rio (1937), passando pelo Hotelde Ouro Preto (1938), pelo Iate Clube daPampulha (1940), a proposta para o Mu-seu de Caracas (1954), o Teatro Nacionalem Brasília (1959) etc.

De qualquer forma, dizer que as curvasde Niemeyer não se apoiam em raciocíniosfuncionais ou estruturais é algo que, bemexaminado, não “condena” sua contri-buição.No Itamaraty, emBrasília (1963), acurva remete a um sistema construtivocom ampla história – o arco – cujo usogeneralizado remonta à arquitetura ro-mana.Seasarcadasdesempenhamounãoplena função estrutural é, de certo modo,irrelevante: ao condenarmos tal fato, de-veríamos lembrar que em alguns prédiosromanos (teatros, por exemplo) as ordensde arquitetura (toscana, dórica, jônica,

coríntia e compósita) têm papel apenascompositivo e não enquanto sistema cons-trutivo, como na Grécia – mas se os gregosestivessem preocupados apenas com averdade construtiva e não com a beleza,não teriam criado as ordens...

Se continuarmos a “puxar o fio”, che-garemos ao Gótico. A defesa dos cons-trutores locais do Duomo de Milão, diantedos consultores estrangeiros, de que asolução a ser adotada em sua construçãonão dependia do uso de arcobotantes(estruturas externas de sustentação ca-racterísticas do estilo, colocadas tardia-mente no Duomo nos séculos XVIII-XIX)parece ter algum fundamento. Afinal, IlDuomocontinuadepéatéhoje.É comoseos construtores milaneses “provassem”que o arcobotante é, praticamente, umapreferência estética e não, necessaria-mente, a solução estrutural única parauma catedral gótica. Seguindo a trama,passaremos pelo Renascimento. Para ficarno exemplo utilizado antes, em relação àarquitetura romana, também nesse pe-ríodo ocorre um uso “apenas compo-sitivo” das ordens clássicas. Finalmente,chegaríamos ao nosso barroco: se preo-cupações compositivas, plásticas ou mes-mo decorativas fossem crime, Aleijadinhonão teria existido.

Obras como a Catedral de Brasília

(1958) são um “compêndio” de arqui-tetura. As terminações de sua estrutura –pronta a estrutura, ficava pronta a ar-quitetura, dizia Niemeyer – lembram pi-náculos góticos; sua luz teria encantadoqualquer mestre de obras medieval; oconflito entre planta basilical – como emuma igreja comum, onde há um espaçolongitudinal que converge para o altar – eplanta central é genialmente resolvidopeloarquiteto:aCatedral temumpercursolongitudinal que, realizado subterranea-mente e na penumbra, acentua a “re-velação” luminosa do interior de plantacircular. “Só” a Catedral já seria suficientepara escrever seu nome na História daArquitetura.

Sinto-me à vontade para falar sobre oarquiteto. Não o conheci pessoalmente,não peguei seu autógrafo (embora possuaum livro com sua assinatura em minhabiblioteca), não fui seu fã. Como bra-siliense conheço a beleza e a tragédia dacidade (bela, mas excludente) materia-lizada nas contradições de sua arquitetura(o plano urbanístico, como se sabe, é deLucio Costa). Se fosse falar de preferênciaspor personalidades de nossa arquitetura,ele não estaria entre os três primeirosnomes com os quais mais me identifico.

Após a construção de Brasília, as co-lunas de seus palácios foram reproduzidas

em casas nos lugares mais recônditos dopaís. O Museu de Arte Contemporânea deNiterói (1996) consegue aparecer ao mes-mo tempo na capa de um CD sobre BossaNova “lounge” e na capa do CD doex-baterista da banda Legião Urbana,Marcelo Bonfá; além de servir de pano defundo para anúncios dos últimos modelosde montadoras de veículos. É, portanto,uma figura popular e “mitológica”, geniale contraditória, como Pelé e os Mutantes,como essa nossa raça humana.

Enfim, Niemeyer: ame-o ou, por res-peito, deixe-o descansar em paz – se nãotem capacidade para fazer uma críticaque traga alguma contribuição ao de-bate sobre sua obra em relação à culturae à sociedade atuais.

PS: Niemeyer adorava contar “causos”,pequenas memórias de vida. Uma delas –acho que não havia sido publicada ainda –ouvi de fonte segura: em uma reunião paradiscutir um projeto com técnicos locais, emdeterminadomomentoumdeles tirao lápisda mão de Niemeyer e, rabiscando sobreseus croquis, propõe modificações. Ime-diatamente, Niemeyer lhe oferece um “cha-ruto” (provavelmente, uma cigarrilha Da-vidoff).“Eunãofumo”–dizotécnico.“Mas,assim, pelo menos, você fica com asmãos ocupadas” – replica o arquiteto.

A Catedral de Brasília, mesmo número de colunas que o Tempietto de Bramante, em Roma, e o Palácio do Itamaraty, que Niemeyer dizia ter arquitetura mais racionalista

PATRICK GROSNER/FOLHAPRESS

Documento:AG22CP012;Página:1;Formato:(274.11 x 381.00 mm);Chapa:Composto;Data:20 de Dec de 2012 20:07:44