caderno de textos - contag.org.br · iii mÓdulo do curso regional centro oeste ... cípios e...

87
Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura - CONTAG III Módulo Regional Centro Oeste CESIR/CONTAG – Brasília-DF, 05 a 11 de abril de 2008 CADERNO DE TEXTOS III MÓDULO DO CURSO REGIONAL CENTRO OESTE – 05 a 11 de abril de 2008 CESIR/CONTAG - BRASÍLIA- DF

Upload: vanbao

Post on 21-Jan-2019

214 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

Page 1: CADERNO DE TEXTOS - contag.org.br · III MÓDULO DO CURSO REGIONAL CENTRO OESTE ... cípios e objetivos do processo for-mativo. Rememorar aspectos relevantes do processo formativo

Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura - CONTAG

III Módulo Regional Centro Oeste CESIR/CONTAG – Brasília-DF, 05 a 11 de abril de 2008

1

CADERNO DE TEXTOS

III MÓDULO DO CURSO REGIONAL CENTRO OESTE – 05 a 11 de abril de 2008 CESIR/CONTAG - BRASÍLIA-

DF

Page 2: CADERNO DE TEXTOS - contag.org.br · III MÓDULO DO CURSO REGIONAL CENTRO OESTE ... cípios e objetivos do processo for-mativo. Rememorar aspectos relevantes do processo formativo

Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura - CONTAG

III Módulo Regional Centro Oeste CESIR/CONTAG – Brasília-DF, 05 a 11 de abril de 2008

2CURSO DE FORMAÇÃO DE EDUCADORES/AS EM CONCEPÇÃO, PRÁTICA SINDICAL E CURSO DE FORMAÇÃO DE EDUCADORES/AS EM CONCEPÇÃO, PRÁTICA SINDICAL E CURSO DE FORMAÇÃO DE EDUCADORES/AS EM CONCEPÇÃO, PRÁTICA SINDICAL E CURSO DE FORMAÇÃO DE EDUCADORES/AS EM CONCEPÇÃO, PRÁTICA SINDICAL E

METOODLOGIA DA FOMETOODLOGIA DA FOMETOODLOGIA DA FOMETOODLOGIA DA FORRRRMAÇÃOMAÇÃOMAÇÃOMAÇÃO....

III MÓDULO REGIÃO CENTRO OESTEIII MÓDULO REGIÃO CENTRO OESTEIII MÓDULO REGIÃO CENTRO OESTEIII MÓDULO REGIÃO CENTRO OESTE

Cesir/Contag/BSB – 05 a 11 de abril/2008.

EIXO TEMÁTICO EIXO TEMÁTICO EIXO TEMÁTICO EIXO TEMÁTICO –––– DESENVOLVIMENTO, SUSTENTÁVEL E SOLIDÁRIO: DESAFIOS EDESENVOLVIMENTO, SUSTENTÁVEL E SOLIDÁRIO: DESAFIOS EDESENVOLVIMENTO, SUSTENTÁVEL E SOLIDÁRIO: DESAFIOS EDESENVOLVIMENTO, SUSTENTÁVEL E SOLIDÁRIO: DESAFIOS E PERSPEPERSPEPERSPEPERSPECCCCTIVAS TIVAS TIVAS TIVAS

EIXO PEDAGÓGICOEIXO PEDAGÓGICOEIXO PEDAGÓGICOEIXO PEDAGÓGICO----METOOLDOÓGICO: PEDAGOGIA PARA UMA NOVA SOCIABILIDADE E MMETOOLDOÓGICO: PEDAGOGIA PARA UMA NOVA SOCIABILIDADE E MMETOOLDOÓGICO: PEDAGOGIA PARA UMA NOVA SOCIABILIDADE E MMETOOLDOÓGICO: PEDAGOGIA PARA UMA NOVA SOCIABILIDADE E MEEEEMÓRIA E IDENTIDADEMÓRIA E IDENTIDADEMÓRIA E IDENTIDADEMÓRIA E IDENTIDADE

OBJETIVO: contribuir com a formação de militantes do MSTTR, de modo que aprimorem sua capacidade multiplicadora e

potencializadora da ação formativa em suas áreas de atuação.

OBJETIVOS ESPECIFICOS:

• Socializar e aprofundar referenciais teóricos, políticos e ideológicos que fundamentam e alimentam os ideais e a luta sindical e popular.

• Re-avaliar e fortalecer a luta sindical, numa visão e prática transformadoras, estimulando processos de mudanças de atitudes, comportamentos

e práticas individuais e coletivas, coerentes com as exigências de implementação do PADRSS.

• Favorecer a experimentação, sistematização e apropriação de novas metodologias pedagógicas que realimentem a prática formativa do movi-

mento sindical.

• Contribuir para a constituição de uma rede de formadores/as que assumam e implementem o projeto de formação do MSTTR.

Page 3: CADERNO DE TEXTOS - contag.org.br · III MÓDULO DO CURSO REGIONAL CENTRO OESTE ... cípios e objetivos do processo for-mativo. Rememorar aspectos relevantes do processo formativo

Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura - CONTAG

III Módulo Regional Centro Oeste CESIR/CONTAG – Brasília-DF, 05 a 11 de abril de 2008

3Dia 05 de abril de 2008 Dia 05 de abril de 2008 Dia 05 de abril de 2008 Dia 05 de abril de 2008 –––– sábadosábadosábadosábado....

HoráriosHoráriosHoráriosHorários Temas/subTemas/subTemas/subTemas/sub----temastemastemastemas ObjetivoObjetivoObjetivoObjetivo EstraEstraEstraEstratégias Metodológicastégias Metodológicastégias Metodológicastégias Metodológicas ResponsáveisResponsáveisResponsáveisResponsáveis

Manha Manha Manha Manha

10:00h 10:00h 10:00h 10:00h

Abertura política Abertura política Abertura política Abertura política

� Acolhida

� Reconstrução da vivencia: um olhar temático para cami-nhada (módulos 1º e 2º)

� Acertos de trabalho: acor-dos de convivência e comis-sões de trabalho.

� A Política nacional de for-mação – PNF e seus instru-mentos.

� Construir ambientação que ajude o grupo refletir sobre a convivência durante o módulo

� Reafirmar os compromissos, prin-cípios e objetivos do processo for-mativo.

� Rememorar aspectos relevantes do processo formativo e construir pon-tes entre os módulos

� Refletir sobre as matrizes estrutu-radoras da formação sindical e seu papel estratégico na ação sindical

� Mística ou dinâmica que retome di-mensões da aprendizagem do grupo e seus significados

� Utilizar mapas mentais para recom-por tematicamente os dois módulos anteriores.

� Dialogar com a turma sobre os com-promissos a serem assumidos e a importância de sua efetivação.

� Exposição dialogada sobre a PNF e sues instrumentos

Equipe Escola e

Estudantes do DF

Tarde Tarde Tarde Tarde

ConcepçõConcepçõConcepçõConcepções de Desenvolves de Desenvolves de Desenvolves de Desenvolvi-i-i-i-mento sustentável e solmento sustentável e solmento sustentável e solmento sustentável e soliiiidário dário dário dário

� Territorialidade

� Ruralidade

� Compreender as diferentes con-cepções de DRS e seus impactos no espaço rural brasileiro;

� Compreender as matrizes estrutu-radoras do desenvolvimento e sua lógica socioeconômica produtiva.

� Exposição e debate.Exposição e debate.Exposição e debate.Exposição e debate.

Exposição:Exposição:Exposição:Exposição: Pro-fessor Marcelo Mina Dias – UFV Universidade Federal de Viçosa

DDDDiaiaiaia 06 de abril de 2008 06 de abril de 2008 06 de abril de 2008 06 de abril de 2008 –––– domingodomingodomingodomingo....

Page 4: CADERNO DE TEXTOS - contag.org.br · III MÓDULO DO CURSO REGIONAL CENTRO OESTE ... cípios e objetivos do processo for-mativo. Rememorar aspectos relevantes do processo formativo

Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura - CONTAG

III Módulo Regional Centro Oeste CESIR/CONTAG – Brasília-DF, 05 a 11 de abril de 2008

4

HoráriosHoráriosHoráriosHorários

Temas/subTemas/subTemas/subTemas/sub----temas.temas.temas.temas.

ObjetivoObjetivoObjetivoObjetivo

Estratégias MetodológicasEstratégias MetodológicasEstratégias MetodológicasEstratégias Metodológicas

ResponsáveisResponsáveisResponsáveisResponsáveis

ManhãManhãManhãManhã

A Sócioeconomia soA Sócioeconomia soA Sócioeconomia soA Sócioeconomia solidária: lidária: lidária: lidária: aaaabordagens, experiências (os bordagens, experiências (os bordagens, experiências (os bordagens, experiências (os sujeitos e suas prátsujeitos e suas prátsujeitos e suas prátsujeitos e suas prátiiiicas).cas).cas).cas).

� Refletir sobre concepção e práti-cas solidárias e como se expres-sam no cotidiano social, econômi-co, organizativo e produtivo.

� Exposição e debateExposição e debateExposição e debateExposição e debate

ExpositorExpositorExpositorExpositor:::: Roberto Marinho - SENAES/MTE

Tarde Tarde Tarde Tarde

Gênero e DesenvolvimentoGênero e DesenvolvimentoGênero e DesenvolvimentoGênero e Desenvolvimento

a unidade familiar de produ-ção, os sujeitos e suas rela-ções sociais produtivas e re-produtivas

� Refletir sobre os diferentes papéis: sociais, reprodutivos e produtivos desenvolvidos por mulheres e ho-mens na família e na Unidade fa-miliar de produção.

� Exposição e debateExposição e debateExposição e debateExposição e debate

ExpositoraExpositoraExpositoraExpositora:

Cristina Buarque

Dia 07 de abril de 2008 Dia 07 de abril de 2008 Dia 07 de abril de 2008 Dia 07 de abril de 2008 –––– segunda.segunda.segunda.segunda.

HoráriosHoráriosHoráriosHorários

Temas/subTemas/subTemas/subTemas/sub----temas.temas.temas.temas.

ObjetivoObjetivoObjetivoObjetivo

Estratégias MetodológicasEstratégias MetodológicasEstratégias MetodológicasEstratégias Metodológicas

ResponsáveisResponsáveisResponsáveisResponsáveis

Manhã Manhã Manhã Manhã

O Desenvolvimento RegiO Desenvolvimento RegiO Desenvolvimento RegiO Desenvolvimento Regioooonal: nal: nal: nal: característcaracterístcaracterístcaracterístiiiicas sóccas sóccas sóccas sócioioioio----econômicas e produtivas. econômicas e produtivas. econômicas e produtivas. econômicas e produtivas.

� as frentes pioneiras e de expansão

� os grandes projetos – as-salariamento rural

� o pantanal e suas caracte-rísticas

� o papel formador do Esta-do

� Compreender a formação do es-paço regional e suas característi-cas sócio-ambiental e econômica.

� Refletir sobre o desenvolvimento regional e os desafios da ação sindical regionalmente

� Visibilizar o campo e sua diversi-dade social, produtiva e cultural;

� Exposição dialogadaExposição dialogadaExposição dialogadaExposição dialogada

Exposição:Exposição:Exposição:Exposição:

Socorro Silva Professora da UNB.

� Socializar os principais elementos

� Ciranda: Ciranda: Ciranda: Ciranda: cada estado faz suas apre-

Page 5: CADERNO DE TEXTOS - contag.org.br · III MÓDULO DO CURSO REGIONAL CENTRO OESTE ... cípios e objetivos do processo for-mativo. Rememorar aspectos relevantes do processo formativo

Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura - CONTAG

III Módulo Regional Centro Oeste CESIR/CONTAG – Brasília-DF, 05 a 11 de abril de 2008

5

Tarde Tarde Tarde Tarde

Políticas de desenvolvPolíticas de desenvolvPolíticas de desenvolvPolíticas de desenvolviiiimento mento mento mento nos Estados: ativnos Estados: ativnos Estados: ativnos Estados: ativiiiidades interdades interdades interdades inter----módulos. módulos. módulos. módulos.

� Socialização � Reflexão

identificados.

� Refletir sobre percepções, apren-dizagens, limites desafios para a-ção sindical.

sentações de forma criativas - MT, MS, GO e DF.

� Em seguida haverá um debate sobre as similaridades contradições, po-tencialidades e desafios para a ação sindical.

Equipe Escola Equipe Escola Equipe Escola Equipe Escola

Preparação para visita Preparação para visita Preparação para visita Preparação para visita

� Formulação de roteiro. � Organização de equipes

de trabalho.

� Fazer socialização dos aspectos organizativos da visita, seus objeti-vos e estratégia no processo de aprendizagem.

� Formular roteiro-guia sobre a visita e organizar equipes de trabalho, buscando na relação teoriarelação teoriarelação teoriarelação teoria: identi-ficar como os trabalhadores com-preendem as políticas de DRSS; quais aspirações, sonhos, (visão de futuro). Na relação com a prátrelação com a prátrelação com a prátrelação com a práti-i-i-i-cacacaca – sustentabilidade social, eco-nômica e ambiental que ações são praticadas em direção do DRSS.

� Definir blocos temáticos: Definir blocos temáticos: Definir blocos temáticos: Definir blocos temáticos: políticas públicas que nos interessa investi-gar.

� Será socializado o roteiro-guia formu-lado na Oficina e aprimorado de mo-do a atingir aos objetivos da visita.

� Poderá ser feito grupos para aprimo-rar o roteiro. Defini previamente al-guns blocos temáticos e estes refor-mulam o roteiro.

Equipe Escola e Equipe Escola e Equipe Escola e Equipe Escola e GilbertoGilbertoGilbertoGilberto ViViViVieeeegasgasgasgas.

Dia 08 de abril de 2008 Dia 08 de abril de 2008 Dia 08 de abril de 2008 Dia 08 de abril de 2008 –––– terçaterçaterçaterça

HoráriosHoráriosHoráriosHorários

Temas/subTemas/subTemas/subTemas/sub----temas.temas.temas.temas.

ObjetivoObjetivoObjetivoObjetivo

Estratégias MetodológicasEstratégias MetodológicasEstratégias MetodológicasEstratégias Metodológicas

ResponsáveisResponsáveisResponsáveisResponsáveis

Manhã e Manhã e Manhã e Manhã e tardetardetardetarde

(com saída

� Visita ao assentameVisita ao assentameVisita ao assentameVisita ao assentamennnnto to to to Cunha Cunha Cunha Cunha

� Experimentar metodologia partici-pativa, vivenciar diálogo de multi-plicação de conhecimento e a-prendizagens.

� Promover troca de experiências, � Dialogar sobre os desejos, sonhos,

� Haverá inicialmente apresentação do grupo aos trabalhadores/as do as-sentamento e explicado os objetivos da visita.

� O grupo será subdividido e orientado a fazerem as observações e diálogos

Equipe Escola e Equipe Escola e Equipe Escola e Equipe Escola e Gilberto ViGilberto ViGilberto ViGilberto Vieeeegasgasgasgas

Page 6: CADERNO DE TEXTOS - contag.org.br · III MÓDULO DO CURSO REGIONAL CENTRO OESTE ... cípios e objetivos do processo for-mativo. Rememorar aspectos relevantes do processo formativo

Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura - CONTAG

III Módulo Regional Centro Oeste CESIR/CONTAG – Brasília-DF, 05 a 11 de abril de 2008

6às 6:00h e retorno às 17:00h)

limites e potencialidades do de-senvolvimento.

� Perceber como os trabalhado-res/as percebem o DRSS na sua prática cotidiana.

� Perceber que prática cotidiana os trabalhadores/as desenvolvem em direção aos desejos, sonho e visão de futuro.

programados. � Haverá reunião com associados/as e

estudantes para falar da visita e pos-teriormente com as equipes para tro-car impressões e sugestões e parti-lhar aprendizagens.

� O almoço e lanche serão servidos no assentamento.

� O retorno à Brasília será no final do dia.

Dia 09 de abril de 2008 Dia 09 de abril de 2008 Dia 09 de abril de 2008 Dia 09 de abril de 2008 –––– quartaquartaquartaquarta

HoráriosHoráriosHoráriosHorários

Temas/subTemas/subTemas/subTemas/sub----temas.temas.temas.temas.

ObjetivoObjetivoObjetivoObjetivo

Estratégias MetodológicasEstratégias MetodológicasEstratégias MetodológicasEstratégias Metodológicas

ResponsáveisResponsáveisResponsáveisResponsáveis

MMMMaaaannnnhãhãhãhã

(podemos começar às 10h da manhã). O grupo só terá este período livre

� Diálogo sobre a visitaDiálogo sobre a visitaDiálogo sobre a visitaDiálogo sobre a visita

� Refletir sobre questões observa-das, aprendizagens, impres-sões/lições/aprendizagens - na re-lação teoria prática.

� Trocar experiências e dialogar so-bre impressões, lições e aprendi-zagens relativas à visita.

� Tirando do BaúTirando do BaúTirando do BaúTirando do Baú: revelações, aprendi-zagens, contradições, inquietações;

� Em que aspectos/medida as ques-tões observadas dialogam com a prá-tica sindical ...

Equipe Escola e Equipe Escola e Equipe Escola e Equipe Escola e Gilberto ViGilberto ViGilberto ViGilberto Vieeeegas gas gas gas

Tarde Tarde Tarde Tarde (Termina-remos os trabalhos do dia às 16:00h para orga-nizar festa de formatu-ra)

Dialoga pedagógicoDialoga pedagógicoDialoga pedagógicoDialoga pedagógico: A ação sindical no Desenvolvimento Rural Sustentável e Solidário DRSS.

� Refletir sobre o papel do MSTTR nos processos de desenvolvimento sustentáveis e solidários, identifi-cando: potencialidades, fragilida-des, contradições, limites desafi-os....

Rodas de conversa ou trabalho em grRodas de conversa ou trabalho em grRodas de conversa ou trabalho em grRodas de conversa ou trabalho em gru-u-u-u-pospospospos

� Acúmulo construído até então já nos permite fazer algumas reflexões so-bre a prática sindical no que se refe-re às questões do DRSS?

� Que ensinamentos, inquietações, lições tiramos das reflexões feitas até o momento?

Equipe EscolaEquipe EscolaEquipe EscolaEquipe Escola

Page 7: CADERNO DE TEXTOS - contag.org.br · III MÓDULO DO CURSO REGIONAL CENTRO OESTE ... cípios e objetivos do processo for-mativo. Rememorar aspectos relevantes do processo formativo

Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura - CONTAG

III Módulo Regional Centro Oeste CESIR/CONTAG – Brasília-DF, 05 a 11 de abril de 2008

7NoiteNoiteNoiteNoite

Formatura às Formatura às Formatura às Formatura às 19:30h19:30h19:30h19:30h seguida de festa seguida de festa seguida de festa seguida de festa

Dia 10 de abril de 2008 Dia 10 de abril de 2008 Dia 10 de abril de 2008 Dia 10 de abril de 2008 –––– quintaquintaquintaquinta

HoráriosHoráriosHoráriosHorários

Temas/subTemas/subTemas/subTemas/sub----temas.temas.temas.temas.

ObjetivoObjetivoObjetivoObjetivo

Estratégias MetodológicasEstratégias MetodológicasEstratégias MetodológicasEstratégias Metodológicas

ResponsáveisResponsáveisResponsáveisResponsáveis

Manhã Manhã Manhã Manhã

As tendências do DRSS e a ação As tendências do DRSS e a ação As tendências do DRSS e a ação As tendências do DRSS e a ação sindical (síntese temátsindical (síntese temátsindical (síntese temátsindical (síntese temátiiiica)ca)ca)ca)

� Refletir sobre a ação sindical frente às tendências do DRSS e seus desa-fios.

� Construção de síntese temática problematizadora e orientadora da ação sindical

Equipe EscEquipe EscEquipe EscEquipe Escola ola ola ola

As políticas de Educação do As políticas de Educação do As políticas de Educação do As políticas de Educação do Campo, organização da prodCampo, organização da prodCampo, organização da prodCampo, organização da produ-u-u-u-ção, participação social e queção, participação social e queção, participação social e queção, participação social e ques-s-s-s-tão agrária: tão agrária: tão agrária: tão agrária:

(os expositores são da Contag e devem estar presente nos mo-mentos de sínteses para faze-rem um diálogo reflexivo sobre proposições e desafios)

� Construir entendimentos comuns sobre as concepções e estratégias adotadas pelo MSTTR na região quanto às políticas: de educação do campo, organização da produção, lu-ta pela terra, gestão e controle de po-líticas públicas para o campo.

Mesa redonda: Mesa redonda: Mesa redonda: Mesa redonda:

� AAAAs exposições devem: s exposições devem: s exposições devem: s exposições devem: explicitar, concepções, estratégia política institucional e sues desafios.

� Trabalho em grTrabalho em grTrabalho em grTrabalho em gruuuupos: pos: pos: pos: � Em que medida estas políticas

dialoga com a realidade dos tra-balhadores/as.

� As estratégias adotadas corres-pondem às necessidades dos trabalhadores/as?

� A luz das tendências – as políti-cas aqui refletidas dialogam de que maneira? O que sinalizam de desafios para a ação sindical regionalmente?

� Como as Federações interagem com essas políticas nos espaços locais?

Expositores/as: Expositores/as: Expositores/as: Expositores/as: Eliene Eliene Eliene Eliene (assessora da Contag) Paulo Paulo Paulo Paulo PolezePolezePolezePoleze (assessor da Contag), GiGiGiGil-l-l-l-berto Viegas berto Viegas berto Viegas berto Viegas (as-sessor da Contag e NicinhaNicinhaNicinhaNicinha (asses-sora da Contag).

Socialização dos trabalhos dos Socialização dos trabalhos dos Socialização dos trabalhos dos Socialização dos trabalhos dos

� Dialogar sobre os desdobramentos

� Socialização dos trabSocialização dos trabSocialização dos trabSocialização dos trabaaaalhos em lhos em lhos em lhos em

Page 8: CADERNO DE TEXTOS - contag.org.br · III MÓDULO DO CURSO REGIONAL CENTRO OESTE ... cípios e objetivos do processo for-mativo. Rememorar aspectos relevantes do processo formativo

Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura - CONTAG

III Módulo Regional Centro Oeste CESIR/CONTAG – Brasília-DF, 05 a 11 de abril de 2008

8

Tarde Tarde Tarde Tarde

(termina as 17:00h)

grupos grupos grupos grupos

Estratégias de continuidEstratégias de continuidEstratégias de continuidEstratégias de continuidaaaade das de das de das de das ações formativas nos eações formativas nos eações formativas nos eações formativas nos esssstados:tados:tados:tados:

� Cursos estaduais � Grupos de Estudos Sin-

dicais

da estratégia da Escola nos Estados.

grupos grupos grupos grupos –––– síntese sobre princi-pais questões

� Apresentação da estratégia polí-tica da Escola nos Estados.

Equipe Escola Equipe Escola Equipe Escola Equipe Escola

Dia 11 de abril de 2008 Dia 11 de abril de 2008 Dia 11 de abril de 2008 Dia 11 de abril de 2008 –––– sexta feirasexta feirasexta feirasexta feira

HoráriosHoráriosHoráriosHorários

Temas/subTemas/subTemas/subTemas/sub----temas.temas.temas.temas.

ObjetivoObjetivoObjetivoObjetivo

Estratégias MetodológicasEstratégias MetodológicasEstratégias MetodológicasEstratégias Metodológicas

ResponsáveisResponsáveisResponsáveisResponsáveis

Manhã Manhã Manhã Manhã

termina às 13:00h

Avaliação do Curso e encerrAvaliação do Curso e encerrAvaliação do Curso e encerrAvaliação do Curso e encerra-a-a-a-mento mento mento mento

Refletir sobre o processo formativo: Refletir sobre o processo formativo: Refletir sobre o processo formativo: Refletir sobre o processo formativo:

� significados e aprendizagens para educandos/as e para a ação sindical.

� Identificar lacunas - temáticas e me-todológicas -, e levantar sugestões para o aprimoramento do processo formativo com as novas turmas.

� Dinâmica reconstruindo a cami-nhada (pensar numa forma lúdi-ca que proporcione um reencon-tro com a prática pedagógica e seu significado na caminhada formativa).

Page 9: CADERNO DE TEXTOS - contag.org.br · III MÓDULO DO CURSO REGIONAL CENTRO OESTE ... cípios e objetivos do processo for-mativo. Rememorar aspectos relevantes do processo formativo

Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura - CONTAG

III Módulo Regional Centro Oeste CESIR/CONTAG – Brasília-DF, 05 a 11 de abril de 2008

9

Concepções sobre desenvolvimento: uma abordagem introdutória ao debate atual 1

Marcelo Miná Dias 2

A palavra desenvolvimento mobiliza imediatamente valores positivos. Desde o segundo pós-guerra, o termo “desenvolvimento” vem sendo utilizado para nomear processos de mudanças econômicas que são representados como essencialmente positivos aos grupos sociais por eles atingidos ou beneficiados. Não sem razão, ele é usado com freqüência nos discursos políticos e em slogans governamentais. A própria noção de desenvolvimento confunde-se assim com a idéia de um futuro qua-litativamente melhor como resultado de mudanças sociais provocadas. Disto resulta, em parte, sua enorme aceitação e uso. A promoção do desenvolvimento anima mo-bilizações, ações coletivas, cria e recria habilidades institucionais, competências pro-fissionais e orienta e legitima intervenções.

Naturalizada, a noção de desenvolvimento parece inquestionável. Ao ser e-nunciado, o desenvolvimento parece explicar-se por si só, dispensando maiores es-clarecimentos sobre sua própria definição, os modos de sua realização, as intenções políticas das ações que buscam promovê-lo etc. Talvez este fato seja decorrência do caráter normativo que a noção de desenvolvimento tende a assumir. Ao definir de-senvolvimento elabora-se mais uma prescrição do que deve ser o desenvolvimento do que uma descrição, uma explicação sobre o que é desenvolvimento. Por vezes esquece-se que desenvolvimento é um conceito socialmente construído, polissêmi-co, contingente e sujeito a disputas para atribuição de significados e a usos político-ideológicos diversos. Neste sentido, tornam-se importantes as lições das experiên-cias concretas que tentaram realizá-lo. Não como modelos a serem copiados e re-produzidos, mas como fatores explicativos sobre como ocorreu o desenvolvimento e o quê contribuiu para a sua realização.

As experiências concretas, nesta perspectiva compreensiva, tornam legítimas ou ilegítimas concepções e modos de promoção do desenvolvimento. Na prática, de um modo geral e ao contrário desta percepção mais contingente, as visões sobre o desenvolvimento tenderam a imaginá-lo como um processo histórico quase inevitá-vel de constante acúmulo e progresso que, uma vez desencadeado, objetiva deixar para trás determinados envolvimentos prévios, tradições, costumes, concepções, valores, práticas etc. A realização do desenvolvimento ofereceria outra ordem às realidades sociais, partindo de contextos mais simples e tradicionais, alvos destas ações, até alcançar ordenamentos econômicos e sociais mais complexos e moder-nos (Giddens, 1991).

Desenvolvimento, progresso, evolução. A estas palavras poderíamos juntar algumas outras como modernização, ocidentalização, civilização. Todas têm em comum o fato de serem usadas para tentar expressar o movimento histórico da hu-manidade e sentido/orientação deste movimento (Favareto, 2007, p.40).

1 Este texto é um extrato de outro intitulado “Outras visões sobre a promoção do desenvolvimento e os desafios aos serviços de extensão rural”, elaborado em 2007 para o Instituto Brasileiro de Colonização e Reforma Agrária (Incra). O material aqui apresentado tem modificações pontuais em relação ao texto original. Trata-se de uma primeira ver-são. Contribuições são muito bem-vindas: [email protected]. 2 O autor é Professor Adjunto do Departamento de Economia Rural da Universidade Federal de Viçosa (DER/UFV).

Page 10: CADERNO DE TEXTOS - contag.org.br · III MÓDULO DO CURSO REGIONAL CENTRO OESTE ... cípios e objetivos do processo for-mativo. Rememorar aspectos relevantes do processo formativo

Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura - CONTAG

III Módulo Regional Centro Oeste CESIR/CONTAG – Brasília-DF, 05 a 11 de abril de 2008

1 0

Este sentido, na concepção convencional ou dominante de desenvolvimento, é único: do atraso à modernidade. Para Cowen & Shenton (1996), as concepções modernas sobre desenvolvimento tiveram origem concomitante ao surgimento da sociologia. A visão clássica construída sobre o desenvolvimento associava sua ocor-rência à contínua evolução econômica de uma sociedade, que garantiria seu pro-gresso permanente e auto-impulsionado, compreendido como a gradual superação dos limites impostos pelos diversos tipos de apego a tradições (Latouche, 1988). Assim, a promoção do desenvolvimento tem sido relacionada quase que exclusiva-mente às capacidades sociais de acumular conhecimentos e tornar os processos produtivos mais eficientes, gerando com isso ganhos econômicos. Esta definição faz com que desenvolvimento e crescimento econômico se tornem noções equivalentes.

O desenvolvimento passou a ser medido pelo tamanho das economias nacio-nais e pela capacidade dos países em produzir e acumular riquezas. O Produto In-terno Bruto (PIB) tornou-se o principal meio para aferição do desenvolvimento dos países. Com isso, disseminou-se a ideologia de que a promoção do crescimento e-conômico beneficiaria as sociedades como um todo; de que os frutos do crescimento econômico seriam compartilhados socialmente. Esta ideologia sucumbiu à realidade de pobreza, exclusão e desigualdade social que marcou o processo de desenvolvi-mento industrial e urbano brasileiro a partir da década de 1950.

(...) foram surgindo evidências de que o intenso crescimento econômi-co ocorrido durante a década de 1950 em diversos países semi-industrializados (entre os quais o Brasil) não se traduziu necessaria-mente em maior acesso de populações pobres a bens materiais e cul-turais, como ocorrera nos países considerados desenvolvidos. A come-çar pelo acesso à educação e à saúde (Veiga, 2005, p.19).

Esta ênfase nos resultados macroeconômicos colocava em um plano secun-dário outros objetivos para a promoção do desenvolvimento. Para Santos & Rodrí-guez (2002, p.46), houve, historicamente, uma marginalização de objetivos sociais, econômicos e políticos. Estes objetivos incluiriam a participação mais bem qualifica-da das populações atingidas pelos programas, uma preocupação com a “distribuição eqüitativa dos frutos do desenvolvimento e a preservação do meio ambiente”.

As estratégias centradas no crescimento econômico passaram a ser questio-nadas em sua capacidade real para promover melhorias nas condições de vida e de trabalho das populações. De fato, o principal legado dos esforços em prol do desen-volvimento desde a Segunda Guerra Mundial havia sido as enormes desigualdades entre países (e dentro dos próprios países), de modo que temas com a fome, a po-breza, a injustiça social e a degradação ambiental permaneciam como mazelas (Chesnais, 1986). Neste debate, economistas não aceitavam a retórica da iniqüidade na distribuição de renda como um traço intrínseco ao desenvolvimento. A prosperi-dade material das nações, avaliada pelo incremento nos índices nacionais de renda, deixaria de ser uma medida única à aferição do desenvolvimento.

As visões difundidas por este amplo debate, embora bastante diversas, torna-vam evidente que se estava discutindo a insustentabilidade, no longo prazo, das es-tratégias convencionais de promoção do desenvolvimento. Os padrões de produção e consumo estariam conduzindo a um tipo de escassez diferente daquela alardeada pelos estudos focados nos limites do crescimento da década de 1970. Ao invés de absoluta, vivia-se uma ameaça de escassez relativa dos recursos ambientais e de produção.

Page 11: CADERNO DE TEXTOS - contag.org.br · III MÓDULO DO CURSO REGIONAL CENTRO OESTE ... cípios e objetivos do processo for-mativo. Rememorar aspectos relevantes do processo formativo

Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura - CONTAG

III Módulo Regional Centro Oeste CESIR/CONTAG – Brasília-DF, 05 a 11 de abril de 2008

1 1

O conceito de sustentabilidade difundido pelo “Relatório Brundtland” – tam-bém conhecido pelo título de “Nosso futuro comum”, de 1987 – projetava três di-mensões fundamentais para a formulação de políticas ao desenvolvimento: a ambi-ental, a social e a econômica. A ambiental apontava tanto para a preservação quan-to para um uso mais racional dos recursos naturais. A dimensão social estava preo-cupada com a qualidade de vida das populações, associando-se à noção de desen-volvimento humano, que posteriormente seria amplamente difundida pela (Organiza-ção das Nações Unidas (ONU). A dimensão econômica, por fim, propunha rever a lógica do crescimento econômico, limitando-o à consideração da distribuição da ri-queza e à racionalização do uso dos recursos naturais. Para tanto, foram feitas vá-rias recomendações de ações para os governos, tais como: limitar o crescimento populacional, garantir a segurança alimentar das populações, preservar a biodiversi-dades dos ecossistemas, desenvolver fontes de energia renováveis, limitar a produ-ção industrial a determinantes ecológicos e satisfazer as necessidades básicas das populações mais pobres (Guzmán, 1997).

A aceitação da sustentabilidade – social, econômica e ambiental – como pa-râmetro para a promoção do desenvolvimento foi referendada por representantes de governos, cientistas, políticos e ativistas sociais durante a Conferência da ONU so-bre Meio Ambiente e Desenvolvimento (UNCED), realizada em 1992 no Rio de Ja-neiro. Paralelo à conferência foi realizado o Fórum Mundial, reunião de diversas en-tidades da sociedade civil e ONGs de mais de 150 países. A Rio-92, como ficaram conhecidas a conferência e seus encontros paralelos, deu enorme visibilidade ao debate ambientalista e às organizações da sociedade civil, ao mesmo tempo em que deixou a impressão de ter alcançado poucos avanços concretos principalmente em relação ao aumento da capacidade global de governa a crise ambiental diagnostica-da (Leis, 1999). O documento mais importante da conferência foi a Agenda 21, uma carta de intenções que, de acordo com Fisher (1998), combina duas perspectivas de ação sobre o desenvolvimento, uma que enfatiza a necessidade de acesso aos re-cursos pelos mais pobres e outra preocupada com a administração sustentável dos recursos naturais.

Inaugurava-se uma fase de revigoramento da noção de desenvolvimento, a-gora qualificada de desenvolvimento humano e sustentável (Cepal, 1990). Entre questionamentos e análises, propunha-se que o desenvolvimento deveria ter uma “face humana”. Em Desenvolvimento como Liberdade, por exemplo, Amartya Sen faz uma crítica poderosa às visões economicistas convencionais, ao conceituar o desenvolvimento como um processo de expansão das liberdades reais que as pes-soas possuem e de expansão das capacidades do ser humano (Sen, 1999). A liber-dade, para este autor, deve ser entendida de uma maneira ampla, incorporando o reconhecimento da heterogeneidade de seus componentes.

A noção de liberdade de Sen abrange dimensões que se inter-relacionam, como a liberdade política, as facilidades econômicas, as oportunidades sociais, a transparência e a segurança. A efetividade instrumental da liberdade diz respeito ao fato de que gozar a liberdade em uma de suas dimensões pode contribuir significati-vamente à conquista de liberdade em outras de suas dimensões. Aos indivíduos, as suas capacidades permitem-lhes que vivam vidas nas quais façam o que valorizam – trata-se de liberdade de escolha ou opção. Para o autor, os envolvidos com a pro-moção do desenvolvimento deveriam se questionar sobre quais seriam as condições necessárias para que os sujeitos realizem seus potenciais, enriquecendo sua vida por meio da expansão de suas capacidades.

Page 12: CADERNO DE TEXTOS - contag.org.br · III MÓDULO DO CURSO REGIONAL CENTRO OESTE ... cípios e objetivos do processo for-mativo. Rememorar aspectos relevantes do processo formativo

Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura - CONTAG

III Módulo Regional Centro Oeste CESIR/CONTAG – Brasília-DF, 05 a 11 de abril de 2008

1 2

Além das necessidades básicas, a educação, a saúde, as oportunidades eco-nômicas, os direitos humanos e a eqüidade social afirmavam-se como dimensões à aferição do desenvolvimento. Na década de 1990, as novas idéias levariam o Pro-grama das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) a lançar uma nova me-todologia mais complexa de aferição do desenvolvimento, o Índice de Desenvolvi-mento Humano (IDH), que considera referências como qualidade de vida, longevi-dade e nível de conhecimentos, além do tradicional indicador de renda per capita (Boiser, 2000).

Estes debates traziam desafios às estratégias convencionais de promoção do desenvolvimento. Como enfoque normativo, o desenvolvimento havia se tornado um conceito pouco referido a situações concretas e apropriado por aspirações políticas diversas. As vozes dissidentes e críticas pediam por redefinições, redirecionamentos e adequações dos objetivos e métodos diante do diagnóstico da falência das ações até então empreendidas. Os resultados contestáveis dos ideais de progresso aplica-dos às políticas desenvolvimentistas indicaram a necessidade de se reconhecer ou-tros valores, implicando o declínio da força normativa da idéia de história universal.

Deste modo, neste novo contexto, a concepção de modelos de desenvolvi-mento como processos cujas propriedades seriam transferíveis das sociedades de-senvolvidas àquelas não-desenvolvidas encontrava enormes dificuldades para se legitimar. O viés etnocêntrico foi posto em questão e a dimensão cultural do desen-volvimento assumiu um papel relevante na formulação das intenções de sua promo-ção (Tucker, 1996). Entre os vários qualificativos aos quais seria então sistematica-mente associado, o desenvolvimento passou a ser discursado como autodependen-te, autêntico, endógeno, solidário, integrado, voltado à satisfação das necessidades básicas, participativo, local, territorial, centrado nas pessoas, humano e sustentável. Todos estes qualificativos tentavam incorporar o teor das mudanças reclamadas por meio de novos enfoques à compreensão dos limites das estratégias convencionais de desenvolvimento, que tinham como objetivo quase exclusivo o crescimento eco-nômico.

Como explica Latouche (1988), a partir destas críticas a visão sobre o desen-volvimento tornar-se-ia, de um modo geral, mais complexa e preocupada com as implicações ambientais e sócio-culturais de sua promoção. É importante perceber que não se trata apenas de um processo de revisão conceitual. As intervenções em prol do desenvolvimento também passaram a ser, gradualmente, menos estatais, mais localizadas ou descentralizadas, com maior participação de agentes locais e regionais envolvidos na elaboração e condução de projetos.

Estas mudanças na institucionalidade da promoção do desenvolvimento rela-cionavam-se, desde suas origens, de um lado, ao enxugamento dos Estados nacio-nais sob influência do neoliberalismo e, de outro, às experiências locais, aos peque-nos empreendimentos ou aos projetos estimulados por organizações comunitárias, associações, sindicatos, universidades e outras organizações não-governamentais que agiam de modo relativamente independente aos aparatos governamentais (Fi-sher, 1998). A partir da década de 1970 foi-se diversificando o campo dos atores envolvidos nesta tarefa.

Nos países mais pobres, organizações não-governamentais assumiam papéis cada vez mais importantes à condução de ações públicas complementares ou alter-nativas à ação dos aparatos governamentais. Como argumenta Nerfin (1977), inter-venções alternativas vingaram no terreno de um “terceiro sistema político”, aquele

Page 13: CADERNO DE TEXTOS - contag.org.br · III MÓDULO DO CURSO REGIONAL CENTRO OESTE ... cípios e objetivos do processo for-mativo. Rememorar aspectos relevantes do processo formativo

Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura - CONTAG

III Módulo Regional Centro Oeste CESIR/CONTAG – Brasília-DF, 05 a 11 de abril de 2008

1 3

que partia do diagnóstico dos fracassos governamentais (o primeiro sistema) e do poder econômico (o segundo sistema) para promover o desenvolvimento de modo a atender as demandas dos setores populares das sociedades.

Para Korten (1990), a força dos discursos que propunham revisão das con-cepções sobre o desenvolvimento reside na necessidade de mudanças institucionais e políticas. Reforçando este argumento, as experiências conduzidas por ONGs fo-ram fundamentais à elaboração e à consolidação de novas estratégias à promoção do desenvolvimento, que não estariam voltados prioritariamente ao crescimento e-conômico pela acumulação de capital, mas para um tipo de transformação social mais localizada e cuja ênfase recairia na capacitação das pessoas, para que elas pudessem organizar processos produtivos menos dependentes de fatores externos (Santos & Rodriguez, 2002, Dias, 2004).

Nesta perspectiva, o objetivo maior seria o desenvolvimento humano, ou o processo pelo qual os membros de uma sociedade incrementariam suas capacida-des pessoais e institucionais para mobilizar e maximizar recursos e produzir com sustentabilidade, distribuindo, por entre todos, as melhorias em qualidade de vida. Os meios para alcançá-lo deixavam de ser unicamente o capital, a tecnologia, o co-mércio, o investimento estrangeiro e a presença de especialistas externos e passa-vam a ser, prioritariamente, as pessoas, suas habilidades, os recursos e os conhe-cimentos locais, organizados de modo mais cooperativo, solidário e participatório. Ao contrário da crença nos exemplos exógenos e na transferência de tecnologias, a modernização seria alcançada por meio da articulação e do estímulo às capacidades locais, compreendendo tradição e modernidade como complementos (Korten, 1990).

No Brasil, as organizações do chamado “terceiro setor” contribuíram para tor-nar pública a mobilização e a luta cotidiana de vários atores que movimentavam a sociedade desde suas localidades, inventando modos criativos para intervir em suas realidades e promover o desenvolvimento. Com isso, a agenda política do desenvol-vimento mudou gradativamente, abrindo espaço para novos temas como, por exem-plo, a necessidade de participação mais ativa dos beneficiários das ações, a impor-tância do fator local ou territorial para a formulação de políticas públicas, a sustenta-bilidade como critério para a implantação de projetos, a consideração do papel da mulher nas relações de gênero, a necessidade de geração de tecnologias apropria-das às diversidades sociais e ambientais etc.

A partir dos anos 1990 este movimento de base dialoga, de maneiras diversi-ficadas, com processos macrosociais de revisão do papel do Estado. Naquele mo-mento, fortaleceu-se um discurso do imaginário democrático que, ao clamar por jus-tiça econômica e social, direitos humanos e sociais, reivindicava do Estado um maior protagonismo das organizações da sociedade civil na determinação dos rumos polí-ticos da promoção do desenvolvimento. Ao mesmo tempo, no plano das políticas macroeconômicas, o Estado fortaleceu o discurso neoliberal que reclamava, dentre outros aspectos, a diminuição do seu tamanho, a redução de suas responsabilida-des e a restrição de seu papel empreendedor, inclusive aquele relacionado às de-mandas sociais básicas, incentivando a ação social de organizações privadas ou voluntárias (Doimo, 1995, Neves, 2001, Dagnino, 2002). Por força da conjuntura, ambos os campos de elaboração de discursos sobre o desenvolvimento se encon-traram na revisão da institucionalidade à sua promoção.

Esta revisão conceitual aponta para caminhos e perspectivas atuais bastante diversas. A dimensão ambiental do desenvolvimento, por exemplo, conduz a um de-

Page 14: CADERNO DE TEXTOS - contag.org.br · III MÓDULO DO CURSO REGIONAL CENTRO OESTE ... cípios e objetivos do processo for-mativo. Rememorar aspectos relevantes do processo formativo

Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura - CONTAG

III Módulo Regional Centro Oeste CESIR/CONTAG – Brasília-DF, 05 a 11 de abril de 2008

1 4

bate sobre soluções globais, já que os riscos do desenvolvimento econômico e tec-nológico não se limitam a fronteiras politicamente definidas (Giddens, 2001). Por ou-tro lado, os instrumentos governamentais de intervenção centralizados são levados a dialogar cada vez mais com as demandas e especificidades locais. Há neste caso uma demanda por regulação e inserção global ao mesmo tempo em que se revelam os condicionantes locais e específicos à definição do próprio conteúdo deste desen-volvimento.

A idéia de desenvolvimento endógeno surge justamente como reação ao pa-radigma produtivo fordista e à difusão de inovações tecnológicas do tipo de “cima para baixo” ou “do centro à periferia” (Boiser, 2000), e diz respeito à capacidade lo-cal de dar respostas aos desafios globais por meio de inovações sociais e a partir das especificidades culturais e dos recursos sociais, econômicos e naturais disponí-veis (Lená, 1997).

As experiências de desenvolvimento local e endógeno ressaltam a importân-cia do apoio às capacidades locais para reagir positivamente aos fatores externos, inovar, desencadear mudanças e re-organizar fatores produtivos de modo a favore-cer novos tipos de inserção econômica para comunidades, municípios ou regiões (Vázquez-Barquero, 1998). Nesta perspectiva, a ênfase das estratégias de desen-volvimento recai nas organizações locais, no seu entorno institucional, nas potencia-lidades das pessoas, nos relacionamentos produtivos, na história e nos valores cul-turais locais, na exploração sustentável de recursos naturais, na construção de mar-cas locais com inserção global etc.

O cultural, o local e o territorial aparecem como importantes referências à formulação de políticas de desenvolvimento. Ao serem estimuladas à formulação e à implantação de estratégias próprias de desenvolvimento, controladas localmente, as comunidades passariam por transformações sociais e econômicas que não depen-deriam dos investimentos e das intenções das grandes corporações (Albagli & Maci-el, 2002).

As especificidades de cada território (tais como um mercado de trabalho, re-cursos naturais, relacionamentos institucionais, estrutura produtiva, capacidade em-presarial e organizativa, cultura política etc.) poderiam ser articuladas e potencializa-das em prol do crescimento econômico e da melhoria da qualidade de vida da popu-lação. O território passa a ser representado como o espaço geográfico e cultural no qual as inovações acontecem no âmbito de processos históricos de criação e repro-dução de identidades ou sentimentos de pertencimento comunitário (Boiser, 2000).

No que diz respeito ao desenvolvimento rural, Abramovay (2001) sugere a i-nadequação das noções tradicionais que o associam à “urbanização do campo”. A ruralidade não deveria ser encarada como uma etapa a ser vencida pelos esforços em prol do desenvolvimento. Entre os atributos que definiriam o meio rural, a relação mais próxima à natureza e a relativa dispersão populacional seriam valorizados dian-te do crescimento e da interiorização das médias e grandes cidades. Neste sentido, o dinamismo rural dependeria da renda urbana, não somente dos mercados consu-midores anônimos e distantes destinatários dos produtos agropecuários, mas, sobre-tudo da renda associada ao aproveitamento das virtudes rurais mais valorizadas, entre as quais o autor cita a produção territorializada da qualidade, a paisagem, a biodiversidade e o modo de vida das populações rurais. Estas noções fortalecem a idéia de que a promoção do desenvolvimento, para ser efetiva, deve estar enraiza-da, de alguma forma, no conjunto de especificidades culturais historicamente esta-

Page 15: CADERNO DE TEXTOS - contag.org.br · III MÓDULO DO CURSO REGIONAL CENTRO OESTE ... cípios e objetivos do processo for-mativo. Rememorar aspectos relevantes do processo formativo

Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura - CONTAG

III Módulo Regional Centro Oeste CESIR/CONTAG – Brasília-DF, 05 a 11 de abril de 2008

1 5

belecidas.

Quando relacionada ao espaço rural, a concepção convencional de desenvol-vimento também se fundamentou em uma simplificação, tomando o rural por sim-plesmente agrícola ou agropecuário. A intervenção em prol do desenvolvimento limi-tou-se geralmente às condições de produção ou aos processos produtivos, fomen-tando mudanças nas bases tecnológicas, na organização dos sistemas produtivos, na racionalização do uso da força de trabalho e em outros fatores relacionados à produção. Conceber o desenvolvimento rural como simplesmente desenvolvimento agrícola ou agropecuário contribuiu para colocar em segundo plano as outras di-mensões que compõem os espaços rurais e as suas complexas relações com a so-ciedade como um todo.

Isolado como espaço da produção agropecuária, o mundo rural foi conceitu-almente reduzido à concepção de setor agrícola (para o qual as intervenções deve-riam estar coerentes com o objetivo de promover a racionalização econômica e a industrialização dos processos produtivos). Desenvolvimento agrícola e desenvolvi-mento rural – expressões sob enorme disputa política em relação aos seus significa-dos – não se equivalem. De acordo com Navarro (2001), o desenvolvimento dos processos produtivos relacionados às práticas agrícolas constitui apenas uma faceta do desenvolvimento rural.

Para além da clássica questão agrária, o mundo rural passa por uma série de transformações que reforçam a dissociação entre desenvolvimento agrícola, portan-to setorial, e desenvolvimento rural, portanto englobante. Em muitas regiões brasilei-ras, por exemplo, as atividades não-agrícolas assumem cada vez maior importância para as famílias que vivem no campo (Schneider, 2003). Da mesma forma, as políti-cas sociais que implicam transferência de renda, principalmente no caso das apo-sentadorias, têm papel importante na manutenção de muitas famílias na prática da agricultura (Beltrão et al., 2000).

Para Veiga (2006), estudando o caso europeu, mas relacionando-o à realida-de brasileira, a “nova ruralidade” baseia-se em três fatores que contribuem para ou-tra valorização contemporânea do mundo rural: (a) o aproveitamento econômico do rural como espaço de lazer, descanso, vínculo com a natureza e com as tradições; (b) os esforços preservacionistas e conservacionistas que impactam sobre as paisa-gens e contribuem para resgate da biodiversidade ameaçada pelas monoculturas; e (c) a busca de fontes renováveis de energia disponíveis nos espaços rurais.

Pensando estas outras visões sobre o desenvolvimento e a ruralidade, para que façam sentido (contribua na invenção do futuro) no cotidiano das mulheres e homens que vivem no rural brasileiro, as ações de promoção do desenvolvimento deveriam considerar: (a) a diversidade cultural e ecológica dos espaços rurais; (b) esta diversidade como componente da necessidade de construir, de modo participa-tivo, alternativas de mudança que valorizem enraizamentos, pertencimentos cultu-rais, costumes, saberes e tradições; e (c) o rural como espaço inter-relacionado à sociedade como um todo (mas ainda é o espaço do território brasileiro onde carên-cias e precariedades ainda se expressam de modo mais grave).

Neste contexto de mudanças, as políticas de desenvolvimento devem promo-ver a “adequação das instituições”, o que vem se tornando prioridade na agenda nacional e internacional. As instituições democráticas deliberativas devem ser refe-rências importantes para os processos de promoção do desenvolvimento, envolven-do de modo contínuo os cidadãos na definição e implantação das prioridades eco-

Page 16: CADERNO DE TEXTOS - contag.org.br · III MÓDULO DO CURSO REGIONAL CENTRO OESTE ... cípios e objetivos do processo for-mativo. Rememorar aspectos relevantes do processo formativo

Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura - CONTAG

III Módulo Regional Centro Oeste CESIR/CONTAG – Brasília-DF, 05 a 11 de abril de 2008

1 6

nômicas e sociais. Estas instituições representam um meio mais efetivo para engajar os sujeitos em projetos ou programas, possibilitando, de acordo com Peter Evans, “uma base mais sólida para avaliar as prioridades [locais] de desenvolvimento”. A-lém disso, ao enfatizarmos a ampliação das capacidades das pessoas, as institui-ções “expandem o que o desenvolvimento oferece, dando aos cidadãos a oportuni-dade de exercer a capacidade humana fundamental de fazer escolhas” (Evans, 2003).

Nesta formulação, a participação política dos envolvidos e o fortalecimento do seu poder de decisão tornam-se essenciais para desencadear processos de tutoria ou gestão social de projetos, promovendo competências locais essenciais à susten-tabilidade do processo de mudança. Entre as iniciativas de adequação das institui-ções, a formulação e a implantação de políticas de desenvolvimento requerem po-tencializar a capacidade local de mobilização social, de forma a aglutinar interesses e articular recursos em torno de estratégias negociadas. Neste processo, as comu-nidades seriam estimuladas à organização de base, que daria vazão ao inconfor-mismo dos sujeitos com seus indicadores de qualidade de vida. O engajamento de lideranças locais seria não só uma oportunidade ao desenvolvimento de competên-cias, mas também a garantia de maior engajamento e respeito às especificidades histórico-culturais da região.

A partir destas considerações, percebe-se que a promoção do desenvolvi-mento passa a ser uma ação principalmente relacionada a experiências e práticas de aprendizado coletivo ou social, envolvendo tanto as populações locais quanto os agentes ou mediadores externos. Aprender, na prática, a agir em busca de modos de promoção do desenvolvimento. Na realidade de seus cotidianos, estes atores sociais buscam, a partir de métodos e maneiras bastante diversificadas, superar os limites históricos e arraigados que costumam limitar, separar ou compartimentar as funções de cada ator nestes processos, geralmente privilegiando o técnico, o pes-quisador, o assessor ou o extensionista como o detentor da autoridade profissional e científica para determinar os rumos das ações e a direção dos processos.

A participação protagonista e efetiva, neste caso, torna-se a base para cons-trução de processos fundados na idéia de aprendizado e os diagnósticos participati-vos tornam-se técnicas fundamentais para o conhecimento e ação sobre a realidade (Verdejo, 2006). A capacidade de intervenção a partir das institucionalidades públi-cas disponíveis e o ensino formal e profissionalizante parecem ainda distantes das novas demandas por habilidades e competências colocadas por este outro imaginá-rio sobre o desenvolvimento e o rural.

Page 17: CADERNO DE TEXTOS - contag.org.br · III MÓDULO DO CURSO REGIONAL CENTRO OESTE ... cípios e objetivos do processo for-mativo. Rememorar aspectos relevantes do processo formativo

Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura - CONTAG

III Módulo Regional Centro Oeste CESIR/CONTAG – Brasília-DF, 05 a 11 de abril de 2008

1 7

Bibliografia Citada

Beltrão, K. I., Oliveira, F. E. B., Pinheiro, S. S. A população rural e a previdência social no Brasil: uma análise com ênfase das mudanças constitucionais. Rio de Janeiro: IPEA, 2000. 26p. (Texto para Discussão, 759).

Boiser, S. ¿Desarrollo (local): de qué estamos hablando? In: Becker, D, Bandeira, P. S. (Orgs.) Desenvolvimento local-regional – determinantes e desafios contem-porâneos, volume 1. Santa Cruz do Sul: Edunisc, 2000. 228p. P. 151-185.

Chenais, F. A mundialização do capital. São Paulo: Xamã, 1996.

Cowen, M. P., Shenton, R.W. Doctrines of development. London, New York: Rout-ledge, 1996. 554p.

Dagnino, E. Sociedade civil, espaços públicos e a construção democrática no Brasil: limites e possibilidades. In: Dagnino, E. (Org.). Sociedade civil e espaços públicos no Brasil. São Paulo: Paz e Terra, 2002. 364p. Pp. 279-301.

Dias, M. M. As ONGs e a construção de alternativas para o desenvolvimento rural: um estudo a partir da Assessoria e Serviços a Projetos em Agricultura Alternativa (AS-PTA). 2004. 199 f. Tese (Doutorado). Curso de Pós-Graduação em Desenvolvimento, Agricultura e Sociedade, Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2004.

Doimo, A. M. A vez e a voz do popular – movimentos sociais e participação polí-tica no Brasil pós-70. Rio de Janeiro: Relume-Dumará/ANPOCS, 1995. 353p.

Evans, P. Além da “monocultura institucional”: instituições, capacidades e desenvol-vimento. Sociologias, Porto Alegre, v.5, n.9, p. 20-63, jan./jun. 2003.

Favareto, A. Paradigmas do desenvolvimento rural em questão. São Paulo: Iglu: Fapesp, 2007. 220p.

Fisher, J. El camino desde Rio – el desarrollo sustentable y el movimiento no gubernamental en el Tecer Mundo. Tradução de Eduardo L. Suárez. Ciudad de México: Fondo de Cultura Económica, 1998. 387p.

Giddens, A. As conseqüências da modernidade. Tradução Raul Fiker. São Paulo: Editora da Unesp, 1991. 177p.

Guzmán, E. S. Origem, evolução e perspectivas do desenvolvimento sustentável. In: Almeida, J., Navarro, Z. Reconstruindo a agricultura: idéias e ideais na perspec-tiva do desenvolvimento rural sustentável. Porto Alegre: UFRGS, 1997. 323p. Pp. 19-29.

Korten, D. Getting to the 21st Century – voluntary action and the global agenda. CT: Kumarian Press, 1990.

Latouche, S. Contribution à l’histoire du concept de développement. In: Coquery-Vidrovich, C. et al. Pour une histoire de développement: états, sociétés, déve-loppement. Paris: L’Harmattan, 1988. Pp. 41-60.

Leis, H. R. A modernidade insustentável – as críticas do ambientalismo à soci-edade contemporânea. Petrópolis: Florianópolis: Vozes/Editora da UFSC, 1999. 261p. (Coleção Educação Ambiental.

Navarro, Z. Desenvolvimento rural no Brasil: os limites do passado e os caminhos do futuro. Estudos Avançados, São Paulo, v.15, n.43, p. 83-100, 2001.

Page 18: CADERNO DE TEXTOS - contag.org.br · III MÓDULO DO CURSO REGIONAL CENTRO OESTE ... cípios e objetivos do processo for-mativo. Rememorar aspectos relevantes do processo formativo

Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura - CONTAG

III Módulo Regional Centro Oeste CESIR/CONTAG – Brasília-DF, 05 a 11 de abril de 2008

1 8

Nerfin, M. Introduction. In: Nerfin, M. (Org.). Another development: approaches and strategies. Uppsala: Dag Hammarskjöld Foundation, 1977.

Santos, B. S., Rodríguez, C. Introdução: para ampliar o cânone da produção. Tradu-ção Vítor Ferreira. In: Santos, B. S. (Org.). Produzir para viver: os caminhos da produção capitalista. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2002. 515p. Pp. 23-77. (Reinventar a emancipação social: para novos manifestos, 2).

Schneider, S. A pluriatividade na agricultura familiar. Porto Alegre: Editora da UFRGS, 2003. 254p.

Sen, A. Development as freedom. New York: Alfred A. Knopf, 1999.

Tucker, V. Introduction: a cultural perspective on development. The European Jour-nal of Development Research, v.8, n.2, p. 1-21, 1996.

Vázquez-Barquero, A. Desarrollo local: una estrategia de creación de empleo. Madrid: Editora Pirámide, 1998.

Veiga, J. E. Desenvolvimento sustentável – o desafio do século XXI. Rio de Ja-neiro: Garamond, 2005. 226p.

Veiga, J. E. Nascimento de outra ruralidade. Estudos Avançados, São Paulo, v.20, n.57, p. 333-353, 2006.

Verdejo, M. E. Diagnóstico rural participativo: uma guia prático. Brasília: SAF/MDA, 2006. 62p.

Page 19: CADERNO DE TEXTOS - contag.org.br · III MÓDULO DO CURSO REGIONAL CENTRO OESTE ... cípios e objetivos do processo for-mativo. Rememorar aspectos relevantes do processo formativo

Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura - CONTAG

III Módulo Regional Centro Oeste CESIR/CONTAG – Brasília-DF, 05 a 11 de abril de 2008

1 9

Introdução à Economia Solidária3

Capítulo II – História

1. Origens históricas da economia solidária

A economia solidária nasceu pouco depois do capitalismo industrial, como re-ação ao espantoso empobrecimento dos artesãos provocado pela difusão das má-quinas e da organização fabril da produção. A Grã-Bretanha foi a pátria da Primeira Revolução Industrial, precedida pela expulsão em massa de camponeses dos domí-nios senhoriais, que se transformaram no proletariado moderno. A exploração do trabalho nas fábricas não tinha limites legais e ameaçava a reprodução biológica do proletariado. As crianças começavam a trabalhar tão logo podiam ficar de pé, e as jornadas de trabalho eram tão longas que o debilitamento físico dos trabalhadores e sua elevada morbidade e mortalidade impediam que a produtividade do trabalho pu-desse se elevar.

Por isso, industriais mais esclarecidos começaram a propor leis de proteção aos trabalhadores. Entre eles encontrava-se o britânico Robert Owen, proprietário de um imenso complexo têxtil em New Lanark. Em vez de explorar plenamente os tra-balhadores que empregava, Owen decidiu, ainda na primeira década do século XIX, limitar a jornada e proibir o emprego de crianças, para as quais ergueu escolas. O tratamento generoso que Owen dava aos assalariados resultou em maior produtivi-dade do trabalho, o que tornou sua empresa bastante lucrativa, apesar de gastar mais com a folha de pagamento. Owen tornou-se objeto de grande admiração e res-peito, adquirindo fama de filantropo. Visitantes do mundo inteiro vinham a New La-nark tentar decifrar o mistério de como o dinheiro gasto com o bem-estar dos traba-lhadores era recuperado sob a forma de lucro, ao fim de cada exercício.

A Revolução Francesa provocou um longo ciclo de guerras na Europa, que se encerrou apenas em 1815, após a vitória britânica sobre Napoleão em Waterloo. Logo a seguir a economia da Grã-Bretanha caiu em profunda depressão. Owen a-presentou uma proposta para auxiliar as vítimas da pobreza e do desemprego e res-tabelecer o crescimento da atividade econômica. Ele diagnosticou corretamente que a depressão era causada pelo desaparecimento da demanda por armamentos, na-vios, provisões e demais produtos necessários à condução da guerra. Com a perda do trabalho e da renda dos que estavam ocupados na produção bélica, o mercado para a indústria civil também se contraiu. Para reverter essa situação era necessário reinserir os trabalhadores ociosos na produção, permitindo-Ihes ganhar e gastar no consumo, o que ampliaria o mercado para outros produtores.

Em 1817, Owen apresentou um plano ao governo britânico para que os fun-dos de sustento dos pobres, cujo número estava se multiplicando, em vez de serem meramente distribuídos, fossem invertidos na compra de terras e construção de Al-deias Cooperativas, em cada uma das quais viveriam cerca de 1.200 pessoas traba-lhando na terra e em indústrias, produzindo assim a sua própria subsistência. Os excedentes de produção poderiam ser trocados entre as Aldeias. Com cálculos cui-dadosos de quanto teria de ser investido em cada Aldeia, Owen tentava mostrar que

3 O texto foi extraído do livro “Introdução à Economia Solidária” Capítulos 2 e 4. Autor Paul Israel Singer - Fundação

Perseu Abramo, São Paulo, 2002. Reprodução autorizada pelo autor.

Page 20: CADERNO DE TEXTOS - contag.org.br · III MÓDULO DO CURSO REGIONAL CENTRO OESTE ... cípios e objetivos do processo for-mativo. Rememorar aspectos relevantes do processo formativo

Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura - CONTAG

III Módulo Regional Centro Oeste CESIR/CONTAG – Brasília-DF, 05 a 11 de abril de 2008

2 0

haveria imensa economia de recursos, pois os pobres seriam reinseridos à produ-ção em vez de permanecerem desocupados. Em pouco tempo, a desnecessidade de continuar subsidiando os ex-pobres permitiria devolver aos cofres públicos os fundos desembolsados.

O raciocínio econômico de Owen era impecável, pois o maior desperdício, em qualquer crise econômica do tipo capitalista (devida à queda da demanda total), é a ociosidade forçada de parte substancial da força de trabalho. Há um efetivo empo-brecimento da sociedade, que se concentra nos que foram excluídos da atividade econômica. Portanto, conseguir trabalho para eles é expandir a criação de riqueza, permitindo a rápida recuperação do valor investido. Isso foi demonstrado de outra forma por John M. Keynes, também britânico, durante a terrível crise da década de 1930. Desta vez os governos atenderam o apelo e passaram a praticar políticas de pleno emprego que funcionaram durante cerca de 30 anos, demonstrando a veraci-dade da tese de Keynes, antecipada 119 anos antes por Owen.

Mas, na segunda década do século XIX, o governo britânico se negou a im-plementar o engenhoso plano de Owen, que passou a radicalizar sua proposta. "Quanto mais Owen explicava o seu 'plano', mais evidente se tornava que o que ele propunha não era simplesmente baratear o sustento dos pobres, mas uma mudança completa no sistema social e uma abolição da empresa lucrativa capitalista" (COLE, 1944, p. 20). Com isso, Owen perdeu seus admiradores da classe alta e, desiludido, partiu para os Estados Unidos com a intenção de erguer num meio social mais novo, e por isso menos deteriorado, uma Aldeia Cooperativa que seria um modelo da so-ciedade do futuro, a ser imitado por pessoas de boa vontade mundo afora. Ela foi estabelecida, em 1825, em New Harmony, no estado de Indiana, e logo sofreu su-cessivas cisões. Owen permaneceu à sua testa até 1829, quando, desiludido, voltou à Inglaterra.

Mas, enquanto ele permanecia além-mar, seus discípulos começaram a pôr em prática as idéias dele, criando sociedades cooperativas por toda parte. Esse mo-vimento coincide com o surto de sindicalismo, desencadeado pela revogação dos Combination Acts. Essa legislação proibia qualquer organização dos trabalhadores como atentado à livre concorrência e foi usada para perseguir com grande empenho os sindicatos existentes, dos quais muitos desapareceram e os demais foram para a clandestinidade. Com a sua revogação, em 1824, novos sindicatos foram formados e, juntamente com eles, cooperativas.

A primeira cooperativa owenista foi criada por George Mudie, que reuniu um grupo de jornalistas e gráficos em Londres e propôs que formassem uma comunida-de para juntos viverem dos ganhos de suas ati vidades profissionais. Em 1821 e 1822, Mudie e seus companheiros publicaram The Economist, o primeiro jornal coo-perativo. Formaram a London Co-operative Society, mas após algum tempo desisti-ram de viver em comunidade. Em 1823 surgiu um novo jornal, The Political Econo-mist Qnd Universal Philantropist, e no ano seguinte apareceu uma nova London Co-operative Society. Outro empreendimento owenista foi a Comunidade de Orbiston, fundada em 1826, liderada por Abram Combe, da qual Mudie participou investindo nela tudo o que possuía: 1.000 libras este'rlinas. Durante algum tempo a Comunida-de progrediu e iniciou experimentos em educação e num sistema de repartição ba-seada em pagamento igual por hora de trabalho de qualquer pessoa. Infelizmente, em agosto de 1827, Combe faleceu e seu irmão e herdeiro despejou a Comunidade para pagar as dívidas assumidas (COLE, 1944, p. 20-22).

Page 21: CADERNO DE TEXTOS - contag.org.br · III MÓDULO DO CURSO REGIONAL CENTRO OESTE ... cípios e objetivos do processo for-mativo. Rememorar aspectos relevantes do processo formativo

Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura - CONTAG

III Módulo Regional Centro Oeste CESIR/CONTAG – Brasília-DF, 05 a 11 de abril de 2008

2 1

Brighton, um lugar de veraneio, foi palco de importante iniciativa cooperativa enca-beçada pelo Dr. William King, que era conhecido como "médico dos pobres". Em 1827 surgiu a Brighton Co-operative Trading Association (Associação Cooperativa de Troca de Brighton), com o objetivo de formar uma comunidade cooperativa owe-nista, mas ela começou por funcionar como armazém cooperativo para ajudar a for-mar um fundo de capital. Seus sócios eram predominantemente operários. A asso-ciação arrendou terras e empregou membros no cultivo de legumes para serem vendidos no armazém. Diversas cooperativas descendentes desta primeira se de-senvolveram em Brighton, Worthington, Findon, Turnbridge Wells, Canterbury e Gravesend. Em 1830, King deixou a associação por problemas familiares e em 1832 ela desapareceu.

A Brighton Association começou, em 1828, a publicação de um pequeno mensário The Co-operator, redigido por King e dedicado a expor sistematicamente os princípios do cooperativismo. Ele durou dois anos e penetrou em todo o país. Em seu número inicial, The Co-operator registrou a existência de apenas quatro coope-rativas; em meados de 1829, este número já era de 70, e no fim do ano atingiu 130, além da abertura do London Co-operative Bazaar. Em agosto de 1830, King encer-rou a publicação do The Co-operator e o número final registrou LI existência de mais de 300 cooperativas. Nessa época, a imprensa cooperativa também se havia diver-sificado, com o surgimento de novos órgãos (COLE, 1944, p. 22-23).

No meio dessa ascensão do cooperativismo, o owenismo foi assumido pelo crescente movimento sindical e cooperativo da classe trabalhadora. Um dos seus grandes líderes, 10hn Doherty, conseguiu, em 1829, organizar os fiandeiros de al-godão em um sindicato nacional. A partir desta vitória, ele passou a lutar pela orga-nização sindical de todas as categorias de trabalhadores, logrando fundar em 1833-34 o Grand National Consolidated Trades Union (sucessora da Grand National Mo-ral Union de Owen, pos sivclmentc a primeira central sindical do mundo4'). "Tornou-se comum que grevistas, em ramos que podiam ser operados sem muita máquina, em vez de cruzar os braços, se lançassem em competição com seus empregadores à base de planos de produção cooperativa" (COLE, 1944, p. 24).

A criação desse tipo de cooperativa, estreitamente ligada à luta de classes conduzida pelos sindicatos, conferia a essa luta uma radical idade muito maior. Os trabalhadores em conflito com seus empregadores, em vez de se limitar a reivindi-cações de melhora salarial e de condições de trabalho, passavam a tentar substituí-los no mercado. A greve tornava-se uma arma não para melhorar a situação do as-salariado, mas para eliminar o assalariamento e substituí-lo por autogestão.

"Muitas das sociedades cooperativas que foram fundadas no fim dos anos 20 e começo dos 30 [do século XIX] eram desta espécie, origina-das ou de greves ou diretamente de grupos locais de sindicalistas, que haviam sofrido rebaixa de salários ou falta de emprego. Algumas des-tas cooperativas foram definitivamente patrocinadas por sindicatos; ou-tras foram criadas com a ajuda de Sociedades Beneficentes cujos membros provinham do mesmo ofício. Em outros casos, pequenos grupos de trabalhadores simplesmente se uniam sem qualquer patro-cínio formal e iniciavam sociedades por conta própria" (COLE, 1944, p.

4 'Todos os movimentos sociais, todos os progressos reais, que surgiram na Inglaterra, estão ligados ao nome de Owen. [ ... ] Ele presidiu o primeiro congresso em que trade unions [sindicatos] de toda a Inglaterra se uniram numa única grande central sindical" (ENGELS. 1894, p. 324-325).

Page 22: CADERNO DE TEXTOS - contag.org.br · III MÓDULO DO CURSO REGIONAL CENTRO OESTE ... cípios e objetivos do processo for-mativo. Rememorar aspectos relevantes do processo formativo

Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura - CONTAG

III Módulo Regional Centro Oeste CESIR/CONTAG – Brasília-DF, 05 a 11 de abril de 2008

2 2

Ao lado destas cooperativas operárias havia sociedades de propaganda o-wenista, que tinham como objetivo fundar Aldeias Cooperativas, atualmente chama-das de "cooperativas integrais", pois organizavam integradamente produção e con-sumo. Dessas sociedades originavam-se freqüentemente armazéns cooperativos (como o da Associação Cooperativa de Troca de Brighton, encabeçada por King), criados para empregar alguns de seus membros, tendo em vista consumir seus pró-prios produtos ou trocá-los por escambo5 pelos de outras sociedades com os mes-mos propósitos. Muitos dos armazéns passaram a adquirir produtos das cooperati-vas operárias e distribuí-los, transformando-se em centros de escambo da produção cooperativa, denominados Exchange Bazaars (bazares de troca) ou Equitable La-bour Exchanges (bolsas eqüitativas de trabalho).

Owen, como muitos socialistas da época, rejeitava o comércio visando ao lu-cro como essencialmente parasitário: "Os distribuidores, pequenos, médios e gran-des, têm todos de ser mantidos pelos produtores e, quanto maior o número dos pri-meiros comparado ao destes, maior será a carga suportada pelo produtor; pois à medida que aumenta o número de distribuidores, a acumulação de riqueza tem de diminuir e mais tem de ser exigido do produtor. Os distribuidores de riqueza, sob o sistema atual, são um peso morto sobre os produtores e os mais ativos desmorali-zadores da sociedade" (OWEN, 1821 apud MILL, 2000, p.68).

A rejeição do comércio (assim como de toda atividade visando ao lucro) levou as sociedades owenistas a criar os bazares ou bolsas que acabaram por polarizar boa parte da produção das cooperativas operárias, conferindo-lhes viabilidade eco-nômica. Urna contrapartida hodierna seria o "clube de troca", que cria mercado en-tre seus membros mediante urna moeda própria. Quando Owen voltou à Inglaterra, ele deu grande impulso a esse comércio sem intermediários, criando o National E-quitable Labour Exchange (Bolsa Nacional de Trabalho Eqüitativo). Sua finalidade era oferecer a todos os cooperadores um mercado em que pudessem trocar seus produtos. A sua primeira sucursal foi aberta em 1832, logo seguida por uma segun-da, sendo imitados por cooperadores em Birmingham, Liverpool, Glasgow e em ou-tras cidades. Em julho de 1833, Owen transferiu a gerência da bolsa a um Comitê Sindical de Londres, que representava os sindicatos cujos membros haviam se en-gajado em produção cooperativa.

As trocas nessas bolsas não eram estritamente escambo, pois eram interme-diadas por uma moeda própria: as notas de trabalho, cuja unidade eram horas de trabalho. Os bens oferecidos à venda eram avaliados pelo tempo de trabalho médio que um operário padrão levaria para produzi-los. Cada bem era avaliado por este critério por um comitê formado por profissionais do ramo correspondente. Adotou-se corno padrão um operário que ganhasse seis dinheiros por hora. A hora de trabalho remunerada acima deste valor era aumentada na mesma proporção. Assim, por e-xemplo, uma peça de pano feita por um tecelão que ganhasse 12 dinheiros por hora e que levasse 5 horas para ser produzida valeria 10 horas de trabalho no padrão monetário da bolsa.

A esse respeito, Cole (1944, p. 31) observou: "Isso significava, com efeito, o mesmo que aceitar a avaliação de mercado dos diferentes graus e espécies de tra-balho, tornando as notas de trabalho meras traduções em tempo de trabalho das

5 Escambo é troca direta de produto por produto, sem uso de dinheiro

Page 23: CADERNO DE TEXTOS - contag.org.br · III MÓDULO DO CURSO REGIONAL CENTRO OESTE ... cípios e objetivos do processo for-mativo. Rememorar aspectos relevantes do processo formativo

Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura - CONTAG

III Módulo Regional Centro Oeste CESIR/CONTAG – Brasília-DF, 05 a 11 de abril de 2008

2 3

quantias de dinheiro determinadas ordinariamente pelo comércio". A primeira parte da observação é correta, a segunda não. O que Marx chamava de "grau de comple-xidade do trabalho" corno gerador de valor era calculado pelo escalonamento salari-al do mercado de trabalho, ou seja, aceitava-se que um trabalho pior pago gerava um valor menor que outro mais bem pago. Mas isso não significa que os preços em tempo de trabalho, assim calculados, equivaliam aos do comércio ordinário. Estes últimos incluem uma margem de lucro proporcional ao valor do capital investido na atividade e nada indica que os preços praticados nas bolsas tivessem tal margem. As bolsas "de trabalho eqüitativo" excluíam o lucro industrial na formação de seus preços6.

Durante certo tempo as bolsas eqüitativas tiveram notável sucesso. A de Bir-mingham teve lucro (o que indica que nos preços em notas de trabalho havia algu-ma margem para cobrir as despesas da bolsa), que ela doou a um hospital. Em 1834, a Bolsa Nacional de Trabalho Eqüitativo encerrou suas atividades, por efeito da derrota geral do movimento operário em seu confronto com os empregadores.

A luta dos sindicatos contra os capitalistas, utilizando as cooperativas operá-rias como armas para disputar-lhes o mercado, estava chegando ao auge em 1833, quando Owen reapareceu, assumindo sua liderança. Em setembro daquele ano, o Sindicato dos Trabalhadores em Construção, formado pela união das associações de ofício do ramo, reuniu seu Parlamento dos Construtores em Manchester. Owen compareceu e propôs que criassem a Grande Guilda Nacional dos Construtores pa-ra suplantar os empreiteiros privados e tomar toda a indústria em suas próprias mãos, reorganizando-a sob a forma de uma grande cooperativa nacional de cons-trução.

Em outubro, tendo sido sua proposta aprovada pelos construtores, Owen foi ao Congresso Cooperativo de Londres, onde propôs a criação da Grande União Na-cional Moral das Classes Produtivas do Reino Unido.

"Era para ser constituída por delegados de todos os ramos organizados de atividade à base de sindicatos paroquiais, distritais e provinciais e parece que tinha por objetivo tomar toda a indústria do país do mesmo modo que os construtores se propunham a tomar a indústria de cons-trução. Os delegados partiram comprometidos com o estabelecimento deste instrumento espantosamente ambicioso e a realização de um no-vo congresso em Barnsley na páscoa seguinte" (COLE, 1944, p. 27-28).

Eis que o cooperativismo, em seu berço ainda, já se arvorava como modo de produção alternativo ao capitalismo. O projeto grandioso de Owen equivalia ao que mais tarde se chamou de República Cooperativa, e ele a propôs, não à moda dos utópicos da época aos mecenas para que a patrocinassem, mas ao movimento ope-

6 Cole argumenta que as bolsas não poderiam praticar preços diferentes do comércio em geral por-que, se o fizessem, "eles venderiam rapidamente todos os artigos relativamente mais baratos e fi-cariam sem vender os relativamente mais caros" (p. 31). Isso seria o caso se houvesse conversibi-lidade entre as notas de trabalho e as libras esterlinas. Deve-se supor que para obter notas de tra-balho era preciso vender algo na bolsa, sendo este algo um produto cooperativo. Neste caso, o mercado cooperativo seria fechado e poderia praticar preços diferentes dos do comércio. Mas ne-gociantes comuns vendiam seus produtos em troca de notas de trabalho para comprar produtos cooperativos com elas. Isso pode significar que eles praticavam arbitragem entre os preços exter-nos e internos da bolsa ou que os últimos acabaram sendo ajustados aos primeiros, como imagina Cole.

Page 24: CADERNO DE TEXTOS - contag.org.br · III MÓDULO DO CURSO REGIONAL CENTRO OESTE ... cípios e objetivos do processo for-mativo. Rememorar aspectos relevantes do processo formativo

Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura - CONTAG

III Módulo Regional Centro Oeste CESIR/CONTAG – Brasília-DF, 05 a 11 de abril de 2008

2 4

rário organizado, que ainda estava lutando por seus direitos políticos. Foi um curto mas inolvidável momento da história da Grã-Bretanha e também do cooperativismo, que vai, deste modo, ainda imaturo, à pia batismal da revolução.

No mesmo ano memorável de 1833 é aprovado o Factory Act, que estabelece uma legislação protetora do trabalhador de fábrica, mas recusa a limitação da jorna-da de Trabalho a dez horas, causando forte frustração. Em novembro, Owen lidera a reação entre os sindicalistas do norte, criando a Sociedade pela Regeneração Na-cional, para conquistar de uma vez a jornada de oito horas, não por lei, mas pela recusa em massa de trabalhar além deste período! A Sociedade rapidamente se expandiu, conquistando considerável número de seguidores. A fé na ação direta se difundia num momento de mobilização intensa. Tudo parecia possível desde que todos os trabalhadores agissem em uníssono.

Mas a reação dos empregadores já havia começado. Em junho de 1833, os empreiteiros resolveram fazer um lock-out (greve patronal, literalmente "exclusão"), demitindo todos os trabalhadores que pertenciam ao Sindicato dos Trabalhadores em Construção. A luta começou em Liverpool e se estendeu a Manchester e a ou-tros centros. Ela foi cruel e longa, terminando apenas no fim do ano com a derrota dos trabalhadores, que tiveram de abrir mão do sindicato para poder voltar ao traba-lho. Foi durante esta luta que Owen propôs ao Parlamento dos Construtores tomar a indústria dos capitalistas e reorganizá-la como cooperativa.

Em novembro, os industriais têxteis decretaram o lock-out, demitindo todos os sindicalizados. Estes, em resposta, abriram cooperativas operárias e tentaram vender seus produtos nas bolsas de trabalho, em todo o país. A Grande União Na-cional Moral das Classes Produtoras (GUNM), ainda em organização, resolveu co-brar uma taxa extra de seus membros para angariar fundos para os tecelões excluí-dos.

"Mas greves e lock-outs logo se multiplicaram em outras partes do país e os recursos da União estavam longe de poder manter os excluídos. A detenção e condenação dos trabalhadores de Dorchester, em março de 1834, foi mais um golpe, pois ameaçava os sindicatos em todos os lugares com penalidades legais, somadas à hostilidade dos emprega-dores. A GUNM e a maioria dos seus afiliados aboliram os juramentos, que eram comumente parte das cerimônias de iniciação sindical e ha-viam fornecido a base para as condenações de Dorchester.

Mas, em face da crescente militância dos empregadores e da de-clarada hostilidade do governo, os sindicalistas em muitas áreas come-çaram a perder o ânimo. Owen e seus discípulos puseram-se à frente da demanda pela libertação dos trabalhadores de Dorchester e entra-ram na GUNM em bloco, na esperança de salvar a situação. Mas uma greve sem sucesso dos alfaiates de Londres _ que em seu decorrer cobriram Londres de cartazes anunciando que estavam partindo em bloco para a Produção Cooperativa piorou seriamente a situação; e os empregadores de Yorkshire, retomando a ofensiva do ano anterior, conseguiram em maio e junho quebrar o poder do Sindicato de Leeds. O Sindicato dos Trabalhadores em Construção também estava ruindo face a repetidos ataques.[...] E uma após a outra, as associações de ofí-cio foram deixando o sindicato, que no fim de 1834 se extinguiu. As ofi-cinas cooperativas em Derby tiveram de fechar, e os homens foram

Page 25: CADERNO DE TEXTOS - contag.org.br · III MÓDULO DO CURSO REGIONAL CENTRO OESTE ... cípios e objetivos do processo for-mativo. Rememorar aspectos relevantes do processo formativo

Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura - CONTAG

III Módulo Regional Centro Oeste CESIR/CONTAG – Brasília-DF, 05 a 11 de abril de 2008

2 5

forçados a voltar ao trabalho nas condições impostas pelos emprega-dores. O Sindicato dos Oleiros, que montou uma olaria cooperativa em junho de 1834, teve de abandoná-la seis meses depois. A grande a-ventura sindical estava chegando a um fim sem glória" (COLE, 1944, p. 29).

Esta é a origem histórica da economia solidária. Seria justo chamar esta fase inicial de sua história de "cooperativismo revolucionário", o qual jamais se repetiu de forma tão nítida. Ela tornou evidente a ligação essencial da economia solidária com a crítica operária e socialista do capitalismo. A figura que sintetizou pensamento e ação nesta fase foi sem dúvida Owen, exemplo acabado de pensador e homem de ação e que inspiraria os seus sucessores. Engels colaborou na imprensa owenista e tanto ele quanto Marx deveram muito a Owen, dívida aliás nunca contestada.

Para completar o quadro, seria preciso fazer menção ao menos à experiência na França. Lá o grande autor foi Charles Fourier, que, no entanto, não era homem de ação e nunca quis que seu projeto de falanstério fosse realizado por discípulos. Seu sonho era que algum capitalista se interessasse pelo seu sistema e se dispu-sesse a experimentá-lo. Sua idéia central era que a sociedade se organizasse de uma forma que todas as paixões humanas pudessem ter livre curso para produzir uma harmonia universal. O principal objetivo dessa organização social seria dispor o trabalho de tal forma que se tornasse atraente para todos, do que deveria resultar enorme aumento de produtividade e de produção. Daí surge a idéia do falanstério, uma comunidade suficientemente grande (com 1.800 pessoas trabalhando) para oferecer a cada um ampla escolha entre trabalhos diversos. Fourier acreditava que cada pessoa poderia encontrar um ou mais trabalhos que estivessem de acordo com suas paixões e aos quais ela poderia se entregar quase sem se importar com a remuneração.

Mas o falanstério não é coletivista como a Aldeia Cooperativa de Owen. Nele se preservam a propriedade privada e a liberdade individual de mudar de trabalho. Os meios de produção seriam de todos os membros, mas sob a forma de proprie-dade acionária. O resultado do trabalho de todos seria repartido de acordo com pro-porções fixas: 5/12 pelo trabalho, 4/12 pelo capital investido e 3/12 pelo talento. E ele concebe um engenhoso sistema de mercado que deve conciliar as preferências por diferentes tipos de produto dos membros enquanto consumidores e por diferen-tes tipos de trabalho dos mesmos enquanto produtores.

Para evitar que a sociedade se polarize entre ricos e pobres, Fourier propõe diversos mecanismos de redistribuição: I) que as ações devem dar rendimento tanto maior quanto menor for o número delas possuído pela pessoa, de modo que os pe-quenos acionistas teriam um rendimento proporcionalmente muito maior que os grandes; 2) todos teriam uma renda mínima, "modesta mas muito decente", mesmo que não trabalhem. Esta proposta faz sentido, pois todos trabalharão por paixão, e não por necessidade, embora as pessoas continuem competindo por riquezas, já que o sistema manteria propriedade, herança, juros sobre o capital e alguma desi-gualdade entre ricos e pobres.

"É sobre a livre iniciativa individual apenas que ele espera fazer uma experi-ência de seu sistema - uma iniciativa que ele solicita, implora, dirigindo-se ao grande capitalista e a príncipes desengajados com tocante pertinácia" (GIDE, 1971, p. 22). O sistema de Fourier é uma variedade de socialismo de mercado, centrado na liber-dade individual, na livre escolha dos trabalhos, organizados em equipes e na propri-

Page 26: CADERNO DE TEXTOS - contag.org.br · III MÓDULO DO CURSO REGIONAL CENTRO OESTE ... cípios e objetivos do processo for-mativo. Rememorar aspectos relevantes do processo formativo

Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura - CONTAG

III Módulo Regional Centro Oeste CESIR/CONTAG – Brasília-DF, 05 a 11 de abril de 2008

2 6

edade por ações dos meios de produção. O sistema é coerente: para que a liberda-de humana culmine na paixão pelo trabalho é necessário que ninguém dependa dele para viver, o que requer uma renda cidadã que garanta a todos uma sobrevivência digna.

A idéia de que todos deveriam viver em comunidades autogeridas torna o Es-tado dispensável, o que faz de Fourier um predecessor dos anarquistas, como nota Gide:

"Como a nova ordem social deve se basear apenas sobre a atração, nem é preciso dizer que Fourier não pensa em empregar a força. Nun-ca, de fato, ele apela a legisladores, a governo, a uma autoridade, a um poder coercitivo de qualquer espécie; eu nem mesmo sei se a palavra Estado, que hoje serve para caracterizar todas as escolas mais ou me-nos socialistas, aparece uma única vez em seus livros. Nisso ele per-tence à escola liberal mais purae desde que ele não reconhece nem mesmo a necessidade do Estado policial, pode-se ir ao ponto de dizer que ele pertence à escola anarquista. se este termo não se chocasse estranhamente com o seu amor à ordem e simetria" (GIDE, 1971, p. 21-22).

Fourier teve discípulos ilustres - Muiron, Considerant, Godin, Mme. Vigoureux -, que se congregaram a pal1ir de 1825 e estabeleceram o que se chamou de "es-cola associativa". Em 1832 eles foram reforçados pela adesão de importantes ex-saintsimonianos como Lechavalier e Transon, iniciaram a publicação de um hebdo-madário - Le Phalanstere - e organizaram cursos, alguns dados pelo próprio Fouri-er. Com a morte de Fourier em 1837, suas doutrinas tiveram novo impulso, fazendo com que a escola crescesse cada vez mais e atingisse 3.700 membros na véspera da Revolução de 1848, entre os quais o próprio futuro imperador Luís Napoleão.

A experimentação prática do sistema de Fourier se deu mais nos Estados Uni-dos.

'Três grandes associações, aplicando em maior ou menor extensão os princípios do fourierismo, foram criadas quase simultaneamente: The North American Phalanx, fundada por Brisbane no estado de Nova Jer-sey, The Wisconsin Phalanx, no estado do mesmo nome. e a mais fa-mosa de todas, a Brook Farm, perto de Boston, que teve homens muito ilustres entre seus membros, alguns dos quais desempenharam papéis de liderança na organização que se chamou Sovereigns of Industry [Soberanos da Indústria] e nos Knights of Labour [Cavaleiros do Traba-lho] e no movimento cooperativista. Até mesmo Channing e Hawthorne ficaram algum tempo lá. Estima-se em 30 o número de tais comunida-des; mas nenhuma durou mais do que cinco ou seis anos" (GIDE, 1971, p. 41-42).

Owen e Fourier foram, ao lado de Saint-Simon, os clássicos do Socialismo Utópico. O primeiro foi, além disso, grande protagonista dos movimentos sociais c políticos na Grã-Bretanha nas décadas iniciais do século XIX. O cooperativismo re-cebeu deles inspiração fundamental, a partir da qual os praticantes da economia solidária foram abrindo seus próprios caminhos, pelo único método disponível no laboratório da história: o da tentativa e erro.

Page 27: CADERNO DE TEXTOS - contag.org.br · III MÓDULO DO CURSO REGIONAL CENTRO OESTE ... cípios e objetivos do processo for-mativo. Rememorar aspectos relevantes do processo formativo

Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura - CONTAG

III Módulo Regional Centro Oeste CESIR/CONTAG – Brasília-DF, 05 a 11 de abril de 2008

2 7

Capítulo IV – Presente e futuro

1. A reinvenção da economia solidária no fim do século XX

Na medida em que o movimento operário foi conquistando direitos para os assalariados, a situação destes foi melhorando: menos horas de trabalho, salários reais mais elevados, seguridade social mais abrangente e de acesso universal, ou quase, tornaram-se realidade nos países desenvolvidos. Mesmo em países semi-industrializados, como o Brasil, os direitos obtidos pelos sindicatos deram a muitos assalariados formais (com carteira de trabalho assinada) um padrão de vida de clas-se média.

Este avanço se acentuou e generalizou após a Segunda Guerra Mundial e debilitou a crítica à alienação que o assalariamento impõe ao trabalhador. Em vez de lutar contra o assalariamento e procurar uma alternativa emancipatória ao mesmo, o movimento operário passou a defender os direitos conquistados c sua ampliação. Os sindicatos tornaram-se organizações poderosas, cuja missão passou a ser a defesa dos interesses dos assalariados, dos quais o mais crucial é conservar o emprego. Por meio do emprego, os trabalhadores alcançam uma espécie de cidadania "social" que compensaria a posição subordinada e alienada que ocupam na produção.

Esta mudança foi sem dúvida uma das causas do crescente desinteresse pe-la economia solidária e pela tolerância com a introdução do assalariamento nas co-operativas e da "profissionalização" de suas gerências. Em termos quantitativos, o movimento cooperativista nunca deixou de se expandir em plano mundial, mas qua-litativamente é provável que a sua degeneração tenha se acentuado. Surgiu uma classe operária que se acostumou ao pleno emprego (que vigorou nos países cen-trais entre as décadas de 1940 e 1970) e se acomodou no assalariamento.

Tudo isso mudou radicalmente a partir da segunda metade dos anos 70, quando o desemprego em massa começou o seu retorno. Nas décadas seguintes, grande parte da produção industrial mundial foi transferida para países em que as conquistas do movimento operário nunca se realizaram. O que provocou a desin-dustrialização dos países centrais e mesmo de países semi-desenvolvidos como o Brasil, eliminando muitos milhões de postos de trabalho formal. Ter um emprego em que seja possível gozar os direitos legais e fazer carreira passou a ser privilégio de uma minoria. Os sindicatos se debilitaram pela perda de grande parte de sua base social e conseqüentemente de sua capacidade de ampliar os direitos dos assalaria-dos. Na realidade, pela pressão do desemprego em massa, a situação dos traba-lhadores que continuaram empregados também piorou: muitos foram obrigados a aceitar a "flexibilização" de seus direitos e a redução de salários diretos e indiretos. Sobretudo a instabilidade no emprego se agravou, e a competição entre os traba-lhadores dentro das empresas para escapar da demissão deve ter se intensificado.

Como resultado, ressurgiu com força cada vez maior a economia solidária na maioria dos países. Na realidade, ela foi reinventada. Há indícios da criação em nú-mero cada vez maior de novas cooperativas e formas análogas de produção associ-ada em muitos países. O que distingue este "novo cooperativismo" é a volta aos princípio, o grande valor atribuído à democracia e à igualdade dentro dos em-preendimentos, a insistência na autogestão e o repúdio ao assalariamento. Essa mudança está em sintonia com outras transformações contextuais que atingiram de forma profunda os movimentos políticos de esquerda.

Page 28: CADERNO DE TEXTOS - contag.org.br · III MÓDULO DO CURSO REGIONAL CENTRO OESTE ... cípios e objetivos do processo for-mativo. Rememorar aspectos relevantes do processo formativo

Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura - CONTAG

III Módulo Regional Centro Oeste CESIR/CONTAG – Brasília-DF, 05 a 11 de abril de 2008

2 8

A primeira destas transformações foi a crise dos Estados do "socialismo real-mente existente" da Europa Oriental, que estourou em 1985, com a Perestroika e a Glasnost na União Soviética, e culminou em 1991 com a sua dissolução. Até mesmo a Iugoslávia, que desenvolveu um modo de produção com traços de economia soli-dária, teve o mesmo destino. Subitamente ficou claro para milhões de socialistas e comunistas de todo o mundo que o planejamento central da economia do país, im-posto por uma pseudo-"ditadura do proletariado", não constrói uma sociedade que tenha qualquer semelhança com o que sempre se entendeu que fosse socialismo ou comunismo. Esta nova consciência levou indubitavelmente muitos a se reconciliar com o capitalismo, mas muitos outros sentem-se desafiados a buscar um novo mo-delo de sociedade que supere o capitalismo, em termos de igualdade, liberdade e segurança para todos os cidadãos.

A outra transformação contextual foi o semifracasso dos governos e partidos social-democratas, principalmente na Europa mas também, mutatis mutandi, na América Latina. Mesmo vencendo eleições e exercendo o poder governamental, os social-democratas não conseguiram muito mais do que atenuar os excessos do neo-liberalismo e preservar mal as instituições básicas do Estado de bem-estar social. Não tentaram reverter a privatização dos serviços públicos nem a desregulamenta-ção das finanças mundiais, submetendo as economias nacionais, sobretudo na pe-riferia, aos ditames do grande capital financeiro global.

As duas transformações subverteram a concepção (até então amplamen-te dominante) de que o caminho da emancipação passa necessariamente pela tomada do poder de Estado. O foco dos movimentos emancipatórios voltou-se então cada vez mais para a sociedade civil: multiplicaram-se as organizações não-governamentais (ONGS) e movimentos de libertação cuja atuação visa pre-servar o meio ambiente natural, a biodiversidade, o resgate da dignidade huma-na de grupos oprimidos e discriminados (de que o zapatismo mexicano talvez seja o paradigma) e a promoção de comunidades que por sua própria iniciativa e empenho melhoram suas condições de vida, renovam suas tradições culturais etc.

É neste contexto que se verifica a reinvenção da economia solidária. O programa da economia solidária se fundamenta na tese de que as contradições do capitalismo criam oportunidades de desenvolvimento de organizações eco-nômicas cuja lógica é oposta à do modo de produção dominante. O avanço da economia solidária não prescinde inteiramente do apoio do Estado e do fundo público, sobretudo para o resgate de comunidades miseráveis, destituídas do mínimo de recursos que permita encetar algum processo de auto-emancipação. Mas, para uma ampla faixa da população, construir uma economia solidária de-pende primordialmente dela mesma, de sua disposição de aprender e ex-perimentar, de sua adesão aos princípios da solidariedade, da igualdade e da democracia e de sua disposição de seguir estes princípios na vida cotidiana etc.

Cumpre observar, no entanto, que a reinvenção da economia solidária não se deve apenas aos próprios desempregados e marginalizados. Ela é obra também de inúmeras entidades ligadas, ao menos no Brasil, principalmente à Igreja Católica e a outras igrejas, a sindicatos e a universidades. São entidades de apoio à economia solidária, que difundem entre trabalhadores sem trabalho e microprodutores sem clientes os princípios do cooperativismo e o conheci-mento básico necessário à criação de empreendimentos solidários. Além dis-

Page 29: CADERNO DE TEXTOS - contag.org.br · III MÓDULO DO CURSO REGIONAL CENTRO OESTE ... cípios e objetivos do processo for-mativo. Rememorar aspectos relevantes do processo formativo

Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura - CONTAG

III Módulo Regional Centro Oeste CESIR/CONTAG – Brasília-DF, 05 a 11 de abril de 2008

2 9

so, estas entidades de apoio treinam os cooperadores em autogestão e acom-panham as novas empresas dando-lhes assistência tanto na realização de ne-gócios como na construção do relacionamento interno da cooperativa.

2. Perspectivas da economia solidária

A reinvenção da economia solidária é tão recente que se toma arriscado projetar a sua tendência de crescimento acelerado para o futuro. Em grande medida, as empresas solidárias são resultados diretos da falência de firmas capitalistas, da subutilização do solo por latifúndios (o que permite, no Brasil, exigir sua expropriação para fins de reforma agrária) e do desemprego em massa. Pode-se projetar a vasta crise do trabalho que atingiu a maioria dos pa-íses nos anos 80 e 90 do século xx para as próximas décadas?

É preciso considerar que a abertura de mercados ao comércio e o deslo-camento de empresas para países de trabalho barato são mudanças estruturais que tendem a se esgotar no tempo. Provavelmente, nos próximos decênios, o deslocamento de postos de trabalho industriais e de serviços do centro da eco-nomia mundial para a periferia perderá intensidade. Muito vai depender também do ritmo de crescimento das economias nacionais, estimuladas por novos pa-drões de consumo que decorrem dos efeitos não só da revolução microeletrôni-ca mas também da genômica e de outras frentes da biotecnologia. E da capaci-dade das potências dominantes de manter alguma ordem no mercado financeiro global, para evitar que crises financeiras localizadas (que são quase ininterruptas, variando apenas de lugar a cada período) se transformem em crises globais.

Isso significa que se a economia solidária for apenas uma resposta às contra-dições do capitalismo no campo econômico seu crescimento poderá se desacelerar no futuro e, pior, ela não passará de uma forma complementar da economia capita-lista, cuja existência será funcional para preservar fatores de produção - trabalho, terra, equipamentos e instalações - que, se ficassem sem utilização, estariam sujei-tos a se deteriorar. Em suma, a economia solidária só teria perspectivas de desen-volvimento se a economia capitalista mergulhasse numa depressão longa e pro-funda (como a da década de 1930, por exemplo) ou se a hegemonia da burguesia rentista mantivesse a economia da maioria dos países crescendo sempre menos que a elevação da produtividade do trabalho.

Há, no entanto, uma outra alternativa. A economia solidária é ou poderá ser mais do que mera resposta à incapacidade do capitalismo de integrar em sua economia todos os membros da sociedade desejosos e necessitados de trabalhar. Ela poderá ser o que em seus primórdios foi concebida para ser: uma alternativa superior ao capitalismo. Superior não em termos econômicos estritos, ou seja, que as empresas solidárias regularmente superariam suas congêneres capitalistas, oferecendo aos mercados produtos ou serviços melhores em termos de preço e/ou qualidade. A e-conomia solidária foi concebida para ser uma alternativa superior por proporcionar às pessoas que a adotam, enquanto produtoras, poupadoras, consumidoras etc., uma vida melhor.

Vida melhor não apenas no sentido de que possam consumir mais com me-nor dispêndio de esforço produtivo, mas também melhor no relacionamento com fa-miliares, amigos, vizinhos, colegas de trabalho, colegas de estudo etc.; na liberdade de cada um de escolher o trabalho que lhe dá mais satisfação; no direito à autono-mia na atividade produtiva, de não ter de se submeter a ordens alheias, de participar

Page 30: CADERNO DE TEXTOS - contag.org.br · III MÓDULO DO CURSO REGIONAL CENTRO OESTE ... cípios e objetivos do processo for-mativo. Rememorar aspectos relevantes do processo formativo

Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura - CONTAG

III Módulo Regional Centro Oeste CESIR/CONTAG – Brasília-DF, 05 a 11 de abril de 2008

3 0

plenamente das decisões que o afetam; na segurança de cada um saber que sua comunidade jamais o deixará desamparado ou abandonado. A grande aspiração que, desde os seus primórdios, sempre animou a economia solidária tem sido supe-rar as tensões e angústias que a competição de todos contra todos acarreta naque-les que se encontram mergulhados na lógica da "usina satânica", tão bem analisada por Karl Polanyi.

A economia solidária foi concebida pelos "utópicos" como uma nova socieda-de que unisse a forma industrial de produção com a organização comunitária da vida social.

"Embora tenha sido a fonte do socialismo moderno, suas propostas não se baseavam na questão da propriedade. que é apenas o aspecto legal do capitalismo. Ao enfocar o novo fenômeno da indústria. como o fez Saint-Simon, reconheceu o desafio da máquina. Porém o traço ca-racterístico do owenismo era sua insistência no enfoque social: nega-va-se a aceitar a divisão da sociedade em uma esfera econômica e uma esfera política e por essa razão rechaçava a ação política. A acei-tação de uma esfera econômica separada teria implicado o reconheci-mento do princípio do ganho e do lucro como força organizadora da sociedade. Owen negou-se a fazê-Io. Seu gênio reconheceu que a in-corporação da máquina só seria possível numa nova sociedade. [ ... ] New Lanark havia lhe ensinado que na vida de um trabalhador os salá-rios são somente um de muitos fatores tais como o ambiente natural e doméstico. a qualidade e o preço dos bens. a estabilidade do emprego e a segurança de sua posição. [ ... ] Mas o ajuste incluía muito mais do que isso. A educação de meninos e adultos. a provisão de entreteni-mento. dança e música e o pressuposto geral de elevadas normas mo-rais e pessoais para velhos e jovens criavam a atmosfera em que a no-va posição era alcançada pela população industrial em conjunto.” (PO-LANY, 1944, p.174).

Trata-se duma concepção de socialismo que dominou a infância e a adoles-cência do movimento operário europeu e que nunca desapareceu inteiramente, mas foi ofuscada pela perspectiva da "tomada do poder" seja pelo voto, após a conquista do sufrágio universal, seja pela força, após a longa série de revoluções armadas vi-toriosas, inaugurada pelo Outubro soviético. É a concepção de que é possível criar um novo ser humano a partir de um meio social em que cooperação e solidariedade não apenas serão possíveis entre todos os seus membros mas serão formas racio-nais de comportamento em função de regras de convívio que produzem e reprodu-zem a igualdade de direitos e de poder de decisão e a partilha geral de perdas e ga-nhos da comunidade entre todos os seus membros.

A questão que se coloca naturalmente é como a economia solidária pode se transformar de um modo de produção intersticial, inserido no capitalismo em fun-ção dos vácuos deixados pelo mesmo, numa forma geral de organizar a economia e a sociedade, que supere sua divisão em classes antagônicas e o jogo de gato e rato da competição universal. O que implica que os empreendimentos solidários, que hoje se encontram dispersos territorial e setorialmente, cada um competindo sozinho nos mercados em que vende e nos que compra, teriam que se agregar num todo economicamente consistente, capaz de oferecer a todos os que a dese-jassem a Oportunidade de trabalhar e viver cooperativamente.

Page 31: CADERNO DE TEXTOS - contag.org.br · III MÓDULO DO CURSO REGIONAL CENTRO OESTE ... cípios e objetivos do processo for-mativo. Rememorar aspectos relevantes do processo formativo

Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura - CONTAG

III Módulo Regional Centro Oeste CESIR/CONTAG – Brasília-DF, 05 a 11 de abril de 2008

3 1

A economia solidária teria que gerar sua própria dinâmica em vez de depen-der das contradições do modo dominante de produção para lhe abrir caminho. Não se pode excluir a possibilidade de que o capitalismo passe nas próximas décadas por uma fase de alta, com ganhos de consumo, produção e produtividade análogos aos dos 30 anos dourados do pós-Segunda Guerra Mundial. Nesta hipótese, o de-semprego diminuiria, assim como a quantidade de empresas falidas e a massa dos socialmente excluídos. Estas fontes de crescimento da economia solidária sofreriam forte contração. Em compensação, as empresas solidárias já formadas teriam impor-tantes estímulos de mercado para se expandir e diversificar, para não só crescer em tamanho mas se multiplicar, seja por subdivisão das cooperativas em expansão, se-ja pelo apoio das mesmas à criação de novas empresas solidárias. A partir de 1956, durante os anos dourados, o Complexo Cooperativo de Mondragón praticou todas estas modalidades de expansão.

A trajetória de Mondragón é uma clara demonstração de que isso poderá ser novamente possível, em qualquer país em que a economia solidária tenha se difun-dido. Seria imprescindível erguer um sistema de crédito cooperativo que desse su-porte financeiro a esse crescimento e ao mesmo tempo incubasse os novos empre-endimentos (como a Caja Laboral Popular de Mondragón tem feito sistematicamen-te). Outro pré-requisito seria construir um sistema de geração e difusão de conheci-mento, para dar formação técnica e ideológica aos futuros integrantes da economia solidária.

Esta via de crescimento da economia solidária pode desembocar em duas for-mas muito distintas de relacionamento com a economia inclusiva, dominada pelo capital. Uma destas formas seria o isolamento: a economia solidária tenderia a constituir um todo auto-suficiente, protegido da competição das empresas ca-pitalistas por uma demanda ideologicamente motivada - o chamado cal/sI/mo soli-dário, que dá preferência a bens e serviços produzidos por empreendimentos solidá-rios. Já existe um movimento nesse sentido, promotor do comércio "justo" (fair tra-de) procura convencer o público de que deve comprar não em função do seu proveito individual (a melhor mercadoria em termos de preço e qualidade), mas em função do modo como bens e serviços são produzidos.

Euclides Mance (2000, p. 30) escreve:

"Consumir um produto que possui as mesmas qualidades que os simi-lares - sendo ou não um pouco mais caro - ou um Produto que tenha uma qualidade um pouco inferior aos similares - embora seja também um pouco mais barato - com a finalidade indireta de promover o bem-viver da coletividade (manter empregos, reduzir jornadas de trabalho, preservar ecossistemas, garantir serviços públicos não-estatais etc.) é o que denominamos aqui como consumo solidário".

A partir desta fundamentação, Mance (2000, p. 32) abre a perspectiva da constituição de uma sociedade pós-capitalista:

"[...] os excluídos, isoladamente, não têm como competir com o capital. O fator preponderante até agora na permanência ativa destas novas unidades produtivas, precárias e de pequenas proporções, é o consu-mo solidário que elas agenciam. Contudo, quando um movimento de redes integrar a todas, e elas se conectarem em cadeias produtivas,

Page 32: CADERNO DE TEXTOS - contag.org.br · III MÓDULO DO CURSO REGIONAL CENTRO OESTE ... cípios e objetivos do processo for-mativo. Rememorar aspectos relevantes do processo formativo

Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura - CONTAG

III Módulo Regional Centro Oeste CESIR/CONTAG – Brasília-DF, 05 a 11 de abril de 2008

3 2

consumindo e produzindo prioritariamente para ampliar a própria rede, que se expande multiplicando-se em novas células, então um novo movimento de geração de riquezas se desenvolverá progressivamente, em razão da incorporação ao processo produtivo dos trabalhadores a-tualmente excluídos. A qualificação da produção e o aumento da pro-dutividade permiti rão uma progressiva redução da jornada laboral. E uma nova sociedade pós-capitalista estará surgindo, centrada não so-mente no consumo solidário, mas no consumo em razão do bem-viver".

Pela descrição do consumo solidário de Mance, fica claro que este ofere-ce uma margem limitada de proteção às mercadorias produzidas pelos excluí-dos, pois para poderem ser vendidas elas podem ser apenas "um pouco" mais caras ou "um pouco" inferiores em qualidade. É fácil perceber que, se a distân-cia entre preço e qualidade da produção capitalista e da produção solidária for mais do que "um pouco", a quantidade de mercadorias compradas solidaria-mente cai rapidamente, pois apenas um punhado de consumidores solidários ricos e caridosos se disporia a adquiri-Ias.

Além disso, se a maioria dos que praticam consumo solidário for constitu-ída pelos próprios trabalhadores das cooperativas autogeridas, o seu limitado poder aquisitivo impede que o consumo solidário seja mais do que uma fração irrisória do consumo total. O que implica que os empreendimentos solidários precisariam vender o grosso de suas mercadorias a consumidores que não vão lhes dar preferência por solidariedade. Eles seriam, pois, obrigados a competir diretamente com firmas capitalistas, em termos de preço e qualidade.

Sem dúvida há um esforço militante por parte de paróquias e dioceses da Igreja para promover o consumo solidário por parte dos fiéis, mas os resultados são medíocres, ajulgar pelo fato de que a maioria das unidades solidárias de produção, que dependem do mercado solidário, se mostra incapaz de crescer e de elevar sua produtividade ao patamar da produtividade média das empresas capitalistas. Daí se segue o principal argumento contra a proposta de consumo solidário: ao proteger pequenas unidades solidárias de produção, o consumo solidário lhes poupa a necessidade de se atualizar tecnicamente, levando-as a se acomodar numa situação de inferioridade. em que ficam vegetando.

A proposta de isolar a economia solidária do seu entorno capitalista só adquiriria efetividade, no sentido de propiciar o surgimento de uma sociedade pós-capitalista, se as unidades produtivas e as comunidades de compras solidárias se integrassem em rede e desenvolvessem padrões de consumo consideravelmente diferentes dos prevalecentes na economia capitalista. Prenúncio de algo assim po-deria ser a recusa das comunidades, que se opõem ao capitalismo, de consumir produtos transgênicos e de sua preferência por alimentos provenientes da agricultu-ra orgânica. O estilo de vida de tais comunidades favorece o consumo de produtos artesanais e étnicos e o uso de serviços que não produzem emissões de gases que possam agravar o efeito estufa. Não obstante, esta diferenciação do consumo é res-trita demais para constituir um padrão distinto do capitalista. Os membros dessas comunidades participam das modalidades de consumo habituais, exceto as acima mencionadas.

Se a grande maioria do público se mantiver nos padrões de consumo desen-volvidos sob a égide do grande capital, como até agora tem feito, os empreendi-mentos solidários terão de se tomar realmente competitivos. E mesmo se determi-

Page 33: CADERNO DE TEXTOS - contag.org.br · III MÓDULO DO CURSO REGIONAL CENTRO OESTE ... cípios e objetivos do processo for-mativo. Rememorar aspectos relevantes do processo formativo

Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura - CONTAG

III Módulo Regional Centro Oeste CESIR/CONTAG – Brasília-DF, 05 a 11 de abril de 2008

3 3

nados produtos alternativos acabarem se tomando objeto de consumo de massa (como os blue-jeans nos anos 60, por exemplo), nada impedirá o surgimento de empresas capitalistas que os produzirão com máxima produtividade e os venderão a preços mínimos, para tomar o mercado das cooperativas e das unidades familia-res de produção.

Então a forma mais provável de crescimento da economia solidária será con-tinuar integrando mercados em que compete tanto com empresas capitalistas como com outros modos de produção, do próprio país e de outros países. O consumo soli-dário poderá ser um fator de sustentação de algumas empresas solidárias, do mes-mo modo como o são os clubes de troca. Mas a economia solidária só se tornará uma alternativa superior ao capitalismo quando ela puder oferecer a parcelas cres-centes de toda a população oportunidades concretas de auto-sustento, usufruindo o mesmo bem-estar médio que o emprego assalariado proporciona. Em ou-tras palavras, para que a economia solidária se transforme de paliativo dos males do capitalismo em competidor do mesmo, ela terá de alcançar níveis de eficiência na produção e distribuição de mercadorias comparáveis aos da economia capitalista e de outros modos de produção, mediante o apoio de serviços financeiro e científico--tecnológico solidários.

Atualmente, a maioria dos empreendimentos solidários é de caráter interstici-al. Surgiram corno respostas a crises nas empresas, ao desemprego e à exclusão social. Mas, em determinadas regiões, a economia solidária atingiu densidade tal que domina a vida econômica e pauta a sua expansão. Mondragón é o exemplo mais acabado, mas no mesmo contexto cabe citar Emilia Romana na Itália, Québec no Canadá, Grande Buenos Aires na Argentina (em que prevalecem clubes de tro-ca), o Grameen Bank em Bangladesh c, quem sabe, nos próximos anos a região de Catende, no sul da Zona da Mata pernambucana, onde a maior agroindústria açuca-reira da América Latina se encontra em autogestão desde 1995.

No Brasil, a reinvenção da economia solidária é recente, mas apresenta gran-de vigor e notável criatividade institucional. São invenções brasileiras a Associação Nacional de Trabalhadores de Empresas de Autogestão e de Participação Acionária (Anteag), que já orientou a conversão de centenas de empresas em crise em coope-rativas, e as Incubadoras Tecnológicas de Cooperativas Populares (ITCPS) inseri-das em universidades, das quais 13 formam uma rede e outras tantas desenvolvem atividades análogas ligadas à Fundação Unitrabalho, integrada por mais de 80 uni-versidades de todo o país. As incubadoras organizam comunidades periféricas em cooperativas mediante a incubação, um complexo processo de formação pelo qual as práticas tradicionais de solidariedade se transformam em instrumentos de emancipação.

Page 34: CADERNO DE TEXTOS - contag.org.br · III MÓDULO DO CURSO REGIONAL CENTRO OESTE ... cípios e objetivos do processo for-mativo. Rememorar aspectos relevantes do processo formativo

Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura - CONTAG

III Módulo Regional Centro Oeste CESIR/CONTAG – Brasília-DF, 05 a 11 de abril de 2008

3 4

Economia Solidária no Brasil

O cooperativismo chegou ao Brasil no começo do século XX trazido pelos emi-grantes europeus. Tomou principalmente a forma de cooperativas de consumo nas cidades e de cooperativas agrícolas no campo. As cooperativas de consu-mo eram em geral por empresa e serviam para proteger os trabalhadores dos rigores da carestia. Nas décadas mais recentes, as grandes redes de hipermer-cados conquistaram os mercados e provocaram o fechamento da maioria das cooperativas de consumo. As cooperativas agrícolas se expandiram e algumas se transformaram em grandes empreendimentos agroindustriais e comerciais. Mas nenhuma destas cooperativas era ou é autogestionária. Sua direção e as pessoas que as operam são assalariadas, tanto nas cooperativas de consumo como nas de compras e vendas agrícolas. Por isso não se pode considerá-las parte da economia solidária.

Com a crise social das décadas perdidas de 1980 e de 1990, em que o país se desindustrializou, milhões de postos de trabalho foram perdidos, acarretando desemprego em massa e acentuada exclusão social. a economia solidária revi-veu no Brasil. Ela assumiu em geral a forma de cooperativa ou associação pro-dutiva. sob diferentes modalidades mas sempre autogestionárias, de que trata-remos resumidamente a seguir.

Ainda nos 1980, a Cáritas, entidade ligada à Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNSS), financiou milhares de pequenos projetos denominados PACS, Projetos Alternativos Comunitários. Uma boa parte dos PACs destinava-se a ge-rar trabalho e renda de forma associada para moradores das periferias pobres de nossas metrópoles e da zona rural das diferentes regiões do país. Uma boa parte dos PACs acabou se transformando em unidades de economia solidária, alguns dependentes ainda da ajuda caritativa das comunidades de fiéis, outros conseguindo se consolidar economicamente mediante a venda de sua produção no mercado. Há PACS em assentamentos de reforma agrária liderados pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), confluindo com o coo-perativismo agrícola criado pelos trabalhadores sem-terra.

Outra modalidade foi a tomada de empresas falidas ou em via de falir pelos seus trabalhadores, que as ressuscitam como cooperativas autogestionárias. Foi uma forma encontrada pelos trabalhadores de se defender da hecatombe industrial, preservando os seus postos de trabalho e se transformando em seus próprios patrões. Após casos isolados na década de 1980, o movimento come-çou em 1991 com a falência da empresa calçadista Makerli, de Franca (SP), que deu lugar à criação da Associação Nacional dos Trabalhadores em Empre-sas de Autogestão e Participação Acionária (Anteag), à qual estão hoje filiadas mais de uma centena de cooperativas. A mesma atividade de fomento e apoio à transformação de empresas em crise em cooperativas de seus trabalhadores é desenvolvida pela União e Solidariedade das Cooperativas do Estado de São Paulo (UNISOL).

O MST conseguiu assentar centenas de milhares de famílias em terras desa-propriadas de latifúndios improdutivos. O movimento decidiu que promoveria a agricultura sob a forma de cooperativas autogestionárias. dando lugar a outra modalidade de economia solidária no Brasil. Para realizar isso, "criou em 1989 e

Page 35: CADERNO DE TEXTOS - contag.org.br · III MÓDULO DO CURSO REGIONAL CENTRO OESTE ... cípios e objetivos do processo for-mativo. Rememorar aspectos relevantes do processo formativo

Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura - CONTAG

III Módulo Regional Centro Oeste CESIR/CONTAG – Brasília-DF, 05 a 11 de abril de 2008

3 5

1990 o Sistema Cooperativista dos Assentados (SCA). Passados dez anos de sua organização, o SCA conta com 86 cooperativas distribuídas em diversos es-tados brasileiros, divididas em três formas principais em primeiro nível: Coope-rativas de Produção Agropecuária, Cooperativas de Prestação de Serviços e Cooperativas de Crédito"1.

Um outro componente da economia solidária no Brasil é formado pelas coopera-tivas e grupos de produção associada, incubados por entidades universitárias, que se denominam Incubadoras Tecnológicas de Cooperativas Populares (ITCPS). As ITCPS são multidisciplinares, integradas por professores, alunos de graduação e pós-graduação e funcionários, pertencentes às mais diferentes á-reas do saber. EIas atendem grupos comunitários que desejam trabalhar e pro-duzir em conjunto. dando-Ihes formação em cooperativismo e economia solidá-ria e apoio técnico, logístico e jurídico para que possam viabilizar seus empre-endimentos autogestionários.

Desde 1999, as ITCPS constituíram uma rede, que se reúne periodicamente pa-ra trocar experiências. aprimorar a metodologia de incubação e se posicionar dentro do movimento nacional de economia solidária. No mesmo ano, a rede se filiou à Fundação Unitrabalho, que reúne mais de 80 universidades e presta ser-viços, nas mais diferentes áreas, ao movimento operário. A Unitrabalho desen-volve desde 1997 um programa de estudos e pesquisas sobre economia solidá-ria. Um crescente número de núcleos da Unitrabalho em universidades acom-panha e assiste às cooperativas, numa atividade que. sob muitos aspectos, se assemelha às das ITCPS.

Prefeituras de diversas cidades e alguns governos de estados têm contratado ITCPS, a Anteag, a UNISOL e outras entidades de fomento da economia solidá-ria para capacitar beneficiados por programas de renda mínima, frentes de tra-balho e outros programas congêneres. O objetivo é usar a assistência social como via de acesso para combater efetivamente a pobreza mediante a organi-zação dos que o desejarem em formas variadas de produção associada, que Ihes permita alcançar o auto-sustento mediante seu próprio esforço produtivo.

A Central Única dos Trabalhadores (CUT), a maior central sindical brasileira, criou em 1999, em parceria com a Unitrabalho e o Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Sócio-Econômicos (Dieese), a Agência de Desenvol-vimento Solidário (ADS). A ADS vem difundindo conhecimentos sobre a econo-mia solidária entre lideranças sindicais e militantes de entidades de fomento da economia solidária, por meio de cursos pós-graduados em várias universidades, em parceria com a Unitrabalho. Uma de suas atividades prioritárias é a criação de cooperativas de crédito com o objetivo de estabelecer uma rede nacional de crédito solidário, em parceria com o Rabobank, importante banco cooperativo holandês.

Por ocasião do primeiro Fórum Social Mundial, realizado em Porto Alegre em 2001, foi lançada a Rede Brasileira de Sócio-Economia Solidária, integrada por diversas entidades de fomento da economia solidária de todo o país. É uma re-de eletrônica que enseja o intercâmbio de notícias e opiniões e está se trans-formando também em rede eletrônica de intercâmbio comercial entre cooperati-vas e associações produtivas e de consumidores.

Este quadro sintético da economia solidária no Brasil é incompleto, pois se res-tringe às informações disponíveis no momento (fevereiro de 2002). É muito pro-

Page 36: CADERNO DE TEXTOS - contag.org.br · III MÓDULO DO CURSO REGIONAL CENTRO OESTE ... cípios e objetivos do processo for-mativo. Rememorar aspectos relevantes do processo formativo

Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura - CONTAG

III Módulo Regional Centro Oeste CESIR/CONTAG – Brasília-DF, 05 a 11 de abril de 2008

3 6

vável que outras iniciativas de economia solidária estejam se desenvolvendo no vasto território de nosso país.

Nota:

1. FERREIRA, Elenar. "A cooperação no MST: da luta pela terra à gestão coletiva dos meios de produção." In SINGER e SOUZA (org.). Economia Solidá-ria no Brasil: autogestão como resposta ao desemprego. São Paulo, Editora Contexto, 2000.

Bibliografia

BENIGER, James R. The COlltrol Revollltioll: Teehllologieal alld Eeollomie Origills ofthe 11lformatioll Society. Cambridge, Mass., Harvard University Press, 1986.

B IRCHALL, Johnston. The 11ltematiollal Co-operative Movemellt. Manehester, Manchester University Press, 1997.

COLE, G. D. H. A Celltllry of Co-operatioll. Manchester, Co- operative Union LId., 1944.

CRAIG, Jolm. The Natllre ofCo-operatioll. Montréal, Black Rose Books, 1993.

DUVEAU, Georges. 1848: the Makillg of a Revollltioll. New York, Vintage Books, 1967 (publicado originalmente em 1965).

ENGELS, Friedrich. Herm ElIgell Diihrillgs UmwiilzlIllg der Wissellsehaft. Berlim, Di-etz Verlag, 1955 (3a edição publicada originalmente em 1894).

GIDE, Charlcs. "Introduction". In: FOURIER, Charlcs. Desigllfor Utopia: Seleeted Wri-tillgs of Charles FOllrier. Ncw York, Schockcn Books, 1971.

KASMIR, Sharryn. The Myth ofMolldragóll. Cooperatives, Polities alld Workillg-class Life ill a Basqlle TO\Vll. Ncw York, Statc University or New York Press, 1996.

MANCE, EucIides. A revolução das redes: a colaboração solidária como alterna-tiva pós-capitalista à globalização atual. Petrópolis, Vozes, 2000.

MILL, John Stuart. Capítulos sobre o socialismo. São Paulo, Editora Fundação Perseu Abramo, 2001.

MOODY, J. Carrol e FITE, Gilbert C. The Credit Union Movement: Origins and Development 1850-1970. Lincoln, University of Nebraska Press, 1971.

OWEN, Robert. Book ofthe New Moral World (citado em MILL, 2001).

POLANYI, Karl. La gran transformación: Ias orígenes políticas y económicas de nuestro tiempo. México, Fondo de Cultura, 1992 (publicado originalmente em 1944).

RAWLS, John. A Theory of Justice. Cambridge, Mass., Harvard University Press, 1971. (Edição brasileira: Uma teoria da justiça. São Paulo, Martins Fontes, 3" ed., 2000).

YUNUS, Muhammad (com a colaboração de Alan Jolis). Hacia 1m mundo sin po-breza. Santiago de Chile, Andrés BeBo, 1998 (publicado originalmente em francês, em 1997; edição brasileira: O banqueiro dos pobres. São Paulo, Ática, 2000).

Page 37: CADERNO DE TEXTOS - contag.org.br · III MÓDULO DO CURSO REGIONAL CENTRO OESTE ... cípios e objetivos do processo for-mativo. Rememorar aspectos relevantes do processo formativo

RELAÇÕES DE GÊNERO E AGRICULTURA FAMILIAR Miriam Nobre

Nos últimos anos, a agricultura familiar tem estado no centro das atenções do movimento sindical, dos pesquisadores, do Governo e dos organismos internacio-nais relacionados com a questão. Ela aparece como a base de um modelo alternati-vo de desenvolvimento para o meio rural capaz de reduzir a pobreza, as disparida-des de renda e o uso irracional dos recursos naturais. O debate predominante em torno da agricultura familiar trata de como torná-la mais eficiente e com maior capa-cidade de resistência ao mercado cada vez mais concentrado. Para isso, buscam entendê-la melhor, definindo características, como tamanho, produção, presença ou não de empregados e classificando-a em grupos. Infelizmente, muitos ainda pensam essa atividade apenas como um setor da economia ou, no máximo, enquanto função social com potencial para conter o êxodo rural, o qual contribui para aumentar o de-semprego nas cidades. Poucos se detêm sobre as pessoas que vivem e trabalham na agricultura familiar — seus sonhos e anseios, os direitos que constroem e procu-ram tornar realidade. Quanto à família, quando considerada, apenas o é na figura do chefe da família. O trabalho e a visão de mulheres, filhas e filhos são negligencia-dos, como se os interesses do pai incluíssem os de todos.

A idéia de um pai que decide pela vida de todos parece uma coisa do passado, pelo menos no discurso voltado para o meio urbano. Por que então é aceita sem questionamentos para as famílias de trabalhadores rurais? Talvez porque, para os agricultores que trabalham a terra por conta própria, a forma de combinar a disponi-bilidade de trabalho da família com as exigências das diferentes etapas do ciclo de produção agrícola propicie uma divisão do trabalho que se naturaliza pelo sexo e pela idade. A naturalização da divisão sexual do trabalho impede que esta se torne um problema a ser enfrentado pela sociedade. Mesmo o grande estudioso da produ-ção econômica camponesa, Alexander Chayanov, ao se deparar com as estatísticas que apontavam o tempo de trabalho muito maior das mulheres na Rússia do princí-pio do século, em relação ao dos homens, afirmou:

“Uma grande parte do trabalho do homem é empregada nas atividades artesa-nais, comércio e agricultura. A força de trabalho da mulher se utiliza de forma predominante no trabalho doméstico. Em geral a mulher trabalha mais do que o homem, mas seu trabalho não é tão duro. Os adolescentes trabalham menos dias que os adultos. A distribuição de seu trabalho nos setores da fazenda é de acordo com o sexo; em geral os jovens se ocupam mais da agricultura e as jo-vens dedicam muitos dias ao trabalho doméstico” (Chayanov, 1985, p. 210).

Ainda hoje a divisão sexual do trabalho parte do princípio de que os homens são responsáveis pelo trabalho produtivo (a agricultura, a pecuária, enfim tudo o que se associa ao mercado) e as mulheres, pelo trabalho reprodutivo (o trabalho domés-tico, o cuidado da horta e dos pequenos animais, tudo o que é feito para uso e con-sumo próprio, sem contar a reprodução da própria família pelo nascimento e cuidado dos herdeiros). Nos estudos brasileiros sobre campesinato essa divisão se expres-sou na oposição entre casa e roçado.

Page 38: CADERNO DE TEXTOS - contag.org.br · III MÓDULO DO CURSO REGIONAL CENTRO OESTE ... cípios e objetivos do processo for-mativo. Rememorar aspectos relevantes do processo formativo

Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura - CONTAG

38

DIVISÃO SEXUAL DO TRABALHO NA AGRICULTURA:

UM PESO, DUAS MEDIDAS

Beatriz Heredia e outros (1984), estudando pequenos produtores ligados à plantação açucareira no Nordeste brasileiro, apontam a relação entre roçado e casa como definidora das áreas de trabalho e de não-trabalho. No roçado se produz fari-nha, feijão e milho, considerados, pelos agricultores, fundamentais à sobrevivência, de modo que as atividades aí realizadas são reconhecidas como trabalho. O pai en-carna essas atividades, logo o trabalho é dele. Mesmo que os filhos e a esposa de-sempenhem tarefas no roçado, essas são consideradas “ajuda”. Por oposição ao roçado, a casa é o lugar da mulher, mãe de família, e as atividades aí desenvolvidas são consideradas um não-trabalho. O produto das atividades femininas no cuidado de pequenas criações ou no artesanato é comercializado para a compra de outros bens para a casa, como, por exemplo, utensílios de cozinha, roupa de cama etc. As mulheres geralmente não participam da comercialização de produtos. Quando estão nas feiras, localizam-se na venda de produtos considerados secundários, tais como verduras, frutas e condimentos.

A idéia de que, em última instância, a hierarquia entre os produtos determina os conceitos de trabalho e ajuda merece melhor análise. O Deser (Departamento Sindical de Estudos Rurais) e a Comissão da Mulher Trabalhadora Rural da CUT — Central Única dos Trabalhadores — do Paraná realizaram uma pesquisa sobre a participação das mulheres na produção de leite, cujo resultado evidenciou que elas são responsáveis por grande parte das etapas dessa produção (Deser e CEMTR-PR, 1996). Porém, à medida que a produção de leite se tecnifica e passa a contribuir com maior peso para a renda das famílias, as tarefas passam progressivamente a ser desenvolvidas pelos filhos maiores e, depois, pelos maridos. Enquanto fruto de uma produção complementar, o resultado da venda do leite contribui para o paga-mento da conta de luz e para a compra do “rancho” (produtos de consumo domésti-co industrializados como macarrão, óleo de soja, fósforo), o que é essencial para a manutenção dessas famílias; contudo, tal aspecto não é facilmente reconhecido. Para as agricultoras presentes ao seminário de apresentação da pesquisa, isso o-corre “porque o dinheiro sai todo mês e não faz volume”.

Quando a produção agrícola é vendida, entra o “dinheiro grande”, com o qual são compradas novas roupas para toda a família, eletrodomésticos de maior custo, e decidem-se os novos investimentos na produção — este último, um assunto que não é considerado “de mulher”.

A divisão sexual do trabalho estaria então profundamente relacionada com as representações sociais vinculadas a mulheres e homens. Em estudo publicado em 1975, Verena Martinez-Alier já trazia a fala das mulheres bóias-frias: “O homem tra-balha porque é homem; a mulher porque precisa”. Isto é, o trabalho constitui a pró-pria identidade masculina, enquanto as mulheres estão como que provisórias no mundo do trabalho. O título de “provisórias” ou “estranhas” a um mundo onde sem-pre estiveram serve a uma desvalorização do trabalho das mulheres. Maria Ignez Paulilo (1987), analisando os trabalhos agrícolas no sertão e no brejo paraibano, e na cultura de fumo na região sul de Santa Catarina, percebeu como traço comum entre eles a distinção entre trabalho leve e trabalho pesado: o primeiro, atribuição de mulheres e crianças; o segundo, incumbência masculina. Segundo a autora, o traba-lho é considerado leve por quem o executa, e não pela natureza do trabalho em si.

Page 39: CADERNO DE TEXTOS - contag.org.br · III MÓDULO DO CURSO REGIONAL CENTRO OESTE ... cípios e objetivos do processo for-mativo. Rememorar aspectos relevantes do processo formativo

Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura - CONTAG

39

Mesmo que as mulheres e crianças trabalhem o mesmo número de horas que os homens e suas tarefas exijam habilidade, paciência e rapidez, elas recebem menos, pois o valor da diária é determinado pelo sexo e idade de quem a recebe.

O esforço físico é sempre apontado como uma das razões para os homens serem considerados mais importantes do que as mulheres no trabalho agrícola. Mas, quando se olha para a realidade, não há tarefa que elas não executem se não for possível prescindir de seus braços. Mulheres já fizeram destoca, araram a terra, puxando o burro ou “no muque”, e carregaram sacos de 60 kg na cabeça. Mas, toda vez que essas tarefas são mecanizadas e, portanto exige menor força física, contra-ditoriamente, elas são excluídas, ou seja, é muito mais fácil ver uma mulher carpindo com a enxada do que dirigindo o trator para a realização do trabalho agrícola. Outro estudo interessante é o de Maria Aparecida Moraes (1987) sobre as mulheres agricultoras do Vale do Jequitinhonha (Minas Gerais). Segundo essa autora:

“No tocante às mulheres, não existe uma separação rígida entre casa e roçado. Ela transita por esses dois espaços. As mulheres fazem ou podem fazer todos os serviços nessas unidades camponesas, dependendo não só do ciclo produ-tivo, como também da ausência ou permanência do marido e filhos adultos na terra” (p. 9).

Permanece, entretanto, a valorização diferente entre homens e mulheres. Nas regras para a troca de dias, prática fundamental na organização do trabalho ao lon-go do ciclo agrícola, mulheres não trocam dias com homens, havendo mesmo locais em que isso é proibido. Quando o fazem, elas têm de trabalhar dois dias para pagar um dia de serviço de um homem.

AS RELAÇÕES DE GÊNERO

A valorização diferente do trabalho de mulheres e homens se explica pela e-xistência de uma relação de hierarquia entre os gêneros. Essa relação tem sua base material na divisão sexual do trabalho, mas organiza, sem ordem de prioridades, aspectos econômicos, sociais, vivências particulares, símbolos e representações em imagens de constante movimento, como em um caleidoscópio.

Olhar para a complexidade das relações de gênero é querer, mais do que ver suas formas aparentes, entender sua dinâmica, a forma como produzem e reprodu-zem desigualdades para poder superá-las. Um dos aspectos a se considerar é o processo de socialização de gênero desenvolvendo habilidades e capacidades dife-rentes nos homens e nas mulheres. Quando resgatamos, em uma linha da vida, o desenvolvimento de meninos e meninas, percebemos que, na área rural, eles estão juntos, sem grandes diferenças até por volta dos 5 anos. Depois, as meninas come-çam a seguir as mães, aprendendo com elas o trabalho doméstico e contribuindo para a realização deste. Os meninos passam a seguir o pai, a aprender com ele e a brincar entre meninos nas horas de lazer que geralmente são maiores que as das meninas. Os rapazes também saem mais, vão mais longe, enquanto as moças ficam mais com a família, não só pelo trabalho, mas pelo medo dos pais de que elas “cai-am na vida”.

Quando se tornam adultos, se ocupam das tarefas consideradas do sexo o-posto, sentem dificuldades pessoais e sofrem reprovações sociais de parentes e a-migos. Se a mulher está de resguardo e o casal não tem filhas com idade suficiente para fazer o serviço da casa, o homem o faz. E, sempre que necessário, as mulhe-

Page 40: CADERNO DE TEXTOS - contag.org.br · III MÓDULO DO CURSO REGIONAL CENTRO OESTE ... cípios e objetivos do processo for-mativo. Rememorar aspectos relevantes do processo formativo

Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura - CONTAG

40

res fazem o serviço considerado dos homens. Algumas temem a igualdade derivada do fato de assumirem “oficialmente” a responsabilidade pelo serviço que muitas ve-zes já fazem: “Se eu aprender o serviço dele, ele não vai fazer nem isso”. Ademais, os homens resistem ao novos aprendizados das mulheres: “Se você souber dirigir, não vai parar mais aqui”, e elas se sentem pressionadas por uma grande exigência interna e externa de não poderem errar. Na maioria das vezes, o que acontece é que as aprendizagens de homens e mulheres no “campo oposto” só servem para complementar o serviço do/a outro/a ou para cobrir uma ausência, e não para redivi-dir as tarefas de forma mais permanente, e muito menos o poder e o reconhecimen-to social que as recobre.

Os estudos sobre a agricultura familiar que utilizam o conceito de gênero co-mo instrumentos de análise ainda são recentes. Destaca-se o de Ellen Woortmann (1995) sobre as relações de parentesco entre colonos de origem alemã do Sul do Brasil e entre sitiantes do Nordeste. A hierarquia de gêneros é aí detectada não só na produção agrícola, mas na sexualidade, na posição na comunidade (na “oposição simbólica mulheres à esquerda, homens à direita, no interior da igreja”) e na família. Entre os colonos alemães do Sul, por exemplo, os nomes masculinos expressam relações de compadrio e parentesco, e o fazer parte de uma família. Os nomes das mulheres são “nomes fantasia”, pois elas serão reconhecidas em relação com o no-me do pai e, depois, com o do marido.

Para Ellen Woortmann, a reprodução camponesa depende de sua capacidade de resistência e adaptação, o que, para ela, se baseia, nos dois casos estudados, “no valor atribuído à família e ao trabalho familiar, e na lealdade à tradição, mas, ao mesmo tempo, na dinâmica conservadora de sua organização social”. Entre os colonos alemães do Sul, a insatisfação da mulher com respeito a esse mo-delo tem como resposta a migração para a cidade, onde ela terá “ao menos seu sa-lário”. Uma leitura possível é, então, a de que a hierarquia entre os gêneros constitui de tal forma o modelo de existência da agricultura familiar que seu questionamento, por parte das mulheres, comprometeria a sua própria reprodução enquanto agricul-toras.

Outro estudo, de Maria José Carneiro (1996), analisa as unidades de produ-ção agrícola familiar da França atual, que combinam o trabalho na terra com o assa-lariamento em fábricas da região. Esse fenômeno é conhecido como pluriatividade. Apesar de já ser comum no Brasil há muitos anos (exemplificado pelos migrantes que trabalham na cidade e mandam dinheiro para a família no campo), vem cha-mando a atenção como uma característica que se projeta no futuro da agricultura familiar. Na França, o homem sai para trabalhar e a mulher passa a ter o status de chefe do estabelecimento, para continuar recebendo o incentivo oficial dirigido aos trabalhadores exclusivamente agrícolas. As mulheres fazem todo o trabalho, inclusi-ve o manejo das máquinas, mas se vêem como se fossem um “prolongamento dos braços de seus maridos”. Na prática, as esposas de agricultores não tomam jamais o lugar de seus maridos na hierarquia familiar, mesmo que elas os substituam no trabalho e obtenham um estatuto legal junto às entidades que regulamentam a pro-fissão de agricultor. Da mesma maneira, elas não ocupam posições de poder nos organismos deliberativos voltados para a agricultura.

A autora conclui, por isso, que o papel da mulher na produção não seria o de-terminante para a redefinição da sua posição na família ou na sociedade, mas sim a ideologia que cimenta as relações de hierarquia entre os gêneros.

Page 41: CADERNO DE TEXTOS - contag.org.br · III MÓDULO DO CURSO REGIONAL CENTRO OESTE ... cípios e objetivos do processo for-mativo. Rememorar aspectos relevantes do processo formativo

Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura - CONTAG

41

As análises de Ellen Woortmann e de Maria José Carneiro têm em comum o fato de buscarem ir além de uma interpretação exclusivamente econômica da desi-gualdade entre os gêneros. Mas a impressão que fica é a de que a cultura, a tradi-ção e a ideologia são entidades autônomas, não estando profundamente imbricadas na produção material da vida e dificilmente sendo mudadas. Essas análises nos fa-zem refletir sobre as questões estratégicas envolvidas no fortalecimento das mulhe-res enquanto agricultoras. O fundamental é ter sempre presente as mulheres como sujeitos que, por sua ação política, definem quais questões adquirem formas estra-tégicas para mudar as relações de gênero.

AS TRANSFORMAÇÕES EM CURSO

Os movimentos de mulheres trabalhadoras rurais, nas suas mais diferentes vertentes (autônomos, ligados ao movimento sindical, a associações de pequenos produtores etc.), vêm construindo a identidade política das agricultoras no seu reco-nhecimento público. Eles obtêm a cidadania destas por seu acesso à documentação profissional e por seu auto-reconhecimento enquanto trabalhadora e pela aceitação, pelos agentes públicos, da profissão de agricultora na declaração para o Censo, na certidão de casamento, na emissão da nota conjunta do produtor e no gozo dos di-reitos previdenciários (auxílio maternidade e aposentadoria). Apesar de todos esses avanços, muitos funcionários do INSS ou de cartórios ainda resistem, na prática, a reconhecer as mulheres enquanto agricultoras, sem contar os gerentes de banco. Por isso, uma vitória importante do Grito da Terra de 1998 foi a criação de linhas especiais de crédito para mulheres no Procera (Programa de Crédito Especial para a Reforma Agrária).

A visibilidade e a valorização do trabalho das mulheres, porém, são mais res-tritos na sua relação com a família. A maioria das agricultoras não decide sobre o dinheiro que é fruto de seu suor ou sobre os investimentos que poderiam melhorar suas condições de trabalho. Por exemplo, nas regiões onde são responsáveis por tirar leite, é comum as mulheres terem de cuidar de duas a três vacas, que, soma-das, atingem a produção de uma mais produtiva, ou ter de cortar o capim e trazer para os animais, porque não podem decidir sobre um pequeno pedaço de terra para fazer um piquete.

As propostas para enfrentar essa questão ainda são poucas. Geralmente res-tringem-se à de que o marido pague um salário à esposa ou divida a terra em lotes individuais a serem explorados em separado pelos membros da família. Essas pro-postas contrariam a lógica tradicional da agricultura camponesa, de utilizar de forma combinada seu principal recurso disponível, que é à força de trabalho de todos os seus integrantes para garantir sua sobrevivência e reprodução.

Outra questão é a da herança da terra. Mesmo quando nos dirigimos direta-mente aos jovens, ela permanece um tabu. A divisão igualitária de tão pouca terra e instrumentos de trabalho pode significar que nenhum dos filhos e filhas tenha como continuar sua vida na condição de agricultores. Mas, se permanecerem as regras tradicionais, as mulheres continuarão a ser excluídas — destinadas ao convento, a receber uma máquina de costura e uma vaca para viver com a família do marido ou à migração para a cidade em busca de um emprego. A opção por essa última alter-nativa tem aumentado cada vez mais, e começa a chamar a atenção da sociedade (Veja, 05-08-98). A saída das mulheres do campo pode não se explicar somente por uma maior oferta de empregos para mulheres na cidade ou por sua maior escolari-

Page 42: CADERNO DE TEXTOS - contag.org.br · III MÓDULO DO CURSO REGIONAL CENTRO OESTE ... cípios e objetivos do processo for-mativo. Rememorar aspectos relevantes do processo formativo

Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura - CONTAG

42

dade, mas por uma negação da condição de vida da mãe de família, esposa de agri-cultor.

Para o delicado problema da herança, a novidade foi trazida pelo Movimento dos Sem-Terra, que abriu, pela luta política, a possibilidade de acesso a terra e à condição de agricultor para os filhos, infelizmente não na mesma proporção para as filhas. A luta política cria identidades de classe — os sem-terra — e de gênero. Es-sas identidades parecem algumas vezes contraditórias, mas a própria luta cria for-mas de mediação entre tais interesses, produzindo mesmo novas representações sociais. Por exemplo, a pesquisa “Mulheres na Produção do Leite” (Deser-CEMTR/PR, 1996) registrou que os homens que tiram leite, tarefa considerada femi-nina naquela região do país, eram identificados como “do PT”. Isso significa que maneiras diferentes de viver em família e organizar o trabalho dentro dela, pelo me-nos na idéia, se associam rapidamente com uma maneira diferente de ver o mundo e querer transformá-lo. Os movimentos sociais podem, portanto, em interação com outras forças, construir na sua ação política respostas para dilemas que ainda não estão conscientemente colocados.

Cabem, ainda, algumas reflexões na tentativa de uma formulação mais pró-xima da realidade das agricultoras familiares. Para Delma Pessanha (1997), a so-breposição do que move a unidade de produção nos interesses da unidade familiar, e de cada um de seus membros, é simplista e tende a subordinar o segundo ao pri-meiro por uma determinação econômica. Esse olhar nos faz entender novas realida-des, como, por exemplo, o manejo de pequenas unidades de produção de cana no interior de São Paulo ou do Rio de Janeiro, feito por especialistas com o acompa-nhamento de apenas um membro da família proprietária, que pode bem ser uma mulher viúva ou solteira. Mesmo que a família, como uma reunião de sujeitos, e a unidade econômica de pro-dução possa ter movimentos próprios, estes se relacionam e, para fortalecer a auto-nomia das mulheres, é preciso considerar a maneira como elas se inserem em cada uma dessas dimensões.

Nas oficinas que realizamos, conhecemos Rosa, uma mulher solteira que administra a propriedade de sua família, onde ainda vivem sua mãe viúva e seu ir-mão mais novo. Desde criança, ela preferia ir para a roça a dividir o trabalho ao re-dor da casa com suas irmãs. Perto do pai, aproveitava para observar e aprender sua forma de agir, de organizar o trabalho, de decidir os negócios. Já adulta, era sempre ela que o agrônomo da ONG local procurava para falar das novidades tecnológicas, pensarem propostas para a exploração agrícola de sua família. Foi assim que Rosa montou a criação e o abatedouro de frangos que garante uma renda pequena, mas estável, para o sustento de todos. Na região, um antigo e atuante movimento de mu-lheres cria o ambiente favorável para que ela não seja a exceção que justifica a re-gra. Sempre pensando novas formas de produzir, sustentáveis dos pontos de vista financeiros e ecológicos, para sua roça e para a comunidade, Rosa tornou-se presi-dente da associação de pequenos produtores local. A trajetória pessoal e organiza-da no movimento de mulheres e nas iniciativas alternativas de produção se combina na história dessa mulher, que construiu para si um destino diferente do de muitas de suas amigas e contemporâneas. Para que outras rosas, margaridas, açucenas flo-resçam, ainda é preciso que a desigualdade entre os gêneros na sociedade, inclusi-ve na agricultura familiar, não lhes tire o viço.

Page 43: CADERNO DE TEXTOS - contag.org.br · III MÓDULO DO CURSO REGIONAL CENTRO OESTE ... cípios e objetivos do processo for-mativo. Rememorar aspectos relevantes do processo formativo

Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura - CONTAG

43

Referências bibliográficas

CARNEIRO, Maria José. “Esposa de agricultor na França”, Revista Estudos Femi-nistas, vol. 4, n. 2, Rio de Janeiro: IFCS/UFRJ, 1996.

CHAYANOV, Alexander V. La organización de la unidad económica campesina. Buenos Aires: Nueva Visión, 1985.

DESER e CEMTR/PR. Gênero e agricultura familiar; cotidiano de vida e trabalho na produção de leite. Paraná, 1996.

HEREDIA, Beatriz M. A. de; GARCIA, Marie France e GARCIA Jr., A. R. O lugar da mulher em unidades domésticas camponesas. In: . Mulheres na força de tra-balho na América Latina. Petrópolis: Vozes, 1984.

MARTINEZ-ALIER, Verena. “As mulheres do caminhão de turma”, Debate e Crítica, n. 5, São Paulo, março, 1995.

MORAES, Maria Aparecida. A migração das mulheres do Vale do Jequitinhonha para São Paulo: de camponesas a proletárias. Araraquara, 1987 (mímeo).

MOURA, Margarida M. Os herdeiros da terra. São Paulo: Hucitec, 1978. “Nordestinas migram mais do que os homens”, Veja n. 1558, São Paulo, 05-08-98. PAULILO, Maria Ignez. “O peso do trabalho leve”, Ciência Hoje, vol. 5, n. 28, jan.-fev.

1987. PESSANHA NEVES, Delma. “Agricultura familiar e mercado de trabalho”, Estudos So-ciedade e Agricultura, n. 8, Rio de Janeiro: CPDA/UFRRJ, abril, 1997.

SUÁREZ, Mireya e LIBARDONI, Marlene. Mulheres e desenvolvimento agrícola no Brasil: uma perspectiva de gênero. Brasília: IICA, 1992.

TEIXEIRA, Zuleide A. (coord.). “Perspectiva de gênero na produção rural; estudos de política agrícola”. Documentos de Trabalho, n. 22, Ipea, Brasília, 1994.

WOORTMANN, Ellen F. Herdeiros, parentes e compadres. São Paulo/Brasília: Huci-tec/EdUnb, 1995.

Page 44: CADERNO DE TEXTOS - contag.org.br · III MÓDULO DO CURSO REGIONAL CENTRO OESTE ... cípios e objetivos do processo for-mativo. Rememorar aspectos relevantes do processo formativo

Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura - CONTAG

44

DESENVOLVIMENTO RURAL NA REGIÃO CENTRO OESTE7

Os processo de ocupação regional

Dois fatores são fundamentais no processo de ocupação regional do Centro-Oeste - a construção de Brasília e a instalação, ali, do Distrito Federal (antes disso, em 1933 a construção de Goiânia havia desempenhado papel semelhante) e, princi-palmente. a "abertura de fronteiras agrícolas"

Foi no período pós-64 que se deu a etapa de maior ênfase na expansão da fronteira agrícola da região. Os incentivos governamentais (especialmente os subsí-dios agrícolas), o investimento na criação de redes de transporte e armazenagem, o baixo custo das terras (em relação a regiões como o Sul e o Sudeste) e a introdução de culturas adaptáveis aos Cerrados, contribuíram decisivamente para o desenvol-vimento desta proposta que, além de promover a ocupação desta região, visava ain-da amortecer as tensões sociais crescentes no meio rural, incentivando o desloca-mento de correntes migratórias.

Os Censos Demográficos de 60, 70, 80 e 91, e as PNADs demonstram o es-pantoso crescimento da população do Centro Oeste em conseqüência dos progra-mas governamentais. Segundo estes dados, ocorreu um aumento populacional na ordem de 250% entre 1960 e 1995 na Região.

Em conseqüência destes investimentos deu-se a grande ocupação do Estado de Mato Grosso na década de 70, especialmente através de assentamentos dirigi-dos de colonização. Até maio de 1995 se contabilizavam 94 projetos de assenta-mentos, dos quais 70 foram executados pelo Governo Federal, 18 pelo Governo Es-tadual e 6 pelos Municípios. Estes projetos acabaram se transformando posterior-mente em núcleos urbanos com funções típicas de serviços a atividades agropecuá-rias regional.

Na década de 90 percebe-se uma diminuição no ritmo do crescimento popu-lacional. As migrações são quase que exclusivamente sazonais (trabalhadores do Sudeste e do Nordeste que vêm para as colheitas da cana-de-açúcar e atividades das carvoarias). O estado que recebeu maior fluxo migratório, entre as décadas de 80 e 90, foi Mato Grosso. Sua população quase que dobrou em 10 anos.

A retirada dos subsídios agrícolas governamentais provocou um decréscimo significativo da migração no país nos últimos anos, no entanto o Centro Oeste man-tém-se como um polo de atração. Atualmente, a Região possui o índice mais alto de população migrante do país. O número de pessoas residentes que não são originá-rias do Estado em que vivem chega a mais de 36%. As demais regiões possuem entre 12,5% (Região Sul) e 18,8% (Região Sudoeste) de sua população proveniente de outros Estados. Estes dados demonstram que a região Centro Oeste tem se constituído em polo de atração de pessoas que buscam melhores oportunidades de vida.

7 Projeto CUT e CONTAG de Pesquisa e Formação Sindical (1996-98). Desenvolvimento e Sindicalismo Rural

no Brasil.

Page 45: CADERNO DE TEXTOS - contag.org.br · III MÓDULO DO CURSO REGIONAL CENTRO OESTE ... cípios e objetivos do processo for-mativo. Rememorar aspectos relevantes do processo formativo

Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura - CONTAG

45

Características da população

Quanto à distribuição populacional por sexo e local de moradia, é possível perceber que há uma nítida maioria de mulheres na população urbana. Isto indica que também na região Centro-Oeste pode estar ocorrendo um processo de "mascu-linização" do meio rural, semelhante a outras regiões.

Outro dado importante, é o contínuo movimento migratório das populações ru-rais para as áreas urbanas. Podemos ver que em apenas três anos (93-95) houve um fluxo migratório rural-urbano de aproximadamente 330 mil pessoas. As proje-ções feitas pelos órgãos públicos, para os anos de 1995 a 2000, mantém a tendên-cia destes deslocamentos. Para uma população total que cresceu em torno de 400 mil pessoas, este fluxo é extremamente alto. Quanto a composição da população por faixa etária, a região Centro-Oeste tem uma composição próxima ao padrão nacional. Há, porém, pequenas variações que mos-tram, por exemplo, que a população desta região é mais jovem que a média do Bra-sil. Provavelmente porque a constituição desta população e a ocupação dos espaços são recentes. O processo migratório é praticado por pessoas de faixa etária média jovem.

Os homens são a maior parcela da PEA, representando 62% do total existen-te em 1995. Já a situação das mulheres é inversa. Elas participam da PEA com 38% do total e representam 70,9% do total da população não ativa, no mesmo ano.

Apesar do índice de urbanização no CentroOeste ser alto, o trabalho agrícola absorve 25,5% da PEA. Ou seja, muitos moradores das cidades desenvolvem ativi-dades agrícolas, o que pode ser explicado pelo fato de que o número de assalaria-dos é significativo, puxando para cima o índice de residentes nas cidades e traba-lhadores do campo e muitos agricultores de economia familiar mudam para as cida-des, mas mantém suas atividades rurais.

Características da mão-de-obra regional

Especificamente quanto ao deslocamento de mão-de-obra assalariada, as in-formações obtidas atráves de pesquisa Contag/PNUD/MTb indicam, no caso do Ma-to Grosso do Sul, a existência de trinta e três fluxo de trabalhadores, sendo doze de origem (a pessoa entrevistada está localizada no ponto de saída) e vinte e um de destino (a pessoa está no local de chegada dos trabalhadores). Envolvem um con-tingente de aproximadamente 54.500 trabalhadoras e trabalhadores.

No Caso do Mato Grosso e de Goiás não se chegou a números de trabalha-dores na condições de "migrante estrutural". A pesquisa indica que a origem destas populações é sempre a mesma: Vale do Jequetinhonha-MG, todos os estados do Nordeste e desempregados do interior de São Paulo e Paraná. Eles trabalham nas lavouras de laranja, algodão, café, cana-de-açúcar e ainda nas derrubadas de matas e nas carvoarias.

Nos três estados da região há indícios de trabalho escravo, utilização do tra-balho infantil e descumprimento da legislação trabalhista. Dos 43 fluxos de desloca-mento de mão-de-obra apenas 8 afirmaram que "sempre" há algum tipo de contrato de trabalho, 11 "nunca" e 22 "eventualmente". Segundo dados do IBGE, 17,8% das crianças de 10 a 14 anos já trabalham nas

Page 46: CADERNO DE TEXTOS - contag.org.br · III MÓDULO DO CURSO REGIONAL CENTRO OESTE ... cípios e objetivos do processo for-mativo. Rememorar aspectos relevantes do processo formativo

Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura - CONTAG

46

lavouras do Centro Oeste. Este índice chega a 22,2% em Goiás e 21,1 % no Mato Grosso. As culturas do tomate, algodão, alho e cebola têm a maior in-cidência de trabalho infantil em Goiás. Segundo o levantamento da CONTAG, existem pelo menos duas mil crianças trabalhando nos fornos de carvão na re-gião do Maciço Florestal (MS), sendo que a maioria trabalha no município de Ribas do Rio Pardo.

Porém, pode-se afirmar que houve mudanças substanciais nas atividades empregadoras de mãode-obra. Por exemplo, as lavouras de café, que em 1990 de-mandavam 55,6 mil trabalhadores, em 1996 atingia apenas 12,1 mil. Com a redução das áreas plantadas, houve uma brutal diminuição do volume de emprego nesta cul-tura. As outras grandes oscilações ficam por conta da cultura da soja que, em 1990 demandava 59, 1 mil servidores, em 96 baixou para 57,1 mil. Também o feijão cor-tou emprego agrícola. Como a área diminuiu de 319 mil hectares para 138, a de-manda por emprego baixou de 23,1 mil para 10 mil.

O que se pode perceber é a diminuição de áreas destinadas às lavouras em toda a região do Centro-Oeste brasileiro. Em apenas cinco safras agrícolas (90/96), aproximadamente 200 mil hectares de terras deixaram de ser plantados. Em algu-mas culturas, dois aspectos favoreceram a diminuição de áreas e de trabalhadores. No caso das lavouras de cana-de-açúcar, por exemplo, a produtividade de sacarose e de tonelagem por hectare aumentaram, bem como a produtividade do trabalho no corte da cana queimada também elevou-se e com isso muitos postos de trabalho foram fechados.

O desemprego é a principal conseqüência de todo este processo de tecnifica-ção e modernização agrícola. De acordo com o PNUD/IPEA, a Região Centro Oeste tinha 28% de sua força de trabalho no campo em 1983. Este percentual caiu para apenas 23% em 1990. Certamente, após este período, os efeitos do desemprego estrutural baixaram ainda mais o índice de mão-de-obra ocupada na agricultura.

Apesar do crescimento dos níveis de desemprego, a região continua atraindo mão-de-obra volante de outros estados do país. O vai-e-vem da sobrevivência não se dá pelas levas migratórias como nas décadas anteriores, mas pelo deslocamento temporário de mão-de-obra assalariada rural. De acordo com o estudo realizado pe-la CONTAG, só Mato Grosso recebe anualmente mais de 6 mil trabalhadores para trabalho sazonal. O Mato Grosso do Sul recebe mais de 40.mil. Estes contingentes são deslocados de longas distâncias (Minas Gerais e Estados do Nordeste como Bahia, Alagoas) ou de Estados vizinhos (deslocamentos dentro da própria região e outros Estados próximos).

Índice de qualidade de vida da população

Apesar de ser uma região rica, exportadora de grãos, carne e minérios, o Centro Oeste se caracteriza por índices baixos de qualidade de vida de sua popula-ção. Os índices mais elevados de analfabetos entre a população rural demonstram que a distribuição dos benefícios da "modernização" não chegou no campo.

Os dados sobre o nível de emprego e os rendimentos mensais da população também mostram a precariedade das condições de vida no Centro Oeste. Quase 20% da PEA ganha até um salário mínimo e quase 15% da população ganha entre um e dois salários mínimos.

Page 47: CADERNO DE TEXTOS - contag.org.br · III MÓDULO DO CURSO REGIONAL CENTRO OESTE ... cípios e objetivos do processo for-mativo. Rememorar aspectos relevantes do processo formativo

Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura - CONTAG

47

O Relatório sobre o Índice de Desenvolvimento Humano (lDH) que classi-ficou o Brasil como o país com o maior índice de concentração de renda do pla-neta, demonstrou também que as desigualdades na distribuição da renda são maiores no Centro Oeste.

Os Estados de Mato Grosso e Goiás foram classificados como "Estados com qualidade de vida mediana". Estes dois estados ficaram em 12° e 13° lugares em relação aos demais estados da federação. O Mato Grosso do Sul foi classificado como "estado com melhor qualidade de vida", em 7° lugar na colocação nacional. A região tem 2,4 milhões de pessoas vivendo abaixo do nível de pobreza, ou seja, 24,8% da população da região. No Brasil são 41,9 milhões de pessoas, ou seja, 30,2% da população do país vive em níveis abaixo da linha de pobreza (não ganham o suficiente para viver).

Infra-Estrutura

O principal fator de integração do Mato Grosso do Sul são as rodovias, que estão estruturadas em dois grandes eixos: a BR 262, transversal, cruzando o estado de Corumbá (fronteira com a Bolívia) a Três Lagoas (divisa com São Paulo), e a BR 163, que liga a capital do Mato Grosso do Sul (Campo Grande) aos estados de Mato Grosso e Paraná. A rede ferroviária conta com 1.200 Km de extensão e as hidrovias são constituídas pelos rios Paraná e Paraguai.

Os principais corredores envolvidos com a movimentação dos granéis agríco-las são: Corredor Cuiabá-Santarém; Araguaia- Tocantins; Fronteira Noroeste e Cor-redor do Cerrado.

O Estado do Mato Grosso não tem malha ferroviária, porém desde 1994 vem sendo planejada pela FERRONORTE, com a concepção global de integração à rede nacional através do sistema intermodal. Segundo esta concepção, Cuiabá se in-tegrará aos Portos de Santos, Vitória, Paranaguá, Porto Velho e portos do Pacífico via futuro corredor ferroviário Cáceres-Santa Cruz-Arica. A interligação também o-correrá com as malhas ferroviárias do triângulo mineiro e São Paulo. Em outra dire-ção, Cuiabá ligará dois corredores de exportação: Cuiabá-Porto Velho (exportação Rio Madeira) e Cuiabá-Santarém (Rio Amazonas).

Em Goiás, está concentrado o maior número de armazéns e de estradas pa-vimentadas, ligandoo ao Sudeste, Norte e Nordeste do Brasil, além de contar com um sistema de hidrovia operando deste o início da década de 90.

A Energia elétrica de MS é produzida quase que totalmente fora do Estado. 92,7% dela vem da Eletrosul (92,3%), CESP-SP com 6,3% e CAIUÁ, CELG-GO e CEMAT-MT com, 1,3%. Usina Mimoso produz 95,9% da energia própria do Estado.

Estrutura fundiária

As "frentes de expansão agrícola" provocaram um aumento significativo da produção e produtividade das lavouras regionais. Houve um processo de moderni-zação da agricultura através da tecnificação, mecanização e uso de insumos agrí-colas industrializados. Apesar desta "modernização" ter atraído grandes contingen-tes populacionais, houve uma ampliação da concentração da propriedade da terra no Centro Oeste.

Page 48: CADERNO DE TEXTOS - contag.org.br · III MÓDULO DO CURSO REGIONAL CENTRO OESTE ... cípios e objetivos do processo for-mativo. Rememorar aspectos relevantes do processo formativo

Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura - CONTAG

48

De acordo com dados do IBGE, as propriedades com áreas menores ou i-guais a 500 hectares representam 88,2% dos estabelecimentos rurais regionais. No entanto, estes ocupam apenas 18% da área total. Por outro lado, os estabelecimen-tos com áreas acima de mil hectares representam apenas 5% mas ocupam 72% da área total.

Há uma grande semelhança entre Mato Grosso e Mato Grosso do Sul no que diz respeito à distribuição das áreas entre 1.000 a 10.000 ha. Outra semelhança fica constatada nas menores áreas. Nos três estados, os proprietários de áreas de O a 10 ha não controlam 1% do total das terras, porém representam uma média de 30% no número de estabelecimentos.

No caso do Mato Grosso a concentração da propriedade indica patamares assustadores. 46% do total das terras estão concentradas nas áreas com tamanho acima de 10.000 ha e para melhor entender a gravidade do problema, esta área é controlada por apenas 645 estabelecimentos, que representam 0,8% do total.

Goiás tem uma perfomance um pouco diferente dos outros Estados. Os esta-belecimentos de 100 a 1.000 ha representam 31,4% do total e 42,2% da área. No Mato Grosso e Mato Grosso do Sul, estes índices não ultrapassam a casa dos 30% e 20% respectivamente. Em Goiás a distribuição de terras se deu com maior inten-sidade. O mesmo movimento percebe-se nos grupos de áreas de 10 a 100 ha.

A concentração da propriedade da terra é agravada pela improdutividade de muitos latifúndios. De acordo com dados do INCRA, há 35.083 latifúndios improdu-tivos no Brasil. Estes latifúndios (com áreas superiores a mil hectares) abrangem uma extensão de 153 milhões de hectares. Isto significa que 1% dos imóveis ca-dastrados no INCRA são latifúndios improdutivos e abrangem mais de 43% da área total dos imóveis cadastrados, ou 18% do território nacional. Só a Região Centro Oeste abriga 15.567 destes imóveis (quase 45% dos latifúndios improdutivos do país), totalizando uma área de 71 milhões de hectares (46% da área dos imóveis considerados improdutivos). A região abriga, portanto, o maior número de latifún-dios improdutivos do país.

Além da situação particular de latifúndios improdutivos, a utilização das terras indica, em 1985, que a maioria absoluta das áreas eram utilizadas para a criação de gado. Se compararmos o número de estabelecimentos que declararam atividades pecuária e agrícolas, veremos que a diferença não é tão grande, 140 para 112 mil, porém a utilização em área é muito diferente, 77,2 milhões para 17,7 milhões de hectares.

A reforma agrária no contexto fundiário do centro-oeste

Segundo os dados oficiais, durante os últimos 15 anos tivemos na região, o assentamento de 28 mil famílias de trabalhadores sem terra, em quase duzentos projetos de assentamento. Para sua realização, foram desapropriados 2,3 milhões de hectares. Guardando as diferenças de cada estado da região, os assentados ob-tiveram uma área média de 83 hectares por família.

Se comparados à estrutura fundiária apresentada no Censo Agropecuário de 1985, todos os projetos regionais de Reforma Agrária atingiram 2,35% do total das áreas disponíveis para agropecuária. No que se refere ao número de estabeleci-mentos houve um acréscimo na ordem de 25% dos declarados na classe 10 a 100 ha. Continua-se num processo de parcelamento de terra, mas sem mudar as estru-

Page 49: CADERNO DE TEXTOS - contag.org.br · III MÓDULO DO CURSO REGIONAL CENTRO OESTE ... cípios e objetivos do processo for-mativo. Rememorar aspectos relevantes do processo formativo

Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura - CONTAG

49

turas existentes.

No caso do Mato Grosso, além dos projetos de assentamentos do Incra e do governo estadual, abriu-se espaços para a realização de colonizações privadas e oficiais. A Agricultura

A partir da década de 70, os novos fluxos de migração oriundos das Regiões Sul e Sudeste formaram uma categoria de produtores familiares e não-familiares no Centro Oeste. Estes foram apoiados por políticas governamentais de infra-estrutura e de colonização, das quais o POLOCENTRO e o PRODECER (Projeto de Desen-volvimento do Cerrado, conhecido inicialmente como Projeto JICA) são as mais im-portantes.

Essas "frentes de agricultura comercial" ocorreram graças aos incentivos go-vernamentais e ao desenvolvimento de culturas em escala nos Cerrados. Os órgãos oficiais de pesquisa adaptaram variedades de grãos, plantas perenes e pastagens tolerantes à toxidez do alumínio dos Cerrados. Desenvolveram também técnicas de correção da fertilidade do solo das chapadas, com métodos de correção, adubação e manutenção das propriedades físicas do solo. Além disto, a possibilidade de pro-dução em escala foi motivada pela maior facilidade de acesso à terra, devido aos preços mais baixos em relação às terras do Sul. Estas vantagens motivaram tam-bém as "frentes especulativas". Estas, porém, visavam apenas os benefícios gera-dos pelos incentivos fiscais dos programas governamentais e seus reflexos ainda estão muito presentes na Região, como se verá mais adiante:

O cultivo da soja, até então com problemas de adaptação em áreas de baixa latitude, foi o carrochefe da implantação do atual modelo agrícola na Região. Como uma cultura totalmente mecanizável, desde o preparo do solo à colheita, ela se a-daptou ao cultivo em grande escala nos chapadões, compensando os altos reque-rimentos de insumos quím icos. O seu cultivo, portanto, consolidou as frentes de agricultura comercial e marginalizou a maioria dos agricultores familiares da "mo-dernização agrícola" no Centro Oeste.

As "frentes de subsistência" formaram a categoria de agricultores familiares do Centro Oeste, com suas práticas de cultivo baseadas no trabalho familiar e na exploração da fertilidade natural do solo. Este ciclo de fertilidade foi se encurtando à medida que as terras mais férteis foram se esgotando e as distâncias dos mercados iam aumentando. Os agricultores se dirigiam às frentes em movimento contínuo de posseiros, arrendatários e pequenos proprietários para a prática da agricultura inti-nerante ou "do toco", que se transformavam posteriormente em áreas de cultivo contínuo ou pastagens para os proprietários. A prática se iniciava com a derrubada das matas ou da vegetação, que em muitos casos eram transformados em carvão, que supriam as grandes usinas siderúrgicas em Minas Gerais. Depois da derrubada e queimada da vegetação nativa, cultivava-se milho, feijão, arroz e mandioca. A produção de arroz, considerada cultura desbravadora de áreas, passou a ser uma fonte de abastecimento importante até a década de 80, declinando nos anos mais recentes.

O processo de expulsão e marginalização dos agricultores familiares aconte-ceu dentro deste processo pois as terras desmatadas e manejadas produtivamente incorporaram trabalho e passaram a ter valor de troca. Foram então sistematicamen-te reapropriadas pelos seus proprietários para o plantio de pastagens e cultivo de grãos ou usadas para fins especulativos. Este processo de marginalização dos agri-

Page 50: CADERNO DE TEXTOS - contag.org.br · III MÓDULO DO CURSO REGIONAL CENTRO OESTE ... cípios e objetivos do processo for-mativo. Rememorar aspectos relevantes do processo formativo

Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura - CONTAG

50

cultores familiares e incentivos governamentais à agricultura em escala provocou a concentração da propriedade da terra e gerou muitos conflitos sociais, envolvendo posseiros e arrendatários de um lado e os fazendeiros e grileiros de outro.

Assim, os projetos governamentais e o desenvolvimento do atual modelo não abriram espaço de reprodução para os agricultores familiares na região que, pobres de recursos, foram obrigados a refugiarem-se em espaços cada vez mais precários em termos de recursos naturais (solos frágeis, pouco férteis e distantes dos centros urbanos consumidores).

Segundo dados do Censo Agropecuário, as áreas ocupadas nos Cerrados cresceram rapidamente de 1970 em diante, passando de 20,3 milhões de hectares para 50,7 milhões de hectares em 1985. Com o processo de intensificação, as á-reas de lavoura cresceram neste mesmo período de 4,1 para 9,5 milhões de hecta-res, e as áreas de pastagens cultivadas passaram ,de 8,7 para 30,9 milhões de hec-tares.

Pode-se perceber que a cultura da soja manteve-se como a que mais utilizou áreas agricultáveis na região. O estado do Mato Grosso teve uma grande oscilação em área plantada. Na safra de 1989 atingiu 1,7 milhões de hectares em 1991 baixou para 1.1 milhões, e em 1994 saltou para 2,02 milhões de hectares, e ainda é onde encontramos a melhor produtividade. Este Estado atingiu 2.629 Kg/ha, frente aos 2.080 Kh/ha de Goiás e de 2.171 Kg/ha de Mato Grosso do Sul.

A produção de milho da região Centro-Oeste, acompanhou a evolução das áreas com soja. Teve um grande crescimento em área plantada a partir da década de 70, com a migração sulista e com a abertura do mercado nordestino ao produto. O Centro-Oeste foi, até a metade da década de 90 o maior fornecedor do produto àquela região. Com a consolidação do Mercosul, o principal comprador do milho regional, o estado do Pernambuco, passou a adquiri-lo da Argentina, pois o preço era mais baixo e a qualidade superior.

Para os produtores regionais, uma das saídas encontradas foi a instalação dos grandes complexos de criação de aves e suínos. As empresas Perdigão, Sadia e Seara entre outras de menor porte, têm consumido uma parte substancial do mi-lho produzido na região. Nesta cultura, Goiás é o maior produtor, destacando-se em área plantada com mais de 900 mil hectares, que significa mais que o dobro dos ou-tros Estados, e com produtividade de 3.476 Kg/ha, bem acima também.

As culturas da soja e do milho são as principais demandadoras de empregos agrícolas. Apenas o café, até o início da década de 90 superava o milho. Nem mesmo a cultura da cana-de-açúcar utiliza mão-de-obra como elas. Além disso, a soja e o milho são destaques regionais no que se refere às exportações. Neste caso a soja é a grande vedete. Representa 75.83% dos produtos exportados do Mato Grosso do Sul e 63,31 % das exportações goianas, no ano de 1995. É ainda, uma das culturas que tem passado por um processo de industrialização local, com a montagem de grandes complexos de esmagamento.

Tecnificação e mecanização

As políticas governamentais de ocupação dos espaços "vazios" e de expan-são das áreas para lavouras no Cerrado brasileiro, aliado a topografia plana, acele-raram a utilização de máquinas e insumos na região. Ao mesmo tempo que para a correção do solo, de baixa fertilidade para as culturas da soja, milho e arroz (produ-

Page 51: CADERNO DE TEXTOS - contag.org.br · III MÓDULO DO CURSO REGIONAL CENTRO OESTE ... cípios e objetivos do processo for-mativo. Rememorar aspectos relevantes do processo formativo

Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura - CONTAG

51

zidas em escala empresarial), foi necessário a implantação de uma grande quanti-dade de fertilizantes. Os governos estaduais também contribuíram neste processo de ocupação e expansão agrícola. O Programa Goiás rural, por exemplo, lançado nos anos 70 pelo governo do estado, colocou 500 tratores de esteira e. toda lima infra-estrutura de transporte a serviço dos produtores que decidiram investir na agri-cultura.

A consolidação do modelo de "modernização conservadora" pode ser perce-bido pelo crescimento significativo da mecanização e uso de insumos agrícolas nas lavouras da região.

As regiões Norte, Nordeste e Centro Oeste detinham apenas 19,76% do número de tratores existentes no Brasil em 1980. Apesar deste desequilíbrio entre as regiões, os dados demonstram o avanço da mecanização na região Centro Oes-te, que evoluiu de 2.194 tratores em 1960 para 63.391 em 1980. Este crescimento representa um aumento de 30 vezes em apenas 20 anos. O número aumentou ain-da mais no início dos anos 80, pois só o Estado de Goiás já possuía mais de 33.500 tratores, em atividade, em suas lavouras em 1985.

Além da evolução na utilização de tratores e máquinas, a evolução no uso de fertilizantes comprova o processo de tecnificação da agricultura regional.

A Pecuária

A pecuária é responsável pela ocupação de 77,9% da área agricultável da re-gião Centro-Oeste e gerou pouco mais que 6% de exportações regionais em 1995. Juntamente com o sistema de criação de suínos e aves, a pecuária bovina vem crescendo em quantidade de cabeças e também de abate e industrialização de seus derivados. O Centro-Oeste tem o maior rebanho de bovinos do Brasil. O abate vem crescendo no período 90/95. Goiás e Mato Grosso do Sul aumentaram consideravel-mente o abate. A chegada de muitas empresas (que também atuam no abate de aves) são responsáveis pelo crescimento no setor.

Em apenas quatro anos, 89,5 mil novas vacas passaram a produzir leite no Mato Grosso do Sul, e em Goiás este número cresceu em 295,5 mil. A produtivida-de média vaca/dia é muito baixa. No MS cada animal produz 1,85 litros/cabeça/dia. Esta média foi obtida no ano de 1994. Para o início da década de 90, a média era de 1,87. A produtividade manteve-se a mesma nos últimos quatro anos. Em Goiás a média vaca/dia de leite era ainda mais baixa em 1994, atingindo à casa dos 1,5 litros/vaca. Esta produtividade leiteira fica bem abaixo da média nacional, que che-ga a 2,5 litros/cabeça/dia.

No início dos anos 90, com a liberação das linhas de crédito através dos Fundos Constitucionais, houve um incremento na pecuária leiteira. Este fundo a-tendeu basicamente a agricultura familiar e aos assentados de Reforma Agrária, numa clara investida pública para ampliar o setor leiteiro na região. Os financia-mentos concentraram-se em dois agrupamentos: 1. "Apoio à Política de Reforma Agrária" e 2. "Desenvolvimento rural". Em sua maioria estes financiamentos desti-navamse à compra de vacas leiteiras, melhoramento de pastagens, pequenos e-quipamentos (trituradoras, por exemplo) e reparo em cercas.

No tocante ao trato cultural com os sistemas de criação, percebe-se que este permanece sem muitas alterações. Não há indicativos de que, mesmo com uma a-ção direta de linha de crédito, tenham ocorrido mudanças técnicas e buscas de au-

Page 52: CADERNO DE TEXTOS - contag.org.br · III MÓDULO DO CURSO REGIONAL CENTRO OESTE ... cípios e objetivos do processo for-mativo. Rememorar aspectos relevantes do processo formativo

Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura - CONTAG

52

mento de produtividade. O reforço alimentar (silagens, qualidade das pastagens, rações) não foi colocado como condição necessária à melhoria do sistema produtivo. Segue-se apenas os tratamentos sanitários obrigatórios.

A avicultura de corte vem apresentando importante crescimento nos últimos anos, principalmente devido à instalação de empresas incubadoras e abatedoras de ave:; no estado, aumentando a capacidade de abate de 537 m il cabeças em 1990 para 51 milhões em 1995. Na metade da década de 80 e início da década de 90 instalaram-se no estado do Mato Grosso do Sul, as empresas Frangosul, Swift, Sadia, Fatisul, Armour, Matosul.

Linhas de crédito

Na alocação geral dos recursos provenientes das linhas de crédito destinadas ao setor rural no Centro-Oeste, podem-se destacar alguns aspectos:

• os programas de financiamento agrícola priorizaram a aquisição de máqui-nas pesadas: tratores e colheitadeiras e/ou pequenos implementos;

• o item melhoramento para exportação foi outro contemplado com uma gran-de quantidade de recursos. Os itens que receberam investimentos em melhorias, foram nas áreas de armazenamento e correção do solo, mas ficou evidente que há uma relação direta entre crédito, mecanização e exportação;

• a pecuária de corte é nitidamente privilegiada na obtenção de crédito. Isto pode ser visto também no crescimento do número absoluto do rebanho bovino sul-mato-grossense. Também há um claro avanço nos investimentos e financiamentos da pecuária leiteira. Os dados indicam que entre 1988 e 1993 os créditos tiveram um acréscimo de 3,5 vezes. É necessário averiguar a relação com este fato e a a-provação dos Fundos Constitucionais para áreas em desenvolvimento, na Constitu-inte de 1988. Nos anos subseqüentes houve uma grande procura do FCO por parte de agricultores familiares;

• na relação investimento agrícola x pecuária, verificou-se uma acentuada op-ção para a pecuária. Do total dos investimentos relacionados pela SEPCT, em 1988, a agricultura recebeu cinco vezes mais recursos que a pecuária. Já em 1993 houve uma inversão de rumos, os pecuaristas obtiveram mais que o dobro dos re-cursos para investirem em seus negócios;

• no final da década de 80 ficou clara a priorização para melhorar as condi-ções do comércio exterior do estado. Do total dos financiamentos agrícolas de MS, quase que 50% foram destinados a este item. Em 1993, um terço foi destinado a melhorar as condições da exportação estadual;

• os principais produtos que receberam custeio agrícola foram: soja, milho, ar-roz, algodão, trigo e feijão. Constatamos uma grande redução de atendimento ao crédito no período de 1988 a 1993. Das principais culturas agrícolas, o algodão re-cebeu 2.452 contratos de créditos em 1988, baixou para 1.171 em 1993. O arroz caiu de 1.589 para 780. As maiores baixas foram: Soja de 9.269 para 2.467; e o trigo de 4.758 para 487.

• a pecuária não é receptora de grandes quantidades de crédito para custeio.

Page 53: CADERNO DE TEXTOS - contag.org.br · III MÓDULO DO CURSO REGIONAL CENTRO OESTE ... cípios e objetivos do processo for-mativo. Rememorar aspectos relevantes do processo formativo

Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura - CONTAG

53

Fundos Constitucionais do Centro-Oeste - FCO

No ano de 1994, foram alocados recursos para aplicação nos seguintes pro-gramas: Programa de Desenvolvimento Rural, Programa de Desenvolvimento In-dustrial, Programa de Infra-estrutura Econômica, Programa de Desenvolvimento do Turismo Regional e Programa de Apoio à Política de Reforma Agrária.

Foram transferidos, no ano de 1994, para crédito do FCO, o total de R$ 491.318.400,00. Deste volume de recursos, foram realizadas um total de 12.824 operações. As operações com Desenvolvimento Rural e Apoio à Política de Refor-ma Agrária consumiram 98,4% do volume total de recursos. Pequenos e miniprodu-tores rurais foram contemplados com 12.712 operações.

Segundo informações obtidas, o FCO destinou-se basicamente a financiar a transição do agricultor que desenvolvia atividades de subsistência (lavouras de ar-roz, milho, mandioca, pequenos pomares), para a pecuária leiteira. A esmagadora maioria das operações foram realizadas nesta direção.

Programa Nacional de Valorização da Agricultura Familiar - PRONAF

O PRONAF, criado a partir da campanha "Grito da Terra Brasil", coordenado pela CONTAG/CUT, foi pouco implementado no estado do Mato Grosso do Sul. Du-rante o ano de 1996 foram realizadas 497 operações de crédito para custeio e in-vestimento.

No estado de Goiás, dez municípios foram escolhidos para a aplicação dos recursos do PRONAF-Global. Durante 1996 foram constituídos os Conselhos Muni-cipais de Desenvolvimento Rural nestes municípios e elaborados os Planos Munici-pais de Desenvolvimento. Estes Planos foram aprovados e enviados para a Comis-são Nacional do PRONAF, onde estão sendo avaliados. Até o momento não foram liberados os recursos orçados nos Planos Municipais.

Esses recursos do PRONAF não estão sendo liberados com facilidade aos a-gricultores familiares. Eles estão disponíveis nos bancos porém, não chegam às mãos dos agricultores. A avaliação é que o principal problema refere-se ao empeci-lho que os gerentes de bancos colocam para aprovação do contrato, exigindo garan-tias para liberação dos recursos.

Foram realizados até dezembro de 1996, 1.519 contratos de custeio e inves-timento, totalizando R$ 4.859.284,89 em Goiás. Este número ainda é insignificante em relação ao total de agricultores familiares do Estado. No Estado do Mato Grosso, em 1995, 14 municípios tiveram acesso à linha de crédito do PRONAF. Em 1996 foram 785 contratos efetivados num total de R$2.839.225,33.

Inovações e tendências da agropecuária regional

Apesar dos problemas enfrentados pelo setor rural, inclusive com retirada de incentivos governamentais, a criação de novos pólos agrícolas demonstram a continuidade da política de expansão agrícola no Cerrado. A continuidade do PRODECER está sendo realizada através de novas estratégias nos processos de colonização e expansão das lavouras de soja na Região. Os investimentos do PRODECER nas regiões Sul e Nordeste de Goiás e Barreiras (BA), nos anos 80, foram realizados dentro da estratégia de favorecer a produção em escala utilizan-

Page 54: CADERNO DE TEXTOS - contag.org.br · III MÓDULO DO CURSO REGIONAL CENTRO OESTE ... cípios e objetivos do processo for-mativo. Rememorar aspectos relevantes do processo formativo

Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura - CONTAG

54

do-se de grandes extensões de terras. A fase 111 deste projeto (em implantação nos Cerrados do Tocantins e sul do Maranhão) está financiando projetos coopera-tivados de colonização e cultivo em áreas não superiores a 500 hectares. Estes projetos, no entanto, não diminuíram o grau de destruição dos Cerrados causada pela prática do cultivo da agricultura moderna.

O processo de modernização agrícola, portanto, adquiriu novas formas e a manutenção do modelo agrícola não está mais assentada exclusivamente sobre as grandes áreas de monoculturas. A decisão de manter a produção voltada para a exportação (em detrimento da produção para o mercado interno) levou a adotar o pacote neo-liberal: baixar custos para elevar o grau de produtividade e competi-tividade. O desenvolvimento tecnológico ampliou seu raio de ação, intensificando a utilização da biotecnologia, reduzindo o tempo necessário para completar o ciclo produtivo. As pesquisa têm se voltado para o desenvolvimento de novas varieda-des de sementes adaptadas às diversidades climáticas e de solo, caso da soja pa-ra as regiões de clima temperado.

Outro aspecto das novas formas de modernização está relacionado com os chamados sistemas agro-ecológicos. Os casos das usinas e destilarias em Goiás (destilarias de Goianésia e Santa Helena) são exemplos claros da implantação de novas tecnologias e novas formas de gerenciamento da mão-de-obra. O plantio da cana e a produção de álcool/açúcar tornaram-se apenas um elemento da cadeia produtiva. Estas usinas estão também realizando consorciamento, utilizando o ba-gaço da cana como alimento animal. É comum na região, as usinas também cria-rem gado de corte (ou de leite). Utilizam o bagaço da cana também para a geração de energia elétrica. Além de baixar o custo operacional, o excedente de energia é vendido para as prefeituras da região da usina. O vinhoto está sendo canalizado para as lavouras como uma forma de evitar a poluição de rios e córregos e au-mentar a fertilidade do solo.

As inovações não se restringem ao setor industrial. Além da mecanização crescente, também o plantio da cana é realizado de forma a aumentar a produtivi-dade da mão-de-obra assalariada. As formas de seleção e gerenciamento de pes-soal são feitas a partir da separação dos cortadores com maior experiência e produ-tividade por hora trabalhada, e os de média ou baixa produção. Este mecanismo força a competição e especialização entre os trabalhadores, aumentando o ritmo e a produtividade dos cortadores de cana, ao mesmo tempo que não há retorno fi-nanceiro, em forma de salário. Por outro lado, as usinas não cumprem muitos itens das cláusulas sociais dos acordos coletivos do setor. O processo de modernização está sendo implantado também em outras culturas. A mecanização e as novas for-mas de gerenciamento da mão-de-obra estão presentes nas lavouras do tomate e algodão.

A utilização dos PIVOTS CENTRAIS na agricultura ampliam o poder de con-corrência e produtividade do setor. Ao mesmo tempo este processo exclui os agri-cultores familiares, pois seu custo de manutenção é caro e exige alto giro de recur-sos na propriedade. O Governo do Estado deu incentivos para a implantação dos pivots através do FCO (Fundo Constitucional do Centro Oeste) e da redução das taxas de energia elétrica, porém não se tem notícias de estudos sobre o impacto ambiental causado por este tipo de tecnologia.

A quantidade de pivots vem crescendo a passos largos. Há cerca de cinco a-nos, os pivots existentes em Goiás podiam ser contados sem muitas dificuldades,

Page 55: CADERNO DE TEXTOS - contag.org.br · III MÓDULO DO CURSO REGIONAL CENTRO OESTE ... cípios e objetivos do processo for-mativo. Rememorar aspectos relevantes do processo formativo

Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura - CONTAG

55

não ultrapassando duas dezenas. Hoje são aproximadamente 700 pivots instalados e em funcionamento. Segundo dados do Conselho de Desenvolvimento Econômico, o FCO financiou em torno de 70 projetos de irrigação em Goiás só em 1993. Destes, 49 eram projetos para a instalação de pivots centrais.

Os pivots centrais são os maiores consumidores de energia elétrica no meio rural. Para torná-los economicamente viáveis, o Governo do Estado implantou a TARIFA VERDE. Esta tarifa só beneficia produtores com consumo acima de 2,3 KW. Pagam sempre pela demanda contratada com a CELG, não importando se o con-sumo atingiu ou não aquele patamar. Mas quando não há utilização (no caso do pe-ríodo das chuvas), o faturamento é de 10% sobre o maior consumo no período de 11 meses precedentes.

Se o consumo for registrado fora dos chamados horários de pico, o produtor recebe ainda mais incentivos e descontos. Se os pivots funcionarem entre a meia-noite e às 5 da manhã há mais descontos nas taxas de energia elétrica, diminuindo sensivelmente o custo final de produção.

Os pivots provocam sérios danos ao lençol freático. Os danos ecológicos se dão em, pelo menos, outros dois níveis. Os produtos químicos . (pesticidas, fertili-zantes), utilizados em grandes quantidades, são acrescidos na água, o que con-tamina o solo e os rios. Há também um alto desperdício de água porque apenas a-proximadamente 20% dela retorna aos lençóis freáticos.

Esta tecnologia tem aumentado significativamente a produção e a produtivida-de do milho e do feijão. Elas formavam, junto com o arroz, o tripé da lavoura de sub-sistência em Goiás, base da agricultura de economia familiar. Com a adoção da irri-gação, as lavouras de feijão do estado tem alcançado as mais altas taxas de produ-tividade do país (mais de 2.340 kg/ha). Esta alta produtividade, associada aos incen-tivos governamentais, pressiona os preços, reduzindo sensivelmente o custo final da produção. Os agricultores familiares, carentes de recursos e tecnologia, não conse-guem competir inviabilizando a sua produção e provocando a constante transição deste setor para a pecuária leiteira, pois o rendimento de suas lavouras mal ultra-passa o limite do auto-consumo.

As últimas administrações do estado de Goiás têm investido na eletrificação rural. Estes investimentos, no entanto, não atingem o conjunto dos agricultores fami-liares. Apenas 26% dos agricultores familiares entrevistados em Formosa e 38% em Porangatu possuíam energia elétrica em suas residências. Os demais municípios pesquisados apresentaram índices em torno de 60%. Estes índices demonstram que as políticas governamentais não estão voltadas para o favorecimento da agricultura familiar no estado e na Região.

Como já vimos anteriormente, o processo histórico de ocupação da região e as políticas governamentais excluíram a agricultura familiar no desenvolvimento re-gional. Os dados sistematizados e analisados pela FAO e INCRA confirmam esta afirmação. Segundo estas organizações, o número de estabelecimentos da agricul-tura familiar no Centro Oeste corresponde a apenas 24% dos estabelecimentos re-gionais e 2% do total de estabelecimentos a nível nacional.

Principais características e perspectivas do desenvolvimento rural

Um aspecto que merece ser melhor trabalhado, mas para o qual não se en-contraram dados confiáveis/disponíveis diz respeito ao aumento/ redução da contra-

Page 56: CADERNO DE TEXTOS - contag.org.br · III MÓDULO DO CURSO REGIONAL CENTRO OESTE ... cípios e objetivos do processo for-mativo. Rememorar aspectos relevantes do processo formativo

Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura - CONTAG

56

tação da mão-de-obra e as possibilidades de crescimento dos trabalhos não-agrícola no meio rural.

Com relação aos movimentos populacionais, pode-se observar que os índices da região atingem a casa dos 80% de população urbana frente ao total regional. Pa-ra se chegar a este índice houve um movimento migratório constante, a partir do iní-cio da década de 70, em duas frentes distintas. Uma, refere-se às populações origi-nais dos estados estudados, que a partir de uma política de concentração fundiária passaram a migrar para as cidades. A segunda onda migratória se dá com a expan-são da fronteira agrícola para a região e as sucessivas crises do setor, levando ou-tros tantos milhões de agricultores às cidades. Os migrantes vindos de Minas Ge-rais, São Paulo, e dos três estados do Sul do Brasil, instalaram-se em pequenas e médias áreas de lavouras e também como assalariados rurais. Foram igualmente atingidos pelo processo de concentração fundiária e crises na agricultura, que os levaram ao deslocamento para os centros urbanos. Podemos ainda identificar uma terceira onda migratória, pequena, mas também constante. Um grande número de agricultores familiares, além de suas residências nas propriedades rurais, passaram a procurar povoados e cidades próximas para transferirem suas esposas e filhos em idade escolar. Os dados da distribuição da população poderiam confirmar isto. Por exemplo, no Mato Grosso do Sul, a população rural, dividida em sexo, identifica um número maior de homens que de mulheres, o mesmo ocorrendo com o estado de Goiás.

No setor da agricultura familiar, há uma tendência para a especialização e de-senvolvimento da pecuária leiteira, cabendo o cultivo da agricultura para autocon-sumo (produção de arroz, milho, mandioca e feijão). Quanto à consolidação da agri-cultura familiar na região, pouco pode-se afirmar, face à precariedade e à relativa-mente recente ocupação regional. Esta consolidação encontra um forte condicionan-te no desempenho produtivo do setor frente à pecuária leiteira.

Quanto à utilização das terras e preservação do ecossistema dos cerrados, houve grande incorporação de áreas nestes últimos vinte anos. Do início da década de 70 até o ano de 1985, quando foi realizado o último Censo Agropecuário, foram colocados nos sistemas produtivos 30 milhões de hectares de novas terras de Cer-rados. Estas áreas, em sua maioria foram utilizadas para ampliar as pastagens. Co-mo neste processo utiliza-se as queimadas e derrubadas das matas, houve grande prejuízo para o equilíbrio do ecossistema. No caso da agricultura, a utilização de herbicidas e a aplicação de fertilizantes para correção do solo na produção em esca-la da monocultura (soja, milho, cana, algodão) tem prejudicado, e muito, as terras da região. Técnicos da Embrapa estão fazendo um Zoneamento dos Cerrados e aler-tam para os perigos deste processo.

Também as áreas do Pantanal estão quase que totalmente ocupadas. Além das grandes fazendas de criação de gado de corte, ali concentram-se as maiores reservas indígenas do Estado.

Reforma Agrária e desenvolvimento global estão ainda dissociados nesta re-gião do Brasil. Ao se analisar o número de, famílias assentadas e o total das áreas ocupadas, se verá que na estrutura fundiária quase nada foi alterado. Claro, com a ressalva de que, com o assentamento, as famílias passaram a sobreviver das pró-prias forças. Seus sistemas produtivos são limitados, porém os mantém trabalhando e subsistindo.

Page 57: CADERNO DE TEXTOS - contag.org.br · III MÓDULO DO CURSO REGIONAL CENTRO OESTE ... cípios e objetivos do processo for-mativo. Rememorar aspectos relevantes do processo formativo

Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura - CONTAG

57

As linhas de crédito especiais (PRONAF, FCO, PROCERA), têm priorizado as operações de financiamento que incentivam o produtor a transitar da agricultura de subsistência para a pecuária leiteira. Quanto ao PRONAF, a tônica geral é de que os recursos não chegam aos destinatários. Em algumas áreas os gerentes dos bancos têm feito tantas exigências que o torna inviável, por não haver como cumprí-las.

A referência maior para a ação dos governos estaduais e federal, assim como do setor empresarial, é a produção para a exportação em grande escala. A produ-ção de soja, milho e arroz são.o carro-chefe da agricultura, sendo que a soja desti-na-se ao mercado internacional, já os outros grãos ao mercado nacional. A pecuária de corte é dominante no que se refere à utilização das terras e também é exportada para fora da região Centro-Oeste.

Na busca de tornar estes produtos mais competitivos, seja no mercado nacio-nal, ou frente ao Mercosul e à globalização, os Governos estão viabilizando a cons-trução de novos meios de transportes. A interligação multimodal é uma realidade regional que atualmente tem ligado o Centro-Oeste ao Sudeste/Sul do Brasil através do Porto de São Simão em Goiás, utilizando-se do· Rio Paranaíba, divisa de Goiás com Minas Gerais, Rio Tietê e Paraná, até chegar com a produção de Grãos no Por-to Marítimo de Paranaguá, no Estado do Paraná. Além desta hidrovia, que está ope-rando deste o inicio da década de 90, o governo federal tem feito estudos para viabi-lizar uma nova linha de escoamento. Pensa em utilizar os Rios das Mortes e Ara-guaia no estado do Mato Grosso, interligando- os ao Rio Tocantins, nos estados de Goiás e Tocantins, à ferrovia Norte-Sul no Maranhão. Todo este esquema servirá para transportar a produção de grãos no sentido Norte do Brasil.

Dois outros pontos merecem destaque nas perspectivas do desenvolvimento regio-nal. O primeiro, já citado, diz respeito à agricultura familiar, que vem recebendo incentivos rumo à especialização leiteira. Na década de 90 investiu-se muito na capacitação do agri-cultor para a produção de silagens e de outros reforços alimentares, bem como na melhoria da raça do gado leiteiro. O segundo está relacionado ao campo industrial. O Centro-Oeste apresenta-se como alternativa para a implantação de novos complexos agro-industriais e até mesmo de industrias automobilísticas e têxteis. A Perdigão, Sadia, Seara, Swit, Ceval, Parmalat, Nestlé é, entre outras, vêm ampliado suas instalações e influências econômicas na região, influenciando decisivamente nos rumos do setor.

Por fim, considerando-se o tipo de atividade econômica predominante no setor rural (agricultura patronal ou familiar, extensiva ou intensiva, níveis de capitalização, tecnificação e rendimentos) e as característidcas do entorno sócio-econômico (disponibilidade de infra-estrutura, acesso a mercados, capacidade de absorção de mão-de-obra), podemos sugerir a existência dos seguintes padrões de desenvolvimento rural no Centro-Oeste:

DINÂMICA 4.1 - agricultura familiar + entorno com urbanização intensa

Não há possibilidades para agricultura patronal. Há indícios de uma consolidação da agricultura familiar, porém, esta tendência ainda não se encontra totalmente definida. É uma região de entorno flexível, com algumas possibilidades de absorver mão-de-obra e onde há um grande processo de urbanização e industrialização. Enquadra-se nesta dinâmica a me-sorregião de Goiânia, o entorno de Brasília.

DINÂMICA 4.2-agricultura patronal intensiva + entorno com urbanização des-centralizada

É o que tende a combinar a afirmação da agricultura patronal, mas com

Page 58: CADERNO DE TEXTOS - contag.org.br · III MÓDULO DO CURSO REGIONAL CENTRO OESTE ... cípios e objetivos do processo for-mativo. Rememorar aspectos relevantes do processo formativo

Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura - CONTAG

58

um entorno sócio-econômico absorvedor de mão-de-obra, isto é, gerador de oportunidades de trabalho não agrícolas, rurais e urbanas. Possui estas carac-terísticas a região leste do Mato Grosso do Sul. Há um forte desenvolvimento da agricultura patronal e também o fortalecimento de uma agricultura familiar especializada e diversificada, que vem se adaptando a novos padrões tecnoló-gicos. Ainda possui um entorno sócio-econômico bastante flexível e absorvedor de mão-de-obra. É uma região na qual vem ocorrendo recente processo de in-dustrialização. As mesorregiões que se enquadram nesta dinâmica são: Centro-Sul Goiano e Sul Goiano. Existem grandes possibilidades de caminhar em dire-ção a uma consolidação da agricultura familiar. DINÂMICA 4.3 - agricultura patronal intensiva + entorno pouco urbanizado

Tende para a constituição de sistemas produtivos patronais, porém ainda não tão de-finidos. Além disso seu entorno sócio-econômico não é tão flexível na geração de oportuni-dades de trabalho não agrícola. No entanto, há grandes tendências de caminhar na direção da Dinâmica 2. As mesorregiões que apresentam estas características são: Sudeste Mato-Gro!isense e Centro-sul Mato-Grossense.

DINÂMICA 4.4 - agricultura patronal extensiva + entorno pouco urbanizado

Apresenta três situações distintas mas em todas há prevalência de uma agricultura patronal extensiva com um entorno sócio-econômico rígido e incapaz de absorver mão-de-obra. Numa dessas situações a ocupação territorial é tão recente, e a precariedade ou inci-piência do entorno é tão grande, que ainda não estão definidas as chances de viabilização de uma dinâmica precisa, mesmo assim se identificam tendências de sistemas produtivos extensivos, principalmente com lavouras de grãos e pecuária. Apresentam esta característi-ca as mesorregiões: Norte Mato-Grossense, Parecis-Alto Teles Pires, Alto Guaporé e Para-guai-Jaurú. Em suma, todo o noroeste do Estado do Mato Grosso. Uma segunda situação dentro desta mesma dinâmica apresenta sistemas produtivos bem extensivos, em geral pecuária, com um entorno sócio-econômico rígido, especializado e poupador de mão-de-obra, envolve as mesorregiões Nordeste do Araguaia (MT) e Oeste do MS. A terceira situação combina áreas de marasmo da agricultura, familiar e patro-nal com uma pecuária extensiva em crescimento e um entorno sócio-econômico também incapaz de absorver mão-de-obra. São áreas ainda não tão definidas, en-contram-se nesta condição as seguintes mesorregiões: Noroeste Goiano, Aragarças e Norte Goiano.

Page 59: CADERNO DE TEXTOS - contag.org.br · III MÓDULO DO CURSO REGIONAL CENTRO OESTE ... cípios e objetivos do processo for-mativo. Rememorar aspectos relevantes do processo formativo

Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura - CONTAG

59

Dinâmicas Predominantes de Desenvolvimento no

Meio Rural Região Centro-Oeste

Dinâmica 41

Dinâmica 42

Dinâmica 43

Dinâmica 44

Fonte:Projeto CUT/Contag de Pesquisa e Formação Sindical

Junho - 1997

Page 60: CADERNO DE TEXTOS - contag.org.br · III MÓDULO DO CURSO REGIONAL CENTRO OESTE ... cípios e objetivos do processo for-mativo. Rememorar aspectos relevantes do processo formativo

Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura - CONTAG

60

PROJETO ALTERNATIVO DE DESENVOLVIMENTO RURAL SUSTENTÁVEL E SOLIDÁRIO - PARDRSS

- através de uma ampla e massiva reforma agrária e da valorização e forta-lecimento da agricultura familiar-

INTRODUÇÃO:

Os anos 80, marcados pelo processo de democratização do país, trouxeram para a cena pública diversos e diferentes sujeitos políticos: Movimento Sindical, Mo-vimento Popular, Movimento Feminista, Movimento Indígena, Igrejas, partidos políti-cos, entre outros, que se aglutinaram em torno da construção de um projeto demo-crático, popular, justo e igualitário para o Brasil. Para tanto, era necessário e urgente reorientar e fortalecer as instituições políticas brasileiras para torná-las aptas à cons-trução de tal projeto de sociedade.

Especialmente no campo, surge o debate sobre a emergência de novos sujei-tos se organizando dentro da estrutura e organização sindical, em especial as mu-lheres trabalhadoras rurais que optaram por articular a luta feminista com a luta sin-dical, bem como, a juventude e a 3ª idade.

Os anos 90 ou a era dos governos Collor e FHC se traduziram em momentos de grave crise política e econômica, mobilizando diversos setores da sociedade bra-sileira para se contrapor ao projeto neoliberal. Neste período, o Movimento Sindical de Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais – MSTTR, em seu 5º CNTR, pautou o de-bate sobre a construção de um Projeto Alternativo de Desenvolvimento, que ori-entasse a ação sindical para a superação dos problemas oriundos dos modelos de desenvolvimento excludentes, que sempre foram impostos ao campo brasileiro.

Para se tornar sujeito protagonista no processo de implementação deste proje-to era preciso definir políticas de fortalecimento das entidades de sua estrutura sin-dical e compreender as diversas dinâmicas de desenvolvimento rural. Essa tarefa foi fortalecida e tomou uma dimensão mais estratégica com a filiação da CONTAG à CUT, em abril de 1995.

A partir do 6º CNTTR, foi desencadeado um amplo processo de discussão so-bre a construção de um Projeto Alternativo de Desenvolvimento Rural para o MST-TR. Este processo se deu por meio de seminários regionais para construção de um diagnóstico da realidade, que subsidiaram o Projeto CUT/CONTAG de Pesquisa e Formação Sindical e mobilizaram mais de 5 mil trabalhadores e trabalhadoras rurais. Esta pesquisa se somou ao embrionário Projeto Alternativo que vinha sendo cons-truído pelo MSTTR, desde 1995 por aprovação do 7º CNTTR.

As primeiras mobilizações do Grito da Terra Brasil foram, por sua vez, os es-paços de formulação, articulação, proposição e negociação de políticas públicas que buscaram dar materialidade às proposições do PADRSS.

O 8º CNTTR, bem como o 2º CNETTR, a 1ª PNTTR, os “GRITOS DA TERRA BRASIL”, as “MARCHAS DAS MARGARIDAS”, as ocupações de terras e de prédios públicos e outras ações de massa foram incorporando novas temáticas, ampliando a

Page 61: CADERNO DE TEXTOS - contag.org.br · III MÓDULO DO CURSO REGIONAL CENTRO OESTE ... cípios e objetivos do processo for-mativo. Rememorar aspectos relevantes do processo formativo

Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura - CONTAG

61

concepção e fortalecendo a prática do PADRSS nas várias dimensões: concepção, tática, estratégia propositiva e de negociação.

O 9º CNTTR aprofundou as discussões em torno dos conceitos de sustentabi-lidade e deliberou pela inclusão do termo “solidariedade” ao nome do PADRS, pas-sando a ser denominado de Projeto Alternativo de Desenvolvimento Rural Sustentá-vel e Solidário - PADRSS.

PADRSS – estratégia de enfrentamento ao neoliberalismo e ao modelo de desenvolvimento rural excludente e insustentável

O PADRSS foi concebido como estratégia de enfrentamento ao projeto neoli-beral e de superação do modelo agrário e agrícola vigente no país, pautado no lati-fúndio e no agronegócio. As bases essenciais para construção deste Projeto de De-senvolvimento são a realização de ampla e massiva reforma agrária e a ampliação, valorização e fortalecimento da Agricultura Familiar. Quanto aos assalariados e as-salariadas rurais, considerados os proletários agrícolas, a estratégia é torná-los pro-tagonistas deste projeto de desenvolvimento, principalmente nas áreas de maior re-sistência da agricultura patronal.

O PADRSS, ao propor a construção e implementação permanente e sistemá-tica do desenvolvimento sustentável no meio rural, definiu que a sustentabilidade deste projeto depende das lutas das trabalhadoras e trabalhadores pela terra, políti-ca agrícola diferenciada, defesa e ampliação dos direitos trabalhistas e previdenciá-rios, política permanente de valorização do salário mínimo, erradicação do trabalho infantil e escravo, educação do campo, saúde integral pública e gratuita, respeito à autodeterminação das populações tradicionais, preservação do meio ambiente e superação da desigualdade de gênero e de todas as formas de discriminação, inclu-sive, a luta dos jovens.

O PADRSS se apresenta, também, como uma alternativa aos padrões de de-senvolvimento rural conservadores, parciais, excludentes e insustentáveis que ace-leraram a exclusão social e a degradação ambiental no campo brasileiro.

Para tanto, são imprescindíveis as lutas por pressão e reivindicações, históri-cas e atuais, do MSTTR para superar os prejuízos sociais e políticos causados pelo modelo agrário e agrícola imposto ao país.

CONCEPÇÃO E PRÁTICA DO PADRSS E A RELAÇÃO COM AS NOVAS TENDÊNCIAS SOBRE DESENVOLVIMENTO E SUSTENTABILIDADE:

O ponto de partida para a elaboração e implantação de um projeto alternativo é a concepção de desenvolvimento. Havia uma identificação entre desenvolvimento e crescimento econômico. Isto permitia que o desenvolvimento dos países fosse medido apenas pelos níveis da renda per capita. Esta identificação, porém, tem sido amplamente contestada especialmente porque crescimento e desigualdade social têm andado lado a lado. Análises que levam em conta apenas a renda per capita mascaram o grau de concentração da riqueza numa sociedade.

Page 62: CADERNO DE TEXTOS - contag.org.br · III MÓDULO DO CURSO REGIONAL CENTRO OESTE ... cípios e objetivos do processo for-mativo. Rememorar aspectos relevantes do processo formativo

Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura - CONTAG

62

O debate sobre o significado real de desenvolvimento levou a estudos para estabelecer parâmetros capazes de avaliar o nível de vida das pessoas de uma forma mais adequada. A criação do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) é fruto deste esforço por uma melhor avaliação da qualidade de vida em cada país. Este índice inclui três dimensões básicas de desenvolvimento: longevidade (viver uma vida longa e saudável), conhecimento (ser instruído) e padrão de vida (gozar de um nível de vida adequado). A partir daí se criou três variáveis para medir o de-senvolvimento humano dos diferentes países: esperança de vida, nível educacional (alfabetização de adultos e escolaridade nos três níveis) e PIB real per capita.

O PADRRS nasce questionando o conceito de desenvolvimento, no qual o crescimento econômico-financeiro se sobrepõe à dimensão social, política, cultural e ambiental das populações. No PADRSS, o desenvolvimento deve privilegiar o ser humano na sua integralidade, possibilitando a construção da cidadania. As questões econômicas, portanto, têm que estar articuladas às questões sociais, culturais, polí-ticas, ambientais e às relações sociais de gênero e raça.

O conceito de desenvolvimento e sustentabilidade utilizado pelo MSTTR é uma idéia em construção, portanto não existe um caminho único para sua realiza-ção. Esta proposta incorpora e se articula com o pensamento de diversos setores da sociedade nacional e internacional, que utiliza a noção de desenvolvimento susten-tável como portadora de um novo projeto de sociedade, capaz de garantir, no pre-sente e no futuro, a sobrevivência dos grupos sociais e preservação da natureza.

O que levou o MSTTR a construir o PADRSS foi a esperança de uma vida me-lhor para os que vivem no campo. Porém, não se alcança este desenvolvimento ou “esta vida melhor” com ações de combate à pobreza. É fundamental criar políticas e programas para a distribuição de renda. Segundo estudos realizados por Ricardo Paes de Barros, pesquisador do IPEA, um crescimento contínuo de 5% ao ano no Brasil levaria a uma redução de 13% no grau de pobreza em uma década.

É importante também salientar que existem cada vez mais evidências de que o crescimento dos países chamados de economia semi-periférica depende da redu-ção das desigualdades. Vários estudos econométricos demonstraram que níveis de desigualdade, como os do Brasil, dificultam ou mesmo impedem o crescimento eco-nômico.

As lutas históricas e atuais das trabalhadoras e trabalhadores ganham impor-tância ainda maior quando somadas às demais políticas necessárias à qualidade de vida e trabalho. Isto porque, não há desenvolvimento sustentável sem educação, saúde, garantias previdenciárias, salários dignos, erradicação do trabalho infantil e escravo, respeito à autodeterminação dos povos indígenas e preservação do meio ambiente.

O PADRSS propõe, também, a romper com o preconceito anti-rural incorpora-do na cultura brasileira de que o campo está associado ao passado e ao atraso. A-

Page 63: CADERNO DE TEXTOS - contag.org.br · III MÓDULO DO CURSO REGIONAL CENTRO OESTE ... cípios e objetivos do processo for-mativo. Rememorar aspectos relevantes do processo formativo

Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura - CONTAG

63

lém deste, se propõe a romper com outro senso comum de campo, enquanto espaço de guerra por conta dos conflitos agrários ou ultra moderno projetado pelo agrone-gócio.

No PADRSS o meio rural é concebido como um espaço político, social, eco-nômico, produtivo, ambiental e cultural, que têm sujeitos organizados e dinâmicas de desenvolvimento potencializadoras da sustentabilidade. Do total de 5.507 municípios brasileiros existentes até o ano 2000, mais de 4.485 municípios fazem parte do Bra-sil Rural, pois têm menos de 50 mil habitantes e cerca de 80 habitantes por Km2.

Neste sentido, o PADRSS se propõe a ser um processo permanente de pro-dução e reprodução de qualidade vida para o conjunto das trabalhadoras e trabalha-dores rurais, contribuindo para a melhoria de vida das populações rurais e urbanas, por meio de elaboração e negociação de políticas públicas que superem a exclusão e a desigualdade.

Nesta perspectiva, muitas estratégias estão sendo desenvolvidas, como por exemplo a territorialidade que já é adotada pelo MSTTR em diversas ações, inclusi-ve em parceria com programas e projetos governamentais.

Além disso, é fundamental a participação efetiva do MSTTR nos processos políticos e eleitorais e nos espaços de concepção e gestão de políticas públicas, em todos os níveis, para reverter o processo neoliberal e viabilizar políticas públicas ne-cessárias à implementação do PADRSS.

É fundamental, também, que os STTRs, FETAGs e CONTAG estabeleçam um diálogo amplo e permanente com a sociedade, em torno da concepção de espaço rural e do desenvolvimento sustentável que propomos.

Este diálogo deve se orientar na construção de relações sociais que na prática incorporem a solidariedade e a cooperação mútua entre os trabalhadores e traba-lhadoras do campo e da cidade, em contraposição ao individualismo, que é a marca central do neoliberalismo.

Elementos centrais do Projeto Alternativo de Desenvolvimento Rural Sustentável e Solidário – PADRSS:

O eixo central das estratégias de desenvolvimento no PADRSS é a ampliação das oportunidades de emprego e renda no meio rural. Ocupa um lugar privilegiado nestas estratégias, a realização de uma ampla reforma agrária, como um instrumen-to fundamental na expansão, fortalecimento e viabilização da agricultura familiar.

A geração de emprego e renda não se resume, evidentemente, à expansão e fortalecimento da agricultura familiar. Ela inclui a melhoria das condições de vida de imensos contingentes de assalariados agrícolas e a criação de outras ocupações rurais não-agrícolas e “urbanas” no campo.

Page 64: CADERNO DE TEXTOS - contag.org.br · III MÓDULO DO CURSO REGIONAL CENTRO OESTE ... cípios e objetivos do processo for-mativo. Rememorar aspectos relevantes do processo formativo

Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura - CONTAG

64

Da mesma forma, não é possível pensar em qualidade de vida, sem se preo-cupar com a qualidade do ambiente em que as pessoas vivem e no fortalecimento de novas relações entre os seres humanos e a natureza. É preciso também, pensar a soberania alimentar, padrões de desenvolvimento agrícola diversificados e susten-táveis a longo prazo, que restaurem as condições ecológicas da produção e respei-tem o potencial de cada ecossistema, apoiando-se nas bases científicas da agroe-cologia.

Portanto, ao defender o desenvolvimento rural embasado na agricultura famili-ar, o MSTTR demonstra que é ela que incorpora valores sociais, econômicos, cultu-rais e ambientais, garante a segurança alimentar das famílias, abastece o mercado interno, tem viabilidade econômica para ser competitiva, amplia as oportunidades de geração de renda e de ocupações produtivas, se estabelece através de formas coo-perativas e associativas do trabalho, deve estar associada à produção agroecológica e na convivência equilibrada com o meio ambiente.

A agricultura familiar responde por 38% do Valor Bruto da Produção Agrope-cuária, ocupa 77% da mão-de-obra no campo e é responsável por 51% da produção de alimentos que chegam à mesa da população brasileira. Apesar de seu bom de-sempenho, a agricultura familiar ocupa apenas 21% das terras agricultáveis e tem acesso a menos de 25,3% do volume de crédito que o governo federal disponibiliza para a agricultura brasileira.

No entanto, existe uma disputa política e ideológica entre diversos setores da sociedade e setores governamentais sobre qual modelo de desenvolvimento rural deve ser implementado no Brasil.

A concepção do PADRSS se contrapõe ao modelo de desenvolvimento rural que o setor ruralista defende. Este setor, representado pela CNA, por numerosa bancada no Congresso Nacional e apoiados pela grande mídia e alguns intelectuais e economistas, tem defendido o agronegócio como o modelo de desenvolvimento redentor para o campo e para o Brasil.

Como contraposição a essa concepção do agronegócio a agricultura familiar precisa resgatar a importância da comercialização de seus produtos excedentes, na perspectiva da economia solidária.

Para fazer a defesa de sua concepção, os ruralistas e seus aliados se apropri-aram do conceito de Agronegócio, incorporando nele um significado que extrapola a simples tradução de “negócios da agricultura”. Mais do que os negócios da agricultu-ra, este setor defende um modelo de desenvolvimento para o campo baseado na grande propriedade, na produção de monoculturas para o mercado externo, utiliza-ção de agrotóxicos e de organismos geneticamente modificados, além de tecnologi-as que dispensam o uso de mão-de-obra. Tudo isso em nome do lucro e da produti-vidade, sem considerar as implicações sociais e ambientais que este modelo acarre-ta para esta e para as futuras gerações.

Page 65: CADERNO DE TEXTOS - contag.org.br · III MÓDULO DO CURSO REGIONAL CENTRO OESTE ... cípios e objetivos do processo for-mativo. Rememorar aspectos relevantes do processo formativo

Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura - CONTAG

65

Da mesma forma, os defensores do agronegócio têm afirmado que o problema agrário e agrícola será resolvido por este modelo, que será capaz de responder à demanda de produção e de emprego, por meio do aumento da produtividade e das exportações. Nesta proposta, caberia ao Estado proporcionar aos trabalhadores e trabalhadoras não inseridos como força de trabalho do agronegócio, políticas sociais compensatórias para evitar os conflitos no campo.

No entanto, o discurso da auto-suficiência e eficácia do agronegócio, não tem sustentação. Pelo contrário, o incremento deste padrão de desenvolvimento concen-tra a terra e a renda, aumenta a dependência tecnológica, desrespeita a legislação trabalhista e ambiental, agrava a exclusão social, promove a degradação ambiental, o desemprego e a violência no campo. Da mesma forma, se mostra incapaz de su-perar a fome e a miséria no País, já que priorizam a produção e exportação apenas do que seja rentável economicamente, sem se preocupar com as necessidades ali-mentares da população, especialmente dos mais pobres.

Os dados do 2º PNRA demonstram que as propriedades rurais com área su-perior a 2.000 hectares, demandam 67 hectares para gerar uma única ocupação, chegando a demandar 217 hectares na região Centro Oeste.

Do ponto de vista ambiental, não há como negar os danos irreparáveis que vêm sendo produzidos pelo agronegócio. Especialmente o cerrado, onde hoje se concentra o ambiente de expansão da fronteira agrícola, tem apenas 20% de sua área em estado original e mais de 57% totalmente desmatada. Da mesma forma so-fre a Amazônia que já tem 600 mil Km2 de suas terras desflorestadas, situação que se agrava na região “do arco do desmatamento”, com forte expansão de áreas ex-ploradas com monoculturas.

É preciso exigir dos grandes latifundiários o cumprimento do percentual defini-do em lei de reflorestamento e preservação nas áreas devastadas de suas proprie-dades, principalmente nas margens dos rios, priorizando a vegetação nativa.

Ao considerarmos as relações sociais e trabalhistas, constatamos que muitas vezes o setor patronal da agricultura continua impondo aos trabalhadores e traba-lhadoras rurais, práticas do período colonial. Além da exploração no trabalho, man-tendo inclusive mão de obra escrava, praticam todo tipo de repressão e violência contra as pessoas que lutam pela democratização da terra. Há um processo acentu-ado de expulsão de inúmeras famílias de pequenos posseiros, inclusive populações tradicionais e povos indígenas que estão tendo suas terras tomadas para ampliar as grandes fazendas.

É relevante considerar, também, que este processo de expansão pelo agrone-gócio faz reduzir a capacidade de se encontrar terras passíveis de desapropriação, já que a interpretação da legislação agrária é bastante restritiva na constatação do cumprimento da função social das propriedades. Isto faz estabelecer uma aliança estratégica entre o latifúndio e o agronegócio.

Page 66: CADERNO DE TEXTOS - contag.org.br · III MÓDULO DO CURSO REGIONAL CENTRO OESTE ... cípios e objetivos do processo for-mativo. Rememorar aspectos relevantes do processo formativo

Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura - CONTAG

66

AVANÇOS, DESAFIOS E PERSPECTIVAS PARA A REFORMA AGRÁRIA E A AGRICULTURA FAMILIAR NO PADRSS

O papel da Reforma Agrária para o desenvolvimento sustentável

Com a construção do PADRSS, a dimensão dada pelo MSTTR ao papel da Reforma Agrária no desenvolvimento rural evoluiu. Além de medida essencial para o enfrentamento ao latifúndio e ao agronegócio, a reforma agrária foi compreendida como estratégica para a ampliação e o fortalecimento da Agricultura Familiar.

A reforma agrária é o principal instrumento político para a ruptura com o mo-delo de desenvolvimento excludente, concentrador de terra e renda e reprodutor do poder oligárquico, representado pelo Agronegócio e pelo latifúndio.

A democratização da propriedade da terra impulsiona a democratização do poder político, econômico e social. Promove a geração de emprego e ocupações produtivas para todo um segmento sem alternativas de inserção social e produtiva, a eqüidade, sustentabilidade ambiental e o desenvolvimento das comunidades envol-vidas, processos essenciais para o fortalecimento da agricultura familiar e a constru-ção de alternativas de desenvolvimento para o País.

A realização de uma verdadeira reforma agrária toca nos pilares que funda-mentam a exclusão social e o frágil desenvolvimento brasileiro, promovendo a inclu-são social, a formação e a consolidação de um forte mercado interno no País. Um amplo processo de mobilização de massa, a exemplo da ocupação dos latifúndios improdutivos, força as desapropriações e quebra a espinha dorsal do conservado-rismo, pois ataca o poder econômico e político do latifúndio. Aliada à imediata regu-larização das terras ocupadas por posseiros e posseiras, à implantação de um pro-grama de crédito fundiário e de um massivo apoio à consolidação da agricultura fa-miliar, fundamentam a construção de alternativas de desenvolvimento.

A reforma agrária, não apenas como mecanismo distributivo de terras, mas como medida eficaz para promover a ampliação, valorização e o fortalecimento da agricultura familiar, é um instrumento essencial para promover o desenvolvimento democrático da agricultura e o resgate da cidadania para milhões de trabalhadores e trabalhadoras que, expulsos da terra, se viram excluídos do processo produtivo.

A consolidação dos assentamentos de reforma agrária representa a passagem dos trabalhadores e trabalhadoras de um quadro de exclusão para o de inserção produtiva. Os projetos de assentamento, além de possibilitar o acesso à terra e ao crédito, atuam como fator gerador de postos de trabalho em atividades agrícolas e não agrícolas e com isto, dinamiza o comércio local com a diversificação e o rebai-xamento dos preços de produtos alimentícios. Outras inovações também têm sido introduzidas, como novas formas de comercialização e beneficiamento da produção, surgimento de cooperativas e associações, implantação de pequenas agroindústrias, constituição de marcas próprias como sendo “produto da reforma agrária”.

Mesmo com estes avanços, é preciso qualificar e universalizar as políticas públicas para que os projetos de assentamento se tornem, de fato, espaços de am-pliação e fortalecimento da agricultura familiar. É preciso melhorar a política de cré-dito, assistência técnica e investimentos em infra-estrutura social e produtiva volta-

Page 67: CADERNO DE TEXTOS - contag.org.br · III MÓDULO DO CURSO REGIONAL CENTRO OESTE ... cípios e objetivos do processo for-mativo. Rememorar aspectos relevantes do processo formativo

Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura - CONTAG

67

das à organização da produção e ao bem estar das famílias assentadas. A formação profissional e os instrumentos de política de desenvolvimento, como créditos e ou-tros, devem ser aplicados imediatamente após o assentamento dos trabalhadores e trabalhadoras. Devem também ser garantidos recursos orçamentários para a cober-tura do total de assentamentos realizados no País, bem como a imediata legalização da área.

Portanto, para que haja avanço efetivo na implementação da reforma agrária será necessário superar os limites de ordem política, financeira, legal, jurídica, admi-nistrativa e social, que dificultam a solução definitiva para o problema agrário brasi-leiro.

A agricultura familiar e a potencialização do desenvolvimento:

A opção pela agricultura familiar se justifica pela sua capacidade de geração de emprego (da família e de outros) e renda com baixo custo de investimento. A sua capacidade de retenção da população fora dos grandes centros urbanos é fator fun-damental na construção de alternativas de desenvolvimento. Sua capacidade de produzir alimentos a menor custo e, potencialmente, com menores danos ambien-tais, impulsiona o crescimento de todo o entorno sócio-econômico local. A falta de incentivos à agricultura familiar tem gerado a marginalidade dos jovens trabalhado-res e trabalhadoras.

A agricultura familiar é, portanto, o principal agente propulsor do desenvolvi-mento comercial e, conseqüentemente, dos serviços nas pequenas e médias cida-des do interior do Brasil. É também condição fundamental para que haja uma sobre-vida para a economia da grande maioria dos municípios brasileiros. É o desenvolvi-mento com distribuição de renda no setor rural que viabiliza e sustenta uma qualida-de de vida do setor urbano.

Segundo pesquisa feita pela CONTAG/CUT, em várias áreas do país, a agri-cultura familiar ainda é a forma preponderante de produção agrícola. Se devidamen-te apoiada por políticas públicas e ancorada em iniciativas locais, pode se transfor-mar no grande potencializador de um desenvolvimento descentralizado e voltado para uma perspectiva de sustentabilidade.

O desenvolvimento e o fortalecimento da agricultura familiar se dará através da implementação de diversas iniciativas, que deverão estar interligadas para que possam produzir os efeitos desejados. O Programa Nacional de Apoio à Agricultura Familiar (PRONAF) e os Fundos Constitucionais são algumas iniciativas, não po-dendo, entretanto, a ação estatal se esgotar apenas na disponibilização de recursos para crédito de custeio. É fundamental acelerar os procedimentos das linhas de cré-dito de custeio e investimento, assim como a reformulação de toda a infra-estrutura produtiva e social, para atender às necessidades da agricultura familiar.

As políticas de apoio à agricultura familiar devem, inclusive, contemplar aque-las atividades não-agrícolas, como por exemplo, a industrialização, a produção arte-sanal e turismo rural, atividades com grande potencial de geração de renda e ocu-pação.

Outro elemento que deve estar integrado às políticas fundamentais de fortale-cimento da agricultura familiar diz respeito à priorização de investimentos públicos

Page 68: CADERNO DE TEXTOS - contag.org.br · III MÓDULO DO CURSO REGIONAL CENTRO OESTE ... cípios e objetivos do processo for-mativo. Rememorar aspectos relevantes do processo formativo

Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura - CONTAG

68

para garantir serviços de pesquisa, experimentação, difusão, assistência técnica e extensão rural, comprometidos com a sustentabilidade e adaptada aos meios de produção familiar.

Existe um conjunto de iniciativas para o fortalecimento da agricultura familiar que dependem muito da ação sindical, por exemplo, organização, comercialização e gestão da produção; diversificação agroecológica e planos de desenvolvimento lo-cal. Este conjunto de proposições deve estar articulado a uma política de produção de alimentos e soberania alimentar da população brasileira, como parte integrante da estratégia de desenvolvimento.

É preciso promover a articulação entre a produção e o consumo, construindo mecanismos de diálogo entre as famílias que produzem com as famílias que conso-mem, valorizando, assim, a agricultura familiar e os assalariados e assalariadas ru-rais. Há que se estabelecer parcerias com outras instituições, órgãos públicos, ca-pazes de superar a falta de incentivos e de políticas públicas municipais, promoven-do a conscientização dos agricultores e agricultoras familiares da necessidade de agregação de valor à matéria prima e esclarecê-los sobre os benefícios da agricultu-ra agroecológica.

A gestão da unidade produtiva precisa ser considerada como o exercício práti-co da democracia. Se todos os membros da família têm um papel e uma função no processo produtivo, têm direito a tomar parte nas decisões e nos resultados. Para isso, é preciso valorizar o trabalho das mulheres e dos jovens na agricultura em re-gime de economia familiar, construindo relações sociais de gênero, geração e etnia igualitárias e solidárias no cotidiano dos trabalhadores e trabalhadoras. É preciso entender que a agricultura familiar só se viabiliza a partir de uma economia solidária. Neste sentido, a gestão coletiva da produção se apresenta como uma alternativa concreta, por meio da prática da cooperação.

Um dos grandes desafios do processo de organização da produção é construir estratégias políticas que permitam a inserção não-subordinada da agricultura familiar no mercado. A agricultura familiar só se viabiliza a partir de uma economia solidária combinada ao uso de novas tecnologias e diversificação dos meios tradicionais de produção. As formas coletivas de produção e comercialização se apresentam como uma alternativa concreta.

O desenvolvimento rural sustentável passa necessariamente pela garantia de documentação do uso da terra, o que também contribui para a construção da cida-dania da população rural.

Gênero e Geração na Reforma Agrária e na Agricultura Familiar:

Além das funções econômicas, sociais e ambientais em torno da luta pela re-forma agrária e pelo fortalecimento da agricultura familiar, o MSTTR deve olhar tam-bém para as estruturas que sustentam as relações entre as pessoas seja nos acam-pamentos, assentamentos ou nas propriedades familiares.

Na Reforma Agrária, as mulheres e jovens estão presentes em todas as eta-pas da luta pela terra, resistindo nas ocupações, acampamentos e nas posses. Con-

Page 69: CADERNO DE TEXTOS - contag.org.br · III MÓDULO DO CURSO REGIONAL CENTRO OESTE ... cípios e objetivos do processo for-mativo. Rememorar aspectos relevantes do processo formativo

Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura - CONTAG

69

traditoriamente, nos processos de implantação e organização dos assentamentos a importância das mulheres e jovens passa a ser relativizada.

As mulheres estão em todas etapas dos processos produtivos e reprodutivos na unidade familiar. Elas não querem ser invisíveis, muito menos serem tratadas como domésticas ou ajudantes do pai, do marido ou do filho. Ou seja, não são as mulheres que se ocultam, são as relações de dominação patriarcal que lhes atribui um lugar menor nos processos produtivos.

O patriarcado também estabelece uma hierarquia nas relações entre pai e fi-lhos e filhas, que têm participação cerceada nos processos de produção, gestão e posse da propriedade familiar.

Outra questão que não pode ser relativizada é a participação das pessoas da 3ª idade e idosos na unidade produtiva, que além de sua experiência de vida no campo, investem parte de seus rendimentos da aposentadoria no fomento da mes-ma.

O modelo de família patriarcal continua influenciando a concepção das políti-cas públicas, que excluem ou restringem a participação das mulheres e jovens como beneficiários. Isto ocorre porque os planejadores e executores das ações entendem que somente os homens são os chefes de família e respondem pela propriedade familiar. Sendo assim, compreendem que ao beneficiar os homens estão atendendo a todos os membros da família.

A prática discriminatória e excludente em relação às mulheres, incorporado em nossa cultura, foi por muito tempo respaldado pelo Código Civil Brasileiro, institu-ído em 1918, que vigorou até 2002, ignorando os avanços conquistados pelas mu-lheres na Constituição Federal de 1988.

Existia um “Estatuto da Mulher Casada”, pelo qual a mulher casada não podia legalmente assinar um contrato, administrar um negócio ou realizar trabalho assala-riado sem consentimento do marido. O novo Código Civil Brasileiro, que entrou em vigor a partir de janeiro de 2003, reconhece a igualdade entre homens e mulheres perante a lei, onde tanto o homem quanto a mulher podem representar os interesses da família e serem considerados representantes legais da propriedade, independen-te de estarem em relações de casamento ou em uniões consensuais.

Fruto da luta das mulheres, especialmente na Marcha das Margaridas, se ob-teve um importante avanço. O MDA – Ministério do Desenvolvimento Agrário institu-iu a obrigatoriedade da emissão do título de posse da terra em nome do homem e da mulher. Entretanto, este direito, por si só, não é suficiente para garantir igualdade de participação quanto ao controle e gestão da propriedade ou assentamento, pois não será o documento sozinho que fará romper com práticas seculares de opressão às mulheres.

O MSTTR precisa se comprometer com a construção de relações igualitárias entre mulheres e homens, jovens, adultos, 3ª idade e idosos, desde os processos de luta pela terra, na gestão dos assentamentos e propriedades familiares.

Assalariados e assalariados rurais

Page 70: CADERNO DE TEXTOS - contag.org.br · III MÓDULO DO CURSO REGIONAL CENTRO OESTE ... cípios e objetivos do processo for-mativo. Rememorar aspectos relevantes do processo formativo

Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura - CONTAG

70

Não podemos falar em desenvolvimento rural sustentável sem levar em consi-deração os 5 milhões de assalariados e assalariadas rurais que constituem a parte mais explorada e marginalizada da categoria trabalhadora rural.

Destes 5 milhões de trabalhadores e trabalhadoras assalariadas rurais, exis-tem 2 milhões de postos de trabalho fixo, em que o contrato é por prazo indetermi-nado. 1,5 milhão trabalha pelo menos uma vez por ano de 4 a 8 meses, no período da safra (contrato de safra) e 1,5 milhão trabalha em culturas de curta duração (fei-jão, milho, tomate, hortifrutigranjeiros, colheita do café, etc), neste caso grande quantidade de trabalhadores (as) não possuem carteira de trabalho assinada e a duração no trabalho é no máximo de 15 dias. Muitos trabalham em 3 ou 4 estados durante o ano.

Segundo dados da PNAD/IBGE - Pesquisa Nacional de Amostra por Domicílio do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística de 2002, existem cerca de 3,1 mi-lhões de trabalhadores e trabalhadoras com vínculo empregatício sem carteira assi-nada na área rural. Muitos desses profissionais moram nas periferias das pequenas e médias cidades, e devido ao alto índice de desemprego e baixos salários pagos, essas pessoas também se constituem no setor mais empobrecido da categoria.

A regra geral é de empresas ricas em municípios pobres, onde o lucro acaba indo para o sistema financeiro e/ou investidos nos grandes centros urbanos. Já os assalariados e assalariadas rurais gastam os seus salários nos municípios onde mo-ram, dinamizando o comércio e a economia local.

Neste sentido, a melhoria na remuneração dos assalariados e assalariadas ru-rais tem repercussões diretas e concretas no local. Com melhoria do poder de com-pra dos assalariados e assalariadas rurais ocorrerá ampliação do mercado consumi-dor local com possibilidades de crescimento de venda dos produtos da agricultura familiar.

O principal instrumento para a melhoria do salário e das condições de trabalho dos assalariados e assalariadas é a negociação coletiva (convenção coletiva, acordo coletivo ou dissídio coletivo). Outro instrumento por melhores condições são as a-ções de fiscalização realizadas pelos auditores fiscais do trabalho, vinculada às De-legacias Regionais do Trabalho, importantes para avançar no cumprimento da legis-lação trabalhista, previdenciária, de medicina e segurança no trabalho. Neste pro-cesso, são imprescindíveis o envolvimento do Sindicato dos Trabalhadores(as) Ru-rais e das FETAGs quando da denúncia de irregularidades nas relações de trabalho e de denúncias relacionadas ao trabalho escravo. Nesse sentido, exige-se a ratifica-ção imediata da Convenção 184 da OIT.

A construção de alternativas de desenvolvimento com base na expansão e for-talecimento da agricultura familiar não irá eliminar, por si só, a agricultura patronal. Não representará, portanto, o fim do assalariamento rural. Continuará existindo e demandando políticas específicas para o setor.

Por outro lado, a realidade demonstra que muitos agricultores e agricultoras familiares dependem de contratação de mão-de-obra externa para garantir o desen-volvimento de sua produção. Esta realidade vem sendo objeto de muitas discussões no movimento sindical, pois demanda políticas e participação diferenciadas na base sindical.

Page 71: CADERNO DE TEXTOS - contag.org.br · III MÓDULO DO CURSO REGIONAL CENTRO OESTE ... cípios e objetivos do processo for-mativo. Rememorar aspectos relevantes do processo formativo

Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura - CONTAG

71

Qualquer projeto alternativo de desenvolvimento deve pressupor a democrati-zação nas relações de trabalho, renda digna e respeito aos direitos trabalhistas, co-mo condições básicas para a qualidade de emprego e vida, independentemente de quem quer que seja o empregador.

Os assalariados rurais constituem a parcela mais empobrecida da agricultura e, por decorrência, de toda população brasileira. As alternativas de desenvolvimento devem abarcar este setor, interferindo diretamente na criação de novos postos de trabalho, na redução do desemprego e na criação de melhores condições de vida e trabalho, e melhores salários, priorizando as seguintes questões:

• Assentamento de trabalhadoras e trabalhadores rurais assalariados, em especial os desempregados e subempregados que optarem por desenvolver a sua própria agricultura através de um programa de reforma agrária.

• Criação de agroindústrias ligadas à agricultura familiar, com legislação específica.

• Geração de emprego no interior da unidade produtiva familiar. • Incremento das atividades não-agrícolas no entorno sócio-econômico da

unidade produtiva familiar. • Melhoria das condições de vida, relações de trabalho e garantia de au-

mento de salários (ganho real), através da adoção de um contrato coletivo de traba-lho.

• Combate ao trabalho escravo e infantil, a todas as formas ilegais de con-tratação de trabalho e às cooperativas de mão-de-obra.

• Igualdade de oportunidades, sem discriminação de gênero, geração e etnia.

• Programas de qualificação profissional e reconversão produtiva. • Realizar campanhas de educação e prevenção sobre uso de agrotóxicos

e suas conseqüências, garantindo o atendimento aos trabalhadores e trabalhadoras envolvidas nessa atividade.

As mulheres no trabalho assalariado:

O aumento das oportunidades de trabalho e emprego para as mulheres assa-lariadas no campo, especialmente as mais jovens, não significa dizer que há igual-dade de oportunidades entre os trabalhadores do sexo feminino e masculino. A mão–de-obra feminina tem sido absorvida nas atividades temporárias, sem garantia de direitos e benefícios, sem investimento na formação profissional e sem nenhum equipamento de uso coletivo nos locais de trabalho, como creches, banheiros, refei-tórios.

O tipo de inserção que as mulheres têm no mercado de trabalho assalariado reproduz a divisão-sexual do trabalho. Ao selecionar e contratar mulheres, as em-presas destinam a elas funções consideradas “tipicamente femininas”. Exemplo dis-so é o uso massivo da mão-de-obra feminina na fruticultura (morango, uva), horti-granjeiros, entre outros. Em muitas situações, para se manter empregada, a mulher precisa apresentar produção igual ou maior do que a do homem, ainda que isto im-plique no recebimento de salários menores.

Erradicação do Trabalho Escravo no Campo

Page 72: CADERNO DE TEXTOS - contag.org.br · III MÓDULO DO CURSO REGIONAL CENTRO OESTE ... cípios e objetivos do processo for-mativo. Rememorar aspectos relevantes do processo formativo

Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura - CONTAG

72

O trabalho escravo constitui uma grave violação aos direitos humanos. A es-cravidão está baseada na coação física e às vezes na coação moral utilizadas por maus empregadores e capatazes que subjugam o trabalhador e trabalhadora. Nesta relação, os trabalhadores(as) não são reconhecidos(as) como portadores(as) de direitos que vendem a sua força de trabalho em troca de um salário, mas sim como propriedade de quem detém os meios de produção. Esta prática viola o direito à vi-da, pois priva a pessoa de sua liberdade e de exercer um trabalho com dignidade, submetendo-a a condições de trabalho degradantes, onde não há cumprimento de normas básicas de segurança e saúde.

Outro fator que dificulta as ações de fiscalização, bem como a organização dos trabalhadores(as) é a utilização do trabalho migrante, onde empresas ru-rais/fazendas empregam grande quantidade de mão-de-obra de trabalhadores de várias regiões do estado ou do país,

Erradicação do Trabalho Infantil e Proteção ao Trabalhador Adolescente

Estudos indicam que o trabalho precoce exercido por crianças e adolescentes compromete o seu desenvolvimento físico, emocional e psíquico. Além disso, o tra-balho precoce prejudica o acesso e rendimento escolar da criança e do adolescente. É preciso que se avance a partir dos estudos e pesquisas na definição precisa do que seja trabalho e aprendizado para crianças e adolescentes.

Todas essas questões precisam ser discutidas pelo MSTTR, de forma a se ter uma concepção clara sobre o trabalho infantil, especialmente no âmbito da agricultu-ra familiar. O MSTTR deve definir estratégias para superar este problema que afeta milhares de crianças e adolescentes no meio rural, já que a prática do trabalho infan-til é incompatível com o desenvolvimento sustentável que coloca o ser humano co-mo centro de sua ação.

Política Permanente de Valorização do Salário Mínimo

No meio rural, o salário mínimo é importante para o valor dos benefícios previ-denciários, reflete na remuneração dos assalariados e assalariadas rurais e é fonte de incremento na agricultura familiar.

É também uma ferramenta poderosa para aumentar a renda das mulheres, uma vez que são elas que na grande maioria da classe trabalhadora recebem o sa-lário mínimo.

O salário mínimo provoca ainda impacto direto na economia local, especial-

mente nos setores de bens e serviços. Isto porque, em 4.323 municípios rurais, os salários mínimos pagos através dos benefícios previdenciários de trabalhadores e trabalhadoras rurais superam os repasses feitos pela União através do Fundo de Participação dos Municípios.

Uma política de valorização e ampliação do poder aquisitivo do salário míni-mo, que altere o perfil distributivo da renda nacional, é urgente e necessária, contri-buindo para a redução da miséria, pobreza e exclusão social.

É fundamental que o governo e o Congresso Nacional definam uma política consistente para o salário mínimo, que garanta a sua valorização, assegure o cumprimento integral do texto constitucional, seja instrumento de distribuição

Page 73: CADERNO DE TEXTOS - contag.org.br · III MÓDULO DO CURSO REGIONAL CENTRO OESTE ... cípios e objetivos do processo for-mativo. Rememorar aspectos relevantes do processo formativo

Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura - CONTAG

73

igualitária da renda, possibilitando aos milhões de brasileiros e brasileiras excluídos uma vida digna e o pleno exercício de sua cidadania.

Políticas sociais para o campo

As políticas sociais desempenham um papel fundamental na construção de al-ternativas de desenvolvimento para o campo. A educação, saúde, lazer, previdência e assistência social, a formação profissional, a pesquisa e a assistência técnica são elementos estruturais de qualquer proposta de desenvolvimento.

Educação do Campo

Em um mundo em constante mutação, onde a questão tecnológica assume papel preponderante na capacidade de integrar-se ao sistema produtivo, é preciso uma mudança radical do ambiente educacional até agora oferecido aos trabalhado-res e trabalhadoras rurais. É preciso estabelecer uma maior relação entre o ensino regular básico, formação profissional, redes de extensão rural e assistência técnica e suas relações com a pesquisa.

Em 2000, realizamos o IV Fórum CONTAG de Educação que mobilizou todas as instâncias do MSTTR, universidades, organismos internacionais, ONGs, entre outras. O resultado foi uma agenda de trabalho visando acumular um debate sobre as bases de uma política específica de educação voltada para o desenvolvimento rural sustentável.

No ano de 2001, o MSTTR e outras entidades parceiras que têm experiência com educação formal e não-formal8 sistematizaram uma proposta de política pública, constituída por princípios e diretrizes da educação do campo que já vem sendo im-plementada em alguns municípios rurais.

Esta proposta foi incorporada ao documento aprovado pelo Conselho Nacional de Educação ao instituir as “Diretrizes Operacionais de Educação Básica para as Escolas do Campo”, através da Resolução n.º1, de 03 de abril de 2002.

Nas Diretrizes Operacionais da Educação Básica das Escolas do Campo a educação não se restringe ao espaço da escola, ela acontece também nos diferen-tes espaços em que os sujeitos vivem e trabalham, alimentando e fortalecendo o vínculo entre a cultura, a educação escolar e a educação não-escolar (formação po-lítica, formação profissional, etc).

O que define a identidade das escolas do campo não é necessariamente a sua localização geográfica, mas seu projeto político pedagógico e os sujeitos a quem ela se destina. Entretanto, é fundamental que essas escolas, em todos os ní-veis e modalidades de ensino, estejam localizadas nas comunidades, povoados, assentamentos, etc.

O projeto político pedagógico das escolas do campo deve estar a serviço da promoção do desenvolvimento humano e sustentável, e ter como referência a con-8MOC – Movimento de Organização Comunitária, SERTA, Secretaria Municipal de Educação de Curaçá/BA, IRPAA/BA,

ARCAFAR, UNEFAB, GT/UnB, Instituto Agostim Castejon, Escola de Formação da CUT da Amazônia, Escola do Campo

Casa Familiar Rural de Pato Branco/PR, dentre outros.

Page 74: CADERNO DE TEXTOS - contag.org.br · III MÓDULO DO CURSO REGIONAL CENTRO OESTE ... cípios e objetivos do processo for-mativo. Rememorar aspectos relevantes do processo formativo

Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura - CONTAG

74

cepção e prática pedagógica construída pelos movimentos sociais e sindical que atuam no campo.

O momento aponta para a necessidade do MSTTR desenvolver nos estados e municípios estratégias de sensibilização e formação de dirigentes e lideranças sin-dicais, em especial a juventude rural, e parceiros de outros movimentos sociais. A sensibilização e formação de gestores públicos também são necessárias, uma vez que cabe a estes a responsabilidade de implementar esta política.

O MSTTR deve também intervir nos espaços de formulação e gestão dos Pla-nos Municipais, Estaduais e Nacional de educação com a finalidade de incorporar a política de educação do campo.

Saúde Integral

O funcionamento efetivo do Sistema Único de Saúde (SUS) é o caminho para assegurar atendimento médico, odontológico e hospitalar adequado às necessida-des das populações rurais, que exigem atendimento específico, face às próprias características de localização em que se encontram. Além da luta pela manutenção do SUS, é preciso redirecionar o investimento público em saúde para ações estrutu-radoras de médio e longo prazo que visem a melhoria da qualidade de vida e garan-tia do bem estar social da população.

Com o PADRSS o MSTTR redimensionou o conceito de saúde passando a concebê-lo em sua integralidade física, mental, emocional e psicológica, além das interfaces: saúde do trabalhador, saúde da mulher, saúde da criança e do adoles-cente, saúde do idoso, saúde mental, saúde sexual e reprodutiva, saúde nutricional, atenção primária ambiental, inclusive tratando como problema de saúde a violência sexual e doméstica, uso de drogas e do álcool.

As mobilizações e pressões políticas do MSTTR levaram o Ministério da Saú-de a assinar um convênio com a CONTAG para implementar em todos estados o “Projeto de Formação de Multiplicadores(as) em Gênero, Saúde e Direitos Sexuais e Reprodutivos”. Este projeto articula diversas áreas da saúde (sexual, reprodutiva, mental, bucal, nutricional, etc), está voltado às pessoas nos vários ciclos da vida e tem o objetivo a formação de atores/atrizes sociais. O projeto também deverá contri-buir na formulação e adequação de uma Política Pública de Saúde para a População do Campo.

Em maio de 2004, o Ministério da Saúde constituiu um grupo denominado “Grupo da Terra”, com representação de diversas áreas técnicas do Ministério da Saúde e movimentos sociais e sindicais. A este grupo cabe a responsabilidade de formular a política de saúde para a População do Campo em parceria com outros ministérios.

Esta política em construção tem por base a intersetoralidade da saúde com outras políticas voltadas para o desenvolvimento sustentável; uma nova sistemática de financiamento para a Atenção Básica assegurando um adicional de 50% nos va-lores pagos por equipe de saúde da família em 100% dos municípios da Amazônia Legal com população inferior a 50 mil habitantes e indicadores de desenvolvimento humano muito baixo (0,7), também em 100% dos municípios com população inferior a 30 mil habitantes e indicadores de desenvolvimento humano muito baixo (0,7), bem como áreas de assentamento e de quilombos.

Page 75: CADERNO DE TEXTOS - contag.org.br · III MÓDULO DO CURSO REGIONAL CENTRO OESTE ... cípios e objetivos do processo for-mativo. Rememorar aspectos relevantes do processo formativo

Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura - CONTAG

75

A Política Pública de Saúde para a População do Campo, entretanto, só atingi-rá os resultados se os estados e municípios assumirem a sua parte, uma vez que lhes competem a responsabilidade de promover a assistência integral médica, labo-ratorial, hospitalar e farmacêutica à população, em especial a rural.

O MSTTR está presente nos conselhos nacional, estaduais e municipais de

saúde, entretanto, esta representação deve fazer uma intervenção efetiva e qualifi-cada com a finalidade de fiscalizar a implementação desta política e aplicação dos recursos. Umm dos caminhos é a realização de cursos de capacitação para todos/as os/as conselheiros/as que representam os diversos conselhos em seus respectivos municípios, por meio das FETAGs.

Previdência Social

O acesso dos trabalhadores e trabalhadoras rurais aos benefícios da Previ-dência e Assistência Social é fundamental para o resgate da dignidade e cidadania de milhões de pessoas. Além disso, os recursos da aposentadoria têm se mostrado um importante instrumento de transferência de renda para o interior do País, che-gando a ser fator de dinamização de diversos municípios. Esta tendência reverte, em parte, a orientação histórica de transferência de recursos do setor rural para o setor urbano.

Embora a aposentadoria constitua, em parte dos municípios rurais, a principal fonte de renda e, portanto, um fator propulsionador do desenvolvimento local, mais de 1 milhão de pessoas tiveram seus benefícios represados e indeferidos pela buro-cracia do INSS, no período de 1994 a 1997.

No PADRSS a Previdência Social é um instrumento importante para produzir processos de desenvolvimento e distribuição de renda. Na área rural, houve uma evolução significativa de proteção social devido a universalização dos benefícios da Previdência Social ocorrida a partir do início de 1990.

AS POLÍTICAS TRANSVERSAIS DO PADRSS: GÊNERO, GERAÇÃO, RAÇA, ETNIA E MEIO AMBIENTE:

O MSTTR deve assumir o compromisso de transformar as estruturas que susten-tam as relações entre as pessoas, pois não haverá sustentabilidade nos processos de desenvolvimento sem o estabelecimento de relações sociais, justas, democráti-cas, igualitárias e solidárias.

Neste sentido o MSTTR deve estar em constante diálogo com todos os sujei-tos políticos que compõem a categoria trabalhadora rural, garantindo a sua partici-pação, reconhecendo as suas diferenças e especificidades e incorporando as suas respectivas demandas, especialmente os mais excluídos e discriminados como mu-lheres, jovens, 3ª idade, idosos.

O MSTTR já promoveu avanços, a exemplo da aprovação da cota de mulhe-res, participação crescente de mulheres e jovens nos cargos de direção do MSTTR, ampliação e fortalecimento das comissões de mulheres, ações de massa como a Marcha das Margaridas, e mais recentemente a criação das comissões de jovens e pessoas da 3ª idade.

Page 76: CADERNO DE TEXTOS - contag.org.br · III MÓDULO DO CURSO REGIONAL CENTRO OESTE ... cípios e objetivos do processo for-mativo. Rememorar aspectos relevantes do processo formativo

Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura - CONTAG

76

É importante entender que a cota mínima de participação no MSTTR surge como instrumento de democratização das relações de poder entre mulheres e ho-mens, contribuindo para o reconhecimento das mulheres como sujeitos políticos, assegurando a sua participação direta em todos espaços formativos e de decisão da CONTAG, FETAGs e STRs. Embora importantes e necessárias, a cota sozinha e a estruturação de uma secretaria de mulheres não tem sido suficientes para superar os problemas relacionados as desigualdades de gênero. É urgente e necessário também ampliar e fortalecer as comissões de mulheres em todas as instâncias do MSTTR, pois são nesses espaços que as mulheres se articulam e buscam construir unidade em torno de questões comuns, refletem sobre sua realidade específica e elaboram propostas para serem articuladas e incorporadas às lutas gerais do MST-TR.

Gênero no PADRSS é um conceito em construção, que articula a dimensão de classe, geração, raça e etnia, e serve para entender as relações de poder e de hierarquia estabelecidas entre mulheres e homens na família, na comunidade, no local de trabalho, no sindicato, e na sociedade em geral.

É importante compreender que estas desigualdades estão fundamentadas em aspectos culturais, estruturais e institucionais, tendo pôr base o modelo de família patriarcal e a divisão sexual do trabalho. A ideologia patriarcal se sustenta na idéia de que o homem representa a família em todos os assuntos externos e é o adminis-trador da propriedade familiar. Já a divisão sexual do trabalho fundamenta a idéia do homem ser socialmente reconhecido como agricultor e a mulher como doméstica ou “ajudante”. Essa visão discriminatória revela uma profunda desigualdade nas rela-ções entre mulheres e homens, uma vez que não valoriza e não reconhece a quan-tidade de tempo que as mulheres dedicam às atividades agrícolas e não-agrícolas produtivas. Muito menos atribuem um valor econômico ao trabalho doméstico, fun-damental para viabilizar a agricultura familiar, não fazendo a inter-relação entre o trabalho doméstico, o cuidado com os filhos e a reprodução e manutenção da força de trabalho na agricultura familiar.

Por esta razão, o foco central da nossa política transversal de gênero é contri-buir para a construção de novas relações entre mulheres e homens baseadas na igualdade de direitos e oportunidades. A estratégia política é reconhecer e empode-rar as mulheres como sujeitos políticos, contrapondo-se à condição de opressão e subordinação imposta pelo capitalismo e patriarcado.

Geração no PADRSS é um conceito que explicita o papel social que cada pessoa cumpre nas diferentes fases da vida: infância, adolescência, juventude, adul-to, terceira idade e idosos. Estes papéis se alteram de acordo com a época e história de cada sociedade. Diferente das questões de gênero que dirigem um apelo para o fim da desigualdade, subordinação e opressão das mulheres, o enfoque geracional faz um apelo sobre a valorização e as oportunidades de inserção social de jovens, 3ª idade e idosos na sociedade.

Juventude Rural: Para o MSTTR jovem rural são mulheres e homens que vi-vem e trabalham no meio rural, e se encontram na idade de 16 a 32 anos. Ser jovem é uma condição relativa e transitória, pois logo entrarão nas outras fases da vida. Entretanto, é na fase da juventude que as pessoas vão afirmando suas identidades sociais e profissionais, e definindo sua formação física, intelectual, psicológica e e-mocional. Dessa forma, é importante estarmos abertos para entender os processos

Page 77: CADERNO DE TEXTOS - contag.org.br · III MÓDULO DO CURSO REGIONAL CENTRO OESTE ... cípios e objetivos do processo for-mativo. Rememorar aspectos relevantes do processo formativo

Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura - CONTAG

77

de mudanças e definições que se apresentam nesta fase da vida. Neste sentido, ressaltamos que os critérios de faixa etária (18 a 24 anos), estabelecidos pelos ges-tores públicos e instituições multilaterais e bilaterais não dialogam com a realidade da juventude rural, precisando ser avaliados e alterados, para que seja adotado o conceito de juventude utilizado pelo MSTTR.

O foco central de nossa política é elevar a auto-estima da juventude, incentivar e fortalecer a sua organização e formação política, apresentar propostas de políticas sindicais e políticas públicas que promovam e efetivem a inserção social da juventu-de no meio rural em nível nacional reafirmando a consciência de classe e o fortale-cimento do trabalho coletivo e solidário.

A construção de políticas voltadas para atender os anseios da juventude é um investimento que o MSTTR está fazendo para os (as) jovens trabalhadores e traba-lhadoras rurais de hoje e os (as) adultos de amanhã. Neste sentido, as questões da juventude devem perpassar todas as políticas e ações sindicais. As propostas políti-cas da juventude devem ser de responsabilidade compartilhada entre as Coordena-ções e Comissões de Jovens trabalhadores e trabalhadoras do MSTTR e as demais secretarias e setores do movimento sindical.

3ª idade no PADRSS é uma forma de valorizar os conhecimentos e saberes de mulheres e homens que estão acima dos 50 anos de idade, que vivem e traba-lham no meio rural . É também uma forma de reconhecer a contribuição dessas pes-soas na construção do Movimento Sindical, na vida familiar, na vida comunitária e na sociedade em geral.

No MSTTR é predominante a participação de mulheres e homens acima dos 50 anos de idade nos espaços de direção do MSTTR. É visível também como asso-ciados dos STTRs, até porque é nesta fase da vida que essas pessoas procuram assegurar seu direito à aposentadoria. Mesmo desempenhando papel importante na vida familiar e comunitária, infelizmente muitas dessas pessoas sofrem discrimina-ção e preconceitos, ficando à margem na sociedade. É neste sentido que surge o debate sobre a organização da 3ª Idade e Idosos na estrutura sindical. A finalidade é elaborar e implementar políticas sindicais e políticas públicas que elevem a auto-estima dessas pessoas, assegurem seus direitos e garantam sua inserção social na vida familiar, comunitária, sindical e na sociedade em geral.

Raça e Etnia - A pessoa é portadora de diferentes identidades sociais. Além de sermos mulheres e homens, trabalhadoras e trabalhadores rurais, em diferentes fases da vida, somos também portadores de uma identidade racial e étnica.

Raça é uma categoria que serve para definir a identidade racial de uma pes-soa ou grupos sociais. Esta categoria considera as características físicas de um de-terminado grupo de pessoas que são transmitidas de geração em geração, bem co-mo sua origem e história de vida. Estas pessoas incorporam e difundem expressões culturais especificas, como religião, língua, dança, arte, literatura, entre outras.

Etnia é uma categoria que serve para entender a identidade de um povo. Ca-da povo tem seu território, costumes, hábitos, tradições e formas próprias de organi-zação social, política, econômica, bem como de convivência com o meio ambiente.

As abordagens transversais de gênero, geração, raça e etnia têm contribuído para entender alguns fenômenos sociais que vêm ocorrendo no meio rural, como a feminização da pobreza, a masculinização do campo, o envelhecimento das pesso-

Page 78: CADERNO DE TEXTOS - contag.org.br · III MÓDULO DO CURSO REGIONAL CENTRO OESTE ... cípios e objetivos do processo for-mativo. Rememorar aspectos relevantes do processo formativo

Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura - CONTAG

78

as com diminuição das taxas de natalidade (nascimentos) e a tendência de saída da juventude em busca de outras oportunidades de vida e de futuro. Tem contribuído também para quebrar a indiferença frente às discriminações e preconceitos de raça e etnia.

Meio Ambiente

O debate sobre sustentabilidade, além de refletir sobre o uso racional e ade-quado dos recursos naturais, incorpora as discussões quanto à necessidade de se promover a democratização da terra e da água e a distribuição das riquezas entre as nações e internamente em cada País.

A sustentabilidade não pode estar associada ao mero crescimento econômico, baseado na exploração dos recursos naturais como se estes fossem infinitos.

O grande desafio para a agricultura familiar é o de se afirmar enquanto a al-ternativa viável para a construção do desenvolvimento rural sustentável. Para tanto, a agricultura familiar deverá orientar, cada vez mais, suas formas produtivas e orga-nizativas de modo a incorporar valores ambientais.

Neste sentido, o PADRSS define a agroecologia como estratégia a ser adota-da pela agricultura familiar, porque este padrão produtivo, além de significar rentabi-lidade, incorpora valores essenciais da sustentabilidade.

A CONTAG, FETAGs e STTRS, deverão ampliar seus esforços para promover a capacitação e sensibilização do conjunto dos assentados (as) e agricultores(as) familiares, estimulando para que adotem a agroecologia como forma produtiva que melhor responde à demanda pelo equilíbrio entre a exploração econômica e a con-servação ambiental. Inclusive promovendo a recomposição e conservação das ma-tas ciliares e de reserva legal com a utilização de plantas frutíferas.

É urgente incorporar, também, no debate sobre sustentabilidade a discussão sobre o uso racional e democrático dos recursos hídricos, conscientizando sobre o direito à água enquanto um direito humano e um bem público, universal e não priva-tizável.

O cuidado com os mananciais, a recomposição de matas ciliares, investimento em políticas de saneamento, dentre outras, são medidas essenciais e urgentes. Da mesma forma, é preciso que o MSTTR aprofunde o debate (que vem sem feito por vários setores da sociedade), quanto à proposta de construir uma legislação ampla sobre os valores da água e sua dimensão como um direito humano.

Construção de estratégias e alianças para a consolidação do PADRSS:

A construção de um projeto alternativo para o campo, demanda uma ação permanente de (re)elaboração de propostas e de ações estratégicas, que depende de um envolvimento social que vai além da base de representação do MSTTR. É preciso, portanto, articular o acúmulo teórico e prático do movimento sindical e dos seus parceiros e aliados, em suas diversas instâncias e organizações. A ação sindi-cal deve combinar a proposição, negociação, com mobilização social, a luta política e articulação com outras organizações.

A construção do projeto para o campo, articula e é articulado por uma estraté-gia democrática de desenvolvimento global que, além de garantir a inclusão social, possibilita a produção e a reprodução da qualidade de vida para o conjunto da soci-edade.

Page 79: CADERNO DE TEXTOS - contag.org.br · III MÓDULO DO CURSO REGIONAL CENTRO OESTE ... cípios e objetivos do processo for-mativo. Rememorar aspectos relevantes do processo formativo

Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura - CONTAG

79

O crescimento econômico nas cidades, por mais forte que venha a ser, será incapaz de reduzir ou estabilizar o atual desemprego urbano e suas conseqüências diretas: fome, miséria, marginalização e violência. Qualquer anseio de desenvolvi-mento sustentável global para o País será mero sonho se não partir da ampliação das oportunidades de geração de renda no meio rural. Por outro lado, a permanente disputa de hegemonia com os setores dominantes exige a formulação de propostas amplas, na busca de unificar as lutas na construção de alternativas para todos os trabalhadores e trabalhadoras brasileiras.

É estratégica a aliança de classe no enfrentamento ao projeto neoliberal. A CONTAG, a partir de seu espaço de atuação, organiza os trabalhadores e trabalha-doras rurais para a luta e disputa de hegemonia na sociedade e, junto com a CUT, estabelece processos de aliança entre os trabalhadores do campo e a cidade.

No âmbito da organização sindical, é preciso construir entidades com maior organicidade, democracia e participação nas estruturas e nas ações, além de maior investimento na formação política da militância.

A ação sindical local na construção de alternativas de desenvolvimento:

Este projeto de desenvolvimento interessa à maioria da sociedade e todos os atores sociais devem estar envolvidos. A mobilização da comunidade é condição imprescindível para o início e perenidade de um desenvolvimento alternativo. As ins-tâncias do MSTTR, em especial os STTRs e seus parceiros, deverão qualificar a sua atuação para participar ativamente na construção deste desenvolvimento. As ações dos STTRs não poderão se dar isoladamente nem apenas na defesa dos interesses dos seus representados, mas propor ações concretas para o conjunto dos movimen-tos sociais frente à atual realidade econômica e social dos municípios. Portanto, ca-be aos STTRs articular o processo de discussão nos municípios, envolvendo outros setores da sociedade, sensibilizando e estimulando este processo.

O primeiro esforço deve ser de elaborar os projetos de desenvolvimento lo-cais, através de processos democráticos. A participação popular deve ser constante. Um instrumento importante a ser utilizado para assegurar o debate e a efetivação de alternativas de desenvolvimento são os Conselhos Municipais de Desenvolvimento. O desafio é fazer com que estes conselhos sejam, de fato, instrumentos importantes de participação social, garantindo legitimidade política.

Além do acompanhamento e atuação junto às Câmaras Municipais e partici-pação nos conselhos municipais, o MSTTR deverá atuar também na discussão e definição do processo de planejamento e orçamento municipal, direcionando a sua aplicação a serviço do desenvolvimento sustentável. Os Planos Plurianuais, a Lei de Diretrizes Orçamentárias e a Lei Orçamentária Anual são importantes instrumentos, definidos na Constituição Federal, Constituições Estaduais e Leis Orgânicas dos Municípios, que podem e devem ter participação direta dos movimentos sociais.

O MSTTR deve ser um ator estimulador da comunidade, propondo novas al-ternativas de desenvolvimento, buscando a retomada da auto-estima da população e o incremento das suas capacidades produtivas e gestão das políticas sociais pelo conjunto da população. Neste sentido, é importante lembrar que a Agenda 21 é um espaço privilegiado para o debate do desenvolvimento sustentável.

Page 80: CADERNO DE TEXTOS - contag.org.br · III MÓDULO DO CURSO REGIONAL CENTRO OESTE ... cípios e objetivos do processo for-mativo. Rememorar aspectos relevantes do processo formativo

Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura - CONTAG

80

A partir do debate e compromisso dos candidatos ao Executivo e Legislativo municipais, o MSTTR deve investir na eleição de candidatos que se comprometam com a defesa e implementação de um Projeto Alternativo de Desenvolvimento Rural Sustentável através de ampla e massiva reforma agrária e do fortalecimento e valo-rização da agricultura familiar.

Relações internacionais:

As relações internacionais desenvolvidas pelo MSTTR são importantes para consolidar o projeto político centrado no fortalecimento da ação sindical e na cons-trução do PADRSS.

A parceria com as agências de cooperação técnica, organizações não-governamentais e organizações sindicais são fundamentais para a divulgação e a-firmação do nosso projeto político.

Resguardando independência e autonomia, o diálogo do MSTTR com orga-nismos internacionais: FAO, PNUD, IICA, OIT e outras têm obtido apoio e coopera-ção na elaboração de estudos técnicos para a construção de políticas públicas que visam o fortalecimento da agricultura familiar e a promoção do desenvolvimento ru-ral.

A filiação da CONTAG à CUT e à UITA foi estratégica para ampliar as rela-ções do MSTTR com outras organizações sindicais no nível nacional e internacional, levando para estas, a necessidade de fortalecerem ações em defesa da agricultura familiar e da melhoria das condições de vida e trabalho dos assalariados e assalari-adas rurais.

A CONTAG vem ampliando as relações com as organizações não-governamentais comprometidas com MSTTR, estabelecendo parcerias que visam, principalmente, a divulgação, afirmação e implementação do PADRSS. Nesse senti-do, por meio da CUT, a CONTAG assegura representação e defesa dos interesses dos agricultores familiares e dos assalariados rurais no Fórum Consultivo Econômico e Social – FCES do Mercosul, e ao mesmo tempo, amplia as relações de política sindical no cenário regional e internacional.

As negociações em curso na Organização Mundial do Comércio – OMC - re-

presenta outro grande desafio para o MSTTR. As rodadas de negociação poderão estabelecer regras de comércio que afetarão a vida de milhares de trabalhadores e trabalhadoras. Neste sentido, a CONTAG participa e intervém nos espaços de dis-cussão e formação de posição sobre o processo de negociação na OMC, defenden-do seu projeto e reafirmando a necessidade do tratamento especial e diferenciado para a agricultura familiar do Brasil e dos países em desenvolvimento.

A CONTAG ocupa um espaço estratégico do ponto de vista político sindical, atuando como referência da sociedade civil da América Latina para o CIP-FAO, on-de destaca suas propostas de desenvolvimento sustentável para a soberania e se-gurança alimentar.

A CONTAG também assumiu a secretaria executiva da COPROFAM, fortale-ceu as relações entre as organizações desta Coordenadora e dinamizou suas ações no MERCOSUL, possibilitando a COPROFAM assumir um papel estratégico de arti-culação e de intervenção nos espaços de formulação e de decisão das políticas de desenvolvimento rural sustentável no MERCOSUL.

Page 81: CADERNO DE TEXTOS - contag.org.br · III MÓDULO DO CURSO REGIONAL CENTRO OESTE ... cípios e objetivos do processo for-mativo. Rememorar aspectos relevantes do processo formativo

Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura - CONTAG

81

As relações internacionais têm um papel importante no processo de consoli-dação dos PADRSS e no fortalecimento das ações do MSTTR na perspectivas do desenvolvimento rural sustentável.

O papel da formação no PADRSS:

O papel da formação é qualificar a ação sindical enquanto agente transforma-dor da realidade, dialogando e colaborando com o processo de formulação e imple-mentação do PADRSS. Para isso, é preciso que a formação contribua para que a categoria analise criticamente a sua realidade social, potencializando a construção de alternativas de enfrentamento e transformação social. Esta é uma das razões pa-ra que o MSTTR compreenda a formação enquanto investimento e não como des-pesa.

Aspectos da Formação:

A formação é um instrumento político - pedagógico que favorece a expressão e afirmação da pluralidade de idéias e pensamentos, abrindo caminho para a cons-trução da unidade política sindical.

Princípios Pedagógicos da Formação

São princípios pedagógicos da formação do MSTTR: • Analisar os fatos a partir de uma visão de movimento, onde tudo está em

constante mudança. • Compreender formação de modo sistêmico, ou seja, a formação não é

só um instrumento meio que permeia toda a ação sindical, mas também um início e um fim, que tem por finalidade construir produtos/resultados claros.

• Interpretar e entender os interesses das partes a partir da dinâmica do todo.

• Compreender que a ação formativa é uma ação política, nela não há neutralidade.

• Compreender que a ação sindical é sempre uma ação formativa. • Trabalhar não só com uma única verdade, mas perceber as possibilida-

des de estabelecer consensos, entre as várias verdades existentes sobre um dado conhecimento.

• Direcionar sua ação no caminho do fortalecimento da cooperação, da não-violência e da justiça social.

• Avaliação permanente da prática sindical. • Repensar a ação e a organização sindical de forma que ambas estejam

pautadas num amplo processo de democratização das relações políticas no interior do MSTTR. Nesta perspectiva, as relações sociais de gênero, geração, raça e etnia devem ser trabalhadas enquanto base para a superação da exclusão e aumento da participação das mulheres, das pessoas da terceira idade e dos jovens nos proces-sos de formulação das políticas e das instâncias de decisão.

A abordagem metodológica da formação:

• Estar centrada no enfoque da construção coletiva, na garantia da afirma-ção e negociação entre os diversos saberes, desejos, necessidades e potencialidades das pessoas envolvidas na definição dos procedimentos e dos conteúdos trabalhados. O objetivo é estabelecer um processo de

Page 82: CADERNO DE TEXTOS - contag.org.br · III MÓDULO DO CURSO REGIONAL CENTRO OESTE ... cípios e objetivos do processo for-mativo. Rememorar aspectos relevantes do processo formativo

Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura - CONTAG

82

cooperação ativa entre os participantes, desenhando de forma progres-siva, consensos táticos e estratégicos.

• Ter como ponto de partida o resgate e a garantia do diálogo entre os in-teresses de todos os envolvidos. A perspectiva política é potencializar, ampliar e radicalizar o conceito e a prática da democracia.

• Ser planejada com indicadores de resultados definidos para que se saiba o que se quer alcançar, acompanhadas de avaliações periódicas. O pro-cesso deve ser realimentado pela análise dos serviços que estão sendo prestados à categoria. A análise coletiva da prática é o referencial de a-valiação a ser utilizado. Para termos segurança se o que estamos avali-ando é verdadeiro ou falso precisamos identificar alguns indicadores de resultados. Desta forma, devem ser garantidos recursos financeiros, hu-manos e técnicos próprios, para executar as propostas planejadas, pois do contrário, o MSTTR continuará fazendo formação de forma esporádi-ca e amadora.

• Propiciar a inserção dos diversos segmentos que fazem parte da classe trabalhadora (mulheres, homens, jovens, pessoas da terceira idade, etc.) no processo político pedagógico, respeitando suas especificidades e fa-vorecendo a troca de aprendizagem.

• Realizar permanente de atividades de capacitação do PADRSS dentro do MSTTR, que além dos dirigentes alcance os trabalhadores e traba-lhadoras rurais, ressaltando os aspectos da busca da igualdade, preser-vação ambiental e da solidariedade.

• Capacitar e mobilizar as mulheres trabalhadoras rurais para uma partici-pação mais qualificada nos fóruns e conselhos, onde ocorre a constru-ção do PADRSS.

A IMPORTÂNCIA DA PARTICIPAÇÃO ATIVA DO MOVIMENTO SINDICAL DOS TRABALHADORES E TRABALHADORAS RURAIS PARA A CONSTRUÇÃO DO PROJETO ALTERNATIVO DE DESENVOLVIMENTO RURAL SUSTENTÁVEL E

SOLIDÁRIO (PADRSS)

Antonio Gilberto Viegas da Silva9

Somos o que fazemos, mas somos principalmente, o

que fazemos para mudar o que somos. 9Médico Veterinário, Assessor Regional da CONTAG para a Região Centro-Oeste.

E-mail: [email protected]

Page 83: CADERNO DE TEXTOS - contag.org.br · III MÓDULO DO CURSO REGIONAL CENTRO OESTE ... cípios e objetivos do processo for-mativo. Rememorar aspectos relevantes do processo formativo

Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura - CONTAG

83

Eduardo Galeano.

A população brasileira deve guardar na lembrança a figura do então constitu-inte Ulisses Guimarães erguendo o exemplar do texto constitucional e bradando: ”esta é a constituição cidadã”, aquela afirmação não era apenas uma figura de retó-rica, mas a mensagem significativa que a sociedade havia conquistado através de seus representantes, um instrumento de orientação da vida democrática da nação.

A simbologia do gesto do líder político indicava que os movimentos sociais e toda a sociedade brasileira tinham uma participação efetiva na conquista de espaços fundamentais de discussão e implementação de políticas de interesse de toda a so-ciedade.

O tema aqui colocado surge a partir de debates e reflexões com lideranças de trabalhadores e trabalhadoras rurais sobre os desafios do movimento sindical, em encontros realizados em um dos módulos de formação político-sindical da Escola Nacional de Formação (ENFOC) da Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (CONTAG), em que se objetivou a formação e capacitação de suas lide-ranças e parceiros. Nesses debates evidenciou-se uma posição, até certo ponto compreensível, de alguns dos participantes, que entendiam que o Movimento Sindi-cal dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais (MSTTR) não deveria participar de alguns espaços de discussão no município porque estaria fortalecendo o Projeto Neoliberal, o projeto hegemônico. Achava essa mesma corrente, que a base do mo-vimento é que deveria ser trabalhada para se contrapor a essa hegemonia. Outros sustentavam que era necessário participar efetivamente, tanto na base, sensibilizan-do e capacitando as lideranças, como nos diversos espaços de participação con-quistados pelo próprio movimento. Foi essa diversidade de opiniões, muito salutar para o desenvolvimento coletivo, que induziu às reflexões e idéias tratadas neste texto. Entende-se que é fundamental sensibilizar a base do movimento, estar ligado às suas questões, mas não se pode prescindir dos diversos espaços conquistados e que devem ser valorizados com uma participação qualificada de nossas lideranças na busca de novas conquistas e na reafirmação das já consolidadas. Gandim (1994) observa que do ponto de vista prático tem-se três tipos de ações:

1. Dos extremos conservadores: para os quais não há distinção entre a realida-de desejada e a existente.

2. Dos extremos revolucionários: para os quais não há ponto de contato entre a realidade desejada e a realidade existente.

Realidade Existente

Realidade Desejada

Realidade

Existente

Page 84: CADERNO DE TEXTOS - contag.org.br · III MÓDULO DO CURSO REGIONAL CENTRO OESTE ... cípios e objetivos do processo for-mativo. Rememorar aspectos relevantes do processo formativo

Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura - CONTAG

84

3. Dos que querem mudanças a partir do que existe: para os quais a realidade

desejada e a realidade existente têm pontos de contato e pontos discordan-tes.

Dentre as alternativas mostradas, esta última é a mais indicada para a imple-mentação do PADRSS, uma vez que a primeira não é pretendida porque o MSTTR não está conformado com uma realidade de exclusão e reprodução da pobreza e de manutenção do projeto conservador. Por outro lado, não existe ambiente para ex-tremos revolucionários, no sentido de se pegar em armas para uma mudança radi-cal, uma vez que a mudança está sendo processada com a participação da socieda-de civil e o movimento sindical dos trabalhadores (as) rurais tem sido um protagonis-ta de extremo significado na construção de um ambiente democrático.

Todos concordam que as ações na base devem ser processadas com bastan-te efetividade buscando sensibilizar as lideranças para uma participação nos espa-ços conquistados com mais propriedade e de maneira qualificada. A grande maioria dos municípios brasileiros tem formado os seus Conselhos Municipais de Desenvol-vimento Rural Sustentável (CMDRS), onde vários segmentos da sociedade civil têm assento. Mas sabe-se por outro lado que, na grande maioria desses municípios exis-te uma manipulação significativa por parte do poder local.

A esmagadora maioria dos conselhos de desenvolvimento ru-ral formou-se no Brasil a partir de 1997 como condição para que os municípios recebessem recursos do Programa Nacio-nal de Fortalecimento da Agricultura Familiar (PRONAF) em sua “linha” de infra-estrutura e serviços. (ABRAMOVAY, 2001).

Quanto mais ativos forem os movimentos sociais, menos serão essas interfe-rências negativas dos poderes locais. Sabe-se que são poucos os municípios brasi-leiros que não contam com a presença de um sindicato de trabalhadores (as) rurais. O que é um fator que motiva a intensificação do trabalho de base para se contrapor à essa dominação. E como se faz esse contraponto? Certamente fortalecendo as lideranças do movimento sindical para uma participação reflexiva, a fim de reverter essa interferência negativa do poder local. Desse modo, é praticamente impossível trabalhar a base sem fazer com que seus atores sociais possam estar ocupando es-ses espaços para a reversão do processo hegemônico que se instala em primeira

Realidade Deseja-da

Realidade Deseja-da

Realidade Existen-te

Page 85: CADERNO DE TEXTOS - contag.org.br · III MÓDULO DO CURSO REGIONAL CENTRO OESTE ... cípios e objetivos do processo for-mativo. Rememorar aspectos relevantes do processo formativo

Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura - CONTAG

85

instância, no município e, posteriormente em toda sociedade. Nesse aspecto é im-portante atentar para a observação de Furtado:

Assim, a capacitação direcionada a formar atores reflexivos e interativos permite a construção de uma abordagem pedagó-gica para intervenção, que tenta desenvolver ações no senti-do da formação de capital social, para tornar possível enca-minhar soluções para os problemas crônicos do rural, tendo como referência o desenvolvimento local. (2000, p. 47).

É com a visão de cada vez mais se intensificar a formação de lideranças na base, para potencializar a capacidade endógena dos diversos atores para influenciar de maneira positiva as definições de políticas que venham de encontro aos interes-ses dos agricultores (as) familiares. Não se consegue avançar nesse sentido apenas trabalhando mobilizações de massa, sem buscar aproveitar todas as conquistas que a sociedade civil organizada tem conseguido. Dentre essas conquistas está aquela em que as verbas do governo federal não são repassadas para os municípios se não houver o aval de cada conselho, por exemplo. Esse é um sinal claro que indica a necessidade de acompanhamento nesses espaços pelos representantes do MST-TR, não apenas como elemento fiscalizador dos recursos públicos, mas para propo-sição de ações que visem o interesse coletivo em cada município. Esse pensamento não representa uma coisa nova para o movimento como um todo, é evidente que existem, como já foi colocado anteriormente idéias discordantes, mas é emblemática a afirmação da CONTAG: A CONTAG se propõe, a partir de seu espaço de atuação – o

setor rural, organizar os trabalhadores e trabalhadoras para a luta e a disputar a hegemonia na sociedade, para chegar a transformações capazes de garantir melhores condições de vida e trabalho para todos, resgatando a cidadania em todos os espaços sociais. (2000).

Esses espaços de participação não podem se tornar meros assentos de ex-pectadores passivos a escutarem as decisões que emanam dos poderes locais do-minantes. “Quem acredita em participação, estabelece uma disputa com o poder”. (DEMO, 2001, p. 20).

Verifica-se que na grande maioria dos municípios o poder local tem uma certa tranqüilidade com relação à “participação” das entidades nos conselhos. Mantém segundo essas entidades uma “boa” relação com os prefeitos, concordando com tudo que lhes são apresentados. Esquecem esses representantes dos vários seg-mentos da sociedade civil que muitas vezes o conflito se estabelece para se chegar ao consenso. Mas para que isso aconteça há necessidade de re-significar a partici-pação.

A CONTAG tem se preocupado com a formação e capacitação não apenas de suas lideranças, mas de seus parceiros e colaboradores, o que tem melhorado sensivelmente essas intervenções em vários locais. O que vem a ser consubstanci-ado pela afirmação de Demo:

* Os fenômenos participativos, sobretudo as formas de organi-zação da sociedade civil, precisam manifestar pelo menos

Page 86: CADERNO DE TEXTOS - contag.org.br · III MÓDULO DO CURSO REGIONAL CENTRO OESTE ... cípios e objetivos do processo for-mativo. Rememorar aspectos relevantes do processo formativo

Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura - CONTAG

86

quatro marcas qualitativas para corresponderem àquilo que estamos chamando de qualidade política: representatividade, legitimidade, participação da base e planejamento participativo auto-sustentado.(2001, p. 45).

É nesse aspecto que a atuação da ENFOC toma um caráter fundamental no processo de formação e capacitação de seus educandos, estimulando a dissemina-ção de toda experiência vivenciada, mas também buscando a re-significação de pensamento desses mesmos educandos, nos vários momentos em que os educado-res são convidados a refletirem a atuação sindical, frente aos diversos desafios a-presentados pelo projeto hegemônico.

Portanto, dentre tantos elementos que a ENFOC traz para discussão do mo-vimento sindical, uma delas é dar visibilidade para o próprio movimento sobre a ne-cessidade de ruptura com a passividade que alguns membros têm, contribuindo in-clusive, com o fortalecimento do projeto neoliberal. É preciso estar atento a esse de-safio de caráter interno do Movimento Sindical dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais.

Page 87: CADERNO DE TEXTOS - contag.org.br · III MÓDULO DO CURSO REGIONAL CENTRO OESTE ... cípios e objetivos do processo for-mativo. Rememorar aspectos relevantes do processo formativo

Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura - CONTAG

87

BIBLIOGRAFIA

GANDIN, Danilo. A Prática do Planejamento Participativo. Petrópolis, RJ: Vozes, 1994. ABRAMOVAY, Ricardo. In Conselhos Além dos Limites. 2001. Texto preparado para o Seminário Desenvolvimento Local e Conselhos Municipais de Desenvolvi-mento Rural organizado pela EMATER/RS, pela FETAG/RS com apoio da GTZ, nos dias 20 e 21 de junho de 2001. FURTADO, Ribamar e Eliane. A Intervenção Participativa dos Atores- INPA. Uma Metodologia de Capacitação para o Desenvolvimento Local Sustentável. IICA. Brasília, 2000. CONTAG. Nossa Luta, Nossa História. Brasília/DF: Multimeios, 2000. DEMO, Pedro. Participação é Conquista:noções de política social. 5.ed. São Paulo: Cortez, 2001. __________.Pobreza Política. 6. ed. Campinas,SP: Autores Associados, 2001.