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c) Colônia de Férias do Instituto de Resseguros do Brasil (IRB). Rio de Janeiro,

1943. Arqs. MMM Roberto

A obra dos irmãos Roberto19 é importante em, pelo menos, três aspectos: o

primeiro, revelado por Yves Bruand (2003, p. 94), é que ela contempla realizações

pioneiras e de impacto para a arquitetura moderna brasileira antes mesmo da feitura

do prédio do Ministério da Educação e Saúde, livres, portanto, da influência direta da

segunda vinda de Le Corbusier20 ao Brasil em 1936; o segundo é que o grupo será

um dos mais talentosos, responsável por uma das melhores pesquisas

arquitetônicas do modernismo brasileiro, resultando em um todo formal

plasticamente variado, ao mesmo tempo aliado dos mais rígidos requisitos

funcionais; o terceiro é que é trabalho pouco estudado, não existindo, ainda,

nenhuma publicação “definitiva” sobre o assunto.

Marcelo e Milton Roberto foram vencedores de dois importantes concursos no

momento de mudança definitiva da arquitetura anterior ao Ministério: os prédios da

Associação Brasileira de Imprensa (ABI) e do aeroporto Santos Dumont, ambos no

Rio de Janeiro. O primeiro, de 1936, foi alvo de intensa movimentação pública em

torno de sua concepção, bastante contemporânea em sua inserção na “cidade

antiga”. A rigidez geométrica, a estranheza de sua fachada cega de aberturas

tradicionais, rasgada por quebra-sóis de inspiração corbusieriana, e a generosidade

com que o térreo aberto foi tratado foram aspectos que chocaram a todos

19 Como afirma Segre (2001, p. 22), “a vasta produção arquitetônica da família Roberto, atribuída genericamente a ‘irmãos Roberto’, pode ser subdividida pelo seguinte esquema: Marcelo Roberto, 1929-34; Marcelo e Milton Roberto, 1934-40; MMM Roberto (Marcelo, Milton e Maurício), 1940-53; Marcelo e Maurício Roberto, 1953-1964; M. Roberto Arquitetos Associados (Maurício e seu filho Márcio), 1964-década de 1990”. 20 De outra forma, também é importante dizer que, embora decididamente mobilizados por Le Corbusier, os arquitetos construíram suas carreiras de forma independente do grupo do Ministério e do seu líder Lucio Costa, o que também não os fez marginalizados ou esquecidos, tampouco.

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inicialmente. O segundo, de 1937, foi o primeiro grande edifício modernista

francamente público21 executado no Brasil.

Ilustração 76. Aeroporto Santos Dumont, 1937 e Associação Brasileira de Imprensa, 1936. Rio de Janeiro. Marcelo e Milton Roberto.

Fonte: CZAJKOSWKI (2001, pp. 54 e 28).

Em nada diferentes no método, pois em ambos os projetos foram garantidos o

uso da técnica moderna e certos princípios de composição acadêmica (ibid, p. 98), é

certo que o projeto do aeroporto influenciou mais diretamente tanto a produção dos

próprios Roberto (em especial, o projeto da Colônia de Férias) como da arquitetura

brasileira a partir daí. A evidência do tratamento longitudinal do partido, a

proeminência estética das colunas e do pilotis, a amplidão dos espaços de

permanência e circulação, a fluidez e a maior leveza no tratamento das fachadas,

embora estas conservem a monumentalidade relativa a um edifício com tal fim,

contrastaram com a rigidez e certa opacidade do compacto bloco da ABI, assim

21 Quanto à divulgação dos cânones modernistas, a ABI, “primeira grande obra da arquitetura nova no Brasil”

(ibid, p. 93), em função de sua natureza, teve uso público restrito. A condição de “entrada e saída da cidade” do aeroporto deve ter-lhe garantido publicidade natural entre gente de todo o país.

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como se vincularam com a “tradição racionalista” que, aos poucos, se afirmaria após

o edifício do Ministério da Educação e Saúde (MES).

Ilustração 77. Planta do Pavimento inferior do Aeroporto Santos Dumont. Rio de Janeiro 1937. Marcelo e Milton Roberto.

Fonte: MINDLIN (2000, p. 249).

Ilustração 78. Instituto de Resseguros do Brasil. Rio de Janeiro 1941. MMM Roberto.

Fonte: CZAJKOSWKI (2001, p. 31).

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Em 1941, já com a presença de Maurício no trabalho, o trio projetou, para o

mesmo cliente da Colônia de Férias de dois anos mais tarde, a sede social do

Instituto de Resseguros do Brasil (IRB). Foi esse edifício um aprofundamento da

linguagem do aeroporto, porém, sobressaiu sua superioridade no tratamento e

composição das fachadas, em pleno esquema clássico de base, corpo e

coroamento. No plano técnico-construtivo, os arquitetos elaboraram, na confecção

das esquadrias externas, uma “das primeiras experiências de pré-fabricação

industrial da construção no Brasil” (ibid, p. 101).

A Colônia de Férias do Instituto de Resseguros do Brasil (IRB), projetada em

1943, é caso bastante específico na trajetória dos arquitetos, pois talvez seja uma

das experiências em que o grupo mais se aproximou de uma abordagem da

arquitetura ligada a uma tradição construtiva luso-brasileira, no esquema proposto e

difundido por Lucio Costa. Teoria cuja popularidade deve ter sido imensa22, pois

influenciou até mesmo profissionais mais próximos de uma linguagem purista da

arquitetura moderna, como estavam os arquitetos à época.

A experiência tradicional dos MMM Roberto na Colônia de Férias nos pareceu

bem equacionada. Aproximando-se mais de Niemeyer que de Lucio, mais do hotel

de Ouro Preto que da Residência Saavedra, a postura dos arquitetos conformou

uma obra estritamente moderna, na qual as “citações do passado” são mínimas e,

quando utilizadas, remontam a um desenho mais que contemporâneo e

“prospectivo”.

22 O “discurso da tradição” deu frutos no risco de quase todos os arquitetos que atuaram nos anos de 1940 a

1960. Para visualizar parte desse conjunto de obras, ver o quadro constante nos anexos.

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Ilustração 79. Vista geral da Colônia de férias do IRB. Rio de Janeiro 1943. MMM Roberto.

Fonte: MINDLIN (2000, p. 130).

Situada em terreno bastante íngreme, no meio da Floresta da Tijuca, no

afastado bairro carioca do Alto da Boa Vista, a edificação propõe diálogo estreito

com a paisagem natural. Concebido para utilização nos fins de semana e nas férias

dos funcionários do Instituto de Resseguros do Brasil (IRB), esse prédio funcionou

como unidade de hospedagem do complexo de lazer, tendo programa muito

parecido com o de uma pousada. Funcionalmente, é dotado de três pisos, sendo os

dois primeiros apoiados no chão em lados opostos.

Ilustração 80. Corte geral do terreno da Colônia de Férias do IRB. Rio de Janeiro 1943. MMM Roberto.

Fonte: Acervo Irmãos Roberto/ CAU-PMRJ.

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Ilustração 81. Implantação da Colônia de Férias do IRB. Rio de Janeiro 1943. MMM Roberto.

Fonte: MINDLIN (2000, p. 131).

Ilustração 82. Planta do primeiro pavimento da Colônia de Férias do IRB. Rio de Janeiro 1943. MMM Roberto. Legenda: 1. Garagem, 2. Hall de entrada, 3. Gerência, 4. Cabeleireiro, 5. Sala de recreação, 6. Banheiros, 7 e 8.

Vestiários, 9. Hall de serviço, 10. Lavanderia, 11. Quartos dos empregados.

Fonte: MINDLIN (2000, p. 130).

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Ilustração 83. Plantas do segundo e terceiro pavimentos da Colônia de Férias do IRB. Rio de Janeiro 1943. MMM Roberto. Legenda: 12. Terraço, 13. Sala de jogos, 14. Sala de estar, 15. Sala de leitura, 16. administrador, 17. Varanda, 18. Bar, 19. Cozinha, 20. Sala de jantar, 21. Dormitórios de moças, 22. Dormitórios de rapazes, 23.

Quartos.

Fonte: MINDLIN (2000, p. 130).

O térreo, em pilotis parcial, é acessado pela parte baixa do terreno e abrigava

recepção, garagem, salão de cabeleireiro, sala de recreação e áreas de serviço. O

segundo pavimento, acessado pela parte sul, era bastante aberto na planta original,

como um grande avarandado, e continha as áreas sociais, tais como restaurante,

bar, sala de leitura e jogos, e dois grandes terraços, um interno e outro saliente ao

corpo principal, apoiado em pilotis. O terceiro e último abrigava os dormitórios,

separados em coletivos e particulares, e algumas instalações sanitárias.

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O que mais chamava a atenção no exame dessas plantas era a grande

fluidez dos espaços23, concebidos livremente com poucas divisões rígidas, assim

como o traçado solto de suas linhas gerais, embora amarrado a uma rígida

modulação. Assim como no aeroporto Santos Dumont, era grande a preocupação

dos arquitetos com questões relativas à circulação, tanto horizontal como vertical.

Ilustração 84. Elevações Norte e Sul da Colônia de Férias do IRB. Rio de Janeiro 1943. MMM Roberto.

Fonte: Acervo Irmãos Roberto/ CAU-PMRJ. Foto de Marcel Gautherot (dir.).

Ilustração 85. Precedências: Aeroporto Santos Dumont. Rio de Janeiro 1937. Marcelo e Milton Roberto.

Fonte: MINDLIN (2000, p. 249) e BRUAND (2003, p. 100).

23 O edifício está sendo transformado em uma pousada. A reforma descaracterizou totalmente a organização

interna citada, alterando profundamente a planta do primeiro e do segundo pavimento, principalmente. A volumetria básica e parte das fachadas, em especial a sul, permanecem pouco alteradas.

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Nas fachadas, os arquitetos utilizaram a estrutura corbusieriana, explorando

grande contraste entre cheios e vazios; ora deixando-a aberta, a funcionar como

varanda, ou fechada, das mais variadas formas: com treliças e venezianas de

madeira, esquadrias em vidro de grandes e pequenos planos, paredes de pedra.

Materiais que refletiam a preocupação dos arquitetos com a questão climática, da

qual souberam aproveitar-se utilizando-se plasticamente das soluções técnicas.

Ilustração 86. Fachada sul e detalhe da circulação dos quartos. Colônia de Férias do IRB 1943. MMM Roberto.

Fonte: Acervo Irmãos Roberto/ CAU-PMRJ (foto de Marcel Gautherot) (dir.) e foto do autor.

Ilustração 87. Elevações Norte e Oeste da Colônia de Férias do IRB. Rio de Janeiro 1943. MMM Roberto.

Fonte: Acervo Irmãos Roberto/ CAU-PMRJ. Fotos de Marcel Gautherot.

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Quanto ao vocabulário modernista, o projeto é marcado por uma

horizontalidade longilínea e volumetria prismática, quebrada apenas pelo volume

externo do terraço. Dos “cinco pontos”, ele exibe: planta livre resolvida dentro de

uma ossatura independente de concreto armado, fachada livre, esquadrias em fita,

terraço-jardim (colocado não no topo da edificação, mas feito como um solário anexo

ao corpo principal) e pilotis, utilizado parcialmente. A continuidade entre ambiente

exterior e interior é valorizadíssima, sendo essa outro fator de contemporaneidade.

Arte e paisagismo24 também estavam integrados à arquitetura propriamente dita.

Ilustração 88. Interiores da Colônia de Férias do IRB. Rio de Janeiro 1943. MMM Roberto.

Fonte: REVISTA PROGRESSIVE ARCHITECTURE (1948, pp. 60 e 56) e Acervo Irmãos Roberto/ CAU-PMRJ (dir. abaixo).

São também contemporâneos o caráter geral das formas, a organização

funcional e o tratamento dos interiores25. Do vocabulário “antigo”, a proposta absorve

24 O jardim da obra conta com um painel de mosaicos do artista Paulo Werneck, atualmente em péssimo estado

de conservação. 25

O projeto destacava-se por apresentar vários detalhes em policromia. As principais cores utilizadas foram o azul, o amarelo e o salmão (REVISTA PROGRESSIVE ARCHITECTURE,1948, pp. 56-60).

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principalmente a presença de grandes varandas, sendo o segundo pavimento quase

todo aberto. Outros elementos são a grande coberta única em telha26 com seu

madeiramento aparente, os fechamentos e as esquadrias em muxarabis e

venezianas, o uso da pedra em contraste com o branco das alvenarias pintadas.

Ilustração 89. Varanda “tradicional” do terceiro pavimento e guarita da Colônia de Férias do IRB. Rio de Janeiro, 1943. MMM Roberto.

Fonte: REVISTA PROGRESSIVE ARCHITECTURE (1948, p. 56) (maior) e Acervo Irmãos Roberto/ CAU-PMRJ.

Ilustração 90. Aspectos atuais da Colônia de Férias do IRB. Rio de Janeiro 1943. MMM Roberto.

Fonte: fotos do autor.

26 Embora aqui não seja usado o material cerâmico tradicional, e, sim, o fibrocimento contemporâneo.

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A variedade de materiais empregados, naturais e artificiais, assim como das

várias texturas que caracterizam essa obra podem, também, antes de confirmar

apenas um apelo à tradição, remontar à característica de grande variabilidade

estética e projetual que os arquitetos exibiram ao longo de sua carreira.

Com relação à paisagem, o edifício realiza uma integração com o ambiente

longe de qualquer mimetismo, característica afirmada através de sua geometria

rigorosa. Tal manejo, de alguma forma, o aproxima da próxima obra analisada, o

Park Hotel São Clemente, de autoria do arquiteto Lucio Costa.

Ilustração 91. Pavilhão Lowndes, projeto posterior dos arquitetos. Fazenda Samambaia, Petrópolis-RJ 1953. MMM Roberto.

Fonte: BRUAND (2003, pp. 174-5).