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UM NOVO E DEMOCRÁTICO TRIBUNAL DO JÚRI (I) I INTRODUÇÃO 1. A mudança do procedimento de meio século A partir de 1992 e após muitos anos de trabalho de comissões instauradas no âmbito do Ministério da Justiça e com o apoio da Escola Nacional da Magistratura, foi sancionada pelo Presidente Luiz Inácio Lula da Silva, com os autógrafos do Ministro Tarso Genro e do Advogado Geral da União, José Antonio Dias Toffoli, a Lei nº 11.689 de 9 de junho corrente que introduz profundas alterações no procedimento do Júri. Na titularidade da Pasta de Justiça durante esse tempo passaram vários ministros a partir de Célio Borja (02.04.1992 a 01.10.1992) até a chegada de Tarso Genro (16.03.2007). Durante o mandato do ministro Nelson Jobim (01.01.1995-07.04.1997), e por sua iniciativa, vários projetos foram retirados do Congresso Nacional, após pareceres favoráveis da Comissão de Constituição e Justiça e de Redação, da Câmara dos Deputados. Não se justificava a indiferença pelo projeto relativo ao tribunal popular que perfeitamente poderia prosseguir com eventual adaptação a uma ou outra modificação legislativa, inclusive quanto à Lei nº 9.099, de 26 de setembro de 1995, referida como pretexto. Aquela iniciativa acarretou considerável perda de tempo e grave retrocesso para a causa democrática do procedimento do Júri. E provocou a lamentável demissão (voluntária) do sensível, lúcido, experiente e talentoso Ministro Sálvio de Figueiredo, presidente das Comissões de Reforma (processo civil e penal). O incidente foi por mim revelado e assim registrado em trabalho apresentado na XVI Conferência Nacional da OAB (Direito, Advocacia e Mudança), em Fortaleza (1). O objetivo da presente publicação, em duas etapas, é fornecer maior número de informações sobre a elaboração do anteprojeto sobre o Júri, sua revisão e posteriores modificações, até quando, em março de 2000, retirei-me da Comissão em solidariedade do Ministro da Justiça José Carlos Dias, que se demitira voluntariamente. Sem ter recebido qualquer solicitação para sugerir nome de substituto, tomei a iniciativa de apenas lembrar à coordenadora Ada Pellegrini Grinover o nome de Rui Stoco que tem revelado uma notável contribuição científica acerca da matéria. Os criminalistas e demais estudiosos da vida e do funcionamento do tribunal popular conhecem a valiosa obra Teoria e Prática do Júri, de

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UM NOVO E DEMOCRÁTICO TRIBUNAL DO JÚRI (I)

IINTRODUÇÃO

1. A mudança do procedimento de meio século

A partir de 1992 e após muitos anos de trabalho de comissões instauradas no âmbito do Ministério da Justiça e com o apoio da Escola Nacional da Magistratura, foi sancionada pelo Presidente Luiz Inácio Lula da Silva, com os autógrafos do Ministro Tarso Genro e do Advogado Geral da União, José Antonio Dias Toffoli, a Lei nº 11.689 de 9 de junho corrente que introduz profundas alterações no procedimento do Júri. Na titularidade da Pasta de Justiça durante esse tempo passaram vários ministros a partir de Célio Borja (02.04.1992 a 01.10.1992) até a chegada de Tarso Genro (16.03.2007). Durante o mandato do ministro Nelson Jobim (01.01.1995-07.04.1997), e por sua iniciativa, vários projetos foram retirados do Congresso Nacional, após pareceres favoráveis da Comissão de Constituição e Justiça e de Redação, da Câmara dos Deputados. Não se justificava a indiferença pelo projeto relativo ao tribunal popular que perfeitamente poderia prosseguir com eventual adaptação a uma ou outra modificação legislativa, inclusive quanto à Lei nº 9.099, de 26 de setembro de 1995, referida como pretexto. Aquela iniciativa acarretou considerável perda de tempo e grave retrocesso para a causa democrática do procedimento do Júri. E provocou a lamentável demissão (voluntária) do sensível, lúcido, experiente e talentoso Ministro Sálvio de Figueiredo, presidente das Comissões de Reforma (processo civil e penal). O incidente foi por mim revelado e assim registrado em trabalho apresentado na XVI Conferência Nacional da OAB (Direito, Advocacia e Mudança), em Fortaleza (1).

O objetivo da presente publicação, em duas etapas, é fornecer maior número de informações sobre a elaboração do anteprojeto sobre o Júri, sua revisão e posteriores modificações, até quando, em março de 2000, retirei-me da Comissão em solidariedade do Ministro da Justiça José Carlos Dias, que se demitira voluntariamente. Sem ter recebido qualquer solicitação para sugerir nome de substituto, tomei a iniciativa de apenas lembrar à coordenadora Ada Pellegrini Grinover o nome de Rui Stoco que tem revelado uma notável contribuição científica acerca da matéria. Os criminalistas e demais estudiosos da vida e do funcionamento do tribunal popular conhecem a valiosa obra Teoria e Prática do Júri, de Adriano Marrey, coordenada por Alberto Silva Franco e Rui Stoco, e com a atualização de doutrina por Luiz Antonio Guimarães Marrey (2). Não houvesse qualquer outra contribuição antecedente de Rui Stoco bastaria conhecer essa publicação para reconhecer o extraordinário mérito do novo colaborador da Comissão. Já em pleno e lúcido exercício dessa atividade, Rui Stoco elaborou um magnífico artigo que vale como roteiro indispensável para conhecer um histórico do tribunal do povo, desde o seu nascimento, passando pela sua regulação com o Código de Processo do Império (1832) até o momento atual. Além disso, o texto analisa o projeto em fase final e as introduções que viriam modificar o sistema vigente (3).

Aos profissionais do foro criminal e estudiosos do assunto, é também fundamental as leituras de “A Reforma do Código de Processo Penal – Introdução”, de Rômulo de Andrade Moreira, (4) e Código de Processo Penal – Comentários aos projetosde reforma legislativa, coordenado por Eduardo Reale Ferrari, (5) que publica e analisa 7 anteprojetos da reforma setorial do Código de Processo Penal. A Lei nº 11.689/08, adota duas relevantes mudanças: a) Elimina o obrigatório – e autoritário - Recurso em Sentido Estrito (CPP, art. 581,VI) contra a decisão que absolve liminarmente o réu quando o juiz se convencer de causa de exclusão do crime ou isenção de pena. (CPP, art. 411); b) revoga o Capítulo do protesto por novo júri (arts. 607/608) que não tinha mais razão de existir após a revogação do Código Criminal do Império (1830) que previa pena de morte e de prisão perpétua, justificando, naquela época, uma revisão obrigatória da condenação. Nos tempos modernos, a supressão já havia sido defendida por Borges da Rosa e pelo mais fervoroso defensor do Júri: o magistrado Magarinos Torres que, presidindo durante muitos anos o Conselho de Sentença do antigo Distrito Federal (RJ), averbou tal recurso de supérfluo e inconveniente. (6) A proposta de eliminação do protesto por novo júri foi acolhida desde a redação do primeiro anteprojeto de lei e foi objeto de meu artigo, publicado em setembro de 2006: “A inutilidade do protesto por novo júri”.(7)

2. Breve retrospectiva

O presente texto procura oferecer uma retrospectiva dos esforços visando alterar setores do Código de Processo Penal e que desaguaram na redação de dezessete anteprojetos, agrupados em seis blocos, sob a responsabilidade de comissões instituídas no âmbito da Escola Nacional da Magistratura e do Ministério da Justiça. Por honrosa indicação do Professor Rogério Láuria Tucci e generosa aprovação dos demais membros da Comissão de Processo Penal, coube-me a tarefa de redigir o Anteprojeto do procedimento relativo aos feitos de competência do Tribunal do Júri.

3. Características das propostas

Antes, porém, das notas e comentários acerca da reformulação da sistemática e da mecânica do tribunal popular, é oportuna a abordagem, embora sumária, das demais propostas que durante anos foram meditadas, discutidas e aprovadas pelas comissões.

O movimento reformador do cinqüentenário Código teve a motivá-lo duas vertentes bem caracterizadas: a) a adequação do diploma aos princípios e às regras da Constituição de 1988 bem como aos sistemas contemporâneos do processo penal nos Estados democráticos de Direito; b) a eficácia do processo como instrumento de luta contra a criminalidade e de acesso à jurisdição, depurando-o de fórmulas e termos barrocos.

Os trabalhos das comissões atenderam a uma metodologia que funcionou positivamente quanto à reforma setorial do Código de Processo Civil e cujos resultados práticos foram amplamente reconhecidos com a sucessão de leis novas nos últimos anos.

II

A REFORMA SETORIAL DO CPP

4. A simplificação da legislação processual

Em 30 de março de 1992, o Diário Oficial da União publicou a Portaria n° 145, do Ministro da Justiça Célio Borja, designando o Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira para, na qualidade de Presidente da Escola Nacional da Magistratura, presidir comissão de juristas encarregadas de realizar estudos e propor soluções visando à simplificação dos códigos de Processo Civil e Processo Penal.

5. A primitiva Comissão

Pela Portaria n.º 3, de 10 de junho de 1992, o Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira instituiu a Comissão de Juristas para promover estudos e propor soluções visando à simplificação da legislação processual penal. No mesmo ato foram designados o Ministro Luiz Vicente Cernicchiaro e o Doutor Sidney Agostinho Beneti (então magistrado de primeiro grau), para a coordenação e a secretaria dos trabalhos, respectivamente. Os demais membros nomeados para compor a Comissão foram: Antonio Carlos de Araújo Cintra, Antonio Carlos Nabor Areias de Bulhões, Francisco de Assis Toledo, Inocêncio Mártires Coelho, Luiz Carlos Fontes de Alencar (Ministro do STJ), Miguel Reale Júnior, Paulo José da Costa Júnior, René Ariel Dotti, Rogério Láuria Tucci e Sérgio Marcos de Moraes Pitombo.

6. As reuniões de trabalho

A primeira reunião ocorreu em Ribeirão Preto (SP), nos dias 25 e 26 de setembro de 1992. Naquela oportunidade aprovou-se uma pauta inicial consistente na revisão de setores do Código de Processo Penal que exigem mudanças para simplificar o procedimento e conceder maior eficácia ao sistema.

Um segundo encontro realizou-se na cidade de São Paulo, em 16 de abril de 1993. Aos membros da Comissão foram distribuídas as tarefas que consistiam na elaboração de esboços de anteprojetos de cada um dos capítulos do Código passíveis de reformulação.

Em Goiânia, realizou-se a terceira reunião, durante os dias 15 e 16 de maio de 1993. Para ela contribuíram, além dos integrantes da Comissão, muitos magistrados, membros do Ministério Público, advogados e professores de Direito. O evento teve o apoio do Tribunal de Justiça e da Escola da Magistratura daquele Estado. Assim como ocorreu com as sessões anteriores, os trabalhos receberam a colaboração valiosa do Juiz de Direito Luiz Flávio Gomes, então Presidente do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais.

Na reunião de Goiânia, foram discutidos e aprovados esboços de anteprojetos sobre os seguintes assuntos, entre outros: a) procedimento dos crimes da competência do Tribunal do Júri; b) procedimento sumário; c) intimação do defensor pela imprensa; d) recursos (apelação e em sentido estrito); e) supressão do protesto por novo Júri; f) medidas provisórias de restrição da liberdade e restrição de outros direitos; g) previsão de novas hipóteses de prisão preventiva; h) Polícia Judiciária; i) regulação do direito ao silêncio; j) citação por edital; k) efetivação da defesa dativa; l) exame de corpo

de delito e outras perícias; m) suprimento da não realização do exame de corpo de delito; n) efeitos da revelia; e o) suspensão condicional do processo.

Os trabalhos da Comissão original se encerraram com a entrega dos textos dos anteprojetos ao Ministro da Justiça os quais foram publicados pelo DOU, de 30 de junho de 1993 (8).

7. A Comissão de Revisão

Pela Portaria n.º 349, publicada no DOU, de 17 de setembro de 1993 (9), o Ministro da Justiça, Maurício Corrêa, instituiu uma Comissão de Revisão dos anteprojetos já divulgados. Os membros designados foram: Ada Pellegrini Grinover, Antonio Magalhães Gomes Filho, Antonio Nabor Bulhões, Aristides Junqueira de Alvarenga, Cid Flaquer Scartezzini, Edson Freire O’Dwyer, José Barcelos de Souza, Fátima Nancy Andrighi (então Desembargadora no DF), Luiz Carlos Fontes de Alencar, Luiz Vicente Cernicchiaro (Ministro do STJ), Marco Aurélio Costa Moreira de Oliveira, Miguel Reale Júnior, René Ariel Dotti, Rogério Láuria Tucci, Sálvio de Figueiredo Teixeira (Ministro do STJ) e Weber Martins Baptista. Também participou dos trabalhos da Comissão, o Doutor Luiz Flávio Gomes, representando o Instituto Brasileiro de Ciências Criminais.

8. As reuniões de trabalho

A Comissão Revisora teve reuniões em Salvador, São Paulo e Belo Horizonte. Seu presidente foi o Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira e a coordenação ficou sob a responsabilidade do Ministro Fontes de Alencar, diante da ausência justificada do Ministro Luiz Vicente Cernicchiaro. Contribuiu para o bom êxito dos trabalhos o Professor Luiz Luisi.

Independentemente das reuniões plenárias, foram constituídos grupos de trabalho conforme a natureza dos projetos. Para a discussão e revisão dos dispositivos relativos ao Tribunal do Júri, foi formada uma subcomissão que tive a honra de coordenar e completada pelos Doutores Antonio Nabor Bulhões, Edson Freire O’Dwyer, José Barcelos de Souza e Marco Aurélio Costa Moreira de Oliveira.

9. A Comissão de Sistematização

No encontro de Salvador, foi instituída pelo presidente dos trabalhos, uma Comissão de Sistematização dos vários anteprojetos a fim de lhes promover a necessária integração e corrigir eventuais problemas de forma. Para a sua composição foram designados os professores Antonio Magalhães Gomes Filho, Luiz Flávio Gomes e Rogério Láuria Tucci.

10. A Reunião de São Paulo

Nos dias 14 e 15 de novembro de 1994, reuniram-se em São Paulo os membros da Comissão Revisora para ultimar a redação dos textos dos anteprojetos. A sessão matinal do dia 14 teve a participação de Procuradores e Promotores do Ministério Público paulista, sob a liderança do Procurador-Geral José Emmanuel Burle Filho. Também concorreu para os trabalhos o magistrado Antonio Carlos Mathias Coltro, representando a presidência do Tribunal de Justiça de São Paulo.

A colaboração da Associação Paulista da Magistratura (APAMAGIS) nessa etapa da reforma foi extremamente relevante.

11. A publicação dos textos

Os textos resultantes das reuniões de Salvador (1°/3. 11.1994) e São Paulo (14/15.11.1994) foram publicados no DOU de 25 de novembro de 1994, “tendo em vista o interesse em proporcionar o seu conhecimento à comunidade jurídica e à sociedade”, conforme despacho do Ministro da Justiça, Alexandre de Paula Dupeyrat Martins. (10)

12. Os dezessete anteprojetos

O último encontro, em São Paulo, encerrou com um saldo altamente positivo: dezesseis anteprojetos modificando substancialmente o Código de Processo Penal e um outro, alterando a Lei n.º 7.960, de 21 de dezembro de 1989, tiveram suas redações definitivamente aprovadas. Foram os seguintes os Títulos de Livros, os Capítulos, as seções e os artigos do CPP objeto de alteração ou substituição: a) autuação sumária e inquérito policial (Tit. II, do Livro I, arts. 4º, 5º, 6º, 7º, 12, 13, 16, 17 e 18 e o parágrafo único do art. 20); b) livre convicção judicial e provas ilícitas (arts. 155 a 157); c) exame de corpo de delito por um só perito, desde que oficial (art. 159); d) inquirição direta das testemunhas pelas partes (art. 212); e) efetivação da defesa prévia (parágrafo único do art. 261); f) separação dos presos provisórios, ampliação das hipóteses de prisão preventiva, criação das medidas restritivas de liberdade (arts. 300, 312, 319, 320, 387 e 408); g) revitalização do instituto da fiança (arts. 322, 323, 325, 326 e 350); h) citação por edital, produção antecipada de provas e suspensão do processo e da prescrição (arts. 366, 367, 368 e 369); i) intimação do defensor constituído, do advogado do querelante e do assistente do MP pelo órgão oficial de publicação ou, não havendo, pelo escrivão, por mandado ou via postal (parágrafos acrescidos ao art. 370) (11); j) fixação, na sentença condenatória, do valor mínimo para reparação dos danos causados pela infração (acréscimo de um inciso ao art. 387 e de parágrafo único ao art. 63); k) formas procedimentais (Livro II, Tit. I, Caps. I e II do Livro II e arts. 394 a 405); l) procedimento relativo aos processos de competência do Tribunal do Júri (Cap. III, do Tít. I, do Livro II e arts. 406 a 497); m) procedimento sumário (arts. 514 e 517, suprime o Cap. V, do Tít. II do Livro II, e modifica os arts. 531 a 539); n) suspensão condicional do processo (Cap. VII, do Tít. XX, do Livro II e arts. 549 a 555); o) instituição do agravo em lugar do recurso em sentido estrito, dando-lhe maior eficácia e modernidade (arts. 581 a 592); e, por último, p) novo tratamento para os embargos de declaração e embargos infringentes (arts. 619 e 620).

Quanto à reforma em leis especiais, foi aprovado o texto de um Anteprojeto que modificava o art. 1º da Lei n.º 7.960, de 21 de dezembro de 1969 (regula a prisão temporária), incluía a concussão entre os crimes passíveis da medida e garantia ao preso provisório as prerrogativas da prisão especial, constantes do Dec. n.º 38.016, de 5 de outubro de 1955.

IIIOS PROJETOS DE LEI

13. A dimensão da reforma

Através das Exposições de Motivos n°s 605, 606, 607, 608, 609 e 610, datadas de 27 de dezembro de 1994, o Ministro da Justiça Alexandre Martins encaminhou ao Presidente da República, Itamar Franco, seis projetos de lei que reuniram todos os anteprojetos. Dois dias após, as propostas foram remetidas à secretaria da Câmara dos Deputados pelo Ministro de Estado Chefe da Casa Civil, Henrique Eduardo Ferreira Hargreaves.

Naquela Casa Legislativa, os textos foram assim identificados: a) Projeto de Lei n° 4.895, de 1995 (Mensagem n° 1.267, de 1994), “Altera o Código de Processo Penal, dando nova disposição ao inquérito policial e às formas de procedimento, e introduz a suspensão condicional do processo”; b) Projeto de Lei n° 4.896, de 1995 (Mensagem n° 1.268, de 1995) (12), “Dá nova redação aos artigos 157, 159, 212, 261 e 384 do Decreto-lei n° 3.689, de 3 de outubro de 1941, Código de Processo Penal”; c) Projeto de Lei n° 4.897, de 1995 (Mensagem n° 1.269, de 1994), “Altera os artigos 366, 367, 368, 369 e 370 do Decreto-lei n° 3.689, de 3 de outubro de 1941, Código de Processo Penal” (13); d) Projeto de Lei n° 4.898, de 1995 (Mensagem n° 1.270, de 1994), “Dá nova redação aos artigos 63, 300, 312, 319, 320, 322, 323, 325, 326 e 387 do Decreto-lei n° 3.689, de 3 de outubro de 1941, Código de Processo Penal”; e) Projeto de Lei n° 4.899, de 1995 (Mensagem n° 1.271, de 1994), “Dá nova redação aos Capítulos II e V do Título II do Livro III, e estabelece nova redação para os artigos 581 a 592, 609, 610, 619 e 620 do Decreto-lei n° 3.689, de 3 de outubro de 1941, Código de Processo Penal”; f) Projeto de Lei n° 4.900, de 1995 (Mensagem n° 1.272, de 1994), “Altera o Capítulo II, do Título I, do Livro II, os artigos 406 a 497, do Decreto-lei n° 3.689, de 3 de outubro de 1941, Código de Processo Penal”.

14. A retirada dos projetos

Alguns projetos já haviam sido aprovados pela Comissão de Constituição e Justiça e de Redação da Câmara dos Deputados e outros tinham o parecer favorável de seu relator, o Deputado Ibrahim Abi-Ackel, quando foram devolvidos ao Governo por iniciativa do Ministro da Justiça, Nelson Jobim, para reexame.

Segundo informação prestada pela Secretaria de Assuntos Legislativos do Ministério da Justiça, o quadro ficou assim definido: a) Projeto de Lei n° 4.895/95 : retirado pela Exposição de Motivos do MJ n° 238, de 16 de maio de 1996, em face do advento da Lei n° 9.099, de 26 de setembro de 1995 que regulou aspectos versados pelo referido disegno di legge, como a definição das infrações penais de menor potencial ofensivo, a autuação sumária, a dispensa do inquérito policial e o procedimento sumaríssimo; b) Projeto de Lei n° 4.896/95: retirado pela Mensagem n° 86/96, de 29 de janeiro de 1996; c) Projeto de Lei n° 4.899/95: retirado pela Mensagem n° 145/96, de 12 de abril de 1996; d) Projeto de Lei n° 4.900/95: retirado pela Exposição de Motivos do MJ n° 237, de 16 de maio de 1996.

15. A carta de renúncia do coordenador das comissões

A retirada dos projetos acarretou a renúncia do Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira das funções que exercia como presidente das comissões de reforma. E o fez sem qualquer ressentimento. Ao reverso, manifestou a sua esperança nos caminhos da necessária reforma do processo penal brasileiro.

Em tese apresentada na XVI Conferência Nacional dos Advogados (Fortaleza, 1°/5-09-96), tive oportunidade de afirmar que a carta-renúncia, datada de 25 de abril de 1996, “constitui um documento que revela a grande sensibilidade do mestre do processo, tanto pela elegância da forma como pelo civismo do conteúdo. Sou testemunha do empenho pessoal, do zelo científico e das atitudes democráticas do Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira durante o tempo de labor e esperança. A ela pode ser creditado o perfil do estudioso fecundo e do perseguidor da verdade, visto por Radbruch em antológico texto dedicado ao imortal Franz von Liszt (Elegantiae Juris Criminalis): ‘Há pessoas que só conhecem tese e antítese, corpo e alma, natureza e espírito, realidade e valor, poder e dever, ou como quer que lhe chamem. Elas podem gabar-se de seu método puro, dos seus conceitos claros, da sua argumentação segura. Pelo contrário, aquele que, para além das antinomias. Procura, tateando, a unidade superior, não tem nenhum guia a protegê-lo contra passos errados. Mas só ele pode esperar que uma hora feliz lhe abra caminho para o ponto alto, do qual, na síntese criadora de uma concepção unitária do mundo, se superem todas as aparentes antinomias’ (14).

16. A lição positiva de uma experiência frustrante

O nosso País tem se caracterizado na área das reformas legislativas em matéria criminal pela descontinuidade dos projetos que são apresentados por um Governo e rejeitados por outro, além dos fenômenos da legislação de conjuntura e da legislação de pânico produzidas pelo Congresso Nacional, em momentos mais expressivos do Direito Penal simbólico. A mudança da presidência da República como também a dos ministros de Estado implica, naturalmente, na revisão de idéias e de planos de ação administrativa. No entanto, dois aspectos devem ser lamentados como saldo negativo desse fenômeno. O primeiro deles é o de que o interesse público, envolvendo determinados projetos, se opõe à orientação radicalizante que condena ao limbo os esforços e os frutos de um trabalho que conjuga órgãos da administração pública e pessoas físicas e jurídicas da comunidade (universidades, institutos, etc.) O segundo é a habitual ausência de publicações oficiais e privadas dos textos dos projetos. A importância do assunto pode ser reconhecida em função de dois acontecimentos históricos: um doméstico e outro internacional. Em 1963, o Ministério da Justiça mandou publicar, em separatas, os anteprojetos de Código Penal, Código de Processo Penal e Código das Execuções Penais, elaborados, respectivamente, por Nélson Hungria, Hélio Tornaghi e Roberto Lyra. Aqueles documentos serviram de base para inúmeras discussões científicas e acadêmicas durante os anos sessenta e setenta. Também no ano de 1963 foi divulgado o projeto Eduardo Corrêia, de reforma do Código Penal português. Após sucessivos debates - que não foram interrompidos pela mudança de Governo operada em 1974 com a chamada revolução dos cravos - Portugal teve em 1982 um novo diploma. Durante aqueles anos a comunidade nacional e estrangeira de estudiosos e trabalhadores das ciências penais dedicou atenções e esforços às propostas legislativas, amplamente divulgadas.

O fundamental em todos os projetos de reforma é a memória das idéias e dos princípios que os orientaram. Tal garantia somente poderá se efetivar, para o presente e o futuro, se houver medidas cautelares de conservação a

exemplo dos cuidados que devem ser adotados para a preservação de determinados fatos mediante a utilização de procedimentos adequados.

Em artigo sobre o assunto da reforma do processo penal e publicado há quase 10 (dez) anos, tive oportunidade de fazer um lamento: “Espera-se que os projetos da reforma setorial do Código de Processo Penal, deflagrada pela Escola Nacional da Magistratura e do pelo Ministério da Justiça - e com a contribuição qualificada de especialistas e profissionais do foro criminal - não tenham, como tantos outros, o destino da perda física e do esquecimento intelectual. Mas que, ao reverso, alcancem, pelo menos, o registro em publicações de órgãos públicos e de revistas especializadas. Afinal, o nosso País não se pode dar ao luxo de gastar dinheiro com reuniões de comissões e outros eventos ligados à feitura dos projetos e depois condená-los à marginalidade das coisas tidas por inúteis pelos sucessores do poder. Pensando em tudo isso, entendo que o disegno di legge para a reforma do procedimento relativo aos crimes de competência do Júri merece divulgação maior que a estampa oficial. Com efeito, além das regras já aprovadas pela Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados, o presente texto envolve comentários motivados pelo interesse no aprimoramento do sistema e pela vontade de recolher as lições da experiência em um dos mais nobres terrenos da teoria e da prática do processo criminal brasileiro”. (15)

IVO PROJETO DO NOVO TRIBUNAL DO JÚRI

17. O Anteprojeto e o Projeto

O texto do Anteprojeto aprovado pelas comissões já referidas, coincide integralmente com o Projeto enviado ao Congresso Nacional. A mesma distribuição das seções, a mesma ordem dos assuntos, os mesmos números e a igual redação dos dispositivos, com raras alterações como se poderá verificar pelo confronto da publicação no DOU de 25 de novembro de 1994 (16) e os anexo ora divulgado. (17) Foram as seguintes as modificações introduzidas pelo Projeto:

a) Art. 407: cancelamento da remissão ao art. 209 ; b) Parág. único do Art. 408: nova redação; c) Art. 412: supressão da palavra “sentença”, antes da palavra “impronúncia”; d) Art. 414: cancelamento da remissão “(Código Penal, arts. 20, 21, 22, 23 e 28, § 1°)”, após a expressão “exclusão de crime”; e) Art. 417: a inversão do inciso III pelo inciso II, substituindo a expressão “acusado ausente” por “acusado revel”; f) Art. 423: cancelamento da remissão “(arts. 436 a 446); g) Art. 427: o projeto ampliou a legitimidade para requerer o desaforamento, substituindo a expressão “a requerimento do acusado” pela expressão “a requerimento das partes”; h) Inc. II do Art. 428: acréscimo da palavra “acusados” antes da palavra “presos”; i) Parág. único do Art. 429: cancelamento da remissão aos arts. 455 e 456; j) Parág. único do Art. 442: no anteprojeto, a redação era a seguinte: “Somente será aceita escusa apresentada até o momento da chamada dos jurados e fundada em motivos relevante, devidamente comprovado”; k) Art. 445: cancelamento da remissão (“Código Penal, arts. 316, 317, 1° e 2° (18) e, 319)”; l) Art. 447. Substituição da expressão “Juiz de Direito” por “juiz togado”; m) Art. 448: desdobramento das hipóteses de impedimento em incisos; n) Art. 457: substituição da palavra “de” pela palavra “do”, antes do vocábulo “assistente”; o) Inc. II do art. 495:

substituição da palavra “juiz” pela palavra “magistrado”; p) Inc. VII do art. 495: substituição da expressão “bem como”, pelas letras “e a”, antes das palavras “do defensor”; q) Incs. XIII e XIV do art. 495: fundiram-se no mesmo inciso (XIII) dois atos processuais: “o compromisso, e o interrogatório com simples referência ao termo”.

18. A Exposição de Motivos do Ministro da Justiça

Em 29 de dezembro de 1994, o Ministro da Justiça, Alexandre de Paula Dupeyrat Martins, encaminhou ao Ministro-Chefe da Casa Civil, do Governo do Presidente Itamar Franco, Henrique Ferreira Hargreaves, solicitação para que as propostas fossem encaminhadas ao Poder Legislativo, tendo o Ministério da Casa Civil, pelo Aviso nº 2.852, remetido ao Congresso Nacional (Câmara dos Deputados), a mensagem presidencial , de todos os projetos. (19)

Na seqüência do presente texto serão feitos comentários pontuais sobre a Reforma, a começar pela decisão de pronúncia. Antes, porém, será transcrita a Exposição de Motivos do então Ministro da Justiça, com suas observações. Aquele documento encerra desta forma:

“Estas, Senhor Presidente, são as razões das sugestões de alteração do procedimento seguido pelo tribunal do júri, destinadas a compatibilizá-lo com as exigências de celeridade e eficácia, em proveito de uma melhor prestação da justiça.

“Dada a relevância da matéria e sua repercussão na prestação jurisdicional penal, há especial interesse deste Ministério em sua rápida aprovação. Permito-me, assim, sugerir a Vossa Excelência, no caso de sua aceitação, a utilização da faculdade concedida pelo parágrafo 1º do artigo 64 da Constituição Federal, com a remessa de mensagem ao Congresso Nacional, solicitando urgência na sua tramitação.” (20) (Segue).

Notas:

(1) “Reforma do processo penal”, Livro de Teses – Tema IV – Transformação dos sistemas positivos, ed. do Conselho Federal da OAB, Fortaleza, 1996, p. 677.(2) 7ª ed., revista, atualizada e ampliada, São Paulo: RT, 2000.(3) STOCO, Rui. “Tribunal do Júri e o Projeto de Reforma de 2001”, em Revista Brasileira de Ciências Criminais, publicação do Instituto Brasileito de Ciências Criminais (IBBCrim), São Paulo: ano 9, out./dez./ 2001, p. 190/236).(4) Direito Processual Penal, Rio de Janeiro: Editora Forense, 2003, p. 342 e s.(5) Campinas: Milenium Editora, 2003. Colaboradores: Gustavo Henrique Righi Ivahy Badaró, Helena Regina Lobo da Costa, Heloisa Estellita, Luiz Guilherme Moreira Porto, Maria Silvia Garcia de Alcaraz Reale Ferrari e Marina Pinhão Coelho (6) Esses mestres do processo penal são referidos por espínola Filho, Eduardo. Código de Processo Penal Brasileiro Anotado, Rio de Janeiro: Editora Borsoi, 1955, vol. VI, p. 217.(7) DOTTI, René Ariel. “A inutilidade do protesto por novo júri”,e, Boletim do IBCCrim, nº 166, set. 2006, p.4.(8) Seção I, p. 8795 e s.(9) Seção II, p. 5277.

(10) Seção I, p. 17854 e s.(11) O Anteprojeto que acrescentava parágrafos ao art. 370 do CPP tinha a seguinte redação: “Art. 370. (...) § 1º A intimação do defensor constituído, do advogado do querelante e do assistente de acusação far-se-á por publicação no órgão oficial incumbido da publicação das intimações judiciais na comarca, contendo, sob pena de nulidade, o nome do réu, salvo a intimação pessoal mediante ciência pelo escrivão; § 2º Caso não haja órgão oficial de publicação de atos judiciais na comarca, a intimação far-se-á diretamente pelo escrivão, por mandado, por via postal com comprovante de recebimento, ou por qualquer outro meio idôneo à efetivação da intimação e à sua comprovação; § 3º A intimação do órgão do Ministério Público e do defensor nomeado será pessoal”.(12) Há evidente erro de impressão da separata, pelo Centro Gráfico do Senado Federal. O ano correto é 1994. (13) Este projeto se converteu na Lei n° 9.271, de 18 de abril de 1966 que determina a suspensão do processo, quando o réu, citado por edital não acudir a citação, bem como a suspensão do curso da prescrição, e dá outras providências. (14) Livro de Teses - Tema IV: Transformação dos sistemas positivos, ed. do Conselho Federal da OAB, Fortaleza, 1996. A passagem transcrita foi citada por Eduardo Correia, em A influência da Franz v. Liszt sobre a reforma penal portuguesa, Coimbra, 1971, nota n° 5, p. 37.(15) DOTTI, René Ariel. “A reforma do procedimento do júri – Projeto de Lei 4.900, de 1995, na coletânea, Tribunal do Júri –Estudo sobre a mais democrática instituição jurídica brasileira, coordenação Rogério Lauria Tucci, São Paulo: RT, 1999, p.297/298. (16) Seção I, p. 17865 e s.(17) O anexo está na seqüência do artigo “A reforma do procedimento do júri, cit.” contendo a publicação integral do Projeto de Lei nº 4.900, de 1995, encaminhado pela Mensagem 1.272/94. (Tribunal do Júri, cit., p. 329/347).(18) A publicação do Anteprojeto (DOU de 25.11.94), omite a grafia dos parágrafos (§§).(19) Cronologia e tramitação quanto a esta parte, cf. a obra Código de Processo Penal- Comentários aos projetos de reforma legislativa, cit. p. 2/3.(20) Separata do Projeto de Lei n° 4.900, de 1995. (Mensagem n° 1.272/94). Publicação do Centro Gráfico do Senado Federal, Brasília (DF), 1995.

* artigo publicado no jornal "O Estado do Paraná", caderno "Direito e Justiça" de 15.06.2008.

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UM NOVO E DEMOCRÁTICO TRIBUNAL DO JÚRI (II)

1. A Exposição de Motivos do Ministro da Justiça

Durante o Governo Itamar Franco, o anteprojeto do procedimento do Júri foi convertido no Projeto de Lei que, na Câmara dos Deputados, tomou o número 4.900/95 e recebeu parecer favorável da Comissão de Constituição e Justiça, apresentado pelo Deputado Ibrahim Abi-Ackel. A Exposição de

Motivos, assinada pelo Ministro Alexandre Martins, foi redigida nos seguintes termos:

 “A proposta insere-se num elenco de medidas de alteração ao Código de Processo Penal, destinadas a proporcionar maior celeridade e eficácia à prestação jurisdicional penal. Cabe ressaltar que sua elaboração é fruto de estudos realizados por Comissão de juristas constituída por este Ministério, mediante a Portaria n.º 349, de 16 de setembro de 1993. É de se destacar, ainda, a colaboração da Confederação Nacional do Ministério Público, da Associação Nacional de Procuradores-Gerais de Justiça, na forma de sugestões para o aprimoramento do texto básico.

“O Projeto pretende proporcionar uma profunda alteração no procedimento relativo ao Tribunal do Júri. Quanto às características das disposições alteradas, bem como das razões que as fundamentam, entendo por oportuno e esclarecedor transcrever alguns tópicos do relatório oferecido pela citada Comissão:

“O tribunal do júri, clássica instituição democrática, foi expressamente mantido pela Constituição de 1988, assegurando-se-lhe a competência para o julgamento dos crimes dolosos contra a vida (art. 5.º, XXXVIII). A redação do texto deixa claro que tal competência poderá ser ampliada para outros tipos de infração penal. Ressalta de tal conclusão a necessidade de aprimorar-se a atuação do tribunal popular, modernizando e simplificando o procedimento, além de conferir-lhe maior eficácia.

“O Projeto caracteriza-se pelos seguintes aspectos:

* reduz a influência que a motivação da pronúncia possa exercer sobre os jurados: a decisão deverá restringir-se à indicação da materialidade do fato delituoso e de indícios suficientes de autoria ou participação, remetendo o processo para o júri;

* permite a realização do julgamento sem a presença do acusado que, em liberdade, poderá exercer a faculdade do não comparecimento como corolário lógico do direito ao silêncio, constitucionalmente assegurado. Esta providência irá eliminar uma das usinas da prescrição, além de estar em harmonia com o restante do sistema. Os arts. 413 e 414 do Código de Processo Penal tinham razão de ser até o advento da Lei n.º 5.349, de 3.11.67, que revogou a prisão preventiva obrigatória e da Lei n.º 5.941, de 22/11/73, que concedeu liberdade provisória ao pronunciado primário e de bons antecedentes. Antigamente a prisão provisória (preventiva ou de pronúncia) era regra; agora é exceção. Nenhuma dificuldade havia antes para intimar pessoalmente o réu pronunciado que estava geralmente preso, pois a partir do caso de tentativa de homicídio a prisão preventiva era compulsória;

* suprime o libelo, na forma de antiga reivindicação já constante do anteprojeto José Frederico Marques (1070) e dos projetos de 1975 e 1983), fixando-se a oportunidade do requerimento de provas pela acusação e defesa a partir da intimação da pronúncia, em que, estabelecidos os limites da acusação, estão fixados na decisão de pronúncia;

* institui o preparo do processo visando a deliberação judicial sobre requerimentos de prova, o saneamento de nulidades e o esclarecimento sobre fato relevante, implementando-se o princípio da concentração de atos com vistas à discussão e ao julgamento da causa, e efetivando-se o relatório do processo nessa oportunidade, e não em plenário do júri;

* amplia o processo de democratização da justiça popular, com o alistamento de jurados, além do dirigido aos setores já indicados atualmente, também junto a novos e representativos endereços comunitários e centros de convivência, como associações de bairros e instituições de ensino, núcleos populares que se vêm desenvolvendo de forma autônoma, à luz das garantias constitucionais, refletindo as expressões da cidadania, um dos princípios fundamentais da República e base institucional do tribunal do júri;

* legitima o assistente do Ministério Público a requerer o desaforamento, medida constitutiva de uma possibilidade a mais para a realização da justiça material;

* disciplina a organização da pauta em seção autônoma, providência importante para descongestionar a agenda do tribunal, e fundamental para o estabelecimento de uma ordem na designação das datas de reuniões do júri;

* regulariza mais adequadamente as etapas do sorteio e da convocação dos jurados, atendendo a antigas reivindicações dos que atuam no júri. Além da dispensa de fórmula obsoleta (como a exigência da presença de um menor de 18 anos para tirar os nomes sorteados da urna), o Projeto resguarda o interesse das partes em acompanhar o sorteio determinado a prévia intimação. Os jurados serão convocados pelo correio;

* revaloriza a função do jurado, habilitando-o a obter, quando em igualdade de condições, determinados benefícios como a preferência nas licitações públicas, no provimento, mediante concurso, em cargo ou função pública e na promoção funcional;

* concede maior eficácia e agilidade para a instrução em plenário do júri, instituindo claramente o critério do cross examination, com as perguntas feitas diretamente às testemunhas e ao próprio acusado, pelo juiz presidente, pelas partes e jurados, - tudo com a necessária atenção aos princípios da imediação e da verdade material.

* proporciona maior liberdade ao jurado para a formação de seu convencimento, com a possibilidade de solicitar ao orador a indicação da ‘a folha dos autos por ele lida ou citada, bem como esclarecimento sobre questão de fato’ e de, a qualquer momento da discussão, examinar os autos, - em plena consonância com dois objetivos essenciais: a) ampliar os caminhos para a descoberta da verdade, superando dúvidas e incertezas que não podem ser confidenciadas ou discutidas em voz alta, em face da incomunicabilidade a que estão submetidos os juízes populares; b) reduzir as possibilidades da indução em erro, expediente afrontoso aos princípios éticos de que se podem valer os procuradores de má-fé;

* adota a simplificação do questionário, modificando, extraordinariamente, a redação dos quesitos e a colheita dos votos para, destarte, libertar o juiz, as partes e os jurados de um tormento bíblico a que estão atualmente condenados, reduzindo-os, a três, essencialmente, quais sejam, a materialidade, a autoria e a condenação (ou absolvição): a) se o acusado for condenado (com a afirmação do terceiro quesito), o juiz indagará sobre a causa de qualificação ou de especial aumento de pena constantes da pronúncia; b) deixará de existir o questionamento obrigatório em torno de circunstância atenuante que, na prática e se reconhecida, leva o Juiz de Direito a ‘sugerir’ ao jurado a escolha de uma delas em face da relação do Código; e, c) caberá ao presidente do Tribunal do Júri, no momento da sentença, reconhecer ou não a circunstância agravante ou atenuante;

* suprime o vetusto e inadequado protesto por novo júri. A sua eliminação é uma exigência dos tempos e da necessidade de aplicação da pena justa. No cotidiano forense, muitas penas para crimes graves contra a vida são fixadas aquém de 20 (vinte) anos de reclusão para impedir o protesto por novo júri. Essa estratégia processual, visando superar o inconveniente da revisão forçada do julgamento, geralmente muito trabalhoso, tem dois graves inconvenientes: a) constitui uma solução penal artificiosa, em oposição aos limites materiais da função jurisdicional; b) produz uma pena injusta para o caso concreto, gerando, não raro a insatisfação popular. Não há razão, nos dias presentes, para se manter o recurso do protesto por novo julgamento, que é herança do sistema criminal do Império, quando a imposição da pena de morte e de galés perpétuas poderiam justificar esse tipo de revisão obrigatória.

* sem alterar os aspectos do procedimento que justifica a existência e o funcionamento do tribunal do povo, o Projeto procura cumprir os objetivos de modernização, simplificação e eficácia em torno dos quais gravitam os esforços e as esperanças da reforma processual penal.”

“Estas, Senhor Presidente, são as razões das sugestões de alteração do procedimento seguido pelo tribunal do júri, destinadas a compatibilizá-lo com as exigências de celeridade e eficácia, em proveito de uma melhor prestação da justiça.

“Dada a relevância da matéria e sua repercussão na prestação jurisdicional penal, há especial interesse deste Ministério em sua rápida aprovação. Permito-me, assim, sugerir a Vossa Excelência, no caso de sua aceitação, a utilização da faculdade concedida pelo parágrafo 1º do artigo 64 da Constituição Federal, com a remessa de mensagem ao Congresso Nacional, solicitando urgência na sua tramitação”(1).

2. Da acusação e da instrução preliminar

Antes das notas a respeito da pronúncia, é importante observar a radical mudança da instrução judicial que antecede o juízo de admissibilidade da acusação para submeter o réu ao Tribunal do Júri. Como é sabido, uma das usinas de prescrição nos procedimentos dos crimes dolosos contra a vida consiste na irrazoável demora da instrução judicial, que é a mesma do processo comum. Com o novo diploma, há sensível redução de prazos, em

especial para a audiência concentrada da instrução, que colherá, se possível, as declarações do ofendido; as testemunhas arroladas pela acusação e pela defesa; esclarecimentos dos peritos, acareações e ao reconhecimento de pessoas e coisas. O interrogatório passa a ser o último ato, ao contrário do sexagenário sistema, quando o acusado vai responder sobre o fato imputado mas sem o conhecimento da prova testemunhal que ainda será produzida perante o Juiz. Onde, nesse caso a garantia do contraditório e da ampla defesa?

Ao atender ao princípio da concentração, a audiência única institui o valoroso princípio da identidade física do juiz adotada no processo civil, mas que, paradoxalmente, não existe no processo penal. Isso acarreta o grave resultado prático da rotatividade, nociva de juízes e promotores, à medida em que o processo vai se fragmentando em audiências descontínuas e distantes no tempo.

Tanto o prazo de 10 (dez) dias para inquirição de testemunhas e realização de diligências requeridas pela partes, como o encerramento da audiência de instrução no mesmo dia, constituem marcas registradas dessa mudança de cultura forense, quando o retardamento da instrução decorre das mazelas da administração, ou seja: a) a deficiência de quadros funcionais e b) os juízes, promotores e serventuários tardinheiros. Ou por obra da chicana do defensor antiético. E quanto ao tempo de registro dos depoimentos, o Tribunal do Júri de Curitiba tem dado boas respostas com a gravação simultânea. Um exemplo relevante vem da prática da Justiça Federal: vários depoimentos são colhidos no mesmo dia, em pouco espaço de horas, em face desse método. Afinal, a colheita da prova oral precisa sair do tempo da carroça.

Nenhuma necessidade justifica o sistema atual das alegações escritas apresentadas após o rosário burocrático de termos, atos e intimações. Os julgados de improcedência da denúncia (ou queixa) e de absolvição sumária são raríssimos. A rotina judiciária é a pronúncia, quer pelo convencimento como pelo mito da imaginária “dúvida em favor da sociedade”. Alegações orais em vinte minutos para cada parte, prorrogáveis por mais dez, são suficientes para o resumo da prova e do pedido. Afinal, a instrução e as razões devem ter os seus momentos altos perante os juízes naturais da causa. O debate ganha em dinamismo e verossimilhança, ao contrário do modelo atual que, geralmente, estimula a retórica e a releitura da prova testemunhal feita perante a autoridade policial e o juiz togado, que não irão decidir o caso.

O art. 412, estabelece que o procedimento “será concluído no prazo máximo de 90 (noventa) dias”. Possível? Impossível? Depende, é evidente, das condições humanas e materiais dos juizados. Mas é elementar que a especialização das varas criminais e o empenho dos magistrados podem dar uma resposta satisfatória a essa expectativa. O juiz não é apenas o gestor da prova; ele também deve ser o fiador da razoável duração do processo e o empregador dos meios que garantam a celeridade de sua tramitação.

3. A pronúncia, impronúncia e absolvição sumária

Atendendo às exigências da boa doutrina e à estável jurisprudência dos tribunais, a nova orientação quanto à pronúncia evita o excesso de linguagem

do prolator, que assume papel típico do acusador quando analisa minuciosamente a prova para excluir as hipóteses de negativa de autoria (ou participação), exclusão de crime e isenção de pena. O § 1.º do art. 413 declara que “a fundamentação da pronúncia limitar-se-á à indicação da materialidade do fato e de indícios suficientes de autoria”. Nada mais é preciso.

Nota:

(1) Separata do Projeto de Lei n.º 4.900, de 1995. (Mensagem n.º 1.272/94). Publicação do Centro Gráfico do Senado Federal, Brasília (DF), 1995.

* artigo publicado no jornal "O Estado do Paraná", caderno "Direito e Justiça" de 22.06.2008.

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UM NOVO E DEMOCRÁTICO TRIBUNAL DO JÚRI (III)

1. Os trabalhos da Reforma

Os trabalhos para promover a reforma setorial do Código de Processo Penal, surgiram da iniciativa do Ministro da Justiça Célio Borja (02/04. 1.º/10/1992) ao nomear o Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira, do Superior Tribunal de Justiça para, na qualidade de presidente da Escola Nacional da Magistratura, presidir comissões de juristas encarregadas de realizar estudos e propor soluções visando a simplificação dos códigos de Processo Civil e Processo Penal. Para este último desafio, o Ministro Figueiredo Teixeira firmou a Portaria n.º 3, de 10 de junho de 1992, designando Luiz Vicente Cernicchiaro e Sidnei Agostinho Beneti para as funções de coordenação e secretaria, respectivamente(1).

Desde a primeira reunião da Comissão em Ribeirão Preto (SP), ocorrida em 25 e 26 de setembro de 1992, predominou a orientação de que a reforma não poderia ser global, ou seja, a proposta de um novo e inteiro Código, apesar das tentativas frustrantes. (1970 e 1983). Daí a escolha dos setores do diploma que tivessem maior repercussão com o princípio constitucional do devido processo legal; com os deveres e as garantias das partes, além da simplificação e a eficiência dos procedimentos. E o antigo modelo do tribunal popular (1941) foi revisto na mesa de trabalhos com destaque para setores que exigiam cuidados especiais e urgentes. Fui indicado para redigir um anteprojeto para discussão e receber sugestões no âmbito da Comissão e depois pela comunidade jurídica nacional em reuniões com estudiosos e profissionais, antes de ser levado ao exame final do Ministério da Justiça e daí para o Congresso Nacional. Os textos resultantes das reuniões de Salvador (1.º-3./11/1994) e São Paulo (14-15/11/1994) foram publicados no DOU de 25 de novembro de 1994, “tendo em vista o interesse em proporcionar o seu conhecimento à comunidade jurídica e à sociedade”, conforme despacho do Ministro da Justiça, Alexandre de Paula Dupeyrat Martins(2).

Em primeiro lugar, houve a preocupação de se manter uma rigorosa sucessão cronológica dos atos e termos do procedimento, caracterizando um

sistema orgânico do ponto de vista instrumental e jurídico. A simplificação e a eficácia, como objetivos a perseguir, no contexto de um processo moderno e dinâmico, não devem suprimir fórmulas que se impõem diante do generoso princípio do due process of law e das exigências de segurança e justiça.

Em artigo escrito a propósito da celeridade do processo penal em Direito Comparado, Jean Pradel, catedrático de Direito Penal da Universidade de Poitiers e presidente da Associação Francesa de Direito Penal, lembra que a celeridade do processo pode ser definida de forma negativa e positiva, advertindo que ela não deve ser confundida com a perigosa precipitação. E adverte que já no século XV, o inglês Fortescue escrevia que nunca a justiça se encontra em uma situação tão perigosa como quando se administra muito depressa (“never is justice in such a danger as when it is handed too hastily”)(3).

Os comentários a seguir, analisam os setores que merecem reforma para a melhor operacionalidade do Tribunal do Júri, na perspectiva das lições da doutrina e da jurisprudência.

2. A decisão de pronúncia

Para evitar interferência indébita na consciência do jurado, a nova lei o Projeto estabelece que a fundamentação da pronúncia limitar-se-á à indicação dos requisitos estabelecidos no art. 413: “O juiz, fundamentadamente, pronunciará o acusado, se convencido da materialidade do fato e da existência de indícios suficientes de autoria ou de participação. § 1.º A fundamentação da pronúncia limitar-se-á a indicação da materialidade do fato e da existência de indícios suficientes de autoria ou de participação...”.

A lei nova está em perfeita consonância com a orientação da jurisprudência, como se poderá verificar pela decisão unânime da 3.ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo, que serve de paradigma: “Na sentença de pronúncia, fase marcadamente processual é de todo indevida a análise aprofundada da prova e a edição do Juízo de certeza, tarefa essa delegada aos Senhores Jurados, a quem, competem proferir ou não o judiciium condenationis”(4).

3. A intimação da pronúncia

Nos termos do art. 420, I, a intimação da pronúncia será feita pessoalmente ao acusado, ao defensor nomeado e ao Ministério Público; II, ao defensor constituído, ao querelante e ao assistente do Ministério Público, na forma do disposto no § 1.º do art. 370 deste Código. Parágrafo único. Será intimado por edital o acusado solto que não for encontrado.

4. O julgamento sem a presença pessoal do réu

O acusado que respondeu solto ao processo poderá ser julgado independentemente de sua presença física no Tribunal (Art. 457: O julgamento não será adiado pelo não comparecimento do acusado solto, do assistente ou do advogado do querelante, que tiver sido regularmente intimado). Trata-se de ampliar a garantia constitucional do direito de calar, desativando uma das usinas de prescrição. A rotina das transferências injustificáveis e as atitudes do réu - que procura se furtar ao julgamento ou

não é encontrado - têm como vertentes a necessidade de sua intimação pessoal, tanto para cientificá-lo da pronúncia como para a data do julgamento.

Por outro lado, a voluntária ausência do réu pode configurar o exercício de sua liberdade em contestar a legitimidade do tribunal. Tal hipótese não é absurda: basta considerar que muitos casos de aborto praticado por motivo de relevante valor social ou moral são alvos de reiteradas campanhas de descriminalização.

O Superior Tribunal de Justiça contém um precedente específico da dispensa do réu para a realização do Júri. Vale transcrever: “A Constituição da República de 1988 consagra ser direito do réu silenciar. Em decorrência, não o desejando, embora devidamente intimado, não precisa comparecer à sessão do Tribunal do Júri. Este, por isso, pode funcionar normalmente. Conclusão que se amolda aos princípios da verdade real e não compactua com a malícia do acusado de evitar o julgamento”(5).

5. A supressão do libelo

A supressão do libelo já fora proposta no Anteprojeto Frederico Marques (1970), no Projeto n.º 1.268, de 1979 e no Projeto de 1983, coordenado por Francisco de Assis Toledo e aprovado pela Câmara dos Deputados(6).

Com a nova lei, o requerimento de provas e diligências terá oportunidade própria, como se verifica pelo artigo 422, após preclusa a pronúncia. Encerrada a instrução, a palavra será concedida ao Ministério Público “que fará a acusação, nos limites da pronúncia ou das decisões posteriores que julgaram admissível a acusação, sustentando, se for o caso, a existência de circunstância agravante” (Art. 476).

6. O preparo do processo

Em face da supressão do libelo, o juiz-preparador, deliberando sobre os requerimentos de prova a serem produzidas ou exibidas no Plenário do Júri, e adotar as providências devidas: 1) ordenará as diligências necessárias para sanar qualquer nulidade ou esclarecer fato que interesse ao julgamento da causa; 2) fará relatório sucinto do processo, determinando a sua inclusão em pauta na reunião do Tribunal do Júri (art. 423).

7. O alistamento dos jurados

Houve sensível mudança nesta parte quando a lei nova estabelece que anualmente serão: “alistados pelo presidente do Tribunal do Júri de 800 (oitocentos) a 1.500 (um mil e quinhentos) jurados nas comarcas de mais de 1.000.000 (um milhão) de habitantes, de 300 (trezentos) a 700 (setecentos) nas comarcas de mais de 100.000 (cem mil) habitantes e de 80 (oitenta) a 400 (quatrocentos) nas comarcas de menor população. § 1.º Nas comarcas onde for necessário, poderá ser aumentado o número de jurados e, ainda, organizada lista de suplentes, depositadas as cédulas em urna especial, com as cautelas mencionadas na parte final do § 3.º do art. 426 deste Código. § 2.º O juiz presidente requisitará às autoridades locais, associações de classe e de bairro, entidades associativas e culturais, instituições de ensino em geral, universidades, sindicatos, repartições públicas e outros núcleos comunitários a indicação de pessoas que reúnam as condições para exercer a função de jurado’”. (Art. 425)

O tema da seleção dos juizes de fato estimula debates e análises com o objetivo de sensibilizar os juizes togados e os demais operadores do Tribunal do Júri a fim de se aprimorar a qualidade dos conselhos de sentença e, por via de conseqüência, dos julgamentos (7).

8. O desaforamento

O desaforamento é previsto quando houver interesse da ordem pública, dúvida sobre a imparcialidade do Júri ou quanto à segurança pessoal do réu (Art. 427).

É relevantíssima a inovação que autoriza o desaforamento “em razão do comprovado excesso de serviço, ouvidos o Juiz-Presidente e a parte contrária, se o julgamento não puder ser realizado no prazo de 6 (seis) meses, contado do trânsito em julgado da decisão de pronúncia” (Art. 428).

Confere-se legitimação ao assistente do Ministério Público para requerer a medida (Art. 427). São óbvias as razões de tal orientação que procura consagrar precedentes de jurisprudência, inclusive do Supremo Tribunal Federal(8).

9. Sorteio e convocação dos jurados

Organizada a pauta o juiz presidente determinará a intimação do Ministério Público, da Ordem dos Advogados do Brasil e da Defensoria Pública “em dia e hora designados, o sorteio dos jurados que atuarão na reunião periódica” (Art. 432). O chamamento dos prováveis julgadores se fará pelo correio, ou por qualquer outro meio hábil para comparecer no dia e hora designados para a reunião (Art. 434).

Da maior importância é a regra determinando que no mesmo expediente de convocação serão transcritos os arts. 436 a 446 que regulam a função do jurado (Art. 434, parágrafo único).

Estas providências se justificam à luz de duas coordenadas: a) simplificam a chamada, dispensando a convocação pessoal que é onerosa e demorada; b) oferecem aos convocados informações oficiais sobre os direitos e os deveres do juiz leigo.

10. A função do jurado

Não se ignora a dificuldade em se obter a presença de juiz de fato para colaborar com o Poder Judiciário. Além dos benefícios previstos no Art. 437 do CPP em vigor, ou sejam o reconhecimento de serviço público relevante, estabelecimento da presunção de idoneidade moral, prisão especial, em caso de crime comum, e preferência e igualdade de condições nas concorrências públicas, o novo diploma do Júri (Lei n.º 11.689/2008) constitui também direito do juiz do povo a preferência “no provimento mediante o concurso de cargo ou função pública, bem como nos casos de promoção funcional ou remoção voluntária” (Art. 440).

11. A adequação constitucional do novo diploma

As múltiplas alterações introduzidas no sistema revelam a compatibilidade entre o novo procedimento do Júri e os direitos e garantias constitucionais e inerentes às partes no processo.

Como acentua o Professor Eugênio Pacelli de Oliveira: “não é mais admissível compreender e muito menos seguir aplicando o processo penal sem a filtragem constitucional. O Código de Processo Penal de 1941 não está superado apenas pelo tempo; está superado também por força da incompatibilidade normativa com o texto de 1988, em cujo bojo construiu-se um sistema de garantias individuais com abrangência suficiente para fazer evaporar diversos dispositivos do nosso CPP”(9). (Segue)

Notas:

(1) As leis n.ºs 11.689, 11.690, de 9 de junho e a Lei n.º 11.719, de 20 de junho do corrente ano, são fruto dos 17 (dezessete) anteprojetos encaminhados ao Congresso Nacional em 1994, cf. Exposições de Motivos n.ºs 605 a 610. Previamente os textos foram publicados para receber críticas e sugestões (DOU de 25/11/1994, Seção I, p. 17854 e s.).(2) Seção I, p. 17854 e s.(3) “The celerity of criminal procedure in comparative law”, em International Review of Penal Law, edição da Associação Internacional de Direito Penal, Paris, 3.º e 4.º trimestres de 1995, p. 323. (4) RT 712/382. No mesmo sentido: RT 521/439, 522/361 e 644/258.(5) 6.ª Turma, unânime, Rel. Min. Luiz Vicente Cernicchiaro, em 2/8/1994, RT 710/344.(6) Proj. de Lei n.º 1.655-B,de 1983, aprovado em forma de Substitutivo e publicado no Diário do Congresso Nacional, seção I, supl. de 17/8/1984. A redação final foi publicada no DCN, seção I, supl. De 19/10/1984. (7) Especificamente sobre o assunto, Edílson Mougenot Bonfim, “O selecionamento dos jurados, a questão da ‘notória idoneidade’ e a boa formação do Conselho de Sentença no Tribunal do Júri”, em RT 693/309 e s.). (8) RTJ 487/35; 45/461.(9) OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Curso de Processo Penal. 6.ª ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2006. p.3.

* artigo publicado no jornal "O Estado do Paraná", caderno "Direito e Justiça" de 29.06.2008.

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UM NOVO E DEMOCRÁTICO TRIBUNAL DO JÚRI (IV)

1. O jurado e a cidadania

Um dos fundamentos da República Federativa do Brasil é a cidadania (CF, art. 1.º, II), considerada um vínculo de caráter jurídico entre um indivíduo e uma entidade política de representação da comunidade: o Estado. As modernas constituições, aprovadas no cenário de liberdade dos Estados Democráticos de Direito, estabelecem como direito-dever dos cidadãos a participação nos assuntos públicos, diretamente ou através de representantes eleitos.

No Tribunal do Júri, o cidadão exerce essa forma de participação com a sua efetiva presença no Conselho de Sentença para decidir uma causa criminal. Ele passa a ser um representante popular na prestação jurisdicional. Justamente por isso, o exercício efetivo dessa condição constitui serviço público relevante, estabelece presunção de idoneidade moral e assegurará prisão especial, em caso de crime comum, até o julgamento definitivo, bem como preferência, em igualdade de condições, nas concorrências públicas (CPP, art. 437). A Lei n.º 11.689/08, dando nova redação ao art. 440 do CPP, manteve tais direitos e acresceu o “provimento, mediante concurso, de cargo ou função pública, bem como nos casos de promoção funcional ou remoção voluntária”.

2. A recusa ao serviço do Júri

No regime ainda em vigor (1), a recusa ao serviço do Júri, motivada por convicção religiosa, filosófica ou política, importará a perda dos direitos políticos (CPP, art. 435). A sanção, extremamente grave, tem origem na Carta autoritária de 1937 (art. 119, b). A nova lei do Júri fornece uma alternativa ao prever que a recusa acarretará o dever de prestar serviço alternativo, sob pena de suspensão dos direitos políticos enquanto não prestar o serviço imposto (novo art. 438). Entende-se por serviço alternativo o exercício de atividades de caráter administrativo, assistencial, filantrópico ou mesmo produtivo, no Poder Judiciário, na Defensoria Pública, no Ministério Público ou em entidade conveniada para esses fins. O Juiz fixará o serviço alternativo atendendo aos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade (§§ 1.º e 2.º do novo art. 438). Duas hipóteses não previstas no Código vigente são introduzidas com a reforma: a) Somente será aceita escusa se fundada em motivo relevante devidamente comprovado e quando apresentada, ressalvadas as hipóteses de força maior, até o momento da chamada de jurados; b) o juiz de fato somente poderá ser dispensado por decisão motivada do juiz presidente, consignada na ata dos trabalhos (novos arts. 443 e 444).

3. Impedimentos, suspeições e incompatibilidades

A fórmula adotada na Lei n.º 11.689/08, para regular as hipóteses de impedimentos, suspeições e incompatibilidades, procura absorver as regras já vigorantes no processo civil, além de acolher orientação da doutrina e da jurisprudência a respeito de situações atualmente não consagradas expressamente pelo Código.

Além dos impedimentos atualmente previstos (CPP art. 462(2)), acrescentam-se outros casos, como o relativo a pessoas que mantenham união estável reconhecida como entidade familiar, além dos impedimentos, suspeição e incompatibilidades dos juízes togados (§§ 1.º e 2.º, do novo art. 448). Também não poderá servir o jurado que: I - tiver funcionado em julgamento anterior do mesmo processo, independentemente da causa determinante do julgamento posterior(3); II - no caso do concurso de pessoas, houver integrado o Conselho de Sentença que julgou outro acusado(4); III - tiver manifestado prévia disposição para condenar ou absolver o acusado (novo art. 449).

4. A instrução plenária e os debates

A possibilidade deferida ao acusador, ao defensor e ao jurado, de interrogarem o réu na forma direta, é uma das inovações do novo procedimento. Como é elementar, o interrogatório não é somente um ato de defesa; é, também, um meio de prova vinculado aos princípios da investigação e da verdade material. É certo que muitos Juízes de Direito já adotam essa orientação mas assim o faziam por liberalidade e compreensão da dinâmica da instrução. Agora, a regra é estabelecida formalmente.

Também é prevista a inquirição direta das testemunhas (direct and cross examination) pelas partes após colhido o depoimento pelo Juiz de Direito.

O sistema proposto - e na prática já adotado por muitos magistrados, na correta aplicação do art. 467 do Código(5) - procura atender ao princípio da imediação, definido como a relação de proximidade comunicante entre o tribunal e os participantes no processo, permitindo a melhor colheita do material de convicção. Neste sentido é a melhor doutrina, como se poderá verificar em Marques Porto(6), Damásio de Jesus(7) e Roberto Paredes(8).

Para compatibilizar tal sugestão com a regra geral da inquirição de testemunhas, foi aprovada a Lei n.º 11.690, de 9 de junho do corrente ano, dando nova redação ao art. 212 do Código de Processo Penal, nesses termos: “As perguntas serão formuladas pelas partes diretamente à testemunha, não admitindo o juiz aquelas que puderem induzir a resposta, não tiverem relação com a causa ou importarem na repetição de outra já respondida”.

Os jurados formularão perguntas ao ofendido, às testemunhas e ao interrogado por intermédio do juiz presidente (novo art. 473 e §§ 1.º e 2.º).

Do maior relevo é a disposição que proíbe o uso desnecessário de algemas. A regra constante do novo art. 474, § 3.º, é a seguinte: “Não se permitirá o uso de algemas no acusado durante o período em que permanecer no plenário do Júri, salvo se absolutamente necessário à ordem dos trabalhos, à segurança das testemunhas ou à garantia da integridade física dos presentes”.

O exibicionismo de muitas diligências policiais frente às câmeras de televisão, para o espetáculo oferecido a milhões de espectadores, quando são algemados os suspeitos ou indiciados sem que haja qualquer necessidade, é uma afronta aos mais elementares direitos da personalidade e também ao devido processo legal, que deve observar a dignidade da pessoa humana. Muito a propósito, o Supremo Tribunal Federal, em habeas corpus deferido pela intimorata Ministra Cármen Lúcia, decidiu: “O uso legítimo de algemas não é arbitrário, sendo de natureza excepcional, a ser adotado nos casos e com as finalidades de impedir, prevenir ou dificultar a fuga ou reação indevida do preso, desde que haja fundada suspeita ou justificado receio de que tanto venha a ocorrer, e para evitar agressão do preso contra os próprios policiais, contra terceiros ou contra si mesmo. O emprego dessa medida tem como balizamento jurídico necessário os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade. Precedentes”(9).

5. O registro dos meios de prova

O registro mais dinâmico e eficiente da prova colhida em audiência, é uma das providências absolutamente necessárias para libertar os protagonistas do Tribunal do Júri da servidão humana a que têm sido condenados durante todo o tempo de vigência do sistema de documentação manuscrita e, depois, datilográfica. O novo art. 475 e seu parágrafo único, estabelecem que “o registro dos depoimentos e do interrogatório será feito

pelos meios ou recursos de gravação magnética, eletrônica, estenotipia ou técnica similar, destinada a obter maior fidelidade e celeridade na colheita da prova. A transcrição do registro, após feita a degravação, constará dos autos”.

Há necessidade, imperiosa e urgente, de libertar os participantes essenciais do processo da tormentosa aventura de navegar no universo da prova testemunhal, com os antigos barcos à vela e os diários de bordo, escritos com a pena de ganso. Não se admite que, à margem do progresso da ciência e da tecnologia, os instrumentos para a busca da verdade material continuem sendo as peças de museu com as quais o magistrado e as partes pretendem recontar a história e a biografia dos personagens da causa penal.

6. O uso de equipamentos durante a exposição

O uso de sistemas e equipamentos modernos, como o audiovisual e as projeções, é plenamente autorizado pelo novo sistema proposto. Em primeiro lugar, essa faculdade já tem sido amplamente utilizada, pois o Código de Processo Penal admite a interpretação extensiva e a aplicação analógica (art. 3.º). Assim, na medida em que se propõe um registro mais fiel da prova (art. 475), é curial que sua exibição também seja permitida. Trata-se de acompanhar o progresso da ciência e da eletrônica, além de proporcionar aos jurados e à sociedade o mais rápido e didático acesso aos fatos apurados no processo.

O exercício das atividades de acusação e da defesa harmoniza-se perfeitamente com o uso de equipamentos como o áudio e o vídeo-tape, que nos dias correntes são importantes instrumentos de ensino e corriqueiramente empregados nas escolas, colégios, faculdades e outros centros de difusão de conhecimento ou lazer. A 1.ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo, por votação unânime, concedeu habeas corpus para permitir a oitiva de uma fita de gravação e a juntada de fotos, como meios de prova tempestivamente juntados no processo e cujo desentranhamento fora determinado pelo Juiz do feito (10).

7. A formação do convencimento do jurado

Outra inovação relevante do novo procedimento para o Tribunal do Júri constitui-se na faculdade deferida ao jurado para pedir ao orador, a qualquer momento, que indique a folha dos autos onde se encontra a peça por ele lida ou citada, bem como o esclarecimento sobre fato por ele alegado (novo art. 480). A intervenção, realizada através do Juiz de Direito, tem, entre outros, os seguintes objetivos: a) a busca da verdade material; b) a exigência do comportamento do procurador da parte que, embora comprometido com uma das versões da causa, tem o dever de lealdade na leitura de documentos e narração de fatos.

Também merece destaque a oportunidade concedida ao jurado para examinar os autos e o instrumento do crime, logo após encerrados os debates e ainda em sessão pública (novo art. 480, § 3.º). O sistema vigente permite essa diligência apenas na sala secreta, quando os debates já se encerraram. Como se pode verificar, a diferença é muito grande entre o sistema vigente e o proposto.

8. Vedação de leitura de ato ou exploração de fato

Para evitar a leitura de ato processual ou exploração de fato que possa influenciar indevidamente o Conselho de Sentença, o novo art. 478 determina: “Durante os debates as partes não poderão, sob pena de nulidade, fazer referências: I à decisão de pronúncia, às decisões posteriores que julgaram admissível a acusação ou à determinação do uso de algemas como argumento de autoridade que beneficiem ou prejudiquem o acusado; II ao silêncio do acusado ou à ausência de interrogatório por falta de requerimento, em seu prejuízo”.

É elementar que o debate no tribunal popular deve ser travado entre as partes, tendo como objeto o fato punível e as suas circunstâncias. Não se admite que um ato processual, que apenas se limita a admitir a acusação para ser conhecida pelo Júri, e que muitas vezes é baseado no mito da dúvida em favor da sociedade, transforme-se em agente de persuasão. E quanto à segunda vedação, não é possível que o silêncio do acusado ou a ausência de interrogatório por falta de requerimento (direito de petição), que são garantias constitucionais, possam ser utilizadas contra quem tem a faculdade de exercê-las legitimamente. (Segue).

Notas:

(1) A Lei n.º 11.689/08, entrará em vigor no dia 8 de agosto (60 dias após a sua publicação).(2) Art. 462. “São impedidos de servir no mesmo conselho marido e mulher, ascendentes e descendentes, sogro e genro ou nora, irmãos, cunhados, durante o cunhado, tio e sobrinho, padrasto ou madrasta e enteado”.(3) A nulidade é de ordem pública, porque vicia a composição do tribunal popular (RT 729/597 e Súmula 206 do STF). (4) A nulidade daí resultante é absoluta (RT 653/343 e 681/338). (5) A 1.ª Câmara Criminal do TJ do Rio de Janeiro declarou a nulidade do julgamento pelo júri por não se observar a formalidade essencial da inquirição direta das testemunhas em plenário (Apel. crim. n.º 11.521, de Itaguaí, Rel. Des. Edgar Maria Teixeira, precedente citado por José Roberto Paredes, em A inquirição direta das testemunhas no Júri, Editora Liber Juris, RJ, 1985, p. 22). (6) MARQUES PORTO, Hermínio Alberto. Júri - Procedimentos e aspectos do julgamento - Questionário, Malheiros Editores, SP, 1993, 7.ª ed., p. 130 e nota n.º 226.(7) JESUS, Damásio Evangelista de. Código de Processo Penal Anotado, ed. Saraiva, SP, 1989, p. 296. (8) PAREDES, José Roberto. A inquirição direta da testemunhas no Júri, cit., p. 51 e s.(9) 1.º Turma, unânime, HC 89.429-1 (RO), j. em 22/8/2006.(10) RT 725/572.

* artigo publicado no jornal "O Estado do Paraná", caderno "Direito e Justiça" de 06.07.2008.

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UM NOVO E DEMOCRÁTICO TRIBUNAL DO JÚRI (V)

1. A redação e a votação dos quesitos

Dispõe o art. 482, da Lei nº 11.689/08: “O Conselho de sentença será questionado sobre matéria de fato e se o acusado deve ser absolvido”. Parágrafo único: “Os quesitos serão redigidos em proposições afirmativas, simples e distintas, de modo que cada um deles possa ser respondido com suficiente clareza e necessária precisão. Na sua elaboração, o presidente levará em conta os termos da pronúncia ou das decisões posteriores que julgaram admissível a acusação, do interrogatório e das alegações das partes”.

O jurado deve decidir apenas as chamadas questões de fato, distintas das questões de direito. Mas assim não ocorre em muitas situações do modelo ainda vigente, quando o juiz popular responde questão tipicamente jurídica. Servem alguns exemplos: a) se houve excesso culposo (na legítima defesa); b) se o réu praticou o fato no estrito cumprimento do dever legal (especificação do dever); c) se o réu (“com esse procedimento”), iniciou a execução do crime de homicídio?; d) 1º. “O réu, no dia (...), local, ministrou cápsula de cianureto a (...)?”; e) 2º. “A ingestão da cápsula deu causa à morte da vítima?”; f) 3º. “O réu ministrou a cápsula a pedido da vítima e para pôr fim a grave sofrimento desta?”; g) 4º. “O réu supôs, por erro, que o pedido da vítima, nas circunstâncias, tornava seu procedimento autorizado pela lei?”; (1) h) 1º. “O réu (...)”; e) 2º. “Essas lesões (...) (quesito comum à letalidade ou à tentativa conforme o caso)”; i) 3º O réu (...), em conseqüência de erro plenamente justificado pela circunstância de (especificar a circunstância de que resultou o erro) supôs achar-se em face de uma agressão à sua pessoa? (ou agressão a terceira pessoa, ou situação de necessidade, ou de estrito cumprimento de ordem legal, ou de exercício de um direito)”; j) 4º. “Se existisse agressão à sua pessoa (ou à de terceira pessoa, ou uma situação de necessidade, ou de cumprimento de ordem legal, ou no exercício de um direito) seria lícito o procedimento do réu (...)?”; k) 5º. “O erro do réu derivou de culpa?”. (2) Como se pode observar por estas e muitas outras situações, a afirmação de que o Júri decide apenas questão de fato tornou-se um mito diante da formulação técnico-jurídico-penal do questionário. Se persiste, ainda, na doutrina científica, a polêmica sobre o início de execução do homicídio (quando terminam os atos preparatórios e quanto surge o início de execução?), como atribuir ao magistrado leigo a “solução” da controvérsia?

Com a experiência cotidiana e as decisões que anulam o Júri, pela deficiência de redação dos quesitos ou contrariedade nas respostas, tornou-se um truísmo a conclusão de que a sexagenária fórmula continua sendo – como tenho dito reiteradamente – uma das usinas de nulidade.

2. A lição da experiência no Judiciário e no Ministério Público

Com a inegável autoridade da militância no Júri, um imenso número de magistrados e membros do Ministério Público – além dos advogados – tem reconhecido e proclamado essa realidade que compromete o prestígio da mais democrática instituição jurídica brasileira.

Em artigo publicado na coletânea organizada por Rogério,Lauria Tucci, (3) o Juiz de Direito da Vara do Júri de Campinas, José Henrique Rodrigues Torres, informou que durante o III Encontro Nacional do Tribunal do Júri, realizado em Belém do Pará, em dezembro de 1997, ouviu um dos palestrantes afirmar que “a quesitação muita vez parece um lobo mau”. E prossegue: “Como é cediço, no que diz respeito aos julgamentos do Tribunal do Júri, a maioria das nulidades invocadas pelas partes e declaradas pelos Tribunais está relacionada com a quesitação. Logo, se não há motivos para ter medo do lobo mau, pelo menos ele deve ser respeitado. (...) Para alguns profissionais do Júri, ou mesmo para alguns de seus críticos, a quesitação é muito simples. Não é verdade. No Encontro Nacional de Tribunais do Júri acima referido, o Ministro Evandro Lins e Silva afirmou que um dos momentos mais dramáticos e decisivos no julgamento do Tribunal do Júri é exatamente o momento da quesitação. E, com toda a sua experiência e inegável sabedoria, prestes a quebrar o recorde nacional de defesas do Tribunal do Júri, o advogado, juiz e jurista Evandro não teve receio de confessar que reputa difícil e complexa a quesitação, especialmente em face da atual sistemática adotada por nossa legislação. Ele tem razão”. Após fazer outras considerações e observar que “basta uma consulta a qualquer repertório de jurisprudência para que sejam encontradas inúmeras decisões anulando julgamentos do Tribunal do Júri por causa dos quesitos”, o Magistrado – com a experiência de presidir sessões do tribunal do povo – arremata ser importante fazer uma reflexão sobre o assunto “com o pensamento liberto dos grilhões dos preconceitos, dos mitos, dos dogmas e das fórmulas preconcebidas a respeito da quesitação e da própria instituição do Júri”.(4)

Um dos mais qualificados críticos foi o imortal ex-ministro do Supremo Tribunal, Ary Franco, na obra de referência publicada quando exercia a cátedra de Direito Judiciário Penal da Faculdade de Direito do Rio de Janeiro e era Desembargador do Tribunal de Justiça do antigo Distrito Federal. São suas essas palavras: “Voltamos, assim, pelo artigo 5º da Lei nº 263, ao sistema francês, anterior ao Código de Processo Penal, e, consoante dispõe agora o artigo 484 do Código de Processo Penal, o quesitos, cuja importância é vital no julgamento do Júri, tanto que a sua redação defeituosa tem ensejado vários casos de nulidade dos julgamentos (...).” (5) Outro Juiz togadom, que durante muito tempo presidiu o Conselho de Sentença, James Tubenchlak, também presta o seu testemunho: “Em nossa visão crítica, concluímos definitivamente que a causa exclusiva, geradora da deficiência dos quesitos em proporção alarmante, situa-se na deficiência da lei”(6). O depoimento do prestigiado mestre de processo penal e notável ex-integrante do Ministério Público Estadual paulista, Tourinho Filho, é igualmente expressivo: “Aliás, o questionário, no Júri, continua sendo, como há cinqüenta anos, fonte inexaurível de nulidade. Depois de tantos anos de vigência do atual Código, ainda não se sabe se, na legítima defesa, os quesitos sobre a moderação e os meios necessários devem ser formulados englobada ou distintamente...”(7)

3. A necessidade de simplificar o questionário

A redação do questionário constitui um ato processual do maior relevo. A simplicidade na redação é uma exigência elementar para a busca da verdade e a realização da justiça. Segundo expressivo julgado, a matéria

assume a dimensão inerente à garantia da ampla defesa quando se formula indagação diversa da imputação e, ainda, de modo impróprio e confuso, fica estabelecido o cerceamento de defesa que deve ser declarado a despeito da omissão do defensor que silenciou quando da leitura do questionário. Não se cuida de “indagar da prova de efetivo prejuízo que, no caso, resulta ontologicamente da própria redação dos quesitos. Não se olvide que nenhuma condenação pode prevalecer sem o sufrágio do constitucional devido processo legal, que envolve corolariamente o devido procedimento legal” (8).

São inúmeras as decisões dos tribunais cassando decisões do Júri , em conseqüência de defeitos do questionário ou contradição das respostas aos quesitos. Há precedentes de todos os tipos. Assim, já se anulou o julgamento, pelos seguintes vícios: a) proposição confusa e complexa (RT 732/685); b) incongruência nas respostas, que demonstrou a perplexidade dos jurados (RT 721/507); c) não formulação de quesitos sobre a moderação e o elemento subjetivo do excesso, após ter o Júri negado o uso dos meios necessários (RT 721/538); d) conflitantes manifestações dos jurados (RT 716/429); e) inversão na ordem dos quesitos, de modo que os prejudiciais ao réu fossem respondidos antes daqueles que o favorecem (RT 726/709 e Súmula 162 do STF); f) induzimento dos jurados a equívoco em conseqüência da falta de técnica de redação (RT 726/726); g) falta de desdobramento do questionário em séries distintas para compreender as teses de defesa (RT 695/301 e 720/498); h) redação de quesito que conduz a equívoco ou perplexidade (RT 660/380).

4. O erro judiciário no Júri do Massacre de El Carajás

O caso de maior repercussão nacional na história dos julgamentos pelo tribunal popular e que configurou um leading case de erro judiciário quanto à esfinge do questionário, ocorreu na comarca de Belém (por desaforamento): o famoso Massacre de Eldorado dos Carajás, no município desse nome, no sul do Pará. Três oficiais da Polícia Militar sentaram no banco dos réus, em 18 de agosto de 1999, como co-autores dos 19 (dezenove) homicídios qualificados, cometidos em 17 de abril de 1996, contra membros do Movimento Sem Terra (MST), mortos a tiros, quando 1.500 deles, que estavam acampados na região, decidiram interditar uma rodovia para protestar contra a demora da desapropriação de terras improdutivas da Fazenda Macaxeira. Após longos e extenuantes trabalhos, que custaram dias e noites, os jurados responderam afirmativamente aos primeiros quesitos indagando sobre materialidade e co-autoria. Os réus, portanto, estavam já condenados, porque a tese da negativa foi vencida por 4 votos a 3. O Juiz-Presidente, no entanto, havia redigido, após esses primeiros, um quesito absolutamente incompatível com o aspecto factual da causa e já prejudicado, indagando: “As provas contidas nos autos são insuficientes para a condenação do réu?” (9). O Professor Nilo Batista, atuando em nome das vítimas-assistentes do Ministério Público, dirigiu veemente protesto, sustentando que a condenação já havia sido reconhecida pela maioria dos jurados e que a valoração da prova era questão exclusivamente de Direito. Incompatível, portanto, com a apreciação dos juízes de fato. Mas o Juiz togado afirmou ser aquele um hábito funcional da presidência dos trabalhos. E a pergunta foi feita. Por 4 votos a três, a resposta foi negativa. E mais: contraditória ao já decidido. Um dos 4 jurados que vinha respondendo afirmativamente, assim também procedeu (por provável equívoco) quanto ao malsinado quesito. Nilo Batista consignou o protesto em

ata e o julgamento foi anulado em grau de apelação. Em novo julgamento os réus foram condenados.

5. O Projeto do novo Código de Processo Penal

O Projeto de Código de Processo Penal de 1983 (10) já simplificava o questionamento, ao declarar que "aos jurados compete decidir sobre a inocência ou a culpabilidade dos acusados de autoria ou co-autoria de crime doloso contra a vida. Reconhecida a culpabilidade do acusado, compete ainda aos jurados decidir sobre a existência de circunstâncias que tornem o crime privilegiado ou qualificado" (art. 562 e parág. ún.).

A sensibilidade e a experiência dos redatores daquele texto (11) absorveram antiga e renovada aspiração dos operadores do Júri. A tortuosa elaboração do questionário, a atmosfera de suspense gerada na chamada sala secreta e a colheita dos votos, caracterizam modalidades de penas atípicas impostas aos participantes do processo. Nestas ocasiões, a "pena" vai para muito além da pessoa do delinqüente.

Esse é um dos problemas mais graves do Júri brasileiro, e é referido por Rui Stoco em linguagem crítica muito expressiva: “absurda complexidade do sistema de formulação do questionário a ser submetido aos jurados”. (12)

Notas:

(1) Este questionário aborda hipótese de erro sobre a existência de justificativa que, embora não incluída no sistema legal de exclusão de crime ou isenção de pena (eutanásia), pode autorizar sua especial diminuição. Em MARREY, Adriano, SILVA FRANCO, Alberto e STOCO, Rui. Teoria e prática do Júri, 7ª ed., São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2000, p. 512. (Os destaques em negrito e itálico são meus).(2) Em MARREY, Adriano et alii, ob. cit., p. 521). (Os destaques em negrito e itálico são meus). (3) Tribunal do Júri – Estudo sobre a mais democrática instituição jurídica brasileira, São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1999, p. 211. (4) Ob. cit., p. 212. Os destaques em itálico são do original.(5) FRANCO, Ary Azevedo. O Júri e a Constituição de 1946 - Comentários à Lei n.º 263, de 23 de fevereiro de 1948, ed. Livraria Freitas Bastos S/A, RJ, 1950, p. 163.(6) Tribunal do Júri - contradições e soluções, Rio de Janeiro: Editora Forense, 1990, p. 118. (Os destaques em negrito e itálico são meus). Uma nova edição dessa obra veio a público pela Saraiva, 1994. Vide, p. 123.(7) TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo Penal: 3o Volume. 25a ed. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 152. Os destaques em itálico e as reticências são do original.(8) RT 719/385. (9) Os destaques em negrito e itálico são meus. (6º quesito).(10) Projeto de Lei n.º 1.655-B, de 1983, aprovado em forma de Substitutivo e publicado no DCN, seção I, supl. De 19.10.1984. (11) O coordenador dos trabalhos foi o sensível e sempre lembrado Francisco de Assis Toledo. O Ministro da Justiça, Ibrahim Abi-Ackel, não poupou esforços para a elaboração do projeto, que foi retirado do Congresso pelo novo governo (1985).(12) “Crise existencial do Júri no Direito brasileiro”, em RT 664/252.

* artigo publicado no jornal "O Estado do Paraná", caderno "Direito e Justiça" de 13.07.2008.

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UM NOVO E DEMOCRÁTICO TRIBUNAL DO JÚRI (VI)

1. A arte e a ciência dos quesitos

A complexidade na redação dos quesitos sobre as causas legais e supralegais de exclusão do crime, isenção de pena, especial redução de pena e circunstâncias qualificativas, acarreta, com grande freqüência, diversos casos de erro judiciário, para além das hipóteses clássicas que versam sobre a autoria e a materialidade.

O saudoso José Frederico Marques chegou a afirmar que "a complicada e difícil euremática (sic) (1) dos quesitos e questionários", foi uma criação dos "órgãos da superior instância, no exercício de útil política judiciária destinada a tentar corrigir os abusos do júri". (2)

Esse trecho de sua lavra pode e deve ser considerado como um depoimento pessoal do pranteado mestre e ex-Desembargador do Tribunal de Justiça de São Paulo.

Na literatura nacional, uma das obras de maior prestígio profissional acerca da quesitação, é de autoria do Professor Marques Porto: Júri – Procedimento e aspectos do julgamento, (3) com várias reedições. Esse autor, em texto crítico após a publicação do Projeto de Lei nº 4.900, de 1995, (4) manifestou-se contrariamente à proposta de simplificação do questionário.

Pacelli de Oliveira pondera que “as dificuldades de encaminhamento de questões jurídicas a pessoas sem conhecimento do Direito não são poucas (...). Não é por acaso que muitas anulações de processos do júri originam-se de equívocos tanto na formulação dos quesitos como na contradição das respostas”. (5)

As dificuldades práticas nessa área específica das perguntas e respostas do questionário dirigido aos juízes de fato e o imenso número de julgamentos anulados têm motivado a redação de monografias e artigos que visam esclarecer a arte e a ciência de redigir quesitos. (6)

2. Uma crônica de Olavo Bilac

Em crônica antológica, muito apropriadamente intitulada O Júri, o imortal Olavo Bilac (1865-1918) conta a história de um “desventuradíssimo sujeito” que, submetido a julgamento, foi condenado a quinze anos de prisão, quando todos os jurados estavam convencidos da sua inocência e firmemente dispostos a absolvê-lo. A acusação fora frouxa; a defesa fora calorosa e clara, e calara no espírito do júri. O réu sentia que a palavra do seu advogado ia pouco a pouco abrandando os corações dos jurados, e transformando-lhes as rijas fibras musculares em mole cera. E o desgraçado exultava. Pelas janelas do velho casarão do antigo Museu, mirava ele lá fora o céu azul, o livre céu luminoso retalhado pelo livre revoar das andorinhas. (...) A oração do

advogado acabara. Alguns jurados, comovidos, enxugavam os olhos. O presidente do tribunal, do alto do estrado, lançava sobre o réu um olhar enternecido e amável. Formularam-se os quesitos. Fechou-se sobre o júri a porta da sala secreta. E toda a gente que enchia a sala das sessões rejubilava e sorria, certa de que o homem seria absolvido. Puro engano! Quando o presidente leu as respostas aos quesitos formulados, houve um espanto grande e indizível: o sujeito estava condenado a quinze anos de prisão! Como? Por que? - os jurados não tinham medido as palavras, tinham confundido as respostas, tinham trocado os quesitos, e força era declarar o réu criminoso... Em vão, tentando demover do seu propósito o juiz, clamava o advogado que a intenção do júri fora outra, pois não havia ali um jurado que não estivesse convencido da inocência do mísero. Em vão! O juiz declarou terminantemente que de boas intenções está o inferno calçado, e o pobre diabo teve de desistir dos seus belos projetos de bom jantar e de noitada alegre; e voltou para a cadeia, sem compreender aquela atrapalhação” (7).

3. O problema da troca de mão

Em artigo publicado sob o sugestivo título “Júri popular: erro do jurado – o amargo quatro a três” (8), o Advogado e Professor Antônio Carlos de Carvalho Pinto analisa a prática do erro judiciário do tribunal popular, que pode ocorrer freqüentemente pela troca de mão. E explica: “O certo é que, em 99% das vezes, ao depositar o seu voto na sacola, aquela cédula que irá condenar ou absolver, nesse precioso, importante e dramático instante, o jurado vale-se de sua memória, depositando o ‘SIM’ ou o ‘NÃO’, segundo a lembrança que tem, de qual das mãos carrega um ou outro voto! E, essa lembrança pode falhar!!! E, muitas vezes falha!!! É que, não obstante o jurado possa rever os votos antes de depositar, isto nunca acontece, até porque, nesse exato momento há uma célere expectativa no recinto; os votos são depositados em rápida seqüência e todos se apressam para logo responderem ao Magistrado, que está diante dos olhos de todos, esperando resposta à sua indagação. Como os votos dos jurados são aferidos por maioria, logo se percebe a importância de cada um deles, bastando ressaltar que, na votação de quatro X três, em verdade, um único voto é que decide o julgamento!”. (9) E prossegue o criminalista com o seu depoimento: “Nos julgamentos em que participei, e que passam de algumas centenas, jamais pude observar um só jurado, uma única vez, consultar suas mãos após iniciada a coleta de votos; ao contrário, sempre tenho presenciado os votos saírem de sob a mesa para a urna, utilizada apenas a memorização, que se inicia quando o Magistrado anuncia que vai proceder a leitura dos quesitos”. (10)

4. O Júri em Chopinzinho (PR)

Aludindo ao erro judiciário da troca de mão e à possibilidade de sua prevenção, Carvalho Pinto se refere à sessão do Júri da qual participou na Comarca de Chopinzinho (Paraná), quando o Juiz de Direito adotou uma simples mudança procedimental e que poderá resolver o problema. Antes de ler o primeiro quesito, o presidente do Conselho de Sentença pediu aos jurados que olhassem as cédulas e colocassem em cada mão, guardando onde estava o “SIM” e o “NÃO”. Em seguida leu o quesito e determinou a coleta dos votos, deixando-os, indevassados, dentro da urna, sobre a mesa. Nesse momento ele solicitou aos jurados que, discretamente, verificassem a cédula

que mantinham consigo, conferindo se haviam votado como queriam votar, adiantando que, se algum jurado percebesse ter “trocado de mão”, que acenasse com a cabeça e nova votação seria realizada. Ocorrendo o sinal do jurado (acenando a cabeça ou levantando a mão), o Juiz determinava que se recolhessem as “descargas”, normalmente misturando-as com as cédulas já depositadas na urna, porém não identificadas. Em seguida, distribuindo-se todas elas (7 contendo a palavra SIM e 7 contendo a palavra NÃO) para os jurados, repetia-se o procedimento de votação. Trata-se de uma oportunidade concedida ao juiz de fato para corrigir um erro e, segundo o articulista, tal critério já foi adotado por outros Magistrados da capital de São Paulo.

5. A simplificação proposta pelo Projeto de Lei nº 4.900, de 1995

Com a finalidade de libertar os jurados do tormento bíblico do questionamento complexo que é imposto há mais de sessenta anos pelo atual sistema aos jurados, ao Juiz togado, ao agente do Ministério Público, ao defensor, ao escrivão e aos Oficiais de Justiça, a minha proposta, na condição de relator, acolhida pelo Projeto de Lei nº 4.900, de 1995, (11) continha apenas 3 (três) quesitos essenciais, na seguinte ordem: A materialidade do fato; A autoria (ou participação); Se o réu deve ser condenado (12) (art. 483, incisos I, II e III).

Sendo negativa a resposta a qualquer um deles, a votação estará encerrada e o caso julgado, com a absolvição. Afirmando que o réu deve ser condenado, o Júri passaria a deliberar sobre: se existe causa de diminuição de pena alegada pela defesa; se existe circunstância qualificadora ou causa de aumento de pena reconhecidas na pronúncia (art. 483, incisos IV e V).

Sustentada a desclassificação da infração para outra de competência do juiz singular, seria incluído quesito a respeito, para ser respondido em seguida à afirmação da materialidade (art. 483, § 1º). Havendo mais de um crime ou mais de um acusado, os quesitos serão formulados em séries distintas (art. 483, § 2º).

Ao prever, como primeira hipótese de resposta, “se o acusado deve ser condenado”, adotei um critério de simetria com a denúncia ou queixa (13) e com as alegações finais do processo e julgamento dos crimes de competência do juiz singular. Neste, após esgotados os prazos do art. 499, sem requerimento das partes ou concluídas as diligências requeridas e ordenadas, será aberta vista dos autos, para alegações, sucessivamente: “I - ao Ministério Público ou ao querelante; II - ao assistente, se tiver sido constituído; III - ao defensor do réu” (CPP, art. 500).

6. A presunção de inocência e a lição de Alberto Silva Franco

Uma dúvida razoável surgiu ao tempo da discussão do Anteprojeto. Consistia ela na ponderação de que a presunção de inocência, constitucionalmente garantida, oporia-se à redação do quesito indagando primeiramente se “o acusado deve ser condenado”.

Mas a minha proposta ficou vencida em face das razoáveis ponderações fundadas no princípio constitucional da presunção de inocência. E, fora dos trabalhos da comissão, o magistério de Silva Franco foi decisivo para a atual redação do inciso III do art. 483 do Código de Processo Penal, com a redação determinada pela Lei nº 11.689/08: “se o acusado deve ser absolvido”.

É oportuno transcrever as ponderações do ex-Desembargador e atual Presidente do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCrim), sobre a mudança radical da quesitação. Em sua conferência proferida no VII Simpósio Nacional de Direito Penal e Processual Penal, realizado pelo Instituto de Estudos Jurídicos, de 9 a 11 de junho de 1994, em Curitiba: “Em resumo, torna mais operacional, e menos vulnerável a nulidades, a atuação do Tribunal do Júri. As vantagens em relação à situação atual são patentes. É certo que a proposta inovadora, que traz a marca do notável jurista paranaense René Ariel Dotti, provoca reações. Algumas desfavoráveis e a meu ver até procedentes, como a de James Tubenchlak (ob. cit. p. 170) (14) quando ao referir-se ao terceiro quesito observa que seria mais razoável redigi-lo em sintonia com o princípio constitucional da presunção de inocência. Por que, ao invés da indagação: ‘se o acusado deve ser condenado?’, não se propõe a pergunta: ‘se o acusado deve ser absolvido?’. Antes de tudo porque se estabelece uma relação correta com o princípio constitucional já referido. Depois, porque, na psicologia do homem comum, é mais fácil pronunciar um SIM do que um NÃO e o jurado é, sem dúvida, um popular, não um técnico. Não são, por acaso, freqüentes as situações em que se tende para não manter discussão, ou porque não se entendeu os seus termos, dar, ao interlocutor, uma resposta afirmativa para pôr termo ao assunto? Não se correria o risco, diante do quesito proposto no projeto, de formular-se uma resposta SIM por ser ela mais confortável? Já, se a indagação for no sentido de ser o acusado absolvido, o não corresponderia, por certo, a uma convicção firme e deliberada do jurado e romperia qualquer possibilidade de uma decisão acomodada. O não mais que o sim sinaliza uma resposta intimamente motivada”. (15)

Estou de pleno acordo com as lúcidas e experientes observações do nosso mestre. Eu poderia acrescer, ainda, mais um argumento em favor da proposta que me converteu. Consiste em lembrar que quando o Código de Processo Penal trata da sentença (Tít. XII, do Livro I), ele o faz iniciando pela hipótese de absolvição (art. 386). (Segue)

* artigo publicado no jornal "O Estado do Paraná", caderno "Direito e Justiça" de 20.07.2008.

Notas:

(1) No original, a expressão heuremática foi grafada sem a letra h. Cf. Aurélio Buarque de Holanda Ferreira, o termo significa o "complexo de normas para a aplicação dos heuremas". E por heurema entende-se a "prevenção ou cautela com o fim de assegurar a validade e eficácia dum ato jurídico" ( Novo dicionário da língua portuguesa, Editora Nova Fronteira, RJ, 1986, p. 891). (2) "O Júri", artigo da coletânea Estudos de Direito Processual Penal, ed. Forense, RJ, 1960, p. 235.(3) MARQUES PORTO, Hermínio Alberto. Júri – Procedimentos e aspectos do julgamento. Questionários, São Paulo: Editora Revista dos Tribunais.(4) Mensagem nº 1.272/94, Brasília: Centro Gráfico do Senado Federal, 1995.(5) PACELLI DE OLIVEIRA, Eugênio. Curso de Processo Penal, 8ª ed., Rio de Janeiro: Lumen Júris Editora, 2007, p. 559. O exímio processualista entende que o interrogatório do réu deve merecer um quesito específico “ainda que em aparente conflito com as teses apresentadas pela defesa técnica” (Ob.cit., p.

560). Essa hipótese está incorporada na Lei nº 11.689/2008 (Parág. ún. do art. 482).(6) Aélio Paropat Souza, “Quesitos do Júri no Direito Sumular”, em RT 679/ 283 e s; Marcos Elias de Freitas Barbosa, “Regras e quesitos do Júri ante o Código Penal de 1984”, em RT 649/233 e s. (7) Olavo Bilac - Obra reunida, ed. Nova Aguilar S/A, RJ, 1996, p. 423.(8) RT 674/370-373.(9) Ob. cit., p. 371-372. (Destaques em itálico, do original). (10) Idem, ibidem. (11) Mensagem nº 1.272/94, publicação do Centro Gráfico do Senado Federal, Brasília, 1995. (12) O Projeto não adotou a fórmula do Júri inglês e praticado nos Estados Unidos: guilty / not guilty (culpado / não culpado), porque as hipóteses do nosso sistema legal são: absolvição “O juiz abolverá o réu, (...) (CPP, art. 386); condenação “O juiz, ao proferir sentença condenatória (...)” (CPP, art. 387). (13) Na peça inicial da ação penal, o MP ou o querelante requer a condenação do réu. (14) A remissão é à obra Tribunal do Júri – Contradições e Soluções, São Paulo: Saraiva, 1994. (15) SILVA FRANCO, Alberto. “Questionário do Júri”, em Livro de Estudos Jurídicos”, nº 9, coordenação de James Tubenchlak e Ricardo Silva de Bustamante, Rio de Janeiro: ed. Instituto de Estudos Jurídicos, 1994, p. 200.

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UM NOVO E DEMOCRÁTICO TRIBUNAL DO JÚRI (VII)

1. O princípio da presunção de inocência e a lição de Rui Stoco

Com a voluntária demissão de José Carlos Dias do Ministério da Justiça (14/4/2000), tomei a iniciativa de retirar-me da comissão, como gesto de solidariedade, porque o Ministro não aceitou a indiferença do Governo e a ausência de políticas públicas para combater, racional e permanentemente, os gravíssimos e crescentes problemas no universo da criminalidade violenta. Em meu lugar, assumiu o Desembargador Rui Stoco, prestigiado autor de trabalhos específicos sobre o Tribunal do Júri. O terceiro quesito previsto no inciso III, do art. 483 do Código de Processo Penal, com a alteração da Lei n.º 11.689/08, é de sua redação, acompanhando as críticas à orientação do Projeto de Lei n.º 4.900, de 1995, que indagava se o acusado deveria ser condenado.

2. Os quatro maiores problemas

Rui Stoco, em artigo a que já me referi, (1) aponta os quatro problemas mais graves da instituição do Júri brasileiro: a) formalismo excessivo do procedimento como um todo e, em especial, no que pertine às nulidades; b) critério de arregimentação de jurados; c) absurda complexidade do sistema de formulação do questionário a ser submetido aos jurados; d) sistema de votação e de pronunciamento do resultado pelos jurados. E, sem perder a esperança no resgate da confiabilidade do tribunal do povo, o magistrado,

jurista e escritor, arremata: “Se o processo passar por uma modernização que abranja esses itens e nada impede que a lei ordinária o faça quer parecer que o Tribunal do Júri poderá continuar prestando bons serviços ao nosso País e uma perfeita distribuição de justiça inter partes”(2).

3. O jurado decide acima e além da regra jurídica

A decisão do Tribunal do Júri é uma exceção à regra constitucional da exigência da fundamentação das decisões judiciárias (art. 93, IX). É certo que o tribunal popular não está formalmente relacionado entre os órgãos do Poder Judiciário (CF art. 92). Mas é inegável, por outro lado, que ele exerce a jurisdição criminal nos limites da Constituição. O Tribunal do Júri julga, e assim o faz de acordo com a promessa legal, colhida pelo magistrado e aceita pelo jurado: “Em nome da lei, concito-vos a examinar com imparcialidade esta causa e a proferir a vossa decisão, de acordo com a vossa consciência e os ditames da justiça” (CPP art. 464).

Ao votar colocando na urna a cédula sim ou a cédula não o juiz de fato não precisa motivar a sua decisão: ele decide atendendo somente aos imperativos de sua consciência e aos ditames da justiça. É desnecessário indagar se a absolvição resulta do acolhimento de uma causa de exclusão do crime ou de isenção de pena. Contra o eventual argumento de que o sistema proposto impede o conhecimento do fundamento jurídico da decisão, especialmente para os efeitos civis e administrativos, é importante a releitura da doutrina de José Frederico Marques: o pranteado mestre critica a influência que a decisão do Júri exerce no campo das obrigações civis. Ele sustenta que até mesmo em caso de negativa de autoria, a decisão criminal não exclui a responsabilidade civil ex delicto, segundo a interpretação dada ao art. 66, do Código de Processo Penal (3). Aliás, a autonomia das instâncias (Cód. Civil, art. 935) é um sólido apoio à nova lei, que, no entanto, prevê entre os requisitos da ata, a descrição fiel dos “debates e as alegações das partes com os respectivos fundamentos” (art. 495, XIV).

4. A paradoxal exigência de regra jurídica no voto de consciência

Ao anular um grande número de julgamentos, sob o pretexto de que “a tese defensiva inexiste no ordenamento jurídico” (4), os tribunais togados estão consagrando o paradoxo que consiste na acomodação legal do voto de consciência. A propósito, existem muitos acórdãos declarando a nulidade do questionário quando envolve matéria essencialmente de Direito, ou se o Júri é questionado sobre a expressão culposamente (RT 704/368), ou, ainda, quando o Júri reconhece a coação irresistível sem a individualização do coator ou quando decide que a coação provinha da vítima (RT 699/400) (5).

No plano da justiça criminal, o voto de consciência caracteriza uma das expressões da liberdade espiritual, e, também, a abertura de novos caminhos para a revisão ou a revogação de leis injustas e leis nulas.

Já foi dito, em antológica oração de sapiência, que o juiz deve ser “o intermediário entre a norma e a vida, o instrumento vivente que transforma o comando abstracto da lei no comando concreto da sentença. Será a viva voz do Direito, ou mesmo a própria encarnação da lei. Porque a lei, com efeito, só tem verdadeira existência prática como é entendida e aplicada pelo juiz” (6).

A jurisprudência (dos juízes togados ou dos juizes leigos) está dirigida, inicialmente, ao entendimento correto da lei, completando-a e aperfeiçoando-

a, respeitando sempre os valores que lhe serviram de inspiração, bem como provendo a fiel e exata aplicação das normas assim obtidas, em obediência aos interesses do Direito e da Justiça. Como salienta Domingues de Andrade, a jurisprudência está, portanto, “ao serviço da lei, mas num sentido de obediência pensante, que atende menos à letra que mata do que ao espírito que vivifica; e para além da lei, mas através dela, ao serviço do ideal jurídico - do nosso sentido do Direito quem em cada momento deve ser” (7).

5. A leitura dos quesitos em plenário

A jurisprudência, de modo invariável, tem se orientado no sentido de que a Constituição Federal de 1988 não aboliu a sala secreta. Uma interpretação do dispositivo constitucional, determinando a publicidade de todos os julgamentos, levou alguns autores e magistrados ao entendimento de que a colheita dos votos dos jurados deveria ocorrer em ambiente de portas abertas, de preferência na sala onde houve os debates. Há vários precedentes declarando nulo o julgamento se a votação foi feita em plenário, perante o público, no entendimento de que tal procedimento afeta a liberdade do julgador de fato (8).

Tal orientação, porém, não obsta que os quesitos redigidos pelo magistrado, e que serão respondidos na sala secreta, sejam lidos em plenário. Esse procedimento é até muito recomendável, a fim de que a compreensão dos mesmos pelos jurados e pelas partes, bem como as eventuais discussões e reclamações em torno da redação, sejam dirimidas perante a assistência, assim como ocorre com todos os demais incidentes do julgamento.

A sala secreta deve servir, apenas, para a cerimônia da coleta dos votos e sem quaisquer novos comentários ou observações sobre o que votar ou como votar. Para evitar influências nocivas à liberdade de expressão do voto e os esclarecimentos insinuantes, o art. 484, da Lei n.º 11.689/08, estabelece que o presidente lerá os quesitos e indagará das partes se têm requerimento ou reclamação a fazer, devendo qualquer deles, bem como a decisão, constar da ata. O parágrafo único complementa: “Ainda em plenário, o juiz presidente explicará aos jurados o significado de cada quesito”.

Como é sabido, não são raras as situações em que a interferência do Juiz de Direito, explicando ou tentando explicar questões de Direito, determina o resultado da votação. Também lhe é vedada qualquer interpretação sobre as questões de fato, pois, assim o fazendo, influenciará o jurado em um ou em outro sentido (RT 661/271).

6. A alteração determinada pela Lei nº 9.113/95

A Lei n.º 9.113, de 16 de outubro de 1995, deu nova redação ao inciso III, do art. 484, do Código de Processo Penal. Assim dispunha o texto revogado: “se o réu apresentar, na sua defesa, ou alegar, nos debates, qualquer fato ou circunstância que por lei isente de pena ou exclua o crime ou o desclassifique, o juiz formulará os quesitos correspondentes imediatamente depois dos relativos ao fato principal”. A nova redação mantém o texto, acrescentando, porém, uma vírgula após a expressão “exclua o crime”, e completando a oração nos seguintes termos: “inclusive os relativos ao excesso doloso ou culposo quando reconhecida qualquer excludente de ilicitude”.

Um dos primeiros críticos da mudança foi o Professor Hermínio Alberto Marques Porto, sustentando a inaplicabilidade da alteração legislativa. Vale

transcrever: “No terreno das hipóteses que possam explicar a origem do engano contido na parte ampliativa do inciso, mostra ser admissível imaginar tenha pretendido o legislador, através de um novo comando para a formulação do questionário (e não, tal como veio com a nova lei, voltado para a fase de votação deste), estabelecer a obrigatória presença de quesitos sobre o excesso doloso e sobre o excesso culposo - e em tal ordem de apresentação -, em conformidade com orientação de corrente doutrinária e jurisprudencial (com a qual não concordamos) representada em acórdão de Câmara Criminal do Tribunal de Justiça paulista (RT, 719/393, relator Desembargador Silva Pinto). Deveria, então, ter sido assim enunciado o acréscimo -”inclusive os relativos ao excesso doloso ou culposo quando alegada qualquer excludente de ilicitude” (9).

Está certo o eminente ex-Procurador de Justiça de São Paulo, ao afirmar que, se os jurados reconhecerem a existência de “qualquer causa de ilicitude” (CP art. 23), o réu estará absolvido e prejudicadas ficarão as demais respostas. É curial que o quesito a respeito do excesso culposo é obrigatório quando o Júri nega a necessidade ou a moderação de meios no exercício da legítima defesa (10).

O disparate legal, atualmente consagrado, poderá conduzir o intérprete menos avisado a propor novas “modalidades” dessa excludente de ilicitude: a legítima defesa dolosa e a legítima defesa culposa...

Com o novo procedimento para o Júri, a alteração questionada perdeu objeto. Com efeito, dispõe o parágrafo único do art. 482, da Lei n.º 11.689/08: “Os quesitos serão redigidos em proposições afirmativas, simples e distintas, de modo que cada um deles possa ser respondido com suficiente clareza e necessária precisão. Na sua elaboração, o presidente levará em conta os termos da pronúncia ou das decisões posteriores que julgarem admissível a acusação, do interrogatório e das alegações das partes”.

7.Competência para decidir sobre agravantes e atenuantes

As circunstâncias agravantes e atenuantes serão objeto de decisão do Juiz de Direito, conforme o novo procedimento (art. 492, inc. I, b). Com essa orientação, fica eliminada a obrigação de o Juiz formular o quesito genérico sobre a existência de circunstância atenuante. Na prática, esse proceder converte-se, por vezes, em necessário induzimento dos jurados que, procurando reduzir a pena do acusado, afirmam a ocorrência de atenuante, mas ignoram qual seja e se efetivamente existe. Torna-se, então, imprescindível a intervenção do presidente do Conselho, para a “escolha” da circunstância mais adequada à situação da causa. A atual regra do inciso III, do art. 484, do Código de Processo Penal (11), decorre da Lei n.º 263, de 23 de fevereiro de 1948; sua violação acarreta nulidade absoluta do julgamento (12).

A Lei n.º 11.689/08 restaura a orientação original do Código, como se pode constatar pela leitura do item XIV da Exposição de Motivos. (Segue).

Notas:

(1)     STOCO, Rui. Crise existencial do Júri no direito brasileiro, RT, 664/252.

(2)     Ob. e loc. cit. (Os destaques em negrito são do original; os destaques em itálico são meus).(3)     MARQUES, José Frederico. “Júri e responsabilidade civil”, em Estudos de Direito Processual Penal, Rio de Janeiro: Forense, 1960, p. 250.(4)     Como o fez a 1.ª Câmara do TJ de Minas Gerais, em 8/5/1990 (RT 664/310).(5)     “Para ocorrência da coação irresistível é indispensável o concurso de três pessoas: coator, coagido e vítima. A coação irresistível não pode provir da vítima; deve partir de outrem que aniquila a vontade do agente para obrigá-lo a fazer, ou a deixar de fazer o que não desejava, aquilo que livremente não faria. “A vítima jamais poderá ser tida como coatora’”. (Acórdão por maioria de votos do STJ, 6.ª Turma, Rel. Min. Anselmo Santiago. Foram votos vencidos os Ministros Luiz Vicente Cernicchiaro e Adhemar Maciel. Em RT 699/400-403). No mesmo sentido, o julgado do TJ do Paraná: RT 687/321. (6)     Manuel A. Domingues de Andrade, Sentido e valor da jurisprudência, Coimbra: Boletim da Faculdade de Direito de Coimbra, 1973, p. 38.(7)     Sentido e valor da jurisprudência, cit., p. 40. (8)     RT 658/321, 679/372, 683/343, 684/351 e 693/389.(9)     “Lei nova inaplicável -Questionário (parte final do inciso III do art. 484 do CPP)”, em Boletim IBCCrim n.º 43-julho 1996, p. 6. (Grifos do original).(10)     RT 389/209, 395/91, 396/91, 399/110. Ver, também, Hermínio Alberto Marques Porto, Júri, cit., p. 225, e os precedentes ali indicados.(11)     “Art. 484. (...) Parágrafo único. Serão formulados quesitos relativaàs circunstâncias agravantes e atenuantes, previstas nos arts. 44, 45 e 48 do Código Penal, observado o seguinte:  I - (...); II - (...); III - O juiz formulará, sempre, um quesito sobre a existência de circunstâncias atenuantes, tenham ou não sido articuladas ou alega”(12)   RT 688/336, 706/339 e Súmula 156, do STF.

* artigo publicado no jornal "O Estado do Paraná", caderno "Direito e Justiça" de 27.07.2008.

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UM NOVO E DEMOCRÁTICO TRIBUNAL DO JÚRI (VIII)

1. A aplicação de agravantes e atenuante

A Lei n.º 11.689/08, restaura a orientação original do Código de Processo Penal. É o Juiz togado quem “considerará as circunstâncias agravantes ou atenuantes alegadas nos debates” (art. 492, I, b). A propósito, vale a releitura da Exposição de Motivos: “A relativa individualização da pena, segundo as normas do estatuto penal que entrará em vigor a 1.º de janeiro do ano vindouro (1), não pode ser confiada ao conselho de sentença, pois exige, além da apreciação do fato criminoso em si mesmo, uma indagação em torno de condições e circunstâncias complexas, que não poderiam ser objeto de quesitos, para respostas, de plano.

Assim ao conselho de sentença, na conformidade do que dispõe o projeto, apenas incumbirá afirmar ou negar o fato imputado, as circunstâncias elementares ou qualificativas, a desclassificação do crime acaso pedida pela defesa, as causas de aumento ou diminuição especial de pena e as causas de isenção de pena ou de crime. No caso em que as respostas sejam no sentido da condenação, a medida da pena caberá exclusivamente ao presidente do tribunal, pois, com o meditado estudo que já tem do processo, estará aparelhado para o ajustamento in concreto da pena aplicável ao réu” (2).

Elimina-se, portanto, o procedimento artificial que ocorre, por exemplo, quando o Júri afirma a existência de circunstância atenuante porque pretende ver reduzida a pena a ser aplicada, e o Juiz de Direito faz a leitura das hipóteses legais de atenuação para que os jurados “escolham” uma delas.

2. A ata dos trabalhos

Tendo como referência o texto vigente do art. 495 do CPP, as seguintes as inovações são introduzidas com a Lei n.º 11.689/08: a) a ata deverá ser assinada pelo Juiz e pelas partes (art. 494), não somente pelo Juiz e o órgão do Ministério Público; b) a referência ao interrogatório; c) o registro dos “debates e as alegações das partes com os respectivos fundamentos” (art. 495, XIV); d) o registro da “publicidade dos atos da instrução plenária, das diligências e da sentença” (art. 495, XVII).

3. O parecer pela aprovação do Projeto

É relevante consignar os fundamentos do parecer emitido pelo Deputado Ibrahim Abi-Ackel, no seio da Comissão de Constituição e Justiça e de Redação da Câmara dos Deputados, ao apreciar o Projeto de Lei n.º 4.900, de 1995. Com a experiência parlamentar de vários mandatos e a sensibilidade do advogado criminalista, especialmente na área do tribunal popular, o ex-Ministro da Justiça e responsável pela edição das Leis n.ºs 7.209 e 7.210/84, assim se manifestou:

“O presente projeto de Lei tem por finalidade alterar o Capítulo II, do Título I, Livro II - artigos 406 a 497 -, do Código de Processo Penal, que disciplina o procedimento relativo aos processos de competência do Tribunal do Júri.

“A instituição democrática do júri foi expressamente mantida na Constituição de 1988, com a competência para o julgamento dos crimes dolosos contra a vida (art. 5.º XXXVIII). São antigos, porém, e de modo geral concordantes, os estudos orientados no sentido de modernizá-lo, simplificando-lhe o procedimento e conferindo-lhe maior eficácia.

“O anteprojeto José Frederico Marques, de 1970, bem como os projetos de Código de Processo Penal de 1975 e de 1983, já inseriram modificações substanciais no procedimento do Tribunal do Júri, na mesma linha de simplificação de atos processuais consagrada no Projeto. Essa simplificação vem sendo imposta pela conveniência da celeridade do processo e pela busca da eficácia jurisdicional.

“O projeto de Código de Processo Penal, de 1983, aprovado com modificações na Câmara dos Deputados e retirado do Senado por iniciativa do Poder

Executivo, foi o que mais incisivamente tratou da simplificação do procedimento relativo aos processos de competência do Tribunal do Júri, especialmente o relacionado com a formulação dos quesitos, que buscou reduzir a questões essenciais, tal como posto no projeto ora sob exame.

“Na Exposição de Motivos do referido projeto n.º 1.665, de 1983, já se fazia notar que: “Especial por excelência - especialíssimo, portanto - é o procedimento nas causas de competência do Tribunal do Júri, cuja simplificação se tornou imperativa em face da experiência. O projeto suprime o libelo-crime acusatório e possibilita a ampliação do pedido formulado na acusação (artigo 581, in fine. Torna conciso o ato de pronúncia, preservando, porém, o caráter de decisão, ou decisão interlocutória, de que se reveste (artigos 114, parágrafo 2.º, 115 e 583, parágrafo 2.º). Dá tratamento inovador à formulação de quesitos, já delineada no artigo 616. E suprime o instituto ambíguo do protesto por novo Júri’.

“A modernização do Tribunal do Júri se consubstancia no projeto através de outras e notáveis inovações, nascidas da observação da prática forense e recomendadas por especialistas de renome na área do Direito Processual Penal.

“Encontram-se na mensagem Presidencial as razões em que se baseou a Comissão de Juristas, para a elaboração do projeto. Convém fixar neste parecer as que mais profundamente atingem a essência do procedimento, de forma a justificar, tão completamente quanto possível, a nossa adesão ao projeto.

“A pronúncia restringe-se ao cumprimento de exigências essenciais e lacônicas, despindo sua motivação de eventual influência sobre os jurados. A decisão deverá conter-se nos estritos limites da indicação da materialidade do delito e dos indícios da autoria, suficientes para a remessa do processo do Tribunal do Júri.

“O julgamento poderá realizar-se sem a presença do acusado, o que eliminará uma das causas primordiais da prescrição. Suprime-se o chamado libelo-crime acusatório, antiga reivindicação, uma vez que à decisão de pronúncia caberá fixar os limites da acusação, abrindo-se a partir de sua intimação a oportunidade do requerimento de provas pela acusação e defesa.

“O preparo do processo, instituído no projeto, constituirá inovação das mais relevantes, pois decidirá as questões referentes à produção da prova, saneará nulidade, promoverá o esclarecimento sobre fato relevante e concentrará os atos processuais com vistas ao debate e ao julgamento da causa. Efetivar-se-á, sobretudo, nessa fase, o relatório do processo, que não se fará mais no plenário do júri.

“O projeto não somente valoriza a função de jurado, ao dar-lhe preferência, quando em igualdade de condições, nas licitações públicas, na promoção funcional, e no provimento, mediante concurso, em cargo ou função pública, como estende o alistamento do mesmo a centros comunitários como associações de bairro, instituições de ensino e núcleos populares que se

desenvolvam “de forma autônoma, à luz das garantias constitucionais, refletindo as expressões da cidadania’.

“Além de legitimar o assistente do Ministério Público para requerer o desaforamento do processo, o projeto disciplina a organização da pauta do júri em seção autônoma, o que não só descongestionará a agenda do Tribunal como ordenará a designação das datas de reunião.

“Com as normas que regularão o sorteio e a convocação dos jurados, resguardado o interesse das partes em acompanhar o sorteio, mediante prévia intimação, entra o projeto em inovações ainda significativas, dominado pela preocupação de facilitar aos jurados a mais ampla compreensão do fato submetido ao seu julgamento.

“O projeto institui claramente o critério do cross examination, mediante o qual as perguntas são feitas diretamente às testemunhas e ao próprio acusado diretamente pelas partes e jurados. Proporciona ao jurado maior liberdade para a formação de seu convencimento, ao facilitar-lhe a possibilidade de inquirir o orador sobre a folha dos autos por ele citada ou lida, ou de pedir esclarecimento sobre questão de fato, bem como, a qualquer momento do debate, de examinar os autos. Devem-se essas preocupações ao fato de não poderem os jurados, em face de incomunicabilidade a que estão sujeitos durante o julgamento, de superarem, pela discussão entre si, as dúvidas e incertezas, e de reduzir as possibilidades da indução a erro, de que se podem valer as partes.

“A simplificação do questionário modifica extraordinariamente a redação dos quesitos. Rompe-se, com esse novo sistema, a complicada seqüência de quesitos a que se encontram submetidos os julgamentos dos crimes de homicídio, quando alegada pela defesa a tese da legítima defesa. Os quesitos são essencialmente reduzidos, de forma a compreender a materialidade, a autoria e a condenação ou absolvição. Com a afirmação do terceiro quesito, e a conseqüente condenação do acusado, o juiz indagará do Corpo de Jurados sobre a existência de causa de diminuição de pena, se alegada pela defesa. Também, se sustentada pela defesa a desclassificação da infração para outro, da competência do juiz singular, será formulado quesito a respeito, para ser respondido em seguida à afirmação da materialidade. Finalmente, o conselho de jurados será indagado sobre a existência de circunstância qualificadora ou causa de aumento de pena reconhecida na pronúncia.

“Suprime o projeto o indefensável protesto por novo júri. Reconhece, com propriedade, que “no cotidiano forense muitos crimes graves contra a vida as penas são fixadas aquém de 20 (vinte) anos de reclusão para impedir o protesto por novo júri’, acentuando, afinal, que “não há razão, nos dias presentes, para se manter o recurso do protesto por novo julgamento, que é herança do sistema criminal do Império, quando a imposição da pena de morte e de galés perpétuas poderiam justificar este tipo de revisão obrigatória.’

“São estas, em resumo, mas sem exclusão de qualquer delas, as modificações que se pretende introduzir no Capítulo do Código de Processo Penal pertinente aos processos de competência do Tribunal do Júri. De nenhuma

delas se pode extrair ofensa ao contraditório e à ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes, característicos do devido processo legal (Constituição, art. 5.º, incisos LIV e LV). São, ao contrário, asseguradoras de maior clareza do contraditório e de mais amplas faculdades para o esclarecimento dos jurados.

“O registro do interrogatório e dos depoimentos colhidos na instrução plenária passará a ser feito pelos meios ou recursos de gravação magnética, estenotipia ou técnica similar, destinada a obter maior fidelidade da prova, com a devida transcrição do registro nos autos respectivos.

“O projeto mantém a faculdade atribuída à defesa e, depois dela, ao Ministério Público, para recusar os jurados sorteados, até 03 (três) cada parte, sem motivar a recusa.

“Parece-me conveniente afirmar, afinal, que o projeto mantém o princípio de separação dos julgamentos quando forem dois ou mais acusados, segundo o critério tradicional da incoincidência das recusas, com a preferência, para o julgamento, do acusado que houver aceito o jurado.

“Nestes termos, o projeto me parece concebido sem vício de inconstitucionalidade e de injuridicidade, e se encontra redigido em boa técnica legislativa. Também quanto ao mérito, pelas razões expostas, o parecer é pela aprovação.

“Sala de reuniões, 30 de maio de 1995.

“IBRAHIM ABI-ACKEL“Relator”(3) (Segue).

Notas:

(1)     Refere-se ao ano de 1942.(2)     Item n.º XIV, grifos do original.(3)     Separata do Projeto de Lei n.º 4.900, de 1995. (Mensagem n.º 1.272/94). Publicação do Centro Gráfico do Senado Federal, Brasília (DF), 1995.

* artigo publicado no jornal "O Estado do Paraná", caderno "Direito e Justiça" de 03.08.2008.

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UM NOVO E DEMOCRÁTICO TRIBUNAL DO JÚRI (IX)

1. A eliminação do protesto por novo júri

O art. 4º da Lei nº 11.689, de 9 de junho de 2008, revogou o Capítulo IV, do Título II, do Livro III, do Código de Processo Penal, que dispunha sobre o

protesto por novo júri (arts. 607 e 608). Apesar de algumas críticas, a orientação do legislador tem recebido o apoio de muitos profissionais do foro criminal em geral e dos militantes do Júri em particular. Trata-se de uma imposição dos tempos modernos e da necessidade de se aplicar a pena justa ao caso concreto.

Reproduzo o artigo publicado no Boletim do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCrim) em setembro de 2006, (“A inutilidade do protesto por novo júri”), bem antes da edição da Lei nº 11.689/08.

“1. Em notável síntese, a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão (1789) definiu: “A lei é a expressão da vontade geral” (art. 6º). E a Constituição francesa de 1793 ampliou o conceito para declarar: “A lei é a expressão livre e solene da vontade geral; é a mesma para todos, quer proteja quer castigue; não pode ordenar senão o que for justo e útil para a sociedade; e só pode proibir o que lhe for prejudicial” (art. 4º).

“2. Estas observações vêm a propósito do recente julgamento pelo Tribunal do Júri paulista dos irmãos Daniel e Cristian Cravinhos de Paula e Silva que, juntamente com Suzane Louise von Richthofen, praticaram homicídio triplamente qualificado (CP, art. 121, § 2º, I, III e IV) contra os pais desta, Manfred e Marisia von Richthofen. A acusação ainda atribuiu aos réus o crime de fraude processual (CP, art. 347, parág. ún.). Em relação a Cristian houve também a imputação de furto (CP, art. 155, caput). O concurso de crimes foi de natureza material (CP, art.69).

“3. O processo teve ampla repercussão nacional desde a comprovação da autoria dos delitos e suas deploráveis circunstâncias, cuja reprovabilidade foi ampliada em face do relacionamento entre acusados e vítimas e a inovação artificiosa de lugar, pessoa e coisa com o propósito de induzir em erro a perícia com a encenação de que teria ocorrido latrocínio.

“O interesse público em acompanhar os debates e a decisão do tribunal popular foi intenso. A convicção generalizada acerca da culpabilidade dos réus levou uma infinidade de cidadãos a opinar sobre a quantidade das penas de prisão que deveriam ser aplicadas. A imprensa noticiou que o Promotor de Justiça iria pleitear, para cada réu, o total de 50 (cinqüenta) anos. Também o interesse privado na punição ficou caracterizado pela assistência do Ministério Público, representada pelo criminalista Alberto Zacharias Toron.

“4. O Júri admitiu a ocorrência dos homicídios qualificados, a fraude processual e o furto. Daniel foi condenado a 39 anos e 6 meses de reclusão; Cristian recebeu a pena de 38 anos e 6 meses e Suzane 39 anos e 6 meses.

“Na individualização das penas para os crimes de morte, o magistrado aplicou a Daniel e Suzane 19 anos e 6 meses enquanto Cristian foi apenado com a reclusão de 18 anos e 6 meses. Tais penas foram somadas pelo número de vítimas e os demais delitos.

“5. A previsão legal de 12 (doze) a 30 (trinta) anos para cada homicídio qualificado certamente implicaria na fixação superior a 20 (vinte) anos pela ocorrência das qualificativas de intensa reprovabilidade: motivo torpe, recurso que impossibilitou a defesa das vítimas e meio cruel. Mas o obstáculo para a imposição da pena justa foi a regra do art. 607 do Código de Processo Penal que prevê a realização de um novo – e automático – julgamento quando a sentença for de reclusão por tempo igual ou superior a 20 (vinte) anos.

“6. O critério pragmático do Juiz e que constitui rotina em casos idênticos – como o do jornalista Pimenta Neves, condenado a 19 anos, 2 meses

e 12 dias – jamais é compreendido pela sociedade. Principalmente quando órgãos destacados da mídia nacional espalharam a equivocada e sensacionalista informação de que os réus poderiam obter a liberdade antes de cumpridos 8 (oito) anos de prisão, diante da revogação da norma que vedava a progressão do regime de execução da pena em crime hediondo. É elementar que a repulsa popular contra os autores dos delitos tão graves foi um combustível ideal para a fogueira da descrença na justiça criminal. Os meios de comunicação omitem que após o cumprimento de uma parte da pena em regime fechado o condenado permanece preso em estabelecimento de regime semi-aberto. E que a transferência não é automática; depende do bom comportamento carcerário.

“7. Em 1992, o Ministério da Justiça e a Escola Nacional da Magistratura instituíram comissões de juristas para propor a simplificação dos códigos de Processo Civil e Penal. (1) Em relação ao processo penal, o presidente das comissões, Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira, criou um grupo sob a coordenação do Professor Luiz Vicente Cernicchiaro. Como um de seus membros, ao lado de ilustres colegas (2), tive a honrosa atribuição de elaborar um anteprojeto de reforma dos procedimentos do Tribunal do Júri. E, em separado, apresentei a proposta de supressão do recurso de protesto por novo júri (CPP, arts. 607 e 608). A matéria foi objeto do Projeto de Lei nº 4.900, de 1995, que após ter recebido parecer favorável da Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados, foi retirado pelo Ministro da Justiça, Nelson Jobim (3). No entanto, em janeiro de 2000, o seu sucessor, Ministro José Carlos Dias, formulou convite ao Instituto Brasileiro de Direito Processual para prosseguir nos trabalhos. E, não obstante a renúncia ao cargo do ilustre criminalista, os esforços prosseguiram sob a liderança do Ministro José Gregori que encaminhou ao Congresso Nacional 17 projetos de reforma. O disegno di legge relativo ao Tribunal do Júri tomou o número 4.203/2001 e foi objeto de acuradas observações do Professor Gustavo Henrique Badaró.(4)

“8. Há vários projetos de lei em andamento visando a revogação dos arts. 607 e 608 do CPP. O mais recente, de autoria do Deputado Elimar Máximo Damasceno (nº 5.815, de 2005), foi apensado ao de número 2.701/2003, por tratar da mesma matéria.

“Antonio Carlos da Ponte sustenta, à base de uma visão histórica e da realidade, que a manutenção desse recurso “afronta a mais comezinha noção de interesse público” além de criar desigualdades entre situações que deveriam ter o mesmo tratamento, como as condenações por latrocínio ou extorsão mediante seqüestro com o resultado morte. E aplaude a orientação do projeto em abolir o vetusto protesto por novo julgamento.(5)

“Historicamente, o protesto se impunha em face do Código Criminal do Império (1830) cominar a pena de morte, justificando a revisão obrigatória do julgamento. Nos tempos modernos, a supressão já foi sustentada por Borges da Rosa e pelo mais fervoroso defensor do tribunal popular: o magistrado Magarinos Torres que, presidindo durante tantos anos o Conselho de Sentença, averbou este recurso de supérfluo e inconveniente (6).

“Quanto ao aspecto da pena justa, forçoso é reconhecer que embora condenados por homicídio com mais de uma qualificadora, muitos réus são beneficiados com a pena de reclusão inferior a 20 (vinte) anos. Tal estratégia tem o claro objetivo de impedir o novo Júri que se realizará mediante simples petição”.(7)

2. A mudança do eixo de rotação do procedimento

Os estudiosos do processo penal brasileiro que estão comentando o novo sistema legal devem ter presente a noção de que a Lei nº 11.689/08 promove uma verdadeira revolução no procedimento do Tribunal do Júri. É a mudança do eixo de rotação que tinha como fato processual corriqueiro a prisão do réu durante as fases de instrução judicial e do julgamento pelo tribunal popular.

Com efeito, a redação original do art. 312 do Código de Processo Penal, estabelecia: “A prisão preventiva será decretada nos crimes a que for cominada pena de reclusão por tempo, no máximo, igual ou superior a dez anos”. A conseqüência dessa imposição legal era a ordem de prisão do acusado com o simples despacho que recebia a denúncia. A motivação se restringia à existência da prova de materialidade e indícios suficientes de autoria. Em síntese: para todos os casos de homicídio doloso, consumado ou tentado, a medida hoje excepcional era a regra na época. A propósito, o comentário de Câmara Leal: “O novo Código introduziu uma grande inovação no capítulo da prisão preventiva, tornando-a obrigatória nos crimes cuja pena máxima é igual ou superior à reclusão por dez anos. Nesses casos, não fica ao arbítrio do juiz decretá-la ou não. A lei lhe impõe o dever de determiná-la”.(8)

Um dos ardorosos críticos daquela orientação era o saudoso mestre José Frederico Marques. Vale reproduzir suas palavras: “A prisão preventiva compulsória é um dos exemplos desse autoritarismo processual que devemos à política direitista do Estado Novo. Transladada do processo penal italiano da era de Mussolini, essa medida de coação é de profunda iniqüidade e pode dar margem à prática de irreparáveis injustiças”.(9)

Aquele dispositivo foi alterado pela Lei nº 5.349, de 3 de novembro de 1967, que lhe deu a seguinte redação: “A prisão preventiva poderá ser decretada como garantia da ordem pública, por conveniência da instrução criminal ou para assegurar a aplicação da lei penal quando houver prova da existência do crime e indícios suficientes de autoria”. Atualmente, por força da Lei nº 8.884, de 11 de junho de 1994, aos fundamentos já indicados no art. 312 foi acrescido o da ordem econômica.

Outro exemplo da obrigatoriedade da prisão provisória decorria da decisão de pronúncia. O § 1º do art. 408, em sua redação primitiva, estabelecia: “Na sentença de pronúncia o juiz declarará o dispositivo legal em cuja sanção julgar incurso o réu, mandará lançar-lhe o nome no rol dos culpados, recomenda-lo-á na prisão em que se achar, ou expedirá as ordens necessárias para a sua captura”. Mas a Lei nº 5.941, de 22 de novembro de 1973, (10) renumerou o § 2º do art. 408 e, em seu lugar, acrescentou: “Se o réu for primário e de bons antecedentes, poderá o juiz deixar de decretar-lhe a prisão ou revoga-la, caso já se encontre preso”.

Sob a vigência dos dispositivos que impunham compulsoriamente a prisão provisória (preventiva ou de pronúncia) o réu era intimado dos atos processuais sem dificuldade por se encontrar preso. No entanto, após a vigência das Leis nº 5.349/67 e nº 5.941/73, houve mudança no eixo de rotação do procedimento: a liberdade passou a ser a regra. Com os problemas decorrentes da citação do réu para responder à ação penal ou para ser intimado da pronúncia, o processo paralisava e a prescrição surgia freqüentemente.

O novo procedimento, ao estabelecer que o julgamento poderá ocorrer sem a presença do réu solto desde que tenha sido intimado, faz desaparecer aquela causa determinante da prescrição.

3. Uma opinião valiosa

Em artigo publicado no Boletim do IBCCrim, o Desembargador Rui Stoco observa: “Felizmente, após mais de meio século de lutas e tentativas logrou-se por a lume, através da Lei nº 11.689, de 9 de junho de 2008, um sistema de julgamento dos crimes dolosos contra a vida que assegura, verdadeiramente, um julgamento bem mais célere e justo, assegurando ao acusado os princípios constitucionais que devem nortear o processo”. (“Garantias asseguradas nos julgamentos de processos de competência do Tribunal do Júri – A Constitucionalização do processo penal”, Boletim nº 188, julho de 2008, p. 28).

Notas:

(1) Portaria nº 145, do Ministro da Justiça, CÉLIO BORJA.(2) Sobre a criação e os trabalhos das Comissões originárias (Redação e Revisão) e da Comissão posterior, instituída pelo Ministro JOSÉ CARLOS DIAS e coordenada pela Professora ADA PELLEGRINI GRINOVER, ver o meu artigo “A reforma do procedimento do Júri”, em Tribunal do Júri – Estudo sobre a mais democrática instituição jurídica brasileira, coordenação de Rogério Lauria Tucci, São Paulo: RT, 1999, p. 290 e s. (3) Cf. a Exposição de Motivos do MJ nº 237, de 16.05.1996.(4) FERRARI, Eduardo Reale. Código de Processo Penal – Comentários aos projetos de reforma legislativa, Campinas: Millenium Editora Ltda, 2003, p. 167 e s.(5) “A evolução do protesto por novo Júri no direito brasileiro”, em RT 726/483 e s.(6) Estes mestres do processo penal são referidos por ESPÍNOLA FILHO, Eduardo. Código de Processo Penal Brasileiro Anotado, Rio de Janeiro: Editora Borsoi, 1955, VI/217.(7) Boletim nº 166, p. 4.(8) CÂMARA LEAL, Antonio Luiz da. Comentários ao Código de Processo Penal, Rio de Janeiro: Livraria Editora Freitas Bastos, 1942, vol. II, p. 267.(9) Estudos de Direito Processual Penal, Rio de Janeiro: Forense, 1960, p. 227.Uma excelente atualização dessa notável obra foi feita por Ricardo Dipp e José Renato Nalini, edição da Millenium, 2001.(10) A Lei ficou conhecida como “Lei Fleury” por beneficiar um delegado de Polícia pronunciado como responsável por crimes de homicídio praticados pelo malsinado Esquadrão da Morte, um braço do regime militar dos anos 60/70.

* artigo publicado no jornal "O Estado do Paraná", caderno "Direito e Justiça" de 10.08.2008.

RENÉ ARIEL DOTTI

Professor Titular de Direito Penal da Universidade Federal do Paraná Co-redator dos anteprojetos convertidos na Lei nº 7.209 e 7.210/84, nova Parte Geral do CP e Lei de Execução Penal Vice-Presidente da Associação Internacional de Direito Penal Membro de comissões e grupos de Trabalho do Ministério da Justiça para reforma do sistema criminal brasileiro (1979–2002) e do Superior Tribunal de Justiça, para a revisão dos crimes eleitorais (1995 e 2005) Detentor da Medalha Mérito Legislativo da Câmara dos Deputados (2007) Advogado.

www.professordotti.com.br * www.dottieadvogados.com.br * [email protected]