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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO INSTITUTO DE EDUCAÇÃO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO ÉRICA JAQUELINE PIZAPIO TEIXEIRA BRINQUEDOS E BRINCADEIRAS NAS TELAS DE PORTINARI: UM ESTUDO SOBRE A INFÂNCIA LÚDICA CONTEMPORÂNEA CUIABÁ-MT 2015

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO

INSTITUTO DE EDUCAÇÃO

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO

ÉRICA JAQUELINE PIZAPIO TEIXEIRA

BRINQUEDOS E BRINCADEIRAS NAS TELAS DE PORTINARI: UM ESTUDO

SOBRE A INFÂNCIA LÚDICA CONTEMPORÂNEA

CUIABÁ-MT

2015

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO INSTITUTO DE EDUCAÇÃO

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO

ÉRICA JAQUELINE PIZAPIO TEIXEIRA

BRINQUEDOS E BRINCADEIRAS NAS TELAS DE PORTINARI: UM ESTUDO

SOBRE A INFÂNCIA LÚDICA CONTEMPORÂNEA

CUIABÁ-MT

2015

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ÉRICA JAQUELINE PIZAPIO TEIXEIRA

Dissertação apresentada ao Programa de Pós- Graduação

em Educação da Universidade Federal de Mato Grosso

como requisito para a obtenção do título de Mestre em

Educação na Área de Educação, Linha de Pesquisa

Culturas Escolares e Linguagens.

Orientador: Prof. Dr. Cleomar Ferreira Gomes

BRINQUEDOS E BRINCADEIRAS NAS TELAS DE PORTINARI: UM

ESTUDO SOBRE A INFÂNCIA LÚDICA CONTEMPORÂNEA

CUIABÁ-MT

2015

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Dados Internacionais de Catalogação na Fonte.

Ficha catalográfica elaborada automaticamente de acordo com os dados fornecidos pelo(a) autor(a).

Permitida a reprodução parcial ou total, desde que citada a fonte.

P695b Pizapio Teixeira, Érica Jaqueline.Brinquedos e Brincadeiras nas Telas de Portinari: Um Estudo

Sobre a Infância Lúdica Contemporânea / Érica Jaqueline PizapioTeixeira. -- 2015

151 f. : il. color. ; 30 cm.

Orientador: Cleomar Ferreira Gomes.Dissertação (mestrado) - Universidade Federal de Mato Grosso,

Instituto de Educação, Programa de Pós-Graduação em Educação,Cuiabá, 2015.

Inclui bibliografia.

1. Brinquedos. 2. Brincadeiras. 3. Portinari. 4. Contemporâneo. I.Título.

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Portinari, Menino, 1951

Aos meninos e meninas da pesquisa, que se deixaram

conduzir pela espontaneidade e naturalidade da ludicidade e a

todos os membros da Escola Estadual de Ensino Fundamental

Julieta Vilela Velozo, pessoas receptivas nos gestos e nos olhares,

diante do elemento do brincar.

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AGRADECIMENTOS

A Deus meu protetor e amigo de todas as horas e a minha Mãe Senhora Aparecida,

nunca me senti sozinha, sempre estiveram comigo...

A meu pai Jaime e a minha mãe Anália, recebam a minha sincera e eterna gratidão.

Ao meu marido, Flávio, companheiro de todas as horas, pai e amigo... Incontáveis qualidades contidas nessa pessoa de alma nobre.

As minhas filhas Stefany, Anna Flávia e Maria Anália, doces meninas...

Ao meu querido orientador professor Cleomar Ferreira Gomes, por seus

ensinamentos, companheirismo e acima de tudo, pela liberdade a mim depositada ao longo desse trabalho.

À Secretaria do PPGE, por todas as informações e atenção sempre que ali fui

buscar ajuda.

À banca Examinadora, na pessoa dos doutores: Iduina, José Serafim, Adelmo e

Regiane Cristina, por suas significativas contribuições.

À Paula Alves, minha irmã de coração, amiga de todas as horas, pessoa do bem... Um

presente Divino em minha vida.

À prima Poliana Molina e seu esposo Sidnei Novais e Raul, pela acolhida, apoio e companheirismo em vossa casa, além das caronas e da macarronada.

Ao tio Carlos e à tia Alzira, incentivadores na minha jornada.

Aos meus irmãos: Débora, Emerson, Graciela, Aline, Betânia, Beatriz e Diêinis,

queridos irmãos, família alicerce da vida.

Aos meus sogros: Adélia Augusta e Antonio Teixeira, pelas orações e pelos

conselhos.

À Elza Moreno e Alda Pereira, pelo apoio no começo de tudo...

A minha Instituição de trabalho: IFRO, Campus Colorado do Oeste, especialmente as pessoas as quais me apoiavam nas saídas e compreendiam os meus apuros semanais.

Aos amigos: Márcia Jovani, Danielle Batista, Michele Rejane, Juliana Rossarola, Gilberto Silva, Roseli Poiani, Rosa Poiani, Rosani Ebert, Alciléia Luz, Rosane Pogere,

Graça Tavares, Dany Roberta, Ana Rocha, Ana Leite, Rosemary Almeida, Marlene Avelar, Janete Anacleto, Ludimila Lima, Catarina Sena, Maristela Penajo, Jucilene

de Jesus, Lysania Shaida, Helenice Maria de Almeida, Ana Maria Cavassani, Maria de Jesus e Ilmara.

Aos meus inesquecíveis mestres: Jandira Evangelista Santana, José Elias de

Almeida, Fátima Bottura, Clarice Campos, Ana Maria Damacena, Clarita e Edna Januário

Ao grupo Ipê Amarelo, pelo apoio e orações.

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Não tínhamos nenhum brinquedo

Comprado. Fabricamos

Nossos papagaios, piões,

Diabolô.

A noite de mãos livres e

pés ligeiros era: pique, barra-

manteiga, cruzado.

Certas noites de céu estrelado

E lua, ficávamos deitados na

Grama da igreja de olhos presos

Por fios luminosos vindos do céu

era jogo de

Encantamento. No silêncio

podíamos

Perceber o menor ruído

Hora do deslocamento dos

Pequenos lumes... Onde andam

Aqueles meninos, e aquele

Céu luminoso e de festa?

Os medos desapareciam

Sem nada dizer nos recolhíamos

Tranquilos...

Portinari, Poema o menino e o

povoado, 1964

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RESUMO

A presente pesquisa tem como objetivo o reconhecimento de brinquedos e brincadeiras

retratados nas telas do Pintor Candido Portinari diante da contemporaneidade lúdica das crianças de Colorado do Oeste, Rondônia. Nas cores das tintas e no embalo poético do contexto lúdico da arte, Portinari apresenta a pipa, o futebol, as cambalhotas, o balanço,

a gangorra, as cirandas, a boneca, o pião, o pula-carniça, o diabolô, o gude, o estilingue, a arapuca, entre tantos outros brinquedos e brincadeiras de seu tempo de menino, ou

será de nosso tempo, ainda? Sendo uma ambição que se revela na identificação da atemporalidade lúdica da vida brincante, retratada pelo artista frente ao contexto dos participantes da pesquisa. Em Manson (2001), a ludicidade das crianças na antiguidade,

se dá com os mais diversos brinquedos advindos do contexto natural, fosse na areia da praia ou nos boizinhos feitos com legumes. Característica atemporal acoplada ao objeto

desta pesquisa a qual se embasa no método qualitativo, sob a metodologia da etnografia, contemplando as análises nas telas de cenas lúdicas de Portinari, frente ao encontro com os registros iconográficos na Escola Julieta Vilela Velozo, o campo da pesquisa. A parte

empírica deste estudo se deu com crianças do 2º e 3º anos do Ensino Fundamental da Escola Estadual “Julieta Vilela Velozo”, localizada no município de Colorado do Oeste,

Rondônia. Na Primeira Parte, a pesquisadora apresenta a história brincante do menino Candinho, o artista Portinari, a qual foi marcada por episódios lúdicos no início do século XX, na cidadezinha de Brodowski interior de São Paulo. Uma época em que os

brinquedos e brincadeiras eram fabricados pelas próprias crianças, sendo um repertório do mais variado. Esta afirmativa, vinda do próprio artista, quando narra seus feitos

lúdicos na obra “Meninos de Brodowski” e em outras obras e poemas. Na Segunda Parte, apresenta-se a teoria sob o arrimo de estudiosos como Huizinga (1938), que com seu Homo ludens, apresenta o jogo como elemento primário da cultura humana, com

eco nas categorias do jogo, apresentadas em Caillois (1990). A cultura lúdica contemporânea, sob o real significado do brincar, com sua liberdade de escolha por

aqueles que executam qualquer atividade lúdica, apresenta-se nos estudos de Brougère, (2010) que descreve fatos relevantes sobre a comercialização e industrialização do brinquedo. A brincadeira além de vista no sentido livre se realiza diante da ilusão e do

faz de conta, como fatores imprescindíveis pelo imaginário, narrados por Château (1989). Apoiando-se ainda nessa Parte, os estudos de Benjamin (2009), Kishimoto

(2010) e Gomes (2001), os quais fortalecem a estrutura teórica da pesquisa. A Terceira Parte apresenta o método adotado, na esteira da etnografia que se mostra nas análises iconográficas das imagens nas telas de Portinari e nas fotografias realizadas nas

observações das ações lúdicas na Escola Julieta Vilela Velozo. Prossegue ainda, nos desenhos realizados pelos participantes da pesquisa e na coleta de informações

brincantes com o roteiro de entrevista in loco. Por fim, na Quarta e última Parte, o resultado da pesquisa se mostra nas imagens das telas lúdicas de Portinari, o reconhecimento dos brinquedos e das brincadeiras na contemporaneidade, elucidando o

conceito atemporal do jogo.

Palavras-chave: Brinquedos/Brincadeiras. Portinari. Contemporaneidade. Atemporalidade.

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ABSTRACT

This research aims to recognize portrayed toys and games painter Candido Portinari on the screens in front of playful contemporary children of Colorado do Oeste, Rondônia.

The colors of paints and poetic momentum of the playful context of art, Portinari features the kite, football, somersaults, swing, seesaw, the sieves, the doll, the top, the

jump-meat, and diabolo, the marbles , the slingshot, the trap, among many other toys and games of his boyhood, or will be of our time, yet? It is an ambition that is revealed in identifying the playful timelessness of trifling life, depicted by the artist outside the

context of the survey participants. Manson (2001), the playfulness of children in antiquity, it is with the various toys arising from the natural context, whether on the

beach sand or in boizinhos made with vegetables. Timeless feature coupled to the object of this research which underlies in the qualitative method under the methodological mantle of ethnography, contemplating the analyzes on the screens of playful scenes of

Portinari, opposite the meeting with the iconographic records in research. The empirical part of this study occurred with children 2 and 3 years of elementary school at the State

School "Julieta Vilela Velozo" located in the municipality of Colorado do Oeste, Rondônia. In Part One, the researcher presents the trifling story of Candinho boy, the artist Portinari, which was marked by playful episodes in the first decade of the

twentieth century, in the town of Brodowski São Paulo. A time when toys and games were made by the children themselves, with a repertoire of more varied. This statement,

coming from the artist himself when narrates his playful done in the work "Brodowski Boys" and other works and poems. In Part Two, we present the theory under the retaining scholars as Huizinga (1938), who with his Homo Ludens, presents the game as

primary element of human culture, with echo in categories of the game, presented in Caillois (1990). The play culture contemporary, in the real meaning of play with

freedom of choice for those who perform any recreational activity, it is presented in the studies of Brougère, (2010) which describes relevant facts about the commercialization and industrialization of the toy. The game in addition to view the free sense takes place

before the illusion and make-believe as essential by the imaginary factors, narrated by Château (1989). Relying still in that Party, Benjamin's studies (2009), Kishimoto (2010)

and Gomes (2001), which strengthens the theoretical framework of the research. Part III presents the method adopted in the wake of ethnography that shown in iconographic analysis of the images in Portinari's paintings and photographs made from observations

of play actions of the search field. Goes further, in the drawings made by the research participants and the collection brincantes information with the interview guide on the

spot. Finally, in the fourth and final part, the search result is shown on the images of playful paintings of Portinari, recognition of toys and games in the contemporary world, elucidating the timeless concept of the game.

Keywords: Toys / Play. Portinari. Contemporaneity. Timelessness.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO............................................................................................................. 12 MINHA HISTÓRIA BRINCANTE ................................................................................. 17

PRIMEIRAPARTE: ..................................................................................................... 24

A HISTÓRIA LÚDICA DO MENINO CANDINHO................................................ 24 1. Considerações iniciais sobre o menino Candinho ....................................................... 25

1.1. Uma breve história do menino Candinho e sua família ........................................... 27

1.2. Os medos do Candinho ........................................................................................ 31

1.3. As festas de Brodowski e a arte sacra na vida de Candinho ..................................... 35

1.4. A escola de Candinho e o nascimento do Artista .................................................... 39

2. A história dos brinquedos e das brincadeiras de Candinho .......................................... 43

2.1. Considerações finais sobre a história lúdica do menino Candinho ........................... 56

PARTE II....................................................................................................................... 60 A TEORIA DO BRINCAR .......................................................................................... 60

1. Definições de brinquedos, brincadeiras e jogos .......................................................... 61

1.1. Jogos, Brinquedos e brincadeiras: olhares teóricos ................................................. 65

1.2. Um diálogo teórico nas telas dos brinquedos e das brincadeiras de Portinari ............ 71

1.3. Mimicry: O Jogo e a fantasia ................................................................................ 77

2. A presença atemporal nos brinquedos e nas brincadeiras ............................................ 82

PARTE III ..................................................................................................................... 84

O MÉTODO E A METODOLOGIA NO CONTEXTO PESQUISADO ................ 84 1. Desenhado o método ............................................................................................... 85

2. Apresentando o contexto e os sujeitos da pesquisa ..................................................... 86

3. Detalhando as ferramentas metodológicas: a observação ............................................ 89

3.1. Os roteiros de perguntas ....................................................................................... 90

3.2. Os registros fotográficos ...................................................................................... 91

3.3. Dos desenhos dos sujeitos da pesquisa .................................................................. 91

PARTE IV ..................................................................................................................... 93

OS BRINQUEDOS E AS BRINCADEIRAS DE PORTINARI NOS

RESULTADOS DA PESQUISA ................................................................................. 93 Notas introdutórias.......................................................................................................... 94

1. Brinquedos e brincadeiras encontrados no campo da pesquisa .................................... 94

2. Resultados da observação com os sujeitos da pesquisa ............................................... 96

2.2. Brincando de “pega-pega” na sala de aula ............................................................. 96

2.3. Brincando de “futebol” na sala de aula .................................................................. 98

2.4. O faz de conta na sala de aula ............................................................................. 100

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3. Análises dos roteiros de entrevista .......................................................................... 102

3.1.1 O lugar onde brincam ........................................................................................... 103

4 Brincadeiras preferidas....................................................................................... 105

4.1.1 Soltar pipas ...................................................................................................... 105

4.1.2 Piques no alto, pega-pega e pique - esconde ................................................. 107

4.1.3 Brincar de casinha e com a Barbie ............................................................... 109

5 Outros brinquedos e brincadeiras preferidos pelos sujeitos da pesquisa ..................... 112

6 Dos registros em forma de desenhos realizados pelos sujeitos da pesquisa................. 113

6.1 As pipas ................................................................................................................. 114

6.1 O balanço.......................................................................................................... 117

6.2 A Cambalhota ................................................................................................... 119

6.3 O estilingue ....................................................................................................... 120

6.4 O futebol........................................................................................................... 122

6.5 A casinha de boneca ou a casinha de brinquedos .................................................. 124

6.6 A boneca........................................................................................................... 128

7 Das fotografias no campo de pesquisa..................................................................... 131

7.1 O balanço.......................................................................................................... 131

7.2 A gangorra ........................................................................................................ 132

7.3 Cambalhotas ..................................................................................................... 134

7.4 Pular carniça ..................................................................................................... 135

CONSIDERAÇÕES FINAIS ..................................................................................... 138 REFERÊNCIAS.......................................................................................................... 144 ANEXOS...................................................................................................................... 147

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INTRODUÇÃO

Não tínhamos nenhum brinquedo comprado. Fabricamos nossos papagaios, piões, Diabolô.

À noite de mãos livres e pés ligeiros era: pique, barra-manteiga, cruzado. Certas noites de céu estrelado e lua, ficávamos

deitados na grama da igreja de olhos presos. Por fios luminosos vindos do céu era jogo de

Encantamento. No silêncio podíamos perceber o menor ruído hora do deslocamento dos pequenos lumes...

Onde andam aqueles meninos, e aquele céu luminoso e de festa?

Os medos desapareciam, sem nada dizer nos recolhíamos tranquilos... (Portinari, Poema o Menino e o Povoado, 1964).

Inicio este texto tomando emprestado a fala poética do pintor Candido Portinari:

“Não tínhamos nenhum brinquedo comprado. Fabricamos nossos papagaios, piões, diabolô”,

o qual embalou por meio de sua arte a sua própria história brincante. Uma história que mais

tarde emergiu sua vida infantil propagando-se por meio de suas telas. São telas de meninos

com pipas, de crianças pulando carniça, brincando com gangorras e balanços, meninos que

jogam piões e petecas, brincam com seus diabolôs, de cirandas e futebol... Brinquedos e

brincadeiras gratuitas, sendo o ar livre, as ruas e povoados, o grande palco para o

acontecimento dessas atividades brincantes em Brodowski no início do século XX.

Esse trabalho revela-se nas leituras das telas de Portinari de meninos brincando e das

variedades de brincadeiras, sendo essas leituras imprescindíveis para a constatação e

compreensão da vida lúdica do pintor Candido Portinari e com a aproximação da realidade

brincante dos meninos de hoje. A outra parte essencial nesta pesquisa é a interpretação dos

desenhos das crianças e das fotografias no campo de pesquisa na escola Julieta Vilela Velozo,

na tentativa de um encontro similar com os brinquedos e brincadeiras de Portinari menino.

12

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O pintor Candido Portinari, realizou suas brincadeiras e fabricou seus brinquedos, na

primeira década do século XX, sendo suas pinturas e seus poemas, o testemunho de uma

época onde os meninos, de fato, eram os próprios artesões de seus brinquedos e a infância um

período de muitas brincadeiras. Em suas escritas poéticas e nos relatos de sua infância,

deixados em algumas obras escritas e principalmente por meio de suas pinturas, percebe-se

que seu tempo de menino era regado pelas mais diversas atividades lúdicas.

Comunico a infância do pintor, nessa introdução, pelo motivo desta ser o fio

condutor nessa pesquisa. Dissertar sobre brinquedos e brincadeiras é um estudo o qual vem

ganhando espaço nas últimas décadas, ainda que timidamente. Por tanto, esse trabalho estuda

os brinquedos e as brincadeiras, em especial, das telas de Portinari e na Escola Julieta Vilela

velozo onde foi realizada a pesquisa, procurei pelo reconhecimento ou o encontro de

brinquedos e de brincadeiras presentes nas telas do artista as quais demonstram pela pintura a

sua infância brincante. Ao passo que a pesquisa foi ganhando corpo, percebi juntamente com

meu orientador, os traços atemporais nos brinquedos e nas brincadeiras, sendo que esse

conceito (atemporal do jogo) é um fator relevante nessa pesquisa. Será que os jogos infantis

se modificaram totalmente? As crianças de hoje não brincam mais nas ruas? Não constroem

suas casinhas e seus papagaios? Em Brougère (2010), o estudo do brinquedo e da cultura

lúdica, são estudos pouco frequentes entre os pesquisadores. Nesse trabalho, o

reconhecimento da cultura lúdica do pintor Candido Portinari, é almejado na

contemporaneidade, essa característica, alarde em Brougère (2010), o seguinte diálogo: “o

fato é que o brinquedo está inserido em um sistema social e suporta funções sociais que lhe

confere razões de ser.” (BROUGÈRE, 2010, p. 8). Essas “razões de ser” no brinquedo, estão

ligadas desde a sua fabricação, no consumo crescente diante do comércio, mas

principalmente, pelo brinquedo ultrapassar tempos e lugares. Brinquedos e brincadeiras estão

presentes na cultura de um povo. No folclore infantil na cidade de São Paulo, apresentado por

Florestan Fernandes (1979), as brincadeiras presentes nas cantigas e folguedos fazem parte da

história e da cultura, como um documento vivo e rico das práticas tradicionais.

Os brinquedos e as brincadeiras vistos na sociedade contemporânea retratam o

passado de um tempo presente, embora hoje a comercialização de brinquedos venha ganhando

espaço crescente, isso se dá pelos meios da comunicação e pelas evoluções tecnológicas. A

boneca, por exemplo, é o reflexo da sociedade (Brougère, 2004), “um espelho deformante?”

Ao certo que esse objeto incorpora a cada novo projeto, as novidades pretendidas pelo público

a qual é destinada ou vice e versa. São inúmeras as reflexões em torno do objeto dessa

pesquisa: brinquedos e brincadeiras de Portinari presentes na atualidade.

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Estudar o brinquedo e a brincadeira são assuntos que há muito tempo despertavam

grandes interesses em mim, no entanto, essa oportunidade surgiu com o ingresso na Pós

Graduação, sendo que a linha de pesquisa veio favorecer consideravelmente para essa

realização.

Esse trabalho apresenta logo mais, ou seja, uma abertura inicial com a história da

vida brincante da pesquisadora qual teve sua infância na vida interiorana e rural do município

de cerejeiras/RO, nos anos finais da década de 80 e nos anos iniciais da década de 90. Nessa

época a televisão ainda não fazia parte da cultura comunicativa das pessoas daquela região.

Então, os pais se reuniam envolta de uma fogueira nas noites de São João para contar causos e

jogar baralho e as mães preparavam os bolos e as leitoas assadas nos fornos de barro, sendo as

comidas principais nas festas. E as crianças? Nós, por que eu estava lá, no meio daquela

simplicidade e de tanta riqueza cultural, inventávamos esconde-esconde, brincar de rodas,

cantar versos, pular fogueira e assar mandioca e batata doce em suas brasas. Essa parte em

que procurei trazer minha história brincante procuro demonstrar os brinquedos e as

brincadeiras os quais ficaram marcados em minha memória, sendo uma forma de os leitores

conhecerem um pouco sobre mim e sobre a cultura do povo rondoniense no início da

colonização desse estado pertencente à região norte do país.

Prosseguindo conforme a organização das Partes da dissertação, na primeira,

apresento a história lúdica do menino Candinho. Nessa Parte a vida infantil do pintor Candido

Portinari se narra mediante suas telas e de alguns recortes de seu legado escrito. Apresentar a

história brincante ou a história da vida infantil de Candido Portinari faz-se necessário, para a

compreensão dos brinquedos e das brincadeiras realizadas pelo artista quando menino no

início do século XX, na cidadezinha de Brodowski no estado de São Paulo. Nota-se uma

distância temporal considerável entre os meninos da pesquisa com o menino Candinho. Por

tanto, demonstrar que o menino Candinho brincou de pipas, estilingues, bolinhas de gude,

pião e tantas outras brincadeiras, de certa forma, vem sendo uma das principais reflexões

nesse trabalho. Conforme a pesquisa foi acontecendo procurou-se reconhecer a vida lúdica do

menino Candinho na vida dos sujeitos da pesquisa na contemporaneidade do município de

Colorado do Oeste estado de Rondônia.

Na Segunda Parte desse trabalho, a teoria se apresenta sob os pilares teóricos de

estudiosos, pensadores, ensaístas e pesquisadores, os quais apresentam reflexões

imprescindíveis com os elementos do brincar. O jogo apresentado por Huizinga (1938)

encontra-se presente na vida humana nas mais variadas situações, seja na arte, na poesia, na

dança, na guerra ou na filosofia, e mais, o jogo não é apenas uma atividade do comportamento

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humano, mas também, presente no mundo animal: “Os animais brincam como os homens”.

Quando pensamos em brinquedos e brincadeiras, o termo jogo perpassa sobre esses dois

elementos. Mas afinal o que difere brinquedo de brincadeira? Em Brougère (2010), o

brinquedo, antes de tudo, trata-se de um objeto que a criança manipula livremente, enquanto

que a brincadeira é um comportamento específico, na qual a situação torna-se uma

significação específica e o autor acrescenta que sem a livre escolha da criança ou os sujeitos

participantes da situação lúdica, não há brincadeira.

O conceito atemporal dos brinquedos e brincadeiras inspirados nessa pesquisa podem

ser observados desde os tempos mais remotos da humanidade, quando Manson (2001),

apresenta diversos brinquedos das crianças antepassadas, por exemplo, os moinhos de vento, a

piorra e o cavalo de pau, brinquedos da Idade Média, os quais anunciam a vida brincante dos

meninos daquela época. Os brinquedos vão ganhando espaço timidamente na linha do tempo.

O brincar vem sendo apostolado como a ocupação principal da criança, prescrito nas

assinaturas de Château (1987). Daí, com seus estudos pode-se rechaçar a ideia que alguns

fazem opondo o jogo ao trabalho. No entanto, na antiguidade, a vida lúdica das crianças não

passava de futilidades infantis. Em meados do Século XIII, no Iluminismo, o brinquedo passa

a ser visto por Rousseau como participação no processo da educação, mas, descarta a

possibilidade deste fazer parte da construção histórica e cultural da criança ou um caminho

para o seu desenvolvimento pessoal e social. Quando as rubricas de Caillois (1990)

apresentam o jogo como sendo atividade livre, delimitada, incerta, improdutiva,

regulamentada e fictícia, o autor define nessas características os elementos principais para o

acontecimento do jogo, na verdade a predominância de liberdade é a essência do jogo na

teoria de Caillois.

O tempo brincante vivenciado pelo Candinho, elucida a vivência de meninos e

meninas de seu tempo na cidade de Brodowski interior de São Paulo. Essa época é similar ao

ser anunciada no folclore de Florestan Fernandes (1979), onde as cantigas de roda, os causos e

as diversas brincadeiras de rua e grupais imbuía o contexto lúdico das crianças daquela época.

Portinari retratou diversas telas em que os carneiros, cavalos e outros animais faziam parte do

contexto lúdico dos meninos de seu tempo. Kishimoto, (2010), reforça a presença dos animais

na vida infantil, desde a colonização do nosso país, um costume ao certo, que adquirido com

os nativos. Mas também, os animais são testemunhos da vida lúdica dos meninos de engenho

que realizavam a principal conquista quando eram presenteados com um carneiro ou um

bezerro para montar. A autora ainda apresenta o estilingue, alçapões e gaiolas, como uma

prática secular para os meninos, visto que esses objetos são estampas de muitas telas do

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artista. Bem como a pipa, tão retratada pelo pintor, de origem oriental, recebe os mais

diferentes nomes em cada cultura ou região.

A Terceira Parte apresenta o método, a metodologia, o campo da pesquisa e os

sujeitos. A pesquisa deu-se em uma escola da rede estadual de ensino fundamental de nome

Julieta Vilela Velozo, a qual fui professora nesta localidade há alguns anos anteriores. O

bairro onde residem os sujeitos bem como a localização da escola é reconhecido como um

lugar de grandes necessidades financeiras. Os sujeitos participantes da pesquisa foram

crianças estudantes do 2º e 3º anos do ensino fundamental, crianças com idades entre oito a

onze anos de idade. O método utilizado de natureza qualitativa foi embasado na roupagem da

metodologia etnográfica. Os instrumentais originários da etnografia foram à observação no

campo de pesquisa com as anotações no diário de campo; roteiros de entrevistas; a utilização

dos registros iconográficos (desenhos) dos sujeitos e as imagens fotográficas no campo

pesquisado, especialmente no momento do recreio.

Na Quarta Parte, denominada de “os brinquedos e as brincadeiras de Portinari nos

resultados da pesquisa”, apresenta as respostas vistas, ouvidas e fotografadas, no contexto e

com as crianças da pesquisa. Nesse capítulo, os resultados demonstram através das ações das

crianças da pesquisa, de seus desenhos e das imagens fotografadas que os brinquedos e as

brincadeiras do menino Candinho no início do século XX, permanecem nas ações lúdicas

contemporâneas das crianças de Colorado do Oeste/Rondônia.

O conceito atemporal almejado nos brinquedos e nas brincadeiras das telas de

Portinari são as marcas ou o anúncio de outros tempos e de outras culturas lúdicas. Conforme

a pesquisa foi acontecendo, nota-se o reconhecimento na realidade contemporânea da vida

brincante dos meninos do século XX. Diante de tantas mudanças e inovações no comércio de

brinquedos e dos avanços tecnológicos, as crianças de Colorado do Oeste/RO, ainda

constroem suas vivências lúdicas sob o alicerce do faz de conta, da socialização amigável do

futebol de rua, das brincadeiras de casinhas e bonecas. É uma resposta a qual diante da

comunicação de Walter Benjamin (2009), anuncia a criança como elemento principal das

ações de ludicidade e ao mesmo tempo, em que o brinquedo é visto como veículo condutor

dessa cultura lúdica: “Os brinquedos são um mundo do diálogo de sinais entre a criança e o

povo”. (BENJAMIN, 2009, p. 94). Sendo que essas respostas ou essa constatação

demonstram no jogo o elemento atemporal.

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MINHA HISTÓRIA BRINCANTE

A paisagem onde a gente brincou a primeira vez e a

gente com quem a gente conversou a primeira vez não

sai mais da gente... (Portinari)

nicio esta parte de abertura, dissertando e ao mesmo tempo recordando

a minha própria infância. Esses relatos pulsam ainda dentro de mim, sob a

recordação de um tempo passado em uma época marcada pela simplicidade e

pelos poucos brinquedos... Dissertando essa parte, é como se cada pessoa daquela época,

voltasse a reviver dentro da minha infância, hoje adulta. Esses relatos é uma forma de

homenagear cada pessoa citada, na forma com que delongaram e enriqueceram a minha

infância. É como se cada uma delas, representassem a figura do Palaninho1 para o Pintor

Candido Portinari em sua viagem premiada a Paris: “Daqui fiquei vendo melhor a minha terra

(...). Vou pintar o Palaninho, vou pintar aquela gente com aquela roupa e com aquela cor.”

(PORTINARI, 2001, p. 24). O trabalho de dissertar brotou em mim semelhante desejo,

acordado no pintor ao passar-se pela ausência de seu lugar.

O brincar sempre fez parte da minha vida infantil e depois, quando adulta, dos meus

afazeres pedagógicos enquanto professora. Inicio recordando minhas memórias lúdicas,

ancorando-se na citação de Portinari (1979) onde estando na Europa pela primeira vez, em

visita premiada, o pintor se recorda da paisagem de onde brincou e das pessoas com quem se

relacionou. Bastou se distanciar do lugar de onde viveu para que as memórias surgissem pelo

fato do distanciamento de sua terra natal...

Comparativamente, me sinto muitas vezes, semelhante a Candido Portinari, na

Europa, recordando a minha infância. Os brinquedos e as brincadeiras fizeram parte da minha

vida infantil de maneira natural semelhante a qualquer criança que brinca em todo lugar,

porém para mim, ficou marcado no íntimo do meu ser, algo que possivelmente, vim a

descobrir após o ingresso no mestrado. Lembro-me nitidamente, quando meu mentor,

professor Cleomar, logo em um dos nossos primeiros contatos, levou-me a inquietação:

“Quando alguém escolhe um objeto para estudo, certamente uma relação de afinidade com

esse objeto deve ter em seu mais íntimo ser. Procure descobrir o que te levou a estudar o

1“Palaninho é da minha terra de Brodowski. Palaninho é baixo, muito magro com cara mole esbranquiçada pelo

amarelão (...).” (PORTINARI, 2001, p. 20). Assim Portinari narra o Palaninho em uma carta, quando estava em

viagem premiada como estudante de pintura em Paris.

I

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brincar.” Eu jamais havia de fato pensado por que em toda a minha vida particular, acadêmica

e profissional, o brincar se fazia sempre de parceiro. Era comum, em tudo o que eu realizava

colocar uma pitada de ludicidade. Pensando bem, agora, vejo que essa estreita e tão íntima

relação faz-se desde a minha infância.

Posso dizer que a minha infância é toda desenvolvida no estado de Rondônia, pois

quando vim do estado de Mato Grosso eu estava com quase cinco anos de idade, embora

tenha a descendência paranaense, todas as recordações mais nítidas e importantes da minha

vida, estão ligadas ao estado de Rondônia, na pequena cidade de Cerejeiras, onde meus pais

escolheram para criar a família há mais de trinta anos atrás.

Eu tive a sorte de meus pais terem oito filhos, digo isso, porque eles foram meus

grandes companheiros de brincadeiras. Principalmente o Erme, (Emerson) a Tila (Graciela) e

a Line (Aline). Minha irmã mais velha, sempre ocupada com a casa e com a lavoura, de nome

Débora, foi minha grande companheira de criações roceiras, de banhos de rios, das primeiras

paqueras, mas brincar de fato foi com esses irmãos citados por primeiro. Depois meus pais

tiveram outros três filhos que são as gêmeas Beatriz e Betânia e o caçula Diêinis, que pelo

distanciamento nas idades, nossas brincadeiras se caracterizavam por jogos com bolas, como

a betes, a queimada, o vôlei, mas em uma época futura quando eu já estava adolescente.

Uma brincadeira gravada em minha lembrança é o brincar de casinha ou comidinha.

Nós fazíamos fogo de verdade e lá cozinhávamos um franguinho que a minha mãe dava. Essa

talvez seja uma das brincadeiras que mais me fascinou, nem tanto pela brincadeira, mas pela

responsabilidade em depenar o frango, cortar os pedaços e depois em uma chapa improvisada,

com um fogãozinho feito de pedras, lá estávamos nós, fritando o pobre franguinho. Essa

brincadeira se repetiu muitas vezes com minhas irmãs e amigas de infância, Rosani, Alciléia e

Rose.

Outra brincadeira que muito me alegrou e continua viva em minha memória, sendo

um faz de conta, entre eu, minhas amigas de escola e os galhos de assa-peixe2, foram os

momentos em que nós transformávamos esses galhos em nossos “maridos”. Era pura

imaginação! O nosso recreio era longo e assim dava muito tempo para as nossas invenções. A

escola era feita de madeira, localizada no alto de um morro, toda cercada de pastagens

repletas de ervas daninha, sendo que esses arbustos, os assa-peixes, se transformavam em

“nossos maridos”. O arbusto era todo desfolhado e desgalhado, apenas deixávamos um par de

2Um arbusto que nasce comumente em beiras de estradas e em pastagens, pode chegar a 3m de

altura. REMÉDIO CASEIRO ASSA-PEIXE PROPRIEDADES. Disponível em:<http://www.remedio-

caseiro.com/assa-peixe-propriedades/>acesso em: 05 abr. 2015.

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galhos como se fossem os braços e outros dois como se fossem as pernas, então em meio ao

capinzal fazíamos túneis que levavam para nossas casas onde cada menina morava com seu

“marido assa-peixe”. E de cada suposta casa, recebíamos as visitas das comadres que vinham

com seus companheiros fictícios. Nós não ouvíamos o som da sineta e muitas vezes

perdíamos vários minutos de aula, porém no dia seguinte, estávamos nós novamente no

mesmo local, brincando de casinha, de família com os nossos pés de assa-peixes.

Quando eu tinha aproximadamente oito anos, nós nos mudamos para o nosso

primeiro pedaço de terra próprio. E o sonho de toda criança se realizou nesta nova moradia,

um rio para se banhar. Nosso sítio tinha o rio Santa Cruz. Era mágico esse rio. Rodeado de

árvores nativas e algumas delas com cipós que desciam de seus galhos até as águas correntes

onde eu e meus irmãos, fazíamos de balanços e depois se jogávamos no rio. Em volta do rio,

meus pais faziam hortas e sempre que íamos ajudar meu pai, Jayme, na irrigação das

hortaliças, que eram todas realizadas manualmente, nós pulávamos no rio toda a vez que

íamos encher o regador. O momento de trabalho era transformado em brincadeira, era uma

festa os pulos na água e nem notávamos o cansaço do trabalho. Quando íamos lavar a louça

no rio, apenas no domingo, pois durante a semana a minha mãe ordenava que lavasse em casa,

então as bacias que levavam as vasilhas e utensílios de cozinha eram pura diversão. Quantas

bacias e tampas da minha mãe que nós perdemos na correnteza do rio, a distração não deixava

o serviço de criança sair bem feito, do jeito que a mãe gostava.

Esse sítio que meu pai adquiriu, foi todo desmatado pelas suas próprias mãos, e

muitas árvores largas com grandes troncos repletos de curvaturas que chamávamos de

catanas, depois de derrubadas se transformavam em casinhas. Seus largos troncos tombados e

compridos se transformavam em piso da casinha, divididos entre nós e sempre ao pôr do sol,

eu minhas irmãs, Tila e Line, brincávamos de comadres. Com folhagens verdes, colhíamos e

transformávamos em comidinhas, outras viravam a cera que lustrávamos o nosso chão. Ainda

me lembro dos nossos nomes de mentirinha: “comadre Bimbimba”, “Fofô” e “Coringa”. A

nossa saída da casinha era somente para tomar banho e ir jantar, pois não víamos o tempo

passar. Lembrando que nessa época, colecionávamos caramujos que encontrávamos mortos

após as derrubadas, eram lindos, com os mais diferentes formatos de casquinhas.

Criança brinca com tudo o que parece ou que tem a seu dispor em cada época

vivenciada. Sem medo de relatar aqui, eu me sinto, nesse instante, livre, renovada, na verdade

acredito que estou me encontrando de fato, após voltar ás minhas origens infantis, onde o

brinquedo pobre, criativo, fez parte dela. Tanto que outra lembrança viva nas minhas

memórias lúdicas foi logo que chegamos para morar em Rondônia. Meus pais, antes de

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adquirir o seu pedaço de terra, foram trabalhar nas diversas lavouras do seu João Bolinha e da

dona Maria. Minha mãe sempre nos levava quando ia trabalhar na roça. Um dia na lavoura

cafeeira, eu e a Tila, encontramos um ninho de ratos, todos novinhos, tão frágeis e

pequeninos. Não pensamos duas vezes, pegamos os ratinhos e fizemos de filhos. Enrolados os

mesmos em folhas de capeba3que são macias e largas, com caminhas de palhas, brincamos a

tarde inteira com aquelas tão insignificantes criaturas e que eu nunca mais me esqueci.

Brinquei por inúmeras vezes de fazendinha com meu irmão Erme. Nós construíamos

rios no quintal de casa, cavando com pedaços de paus ou com as colheres da minha mãe. Meu

irmão era muito criativo e fazia porteiras bem arquitetadas e pontes sobre os rios inventados.

Nos arredores de casa, havia sempre uma grande plantação de mandioca, onde construíamos

longas estradas embaixo do frondoso mandiocal. Essa brincadeira eu jamais me esqueci, me

sentia em meio a uma grande cidade formada pelos pés de mandioca. Ali era uma sombra

doce, com uma terra vermelha, fresquinha e macia onde cada um de nós demarcava o seu

território, de preferência bem longe um do outro para assim construir estradas curvadas,

cheias de vai e vem em meio à plantação.

As brincadeiras as quais permanecem em minhas lembranças de criança, são aquelas

que trazem a recordação roceira, o envolvimento com as coisas e objetos que se iam

transformando em brinquedos por mim e por meus pares. A minha mãe, dona Anália, foi

certamente, a grande responsável por despertar em mim uma criatividade quase que nata de

criança esperta e criadora, pelo menos eu me via com uma esperteza além do meu tempo, e

ela sempre dizia que eu era muito esperta. Há, os couros e surras é que contam, o tanto que

apanhei. Embora sempre ocupada com os afazeres da casa, da roça, lavando roupas no rio,

buscando água para beber na cabeça, tratando de porcos, de galinhas, cuidando das hortaliças,

fazendo sabores variados em toda a refeição, mas sempre tirava ela tirava um tempinho para

nos ensinar algumas brincadeiras e nos envolver com frequência, em cantiga ou histórias.

Herdei um folclore muito rico, graças a minha mãe. Quando fui ser professora, todos sempre

admiravam o meu repertório com cantigas e brincadeiras. Tantas riquezas culturais que a

minha mãe ensinou e que depois facilitou a minha vida profissional e acadêmica.

Lembro-me da história de magia do rei dos mares que tinha uma vela na barriga e

que a vida dele somente seria exterminada, se a tal vela fosse apagada. Nunca compreendi de

onde a minha mãe contava uma história tão bonita. Anos mais tarde, em sala de aula, fui ler o

3Plantas que curam capeba. Arbusto de 1 a 2 metros de altura, com ramos estriados e com pelos. Folhas

ovaladas, arredondadas ou em forma de rim(...). Nativa brasileira ocorre desde a Amazônia até o Rio de Janeiro .

Disponível em:< http://www.plantasquecuram.com.br/ervas/capeba.html#.VSHrlfnF9qU-acesso em 03 abr.

2015.

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livro histórias de Tia Nastácia para meus alunos, quando ao ler o bicho Manjaléu4, comecei a

chorar. Meus alunos não compreenderam porque eu chorava, mas eu me vi novamente criança

e a minha mãe contando essa história para mim e para meus irmãos antes de nós dormirmos.

Foi depois de tantos anos que eu descobri que a minha mãe reproduzia e propagava o

Monteiro Lobato sem mesmo saber de onde vinha essa história.

Minha mãe com seus dons artísticos costuravam lindas roupas para nossas

bonequinhas e sempre nos dava uma porção de retalhos para que nós costurássemos as

vestimentas delas. Nossas bonecas eram pobres e simples. Muitas vezes brincávamos com

bonecas de milho verde, com longos cabelos coloridos, então a espiga murchava e nós

tínhamos que tirar as vestimentas das bonecas e jogá-las fora, pois os cabelos começavam a

cair. Outra grande ideia que minha mãe nos ensinou, foi fazer bichinhos com maxixe, chuchu,

inhames e cará-moela, este último, desenvolve-se com semelhanças a moela de galinha, uma

batata curvada de cor esverdeada pertencente à família do inhame, porém se reproduz em

ramagens semelhantes ao chuchu. Espetávamos palitos nesses legumes citados que se

transformavam em patinhas para os bichos ficarem de pé, pescoços para encaixar a cabeça e

ali fazíamos fazendinhas com esses bichinhos. Nessas brincadeiras com legumes, podemos

lembrar-nos de Monteiro Lobato, novamente, pois uma de suas brincadeiras de infância eram

as criações com bichinhos dessa natureza. Penso que a minha mãe era a mãe mais sábia da

região, além de ensinar uma porção de brincadeiras e cantigas, ainda fazia bolo para todas as

festas comemorativas da nossa escola e da nossa igreja além dos aniversários da região. Era

tão habilidosa nas suas receitas, onde muitas vezes, improvisava os mais diversos recheios e

tudo ficava uma delícia.

Um tempo que me traz suspiros e recordações, é aquele das festas juninas. Bem no

dia vinte e quatro de junho, dia de São João, meu avô Pedro Moreno, aniversariava. Era uma

alegria. Ele morava um pouco conosco em Rondônia e outro pouco com familiares em Mato

Grosso. Bem no dia de seu aniversário ele estava sempre presente, era notável ouvir meu avô

chegando... Ele soltava foguetes com estouro em diversos trechos do caminho e nós

deixávamos tudo e saiamos correndo para encontra-lo. A vizinhança dizia: “Seu Pedro está

chegando.” Minha mãe fazia festa de sítio para comemorar o aniversário dele. Era armada

uma grande fogueira. Assava leitoa no forno de barro, fazia doces variados, pipoca e assava

batata-doce na fogueira. A criançada reunia-se para brincar de “caí no poço”, “roubar

bandeira”, falar verso e brincar de roda. Os homens jogavam cartas de baralho até altas horas.

4 Ver sobre o conto bicho Manjaléu em Histórias da Tia Nastácia em: LOBATO, Monteiro. Histórias da Tia

Nastácia. 32 ed. 1995. São Paulo: brasiliense. 9 impr. 2002.

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A agricultura de características rudimentares era o nosso sustento e forma de ganhar

dinheiro. Eu e meus irmãos íamos para as lavouras de café, milho, arroz e feijão o ano inteiro

trabalhar, logo após completar oito anos de idade. Trabalhávamos arduamente, acompanhando

nossos pais. Nas horas de descanso, embaixo de uma sombra, todos os dias eu e meus irmãos

inventávamos uma brincadeira. A que mais marcou a minha lembrança, foi a de jogar palitos

com meu pai. Fazíamos uma roda no meio da roça, sob a sombra fresca de uma árvore, depois

da merenda da tarde, e ali improvisávamos quebrando palitinhos de pequenos galhos secos do

chão ou das canas secas dos pés de milho. Jogávamos por muito tempo. Meu pai tinha uma

malícia invejável nos jogos com características Alea5. Na verdade ele sempre ganhava, parece

que ele conseguia enxergar a quantidade de palitos que a gente trazia escondida na mão.

Na adolescência, as brincadeiras ainda persistiam em minha vida, no entanto as

características foram se modificando. Nós realizávamos os grupos de novenas e rezas nas

casas da vizinhança, todas as semanas. Depois que as rezas terminavam, juntava a moçada

para brincar. Nossas brincadeiras eram de passar anel, cair no poço, e raminho verde. Cair no

poço à gente sempre burlava as regras, com um jeitinho para sair sempre o mocinho que a

gente estava interessada. A brincadeira de raminho verde se iniciava com duas filas de jovens,

uma sendo composta pelas moças e outra pelos rapazes, com uma distância significativa. Um

rapaz vinha com um raminho de qualquer arbusto em uma das mãos, oferecia para uma

menina da fila, então se ela aceitasse o raminho verde teria que ir passear com ele pelo

escurinho da noite. Caso ela não quisesse o raminho do rapaz, teria que virar as costas. Essa

brincadeira fazia sucesso após as rezas... Acredito ser a preferida naquela época.

Nos domingos brincávamos de jogar vôlei, betes, queimada. Essas brincadeiras

aconteciam geralmente na casa da Francisca e do seu Neném pais da minha amiga Rosani. Lá

a gente se divertia até escurecer. Juntava adolescentes de tudo quanto era lugar. Muitas vezes,

na época de mocinha, outra atividade de caráter lúdico e divertido, era cantar. Nós fazíamos

serenatas até tarde da noite com o violão, sempre executado pelo amigo Laércio.

Na verdade a minha infância tem uma forte relação com a infância do pintor Candido

Portinari. Somente fui descobrir essa semelhança, após conhecer o artista e a sua vida infantil.

No livro Menino de Brodowski (1979. 1 ed.), podemos encontrar seus relatos de infância,

5 Ver classificação dos jogos em Roger Caillois. Os jogos e os homens: a máscara e a vertigem. Lisboa: Cotovia,

1990. P. 36. Conforme o autor essa categoria se refere aos jogos de baralhos, o qual pode adequar ao jogo de

palito citado.

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brincadeiras, suas festas, com grande semelhança a minha infância, mesmo com um

distanciamento de quase um século. Acredito que a relação amorosa da infância do pintor

marcada em sua arte, por meio de centenas de pinturas que retratam sua infância, foi o

primeiro passo para a nossa aproximação. Dentro de mim havia algo que me inquietava todas

as vezes que meus olhos enxergavam uma de suas artes. Somente fui me descobrir em

Portinari, após deixar que a sua arte falasse e tocasse o meu íntimo, sensível pela busca do

meu eu infantil.

Trabalhando Portinari com meus alunos, embora obtivesse informações elementares

sobre o artista, pude estreitar os laços ao desenvolver um projeto na sala de aula com algumas

atividades sobre suas pinturas de brinquedos e de brincadeiras. Acredito, hoje que a minha

aproximação com o pintor, aconteceu pelo fato da minha carga de ludicidade infantil aflorar

inconscientemente ou não, na minha fase adulta. A relação amorosa e fascinada pelas telas

brincantes do pintor, desde a primeira vista, traduzem a minha própria infância.

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PRIMEIRAPARTE:

A HISTÓRIA LÚDICA DO MENINO CANDINHO

Portinari, menino com pião, 1947

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1. Considerações iniciais sobre o menino Candinho

O pintor Candido Portinari era denominado Candinho quando criança. Os detalhes de

sua infância apresentados neste capítulo, ancora-se nas telas retratadas em sua arte e em

algumas obras escritas sobre a sua vida infantil. O interesse protuberante nessa pesquisa é

demonstrar o menino Candinho com sua infância brincante no início do século XX.

Diante da arte, Portinari retratou um grande número de telas sobre brinquedos,

brincadeiras e jogos infantis de seu tempo de menino, esse legado corrobora na certeza de

uma infância cingida pela ludicidade.

Nos livros escritos sobre a vida infantil do pintor, Mário Filho em a Infância de

Portinari (1966), descreve fatos curiosos em um misto de graciosidade sobre o menino

Candinho, com suas peripécias e seus amigos, em uma Brodósqui pacata provida das mais

curiosas e singelas brincadeiras. Filho vivenciou o contato com a família Portinari, em

especial com a mãe do artista.

No livro retrato de Portinari (2003), com sua primeira edição em 1956, Antonio

Callado, amigo íntimo do pintor, narra a vida do pintor embalado em descrições advindas dos

Figura 1 – Família Portinari, 1908

(Portinari é o primeiro que está de pé,

à direita, vestido de branco).

Fonte: Museu Casa de Portinari - Brodósqui

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depoimentos do artista, sob bruma poética em trechos nostálgico do passado vivido. É uma

obra repleta com desenhos e pinturas de Portinari, especialmente dedicadas para esse trabalho.

Na residência pessoal do artista, Callado colheu seus depoimentos transportando-os na grafia

que compõe essa obra.

Há outros livros especiais alicerçando este capítulo, às quais tratam dos detalhes da vida

infantil de Portinari. Em Portinari o menino de Brodowski (2001), com sua primeira edição de

1979, o próprio pintor descreve sua vida infantil, elucidando fatos que se encontram com a

obra de Mário Filho (1966). Em outros momentos, Portinari alegava que gostaria de saber

lidar com as letras com a mesma habilidade em utilizava as tintas, por tanto, em vida,

escreveu uma coletânea de poesias composta por sua autoria, originando esta, o livro Poemas

de Candido Portinari (1964), pela Editora Olympio. Esta obra abriga os poemas, que, em

detalhes nos versos, apresentam as lembranças e os medos do artista menino, sendo eles: “O

menino e o povoado”, “Aparições”, “A revolta” e “Uma prece”. Diante dessas obras, é

possível descrever os detalhes da vida brincante do menino Candinho.

Não é tarefa fácil, dissertar a vida de Candinho, apartando os brinquedos e as

brincadeiras de seus relatos de infância, pois certamente a infância de toda criança é irrigada

pela ludicidade, e com Candinho não foi diferente. O circo, por exemplo, traz em si um carga

lúdica praticamente em todos seus elementos. Com essa estrutura lúdica, digamos assim, a

qual embalou o pintor na sua infância, podemos ver a similaridade com outras crianças de

nosso tempo. No entanto, todas as experiências brincantes vivenciadas por Candinho,

confirmam a singularidade infantil de outro tempo e de outro lugar, mas quando observada

atentamente, emergem as semelhanças na atemporalidade de nossos dias.

Para continuar dissertando, neste capítulo e narradora da vida infantil de Candido

Portinari, procuro nos detalhes embasados nas obras descritas anteriormente e em suas telas

com os retratos lúdicos dos brinquedos e das brincadeiras de seu tempo de menino, ou seja, a

sua própria história brincante. Em alguns momentos relato a vida do artista adulto, porém em

pequenos detalhes, pois o maior interesse é apresentar o menino Candinho. Narrar a vida

adulta de Portinari não é tarefa simples, pode-se anuncia-lo como um artista tão nosso, tão

brasileiro, que não economizou nem tão pouco se intimidou, ao utilizar-se nas tintas para

apresentar o Brasil diante de seu povo e de sua cultura pelas portas do mundo lá fora... O

apreço do pintor por essa terra, por seu berço natal, em especial, estampa por meio dos pincéis

a infância, a pobreza, o sofrimento do povo em uma época de lutas políticas, de opressão

pelos trabalhadores nas lavouras cafeeiras e nos rostos dos retirantes nordestinos... No

entanto, buscarei alguns fatos históricos relevantes especificamente da vida infantil lúdica do

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pintor, objeto o qual vem sendo estudado sobre os conceitos da atemporalidade de uma

ludicidade reconhecida no contemporâneo, diante dos brinquedos e das brincadeiras do

menino Candinho no início do Século XX.

Assim, no embalo de sua pintura e nos versos de seus poemas, apresentaremos um

Portinari visto pelos olhos dessa pesquisadora que mesmo de lugares e de tempos longínquos,

procura o reconhecimento de semelhanças com a infância brincante do artista. O conceito

atemporal, um dos pilares principais nesta pesquisa, emerge nos detalhes de cada brinquedo e

de cada brincadeira retratados pelo artista e vislumbrados no campo de pesquisa diante da

etnografia, o olhar de que a ludicidade infantil permeia e sobrevivem gerações. O

detalhamento desses conceitos prossegue nos capítulos posteriores.

A pretensão neste capítulo é apresentar o pintor Candido Portinari quando menino, o

Candinho, especialmente. O Portinari famoso, responsável pelas telas do nosso povo e da

nossa cultura, é fruto, em primeiro plano, do resultado de uma infância repleta dos mais

diversos brinquedos e brincadeiras, destacados em sua. Assim, este capítulo segue

enviesando-se entre a infância brincante do menino Candinho com os retratos do pintor

Candido Portinari: duas pessoas em uma mesma vida ― a infância lúdica de Candinho com a

arte do pintor Candido Portinari.

1.1. Uma breve história do menino Candinho e sua família

Iniciando a história do menino Candinho, pode se dar com uma de suas poesias, sendo

esta, “O menino e o povoado, 1964”, que por algumas vezes, o Portinari adulto, deixava os

pincéis por alguns momentos e vestia-se na roupagem de escritor, recordando sua infância.

Através de alguns legados poéticos a infância do pintor vem narrada nas próprias vivencias do

artista, a exemplo esta que vem a seguir:

Num pé de café nasci.

O trenzinho passava

por entre a plantação. Deu a hora

Exata. Nesse tempo os velhos

Imigrantes impressionavam os recém-chegados.

O tema do falatório era o lobisomem.

A lua e o sol passavam longe.

Mais tarde mudamos para a Rua de Cima.

O sol e a lua moravam atrás de nossa casa.

Quantas vezes vi o sol parado.

Éramos os primeiros a receber sua luz e calor.

Em muitas ocasiões ouvi a lua cantar.

(PORTINARI, 1964, p. 29).

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Assim, conforme o próprio poema, Candido Portinari nasce na fazenda de café Santa

Rosa, em vinte e nove de dezembro de 1903, próximo a cidadezinha de Brodowski, estado de

São Paulo. Sua certidão de nascimento data o dia trinta de dezembro do mesmo ano, pelo fato

de seu Batista, seu pai, se atrasar para fazê-la, então para não pagar a multa, adiantou-se um

dia. Portinari é o filho segundo de doze irmãos. Seus pais imigrantes italianos, vindos de

Vêneto. O motivo da vinda de seus pais para o Brasil, era a demanda da mão de obra nas

lavouras cafeeiras. A imigração da família Portinari, ocorreu no final do século XIX. Seu pai

senhor Baptista Portinari e sua mãe Dominga Torquato. Nas telas em sequência, apresento na

figura 2, o retrato de Portinari menino, ou seja, o Candinho. Na figura 3 o pai do artista, seu

Batispta Portinari vem retratado em uma de suas telas e logo na figura 3, sua mãe dona

Dominga Torquato:

Portinari quando menino era chamado por seus familiares e amigos, de Candinho.

Ainda bem pequeno, seus pais mudam-se para o vilarejo de Brodowski. Toda a história do

menino Candinho é narrada em diversas obras com destaque para a de Mário Filho, em “A

infância de Portinari” (1966), trazendo na abertura do livro, a fala da mãe de Portinari diante

da escrita do autor sobre o menino Candinho e a sua vida infantil. Dona Dominga Torquato

Portinari, atribui os seguintes dizeres à obra de Mário Filho (1966):

Minha filha Ida leu para mim o livro que o senhor escreveu sobre a infância do meu

filho Candinho. Quero dizer ao senhor que encontrei de novo meu filho Candinho,

Figura 3 – Tela: “Meu

pai”

Portinari, 1957

Figura 4 – Tela: “Minha

mãe”

Portinari, 1938

Figura 2 – Retrato de

Portinari menino, 1913

Fonte das imagens: Acervo Digital do Portal Portinari

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menino outra vez e vivo, e me encontrei, moça ainda, e encontrei Batista, meu

marido.

Pra mim, foi uma grande alegria, que lhe agradeço. Quero dizer, também, que tudo

que o senhor escreveu é verdade.

Dominga Portinari

A família do seu Batista pai de Candinho, abrigava a avó paterna dona Pelegrina, um

tio e uma tia, além dos filhos que iam nascendo. O menino Candinho demorou muitas horas

pra nascer e Mário Filho (1966), segue narrando o nascimento do artista: “― É do tamanho de

uma garrafa de litro de leite” ― dona Pelegrina não compreendia como um menino daquele

tamaninho tinha custado tanto pra nascer. (MÁRIO FILHO, 1966, p. 24).

O nome Candido, veio em homenagem ao seu avô paterno, a avó dona Pelegrina foi

quem o escolheu em gesto de homenagem: “Ia chamar-se Candido, como o avô. (...) Se o

marido não tivesse morrido, ela ainda estaria em Chiampo, com os filhos. Vendo aquela

criança tão pequenina que parecia que não ia vingar (...).”(Idem).

O menino Candinho chorava muito, conforme relatos de Mário Filho (1966), a

família somente foi perceber após alguns dias, em meio a tantas faixas enroladas, que uma de

suas perninhas era mais curta que a outra: Dona Pelegrina viu a perninha mais curta, um

pezinho como que pendurado. Não havia um médico nem em Brodowski. (MÁRIO FILHO,

1966, p. 26). A história do bebê Candinho prossegue narrando os benzimentos realizados no

menino que na região eram realizados pelo Mané Gavião, benzedor muito requintado naquela

época.

A família paterna do menino Candinho é bastante comentada por Mário Filho (1966),

até pelo fato da convivência cotidiana com os mesmos. Outros detalhes da vida do artista

menino, como por exemplo, a avó materna, a Nona de Jardinópolis, Maria Torquato di

Bissano, vem citada em Retratos de Portinari de Antonio Callado6(2003), sendo vista como

um destaque pelo pintor ao descrever as suas características para Callado:

Era uma mulher fabulosa. Parecia um condottiere. Saia no seu carrinho puxado por

um cavalo preto e nas saias tinha bolsos de um metro de comprimento, cheios de

níqueis e de balas para as crianças. Não tinha religião nenhuma. Caçoava de tudo.

Foi à primeira mulher a exportar mangas para São Paulo. (CALLADO, 2003, p. 19).

6 Callado, Antonio, amigo particular de Portinari, romancista e escritor de peças teatrais, na obra Retratos de

Portinari (1956), narra a vida do pintor contada por ele próprio. Portinari apresenta sua vida à Callado, sob a

forma de desenhos exclusivos. O livro apresenta um diálogo rico entre a escrita poetizada e as ilustraçõe s do

célebre pintor. Em, Callado (2003).

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Duas telas logo a seguir, apresentam as características físicas do rosto da avó de

Candinho, a senhora Maria Torquato. É um desenho criado especialmente para a obra de

Callado, onde ele acrescenta em palavras, sobre a “nonna de Jardinópolis”: “Parecia um

cardeal. Não julgava ninguém. Se um bêbado lhe pedia esmola ela dizia: “Toma, vai beber.”

(CALLADO, 2003, p. 20). Ao ilustrar a imagem da avó materna, Portinari estampa nos traços

fortes e bem contornados do rosto, em especial na testa, um semblante forte, de uma

personalidade firme e ousada para aquela época. Os detalhes nos olhos verdes marcam na

pintura outra característica para o menino Candinho, que nas lembranças herdadas diante do

rosto daquela figura da avó com respeito e admiração, são retratadas e eternizadas por meio

de sua arte, como tantas outras pessoas especiais de suas lembranças de menino :

Imagens do acervo digital do Portal Portinari

Outra recordação que o menino Candinho pode presenciar e lembrar-se posteriormente,

foi o exemplo de seu pai, o senhor Batista Portinari, o qual é memorado sob os mais ternos e

sinceros elogios: “- Meu pai foi sempre nosso camarada e dizia que as coisas deste mundo não

tinham importância. Quando vinha os leprosos a cavalo, meu pai fazia-os apear e almoçar na

nossa mesa.” (PORTINARI, 2001, p. 51). Segundo Mário Filho (1966), o senhor Batista

acolhia os leprosos em sua casa. Nessa época, ele era dono de uma venda, a qual acabou indo

a falência, sendo um dos motivos, a doação de comida para aqueles que precisavam ou a

realização de produtos vendidos fiados. O seu Batista, não se preocupava com o dia seguinte e

Figura 5 – Retrato de Maria

Torquato, 1956

Figura 6 – Nonna de

Jardinópolis, 1956

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sempre que dona Dominga, sua esposa, reclamava com ele, suas palavras eram de que Deus

não desampararia sua família.

1.2. Os medos do Candinho

A infância de Candinho não é apenas embalada pelas brincadeiras ou pelas coisas de

criança, mas é marcada por um período em que mortes e assassinatos acontecem

frequentemente em sua região. Esses fatos marcam sua infância, sendo registros transferidos

posteriormente em suas telas, como por exemplos suas diversas pinturas retratando os enterros

de Brodowski. Antonio Callado (2003) relata um dos medos de Candinho: “Quando perguntei

a Portinari qual era a sua recordação mais antiga a resposta foi:”―“Um medo desgraçado do

diabo.” (CALLADO, 2003, p. 24). O menino ouvia as histórias entre o bem e o mal, de Deus

e do diabo. Com as imagens terríveis contadas pela sua vó Pelegrina e pelos adultos da época,

uma estratégia para amedrontar e educar as crianças. As angústias do menino não são apenas

alegações refletidas em suas telas, surgem ainda em seu legado escrito as memórias

avantesmas do passado infantil diante do poema:

Quantos mortos vi passar! Vejo ainda

E os enterros dobrando a praça. Homens silenciosos

E escuros, vindos das fazendas distantes,

Trazendo o caixão negro, cansados do

Longo caminhar. Meu cérebro se

Enchia de caixões pretos, assombrações,

Pavor. Alguém mais velho vinha

Fazer-me companhia.

Ao amanhecer o sol, afugentava

Todos os medos. (Portinari, 1964, p. 64).

Conforme o poema anterior, Portinari adulto, relembra o seu tempo de menino, um

tempo onde as mortes frequentes pela fome, pelas lutas das conquistas do espaço e um de

lugar para morar, faziam homens sem leis e sem piedade, usarem das armas como honra e

valentia. Na poesia, o menino narra que precisava da companhia de um adulto para afugentar

seus pavores vivenciados durante o dia, ele mesmo declara diante dos medos noturnos.

Porém, quando o dia ressurgia, o sol dissipava todos esses medos. Esse sol do menino

Candinho é aquele que esquipa diante das pipas, da gangorra e das caçadas com estilingues - o

outro lado da vida do menino: as brincadeiras superavam os medos.

No livro Retrato de Portinari, de Callado (2003), o pintor ilustra um desenho que

retrata suas memórias e medos do tal “coisa ruim”. Vemos também o medo do menino diante

dos defuntos na rede trazidos pelos retirantes. Candinho conta dos paus que carregavam as

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redes, os famosos “pau de defunto”: Eram paus grossos, fortes que se amontoavam junto à

porteira preta da Fazenda da Prata, do capitão João Ramos. De dia não fazia mal ir até a

porteira preta. De noite sim. (MÁRIO FILHO, 1966, p. 49). Esses medos do menino, tais

como os brinquedos e as brincadeiras, foram projetados na forma de pinturas posteriormente

pelo artista, como se pode observar nas telas que seguem, os medos de Candinho:

Imagens do acervo Digital do Portal Portinari

Durante muitas vezes, Candinho era surpreendido com um barulho de um tiro ou com a

notícia de uma morte inesperada. Naquela época, o menino presenciou cenas fortes de mortes

por assassinatos, como por exemplo, a morte de Marcos, bem na sua frente, sob os tiros do

temível Carlos Silva, soldado que vivia realizando feitos dessa natureza. Antonio Callado

(2003), onde narra um trecho contado pelo pintor em sua obra: Portinari tinha então seus

quatro anos, correu para Marcos que tombou na frente da casa de sua vó. (CALLADO, 2003,

p. 27). Portinari realizou um desenho exclusivo para ilustrar esse momento:

Figura 7 – Diabo, 1956

Figura 8 – Enterro na rede, 1955

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Figura 9 – Cena da infância do artista, 1956

Acervo Digital do Portal Portinari

Mais tarde, nas pinturas, Portinari retrata os enterros nas redes, a fome e a triste

trajetória dos retirantes nordestinos7: “A memória de Portinari selecionou, entre as lembranças

do que foi uma infância descuidada na roça, imagens básicas e representativas da angústia de

seu tempo.” (CALLADO, 2003, p. 24).

Em outros momentos, Callado (2003), apresenta o menino Candinho desenhista que

entre cinco ou seis anos, realiza seu primeiro desenho: “(...) o mundo de Brodowski precisava

ser completado pelo mundo do espírito.” (CALLLADO, 2003, p. 40). Nessa faixa etária, o

menino desenhava maçãs.

De acordo com a tela em sequência, Portinari retratou a série Retirantes, a qual

representa as imagens dos imigrantes nordestinos recém-chegados a Brodowski. Essa

lembrança não representa os contentamentos da infância para o pintor, mas veem no intuito de

7Retirantes é uma série de obras, totalizando quatro telas, acusando a injustiça social no Brasil. As imagens

denunciam a realidade da miséria, da fome e da vida difícil dos nordestinos que deixavam suas terras e

migravam para outros estados brasileiros à procura de melhorias . Muitos morriam pelos caminhos, enterravam

seus mortos pelas estradas ou carregavam nas redes até chegar a um vilarejo com cemitério. O menino Candinho

presenciou inúmeras cenas de enterro em redes e de retirantes nordestinos que passavam por Brodowski.

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denunciar o desarrimo, a fome e a vida miserável estampada nos rostos e no físico de cada

pessoa sofrida daquela época: “O pior era quando os retirantes carregam um cadáver na rede.”

(MÁRIO FILHO, 1966, p. 49) e prossegue os relatos de Mário Filho: Candim tinha medo dos

retirantes, mas não tinha medo dos leprosos. Os leprosos vinham montados a cavalo, batendo

numa lata. (Idem). Segue uma das principais telas Retirantes:

Figura 10– Retirantes, 1944

Acervo Digital do Portal Portinari

A infância do menino Candinho, foi marcada também por momentos de sonhos agitados

com os mortos frequentes que apareciam carregados nas redes dos imigrantes nordestinos.

Medo dos espantalhos horrorosos tatuados na paisagem dos arrozais. Era frequente em uma

caçada de passarinhos com estilingues ou em uma montagem de arapucas e Candinho se

deparar com as temíveis criaturas: os espantalhos. Por isso Portinari retrata tantas cenas de

espantalhos:

Você tomou um susto à toa ― Turim também conhecia o pobre de braços abertos.

(...) se o espantalho não abrisse os braços, feito um homem tomando conta do

arrozal, os pássaros pretos iam comer o arroz todo, até antes de nascer. (MÁRIO

FILHO, 1966, p. 43).

Na medida em que Candinho vai convivendo com essas criaturas, os espantalhos, o

medo vai se dissipando e animado por seus colegas de caçadas, o menino percebe que o

espantalho é nada mais que um recurso dos lavradores para espantar os passarinhos de suas

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roças. Mais tarde, adulto e pintor, Portinari retrata inúmeros espantalhos. Vemos que há telas,

em que os espantalhos são coloridos pelas pipas dos meninos de Brodósqui. Assim, gera uma

mistura lúdica de espantalho com as pipas. Na tela “Espantalhos e menino, 1941”, O

espantalho é um boneco de palha em meio às pipas. Certamente, Portinari ilustrou uma cena

onde o espantalho já não amedronta mais nenhum menino, a imagem vista sobre primeiro

plano, do espantalho, fulgura a semelhança de um brinquedo em meio às pipas que sobem e

descem:

Imagens: acervo digital do Portal Portinari

1.3. As festas de Brodowski e a arte sacra na vida de Candinho

A admiração de Candinho por seu pai, seu Batista Portinari, que tocava na banda do

coreto do largo onde era o responsável, é notável em suas telas. Há uma série de pinturas e

desenhos retratando a Banda de Música de Brodowski. Além das lembranças de seu pai

tocando nas festas religiosas, sua infância é envolta pelas rezas de terços em família, pelas

rezas tradicionais com procissões e tantos santos de devoção de seus familiares: “O céu, a

igreja, a terra, e o cemitério estão sempre na cogitação da gente.” (PORTINARI, 2001, p. 46).

E prossegue depois Portinari pintor: “– Não esqueço minha avó dizendo que no céu tinha pão

de ló de ouro.” (CALLADO, 2003, p. 47). A avó de Candinho, a qual ele se refere nesta fala,

é dona Pelegrina, a senhora que morava com a família e rezava seus terços todo dia.

Figura 12 – Espantalhos e menino

soltando pipas, 1941

Figura 11 – Espantalhos, 1959

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Nas imagens que seguem, seu Batista o pai de Portinari, é destaque no trompete

conforme a figura 13, logo no primeiro plano. Essa tela apresenta a banda de música de

Brodowski A tela 14, traz a preparação da festa de São de João, um momento muito citado e

enaltecido pelo artista em suas memórias infantis:

Assim, a vida de Candinho é registrada por inúmeros acontecimentos, ora alegre, ora

desagradável... No entanto, a infância do menino não traz apenas as angústias da morte, da

fome e das dificuldades, mas embalam-se nas alegrias das festas de São João, dos casamentos

na roça e das celebrações natalinas, essas lembranças são registradas em suas telas

futuramente. Os registros da arte sacra soma um número relevante nas telas do artista. Sua

infância foi rodeada pelos eventos religiosos, a exemplo, o Natal:

O Natal era muito festejado, os fornos de quase todas as casas estavam acesos, a fumaça se

desprendia abundante; assavam-se cabritos, leitões, frangos, etc. Havia um costume

divertido: planejavam furtar os assados uns dos outros e no final era tudo reunido e

convidavam a todos para saborear o assado. (PORTINARI, 2001, p. 40).

Figura 13 – Banda de música, 1956

Figura 14 – festa de São João, 1939

Imagens do acervo Digital do Portal Portinari

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Conforme a fala anterior, do menino de Brodowski, a imagem da tela 15, ilustra uma de

suas memórias com relação ao Natal, ou seja, o nascimento do Menino Jesus, diante de uma

ilustração moderna, sob uma tendência cubista 8sob a utilização de cores alegres e vibrantes:

Acervo Digital do Portal Portinari

O Portinari adulto, não conseguiu se desvencilhar do Candinho e de suas memórias e

vivências... São inúmeras cenas da arte sacra a qual representou seu passado e a história de

seu povo. Há cenas da Via-Sacra e pinturas em murais de igrejas e há lindas imagens de

santos com as feições de seus familiares retratados na Capela da Nonna9 na cidade de

Brodowski.

8 As tendências do cubismo, a qual Portinari passou a utilizar, surgiram após o artista conhecer o quadro cubista

Guernica, pintado pelo artista espanhol Pablo Picasso, em 1937, depois desse período Portinari passou a utilizar

esses traços em muitas de suas telas. Informações disponíveis no site: UOL Educação: Portinari: cubismo Arte e

mural (3). Disponível em http://educacao.uol.com.br/disciplinas/artes/portinari-3-cubismo-e-arte-mural.htm

Acesso em 13 de dez. 2015. 9 A Capela da Nonna, está localizada no Museu Casa de Portinari em Brodósqui. Com as técnicas de afresco e

têmpera, Portinari pintou a Capela da Nonna em 1941 para sua avó, que por motivo de doença, não podia ir à

missa. As imagens retratadas na capela são: Santa Luzia, São Pedro, São João Batista com Cordeiro, Encontro de

Nossa Senhora e Santa Isabel, Jesus Cristo, São Francisco de Assis, Sagrada Família, Santo Antônio com

menino. Nas imagens estão projetados os rostos dos familiares da avó de Portinari. Outras informações em:

Museu Casa de Portinari disponível em <http://museucasadeportinari.org.br/>acesso em 10 de ago. de 2015.

Figura 15 – Natividade, 1960

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Na pintura de Santa Luzia e São Pedro, nesta capela, conforme a imagem 16, serviram

de modelo, Ida Portinari e Baptista Portinari, respectivamente irmã e pai do artista.

Figura 16 – Santa Luzia e São Pedro, 1941 – Capela da Nonna

Acervo Digital do Portal Portinari

Em seus registros de artista, Portinari relembra sua infância diante das festas religiosas e

da passagem do circo por Brodowski. O circo, para o Candinho, é algo muito especial, fruto

de telas coloridas sob a magia de suas lembranças de menino:

O palhaço fazia o reclame montado ao contrário em animal velho e moroso, pintado e

vestido com as funções; percorria o povoado com a criançada acompanhado e respondendo

ao anúncio que fazia: “O palhaço o que é?” Resposta: “Ladrão de muié”. “Olha o negro no

portão.” Resposta: “Tem cara de tição.” (PORTINARI, 2001, p. 60).

Nas recordações relatadas pelo Portinari pintor, o menino Candinho emerge nas

lembranças do circo: “O espetáculo quase sempre se iniciava com o equilibrista e terminava,

no segundo, com uma pantomina. No intervalo vendiam pastéis, amendoim e quentão:

cachaça com gengibre quente.” (PORTINARI, 2001, p. 60). O circo pode ser considerado como

uma atividade lúdica para Candinho, mas que aqui, foi separada dos brinquedos e das

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brincadeiras do menino, pelo fato de ser um evento muito especial naquela época que

acontecia esporadicamente na cidade, ficando em suas lembranças, semelhante às festas.

Candinho fazia o impossível para conseguir ganhar um ingresso para a noite dos

espetáculos. Na época, os garotos escolhidos deviam andar com o palhaço pelas ruas

anunciando o circo, depois o palhaço fazia uma cruz com carvão na testa dos escolhidos e a

noite, aqueles que estivessem com a cruz legível, podiam entrar para assistir ao espetáculo

gratuitamente, Mário Filho (1966). Na tela 17 em “O circo de 1932”, pode-se observar na

cena, o palhaço montado ao contrário no burrico sendo seguido pela criançada:

Figura 17 – O circo, 1932

Acervo Digital do Portal Portinari

As lembranças do palhaço, do circo, ressurgem em Candinho até chegar seu tempo de

adulto, tanto que depois de pintor, utilizou-se dos pincéis para ilustrar essa figura por muitas

vezes. O circo naquela época era um acontecimento marcante. Os meninos não possuíam em

suas casas aparelhos de televisão, nem brinquedos sofisticados, assim, o circo, era algo

esperado por todos. Vislumbravam-se nas dançarinas, nos equilibristas e malabaristas.

Portinari registra uma figura inesquecível em sua memória: o palhaço, o qual

representativamente pode ser considerado como uma das figuras mais brincantes no espaço

circense.

1.4. A escola de Candinho e o nascimento do Artista

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O menino Candinho, somente cursou a escola primária na cidade de Brodowski. Suas

honrarias e diplomas vieram através da arte: “Nunca tive diploma nenhum. O primeiro foi o

meu prêmio Carnegie10de 1935.” (CALLADO, 2003, P. 42). Em uma fotografia da época do

Candinho no grupo escolar, conforme a figura 18, o professor João Daiuto sentado ao centro

com seus alunos a sua volta. Portinari explica: “Na foto estou com cara de zangado. Em

seguida, reuniram-se as quatro escolas e formaram o Grupo Escolar que foi dirigido pelo

professor Romano Barreto (...).”(PORTINARI, 2001, p. 58). Observando a fotografia, na

terceira fileira de meninos de pé, ou seja, sendo na fileira que segue o alinhamento com o

professor, o menino Candinho é o primeiro que está de pé a direita da imagem.

Figura 18 – Portinari no grupo escolar, 1915

Acervo Digital do Portal Portinari

O surgimento do artista manifestou-se quando Candinho tinha aproximadamente

cinco ou seis anos de idade, nessa época, o menino pintava maçãs na escola. Em outros

10

“Em 1935, obteve seu primeiro reconhecimento no exterior, a segunda menção honrosa na exposição

internacional do Carnegie Institute de Pittsburgh, Estados Unidos, com uma tela de grandes proporções,

intitulada “Café”, retratando uma cena da colheita típica de sua região de orig em”. Texto do Museu Casa de

Portinari: Disponível em<http://museucasadeportinari.org.br/>Acesso em 10 de agosto de 2015.

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momentos, o pintor se revelava suntuoso diante da candidez de pequenos gestos artísticos no

contexto da sala de aula: “Desenhei um leão e o desenho foi comentado pelos professores e

pelos alunos. Não me deixaram mais em paz, tive que desenhar a capa das provas a serem

expostas no fim do ano.” (PORTINARI, 2001, p. 58).

Na tela 19, denominada de “Retrato de Carlos Gomes, 1914”, percebe-se as marcas

do nascimento do artista. Feito a grafite, sendo seu primeiro desenho famoso, Candinho, não

busca simplesmente homenagear a música por meio da ilustração, mas se auto presentear com

o retrato de um músico que fez parte da sua vida infantil. Um desenho que mesmo depois de

adulto, continua arquivado em seus pertences pessoais: Solene retrato de Carlos Gomes, que

ainda possui feito a lápis. (CALLADO, 2003, p. 44).

Figura 19 – Retrato de Carlos Gomes, 1914

Acervo Digital do Portal Portinari

Houve épocas em que Candinho pintava flores, boizinhos e paisagens em moringuinhas

no intuito de vende-las. Na arte em cerâmica vista logo na figura 20, Portinari, depois de

adulto, relembra a arte na moringuinha dos tempos de Candinho. A tela na moringa, do

menino soltando pipa, é uma similaridade de sua época de menino, o mais incitante, vem na

constatação de um desenho em forma de brincadeira, como pode ser visto a seguir:

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Figura 20 – Menino soltando pipa, 1958

Acervo Digital do Portal Portinari

Em outros momentos, o afeto do menino-artista por seus desenhos feitos no chão de

terra vermelha, chegava à alternativa de cobri-los para que as chuvas não os apagassem: Os

pingos de água batiam no telhado de um a um (...). Candinho suspendera a folha de zinco por

cima da cabeça e corria para cobrir o desenho. (MÁRIO FILHO, 1966, p. 120).

O desabrochamento do menino artista é citado em diversas obras, inclusive nas

recordações do pintor em “Menino de Brodowski” (2001), a exemplo, vem o caso do dia em

que o menino espontaneamente desenhou uma porteira comentada pelo vigário e que nenhum

homem conseguia compreender de fato como era para ser feita. O menino, em seu sentido de

artista nato, esboça com naturalidade o desenho da tal porteira. A partir dali, inicia os

primeiros vistos públicos do célebre pintor:

O vigário João Rubi deseja encomendar uma porteira e não se entendiam, peguei um papel

e desenhei a porteira. O padre ficou olhando pra mim e disse: “― Amanhã chegará o

frentista para ornamentar a nova fachada da igreja. Você deve ir vê-lo e aprender.”

(PORTINARI, 2001, p. 58).

Portinari segue narrando o seu contato com o tal frentista, que na verdade era meio

escultor, que fazia anjos e ornamentações sacras derivados da argamassa e do cimento.

Detalhando esse período à Callado (2003), Portinari se recorda desse momento ímpar na sua

vida de menino enamorado pela arte na cidade de Brodowski, quando ao ajudar na

ornamentação da igreja, declara que nada mais contribuiu que, umas estrelinhas desenhadas à

base da técnica dos polvero11. Segue o Menino crescendo em sua terra natal, porém, seu olhar

e a sua alma, estão continuamente atados pela arte.

11

“Uma das formas mais humildes da pintura”. A figura a pintar está feita em furos numa folha de papel. Sobre a

qual recebe chapiscos de tintas. Como se fosse um molde vazado.

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2. A história dos brinquedos e das brincadeiras de Candinho

Candinho era rodeado por muitos amigos nas brincadeiras do dia e da noite. Por sua

família ser numerosa, suas brincadeiras eram realizadas com seus irmãos e os coleguinhas de

Brodowski. No poema o menino e o povoado (1964), Portinari narra trechos de sua infância

por meio da escrita. Embora seu dom fosse à pintura, há livros de sua autoria onde a escrita

reafirma sua infância lúdica:

Não tínhamos nenhum brinquedo

Comprado. Fabricamos

Nossos papagaios, piões,

Diabolô.

A noite de mãos livres e

pés ligeiros era: pique, barra-

manteiga, cruzado.

Certas noites de céu estrelado

E lua, ficávamos deitados na

Grama da igreja de olhos presos

Por fios luminosos vindos do céu

era jogo de

Encantamento. No silêncio podíamos

Perceber o menor ruído

Hora do deslocamento dos

Pequenos lumes... Onde andam

Aqueles meninos, e aquele

Céu luminoso e de festa?

Os medos desapareciam

Sem nada dizer nos recolhíamos

Tranquilos... (POEMA O MENINO E O POVOADO, 1964, p.49).

Os brinquedos, como apresentados por Candinho, eram fabricados por ele e por seus

pares. Além dos brinquedos diversos os quais estavam presentes nas brincadeiras e na vida

cotidiana dos meninos de Brodowski, à noite eles criavam outras brincadeiras propícias para a

ocasião escura ou de lua luminosa, por exemplo, o brinco e as cantigas:

Era um lampião aqui, o outro ali, longe, o largo escuro de se ver os vaga-lumes

apagando e acedendo. Então os garotos cantavam:

“Vaga-lume, tem, tem

Sua mãe tá aqui,

Seu pai também

Vaga-lume, tem, tem.” (MÁRIO FILHO, 1966, p. 39).

Mário Filho (1966) vai narrando inúmeras brincadeiras realizadas por Candinho, como é

o caso do jogo de botão feito a partir do lançamento do botão na biroca: “A biroca era um

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buraco feito com o calcanhar no chão. Rodava-se o calcanhar com força, mas antes o garoto

mijava no lugar escolhido para cavar a biroca. A terra amolecia e o calcanhar quase

afundava.” (MÁRIO FILHO, 1966, p. 39). Essa brincadeira leva ainda hoje a permanência em

culturas onde os brinquedos comprados são iguarias. Há outros jogos que se utilizam os

buracos no chão, mas a biroca ou bolinha de gude ainda é a preferida dos moleques. Portinari

retratou cenas com bolinhas de gude, como essa retratada na tela 21:

Figura 21 – Crianças brincando, 1957

Acervo Digital do Portal Portinari

Na cena da tela anterior denominada de “Crianças brincando, 1957”, feita a grafite no

papel, o pintor apresenta vários brinquedos e brincadeiras. No fundo vemos as pipas soltas ao

vento; no lado esquerdo duas crianças pulando carniça; no centro, a imagem de duas meninas

leves e soltas no embalo das brincadeiras de roda; no canto direito da pintura, dois meninos

brincam sobre uma gangorra sendo observados pelos olhos atentos de um carneiro e para

finalizar na imagem de primeiro plano ou vista como início de todas as brincadeiras vê a

bolinha de gude ou biroca sendo executada por dois garotos. Temos a impressão ou a

sensação que o garoto de pé no cantinho da tela, estava de fato, fazendo o buraco para o jogo

acontecer.

As brincadeiras visualizadas nesta tela são todas citadas por Florestan Fernandes (1979)

na obra Folclore e mudança social na cidade de São Paulo, onde o autor se preocupa em

delinear as brincadeiras realizadas pelos meninos e meninas, derivadas da tradição popular da

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colonização do estado de São Paulo, algo que vai de encontro com o período vivenciado por

Candinho no início do século XX. Florestan Fernandes (1979), somente confirma que as

brincadeiras praticadas dentro do estado, em uma época similar, são de certa forma, as

mesmas praticadas pelos meninos de Brodowski do tempo de Candinho.

No início do século XX, propriamente nas primeiras décadas, quando os relatos na

poesia de Portinari apresentam inúmeras brincadeiras e o folclore é um dos responsáveis pela

propagação de cantigas, de causos, Florestan Fernandes (1979). Não é diferente diante do

mundo dos brinquedos e das brincadeiras vistas no folclore de São Paulo: os meninos

fabricavam seus próprios brinquedos, um ajudava o outro na confecção e as brincadeiras

tinham as características interioranas, como por exemplo, caçar passarinho com estilingue,

conforme a tela 22, apresentando a imagem do menino com o objeto:

22 – Menino com estilingue, Portinari, 1958

Acervo Digital do Portal Portinari

Visto anteriormente que, Candinho narra em seu poema, que não compravam

brinquedos, eles os fabricavam. Um exemplo dessa realidade vem do uso do estilingue. Esse

brinquedo era um dos preferidos pelos meninos daquela época. Todo menino que conseguia

acompanhar os irmãos mais velhos e seus pares, logo já aprendia a construir seu próprio

estilingue. Cada passarinho que matavam a forquilha recebia uma marca de registro da caçada

certeira conforme um dos momentos vividos por Candinho:

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Antes de mudar de roupa, Candinho, foi apanhar seu estilingue. Abriu o canivete e

fez dois talhos no cabo da forquilha, embaixo. Já tinha matado dois passarinhos. Um

tiziu, um pássaro deste tamaninho, preto, da cor do João Negrinho, e uma fogo -

apagou. ( MÁRIO FILHO, 1966, p. 73).

Caçar e matar passarinhos eram um feito de proezas e de masculinidade infantil. Os

meninos eram incentivados pelos próprios pais seus primeiros artesões do estilingue. Para os

meninos da época de Candinho, as caçadas de passarinhos os tornavam grandes e experientes,

tanto que as forquilhas com as marcas eram a prova das habilidades adquiridas. Então vinha o

prestígio e o respeito do grupo.

Com Kishimoto (2010), o ato de matar passarinhos é uma atividade típica dos meninos

do campo, uma brincadeira que sugere certa violência infantil. Algo que se adequa ao vilarejo

de Brodowski, pois à época do menino Candinho, a cidadezinha era rodeada de arvoredo e

fazendas próprias para a prática das caçadas com o estilingue.

Outras brincadeiras diante das telas de Portinari apresentadas na figura 23 e 24 são os

barquinhos de papel que sobre as águas, nos reflexos do balanço e dos movimentos lentos,

uma ludicidade convidativa... Esses barquinhos, em tela, amenta as lembranças do pintor na

época dos dias chuvosos com as brincadeiras realizadas em Brodowski:

Em O menino de Brodowski (2001), Portinari relembra os brinquedos e as brincadeiras

da época das chuvas, conforme os barquinhos apresentados anteriormente:

Figura 23 – Barquinhos, Portinari, 1928 Figura 24 – Barquinhos de papel,

Portinari, 1932

Imagens do acervo digital do Portal Portinari

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As chuvas nos traziam novos brinquedos, uns faziam barquinhos de papel e os

deitavam na água, outros patinavam nas sarjetas e os mais destemidos iam nadar nos

mata-burros; poderiam acontecer mil coisas, mas felizmente recordo nunca haver

acontecido nada grave. Um dia de chuva, voltei para casa todo molhado e com

sarampo. Dizia-se que onde se contraiu o sarampo ali deve ser curado e assim tratei

na chuva o meu. (PORTINARI, 2001, p. 46).

Nas narrativas do artista, ora em escrita, ora em tintura, o lúdico acontecia a todo

tempo e nas mais diversas e variadas situações, a exemplo o dia de chuva. Os barquinhos de

papel estão presentes na vida das crianças desde a antiguidade, como também o trabalho da

criação e da confecção dos próprios brinquedos (POEMA O MENINO E O POVOADO, 1964, p. 35),

é uma ação infantil antiga, conforme indica Michel Manson (2001): “Moldava casinhas,

esculpia barquinhos, construía carrinhos e das cascas de romãs fazia rãs que era um encanto

vê-lo.” (MANSON, 2001, p. 15). As atitudes do menino Candinho e de seus pares em

construir brinquedos, é algo próprio da curiosidade, da arte e do desejo infantil. O pintor

relembra os meninos “destemidos” ― a coragem de nadar nos mata burros. Os lugares

proibidos, perigosos, são na verdade, escolhidos pelos meninos devido a tantos motivos, como

por exemplo, o simples fato de ser o lugar “proibido” ou “perigoso”.

Em Gomes (2001), com sua tese de doutoramento intitulada: Meninos e brincadeiras

de Interlagos: um estudo etnográfico da ludicidade há uma variedade relevante de brinquedos

e de situações lúdicas, sendo que, o “lugar proibido”, semelhante ao mata-burros, citado por

Portinari, aparece diante das atividades lúdicas dos meninos de Interlagos. São por inúmeros

motivos os quais levam as crianças a se aventurarem em lugares perigosos, conforme o

pesquisador apresenta:

Há lugares onde as crianças brincam desobedecendo aos pais. Muitos e diversos são

os “lugares proibidos” de brincar. E pelo que me disseram os entrevistados, deduzi

que qualquer lugar pode ser proibido pela mãe, pelo pai, pela avó. Dentro de casa “a

mãe odeia”, porque “desarruma”, “suja as paredes”, “quebra lâmpadas”. Não se

pode brincar no sótão porque “tem uma janela desse tamanho”; nem porão, porque

“tem cobra, marimbondo”; nem pensar em subir em árvores, porque “pode cair”, daí

que quintal tem muitos perigos e é proibido por muitos. (GOMES, 2001, p. 178).

O fascinante nesses lugares proibidos, é que em sua maioria, as crianças jamais

revelam os acontecimentos e as aventuras ocorridas nesses locais. Quando machucam, há

sempre uma verdade obscura a ser revelada. O menino Candinho revela em suas recordações

de ninguém nunca ter se machucado diante dessas brincadeiras tão perigosas e até seu

sarampo se curou na chuva. Parece que as crianças estão sempre acompanhadas por anjos do

bem diante dos perigos e dos lugares proibidos.

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Na citação em sequência, as brincadeiras nos recantos em contato com a natureza

recebem evidência no bojo dos refúgios, das armadilhas de arapuca, da ludicidade ao topo dos

galhos enredados do arvoredo campestre e bravio. São os arredores do Candinho em

Brodowski, das brincadeiras em contato com a natureza:

O campo era sempre o nosso melhor refúgio. Além dos frutos silvestres que havia

sempre, durante todo o ano conhecíamos todos os recantos, todas as árvores; nas

maiores subíamos para espiar o panorama, era agradável. Amávamos arapucas; bem

me lembro quando, pela primeira vez, apanhei um sangue-de-boi vermelho como

indica o nome. Nunca encontrávamos cobra, creio que não havia. (PORTINARI,

2001, p. 42).

Na fala do pintor embevecido por suas brincadeiras de menino, nota-se a semelhança

com os lugares proibidos. Crianças vividas em ambientes bucólicos, campesinos, geralmente

são cercadas pelos brinquedos e brincadeiras do contato com o habitat natural. Utilizam as

árvores para imitar os passarinhos, macacos e outros bichos silvestres ou constroem casas

imaginárias em galhos que de repente, são torres, castelos, arranha-céus... Os brinquedos

originários do contato com a natureza são arapucas, estilingues e gaiolas.

Candinho utilizava de arapucas para altear suas proezas de menino em meio ao

grupo. Em seus relatos, vemos que a arapuca, um brinquedo comum naquela época,

provavelmente todos os meninos aprendiam desde muito cedo a construir suas arapucas, bem

como a utilizá-las. Certamente por suas recordações, que Portinari representou a arapuca em

suas telas.

Arapucas, estilingues, alçapões, eram brinquedos fabricados pelos próprios meninos

heróis dos territórios sertanejos demarcados diante da paisagem, a exemplo, a tela “Menino

com Arapuca, 1959” apresentada na figura 25, pode-se dizer ser a própria representação do

Candinho:

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Figura 25 – Menino com arapuca, Portinari 1959

Acervo Digital do Portal Portinari

Em uma das mãos, a arapuca está segura, enquanto que na outra, o pássaro sangue-

de-boi, é pego delicadamente, num misto de proteção diante da façanha certeira... Uma

representação natural dos meninos daquela época.

Candinho além das proezas com as arapucas, dos estilingues e tantos outros tipos de

brinquedos, desfrutava das cantigas de roda ou de brincadeiras das quais a música se fazia

presente no seu convívio infantil, visto em Mário Filho (1966):

As vozes das meninas de mãos dadas no largo vinham até o quarto, tristes, tristes:

Onde está a Margarida

Olé, olé, olé

Onde está a Margarida

Olé, seus cavaleiros. (MÁRIO FILHO, 1966, p. 100).

Vendo na cadencia das cantigas, onde o convívio se fazia entre infância e brincadeiras

de roda, o pintor não esquece em suas memórias de Candinho, a imagem retratada que mais

uma vez se eterniza por meio da arte. Dessa vez, sobre a forma de brincadeira de rodas, como

vista na figura 26 apresentada logo a seguir:

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Figura 26 – Ciranda, 1958

Acervo Digital do Portal Portinari

Paralelamente nessa época de Candinho menino, diante do apogeu da miscigenação

em que a cultura paulista recebia o mais diversificado povo em seu seio cultural, Florestan

Fernandes (1979), se dedica a explorar o folclore do estado de São Paulo. Assim, o

pesquisador aponta uma série de testemunhos da presença viva das cantigas de roda nas

brincadeiras das crianças daquela época: “As rodas, segundo pudemos contatar, são folguedos

prediletos das crianças, de primeira infância em particular, e das meninas, em geral”

(FERNANDES, 1979, p. 192). O autor prossegue decifrando as regras da brincadeira. E o

mais instigante, é que, o folguedo, ou seja, a “Ciranda, Cirandinha” 12, conforme a pesquisa

do autor, naquela época, era o mais popular entre todas as crianças. É bem provável que

Portinari atribuiu o nome “Ciranda” à tela vista anteriormente, pelo fato de ser uma

brincadeira tradicional naquela ocasião e naquela região.

Prosseguindo na infância brincante do pintor, em Mário Filho (1966), aparece outro

momento lúdico do Candinho:

12

Florestan Fernandes (1979), em “Folclore e mudança social na cidade de São Paulo”, apresenta a ciranda:

Ciranda Cirandinha, Vamos todos cirandar, Vamos dar a meia volta, Volta e meia vamos dar. O anel que tu me

deste Era vidro e se quebrou; O amor que tu me tinhas Era pouco e se acabou. Por isso dona... (fulana) Faz favor

de entrar na roda, Diga um verso bem bonito, Diga adeus e vai se embora. (p. 192).

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Agora havia uma gangorra no largo. O padre Josué tinha feito a gangorra. Candinho

montava na ponta da gangorra e subia logo. Gostava de sentir-se lá em cima. Depois

queria descer. Não demorava muito e queria descer. Largava a gangorra, apan hava

um pedacinho de pau e ia fazer um desenho na areia. (MÁRIO FILHO, 1966, p.

103).

A gangorra e o balanço são brinquedos retratados diversas vezes pelo pintor. Brinquedos

presentes na vida do Candinho quando menino. Seus vestígios permaneceram no Portinari

adulto quando pelos pincéis, busca na gangorra e nos balanços a leveza da bruma lúdica num

misto de aura infantil, o eterno da alma de criança feliz na diversidade singela dos brinquedos

daquela época, que, agora somente em cores e telas, expressam a infância.

Nas telas 27 e 28 logo a seguir, Portinari retrata meninos brincando na gangorra e nos

balanços, nos traços de cada pintura, pode-se notar a leveza dos movimentos expressas nos

gestos das crianças e nos tons claros das cores:

Imagens do cervo digital do Portal Portinari

Observando as telas anteriores, em Callado (2003), Portinari fala de poesia,

parafraseando as pinturas de Chagall diante da melodia poética em sintonia com a sua própria

arte ao pintar meninos em gangorras e balanços. Brota o sentimento por uma arte arraigada

Figura 27 - Meninos na gangorra, 1960

Figura 28 - Meninos no balanço, 1960

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em detalhes inspirados na poesia, como é o caso da arte de Chagall: “A poesia sempre me

venceu e Chagall é um pintor poético. Quando vejo um tema poético realizado em pintura fico

com inveja.” (CALLADO, 2003, p. 47). Vislumbrando-se diante dos retratos de Chagall,

Portinari lança uma frase poética, à Callado, a qual estampa sentimentos afáveis perante suas

telas de crianças nos balanços e nas gangorras... Mais uma vez, o pintor embebe-se nas

lembranças, em misto de poesia com a pintura: “– Sabe por que é que eu pinto tanto menino

em gangorra e balanços? Para botá-los no ar, feito anjos.” (Idem).

A arte apresenta como um elo ligando sua infância com seus sentimentos estéticos e ao

mesmo tempo poéticos em suas manifestações artísticas. Nas telas que seguem “Meninos na

gangorra, 1960” e “Meninos no balanço, 1960”, apresentam os traços de uma pintura com

características do cubismo, um estilo avançado, moderno, retratando a leveza nas cores e nos

meninos nos ares “iguais a anjos”.

Na pintura de Portinari as evidências de sua infância nos brinquedos e brincadeiras,

percebe-se a presença da gangorra e dos balanços como já vistos, a variedade de outras

atividades lúdicas, como por exemplo, o futebol.

Apresentar o futebol do Candinho é integrar-se com um futebol de meninos,

improvisado na rua e na bola. As características do futebol do menino Candinho são

apresentadas em minuciosos detalhes nas narrativas de Mário Filho (1966): “O jogo

começava às quatro horas. Dois tocos de pau, de um lado e de outro, eram as balizas. Se a

bola passasse pelos dois tocos era gol. A bola era de meia. Quem fazia a melhor bola era João

Negrinho.” (MÁRIO FILHO, 1966, p. 116).

Em Mário Filho (1966) o futebol dos meninos de Brodowski, na tela “Futebol, 1935”,

estampa nitidamente as características da citação anterior. Um futebol simples, brincadeira de

meninos que mesmo na ausência da bola, improvisavam outra com meia e nas falta de traves,

dois tocos sinalizavam o local dos arremessos a gol. A relação intrínseca, ou seja, uma ligação

familiar entre as narrativas de Mário Filho (1966) e da tela citada, onde ambas alardeiam uma

parelha autentica entre o lido e o contemplado, conforme a tela apresentada na figura 29:

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Figura 29 - Futebol, 1935

Acervo Digital do Portal Portinari

Narrando outros momentos do futebol de Candinho, Mário Filho (1966), apresenta a

criatividade dos meninos em utilizar outras bolas caseiras para a execução dos jogos, como

por exemplo, a bola feita a partir da bexiga de boi:

Os maiores não jogavam com bola de meia. Tinham uma bola de bexiga de boi,

mais leve, que subia muito e às vezes parecia maluca. Chutava-se para um lado e ela

tomava efeito e ia para o outro, feito um balão arrastado pelo vento. E furava muito.

Por isso, antes de um jogo, era preciso que todos os jogadores mostrassem as unhas

dos dedos do pé. (MÁRIO FILHO, 1966, p. 117).

A bola feita com bexigas de boi era especial, tanto que ao narrar os fatos, Mário Filho

(1966), a apresenta como um brinquedo cobiçado pelos menores, somente para os maiores. É

bem provável que para conseguir a bexiga, os meninos, os mais crescidos, se aventuravam em

busca da tal bexiga. Uma época difícil, como vista nas narrativas das telas de Portinari, onde a

carne era escassa e a bexiga de um boi seria ao certo, uma bela disputa entre os meninos de

Brodowski.

O futebol de Candinho vem retratado pelo artista Portinari, em muitos momentos

diferentes, bem como em suas lembranças na escrita em O menino de Brodowski, (2001): “No

grupo escolar tínhamos formado dois times de futebol, do segundo time era eu o capitão.

Fomos jogar em Batatais ― apanhamos grande surra, eles eram melhores e maiores do que

nós.” (PORTINARI, 2001, p. 62). O futebol do Candinho não se encerra por aqui, como diz

Roberto da Mata (1982): “Basta andar por aí pra ver os campos de futebol. Eles fazem parte

da paisagem urbana e rural deste país.” (MATA, 1982, p. 77). Portinari não somente criou os

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retratos do povo brasileiro, ele é o próprio retrato da vida simples diante das brincadeiras de

seu tempo, cujo reflexo emana uma ludicidade com características atemporais vistas em

outros tempos e lugares.

Em outros momentos, na obra Menino de Brodowski (2001), Portinari narra sobre as

brincadeiras com os papagaios de seu tempo de Candinho: “Agosto era o mês do vento ―

mês de soltar papagaio e balão. A linha de costura desaparecia.” (PORTINARI, 2001, p. 72).

Há uma diversidade considerável de Telas do artista retratando papagaios. São cenas

bucólicas, lúdicas, coloridas, como relata o pintor em suas memórias poéticas: “Não tínhamos

nenhum brinquedo Comprado. Fabricamos nossos papagaios, piões, diabolô (...).”

(PORTINARI, 1964, p.49). Nas telas dos meninos com os papagaios nas figuras 30 e 31, as

narrativas em forma de pintura, retratam em umas das cenas a brincadeira com o objeto e na

outra cena, a fabricação do brinquedo:

Imagens: acervo digital do Portal Portinari

Conforme o trecho poético do pintor em: “fabricamos nossos papagaios...” Uma relação

entre os meninos e objeto lúdico vista em diferentes aspectos ― a brincadeira com o objeto

lúdico e a fabricação do objeto lúdico.

Portinari retrata a brincadeira de papagaio ora utilizando essa nomenclatura, ora a

nomenclatura pipa, tanto em suas telas quanto em suas obras escritas. No entanto, soltar

papagaio, é uma atividade lúdica antiga a qual recebe diversos nomes conforme a região ou

Figura 31- Menino com pipa, 1954

Figura 30 - Meninos soltando pipas,

1947

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país: “Esse jogo conhecido entre portugueses como estrela, raia, arraia, papagaio, bacalhau,

(...) e no Brasil como papagaio, curica, pipa, cafifa, pandorga, arraia, quadrado e raia.”

(KISHIMOTO, 2010, p. 18). A história da pipa transcende épocas e lugares, essa

característica atemporal dessa brincadeira, será tratada ainda, em outro momento.

Os papagaios são citados em Mário Filho (1966), apresentando Candinho como

artesão do brinquedo:

Era agosto, mês dos papagaios. Ninguém fazia papagaios mais bonitos do que

Candinho. Armava a cruz de bambu e depois colava tiras de papel de seda.

Combinando cores. Parecia um quadro. Havia gente que ficava olhando para os

papagaios de Candinho como para um desenho dele, numa moringuinha, num papel

de embrulho, na areia do largo. (MÁRIO FILHO, 1966, p. 141).

Na figura “Menino com pipa, 1954”, número 32, certamente projeta-se, mais uma vez, a

imagem do menino Candinho fabricando seu papagaio jeitoso com suas combinações de cores

e esmero. Há outra tela a qual retrata a confecção da pipa em “Menino com Carneiro, 1954”

apresentada na figura 32, ambas proclamam a atenção do menino ao construir com seus

artifícios seu próprio brinquedo:

Figura 32 - Menino com Carneiro, 1954

Acervo Digital do Portal Portinari

Os animais presentes na cena testemunham anterior junto com a ação do menino,

imóveis, num misto de companheirismo e assentimento diante do feito lúdico. Nessa tela,

Portinari emana uma forte carga brincante: Do menino que fabrica o próprio brinquedo, a

pipa, do carneiro, do cavalo e da pipa em si.

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2.1. Considerações finais sobre a história lúdica do menino Candinho

Diante da história do brinquedo e das brincadeiras de Candinho, o pião, o diabolô, o

cata-vento, as cambalhotas, saltos de plantar bananeira, pular carniça, cavalinho imaginário e

tantas outras atividades lúdicas, como já ditas, foram atividades lúdicas executadas em sua

época infantil. As telas que seguem, estampam essas brincadeiras num misto de lembranças

do pintor pela sua infância e ao mesmo tempo em que anunciam a infância brincante do

menino Candinho:

Os brinquedos e as brincadeiras de Candinho estão representados nas suas telas,

apresentando muitas variedades brincantes como é caso do diabolô13 e do cavalinho de pau,

vistos nas telas 35 e 36. O diabolô é um brinquedo pouco conhecido atualmente, enquanto que

o cavalinho de pau perpetua nas brincadeiras das crianças mais antigas até hoje na vivência

contemporânea.

13

Diabolô, ou diábolo, é um brinquedo antigo originário da China, muito famoso em todo o mundo, a evolução

do ioiô chinês. Ele é composto por duas semiesferas unidas invertidas, que devem ser movimentadas e

equilibradas por um cordão acionado por duas baquetas. Com o diabolô, um jogador experiente consegue fazer

centenas de manobras. Fonte da pesquisa: https://pt.wikipedia.org/wiki/Diabolo Acesso em janeiro/2016.

Figura 33 - Cambalhota, 1958 Figura 34 - Crianças jogando pião na

Praça de Brodowski, 1933

Imagens do acervo Digital do Portal Portinari

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Logo ainda, seguem nas cenas lúdicas numeradas 37 e 38, brincadeiras com o uso do

corpo: pular carniça e plantar bananeira foram muitas vezes retratadas pelo artista Portinari.

Assim, apresento no desfecho desse capítulo uma série de telas com atividades brincantes do

menino Candinho, conforme as que seguem:

Imagens são do acervo digital do Portal Portinari

Figura 35 - Menino com diabolô, 1955

Figura 36 - Burrinha, 1944

Imagens do acervo digital do Portal Portinari

Portinari

Figura 37 - Meninos Pulando Carniça,

1939

Figura 38 – Plantando bananeira,

1956

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Outros brinquedos e as brincadeiras do tempo vivido pelo menino Candinho em

Brodowski, inspiram sua vida adulta de pintor e são demonstrados nas imagens que seguem

vistas nas figuras 39 e 40, onde as crianças brincam com o cata vento, com as pipas e com a

peteca:

As figuras que são representações, retratadas pelo artista, demonstram a criança e a

sua real imagem brincante, isto é, a criança com brinquedos e brincadeiras em constantes

relações. Diante desses retratos, o Portinari pintor, eterniza ao mesmo tempo em que

dissemina na arte brasileira, a vivência lúdica dos meninos de seu tempo ou a sua própria

história.

O folclore infantil na arte de Portinari propaga-se através das cores de seu tempo de

menino, nos gestos e olhares, mas principalmente na variedade dos brinquedos e das

brincadeiras, atingindo a todas as classes sociais, ou seja, a vida brincante do menino

Candinho nas primeiras décadas do século XX arrasta uma história de sua época vinculada

aos traços culturais de outros tempos e de outros lugares: “A concepção tradicional do mundo

atravessa todos os estratos sociais, colorindo mais ou menos as atitudes, o comportamento e

os ideais de vida, do “escravo”, do “plebeu” e do ‘nobre’. ”(FERNANDES, 1979, p. 14).

O brincar do menino Candinho, pode ser o brincar de outros meninos de qualquer

outro lugar, visto que essa atemporalidade está interligada nessa pesquisa. Os objetos lúdicos

e as ações brincantes dos meninos de Brodowski emergem por meio da arte e do folclore

Figura 39 - Cata vento, 1956

Figura 40 - Meninos com pipas 1944

Imagens do acervo digital do Portal Portinari

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tradicional na linha do tempo. Candinho viveu em uma época em que os brinquedos eram

fabricados por ele e por seus pares (POEMA O MENINO E O POVOADO, 1964), a criança

em Brougère (2010), “brinca com o que tem à mão e com o que tem na cabeça”. “Os

brinquedos orientam a brincadeira, trazem-lhe a matéria”. (BROUGÈRE, 2010, p. 111)”.

Portanto, Candinho vai construindo seus brinquedos, improvisando suas bolas e as traves para

o jogo de futebol... De fato, é insofismável dizer que a atividade relevante na infância é o

brinquedo e a brincadeira: “perguntar por que a criança brinca, é perguntar por que é criança.”

(CHÂTEAU, 1987, p. 14). Provavelmente sejam as razões para que o pintor depois de adulto

retratasse tantos momentos da infância com a ludicidade ou vice e versa.

As razões de uma infância brincante projetadas nas telas, não se resumem na arte, não

se encerram nos traços, nas cores e nas imagens, pelo contrário, a arte foi e é o vínculo

condutor que apresenta aquela infância, aquele tempo e aquele lugar. Não há como mensurar

ou justificar somente pelo contexto da pesquisa ou pela ciência humana, esquivando-se dos

sentimentos contidos nos retratos lúdicos. A presença da ludicidade nas telas do pintor emana

um Portinari menino que muito brincou e fabricou seus próprios brinquedos, vistos no legado

de sua história detalhados nos pincéis e na poesia:

Nasci e montei na garupa

De muitos cavaleiros. Depois

Montei sozinho em cavalo de

Pé de milho. Fiz as mais

Estranhas viagens e corri

Na frente da chuva durante

Muitos sábados. Dava poeira

No trenzinho de Guaivira.

(PORTINARI, 1964, p. 29).

A imaginação do artista transcende na liberdade de seus versos poéticos, narrando nas

lembranças o faz de conta refletido nos cavalos de pé de milho: “A brincadeira é uma

mutação dos sentidos, da realidade: as coisas aí tornam-se outras.”(BROUGÈRE 2010, p.

106). O menino que antes realizava as proezas lúdicas diante da imaginação, depois de adulto,

utiliza-se dos versos e da pintura numa espécie de anúncio de sua infância brincante. Esse

anúncio emana uma realidade de outrora, especial, a qual não pode ser negligenciada, é como

se os brinquedos e as brincadeiras do menino Candinho propagassem suas experiências

lúdicas.

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PARTE II

A TEORIA DO BRINCAR

Portinari, menino com diabolô, 1955

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1. Definições de brinquedos, brincadeiras e jogos

A origem do jogo, em consenso com as teorias do brincar, tem raízes ligadas aos tempos

mais remotos da humanidade, algo que extrapola a cultura. Para conceituar os significados

com semelhanças ou diferenças entre brinquedo, brincadeiras e jogos, é uma tarefa que exige

primeiramente, aportar-se nos estudos filosóficos e antropológicos de Huizinga (1938) em

“Homo Ludens: o jogo como elemento da cultura.” O jogo visto por Huizinga encontra-se

presente na vida e na cultura humana em todos os sentidos e manifestações. Quando visto, o

jogo diante do conceito animal14, o autor aponta como um fenômeno sob a ótica de um viés

qualificado: “o jogo é mais do que um fenômeno fisiológico ou um reflexo psicológico.

Ultrapassa os limites da atividade puramente física e biológica” (HUIZINGA, 1990 p. 3). Ao

apresentar o sentido do jogo, Huizinga apresenta este como tarefa difícil a ser definido, a

princípio por seu caráter biológico:

Uns definem as origens e fundamento do jogo em termos de descarga de energia

vital superabundante, outras como satisfação de certo “instinto de imitação”, ou

ainda simplesmente como uma “necessidade” de distensão. Segundo uma teoria, o

jogo constitui uma preparação do jovem para as tarefas sérias que mais tarde a vida

dele exigirá, segundo outra, trata-se de exercícios de autocontrole indispensável ao

indivíduo (...). (HUIZINGA, 1938, p. 4).

São inúmeras as características e funções apresentadas por Huizinga (1938) em seu

livro com relação ao jogo. Seja diante da cultura, linguagem, expressão, competição ou da

arte, o que veremos em “Homo Ludens” é uma reflexão com um aporte de raízes profundas na

origem da presença do jogo em suas manifestações diante da relação do homem e do elemento

lúdico. Sob uma forma de caráter amplamente definido, Huizinga ainda define o jogo como

sendo algo diametralmente oposto à seriedade. (Idem, p. 8). O jogo é sério em seu fazer, em

suas ações, no entanto “o riso está de certo modo, por exemplo, em oposição à seriedade, sem

de maneira alguma estar ligado ao jogo” (Idem). Quando prossegue nesse sentido, Huizinga

demonstra a seriedade presente no mesmo através de jogos como o xadrez e o futebol, que ao

ser executado, as crianças não admitem o riso, mas sim a seriedade.

14

Os animais brincam tal como os homens. (HUIZINGA, 1990 p. 3), para o autor uma primeira manifestação

lúdica pode ser conceituada no reino animal ―, portanto, compreendemos o título Homens Ludens, como sendo

o homem que brinca, antes de ser sapiens ou faber.

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Ainda no conceito de Huizinga (1938), não se pode definir o que é jogo15em termos

precisos, mas completa da seguinte maneira: “O conceito de jogo deve permanecer distinto de

todas as outras formas de pensamento através das quais exprimimos a estrutura da vida

espiritual e social.” (HUIZINGA, 1990, p. 10). Diante dessa conceituação, percebemos o jogo

como algo complexo a ser definido. A primeira impressão que muitos se têm do jogo ou se

atribuem ao mesmo, sendo uma atividade de criança, coisa passageira, sem sentidos para o

mundo adulto, oposto a seriedade.

Quando se trata da atividade do jogo, Huizinga (1938) a apresenta e a defende como

“Atividade voluntária. Sujeito a ordens, deixa de ser jogo, podendo no máximo ser uma

imitação forçada.” (Idem). Partilhando da mesma ideia, Brougère (2010), acrescenta que sem

a livre escolha da criança, a brincadeira deixa de existir. Portanto, nesse momento, percebe-se

que uma das características do jogo ou da brincadeira é a livre decisão daquele que brinca.

A definição de jogo na visão de Roger Caillois na obra Os Jogos e os Homens: a

máscara e a Vertigem (1990), logo em sua introdução, apresenta uma roupagem sob diversos

aspectos, na verdade uma classificação dos tipos de jogos existentes no meio social tais como:

“jogos de sociedade, de destreza, de azar, jogos de ar livre, de paciência, de construção,

etc.” (p. 9). A intenção de Caillois (1990) não é apenas classificar os jogos em si como

principal objeto, mas atribuir-lhe significados e categorias:16“(...) a palavra ‘jogo’ evoca por

igual às ideias de facilidade, riso ou habilidade.” (Idem). Uma característica central no jogo

visto por Caillois (1990), é que o mesmo não produz riquezas. Provavelmente seja esta a

resposta para que o jogo seja encarado na sociedade como uma atividade sem importância.

Os estudos de Huizinga (1838) referentes ao jogo podem ser reconhecidos na obra de

Roger Caillois, Os Jogos e os Homens: a máscara e a Vertigem (1990), tanto que o segundo

transfere a ideia do primeiro ao conceituá-lo: “Tudo que é naturalmente mistério ou simulacro

está próximo do jogo.” (CAILLOIS, 1990, p. 24). Adiante veremos a atividade do jogo diante

das definições de livre, delimitada, incerta, improdutiva, regulamentada e fictícia.

Até o presente momento, por diversas tentativas teóricas, apresento a intenção em

conceituar o termo jogo em si. No entanto, percebo que antes da existência do jogo em si,

precede o objeto utilizado para a realização da ação do jogo ou da brincadeira a qual

transposta o nome de brinquedo. Em Brougère, (2010), a brincadeira é uma ação livre diante

15

As definições de jogo segundo Brougère (2010) podem ser explicadas como uma atividade lúdica mais séria,

destinada ao público adulto. Enquanto que o termo brincadeira se refere às ações lúdicas das crianças. Embora o

termo jogo quase em todos os lugares do mundo, refere-se a toda ação lúdica. 16

As quatros categorias dos jogos em Caillois vêm em suas rubricas com as seguintes nomenclaturas: Agôn,

alea, mimicry e ilinx. (CAILLOIS, 1990, p. 24).

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da escolha do sujeito participante, sendo que o brinquedo é um objeto o qual acriança

manipula livremente. O brinquedo possui características especiais, um objeto que carrega

significados diante do mundo real ou do imaginário da criança:

O brinquedo é dotado de um forte valor cultural, se definimos a cultura como o

conjunto de significações produzidas pelo homem. Percebemos como ele é rico de

significados que permitem compreender determinada sociedade e cultura

(BROUGÈRE, 2010, p. 8).

Quando Brougère (2010) apresenta o brinquedo como um objeto composto por

valores culturais e que por meio dele é possível conhecer ou reconhecer a sociedade de outras

épocas, nota-se a carga cultural ou atemporal transportada por esse elemento, a exemplo, o

pião, sendo um brinquedo que traz sua origem ligadas aos gregos por volta dos anos 579 a.C.

Kishimoto (2011). O pião é o elemento cultural, esse dito por Brougère (2010), propagado

posteriormente, em tantas outras sociedades, inclusive nas telas de Portinari.

O brinquedo pode ser visto diante de outras significações, fora do elemento do

brincar, a exemplo a boneca citada por Kishimoto (2011), apresenta outros significados do

objeto fora do conceito lúdico: “A boneca é brinquedo para uma criança que brinca de

filhinha, mas certas tribos indígenas, conforme pesquisas etnográficas é símbolo de divindade,

objeto de adoração.” (KISHIMOTO, 2011, p. 17). E a autora prossegue em sua obra,

alegando grandes dificuldades em definir o termo brinquedo que de fato, quando é analisado

diante da cultura de épocas longínquas e de lugares distintos com sua carga simbólica ao

longo da história da humanidade, ora, pois, com seus valores, suas crenças, sentimentos,

dentre outras atribuições, nota-se no objeto do brinquedo, um elemento precioso a ser

estudado. Em Kishimoto (2011), prossegue certa dificuldade para definir o brinquedo, que em

certos lugares é jogo e em outros não é: “uma mesma conduta pode ser jogo ou não em

diferentes culturas, depende do significado a ela atribuído” (Idem).

Até o presente momento, tenho procurado uma definição para o termo jogo ou

brincadeira, diferindo-o do brinquedo, no entanto, percebo não ser uma tarefa tão simples,

pois gera naturalmente em minha mente ou em meus estudos teóricos reflexões a respeito de

um e do outro. São iguais? São diferentes, em que sentido? Jogo não é brincadeira? Brinquedo

no meu conceito pode ser o brinquedo de outros? E assim, caminho me perguntando e

permitindo indagações diante de algo que parece tão simples, mas que gera inquietações

diante da epistemologia de suas raízes.

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Em Brougère (2010), essas inquietações são aclaradas em se tratando de seu livro

brinquedo e cultura. Um dos pontos principais em suas análises são as definições entre

brinquedo e jogo:

O brinquedo, em contrapartida, não parece definido por uma função precisa: trata-se,

antes de tudo, de um objeto que a criança manipula livremente, sem estar

condicionando às regras ou a princípio de utilização de outra natureza. Podemos

igualmente, destacar, uma outra diferença entre o jogo e o brinquedo. O brinquedo é

um objeto infantil, e falar em brinquedo para um adulto torna-se sempre, um motivo

de zombaria, de ligação com infância. O jogo, ao contrário, pode ser destinado tanto

a criança quanto ao adulto: ele não é restrito a uma faixa etária. Os objetos lúdicos

dos adultos são chamados exclusivamente de jogos, definindo-se assim, pela sua

função lúdica. (BROUGÈRE, 2010, p. 13).

Observando os conceitos de Brougère (2010), entre brincadeira e jogo, nota-se em suas

definições que ambos são diferenciados devido a faixa etária a que se destinam cada um deles:

a brincadeira envolve a infância e o jogo tanto é uma atividade que envolve as crianças quanto

os adultos. Em outros momentos, Brougère (2010), ressalta que há lugares, por exemplo, a

França, em se que utiliza o termo jogo tanto para o próprio quanto para a brincadeira. O

Brasil, em sua cultura diversificada, por meio da propagação do folclore e das muitas

diversidades de atividades lúdicas, apresenta o termo brincadeira com naturalidade diante do

mundo infantil. Embora nem todos saibam diferenciar ou conceituar o jogo de brincadeira,

mas uma verdade seja dita, na visão empírica, percebemos que a brincadeira é de natureza

infantil e que o jogo parece algo “mais sério”, alguma coisa que o adulto pode fazer sem

infantilizar-se.

Se o brinquedo está voltado para a infância, a brincadeira, consequentemente configura-

se na ação entre o sujeito que manipula um objeto, este denominado de brinquedo. Mas até

que ponto de uma ação entre sujeito e objeto, pode se considerar ou ser denominada de

brincadeira? Vemos ainda, em Brougère (2010), que a brincadeira se dá da seguinte maneira:

O que caracteriza uma brincadeira é que ela pode fabricar seus próprios objetos, em

especial, desviando de seu uso habitual os objetos que cercam a criança; além do

mais, é uma atividade livre, que não pode ser delimitada. (BROUGÈRE, 2010, p.

14).

Uma das características da brincadeira, certamente, a mais marcante para toda criança

ou para quem a estuda, é o seu sentido de liberdade. A criança quer ser livre. Não é ainda da

maturidade física e mental de um menino e de uma menina, as responsabilidades atribuídas a

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seus pais ou responsáveis, por tanto, é na brincadeira e por meio dela, que a criança cria sua

ponte de ocupações e de entretimentos diante de qualquer situação em que se encontra.

A brincadeira infantil deve ser algo definido pela própria criança e por seus pares. Em

outros momentos, Brougère (2010), aponta no sentido de escolhas da própria criança diante da

brincadeira. Quando um adulto entra no contexto lúdico de uma criança sem ser convidado e

passa a opinar, a brincadeira deixa de existir. Brincadeira é antes de tudo a livre escolha de

quem a realiza, de como brinca no local e no espaço que lhe for conveniente. A brincadeira

também deixa de existir no tempo e quando a criança achar que deve fazer. Lembrando que

nas análises de Brougère (2010), a brincadeira inicia pelo faz de conta. A fantasia da criança é

um dos principais elementos para o início de uma brincadeira. Por meio do faz de conta, a

criança é livre para transformar qualquer objeto que esteja ao seu redor, em brinquedo.

1.1. Jogos, Brinquedos e brincadeiras: olhares teóricos

O jogo presente na cultura lúdica e visto como elemento pertinente à educação vem

registrado por meio de um olhar teórico com origens aos ensinamentos de Platão em As Leis

(1948), conforme Kishimoto (1996). Platão vê o jogo como algo oposto à violência e a

repressão, apresenta o brincar para o aprender. Ainda em Kishimoto (1996), nota-se uma linha

do tempo, onde o brincar percorreu por olhares de conceituados pensadores da educação.

Dentre eles, além de Platão, a autora destaca Aristóteles que atribui ao jogo como um

descanso para o espírito e apresenta brevemente Horácio e Quintiliano, citados por referirem-

se em seus escritos às doceiras de Roma, que no preparo das guloseimas, utilizavam o formato

de letras destinado a aprendizagem das crianças.

O destaque principal de Kishimoto (1996), em seu trabalho sobre Froebel e a

concepção do jogo infantil (1996), como o próprio nome denota, uma ênfase para o professor

Froebel no início do século XIX e seu trabalho voltado para a infância e o jogo. Sendo um

personagem ilustre da infância e da ludicidade e a sua utilização de recursos lúdicos nos

jardins de infância, Froebel realiza a criação e a introdução dos famosos objetos e sólidos

geométricos na aprendizagem infantil: “O cubo aprece como representação do corpo que se

desenvolve continuamente. Enquanto a esfera mostra a unidade, o cubo a variedade.”

(KISHIMOTO, 1996, p. 10). Prossegue ainda, Kishimoto (1996), apresentando a filosofia

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educacional froebelina17, embasada nos uso dos jogos infantis com a metodologia dos dons a

das ocupações: “Os brinquedos são atividades imitativas livres, e os jogos, atividades livres

com o emprego dos dons”. (KISHIMOTO, 1996, p. 9). Parece-me, que mesmo utilizando o

jogo para objetivos de aprendizagens na sala de aula, Froebel procura demonstrar o sentido de

liberdade contido no mesmo.

O estudo do jogo visto anteriormente, ligado suas origens ao homem e a sua cultura,

apresenta a impossibilidade de uma datação ou de um período exato para um início concreto

de sua apropriação. O que pode ser visto ou confirmado, observa-se no livro de Huizinga

Homo Ludens (1938) em o jogo como elemento da cultura, o autor demonstra no jogo uma

carga de origem primária com suas raízes epistemológicas ligadas ao ser humano desde o

início de seu surgimento. O homo Ludens18 pode ser visto com uma nivelação ao homo

sapiens e ao homo faber. Tal qual importante seja o raciocínio e a construção para o

desenvolvimento humano, assim, o jogo se encontra da mesma forma para a sociedade.

O jogo presente na vida do homem, também se encontra presente na vida dos animais:

“Os animais brincam tal como os homens” (HUIZINGA, 1938, p. 3). Ao envolver o reino

animal nos jogos, Huizinga, não inferioriza o jogo, mas pelo contrário, apresenta-o como

elemento essencial para o desenvolvimento e evolução das espécies que brincam: “Bastará

que observemos os cachorrinhos para constatar que, em suas alegres evoluções encontram-se

presentes todos os elementos essenciais do jogo humano.” (Idem). O autor prossegue

descrevendo o jogo de animais com um misto de semelhanças das brincadeiras humanas.

Nota-se em seu discurso ao se referir que os animais se respeitam ao brincar, de maneira

que eles compreendem claramente o momento da ludicidade não se machucando com as

mordidas ou com os pulos de um sobre o outro e o que é mais importante, Huizinga (1938),

cita as regras no jogo dos animais, demonstrando uma analogia com o mundo lúdico dos

humanos: “Respeitam a regra que os proíbem morderem, ou pelo menos com violência, a

orelha do próximo.” (HUIZINGA, 1938, p. 3). Nesta comparação, conforme o autor serve

apenas para mostrar uma das formas mais simples do jogo que em suas raízes, envolve a

presença do mundo animal. Ao citar os animais, nota-se o exemplo de um dos elementos do

vínculo entre a socialização e o desenvolvimento animal. O jogo a princípio aparenta ser algo

muito simples, uma distração da vida infantil, mas que Huizinga (1938), o descreve como “um

fenômeno fisiológico ou um reflexo psicológico. Ultrapassa os limites da atividade puramente

17

A filosofia froebelina é citada e estudada no trabalho de Kishimoto (1996), em: KISHIMOTO, T M; Froeb el e

a concepção de jogo infantil. In: Revista da Faculdade de Educação, São Paulo, v.22, n.1, p.145-68, jan./jun.

1996. 18

Homo ludens em Huizinga é o homem que brinca. (HUIZINGA, 1938, p. 3).

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física ou biológica.” (idem). Acredito que quando Huizinga dialoga o jogo como sendo uma

atividade que vai além da constituição física e biológica do ser humano, eis então,um dos

maiores “mistérios do jogo”. “Esse mistério” pode ser explicado pelo fato que toda criança

brinca, que os animais também brincam e os adultos mesmo depois de crescidos, guardam em

suas lembranças os momentos da infância, que geralmente surgem entrelaçados com os

momentos lúdicos vividos no passado.

Em Roger Caillois (1990) no livro Os Jogos e os Homens: a máscara e a Vertigem o

autor apresenta uma contribuição significativa para a educação e para o conhecimento sobre o

assunto através de suas possibilidades de classificação e de seu papel social, uma obra que

traz suas raízes centradas nos estudos dos jogos propostos por Huizinga (1938). Para o autor,

o jogo deve ser encarado como atividade livre, delimitada, incerta, improdutiva, separada,

regulamentada e fictícia:

1- Livre: uma vez que, se o jogador fosse a ela obrigado, o jogo perderia de imediato a

sua natureza de diversão, atraente e alegre;

2- Delimitada: circunscrita a limites de espaço e de tempo, rigorosa e previamente

estabelecidos;

3- Incerta: já que o seu desenrolar não pode ser determinado nem o resultado obtido

previamente, e já que é obrigatoriamente deixada à iniciativa do jogador uma certa

liberdade na necessidade de inventar;

4- Improdutiva: porque não gera bens, nem riquezas nem elementos novos de espécie

alguma; e, salvo alteração de propriedade no interior do círculo dos jogadores, conduz a

uma situação idêntica à do início da partida.

5- Regulamentada: sujeita a convenções que suspendem as leis normais e que instauram

momentaneamente uma legislação nova, a única que conta;

6- Fictícia: acompanhada de uma consciência específica de uma realidade outra, ou de

franca irrealidade em relação à vida normal. (CAILLOIS, 1990, p. 29-30).

Prosseguindo com as mais relevantes contribuições através de suas rubricas no

elemento jogo, Caillois (1990), descreve quatro categorias19 fundamentais, sendo elas: Agôn,

alea, mimicry e ilinx. Nesta pesquisa, essas categorias podem ser observadas e relacionadas

com as situações lúdicas retratadas pelo pintor Portinari em sua arte20. Por exemplo, o

mimicry, é vista nas telas das crianças com bonecas, de menino com carneiro, de Denise com

gato, etc; o agôn, nas pinturas do artista apresenta-se nos jogos de futebol; a categoria alea

pode ser vista no jogo de bolinha de gude e o Ilinx nas brincadeiras de gangorra, balanço e

cambalhotas.

19

Ver as quatros categorias dos jogos em CAILLOIS, Roger. Os jogos e os homens: a máscara e a

vertigem. Lisboa: Cotovia, 1990. (Ensaios) (ed. orig. 1958, ed. ver. e aum. 1967). 20

A arte retratada na pintura de Portinari apresenta dezenas de cenas lúdicas, as quais se relacionam com as

categorias de Caillois, nesta pesquisa, por exemplo, o Agôn ― categoria que se refere à competição (Caillois,

1990, p. 33), pode ser visualizada na tela Futebol,1935.

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Caillos (1990) apresenta desde início, um alicerce centrado na obra de Huizinga (1938),

Homo Ludens: o jogo como elemento da cultura, no sentido de definição do jogo e apontando

Huizinga (1938) como aquele que soube reconhecer neste, elementos em todos os aspectos da

cultura humana presentes na arte, na filosofia, na poesia, nas instituições jurídicas e até

mesmo em aspectos da guerra. (p. 23). Caillos (1990) percorre a obra de Huizinga (1938)

demonstrando as definições do jogo sob duas maneiras, sendo a primeira:

Sob o ponto de vista da forma, pode resumidamente, definir-se jogo como uma ação livre,

vivida como fictícia e situada para além da vida corrente, capaz, contudo, de observar

completamente o jogador; uma ação destituída de todo e qualquer interesse material e toda

e qualquer utilidade; que se realiza num tempo e num espaço expressamente circunscritos,

decorrendo ordenadamente e segundo regras dadas e suscitando relações grupais que ora se

rodeiam propositadamente de mistério ora acentuam, pela simulação, a sua estranheza em

relação ao mundo habitual. (HUIZINGA apud CAILLOIS, 1990, p. 23-24).

Prosseguindo em Caillos (1990), na segunda definição do jogo conforme Huizinga

(1938) percebe-se o jogo como “uma ação destituída de qualquer interesse material exclui

pura e simplesmente as apostas e os jogos de azar (...)” (CAILLOIS, 1990, p. 24). Na primeira

definição do jogo em Huizinga (1938), Roger Caillois (1990), completa: “tudo o que é,

naturalmente, mistério ou simulacro está próximo do jogo.” (Idem). Assim, o jogo tratado por

Huizinga na definição anterior, aos olhos de Caillois, vem apresentando um sentido de

liberdade, algo sem interesse, mas que é preciso permanecer a ficção e a diversão, é

necessário conservar o mistério CAILLOIS, 1990, p. 24). Quando apresenta a segunda

definição de jogo, Huizinga (1938) exclui os jogos de azar, atribuindo o sentido do jogo como

uma atividade destituída de interesses materiais.

Estudar o jogo como uma atividade séria, dotado de inúmeros significados e de

importância para a criança, vê nas orientações de Château (1987) o seguinte argumento: “o

jogo representa, então, para acriança o papel que o trabalho representa para o adulto, como o

adulto se sente forte por suas obras, a criança sente-se crescer com suas proezas lúdicas”(

CHÂTEAU, 1987, p. 29). Seria por certo, essa característica séria do jogo apresentada pelo

autor que, ao longo do tempo, é transmitida de geração em geração, pois ao brincar a criança

pode antecipar, de certa forma, sua profissão futura: “cozinhar pedras é uma conduta mais

simples do que a da cozinha real, mas nessa conduta simples vai-se formando a futura

cozinheira” (Idem p. 23).

Nesse sentido de brincadeiras imaginárias, a criança reproduz o mundo do adulto

através do jogo, como vemos em Benjamin (2009): “A criança quer puxar alguma coisa e

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tornar-se cavalo (...)”. (BENJAMIN, 2009, p. 93). Quando convivemos em ambientes

vivenciados pela presença de crianças, é comum depararmos com cenas lúdicas onde o pai, a

mãe, a professora e tantos outros personagens do cotidiano infantil, são representados.

Quando Benjamin (2009) apresenta o imaginário infantil reproduzindo cenas diversificadas

com sentido real, percebe-se a criança não meramente como reprodutora do meio onde vive,

mas a capacidade que o jogo em sua manifestação pode transmitir ao ser executado: “Fictícia:

acompanhada de uma consciência específica de uma realidade outra, ou de franca irrealidade

em relação à vida normal.” (CAILLOIS, 1990, p. 30).

O brinquedo para a criança aos olhos de Benjamin (2009), não se encerra no ato do

brincar, mas há uma significação e sentidos profundos ligados e/o ser vistos como uma

projeção para o futuro. A criança reproduz o mundo adulto através do brinquedo e das

brincadeiras. Nas mãos da criança todo qualquer objeto pode se transformar em brinquedo. A

ficção e a realidade permeiam lado a lado sendo a criança a protagonista em transformar ou

transportar-se para esse mundo irreal do adulto, mas que para ela torna-se tão real na medida

em que passa a viver a brincadeira: “(...) um simples pedacinho de madeira, uma pinha, ou

uma pedrinha, reúnem na solidez, no monolitismo de sua matéria, uma exuberância das mais

diferentes figuras.” (BENJAMIN, 2009, p. 92). Esse significado do brinquedo atribuído pela

criança visto por Benjamin percebe-se não somente a criança que brinca, mas o autor

apresenta o significado do brinquedo e a representação desse elemento e suas características

na vida infantil: “Pois quanto mais atraentes, no sentido corrente, são os brinquedos, mais se

distanciam do instrumento do brincar (...)” (BENJAMIN, 2009 p. 93). Quando o autor fala

desse distanciamento da criança diante da atração de certos brinquedos, entende-se que um

brinquedo é criado pela criança, por exemplo, uma latinha que se transforma em carrinho,

passa a ser de livre escolha da criança em fazer seu próprio carro e que, para fazer esse carro a

criança alicerça na sua imaginação o ato lúdico desde o princípio dessa construção e da

liberdade em decidir o que quer fazer com a latinha. Quando a criança recebe em mãos, um

carrinho sofisticado industrializado, este já vem contido em sua imagem e concepção, o ato

lúdico, ou seja, é um carrinho e ponto final, parece-me que o ato de fabricar um brinquedo se

encerra no momento em que a criança recebe um brinquedo industrializado, não que isso seja

negativo, brinquedo criado ou industrializado é um brinquedo em si, a diferença está no ato

livre da criança em construir o próprio brinquedo. Nesse exemplo nota-se também que a

natureza lúdica se transforma e se adequa conforme o sentido que se deseja atribuir: “(...) um

simples pedacinho de madeira, uma pinha, ou uma pedrinha (...)”, assim a criança vai

juntando sobras e cacarecos e com eles constroem os mais belos e encantadores tesouros,

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estes que diante da percepção e da criação livre da criança passam a ser vistos como seus

brinquedos.

Em outros diálogos de sua obra Benjamin (2009), sutilmente, emana uma crítica para os

brinquedos de nossa atualidade, repletos de atrações e artefatos que mais parecem encantar os

pais que a própria criança e de certa forma, acabam perdendo o real sentido do imaginário

infantil: uma boneca que fala e que anda, está pronta. Perante o mesmo assunto, Brougère

(2004), refere-se aos brinquedos sofisticados e industrializados como sendo a boneca um dos

principais objetos lúdicos do mundo infantil feminino, que muitas vezes é recebido pelas

meninas como algo pronto e acabado. Por que a criança faria uma voz para essa boneca, se ela

já sabe conversar? Por que a criança faria a boneca a dar passinhos se a boneca já sabe

caminhar? Em Brougère (2004), a boneca é vista como espelho da sociedade: “Há muito

tempo, que entre nós, a boneca se relaciona a um sistema de produção que podemos chamar

de industrial (...)” (BROUGÈRE, 2004, p. 25). A boneca atual apresentada por Brougère

(2004), não passa de objeto de comercialização, propagadora da moda e do símbolo da beleza

adulta impostos pela sociedade. Mas quando Benjamin (2009) ressalta sobre os pedacinhos de

pau, as pedrinhas que a criança reúne em seu contexto para transformá-los em brinquedos e

brincadeiras, compreende-se o sentido de autenticidade contido nas invenções e criações do

imaginário infantil e da livre escolha em decidir como brincar, com o que brincar ou o que

fazer com o objeto.

Os estudos de Gilles Brougère, (1994) pesquisador contemporâneo do brinquedo,

apresenta a função social do mesmo e os seus significados nos dias atuais. Para ele, o

brinquedo por si, revela o fruto da própria imagem que a sociedade percebe na criança, ou

seja, o espelho da sociedade. Quando se trata do sentido de liberdade e de livre escolha da

brincadeira, Brougère (1994) se revela na certeza dessa característica livre contida em toda

situação lúdica, na qual a criança é quem deve escolher e decidir o que brincar, onde brincar e

como brincar:

Se um jogador de xadrez não é livre para decidir seu próximo lance, não é ele quem

joga. Se uma criança não é livre para decidir se sua boneca deve dormir, de modo

idêntico, não é ela quem brinca. A brincadeira aparece como um sistema de sucessão

de decisões. (BROUGÈRE, 1994, p. 107).

A criança sabe conceituar claramente quando está brincando ou não. Em determinado

momento, pode parecer para o mundo dos adultos que a criança está séria, brava, brigando ou

coisas dessa natureza, ao passo que para a criança não passa de uma brincadeira. O seu mundo

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lúdico, é compreendido e revelado por seus pares que em suas inúmeras situações e/ou

reproduções se compreendem ao realizarem suas brincadeiras. No conceito de Brougère

(2004), semelhante à Château (1987) e Benjamin, (2009), a brincadeira deve ser livre no

plano da escolha infantil. É a criança quem deve escolher o jeito que deseja brincar, o tempo e

o espaço, requisitos estes, que muitas, vezes é limitado e determinado pelos adultos: “Sem

livre escolha, ou seja, possibilidade real de decidir, não existe mais brincadeira, mas uma

sucessão de comportamentos que têm sua origem fora daquele que brinca.”(BROUGÈRE,

2004 p. 107).E o autor acrescenta: “Se uma criança não é livre para decidir se sua boneca

deve dormir de modo idêntico, não é ela quem brinca.” (Idem). O autor acrescenta que não

existe jogo sem regras, mesmo nas brincadeiras simbólicas, pois estas apresentam um acordo

entre os papéis que estão sendo exercidos pelas crianças e pelas ações executadas numa

espécie de combinação entre os pares.

1.2. Um diálogo teórico nas telas dos brinquedos e das brincadeiras de Portinari

O diálogo constituído do elemento jogo entre Huizinga (1938) e Caillois (1990), me

parece uma relação concreta e ao mesmo tempo visível ao deparar com as telas do pintor

Candido Portinari na metade do século XX. As definições filosóficas do jogo de Huizinga

(1938), unindo-se aos conceitos antropológicos de Caillois (1990), que de certa forma, aos

meus olhos, suscitam entre as imagens românticas e doces do pintor uma analogia sincrônica.

Uns (Huizinga e Caillois), constroem seus conceitos e definições embebidos da reflexão em

raízes epistemológicas de saberes sobre o assunto, enquanto que outros (Portinari) ressaltam

aos olhos sobre a dança do pincel no papel e nas cores, os sentimentos adormecidos ou

esquecidos da infância e da caixa de brinquedos, como diz Walter Benjamin: “(...) para

quantas pessoas essa imagem não se levanta de uma velha caixa de brinquedos”?

(BENJAMIN, 2009, p. 102).

O sentimento de liberdade, de incerteza ou de ficção, (CAILLOIS, 1990, p. 29-30), ou

ainda, observar que essa tautologia, assim se assina, quando “as crianças e os animais brincam

porque gostam de brincar, e é precisamente em tal fato que reside sua liberdade”

(HUIZINGA, 1938, p. 10). Liberdade é a meu ver, o elemento principal do jogo e é também o

que eu consigo enxergar nas telas de Portinari.

A tela de Portinari “Pulando carniça, 1959”, apresentada na figura 41, estampa com

nitidez diante dos traços deixados pela pintura, os sentimentos de liberdade diante na cena

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lúdica. Quando retratou diversas cenas de meninos pulando carniça, Portinari eterniza uma

brincadeira de seu tempo de menino nos traços de liberdade diante dos pés descalços e dos

braços abertos. As cores vivas e alegres utilizadas pelo pintor comunicam que a brincadeira

ou toda brincadeira pode ser embalada em um sentido de vivacidade. Mesmo diante do pôr do

sol, nesta tela, Portinari idealizou em seu inconsciente o sentimento de libertação diante da

cena.

Não posso afirmar com certeza de que toda brincadeira é prazer, é liberdade, mas em

(CAILLOIS, 1990, p. 29-30), vemos que o jogo apresenta características de incerto,

delimitado, improdutivo, regulamentado e de fictício, portanto para outros olhares esta tela

“Pulando carniça, 1959”, poderia suscitar outras análises diante de qualquer uma dessas

características. Mas que para mim, todos os estudos e contribuições de Huizinga (1938) e de

Caillois (1990), podem ser exemplificados ou resumidos ao pasmar essa cena das crianças

pulando carniça na cidadezinha de Brodowski21 no início do século XX, com apenas uma

palavra advinda das características de Caillois (1990): liberdade. Neste momento meus olhos

somente conseguem visualizar na cena dos meninos pulando carniça essa característica de

liberdade:

Figura 41 – Pulando carniça, Portinari, 1959

Acervo Digital do Portal Portinari

21

Brodowski é um município brasileiro localizado na região nordeste do estado de São Paulo, é terra natal do

pintor Candido Portinari.

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O jogo quando visto em seu sentido concreto, refletindo as seguintes indagações: por

que brincar? Para que serve o jogo? Pode não significar apenas uma atividade passageira de

criança, mas sim uma atividade capaz de produzir resultados ao longo de todo o processo de

desenvolvimento humano. Para Château (1987), “não se pode dizer de uma criança “que ela

cresce” apenas, seria preciso dizer “que ela se torna grande” pelo jogo” (CHÂTEAU, 1987, p.

14). O jogo visto através do pensamento de Jean Château (1987) adquire uma carga de

excelência para o desenvolvimento humano de maneira geral. É pelo jogo e com o jogo, que o

ser humano aprimora suas habilidades corporais significativas e determinantes para todo o seu

crescimento. Nesta mesma ótica, a brincadeira é vista como a principal atividade da criança:

“Uma criança que não brinca, uma miniatura de velho, será um adulto que não saberá pensar”

(Idem). Ao atribuir uma responsabilidade tão séria para o jogo, o autor aponta que a criança se

torna grande pelo mesmo e que um adulto que não sabe pensar, logo, foi uma criança que não

brincou na sua infância. Acredito que o autor propõe uma reflexão sobre o valor do jogo para

o desenvolvimento corporal e intelectual contido neste diante daqueles que brincam.

Atualmente o jogo é muito utilizado nas escolas com sentido de aprendizagem, de raciocínio

lógico. É comum, os pais, quando buscam comprar um brinquedo, procurarem saber se este

tem atributos além do brincar por brincar. Observo nesta frase de Château (1987), o jogo

sendo encarado como uma atividade que leva o ser humano a crescer, ou seja, a crescer diante

de suas potencialidades corporais e intelectuais. O desenvolvimento intelectual/cognitivo do

ser humano depende do jogo como elemento essencial a ser exercido na infância pelo fato que

toda criança brinca. Se por acaso, uma criança recusasse o brinquedo ou jamais brincasse de

qualquer que fosse a brincadeira, qual triste não seriam a vida e o mundo dessa criança?

Como ela poderia se relacionar com outras crianças, brincar de inventar, de ser astronauta, se

não provar das brincadeiras na infância. Então eu penso que se existir uma criança que jamais

brincou, certamente será um adulto com pensamentos frágeis, inacabados...

Diante do pensamento anterior de Château (1989), visto que o ser humano se torna

grande pelo jogo (CHÂTEAU, 1987, p. 14), busco a exemplo, utilizar o pintor Candido

Portinari que por meio de sua pintura tornou-se um dos mais célebres artistas do Brasil e do

mundo depois de adulto. Será, pois, que as diversas formas de brinquedos e brincadeiras

executadas por ele na sua infância contribuíram para que ele se tornasse tão grande depois de

adulto? Ele não economizou suas pinceladas em cenas lúdicas e também com suas palavras ao

narrar sua vida de menino, visto no exemplo do livro O menino de Brodowski (1979):

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Nossos brinquedos eram variados, conforme o mês, e também havia os para o dia e os para

a noite (...) gude, pião, arco, avião, papagaio, diabolô, bilboquê, ioiô, botão, balão, malha e

futebol (...) pique, barra-manteiga, pulando-carniça, etc. (PORTINARI, 1979, p. 42).

O jogo foi visto nas mãos de Portinari como uma atividade de grande relevância,

certamente a principal de suas lembranças quando criança. As brincadeiras diversificadas

executadas pelo menino Candinho, provavelmente, contribuíram para fazê-lo um renomado

artista, “tornar-se grande pelo jogo” (CHÂTEAU, 1989). Pois bem, não é exatamente essa

questão a qual procuro respostas, mas sim observar em outras cenas de Portinari,

apresentando seus retratos onde a brincadeira é realizada com sentido de liberdade e de

improdutividade (CAILLOIS, 1990), mas também procuro ver o corpo como elemento

essencial para a realização dessas atividades. O corpo de acordo com Gomes (2001) é o

primeiro brinquedo a ser utilizado e explorado pela criança como objeto lúdico:

O primeiro brinquedo da criança é o próprio corpo, que ela começa a explorar já nos

primeiros meses de vida. Depois, passa a explorar, no seu entorno, os objetos que produzem

estimulações visuais, auditivas e cenestésicas. A partir de então o brinquedo estará sempre

presente na vida da criança, do adolescente e até mesmo do adulto. (GOMES, 2001, p. 15).

Quando apresenta o corpo como o primeiro brinquedo a ser explorado pela criança,

Gomes (2001) tece com maestria e propriedades um dos principais elementos lúdicos do ser

humano em toda a sua trajetória de vida. O corpo da criança é, pois, para ela um objeto a ser

explorado e manipulado a partir de seus primeiros movimentos ainda bebê. Mesmo depois de

adulto, quando nos deparamos entre uma situação de ócio, de espera em um consultório

médico, por exemplo, ou em situações similares, muitas vezes utilizamos os dedos para serem

dobrados ou estalados, as pernas como balanços e os pés em um vai e vem frenético ou calmo,

por alguns instantes: “Todo ritual autentico é obra de canto, dança e jogo” (HUIZINGA, 1938,

p. 178). A dança sendo uma atividade sinestésica e corporal, em Huizinga, vem apresentada

como um elemento derivado do jogo.

A imagem da tela de Portinari, “Plantando bananeira, 1956,” representa com classe e

leveza os dizeres de Gomes (2001), “o primeiro brinquedo da criança é o próprio corpo (...)”,

visualizamos, pois, uma cena embalada em um ritmo de equilíbrio e concentração, onde o

corpo é visto como objeto principal da brincadeira. As mãos não se unem, no entanto, falam

entre si: uma é à base de apoio e a outra o ponto de equilíbrio.

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Figura 42 - Plantando bananeira, Portinari, 1956

Acervo Digital do Portal Portinari

A demonstração corporal nesta figura 42 representa o plano principal de toda a

brincadeira, o corpo sendo o brinquedo da criança, descrito por Gomes (2001). Portinari criou

diversas cenas semelhantes aonde o corpo vem como destaque principal na brincadeira. As

brincadeiras dessa natureza em Kishimoto (2010) na obra jogos infantis, suas origens são

imprecisas, mas demonstra uma certa carga herdada da cultura africana. Para a autora,

brincadeiras dessa natureza acompanham a infância por longos séculos, além de estarem

presentes nas mais diversas culturas e sociedades: “(...) as danças de roda, criação de animais

e aves, insetos amarrados e obrigados a locomover-se, corridas, lutas de corpo, saltos de

altura, distancia, etc.” (KISHIMOTO, 2010, p. 27). Ao citar brincadeiras utilizando o corpo

como as lutas e saltos, através da autora, percebe-se que a brincadeira de plantar bananeira se

encaixa nessa categoria. Portinari retratou uma brincadeira milenar.

Em Kishimoto (2010), a presença lúdica na criação de animais, é um costume arrastado

ao longo do tempo. Portinari ilustrou muitas cenas de crianças com animais, em especial o

carneiro. Os animais na cena “menino com carneiro e cavalo, 1954”, apresentada na tela 43,

de Portinari, são retratados como figuras lúdicas, pela imagem, nota-se que ambos animais

são os brinquedos do menino:

Até que afinal conseguira o meu carneiro para montar. Vivia a pedi-lo ao Tio Juca, ao

primo Baltasar do Beleza, a todos os parentes que tinham rebanho. Um dia chegou um

carneiro para mim. Já vinha manso e mocho. Carneiro nascido para montaria. Chamava-se

Jasmim (REGO Apud KHISIMOTO, 2010, p. 39).

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Ao citar o livro “Menino de engenho” (1969), Kishimoto, (2010), não apresenta apenas

os brinquedos e brincadeiras de nosso período colonial, mas aborda uma imagem

surpreendente das montarias dos meninos de engenho em meninos escravos: “a questão mais

destacada nesse tipo de brincadeira é a prática de maltratar moleques.” Portinari não retrata

brincadeiras de violência, nem de humilhação, suas telas denotam certa candura diante das

imagens de brinquedos e brincadeiras. A prova do carinho com os animais, em sua arte, está

estampada nesta tela em discussão e em tantas outras, como vista anterior na cena de menino

com estilingue. Vejamos os gestos do menino ao segurar o carneiro em seus braços. O braço

direito apoia o animal, enquanto que o esquerdo envolve-o entorno de seu corpo. O olhar e os

gestos do menino apresentam carinho e apreço pelo brinquedo em seus braços, sendo que o

cavalo em um segundo plano, representa uma calmaria e certa compreensão diante da cena.

Antigamente era comum a utilização de animais sendo um brinquedo muito especial e

desejado pela criança. Hoje percebo que a domesticação de animais continua presente no seio

das famílias. Para Brougère (2010, p. 79), “a brincadeira assimila e destrói qualquer distância

de cultura.” Mas adiante o autor ressalta que o brinquedo se modifica, mas suas significações

permanecem. Assim, Portinari estreita os laços de sua época entre a nossa. A tela “Menino

com carneiro e cavalo de 1954”, é um exemplo de um estilo de brincadeira muito comum

atualmente:

Figura 43 – menino com carneiro e cavalo, Portinari, 1954

Acervo Digital do Portal Portinari

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Quantos pais são surpreendidos pelo pedido do filho para ter em sua residência um

animal de estimação. Muitos pais contrariados acabam aceitando a ideia de ter um gato, um

cachorro, uma tartaruga, pelo simples fato de ver o filho feliz. No tempo de Portinari, início

do século XX, os animais eram adquiridos dentro da própria propriedade. Há exemplos de

porquinhos, patinhos, bezerros que ao nascerem apresentavam certa fragilidade, então seus

donos passavam a adotá-los dentro da própria casa. As consequências em adotar um filhote de

outras naturezas, é que o animal se tornava, literalmente, um membro da família,

principalmente se a família tivesse filhos. O porquinho não se transformaria em torresmo ou

linguicinha, mas passaria a ser visto como um amiguinho, ou seja, um brinquedo da criança,

por certo tempo, mas logo desaparecia aos olhos da criança e posteriormente surgia um

porquinho assado e servido à mesa.

1.3. Mimicry: O Jogo e a fantasia

O imaginário infantil também é citado em o jogo estudado por Roger Caillois (1990) na

obra “Os Jogos e os Homens: a máscara e a Vertigem”, sob uma de suas rubricas denominada

de mimicry22. O autor apresenta o jogo diante de um universo de aceitações ilusórias,

temporárias ou momentâneas:

Qualquer jogo supõe a aceitação temporária ou de uma ilusão (ainda que esta palavra

signifique apenas entrada em jogo: in-lusio), ou, pelo menos, de um universo fechado,

convencional e, sob alguns aspectos, imaginário. O jogo pode consistir, não na realização

de uma actividade ou na assumpção de um destino num lugar fictício, mas sobre tudo na

encarnação de um personagem ilusório e na adopção do respectivo comportamento.

Encontramo-nos, então, perante uma variada série de manifestações que têm como

características comum a de se basearem-no facto de o sujeito jogar a crer, a fazer crer a si

próprio ou a fazer crer aos outros que é outra pessoa. Esquece, disfarça, despoja-se

temporariamente da sua personalidade para fingir outra. Decidi designar estas

manifestações pelo termo mimicry, que em inglês, designa o mimetismo, nomeadamente

dos insectos, com o propósito de sublinhar a natureza fundamental e radical, quase orgânica

do impulso que a suscita. (CAILLOIS, 1990, p. 39 - 40).

O jogo denominado mimicry, (CAILLOIS, 1990 p. 39-40), trata-se dos momentos de

fantasia e do faz de conta dentro do plano brincante e imaginário do ser que brinca. “A

criança quer puxar alguma coisa e tornar-se cavalo (...)” (BENJAMIN 2009, p. 93). Conforme

vista por Benjamin (2009), nota-se que esta vai de encontro com a rubrica mimicry proposta 22

Roger Caillois apresenta o jogo nas categorias de alea, agôn, mimicry e ilinx . Mimicry em callois

(1990),significa Qualquer jogo supõe a aceitação temporária ou de uma ilusão , ou seja, o faz de conta, a fantasia

infantil. (CAILLOIS, 1990, p. 39 - 40).

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por Caillois (2009), ambos dialogam entre si as características do jogo diante do plano

imaginário da ludicidade. A criança quando utiliza o jogo fantasioso conforme Benjamin

(2009) projeta o seu futuro brincando, mas principalmente transcende-se para o mundo

imaginário fazendo da realidade como objeto principal na brincadeira ou com o brinquedo.

Para Benjamin (2009), o brinquedo deve conservar a simplicidade, o olhar que a própria

criança lhe atribui, portanto a industrialização e a fabricação de brinquedos modernos,

repletos de artefatos e acessórios, inibem ou distanciam a criança de seu imaginário, de sua

ilusão: O jogo (mimicry) diante da rubrica de Caillois (1990) é, pois, o imaginário e a fantasia

os principais condutores nessa categoria.

Prosseguindo essa reflexão, Caillois (2009), designa o mimetismo dos insetos ao tratar o

mimicry no mundo ilusório, acredito pelo fato da fantasia ser a principal característica dessa

categoria. Ao tratar do mimetismo dos insetos que significa caraterísticas de disfarce, cito o

exemplo do disfarce de um camaleão em seu habitat natural na medida em que sente a

necessidade de sua transformação diante de uma ameaça. O camaleão no mimetismo, ou seja,

no seu faz de conta, transforma-se mudando de cor para esconder-se ou camuflar-se para não

ser uma presa fácil e tornar-se menos interessante para o predador. Outro exemplo do

mimetismo, vem do bicho-pau, que segundo a ciência, esse inseto vem da família

Phasmatodea23, que ao deparar com o predador, torna-se semelhante a uma folha ou a um

pedacinho de pau. Acredito que nessa hora em que o bicho-pau se transforma literalmente em

“pau”, é como se ele estivesse vivendo um faz de conta, uma fantasia inconscientemente. No

mimicry, a criança desloca-se do seu mundo real no momento em que está brincando ou

jogando, ou seja, semelhante ao camaleão e ao bicho-pau, e, nesse momento de brincadeira

ela passa a ser o cavalo ou o padeiro visto anteriormente por Benjamin. E ainda acrescenta:

“A criança quer puxar alguma coisa e tornar-se cavalo, quer brincar com areia e tornar-se

padeiro, quer esconder-se e tornar-se bandido ou guarda.” (BENJAMIN, 2009, p. 93). É como

se o bicho pau e o camaleão ao vivenciar o mimetismo, imitassem o mimicry pertencente ao

mundo fantasioso da ludicidade da criança.

Quando visitamos o jogo em Château (1989), nem toda ação lúdica de fantasia, pode ser

vista apenas como algo momentâneo ou representativo que se encerra no momento em si:

“Cozinhar pedras é uma conduta mais simples do que a da cozinha real, mas nessa conduta

simples vai-se formando a cozinheira.” (CHÂTEAU, 1989, p. 23). O ato de imitar a mãe

23

Insetos dessa ordem são popularmente denominados de bicho-pau, bicho-folha - aqueles que utilizam da

camuflagem tornando-se semelhantes a pedaços de madeiras e de folhas. Disponível em

<http://www.infoescola.com/insetos/bicho-pau/>acesso em 12 de julho de 2015.

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cozinhar pode significar o início do gosto pela profissão, de certa forma. O autor ainda

acrescenta que a criança não tem consciência dessa representação, mas que representa o

mundo adulto com facilidade diante do seu mundo lúdico e infantil.

Em Caillois (1990), já citado anteriormente, o jogo do mimicry, “supõe qualquer

situação temporária” (CAILLOIS, 1990, p. 39). Essa categoria consiste na imitação realizada

pela criança diante do mundo adulto. Caillois (1990) acrescenta diante do sucesso da

fabricação de brinquedos em miniaturas da vida adulta e dos brinquedos os quais representam

os utensílios e objetos utilizados pelos pais, professores, médicos e assim por diante:

A menina brinca às mães, às cozinheiras, à lavadeira, à engomadeira; o rapazinho finge ser

um soldado, um mosqueteiro, um agente da polícia, um pirata, um cowboy, um marciano,

etc. Faz de avião estendendo os braços e fazendo o barulho do motor. Não obstante, as

condutas de mimicry extravasam largamente da infância para a vida adulta. (CAILLOIS,

1990, p. 41)

O jogo da fantasia aos olhos de Caillois (1990) é antes de tudo, o contentamento da

imitação onde um passa a ser o outro. Quando a criança imita uma pessoa, um animal ou um

objeto ela toma posse dos benefícios que ao passar a fazer essa imitação, pode lhe

proporcionar: “A criança que brinca aos comboios pode perfeitamente recusar-se a beijar o

pai, respondendo-lhe que as locomotivas não se beijam;” (CAILLOIS, 1990 p. 41-42). Na

fantasia a criança diante de sua imaginação e esperteza, acaba usufruindo de situações que

muitas vezes, no mundo real, não pode exercer. Uma menina imitando sua mãe pode dizer

para suas bonecas que elas não precisam mais tomar banho, nem escovar os dentes e que

todos os dias haverá batata frita no almoço. Na verdade a menina realizou-se por um

momento e pela fantasia em fazer com suas bonecas tudo aquilo de que gostaria que sua mãe

o fizesse com ela, ou seja, saindo das regras e do mundo adulto que para ela não é nada

divertido ter que cumprir as ordens da mãe. Por outra vertente da fantasia, pode-se ver em um

menino que imita um rei onde seus amigos se ajoelham lhes saúdam, lhes trazem comida na

mão; o prazer momentâneo em sentir-se grande, importante, ser especial, comandar o grupo e

assim por diante.

Para Kishimoto (2011), a criança a partir dos dois anos de idade e com o surgimento da

linguagem, começa a realizar atividades lúdicas de fantasia e que a imitação a ser realizada,

na verdade é algo que ela viu na sociedade, então passa a representar do jeito que ela achar

melhor. Segundo a autora, Esse tipo de brincadeira pode ser denominado de faz de conta;

simbólica; de representações de papéis e de sociodramáticas. Ambas as denominações se

derivam das situações de brincadeiras a partir do imaginário infantil: “O faz de conta permite

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não só a entrada no imaginário, mas a expressão de regras implícitas que se materializam nos

temas das brincadeiras.” (KISHIMOTO, 2011, p. 44). Quando a autora realiza tais definições,

percebe-se que o faz de conta realizado diante das brincadeiras infantis, reflete o resultado de

convivência e da experiência da criança com o mundo a sua volta. Prosseguindo, Kishimoto

(2011), ressalta a importância da presença do faz de conta para o mundo da criança: “Ao

brincar de faz de conta a criança está aprendendo a criar símbolos.” (Idem). A intenção da

autora vem pautada na inclusão dos jogos no ambiente escolar sendo o faz de conta, como

uma possibilidade a ser estimulada na criança e com o intuito de se criar novas modalidades

de brincadeiras para assim surgirem novos símbolos.

As brincadeiras simbólicas, como denominadas por Brougère (1994), como todas as

outras, não acontecem puramente sem a intervenção de regras: “supõe-se um acordo entre os

papéis e os atos”. (BROUGÈRE, 1994, p. 107). E ainda ressalta que para qualquer jogo há

sempre uma regra. No mundo imaginário, por exemplo, uma menina é a mãe e a outra a

filhinha. Quem imita a mãe deve cumprir as regras de imitar uma mãe, logo que se dispôs a

ser a filhinha, deve fazer do jeito que deve ser caso ao contrário, a brincadeira deixa de ser a

fantasia e perde o seu sentido.

Ainda em Brougère (2004), No livro “Brinquedos e Companhia”, o autor apresenta os

sentidos dos brinquedos e das brincadeiras em geral, de maneira detalhada desde a sua

fabricação e comercialização. “Diante desses escritos esses elementos ganham dimensões e

significados detalhadamente. Em se tratando do mundo imaginário” (BROUGÈRE, 2004, p.

52), assim denominado por ele, a dimensão simbólica é essencial no processo de fabricação

dos brinquedos, no entanto, a industrialização do brinquedo utiliza o objeto para estimular na

criança à função simbólica. A indústria de brinquedos não está preocupada em criar

brinquedos que vão de encontro com a realidade da criança: “As imagens são escolhidas pela

riqueza de sua estimulação lúdica e não pela fidelidade à realidade.” (BROUGÈRE, 2004, P.

52). O essencial para Brougère, diante da fabricação de brinquedos é a dimensão simbólica,

no entanto os brinquedos industrializados representam muito mais uma “forma lúdica do que

a representação do real” (Idem). A criança na verdade é a responsável pela atribuição da

simbologia no ato lúdico, pois os brinquedos apresentados no comércio, de maneira geral,

fogem da realidade vivenciada pela criança. Os brinquedos extravasam do tamanho, da forma

real do mundo onde a criança está inserida. Brougère (2004) afirma que as imagens do

brinquedo traz uma forte simbolização da riqueza e não da realidade.

Diante do exposto, percebo que a criança com certeza, utiliza os brinquedos

industrializados no seu mundo faz de conta (KISHIMOTO, 2011), no entanto, é comum e da

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própria natureza do mundo irreal, a criança, buscar no meio em que vive objetos de sua

realidade para fantasiar-se. É comum às meninas utilizarem as panelas das mães para cozinhar

pedrinhas, os meninos buscarem na caixa de ferramenta do pai os instrumentos para fingir

concertar uma cadeira que quebrou. Na verdade a criança quer na fantasia, apresentar uma

realidade vivenciada pelo mundo dos adultos o qual significa e re-significa o seu mundo em

si. Brougère (2004) é feliz quando diz que a indústria de brinquedos utiliza de seus artefatos

para estimular o imaginário infantil e não para consolidar o imaginário vivenciado pela

criança.

Em Château (1987), a brincadeira do faz de conta é denominada de ilusão do jogo (p.

20), com caráter sério, que leva a criança a sentir-se cansada após vivenciar sua realidade do

mundo imaginário. Château (1987) semelhante a Brougère (2004), afirma que o jogo ilusório

é composto por regras, sendo estas as quais levam a criança ao esgotamento físico devido a

árdua seriedade atribuída pela criança: “A criança que brinca de médico se toma tão a sério

que não admite zombarias” (CHATEAU, 1987, p. 20). A brincadeira é encarada diante de um

grau de seriedade e valoração, portanto, no mundo imaginário das brincadeiras é possível

todas as formas de imitação. Quando a criança encontra-se compenetrada em seu mundo de

faz de conta, a presença de um adulto opinando ou dispensando comentários fora do mundo

imaginário daquela brincadeira é motivo de insatisfação. As crianças não admitem

comentários inadequados naquele momento: “(...) você constará que são coisas sérias e que

não há nada mais agressivo do que intervir com palavras impróprias” (Idem). O mundo

imaginário vivenciado pela criança através da brincadeira é o seu próprio mundo, ou seja, o

lugar onde para ela é permitido realizar todas as atividades dos adultos e observada em sua

realidade, por meio do ato lúdico. A brincadeira torna-se o meio ou o canal de acesso entre a

criança e a fantasia, sendo que, a fantasia só acontece através dessa ponte entre a criança e o

brincar, ou seja: “A criança é um ser que brinca/joga, e nada mais” (CHÂTEAU, 1987, p. 14).

Se o brinquedo e os jogos são, pois, o mundo da criança, fica claro que sem tais elementos

presentes na vida da criança, é praticamente impossível existir a infância. Acrescenta ainda

Château (1987) que uma criança que não brinca é miniatura de um velho, de certa forma, com

razão, pois o jogo está presente onde há criança e onde tem criança, tem também brinquedos,

brincadeiras e jogos. Tanto isso é verdade, que basta olharmos para os locais onde há crianças

para notarmos a vivacidade e os murmúrios da ludicidade.

Atualmente nos hospitais, pensa-se em brinquedoteca; nas escolas, criam-se espaços

apropriados com balanços, gangorras, salas de jogos e outros recursos dessa natureza; uma

criança na igreja, geralmente carrega consigo um brinquedinho nas mãos; em um carro que

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transposta criança, pode-se notar algum brinquedo perdido em seus bancos ou espalhados por

algum lugar. De fato a criança é um ser que joga, brinca e principalmente que cria e recria seu

mundo por meio das fantasias e dos jogos teatrais frutificados através da imaginação do seu

convívio real.

2. A presença atemporal nos brinquedos e nas brincadeiras

O conceito de atemporalidade almejado nesta pesquisa necessita receber um espaço

neste trabalho, pelo fato do qual muito tenho comentado anteriormente sobre a intenção de ao

longo da mesma, esse conceito ser contemplado após todas as análises diante da ludicidade

infantil. O brinquedo e a brincadeira são elementos os quais acompanham a criança desde os

tempos mais remotos da humanidade (MANSON, 2001), sendo a atemporalidade uma das

características principais diante do objeto pesquisado. Quando cito a presença do jogo deste

os tempos remotos, atento-me nas leituras sobre esse assunto, em especial, o livro “História

do brinquedo e dos jogos, brincar através dos tempos” de Michel Manson (2001). Esse tempo

remoto surge nas suposições do autor diante da criança e do objeto lúdico: “a criança brinca

com a areia desde os mais remotos tempos.” (Manson, 2001, p. 15). Conforme o autor, os

brinquedos na antiguidade eram vivenciados a partir dos galhos de pau, das pedrinhas, das

sobras de ossinhos, do contato da criança com a terra, com os animais... No romance de

Homero em Ilíada, este cita Apolo ajudado por Aquiles e seus homens que destroem as

muralhas de Tróia e o compara com uma criança: “na areia, à beira do mar, quando o faz

construções para se entreter, as derruba com os pés e as mãos, folgando” (Idem). Nessa

citação, há uma clareza bastante convincente de que a criança brincava com a areia ao

comparar as destruições das muralhas como se fossem castelos de areia, ou seja, brincadeiras

de crianças.

O significado da palavra "atemporal" no dicionário Aurélio 24online de português,

define-se da seguinte maneira: Que não é afetado pelo tempo ou que o transcende. Que não

indica um tempo verbal. Nesse tópico, o interesse esmerilha-se diante dos brinquedos e das

brincadeiras na atemporalidade, situando sua transcendência no tempo e no espaço. As

crianças da antiguidade, conforme Manson (2001) faziam castelos de areia, visto que ainda

hoje as crianças repetem essa brincadeira na areia da praia ou na areia do parque. No

testemunho de Gomes (2001), as crianças transportam a carga atemporal do jogo em suas

24

Dicionário Aurélio, virtual de Língua Portuguesa: Disponível em

<http://www.dicionariodoaurelio.com/> Acesso em 20 de agosto de 2015.

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atividades lúdicas, sendo inventivas e construtoras de novas propagações de situações

brincantes:

As crianças de hoje continuam “inventando”, como as de ontem. E se as crianças que os

professores já foram puderam viver e brincar mais rente com o chão de terra, com a água, o

barro, as árvores, o pasto, os quintais, também agora a piazada do Interlagos não se tem

distanciado desses elementos. (GOMES, 2001, p. 158).

O conceito atemporal do brinquedo e da brincadeira é declarado em Kishimoto (2010),

quando apresenta o jogo africano em nosso país com as influências sofridas pelos europeus,

em especial, Paris e Londres e acrescenta:

Há brinquedos universais presentes em qualquer cultura ou situação social como as

bolas, as pequenas armas para simular caçadas e pescarias, ossos imitando animais,

danças de roda, criação de animais, e aves, insetos amarrados e obrigados a

locomover-se, corridas, lutas de corpo, saltos de altura, distancia, etc.

(KISHIMOTO, 2010, p. 27).

Os jogos apresentados por Kishimoto (2010), no início da colonização do Brasil, se

repetem nas brincadeiras do Portinari menino, ou seja, do Candinho no início do século XX:

“Não tínhamos nenhum brinquedo comprado. Fabricamos Nossos papagaios, piões, diabolô.”

(POEMA O MENINO E O POVOADO, 1964, p.49). Quando Portinari recorda no poema que

não tinham brinquedos comprados, eles fabricavam seus papagaios, piões, entre outros

brinquedos, percebo a criança artesã, aquela que constrói os brinquedos de seu interesse, mas

ao mesmo tempo a criança brincava com aquilo que a situação permitia. O menino Candinho

era de família pobre, como já dito, daí os brinquedos comprados se tornavam raridade em sua

época ou em seu convívio. Na citação anterior de Kishimoto (2010), apresenta a criança de

outros tempos, e fala dos brinquedos universais, percebo, dessa maneira, a atemporalidade no

jogo. A bola citada pela autora é utilizada ainda hoje, as brincadeiras de imitar, de envolver

animais nas ações lúdicas. Parafraseando o poema de Portinari (1964) entre Kishimoto

(2010), vejo as semelhanças do menino Candinho que fabrica seus brinquedos, que criava

bolas de bexiga de boi (MÁRIO FILHO, 1966), pode-se enxergar essas crianças que correm,

que saltam, que jogam, sejam elas anterior ao menino Candinho ou após o mesmo. E hoje é

provável reconhecer essas brincadeiras na cultura contemporânea, visto nessa pesquisa de

conceito atemporal do jogo.

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PARTE III

O MÉTODO E A METODOLOGIA NO CONTEXTO PESQUISADO

Portinari, Cambalhotas, 1958

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1. Desenhado o método

Diante das características desse trabalho, desde a primeira gestação de

planejamentos mediados no diálogo com o meu orientador, ficou definido o método

qualitativo no arcabouço da etnografia. No início, quando essa pesquisa podia ser

comparada com as semelhanças de uma semente minúscula a qual germinava em nossas

mentes, percebíamos que diante da busca em reconhecer na contemporaneidade

brinquedos e brincadeiras das telas de Portinari, constatamos que a abordagem

etnográfica viria a casar-se com o objeto de pesquisa. Dessa maneira, seria

imprescindível diante daquilo que estávamos planejando que essa pesquisa viesse

acontecer nos moldes da etnografia, pois: “a pesquisa do tipo etnográfico é

primeiramente, um contato direto e prolongado do pesquisador com a situação e as

pessoas ou grupos selecionados” (FAZENDA, IVAN et al. 1989, p. 38). Acrescendo

na mesma percepção, Angrosino (2009), apresenta a etnografia diante do contato do

pesquisador com o campo e com os sujeitos pesquisados: “a etnografia é feita in loco e

o etnógrafo é, na medida do possível, alguém que participa subjetivamente nas vidas

daqueles que estão sendo estudados (...)”. (ANGROSINO, 2009, p. 31).

Certamente a metodologia etnográfica contempla ao mesmo tempo em que

aperfeiçoa a intenção nessa pesquisa, sendo de fato uma possibilidade acertada diante da

investigação almejada. Quanto ao método qualitativo, no pilar da etnografia, seu caráter

sobressai diante da liberdade minuciosa do pesquisador em narrar os fatos e

acontecimentos de sua pesquisa sem uma mensuração numérica:

O termo qualitativo implica uma partilha densa com pessoas, fatos e locais

que constituem objetos de pesquisa de pesquisa, para extrair desse convívio,

os significados visíveis e latentes que somente são perceptíveis a uma

intenção sensível e, após este tirocínio, o autor interpreta e traduz em um

texto, zelosamente escrito, com perspicácia e competência cientifica, os

significados patentes ou ocultos do seu objeto de pesquisa. (CHIZZOTII,

2003, p. 221)

Essa característica apresentada pelo método qualitativo casa-se majestosamente

com a metodologia etnográfica e diante dessa pesquisa. O método qualitativo oferece

diferentes possibilidades metodológicas, tais como: “No método qualitativo, o

pesquisador pode-se valer de três diferentes possibilidades: a pesquisa documental, o

estudo de caso e a etnografia”. (GODOY, 1995, p. 21). Sendo assim, optamos, eu e meu

orientador, pela terceira possibilidade metodológica, que conforme Gomes, (2001), em

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sua tese de doutoramento, revalida a etnografia como “um método de imersão no espaço

de vivência do grupo estudado” (GOMES, 2001, p. 46), corroborando ainda, que o

nascimento de uma pesquisa dessa natureza, pode acontecer diante das hipóteses do

pesquisador com o objeto a ser pesquisado ou mediante o confronto com os dados

obtidos:

Essas questões, assim como podem nascer antes da lida do pesquisador,

podem brotar no vir-a-ser mesmo da investigação, quando brotam as ideias

sobre os rastros com que vai se defrontando e quando o pesquisador p ode

relacionar a valia de suas lentes teóricas com a concretude das coisas vistas.

(GOMES 2001, p. 46).

Sendo assim, no ir e vir das hipóteses diante do objeto investigado, essa pesquisa,

como já dita qualitativa, sob a metodologia da etnografia, apresenta-se diante do caráter

descritivo e interpretativo e na observação sistemática dos sujeitos pesquisados em seu

ambiente.

As ferramentas metodológicas advindas da etnografia nessa pesquisa pautaram-se

sob as anotações no diário de campo, nos roteiros direcionados com perguntas, nos

desenhos dos sujeitos e nos diversos registros fotográficos, os quais apresentam seus

resultados detalhados na Parte IV.

2. Apresentando o contexto e os sujeitos da pesquisa

O local da pesquisa foi escolhido desde o início do estudo, o mesmo que dizer que

a partir do momento em que brotou em mim, a intenção em participar da seleção do

Curso de Pós-Graduação na UFMT/Cuiabá. Assim, a pesquisa desenvolveu-se na no

município de Colorado do Oeste do Oeste, Rondônia, o campo pesquisado foi a Escola

Estadual de Ensino Fundamental Julieta Vilela Velozo, situada em um bairro periférico,

com alunos advindos de famílias de baixa renda. O fato de a pesquisa acontecer nessa

escola, se deu pelo principal motivo de anteriormente eu trabalhar como professora

nessa instituição e ter realizado um projeto com brincadeiras de Candido Portinari, o

qual me levou para o ingresso no mestrado. Percebi então, as possibilidades de

prosseguir nesse raciocínio e desenvolver a pesquisa nessa escola, pelo fato de

anteriormente ter grande aproximação com as pessoas e com o local da pesquisa, visto

que toda essa vivência anteriormente nesse local facilitaria o meu entrosamento com o

grupo e com a comunidade escolar.

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Os sujeitos da pesquisa são crianças estudantes desta escola citada anteriormente,

cursando os 2º e 3º anos do ensino fundamental, somando a totalidade de oito

participantes, com idade entre 8 a 11 anos. Foi entregue o termo de livre consentimento

para dezenove crianças, onde apenas dez pais consentiram a participação, desse número

dez, dois foram transferidos, portanto sendo oito, como dito, o número de participantes

observados na pesquisa.

Na figura que segue, apresento o campo pesquisado que se fez na Escola Julieta

Vilela Velozo, sendo considerada pelo município como uma escola de pequeno porte. O

número de alunos atualmente se aproxima a cento e vinte.

Figura 44– Campo da pesquisa, Escola Estadual Julieta Vilela Velozo

Acervo do Blog da Escola

Para melhor nortear essa pesquisa, detalho brevemente à realidade do contexto

pesquisado de maneira geral. O município de Colorado do Oeste, conta com

aproximadamente dezoito mil habitantes entre zona rural e urbana. É uma cidade

construída pelos diversos imigrantes brasileiros25. Seu início se deu no ano de 1981,

aonde as famílias vinham em busca de terra própria para plantar. A localização do

município refere-se ao Cone Sul26 do estado de Rondônia, cujas características recaem

num povo, salvo outros juízos, “acolhedor e alegre”. A cidade é construída sobre

25

A imigração que formou o município de colorado do oeste é composta principalmente por gaúc hos,

mineiros e nordestinos. 26

Cone Sul em Rondônia significa um grupo de municípios localizados ao sul do estado, sendo eles:

Colorado do Oeste, Vilhena, Cerejeiras, Pimenteiras do Oeste, Cabixi e Corumbiara.

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morros, com terrenos acidentados e curvados. O modo de subsistência das famílias vem

das lavouras de milho, arroz, soja, além da agropecuária, do leite, da feira municipal

com produtos da região e comércio. Na imagem a seguir, o município de Colorado do

Oeste, apresenta-se sob a imagem área, a qual data-se de três ou quatro anos anteriores,

contemplando a igreja católica matriz com a praça, ruas e casas. Embora não há uma

imagem para ser comparada com a figura 45, mas posso ressaltar que atualmente essa

imagem sofreu modificações, devido algumas mudanças arquitetônicas nesse local,

tanto da igreja que se encontra em reformas, quanto das ruas e praça.

Figura 45– Imagem aérea do município de Colorado do Oeste/RO – datando

Três ou quatro anos anteriores

Acervo do Site Geografia Saber

A relação em envolver Colorado do Oeste com pinturas de Portinari costurando

com a infância, com os brinquedos e as brincadeiras, não foi por acaso. Basta observar o

local da pesquisa e relacionar com a citação do próprio pintor em O menino de

Brodowski: “(...) tenho saudades de Brodowski ― pequenininha, 200 casas brancas de

um andar, no alto de um morro espiando para todos os lugares (...).” (PORTINARI,

2001, p. 24). Ao delimitar Colorado do Oeste nesta pesquisa, percebo a grande

semelhança com a pequena Brodowski do século XX, local em que Portinari brincou

com os mais variados brinquedos e brincadeiras, essas semelhanças, noto pela vida

calma dos moradores, por ver crianças que brincam nas ruas e pelo motivo de ser uma

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cidade interiorana, no entanto, Colorado do Oeste é uma cidade muito maior que

Brodowski em comparação ao número de habitantes e aos progressos tecnológicos da

atualidade.

Encontrar atualmente um local com semelhanças aos retratos e registros escritos

pelo pintor à sua infância, é uma das certezas na escolha do lugar apropriado para que a

pesquisa acontecesse. Ao mesmo tempo, é a intenção para o reconhecimento se àquelas

atividades lúdicas, do artista, estão presentes na contemporaneidade das crianças deste

local, então, é a nossa busca promissora pela atemporalidade nos brinquedos e nas

brincadeiras nesse campo pesquisado.

3. Detalhando as ferramentas metodológicas: a observação

Ao observar os participantes da pesquisa em seu cotidiano escolar, no recreio e na

sala de aula, com a sua relação diante da ludicidade, surgiu à possibilidade de um

espaço satisfatório para a realização desse trabalho. A princípio foi pensado em

observar a vida brincante de cada sujeito em sua residência, mas conforme os

planejamentos foram se modificando e se adequando á realidade da pesquisadora, a

escola foi definida como campo principal para a observação do grupo pesquisado ou de

cada sujeito em si. Uma vida escolar pode ser observada como extensão do mundo lá

fora vivenciado pela criança, onde nesse espaço, os sujeitos demonstram suas vivencias

e histórias, como podemos nos ancorar na citação de Ivani Fazenda:

Um estudo do cotidiano escolar envolve, assim, pelo menos três dimensões

principais que se inter-relacionam. A primeira refere-se ao clima institucional

que age como mediação entre a práxis social e o que acontece no interior da

escola. (...) a segunda dimensão diz respeito ao processo de interação da sala

de aula, (...) e a terceira dimensão abrange a história de cada sujeito

manifestada no cotidiano escolar (...). (FAZENDA, IVANI. et al. 1989, p.

40).

Ao passo que a pesquisa foi avançando, percebemos diversas maneiras e

significados que o brincar apresenta no contexto escolar. As constatações vistas nos

resultados alcançados, diante dos brinquedos, jogos e brincadeiras encontrados no

espaço institucional, demonstram a reprodução de outras vivencias da vida desses

sujeitos, em outros tempos ou em lugares diferentes. Ao observar os participantes da

pesquisa no ambiente escolar e a relação dos mesmos com a ludicidade, estamos

percebendo diversas maneiras e significados que o brincar apresenta no contexto real e

com o próprio grupo pesquisado. Pela observação o ser humano adquire grande

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quantidade de conhecimentos. Valendo-se dos sentidos, recebe e interpreta as

informações do mundo exterior. (...) A observação constitui, sem dúvida, importante

fonte de conhecimento. (GIL, 1999, p. 19).

Diante da ferramenta metodológica da observação no contexto escolar com

anotações no diário de campo, vemos em Godoy (1995), como um processo contínuo

em que o pesquisador procura identificar dimensões, categorias, tendências, padrões e

relações, desvelando-lhes o significado. Foram essas as reais intenções quando optamos

em observar o campo e os sujeitos da pesquisa, ou seja, buscamos arduamente através

de olhares diferentes a cada observação, o reconhecimento de vestígios os quais o

conduzissem ao encontro com o objeto da pesquisa, elucidando os resultados:

Etnografia significa literalmente a descrição de um povo. É importante

entender que a etnografia lida com gente no sentido coletivo da palavra, e não

com indivíduos. Assim, sendo, é uma maneira de estudar pessoas em grupos

organizados, duradouros, que podem ser chamados de comunidad es ou

sociedades. (...) envolve um exame de comportamentos, costumes e crenças

aprendidos e compartilhados em grupos. (ANGROSINO, 2009, p. 16).

As anotações no diário de campo foram registradas na medida em que aconteciam

as visitas no local da pesquisa. Com a permissão da direção geral e das professoras, era

realizada a observação dos sujeitos na sala de aula e nos momentos do recreio. A

diversidade de brinquedos e brincadeiras reconhecidas, nas telas de Portinari, in loco,

pontua a certeza da atemporalidade lúdica presente na contemporaneidade, a qual vem

detalhada na riqueza dos “achados”, no próximo capítulo.

3.1. Os roteiros de perguntas

Ao trabalhar com roteiro de perguntas, vejo a possibilidade de maior aproximação

com os sujeitos da pesquisa. Além de informações coletadas a partir de perguntas feitas

diretamente ao sujeito pesquisado, vou obtendo respostas diante do objeto investigado,

como subsídios para a constatação diante do campo de pesquisa e de outros materiais já

coletados. “O pesquisador em geral conjuga dados de observação e de entrevista, com

resultados de testes ou com material obtidos através de levantamentos, registros

documentais, (...) o que lhe permite uma “descrição densa” da realidade estudada.”

(FAZENDA, IVANI. et al. 1989, p. 39).

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Os roteiros de perguntas foram divididos em dois modelos: o primeiro para

constatar a vida brincante de cada sujeito e o segundo para reconhecer se eles conhecem

os brinquedos das telas de Portinari ou se realizam algumas dessas brincadeiras.

3.2. Os registros fotográficos

As fotografias do campo de pesquisa e das ações lúdicas dos sujeitos visou à

elucidação do reconhecimento de brinquedo e de brincadeiras na contemporaneidade,

mediante a contestação da característica atemporal da ludicidade diante das imagens da

fotografia. É como se as imagens fotográficas realizadas no campo de pesquisa,

representassem as telas do artista Candido Portinari com retratos de ludicidade.

Juntando ambas em uma sintonia iconográfica, percebo nos resultados a transparência

ou a semelhança marcada na presença da atemporalidade diante das cenas lúdicas nas

telas de Portinari e nas fotografias dos sujeitos da pesquisa. A fotografia por si só,

transmite ao mesmo tempo em que eterniza uma situação no tempo e no espaço. As

imagens fotografadas no campo de pesquisa, retratando o recreio, os brinquedos, jogos e

brincadeiras, são relacionadas com as semelhanças nos retratos de Portinari

representando sua infância, como já dito. Em Kossoy (2001), que é um estudioso da

fotografia no Brasil, mostra a importância do ato fotográfico, ou seja, a transmissão fiel

das ações em um dado momento: “Toda fotografia representa o testemunho de uma

criação. Por outro lado, ela representará sempre a criação de um

testemunho”.(KOSSOY, 2001, p. 50). Dessa maneira, os registros fotográficos captados

no campo de pesquisa, são esse testemunho da vivencia lúdica dos meninos e das

meninas no contexto contemporâneo de colorado do Oeste.

3.3. Dos desenhos dos sujeitos da pesquisa

Outro procedimento metodológico adotado foi à solicitação dos registros no

campo de pesquisa em forma de desenho. Foi pedido para que cada sujeito, em um dado

momento, sobre um papel organizado, na sua liberdade, retratasse os brinquedos e

brincadeiras de seu contexto atual. Essa metodologia, derivada da etnografia, produz a

reflexão pautada no discurso de Ivani Fazenda em que “a utilização de diferentes

técnicas de coleta e de fontes variadas de dados também caracteriza o estudo

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etnográfico.”. (FAZENDA, IVANI. et al. 1989, p. 39). Dessa maneira, valer-se dos

mais variados recursos metodológicos para o alcance do mais denso resultado, foi a real

intenção ao optarmos pelos desenhos dos sujeitos. Prosseguindo no mesmo raciocínio,

os desenhos coletados no campo de pesquisa contribuíram para que “(...) o pesquisador

em geral conjuga dados de observação (...) e produções do próprio grupo pesquisado

(...)”. (Idem). As produções dos desenhos da vida brincante na atemporalidade de cada

sujeito assinalam mais uma vez, a certeza das respostas almejadas no início da pesquisa,

nos materiais coletados e detalhados logo mais na última parte.

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93

PARTE IV

OS BRINQUEDOS E AS BRINCADEIRAS DE PORTINARI NOS

RESULTADOS DA PESQUISA

Portinari, Meninos soltando pipas, 1938

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Notas introdutórias...

No germinar inicial da pesquisa, quando contemplava as tantas telas de Portinari,

horas sobrevoava-me imaginando, se na sua conclusão, poderia demonstrar que os

brinquedos e as brincadeiras do menino Candinho eram reconhecidos ainda hoje... Se

essa ludicidade fosse encontrada, certamente asseguraria que o conceito atemporal

lúdico, apregoada por renomados estudiosos do brinquedo, como Brougère, Huizinga,

Caillois, Kishimoto, Gomes e tantos outros, casariam com o propósito da minha

pesquisa...

Na verdade, jamais duvidei que os brinquedos de Portinari, no início do século

XX, estampados em suas telas, não estivessem presentes na contemporaneidade das

crianças de Colorado do Oeste, até porque, constantemente mantive uma relação estreita

entre a criança e o brincar em minha realidade. Observando a minha terra, e os lugares

por onde ando, sempre encontrei rastros da ludicidade retratada pelo artista. Mas como

poderia de fato comprovar tudo que eu via e ouvia a respeito do lúdico? E foi somente,

vivendo e convivendo com a etnografia e com as crianças da pesquisa, as quais me

deixaram conhecer suas “intimidades lúdicas”, que hoje, posso anunciar de antemão, na

abertura desse capítulo o qual vem apresentando os resultados, que a infância nas telas

de Portinari, permanece em outros tempos, com outros atores e em outros lugares.

Assim, nessa etapa final, apresento os relatos diante do objeto pesquisado,

apresento os resultados minuciosamente de acordo com cada atividade metodológica

realizada no campo da pesquisa, com as crianças nas quais os pais as permitiram que se

fizessem atores indispensáveis para a realização desse trabalho.

1. Brinquedos e brincadeiras encontrados no campo da pesquisa

A pesquisa, como dita, aconteceu na Escola Estadual de Ensino Fundamental

Julieta Vilela Velozo, no município de Colorado do Oeste, Rondônia. A metodologia de

natureza etnográfica desenvolveu-se com os instrumentais da observação dos sujeitos

participantes da pesquisa e mediante suas ações lúdicas com anotações no diário de

campo; a utilização de roteiros de entrevistas buscando o reconhecimento de brinquedos

e brincadeiras praticadas pelas crianças participantes; a realização de desenhos feitos no

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campo de pesquisa por cada sujeito sobre seus brinquedos e suas vidas brincantes

preferidas e por fim, o trabalho da iconografia projetados nos registros fotográficos e

presenciados constantemente no campo pesquisado, especificamente no momento do

recreio, visto como um espaço de liberdade e de fruição da ludicidade.

Durante as observações no campo de pesquisa, foi encontrada uma diversidade de

brinquedos e de brincadeiras, durante o momento do recreio e espalhadas pelo pátio da

escola. O ambiente onde as crianças de maneira em geral, brincam, é bastante restrito,

pois o terreno da instituição é acidentado, estando pouco espaço para a realização de

atividades lúdicas. Atualmente há uma majestosa quadra coberta poliesportiva, sendo

construída. Embora com grandes dificuldades, a gestão escolar criou alguns espaços

para que a brincadeira aconteça no ambiente, sendo, a sala de jogos, a sala de música e o

parque infantil.

O recreio é dirigido, onde todos os participantes da gestão escolar, desde as

diretoras até os serventes, se reúnem nos momentos de recreio para cuidarem das

crianças e brincarem juntos com elas. Essa ação, segundo a diretora Ana Rocha, foi

necessária, pois devido ao pequeno espaço, as crianças se machucavam constantemente.

A partir do momento em que passaram a realizar as atividades brincantes de maneira

coordenada, estas se tornaram mais calmas e não tem sofrido machucaduras, embora há

também brincadeiras livres no recreio, apenas sob os olhares atentos dos coordenadores

do pátio.

A variedade de brinquedos e brincadeiras encontradas e reconhecidas no ambiente

da escola Julieta Vilela Velozo, surpreendeu-me. Os objetos lúdicos e atividades

brincantes vistas no local de pesquisa foram os seguintes: gangorra, balanço,

escorregador, gira-gira, pula-pula (cama elástica), pular corda, cesta de basquete e bola,

chute no pneu, caixas de brinquedos com carrinhos e bonecas variadas, jogo de montar

pecinhas, tabuleiros, sanfoninha, boliche e alguns jogos confeccionados a partir de

sucatas. A sala de jogos apresenta-se em um espaço fechado por recortes de madeiras

em forma de xadrez para manter-se arejada e iluminada, com os jogos de futebol de

botão, dama e trilha, pingue-pongue, entre outros. As brincadeiras livres reconhecidas

nas telas de Portinari foram cambalhotas, pular carniça, plantar bananeira, corridas,

pega-pega, futebol simples e improvisado, rodas, saltos, cavalinho com o colega, enfim,

as crianças procuram constantemente uma interação grupal, transformando o recreio em

um momento de lazer e movimento onde a diversidade lúdica é notável.

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2. Resultados da observação com os sujeitos da pesquisa

Essa ação metodológica da observação do sujeito no campo de pesquisa,

aconteceu a cada visita à escola, da seguinte maneira: Com a permissão da professora,

adentrava-me na sala de aula e observava o comportamento dos participantes, no

momento em que estavam estudando. Procurava identificar os vestígios de ludicidade

dentro da sala de aula, se eles realizavam alguma brincadeira com característica

portinariana27. A cada visita, observava os alunos tanto na sala de aula quanto suas

aventuras brincantes no momento do recreio, sempre anotando no diário de campo ou

fotografando.A observação no momento do recreio via a forma de lançar um olhar sobre

as ações lúdicas no momento em que não estão em sala de aula, no momento de

liberdade: Do que eles brincavam? Com o que eles brincavam? Como eles brincavam?

Durante todo tempo, inconscientemente, me via reconhecendo semelhanças nos

brinquedos e nas brincadeiras encontradas, com ludicidade das pinturas de Portinari.

A pesquisa teve seu início a partir do mês de dezembro de 2014. No primeiro dia

de observação em sala de aula, os alunos realizavam uma atividade de avaliação escrita.

A professora distribuiu as atividades e eu fiquei em um local neutro, sentada,

observando as ações das crianças.

2.2. Brincando de “pega-pega” na sala de aula

Durante as observações no campo da sala de aula, não registrei esses momentos

pelas lentes fotográficas, no entanto, pude contemplar diversas vezes cenas lúdicas dos

sujeitos no ambiente fechado da sala de aula, a exemplo a brincadeira de “paga-paga”.

Essa brincadeira acontece quando uma criança corre atrás da outra, sendo um que

persegue e o outro o perseguidor. Anteriormente, citei que a escola procura organizar o

espaço do recreio e da mesma forma, os professores, se preocupam em manter a ordem

na sala de aula de maneira que, os alunos possam permanecer sentados realizando suas

atividades escolares. No entanto, a criança, devido sua carga infantil, sua

espontaneidade, composta pela ludicidade, não se contenta em permanecer por muito

tempo sentadinha na cadeira escolar. Assim, percebi no ambiente da sala de aula,

27

A arte portinariana é derivada das pinturas de Portinari citada em: LIMA, Alceu Amoroso.

PORTINARI, arte sacra. Rio de Janeiro, Alumbramento, 1982.

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quando deparei com duas crianças que espontaneamente deixam suas tarefas, seus

cadernos sobre as mesas e passam a correr um atrás da outra, entre as filas das mesas,

uma tentando pegar a outra, que, mesmo no ambiente ou no momento inoportuno para

brincadeiras de pegar e de correr, as regras são quebradas.

A criança em si traz consigo uma carga de ludicidade natural que se revela na

medida em que sente a necessidade de expressar seus sentimentos e anseios. Mesmo em

espaço fechado, muitas vezes, “proibido” para brincar, a criança encontra mecanismos

que a conduz a executar algo ligado à ludicidade. Para Kishimoto (1996), a criança

necessita de um lugar para construir ou exercitar sua fantasia:

No desenvolvimento das crianças, é evidente a transição de uma forma para

outra através do jogo, que é a imaginação em ação. A criança precisa de

tempo e de espaço para trabalhar a construção do real pelo exercício da

fantasia. (KISHIMOTO 1996, p. 55).

Quando observo Kishimoto (1996), na citação anterior, percebo que essa

imaginação em ação que a autora aponta, que as crianças da pesquisa ao brincar de

pega-pega, transborda essa imaginação. Elas se deparam com um momento vago, após a

realização de uma atividade, seus olhos atentos percorrem o ambiente em que estão

inseridas, logo, começam a realizar uma ação que neste caso foi a brincadeira de pega-

pega. A autora prossegue que para trabalhar a imaginação as crianças precisam de

tempo e de espaço, os quais se encaixam perfeitamente na cena vista em sala de aula. O

tempo sobrou após o término da atividade, a professora não disse para fazer outra tarefa,

então, eis o sinal verde. Falar do espaço entre qualquer criança e o jogo, é algo

relevante, visto que a criança está sempre atenta à procura de espaços. Quem disse que

entre as fileiras das mesas não era para correr? Na sala de aula é lugar de brincar de

pega-pega? E quem disse o contrário? O tempo ócio de uma criança, geralmente é

ocupado pelas ações lúdicas. Qualquer espaço pode se tornar um excelente cenário para

oportunizar uma brincadeira, seja lá, onde for.

Lembro-me que certa vez, levei uma caixa de brinquedos para a sala de aula e

dividi essa sala em duas partes: de um lado menino e de outra menina. Não demorou

muito, para que eles se misturassem e passassem a brincar juntos e que debaixo das

mesinhas de estudos, as meninas passaram a fazer suas casinhas de bonecas, ou seja,

suas casas eram as mesinhas. A criança determina e denomina seu espaço do jeito que

achar melhor, seja para brincar de pega-pega, seja para fazer suas casinhas de bonecas.

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Diante das muitas observações realizadas no contexto da sala de aula, pude

constatar uma presença viva e real da ludicidade. Mesmo com a proibição das

professoras, as crianças “arranjam um jeitinho” para ocupar o tempo em que não estão

estudando e essa ocupação é sempre o brincar. Ou muitas vezes, elas não aceitam

preencher o tempo da sala de aula somente com as atividades determinadas pela

professora, elas extravasam o marasmo das atividades coordenadas, trocando-as por

algo de seus interesses, que nesse caso, novamente, é o brincar. Parece correto

relacionar um exemplo diante desta cena, com uma frase do Poema de Portinari em

Menino e o Povoado, (1964): pés ligeiros eram: pique, barra- manteiga, cruzado.

(PORTINARI, 1964, p. 49). Essas brincadeiras do artista citadas nesse poema

acontecem por meio de ações entre grupos de crianças que correm de um lado para

outro para executar a atividade. Na sala de aula, os dois meninos ao brincar de “pega-

pega”, mesmo dentro de um contexto fechado, reproduziram uma brincadeira similar a

essas citadas pelo pintor em seu poema.

2.3. Brincando de “futebol” na sala de aula

Reafirmando a ação lúdica do tópico anterior, apresento outro momento brincante

contemplado entre dois sujeitos da pesquisa, em sala de aula, que, após terminar uma

atividade de escrita, em fração de segundos, os dois meninos saem correndo pela sala

aula, chutando um chinelo, e fazem um gol, bem nos pés de uma mesa. A professora

rapidamente volta-se para os dois e ordena que se coloquem aos seus lugares e se

comportem. Nessa cena, as crianças ocupam do tempo livre para executar a principal

atividade: o brincar, como dito por Jean Château: “Perguntar por que a criança brinca, é

perguntar por que é criança.” (CHÂTEAU, 1987, p. 14). Quando Brougère em

“Brinquedos e Companhia” (2004) detalha numa habilidade eminente o brinquedo e

seus derivados, em uma de suas afirmativas, percebo que o brinquedo surge também, na

interação com o sujeito brincante para suprir a relação da solidão, mas este deve ser

visto como um mediador nas relações sociais, ou seja: “Não devemos nos limitar às

situações de solidão, o brinquedo é também um mediador de relações sociais

específicas, (...).” (BROUGÈRE, 2004, p. 169). A cena dos meninos jogando um

futebol com chinelo, surge na fuga da solidão em que se encontravam os sujeitos, após

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não terem “nada” para fazerem e ao mesmo tempo em essa brincadeira realizava a ação

principal anunciada por Brougère, sendo vista como papel socializador.

O futebol improvisado na sala de aula relembra a história brincante do menino

Candinho, citada por Mário Filho no capítulo I dessa pesquisa: “Dois tocos de pau, de

um lado e de outro, eram as balizas. Se a bola passasse pelos dois tocos era gol. A bola

era de meia.” (MÁRIO FILHO , 1966, p. 116). Nessa afirmativa, temos a bola de meia,

os tocos de pau como balizas para a realização dos gols. Na sala de aula, presenciamos o

chinelo fazendo-se de bola e os pés da mesa sendo as balizas para os chutes a gol. Em

Brinquedo e Cultura, Brougère (2010), autentica os brinquedos e seus significados para

a criança diante do contexto e da cultura brincante, conforme a citação logo a seguir:

A criança na maior parte das vezes, não se contenta em contemplar ou registrar as

imagens: ela as manipula na brincadeira e, ao fazê-lo, transforma-as e lhes dá novas

significações. Quando mais ativa for a apropriação, mais forte ela se torna. O valor

lúdico reforça a eficácia simbólica do brinquedo. (BROUGÈRE, 2010, P. 49).

Como visto é correto afirmar que o futebol improvisado pelo menino Candinho

mesmo depois de um século já passado, apresenta reproduzido por atores brincantes de

outras gerações, com outras características e significados. O valor simbólico do

brinquedo, apresentado por Brougère, pode ser identificado na brincadeira de futebol

com chinelo, a partir do momento em que os dois meninos passaram a utilizar um

objeto, que nesse caso, o chinelo, utilizado no plano simbólico como sendo o brinquedo.

Esse valor simbólico diante do brinquedo e da brincadeira é na verdade atribuído por

aqueles que brincam. Walter Benjamin (2009) assevera que “nada é mais adequado à

criança do que irmanar em suas construções os materiais mais heterogêneos”

(BENJAMIN, 2009, p. 92). A criança inventa e reinventa, cria e recria seu ambiente

brincante, utilizando os mais diversos objetos na construção simbólica da brincadeira.

O futebol o qual presenciei em sala de aula, onde os meninos improvisaram a bola

figurada na presença do chinelo e as traves nos pés de uma mesa, percebo, a capacidade

de improvisação nas ações lúdicas da criança. Quando não tem se tem o brinquedo real,

ela reinventa, improvisa e constrói conforme suas capacidades criadoras. O menino

Candinho, citado por Mário Filho (1966), na sua infância quando em Brodowski,

utilizava até a bexiga de boi cheia de ar para jogar seu futebol. Em Rondônia, é comum,

presenciar os meninos improvisando as bolas com sacolas plásticas, com meias, enfim,

esse sentido criador e improvisador das crianças nas atividades lúdicas parecem-me que

algo natural de todas elas.

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O autor Manson (2002), assinala na abertura de seu livro, “O brincar através do

tempo” uma série de exemplo das brincadeiras e dos brinquedos do tempo antigo. As

crianças brincavam com a areia da praia, com folhas secas das árvores, com restos de

ossinhos, com as pedrinhas. O sentido de aproveitar o espaço e transformar as coisas ao

seu redor em brinquedos é uma característica natural da criança. No caso da ação em

jogar futebol no espaço da sala de aula, realizada pelos sujeitos da pesquisa, comprovo

uma ação livre e natural do ser brincante, independente das regras impostas ou do

ambiente diferenciado e impróprio, percebo claramente a capacidade livre, criadora e

improvisadora vivenciada que emana do ser criança e do ser brincante. Acredito

também, que o brinquedo conduz a criança a quebrar as regras ou qualquer regra, pois o

que tem mais sentido na vida de uma criança é o brincar e nada mais.

2.4. O faz de conta na sala de aula

Decidi nomear este tópico de “faz de conta na sala de aula”, não porque aconteceu

alguma atividade simbólica coordenada, mas por presenciar alguns momentos

brincantes apropriados para esta nomenclatura.

Em um mesmo dia de observação na sala de aula, percebi algumas ações lúdicas

de características do faz de conta, sendo a primeira logo que cheguei e iniciei a

observação. Nesse dia a professora distribuiu alguns desenhos para que os alunos

pintassem a lápis de cor em grupos de três ou quatro alunos, eles realizavam essas

atividades sob uma calmaria inédita. Logo, depois de uns quinze minutos um grupo que

estava sentado bem à frente, ficou de pé e passou a realizar a atividade de pintura

balançando os corpos de lado para outro, enquanto isso, um garoto, sujeito da pesquisa,

pegou um balão que havia trazido em sua mochila e começou a soprá-lo. O balão ora

murchava, ora enchia de vento. Às vezes ele segurava o mesmo com uma das mãos e

“ziguezagueava” com o objeto brincante, como se o balão estivesse voando na sala de

aula.

A professora pediu para os alunos os quais terminaram as pinturas, recostassem as

mesmas e as colassem nos cadernos indicados. Prontamente os alunos iniciaram os

recortes. Um garoto pega sua tesoura e a do colega que estava ao seu lado, abrindo as

duas ao mesmo tempo, as segura como se elas fossem aviões e fazendo um barulho

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“vuuum, vuuum”, vai conduzindo uma e a outra pelos ares. Ora uma voa mais baixo,

ora voa mais alto, ora elas voam perto uma da outra, ora se esbarram no ar...

Ainda no momento em que acontecia a atividade de pintura e recorte, citada

anteriormente, uma menina, a qual já havia terminado seus afazeres, utiliza alguns

adesivos pequenos para colar nas pontas dos dedos. Após colá-los, ficando uma das

mãos com um adesivo em cada dedo, esses se transformaram em personagens que

passaram a se comunicar entre si.

As cenas imaginárias criadas pelas crianças e presenciadas na sala de aula

testificam quando Château (1987) proclama que o aspecto principal do jogo é o criador.

Ou seja, “Um mundo onde as regras do jogo tem um valor que não tem no mundo dos

adultos.” (CHÂTEAU, 1987, p. 23). Diante dos momentos vistos no faz de conta, qual

seria o valor que aquelas crianças estavam atribuindo para aqueles objetos? Quais os

significados que um simples balão escondido em uma mochila de um momento para

outro se transforma em um balão voador? Em um avião? Em um pássaro? Quais os

significados que as duas tesouras passam a despertar no menino? Quais os sentimentos e

pensamentos ocultos perpassam naquele momento, com o menino, quando as tesouras

ganham os ares, voando e emitindo barulhos? E a menina, que, ao dar vida para vários

adesivos que se comunicam entre si? Kishimoto (2011), responde essas indagações ao

elucidar que o brinquedo ou os objetos utilizados para esse fim, coloca a criança na

presença da imaginação: “Pode-se dizer que um dos objetivos do brinquedo é dar à

criança um substituto dos objetos reais, para que possa manipulá-los.” (KISHIMOTO,

2011, p. 21). Na verdade quando aquelas crianças passam a utilizar os objetos como

brinquedos, elas vêm a substituí-los como objetos brincantes reais presentes naquela

cena e naquele momento. Não é uma tesoura, mas sim um avião. Não é um adesivo,

mas sim uma pessoa.

O faz de conta apresentado por Caillois (1990), diante da classificação dos jogos,

recebe o nome de mimicry, ou seja, brincadeiras advindas da imaginação infantil,

quando se refere a esta categoria, o autor a define da seguinte maneira: “Qualquer

situação supõe a aceitação temporária ou de uma ilusão, ou pelo menos, de um universo

fechado, convencional e sob alguns aspectos, imaginário.” (CAILLOIS, 1990, p. 39).

Pertinente os argumentos de Caillois (1990), com relação ao jogo imaginário,

principalmente quando em questão, essa ação é demarcada em “qualquer situação

temporária”, que no caso das atividades imaginárias realizadas pelos sujeitos da

pesquisa, presenciamos a projeção do jogo imaginário diante de uma situação

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temporária, momentânea. O “universo fechado” citado na mesma afirmativa é percebido

entre as crianças e seus objetos lúdicos: o menino e o balão, o menino e as tesouras e a

menina e os adesivos, cada uma delas representando o seu próprio universo ou o

universo da sala de aula. O que pensavam ou que murmuravam, somente eles mesmos

poderiam explicar. Eles estavam compenetrados em seus “universos”, um lugar onde a

fantasia direciona a brincadeira, essa mesma fantasia é o faz de conta o qual construiu o

universo infantil naquele momento. A brincadeira aconteceu na roupagem do universo

imaginário.

Não posso esquecer-me de reportar o menino Candinho para o universo fantasioso

observado diante da pesquisa e citado anteriormente, quando no poema “O menino e o

Povoado (1964)”, o faz de conta emerge na figura de um menino com um pé de milho:

“Montei sozinho em cavalo de pé de milho. Fiz as mais estranhas viagens e corri na

frente da chuva durante muitos sábados.” (PORTINARI, 1964, p. 29). O menino

Candinho ressurge na presença dos meninos observados na pesquisa, pois se para

Candinho um pé de milho foi um cavalo, uma tesoura, com um sujeito da pesquisa, foi

um avião, alguns adesivos foram pessoas e animais. Analisando e comparando o tempo

passado e o contemporâneo diante dessas situações lúdicas, percebo que o faz de conta

do imaginário do menino Candinho, ressurge em outras trajetórias, em tempos e lugares

diferentes. Se Candinho tivesse uma tesoura em mãos, certamente teria brincado de

aviãozinho com ela, se os sujeitos da pesquisa depararem atualmente com um pé de

milho, um cabo de vassoura ou objetos dessa natureza, provavelmente poderão cavalgar

em sua hástia como fez o pintor quando menino. O brinquedo e a brincadeira modifica

seu discurso, porém permanece com seu enredo em qualquer tempo ou lugar. Eis uma

atividade lúdica presente na atemporalidade presenciada diante do contexto da sala de

aula.

3. Análises dos roteiros de entrevista

Durante as visitas no campo de pesquisa, após um contato maior com os sujeitos,

procedeu-se uma coleta de informações através de um roteiro de perguntas. Cada

criança foi convidada individualmente para uma conversa. Quando se notava que o

sujeito estava à vontade e descontraído, então se realizavam as perguntas, sendo as

seguintes: 1 - Qual o lugar que você brinca? 2 - Qual a sua brincadeira preferida? E por

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quê? 3 - Qual o brinquedo que você mais gosta? 4 - Cite outros brinquedos ou

brincadeiras que você costuma brincar.

Diante do roteiro de perguntas, o grupo pesquisado demonstrou tranquilidade e

liberdade para responder o que se perguntava, conforme podemos observar as respostas

a seguir diante de cada questão de número 1 sobre o lugar onde brincam:

“No terreiro de minha casa”. (KelveKauã – 08 anos).

“Na minha casa”. (Quitéria - 08 anos).

“Dentro do quarto”. (Hana Vitória – 11 anos).

“Em casa” (Camila – 09 anos).

“Em casa e no quintal”. (Kayke – 08 anos).

“Na escola”. (Cleiton – 08 anos).

Essas respostas serão explicadas ou exploradas a seguir de acordo com os

próximos tópicos.

3.1.1 O lugar onde brincam

Observando as respostas das crianças participantes da pesquisa, sobre o local em

que brincam, são os mesmos de qualquer época ou lugar: em casa, no terreiro, na escola

ou no quarto e há aqueles que brincam na rua. O menino Candinho brincava no quintal

de sua casa, fato este relembrado depois adulto no livro O menino de Brodowski (2001):

“Nosso quintal estendia-se por todos os lados, podia-se brincar.” (PORTINARI, 2001, p.

54). Há imagens nas telas do pintor as quais denunciam o futebol no largo, sendo esse

lugar, a rua. A tela “Futebol, 1940” e “Jogo de pião, 1933”, a seguir, demonstram cenas

lúdicas na rua, como podemos observá-las:

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A cidade de Colorado do Oeste, por ser um lugar interiorano, conserva suas

características de liberdade para que as crianças brinquem na rua, nos espaços vagos e

nas casas dos vizinhos. É comum, ao circular pela cidade e encontrar grupinhos de

crianças brincando na rua. Nos domingos, a cidade é bem calma, não há transito nas

ruas, então as crianças passam a jogar queimada, brincar de peteca, pé na lata, futebol,

entre outras brincadeiras no espaço da rua. Quando um carro tem que passar na rua onde

está acontecendo as brincadeiras, então, atravessa com muito cuidado, nunca soube que

uma criança se machucou ou foi atropelada na rua.

Há as brincadeiras no espaço interno das casas, principalmente nas épocas

chuvosas. O estado de Rondônia pertence a uma região cujo período das chuvas se

estende por vários meses, geralmente entre os meses de novembro a abril. Para os

rondonienses essa época chuvosa é denominada de inverno. Então as crianças passam a

realizar suas brincadeiras dentro de casa. Brincam com as roupas dos armários,

inventam jogos de tabuleiros, fazem receitas caseiras de faz de conta e com os

cobertores fazem cabanas e tocas sobre as camas. As mães e as avós inventam um

monte de receitas nesse tempo chuvoso: é pipoca, bolo de fubá, bolinho de chuva e

muitas sopas. Acredito que brincar dentro de casa acaba sendo uma opção diferente das

brincadeiras na rua ou na escola, pois há muitas brincadeiras que não podem ser

praticadas dentro de casa, por se tratar de um espaço restrito, embora a criança inventa e

adapta esse espaço conforme a atividade brincante.

Brincar na escola é também uma opção que os sujeitos da pesquisa realizam

cotidianamente. A Escola Julieta Vilela Velozo, é um local, como visto proporcionador

de atividades brincantes. É comum, nas escolas da região, a presença de inúmeros

Figura 46 - Futebol, 1940 Figura 47 - Jogo de pião, 1933

Imagens do acervo digital Portal Portinari

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brinquedos distribuídos pelo pátio, sendo que esta escola, tem primado para que as

crianças convivam com brinquedos e brincadeiras todos os dias. No local de pesquisa há

muitas caixas de brinquedos espalhadas pelo pátio com bonecas e carrinhos, há também

brinquedos inventados com sucatas e o parquinho que é um dos lugares preferidos de

todas as crianças.

Concluindo a questão de número dois sobre o lugar onde as crianças brincam,

percebo o reconhecimento de semelhanças com os lugares que o menino Candinho

brincava: na rua, no pátio, dentro de casa... Em cidades interioranas a exemplo,

Colorado do Oeste e a Brodowski do tempo de Candinho, as crianças geralmente,

brincam ou brincavam em lugares semelhantes, pois a violência e o trânsito, ainda não

eram fatores de preocupação. Brincar na escola é uma atividade natural, pois, em um

espaço com tantas crianças, é normal que a brincadeira seja uma das atividades

principais, enquanto que, brincar dentro de casa, acredito ser o local onde mais

acontecem as atividades brincantes atualmente. As crianças do passado brincavam em

espaço mais abertos, mas atualmente, principalmente nas grandes cidades, os pais

envolvem seus filhos com diversos brinquedos, jogos eletrônicos e aparelho de televisão

pela insegurança e medo das ruas violentas.

4 Brincadeiras preferidas

4.1.1 Soltar pipas

“Soltar pipa, por que é legal”. (Kelve Kauã – 08 anos).

“Pique no alto, por que é legal, só”. (Quitéria - 08 anos).

“Barbie, por que eu gosto”. (Hana Vitória – 11 anos).

“Brincar de casinha. Por que daí, meu irmão fica brincando

comigo” (Camila – 09 anos).

“Videogame. Porque a minha mãe comprô, porque eu ficava só

na rua”. (Kayke – 08 anos).

“Pega-pega, pique-esconde, porque é legal”. (Cleiton – 08

anos).

Ao elaborar esta questão, foi propositada a busca direta entre os sujeitos e a

pesquisadora em coletar as informações vindas diante de cada participante sobre a

brincadeira preferida. Quando alguns sujeitos da pesquisa, responderam que a

brincadeira preferida era a de soltar pipa, vejo as muitas telas de Portinari de meninos

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soltando pipas diante dessa resposta ao mesmo tempo em que demonstra essa

brincadeira praticada na contemporaneidade. A brincadeira de soltar pipas, segundo

Kishimoto (2010), tem suas origens no século XVI, com procedência oriental a qual era

utilizada por militares e com o passar do tempo transformou-se em brincadeira de

criança. A pipa é um brinquedo que perpassa pelas transformações da humanidade. No

livro Menino de Brodowski (2001), o pintor relata a brincadeira de pipa: “Agosto era o

mês do vento – mês de soltar papagaio. A linha de costura desaparecia.” (PORTINARI,

2001, p. 72). Em suas telas de meninos soltando pipas, Portinari revela uma brincadeira

praticada por vários lugares do mundo, inclusive na região de colorado do Oeste.

Suponho que a brincadeira de soltar pipas seja a mais retratada pelo artista. A pipa em

sim, traz consigo uma carga de atração, por certo, pela sua leveza de voar tão alto, pelo

seu colorido e enfeites. As crianças ficam encantadas pelas pipas por muitos motivos,

inclusive os adultos, pode-se dizer que soltar pipas não tem idade. Na tela apresentada

na figura 47, Portinari realiza uma pintura de cor muito leve, abusa nos tons claros e

coloridos. Ao mesmo tempo em que apresenta um grupo de meninos soltando suas

pipas, o artista retrata um garoto sentado envolto na confecção do brinquedo citado.

Esse brinquedo, geralmente é construído por aqueles que brincam, como pode ser

observado na tela a baixo:

Figura 47 - Meninos soltando pipas, 1938

Portal Portinari

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Observando a memória do artista diante de um dos sujeitos da pesquisa sobre a

sua brincadeira preferida ao responder que “soltar pipa, por que é legal”, estampa a

certeza do conceito atemporal da pipa, propriamente, no entanto, soltar pipa, apresenta

agora como discussão dos resultados, porém, outras brincadeiras reconhecidas como

“pique no alto”, “brincar de boneca”, “pega-pega”, “Pique-esconde” continuam

marcando a presença atemporal na vida dos sujeitos brincantes da contemporaneidade.

Marcando com a leveza da arte sob os sentimentos arraigados no pintor ao retratar

tantas cenas com pipas, as telas que seguem propagam essa brincadeira. Soltar pipas ou

papagaio foi a brincadeira de Candinho e continua a ser a brincadeira de meninos de

Colorado do Oeste. Na pintura as crianças soltando pipa em Brodowski, pode-se dizer

que estas representam as crianças de nosso tempo e de nosso lugar.

4.1.2 Piques no alto, pega-pega e pique - esconde

Analisando outras brincadeiras diante das respostas encontradas, atenho-me para

estas identificadas e denominadas de “pique no alto”, “pega-pega” e “pique-esconde”.

Tais brincadeiras, me lembra mais uma vez, as memórias do pintor em Menino de

Brodowski (2001): “Para a noite: pique, barra-manteiga, pulando carniça, etc.”

(PORTINARI, 2001, p. 42). As brincadeiras reconhecidas nas crianças da pesquisa são

aquelas de características similares citadas na fala de Portinari. Essas atividades

brincantes se projetam em grupos de crianças que correm se escondem, se tocam, enfim,

são brincadeiras de nossos antepassados as quais sobrevivem pela “Conexão de sentido”

28Florestan Fernandes (FERNANDES, 1979 p. 15), ao se referir com o termo “conexão

de sentido” o autor busca em Weber (1944), o caráter social para o folclore, sob o ponto

de vista psicológico, etnológico e sociológico. As brincadeiras se perpetuam, segundo

Florestan Fernandes (1979), sob a essência do folclore, sua pesquisa diante de

elementos lúdico-folclóricos, compõem uma rica antologia para os estudos do folclore

brincante do século XX na cidade de São Paulo.

Na tela “meninos brincando, 1958”, na figura 48, pode-se identificar brincadeiras

de natureza daquelas citadas pelos sujeitos da pesquisa:

28

O livro de Florestan Fernandes (1979), denominado de Folclore e mudança social na cidade de São

Paulo, é o resultado de sua pesquisa de doutoramento referente ao folclore brasileiro, apresentando a

riqueza cultural das crianças e do povo diante dos diversos elementos folclóricos, inclusive do brincar.

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108

Portal Portinari

Os meninos na cena anterior, ao certo, estão brincando de “pega-pega”, “pique-

esconde”, “pique no alto” ou provavelmente de outra brincadeira de natureza similar. As

marcas estampadas na tela anunciam uma brincadeira em ação que diante dos gestos das

mãos e dos movimentos corporais, nota-se uma atividade lúdica conforme aquelas

descritas pelos sujeitos da pesquisa. Em Château (1987), o jogo pode ser constituído por

“séries” ou “famílias”, essas famílias conduzem a derivação ou evolução de outras

tendências lúdicas de natureza semelhante, como é o caso das brincadeiras de

caminhada, corrida, perseguição, jogo do lobo, entre outras, porém, cada uma delas,

segundo o autor, permite outras origens ou combinações particulares. (CHÂTEAU,

1987, p.117). Portanto, no tempo de Portinari menino, a brincadeira de pique-esconde,

pode não ser a mesma característica das brincadeiras dos meninos contemporâneos, no

entanto, conservam a mesma família com as mesmas características, sofrendo

modificações e combinações conforme o público, o tempo e o lugar.

Brincar de pega-pega, esconde-esconde, entre outras, são brincadeiras bastante

praticadas pelos meninos de Rondônia, é comum, nos encontros noturnos das famílias,

as crianças reunirem-se nas ruas e quintais para executarem essas atividades lúdicas.

Figura 48 - Meninos brincando, 1958

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109

4.1.3 Brincar de casinha e com a Barbie

Dentre outras brincadeiras especiais ditas entre os sujeitos da pesquisa, “brincar

de casinha” e com a “Barbie”, são respostas encontradas no perfil feminino. As meninas

muitas vezes, brincam com os mesmos brinquedos e brincadeiras ditas para os meninos.

Os meninos, no entanto, inibiam-se ao falar da boneca. Embora vejo que a definição de

brincadeiras para o gênero feminino e masculino são costumes e tradições arcaicas,

sendo um assunto o qual não irei adentrar, no entanto, ao realizar a pesquisa, percebi

que as bonecas, as casinhas, entre outras brincadeiras dessa natureza, são atividades

brincantes propriamente do contexto infantil feminino. Em Brinquedos e Companhia de

Brougère (2004) meninos e meninas brincam da seguinte forma: “Meninos e meninas

não brincam da mesma maneira, nem com os mesmos objetos. Além da observação que

qualquer um pode fazer, é impressionante a força da distinção.” (BROUGÈRE 2004, p.

289). Este assegura que ambos brincam juntos, no entanto são os objetos que os diferem

suas posições no contexto brincante.

As brincadeiras de casinha, logo, identificamos como um faz de conta. Nessa

atividade a criança da pesquisa não se ateve em responder que ao brincar de casinha o

irmão lhe fazia companhia: “Brincar de casinha. Por que daí, meu irmão fica brincando

comigo”. Para que aconteça o imaginário na brincadeira infantil, a criança necessita de

outras companhias, seja um irmão ou o seu próprio brinquedo. Para Kishimoto (2011),

“o brinquedo propõe um mundo imaginário da criança e do adulto, criador do objeto

lúdico.” (KISHIMOTO, 2011, p. 21), a autora acrescenta que essa característica

simbólica, aparece no mundo lúdico infantil por volta dos dois ou três anos. Brincar de

casinha ou com bonecas, trata-se de uma brincadeira antiga. Sob outro prisma, nessa

brincadeira, Jean Château (1987), apresenta essa atividade lúdica no plano simbólico,

como uma conduta simples diante da realidade ou de um artifício pela abstração onde,

“cozinhar pedras é uma conduta mais simples do que a da cozinha real, mas nessa

conduta simples vai-se formando a futura cozinheira.” (CHÂTEAU, 1987, p. 23), O faz

de conta para Château (1897), não representa apenas uma atividade lúdica naturalmente

da vida infantil a qual se encerra no plano simbólico, mas uma extensão do futuro.

Brincar de casinha, fazer comidinhas, imitar mamãe e filhinha, são brincadeiras

naturalmente comuns e bastante praticadas pelas meninas no plano imaginário. Brincar

de casinha para Brougère em Brinquedos e companhia, (2004), “sugere assim, uma

imagem de segurança, de proximidade, de universo de referência da criança destinada

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110

aos pais.” (BROUGÈRE, 2004, p. 50-51). Esse significado atribuído pelo autor, surge

pelo fato da mesma acontecer no espaço da casinha em miniatura, sendo que aquelas

meninas as quais não tem financeiramente a condição para possuir uma casinha com

paredes, com telhado, enfeitada e colorida, realizam a mesma em ambientes

imaginários: seja embaixo de uma árvore, sob a mesa da cozinha, no quarto, enfim, a

imagem da casinha se parece algo natural na vida das meninas, certamente essa imagem

de segurança e de aproximação com os pais, atribuída por Brougère (2004), são os elos

ou as características mais intrínsecas dessa brincadeira.

Em se tratando da brincadeira com as Barbies, notamos uma crescente demanda

no universo infantil feminino por essa boneca. A indústria tem realizado as mais

diversas e contagiantes bonecas. Brougère em seus livros tem dedicado diversos

trabalhos tratando desse tema, em especial da Barbie. Segundo o autor, a imagem da

boneca é o próprio espelho da humanidade, em suas inúmeras facetas, representa os

ambientes e o cotidiano, fascinando as crianças dos mais diversos locais e origens: “A

boneca é um espelho deformante, um espelho mágico, que não reflete nenhuma

realidade precisa e menos ainda, a realidade mais dura, a realidade das crianças que

sofrem abusos ou são exploradas.” (BROUGÈRE, 2004, p. 79). Quando se refere a

boneca Barbie por exemplo, o autor a apresenta com a combinação “do desejo de ser

adulta”. A menina ao possuir uma Barbie reporta sua auto-imagem para a própria

boneca, ou seja, ela se sente a própria Barbie. Um brinquedo que de acordo com

Brougère (2004), é feito visando o alcance de três objetivos: juntar uma imagem social,

uma brincadeira e uma destinatária: “(...) no dia em que não ligar mais, corre o risco de

desaparecer das lojas de brinquedos e ficar só nos museus, onde parece já ter

conquistado definitivamente o seu lugar.” (p.96). No entanto, a imagem da boneca em

si, ultrapassa gerações, desde os tempos mais antigos:

As bonecas aparecem nos textos da antiguidade que descreviam as ofertas nos

templos: a jovem doava-se aos deuses pedindo-lhe amor, casamento e fertilidade.

No século VII a. C., a poetisa Safo dirigia esta evocação a Afrodite: “Não desprezes

o véu púrpura das minhas bonecas; sou eu Safo, quem te faz essas preciosas

ofertas.” (MANSON, 2001, p.21).

Em outras ocasiões, regiões ou costumes a boneca representa um símbolo

sagrado, uma oferta aos deuses, elementos para bruxarias, etc. (Kishimoto, 2010). Mas

o que estamos apresentando aqui é o reconhecimento dessas brincadeiras na atualidade,

advindas das telas de Portinari, então, concluindo as respostas encontradas diante das

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111

brincadeiras de casinha e de boneca, nas atividades lúdicas dos sujeitos da pesquisa, a

presença marcante dessas brincadeiras, ultrapassa gerações. Portinari retratou a boneca

diversas vezes, a exemplo, as telas 49 e 50, com meninas e bonecas:

Ainda nas respostas sobre o brinquedo preferido de cada sujeito da pesquisa, foi

encontrado o videogame e o carrinho. Estes brinquedos fazem parte da vida lúdica de

muitas crianças. O carrinho é uma figura em miniatura do carro do adulto, do caminhão

e de outros automóveis, não somente os carrinhos, mas todos os brinquedos, de certa

forma, representam o mundo dos adultos: “Antes de tudo ele é uma relação entre o

mundo adulto e o mundo das crianças.” (BROUGÈRE, 2004, p.14).

O videogame é um brinquedo da atualidade, surgido entre décadas próximas,

Portinari não brincou com este objeto, nem tão pouco o retratou. O videogame é um

brinquedo destinado a cultura daqueles os quais tem acesso a ele. Não é um brinquedo

para os lugares onde a energia elétrica não se faz presente, também é um brinquedo para

as crianças cujos pais têm situação econômica favorável para sua aquisição. É notável o

aumento dos brinquedos eletrônicos na vida lúdica das crianças da atualidade, em

especial nas cidades grandes, onde não se brincam mais nas ruas, onde a criança quase

não tem mais amigos, na verdade esse tipo de brinquedo preenche a vida moderna das

crianças de nossos tempos. Os games de atirar são exemplos citados por Gerard Jones

na obra “Brincando de matar monstros” (2002), na verdade o autor defende esse jogo de

Figura 49 - Retrato de Helena

Whitaker de Assumpção, 1944

Figura 50 - Retrato de Regina de

Aboim Polland, 1958

Imagens do acervo digital do Portal Portinari

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maneira positiva, o qual é motivo de extensas discussões a seu respeito por desencadear

atitudes violentas nas crianças. Para Jones, os games estão atrelados às mudanças

sociais e tecnológicas, um brinquedo que como qualquer outro, nada mais causa que o

efeito lúdico ou a fantasia nos momentos de sua execução.

Diante dos brinquedos preferidos pelos sujeitos da pesquisa, considero que as

respostas encontradas são os indícios da perpetuação de outras culturas lúdicas, em

especial da cultura do menino Candinho. Brincar de pipas, de pega-pega, esconde-

esconde, bonecas, entre outras brincadeiras, são exemplos vivos estampados em muitas

telas do artista. Prossigo as análises na certeza de vivenciar a presença das telas do

artista sob a realidade atemporal da vida brincante das crianças de Colorado do Oeste,

que certamente, é a semelhança da vida lúdica das crianças de outras regiões do Brasil.

5 Outros brinquedos e brincadeiras preferidos pelos sujeitos da pesquisa

Apresento outras brincadeiras e brinquedos preferidos pelos sujeitos da pesquisa

que nas análises anteriores, a questão central era saber sobre a atividade lúdica principal

do gosto de cada criança entrevistada, nesta questão, foi pesquisado sobre quais outros

brinquedos eles gostam ou preferem brincar. As respostas podem ser visualizadas

diante da seguinte questão: Cite outros brinquedos ou brincadeiras que você costuma

brincar. Então as respostas obtidas foram as seguintes:

“Pular corda e brincar de carrinho”. (KelveKauã – 08 anos).

“Pega-pega”. (Quitéria - 08 anos).

“Ursinho, fogãozinho, pega-pega, esconde-esconde e balançar”.

(Hana Vitória – 11 anos).

“Brincar de mamãe e filhinha eu adoro! Todo dia eu fico brincando,

quando não é mamãe e filhinha é de escolinha, também com meu

ursinho e meu palhacinho” (Camila – 09 anos).

“Com bichinhos, vacas, bois, dinossauros, carrinho, com um peixe.

Brinco de esconde-esconde, pega-pega, casinha de palha com lona

na casa do meu vizinho e de cola-cola e pega-ajuda. Tem a corrente

que a brincadeira que eu mais gosto! A gente pega na mão e vai se

enrolando como se fosse uma corrente”. (Kayke – 08 anos).

“Com meu dinossauro, boneco. Eu brinco na rua com pipa”. (Cleiton

– 08 anos).

Anteriormente, procurei discutir passo a passo cada brincadeira, neste tópico, não

irei descrever cada uma delas, apenas apresento as respostas como a confirmação da

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cultura lúdica portinariana, mais uma vez. O faz de conta vem notável nas brincadeiras

de “escolinha”, “fogãozinho”, “casinha de palha”, “mamãe e filhinha”. Em seguida,

pude observar que há brincadeiras dos sujeitos as quais fazem parte nas telas de

Portinari, por exemplo: a pipa, esconde-esconde, pega-pega, balanço, brincar com

boneco. Essas brincadeiras concretizam a certeza da atemporalidade presente na cultura

lúdica. Essa cultura lúdica a qual caminha nos trilhos das mais diversas culturas, pode

ser ancorada na pronúncia de Brougère (2004), mais uma vez, da seguinte maneira: “As

crianças brincam com os mesmos brinquedos, desde que tenham acesso a eles (...)”.

(BROUGÈRE, 2004 p. 7). Acrescendo a esse arrimo, o contato das crianças com os

mais diferentes ou com os mesmos brinquedos, se dão sob a forma de “parque de

brinquedos”, que, para o autor, os brinquedos representam a cultura, o meio social e

econômico de cada país. Acredito então, que, se as crianças de hoje ainda brincam com

os brinquedos e com as brincadeiras do menino Candinho, certamente a realidade

vivenciada pelo pintor, é semelhante à realidade das crianças da contemporaneidade.

6 Dos registros em forma de desenhos realizados pelos sujeitos da pesquisa

Esse instrumental foi realizado através de um enunciado em uma folha de papel

entregue para cada participante da pesquisa, com os seguintes dizeres: Desenhe os

brinquedos e as brincadeiras que você costuma brincar.

Após os desenhos registrados por cada participante, foi possível reconhecer

muitos brinquedos e brincadeiras das telas de Portinari. Nessa etapa, apresento os

desenhos realizados pelas crianças no campo da pesquisa e juntamente para cada

desenho de cada sujeito, apresento uma tela de Candido Portinari, estampando a certeza

que os desenhos realizados por cada participante, retratam os brinquedos e as

brincadeiras presentes na cultura lúdica do artista. O confronto dos desenhos com as

telas do pintor, anuncia um o reconhecimento da infância brincante do pintor diante do

contexto contemporâneo, revelando os traços atemporais do brinquedo e da brincadeira,

mais uma vez.

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6.1 As pipas

Ao observar a tela na figura 51 de “Meninos Soltando pipas, 1947”, e no desenho

realizado por uma criança da pesquisa, o reconhecimento ou o encontro, dessa

brincadeira presente na contemporaneidade das crianças de Colorado do Oeste.

Ao reconhecer na brincadeira de pipa a presença atemporal, distinguimos um

elemento precioso anunciado por Florestan Fernandes (1979) de nome “cultura infantil”

(FERNANDES, 1979 p. 171). Ao estudar o folclore de São Paulo, o pesquisador

apresenta a propagação da cultura infantil por meio da ludicidade, sendo que as crianças

são grandes disseminadoras dessa cultura, por meio do elemento folclórico, seja nas

cantigas, nas danças, na arte da confecção de uma roupinha de boneca ou por meio de

uma brincadeira. As figuras 53 e 54, nos desenhos dos sujeitos da pesquisa, a

brincadeira de pipa vem estampada na figura do menino e da menina:

Figura 51 – Meninos soltando pipas, Figura 52 - Brincando de soltar pipas,

Portinari, 1947

Portinari, 1947

Acervo Digital do Portal Portinari Acervo da pesquisadora/Março/2015

Portinari, 1947

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A pipa pode ser vista como um brinquedo presente na cultura infantil de longas

gerações. Quando Kishimoto aduz a cultura da pipa, refere-se ao dicionário de Câmara

Cascudo a seguinte informação a respeito desse objeto, por eexemplo: “Os Portugueses

trouxeram o papagaio do Oriente, Japão e china, onde é popular, em todas as classes

sociais, desde remotíssimo tempo.” (CASCUDO, 1988, APUD KISHIMOTO, 2010, p.

18).

Continuando com as pipas, outras crianças participantes, deixaram suas marcas

registradas ao retratar a pipa como brincadeira preferida. Essa atividade lúdica trás a

intenção como sendo uma das mais escolhidas entre as crianças da pesquisa. As

imagens apresentadas logo a baixo encontram-se com as crianças de hoje que brincam

com a pipa com a tela de Portinari “Meninos soltando pipas, 1941”. Apresento assim, a

figura 55 e 56, como uma das muitas análises comparativas entre os desenhos dos

sujeitos e as telas de Portinari:

Figura 53 – Soltando pipa Figura 54 - Menina soltando pipa

Imagens do Acervo da pesquisadora/junho/2015

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Que as pipas ou papagaios, como ditas pelo menino Candinho, faziam parte do

seu contexto lúdico não há dúvidas, acredito que as mesmas estavam sempre presentes

na vida infantil do pintor e que elas o atraíram de maneira significativa, talvez por suas

cores, por ter características da arte em suas molduras ou por sua forma leve dançante

nos ares, afinal, desde menino o pintor levava consigo sua sensibilidade pela arte.

Tornaram-se figuras das mais retratadas pelo artista. Em Brodowski, no tempo do artista

criança, o mês de soltar pipas, era em agosto. Essas referências sobre o menino

Candinho e as pipas, estão fortemente anunciadas por Mário Filho (1966): “Os

papagaios subiam, subiam. Bastava ir soltando a linha. Soltava-se mais um pouco de

linha e puxava-se a seguir a linha, para esticá-la. O papagaio parecia brincar no céu.”

(MÁRIO FILHO, 1966 p. 141). Não há dúvidas que a pipa retratada pelas mãos de

Portinari, representando sua infância, continua a bailar na cultura lúdica dos meninos e

das meninas de nosso tempo.

Nos céus de Colorado do Oeste, é comum encontrar pipas pelos ares. As épocas

que mais se soltam pipas nas regiões da pesquisa são nos meses da seca, entre maio a

setembro, semelhantes ao tempo de Brodowski. Para confeccionar as pipas, os meninos

de Rondônia, usam varinhas de bambu que pela sua leveza, contribuem para o papagaio

voar alto. As rabiolas, geralmente são feitas de sacolas plásticas de reaproveitamento e o

corpo do papagaio é confeccionado com papéis de seda. O local preferido dos meninos

de Colorado do Oeste para soltar pipas, é no estádio municipal de futebol. Um lugar

pacato e aberto, livre para ser utilizado quando bem entender, assim, os meninos

adentram no gramado e lançam nos ares seus papagaios. Se Portinari conseguisse

Figura 55 – Meninos soltando pipa

Desenho da pesquisa

Figura 56 – Meninos soltando pipas

Portinari, 1941

Imagens do Acervo da pesquisadora/março/2015

Acervo digital Portal Portinari

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enxergar os meninos de Colorado do Oeste soltando pipas, certamente recordaria sua

infância ao se deparar com tantas colorindo os céus das terras rondonienses.

6.1 O balanço

Prosseguindo com os desenhos dos participantes da pesquisa e seus resultados,

temos a figura do balanço retratada por eles. A princípio imaginava que o balanço fosse

algo apenas presente na vida escolar dos sujeitos, pelo fato de no ambiente escolar ter

um parquinho infantil com alguns brinquedos e o balanço fazer parte desse conjunto.

No entanto, os desenhos das crianças me surpreenderam, pois dentre vários brinquedos

e brincadeiras reconhecidos nas telas de Portinari, o balanço é algo muito presente na

vida delas.

Na tela de Portinari intitulada “Meninos no balanço, 1960” na figura 57 e no

desenho realizado por uma criança da pesquisa, figura 58, percebe-se a perpetuação

dessa brincadeira presente na vida das crianças na atualidade:

Portal Portinari Desenho da pesquisa/Março /2015

Os balanços retratados nos quadros de Portinari não sabem ao certo, onde estão

presos, enquanto que no balanço retratado na pesquisa, nota-se uma árvore, aliás, todos

os balanços ilustrados pelas crianças, estão seguros em uma árvore. Acredito que o fato

de o balanço das crianças da pesquisa, estar atado em uma árvore, acontece porque na

Figura 57 - Meninos no balanço,

Portinari, 1960

Figura 58 - Brincando no balanço e

pulando corda

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realidade estão retratando aquilo que elas vivem. É comum chegarmos às casas de

Colorado do Oeste e encontrar balanços presos em árvores, feitos com cordas. As casas

são construídas em terrenos abastados, geralmente os quintais têm muitas árvores, sendo

as mais comuns às mangueiras frondosas ou jaqueiras, ambas cobertas por uma

folhagem densa e repleta de muitos galhos, não tão altos, convidativos para receberem

os balanços.

Em seguida, apresento outro desenho de criança no balanço. Quando se observa

cada um deles, percebe-se que cada sujeito da pesquisa, procurou fixar o balanço em

uma árvore, como dito anteriormente, isso demonstra que essas brincadeiras com

balanços representados pelos desenhos das crianças, não são as mesmas realizadas no

ambiente escolar. Os balanços da escola estão fixados em suportes de ferro e estes

retratados nos desenhos diante da pesquisa, apresenta na árvore o suporte dos mesmos.

Chegamos à conclusão que as crianças brincam nos balanços em suas próprias casas, ao

contrário, os desenhos de Portinari, não demonstram árvores ou outros suportes para

amarrá-los, parece-me que a frase, “Sabe por que é que eu pinto tanto menino em

gangorra e balanço? Para botá-los no ar feito anjos.” (CALLADO, 2003, p. 47), alude a

intenção em que os suportes dos balanços estão presos nas nuvens, sob uma argúcia

fantasiosa do pintor quando feito analogia de suas telas a essa frase.

Figura 60 - Brincando no balanço

Desenho da pesquisa Março/2015

Figura 61 – Meninos no balanço

Portinari, 1955

Portal Portinari

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A brincadeira com balanço classifica-se na categoria de Caillois (1990),

denominada ilinx, que segundo o autor nessa categoria a característica do jogo é

apresentada sob a forma de um atordoamento simultaneamente orgânico e psíquico, que

designa o mesmo que vertigem. Podemos agrupar nessa categoria outros brinquedos das

telas de Portinari, como a gangorra, a cambalhota e algumas brincadeiras do circo.

Diante dos vários desenhos representando os brinquedos e as brincadeiras dos

sujeitos da pesquisa, nota-se a marca da extensão de um tempo atual ao ser comparado

com outra época e outro lugar, emanam a carga de uma propagação a qual permanece

viva na memória e nas vivencias do ser humano, que neste caso, ressurge nas atividades

lúdicas do balanço.

6.2 A Cambalhota

Apresento de início, a brincadeira de “cambalhota”, retratada por uma das

crianças da pesquisa na figura 62 e ao lado, na figura 63, uma das telas de Portinari a

qual reafirma mais uma vez a atemporalidade dos brinquedos e das brincadeiras:

As duas telas apresentando a cambalhota, refletem outras brincadeiras em um

mesmo espaço temporal. Na imagem feita pelo sujeito da pesquisa, a brincadeira de

Figura 63 - Meninos brincando e carneiro

Portinari, 1959

Figura 62 - Cambalhota

e brincando de peteca

Desenho da pesquisa Portal Portinari

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120

Desenho da pesquisa – junho/2015

peteca acontece simultaneamente com a cambalhota, podemos dizer que jogar peteca,

também é uma brincadeira do contexto infantil atual, Portinari também retratou a

peteca. Na tela do artista, a cambalhota surge em conjunto com o balanço e na

companhia de um carneiro, certamente animal de estimação de um dos meninos da

cena.

É correto afirmar que a criança da pesquisa, em sua mais pura ingenuidade e

impensadamente, imita os sentimentos ou a arte do pintor ao retratar duas brincadeiras

em uma mesma cena. Em Benjamin (2009) “Não há dúvidas que brincar significa

sempre libertação. Rodeadas por um mundo de gigantes, as crianças criam pra si,

brincando, o pequeno mundo próprio”. (BENJAMIN, 2009 p. 85). Esse mundo próprio,

citado por Benjamin, é o mesmo mundo retratado pelas crianças da pesquisa, um mundo

que quando não se pode brincar na realidade, é projetado em forma de desenho. O

desenho da cambalhota e da peteca ao mesmo tempo, irradia o próprio mundo de seu

autor em seu contexto real.

A cambalhota ou outras atividades lúdicas com o uso do corpo, por exemplo,

plantar bananeiras, virar estrelinhas, saltar, virar-se no chão, são atividades primárias do

ser humano. A criança utiliza o corpo como sendo o seu primeiro brinquedo. Utilizar o

corpo é um fator histórico-social da vida da criança, nos momentos em que o brinquedo

objeto não está por perto, o corpo passa a ser fonte de exploração lúdica.

6.3 O estilingue

Sob a forma de estilingue, na figura 64, apresento esse brinquedo o qual muito me

surpreendeu:

Figura 64–Caçando passarinhos de estilingue

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121

Ambas as figuras, logo mais a baixo, confirmam a presença atemporal do

estilingue na realidade brincante das crianças de Colorado do Oeste. As telas de

Portinari apresentam o estilingue como sendo um objeto de uso do seu tempo de

menino. Em um de seus relatos no livro O menino de Brodowski, Portinari recorda uma

caçada que certamente, seu estilingue o acompanhou: “Meu tio prometeu uma caçada de

veado com a cachorrada e o cifre de buzinar”. (PORTINARI, 2001, p. 70). No início do

século XX, muitos municípios e vilarejos do estado de São Paulo, estavam sendo

abertos pelas mãos dos desbravadores humanos. Nessas épocas a caça era farta,

enquanto os pais caçavam animais grandes e médios portes para alimentar suas famílias,

os meninos caçavam de estilingues e armavam arapucas. Nessas épocas, havia grande

quantidade de passarinhos.

No projeto da paisagem no papel, um dos sujeitos da pesquisa, retratou a cena de

“caçando passarinho com estilingue”, essa tela é de grande relevância para mais uma

identificação do elemento atemporal no jogo, visto que nas figuras 65 e 66, das telas de

Portinari, os estilingues são nitidamente notados nas cenas lúdicas, como pode ser

observado.

Figura 65 - menino com estilingue

Portinari, 1958

Figura 66 - Caçador de passarinho

Portinari, 1958

Imagens do Portal Portinari

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122

No estado de Rondônia, anos anteriores, os lavradores após a colheita de arroz em

suas roças realizadas nos campos abertos, após as derrubada das florestas, deixavam

sempre sobras ou pés de arroz nas touceiras, então os passarinhos vinham em grandes

bandos para se alimentar, e atrás de algum arbusto sempre eram surpreendidos pelas

pedradas de estilingues. Semelhante a esse relato, no início da colonização de Rondônia,

seja em Colorado do Oeste, ou em outro lugar, no tempo das colheitas de arroz e milho,

era época que os meninos se fartavam com os inhambus e rolinhas.

A utilização inicial de objetos como o estilingue, arapuca, alçapão, bodoques e

gaiolas, pode ser atribuída aos costumes indígenas, que de acordo com Kishimoto

(2010), essas práticas de caçar passarinhos eram para depois domesticá-los e acrescenta,

como sendo parte da tradição da cultura brasileira: “a pratica de utilizar aves domésticas

como bonecos bem como o uso do bodoque e do alçapão para pegar passarinhos e

depois cria-los são tradições que permanecem na infância brasileira”. (KISHIMOTO,

2010 p. 63). Dessa maneira, pode-se concluir que a imagem do estilingue é algo

presente em nossa cultura, seja de natureza indígena ou não, diante da minha

compreensão, vejo nesse objeto o retrato do passado que mesmo com o avanço

tecnológico, e das grandes derrubadas de florestas, ainda perpetua nas escolhas lúdicas

dos sujeitos brincantes ou aventureiros.

6.4 O futebol

O encontro com o futebol no capo da pesquisa, pode ser referendado nos

argumentos de Roberto Da Mata (1982), sobre a quantidade farta de campinhos de

futebol existentes em nosso país: “Basta andar por aí pra ver os campos de futebol. Eles

fazem parte da paisagem urbana e rural deste país”. (MATA, 1982 p. 77). Ancorando-se

nesse nessa fala, percebe-se que o futebol é uma presença viva e real do contexto

brasileiro, nos mais diversos lugarejos com a mais variada faixa etária. O menino

Candinho brincou muito de futebol, como descrito no capítulo I, suas telas depois de

adulto, alarde no jogo a presença marcante dessa atividade lúdica para os meninos de

seu tempo. A criatividade no improviso da bola, do campinho e das traves, no futebol

do menino Candinho pode ser reconhecida no futebol dos meninos de hoje: "O jogo

começava as quatro horas. Dois tocos de pau, de um lado e de outro, eram as balizas. Se

a bola passasse pelos dois tocos, era gol. A bola era de meia. Quem fazia a melhor bola

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123

Desenho da pesquisa - junho/2015

era João Negrinho."(MÁRIO FILHO, 1966, p. 116). Parece algo fantasioso uma partida

de futebol em meio a tantos improvisos... Mas que na verdade é o futebol praticado por

meninos de outros tempos e do nosso, é comum essa característica lúdica e “arranjada”

no jogo de futebol, agora estampada nas imagens que seguem 67 e 68:

No desenho 67, o sujeito da pesquisa retratou uma brincadeira de grande

importância para ele ou a sua brincadeira preferida. Portinari retratou diversas vezes o

futebol de seu tempo de menino no largo de Brodowski.

Em Rondônia, os campinhos da zona rural para jogar futebol, estão

geralmente atrelados ao lado de uma igreja. Todos os domingos é necessário ir a igreja,

como também bater o futebolzinho na parte da tarde. Os amigos e vizinhos jogam um

com o outro, há os times dos adultos e das crianças. Realizam torneios de futebol nessas

comunidades, onde os times de várias regiões são convidados para a disputa. Muitas

vezes o premio do vencedor é uma caixa com cervejas. O futebol interiorano, é bem

lúdico, não há uma disputa acirrada onde se formam inimigos, mas o contento da

reunião, do encontro e da diversão.

Na região de Colorado do Oeste, há um futebol chamado “Barrão”, onde os

times devem jogar sobre a lama, sem em hipótese alguma jogar em gramado limpo e

seco. Esse campeonato acontece nos meses de novembro, dezembro ou janeiro,

geralmente a época mais chuvosa da região. Se por acaso, o jogo foi marcado e não

choveu, então, os jogadores dão um jeito de jogar muita água no campinho e a disputa

Figura 67 - O jogo de futebol ilustrado por

um sujeito da pesquisa

Figura 68 - Futebol, Portinari 1935

Portal Portinari

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inicia sobre camada de lama. Há até um desfile de garotas para ilustrar a abertura do

campeonato, onde a vencedora recebe o titulo de “Garota Barrão”.

O relato anterior fez-se necessário para que se possa observar o quanto o

futebol é difundido em nosso país e nas mais diversas maneiras. O jogo de futebol de

Portinari, ou seja, do menino Candinho, entre as ruas de sua cidade, no meio das casas,

num misto de alegria e satisfação em reunir-se pelo prazer de jogar futebol sob uma

forma lúdica, é como se ecoasse na voz de Château (1987) a explicação dessa natureza

tão fascinante contida em suas raízes: "Para compreender a natureza do jogo infantil, é

necessário, portanto, precisar essa atitude lúdica, tão misteriosa e tão cheia de encantos”

(CHÂTEAU, 1987, p. 21). Essa compreensão de brincadeira “cheia de encantos”

enviesa-se com a tela e com a realidade das crianças da pesquisa e do povo rondoniense.

Percebem-se nas imagens as características do futebol infantil praticado no cotidiano

dos meninos nos mais diversos lugares desse país, especialmente os meninos sujeitos da

pesquisa.

6.5 A casinha de boneca ou a casinha de brinquedos

Foram vários desenhos feitos pelas crianças representando a casa ou a casinha de

boneca ou a casinha de brinquedos. Logo de início, essa figura pode ser referendada por

Brougère (2004), pois os brinquedos representando o ambiente onde a criança vive são

projetos desde seus fabricantes, repletos de significados e de elementos tradicionais os

quais tornam-se componentes característicos do objeto, como visto na citação a baixo:

Basta percorrer as lojas de brinquedos para descobrirmos incontáveis

representações do habitat, na maioria das vezes da casa no sentido restrito,

dando a impressão que a imagem tradicional e individual da casa, a

construção com o telhado clássico domina totalmente. (BROUGÈRE, 2004,

P. 47).

Quando Brougère (2004), cita que são incontáveis as representações do habitat

das crianças em forma de brinquedos, é um fato real. Hoje a indústria de brinquedos,

não somente fabrica as casinhas em tamanhos generosos, como também, inventam uma

série de casas em miniaturas. Há bonecas que ao ser anunciada nas lojas, a casinha a

acompanha. Os fabricantes fabricam as casinhas de bonecas, mas também oferecem

muitos acessórios e utensílios para compor a mesma, seja em formato de móveis,

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125

objetos de cozinha, entre outros. O formato do telhado da casa, sempre em tons

vermelhos e geralmente todos iguais, Brougère (2004), os anuncia como sendo o

modelo de casa perfeita, na verdade essa imagem representa o lar: papai, mamãe e

filhos.

De acordo com as figuras 69 e 70, percebe-se o telhado em forma de pirâmide,

sendo que a imagem colorida vem representando o telhado vermelho dito por Brougère

(2004). Logo então, essas características podem ser constatadas nas figuras a baixo:

Outros desenhos da casa sem portas ou janelas, precedem a imagem sensível da

criança diante do mundo lúdico da casinha, um mundo fechado ou aberto, porém o seu

próprio mundo, agora representado na figura desse objeto:

Figura 69 – Desenho da

casinha 01

Figura 70 – Desenho da

casinha 02

Desenho da pesquisa

Junho/2015 Desenho da

pesquisa/Março/2015

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É notável nos desenhos dos sujeitos da pesquisa, a projeção das formas

semelhante nos telhados, o estilo de casinha tradicional prescrita por Brougère (2004),

os detalhes retraídos nas janelas e nas portas, denunciam a presença da infância.

Todos os sujeitos da pesquisa tiveram a liberdade para ilustrar o seu brinquedo

significativo, dentre os muitos brinquedos projetados sob a forma de desenhos, a

casinha de boneca ou de brinquedo, destacou-se diante das paisagens retratadas.

Figura 72 – Desenho da casinha 03 Figura 73 - Desenho da casinha 04

Figura 74 - Desenho da casinha 05 Figura 75 – Desenho da casinha

06

Março/2015 Junho/2015

Março/2015 Março/2015

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Contemplando os diálogos de Brougère (2004:48), no livro “Brinquedos e companhia”,

a casa transformada em brinquedos, “tende-se a se apoderar daquilo que a enraíza no

permanente, imemorial”. (BROUGÈRE, 2004 p.48). Essa projeção da imagem do

habitat natural e familiar da criança é visto pelo autor, como sendo “uma simples forma

que lembre o ambiente familiar” (Idem). Sob outro olhar diante da representação da

casa, Brougère (2004), cita que esta pode ser para a criança apenas uma imagem e nada

mais a transmitir.

As casinhas ilustradas pelas crianças participantes nessa pesquisa mostra uma

relação particular de cada uma delas com seus brinquedos ou com seu próprio mundo

real, projetando-se cada uma delas nos traços e nas cores da intimidade pessoal. A

imagem da casa, seja ela imaginária ou real, anuncia uma vivência ou apenas uma

imagem em si, como diz Brougère (2004). Quando observando os dizeres e as imagens

retratadas nas telas de Portinari sobre a casa, percebem-se os sentimentos do autor pelas

casas de sua cidade natal: “Tenho saudades de Brodósqui - pequenina 200 casas brancas

de um andar, no alto do morro espiando para todos os lugares...” (PORTINARI, 2001, p.

24). O saudosismo do pintor diante do lugar onde nasceu e passou sua tenra infância,

apresenta-se posteriormente sob a forma das tintas e do pincel ao retratar diversas telas

com imagens das casas de Brodowski, especialmente essas apresentadas aqui na figura

76 e 77:

Figura 76 - Casinha de Brodwski,

Portinari, 1926-1927

Figura77 - Casa de Brodowski,

Portinari, 1943

Portal Portinari Portal Portinari

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128

Pode-se dizer que as duas telas representando casas humanas nas pinturas de

Portinari, assemelham-se com as casas de Colorado do Oeste, Cerejeiras ou de outros

municípios no inicio de sua colonização no estado de Rondônia. A casa da tela 76

apresenta certa fragilidade, pelo fato de seu telhado representar uma cobertura com

palhas, no entanto emana um ar alegre pelas tintas coloridas. A segunda tela, projetada

na imagem 77, apresenta um ar tristonho, parece-me que as árvores estão secas, que

falta um verde, um colorido mais forte na paisagem, impressões apenas, ou

possivelmente o artista retrata uma estação do ano, com poucas folhagens nas árvores.

Com certas semelhanças entre as casas do interior de Rondônia com as casas das telas

de Portinari, como dito anteriormente, as casas construídas no início da colonização,

entre os anos setenta e oitenta, do século XX, essas eram feitas a partir de madeira

lascada com cunhas e marretas com a ajuda mútua entre os colonizadores. As lascas

maiores cercavam a casa e as menores chamadas de “tabuinhas” eram os telhados. As

sobras dos tocos, ou seja, os miolos redondos das toras eram levados para as casas e

rusticamente serviam de acentos. São muitos fatos interessantes a serem relatados em

similitudes entre as telas de Portinari e a vida lúdica ou histórica do povo de Colorado

do Oeste.

Ao reproduzir as telas com casas ou casinhas, provavelmente, Portinari, não

a projetou com a intenção de anunciá-las na roupagem do brinquedo. Essas figuras do

pintor representam sua infância, de certa forma, quando vistas pelos seus dizeres

nostálgicos, mas derramam o seu próprio mundo real, aquele mundo deixado para trás

através do tempo e do espaço o qual ressurge tempo depois, nas marcas da pintura.

6.6 A boneca

A imagem da boneca foi anunciada anteriormente nessa pesquisa diante das falas

das crianças participantes, agora descrevo esse brinquedo tão antigo, reconhecido na

projeção do desenho. Manson (2001), apresenta a imagem da boneca sendo evocada

como objeto de oferta sagrada aos templos, desde o século VII a.C. em sua declaração

sobre esse objeto, o autor o descreve como como uma figura da representação humana:

“(...) provida de membros articulados para melhor imitar a vida, permitindo

desempenhar todos os papéis e praticar todos os deslizes simbólicos e imaginários”

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(MANSON, 2001, p.22). A boneca anuncia a presença da pessoa humana, desde a

boneca bebê a qual “expressa uma imagem atraente e sedutora da infância, como ideal

que ultrapassa a criança real.” (BROUGÉRE, 2010, p. 38). Na imagem 78, a boneca

vem apresentada por um desenho de um sujeito no campo da pesquisa, como sendo seu

brinquedo principal. Na figura 79, denominada “cabeça de boneca”, Portinari retrata o

brinquedo com feições adultas. De acordo com as imagens que seguem, apresento a

figura da boneca:

A boneca transporta em sua imagem, a representação de uma realidade,

inexistente, esse fato se dá nas imagens da Barbie e da boneca Suzie, as quais foram

criadas como padrões de beleza pré-definidos. Uma menina ao tomar posse de uma

boneca Barbie, não há muito para criar com a figura da boneca em si, ela traz as

vestimentas, o estilo de cabelo e maquiagem definidos, não é uma boneca para vestir,

inventar penteados, “fazer-se de pessoa”. É certo que a criança em seu mundo

imaginário e criador, reinventa e recria o mundo da Barbie e de outras bonecas dessa

natureza, mas o que vemos na realidade essa boneca como um comércio lucrativo para a

indústria do brinquedo atual ou conforme (Brougère, 2010), “um espelho deformante”.

A boneca é um objeto lúdico no momento e na cultura em que passa a ser

utilizada para esse fim, em Kishimoto (2010) vemos que há tribos indígenas ou lugares

diferentes ao nosso, onde a cultura da boneca é vista como símbolo para evocar

Figura79 - Cabeça de boneca

Portinari, 1959

Figura 78 – Imagem de boneca

Junho/2015 Portal Portinari

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divindades. Conforme Brougère (2010), a boneca veio se transformando do artesanal

para a boneca industrializada, conforme o ritmo da produção industrializada. Mesmo

com todas as mudanças, a boneca não é capaz de aceitar as transformações genéricas

propostas pela indústria, ou seja, “ela não seria mais do que um reflexo eterno e nunca

reflexo de um sistema de produção e de concepção racional” (BROUGÈRE, 2010 p.

29).

Diante do desenho da boneca, o que pretendo demostrar, sendo a mesma um como

um brinquedo atemporal, presente nos mais diversos lugares e culturas. A figura do

soldadinho de chumbo, citada por Benjamin (2009), anuncia esse brinquedo no museu

germânico a partir do século XVIII. Prosseguindo em outros discursos, o mesmo autor

cita o brinquedo russo como o mais rico e variado de todo os lugares. A fisionomia das

bonecas vista na “robusta expressão das bonecas camponesas” ( BENJAMIN, 2009, p.

130) nas prateleiras do museu Russo ou a boneca de palha, medindo cerca de quinze

centímetros de altura que é confeccionada no verão durante a colheita no campo e

depois guardada, que aos olhos do autor, provavelmente evoca um arcaico fetiche da

colheita, (idem), ou seja, a imagem da boneca destinada para outros fins.

No início da colonização dos municípios de Colorado do Oeste e Cerejeiras, era

comum, na época das plantações de milho, as meninas utilizarem as bonecas verdes do

milharal, ou seja, as espigas para transformá-las em bonecas. A beleza das espigas era

notável de longe. As terras muito férteis produziam lindas espigas, então as meninas

escolhiam com frequência suas bonecas. A palha que envolvia a espiga, ainda verde,

terminava fina e delicada para cima, onde os cabelos de cores fortes em vários tons

caíam sobre a espiga. As meninas escolhiam suas bonecas pela cor e tamanho dos

cabelos . Havia bonecas de cabelos vermelhos, brancos, rosas, amarelados. Após serem

transformadas em bonecas, as espigas duravam cerca de dois ou três dias, então as

meninas despiam as espigas e as descartavam.

A boneca é um objeto cobiçado por todas as meninas, desde os seus primeiros

entendimentos com o mundo do faz de conta. Nos lugares onde os recursos financeiros

são restritos, as meninas recriam a boneca através de materiais diversificados, por

exemplo, a Emília de Monteiro Lobato se tornou uma boneca famosa a partir dos

retalhos de costura e o Visconde de Sabugosa, um boneco feito a partir da espiga de

milho, semelhante as bonecas de Rondônia. Boneca e bonecos, semelhantes à Emília e

ao Visconde, são os exemplos vivenciados por Monteiro Lobato na sua infância (anos

de 1890 aproximadamente), mas que hoje ainda se projetam em nossa realidade sejam

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eles inventados ou industrializados, esse objeto lúdico está presente na vida das crianças

contemporâneas, não temos dúvida, visto pelos depoimentos e imagens no campo de

pesquisa.

7 Das fotografias no campo de pesquisa

Como dito anteriormente, a escola realiza o recreio organizado, onde a direção

escolar e equipe de apoio, zeladores e equipe do programa Mais Educação, coordenam

atividades variadas. O espaço físico onde acontecem as brincadeiras é pouco amplo. As

brincadeiras identificadas nos registros fotográficos durante o tempo de recreio foram:

brincadeiras com bola, estilo basquete e outra de chutes para fazer gol em um pneu

amarrado, pular corda, balanços, gangorras, escorregador, pega-pega, cabo de guerra,

pular na cama elástica, brincadeiras com bonecas e carrinhos. Outro espaço que a escola

criou para a ludicidade no momento em que os alunos estão no recreio, é a sala de

jogos. Nesse espaço os alunos brincam de pingue-pongue, trilha e dama, futebol de

mesa entre outros jogos dessa natureza.

7.1 O balanço

Conforme a figura 80, fotografada no campo de pesquisa, os meninos curtem o

balanço com animação todos os dias no momento do recreio. Na tela 81, “meninos no

balanço”, Portinari retrata essa brincadeira de seu tempo a qual pode ser comparada com

a vivência lúdica dos meninos contemporâneos:

Figura 80 – Meninos no balanço, Figura 81 –Portinari - Meninos no

balanço, 1960

Sujeitos da pesquisa - Junho/2015 Acervo Digital do Portal Portinari

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132

Pode-se observar que os sujeitos da pesquisa, brincam com brinquedos e

brincadeiras iguais ou semelhantes aos da infância de Portinari, estes identificados no

cotidiano escolar no momento do recreio. Não posso deixar de relatar que mesmo o

recreio sendo coordenado com uma equipe bem preparada para bater cordas, para

organizar o parquinho e cuidar do pupa-pula, as crianças fogem ou escapam desse

recreio organizado saem correndo para brincar de pega-pega, de barata, esconde-

esconde, pulam carniça, plantam bananeiras e viram cambalhotas, além de brincadeiras

de lutas e de carregar o outro nas costas.

A tela de Portinari “meninos no balanço, 1960” é a testemunha de um brinquedo

tradicional projetado na imagem. A fotografia no campo de pesquisa anunciando que

essa brincadeira faz parte do contexto e da vida cotidiana dos meninos e das meninas de

Colorado do Oeste é a própria declaração ou reconhecimento de mais uma atividade

brincante na atemporalidade.

Se hoje tivesse um registro fotográfico em algum lugar guardado, que não fosse

minhas memórias, poderia aparelhar um trio com imagens anteriores de meninos nos

balanços. Visto que na infância dos meninos rondonienses, entre os anos 80 e 90, as

florestas cercavam as residências das famílias numerosas. O banho acontecia nas

margens de um rio e geralmente sobre esse rio, os galhos de frondosas árvores naturais

se espalhavam majestosamente. Quase sempre havia um cipó que descia pelos galhos

dessas árvores e as crianças, dependuravam-se e balançavam-se de um lado e de outro

para depois se jogar na água. Eis um balanço natural e diferente. Prova que toda criança,

procura sempre ao seu redor estratégias lúdicas para criar suas brincadeiras.

7.2 A gangorra

Apresentando a gangorra, como um brinquedo atemporal vista no campo da

pesquisa, Portinari em “Menino de Brodowski”, relembra de vários brinquedos dessa

natureza, como pode ser notado na citação:

Veio com o vigário o padre Josué, muito bom e amigo da criançada;

organizou uma escola eficiente em local apropriado; em seguida transformou

a praça em campo de esporte com gangorra, balanço, barra, argola e um jogo

que gostávamos muito. Chamava-se esse jogo beti. Depois ele montou um

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cinema; para poder frequentá-lo era preciso ter pontos que se ganhavam

conforme a lição do catecismo. (PORTINARI, 2001, p. 38).

Na recordação de Portinari, vista na citação anterior, vários brinquedos como o

balanço, a barra, a gangorra e até mesmo o jogo de beti, aparece nas lembranças do

artista. Portinari não somente retratou na pintura essas brincadeiras, mas também deixou

suas memórias em legados escritos. Não há como negar que Portinari sentia muitas

saudades de seu tempo de menino, de seus brinquedos e de suas brincadeiras.

A gangorra fotografada no campo de pesquisa encontra-se perto do balanço, do

escorregador, semelhante aos brinquedos citados pelo pintor. Essa gangorra vista no

campo de pesquisa, evoca as gangorras nas telas do artista: um brinquedo de outrora

presente na cultura lúdica das crianças contemporâneas.

Nas figuras logo a seguir, a gangorra aparece na imagem 82 fotografada no campo

de pesquisa, demonstrando que as crianças contemporâneas brincam e se divertem em

gangorras. Na tela “meninos na gangorra, 1944”, a imagem caminha junto com a citação

anterior, quando o pintor recorda a gangorra perto da igreja. Assim, ao observar as duas

imagens notam-se a semelhança entre essas das brincadeiras:

Além da gangorra durante as visitas a campo, foram se revelando outros

brinquedos e brincadeiras praticadas no momento do recreio. Identifiquei brincadeiras

com bonecas e bonecos, arco e flecha, boliche, brincadeiras na cama elástica ou pula-

Figura 82 –– Crianças na gangorra

Figura83 –– Meninos na Gangorra,

Portinari, 1944

Sujeitos da pesquisa Junho/2015 Acervo digital Portal Portinari

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pula. Há diversos brinquedos que a escola confecciona a partir da reutilização de

materiais recicláveis, sendo eles: boneco com tampinhas de garrafa pet29, traves para

futebol de salão a partir de garrafas de iogurte, boliche de garrafas pet, jogo passa-bola

confeccionado com rolos de papel toalha e bolinha de desodorante rolon e jogo da

argolinha, este construído com garrafas pequenas de água mineral coladas em uma placa

de isopor. Todos esses brinquedos vistos no campo de pesquisa são as testemunhas de

uma realidade brincante.

7.3 Cambalhotas

As cambalhotas são atividades lúdicas corporais realizadas com grande frequência

por crianças em qualquer lugar do mundo. Nas imagens 84 e 85, as cambalhotas

demonstram as semelhanças do uso do corpo nessa atividade lúdica, tanto na fotografia

no campo de pesquisa, quanto na tela do artista:

Nas atividades dessa natureza, a exemplo das cambalhotas, as crianças buscam no

corpo a vivência dos movimentos corporais naturais presentes nas cambalhotas, nos

saltos, em plantar bananeiras, dar piruetas, enfim, pode-se dizer que são atividades

29

Poli tereftalato de etileno.

Figura 84 –– Menino virando

cambalhotas

Sujeitos da pesquisa- Junho/2015 Acervo Digital Portal Portinari

Figura85 – Cambalhota

Portinari, 1959

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lúdicas muito presentes na vida de uma criança no começo da primeira infância. Nota-se

o reconhecimento do Portinari menino, ou do menino Candinho na imagem fotografada

no campo de pesquisa, algo surpreendente, a brincadeira de cambalhota, livre e

espontânea, realizada por um dos sujeitos da pesquisa no momento do recreio. O corpo

é o principal instrumento condutor dessa atividade. Nos esportes de judô, karetê entre

outras modalidades dessa natureza, é necessário que o atleta consiga movimentar-se de

maneiras diversas, com rapidez e destreza para ter o sucesso merecido nessas

modalidades esportivas. Nas brincadeiras de cambalhotas e de saltos, as crianças

buscam o equilíbrio, a rapidez, visando o sucesso na brincadeira.

7.4 Pular carniça

O registro fotográfico dessa brincadeira acompanha a tela “Cambalhota, 1969”,

retratada pelos pincéis do artista. O tempo presente e o tempo passado se reconhecem e

se reencontram novamente em mais uma brincadeira, a qual pode ser constatada nas

imagens a baixo:

A brincadeira “pular carniça” foi percebida em um momento do recreio no campo

da pesquisa. Os meninos que executavam os movimentos dessa brincadeira, não

Figura 86 –– Meninos pulando

carniça

Figura 87 – Pulando carniça,

Portinari, 1959

Sujeitos da pesquisa- Junho/2015 Acervo Digital Portal Portinari

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souberam responder o nome da mesma. Quando perguntei sobre o que eles brincavam,

responderam que estavam pulando sobre o colega. Os traços vistos nos movimentos

realizados pelos sujeitos e suas manobras corporais, estampam a clareza do “pular

carniça” do menino Candinho.

Possivelmente, esses meninos realizaram a brincadeira de pular carniça sem o

conhecimento da mesma, algo que mais parece natural entre o meio lúdico do grupo. A

novidade apresentada nessa atividade se revela pela repetição de algo não identificado

pelos meninos brincantes, mas que ao ser comparado com a tela de Portinari, se

autodeclara como sendo uma brincadeira atemporal:

As brincadeiras de pular carniça foram diversas vezes retratadas pelo artista e em

suas recordações narradas na escrita, Portinari evoca brinquedos e brincadeiras de seu

tempo de menino, inclusive esta analisada agora: “(...) Para a noite: pique, barra-

manteiga, pulando carniça, etc.” (PORTINARI, 2001, p. 42). Pular carniça, narrada pelo

pintor, era uma brincadeira noturna, característica interiorana daquela época, onde as

famílias vizinhas se reuniam todos os dias ao cair da noite: os adultos contavam causos

e as crianças realizavam as mais variadas brincadeiras.

No livro “Memórias e brincadeiras na cidade de São Paulo nas primeiras décadas

do século XX”, (1989), as autoras, demonstram à realidade dos brinquedos, das

brincadeiras e da convivência naquela época, exatamente, as similaridades com as telas

e a vida e do menino Candinho. Essa obra escrita permeia na época infantil de Candido

Portinari. Percebe-se no espaço temporal e na realização das atividades lúdicas esse

encontro, conforme a citação:

A cidade tinha também os campos de várzeas onde se jogava futebol, e a rua era, por

excelência, o local de brincadeiras das crianças: esconde-esconde, acusado, pula-

sela, jogo de bola na mão, bolinhas de gude, futebol, varinha tangendo rodas, pipas,

brincadeiras de roda, bonecas... As crianças se organizavam em turmas, trocinhas ou

clubes de acordo com seu bairro, realizando competições e desafios entre os

diferentes grupos. (SILVA et al. 1989, p. 60).

Conforme a citação anterior e nesse mesmo livro, as brincadeiras no início do

século XX, nas cidades e vilarejos, aconteciam mediante a citação anterior, era comum

os grupos se juntarem para praticar as mais diversificadas atividades lúdicas. O jogo

“pula-sela” citado, certamente pode ser o mesmo pular carniça ou com as caraterísticas

similares. Uma época onde a televisão não havia penetrado nas casas e a violência ainda

não era palco de medos nas cidades, como São Paulo, por exemplo, assim, a rua era o

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local ideal para a reunião dos moradores e das crianças. Ainda hoje, nas cidades

interioranas, as crianças utilizam as ruas para brincar. A cidade de Colorado do Oeste,

em alguns bairros afastados do centro, conserva essas características de reunião dos

moradores nos fins de tarde e das brincadeiras na rua.

Dos brinquedos e das brincadeiras nas telas de Portinari reconhecidos diante da

pesquisa, estes vistos no contexto da sala de aula, nos momentos do recreio e através

dos desenhos e das fotografias, e por fim, apresentados na última etapa desse trabalho,

foram aqueles os quais denotam as semelhanças ou igualdades diante do passado no

espaço atemporal. O que não significa que outros brinquedos vistos no ambiente de

pesquisa e não apresentados aqui, não tenham similaridades a vida lúdica do menino

Candinho. Desde o início dessa pesquisa, pretendia-se identificar o elemento atemporal

no jogo ancorados na vida infantil do menino Candinho e depois estampados em suas

telas, para assim, anunciar que os brinquedos, as brincadeiras e os jogos, sofrem

modificações conforme a cultura e o espaço, no entanto, transcende-se a roupagem ou o

mesmo discurso lúdico, em qualquer tempo ou lugar...

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138

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Portinari, Papa vento, 1956

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139

No germinar dessa pesquisa, a primeira intenção foi a de reconhecer a presença

dos brinquedos e das brincadeiras retratados pelo artista Candido Portinari na cultura

lúdica das crianças de Colorado do Oeste, Rondônia. Conforme pesquisa foi ganhando

campo, surgiu uma inquietação diante do conceito de atemporalidade do jogo o qual se

deu mediante a reflexão entre pesquisadora e orientador.

A nossa busca, pesquisadora e pesquisador, como principal objetivo diante

dessa pesquisa, pautavam-se no reconhecimento deixado pelas rubricas da ludicidade de

outro tempo e de outro lugar, presentes na atualidade. Essa marca lúdica, não é uma

marca vinda por uma ocasionalidade, mas sim, em reconhecer a atemporalidade nos

brinquedos e nas brincadeiras retratadas pelo pintor Candido Portinari, onde inúmeras

vezes por meio de seus pincéis, retratou a sua infância brincante no início do século XX.

Suas telas demonstram as imagens e cenas das mais variadas situações lúdicas. Que

sendo assim, ao longo da pesquisa, procuramos responder se essa ludicidade

apresentada pelo pintor encontrava-se presente na contemporaneidade das crianças de

Colorado do Oeste, Rondônia.

Todos os instrumentais advindos da etnografia vestidos na roupagem das

imagens vistas, nos registros anotados no diário de campo, nas conversas realizadas

entre sujeitos e pesquisadora, nos momentos registrados no papel ou captados pelas

lentes da fotografia, revelaram respostas aspiradas ao longo desse trabalho. Ao passo

que a pesquisa foi se evoluindo, que os registros foram sendo organizados, percebeu-se

uma presença real e viva do reconhecimento nos brinquedos, brincadeiras e jogos

retratados pelo artista Portinari, presentes na contemporaneidade infantil. Outras

brincadeiras surgiram, outras foram reinventadas e tantas outras estão sendo

reproduzidas na similaridade dos gestos e movimentos, de brinquedos e de situações

brincantes.

Modelando-se na reflexão do pesquisador Cleomar Gomes (2001), os

brinquedos e as brincadeiras apresentam uma atemporalidade nas marcas deixadas pelas

crianças de qualquer tempo ou lugar ao brincar com as pedras, com o barro, um contato

natural do ser brincante com os elementos da natureza e também da cultura,

principalmente com os restos deixados dos objetos do mundo do adulto que se tornam

obsoletos. As crianças da pesquisa, não citaram o barro, as pedrinhas ou areia como

atividades lúdicas. No entanto, constroem cabanas para brincarem, apresentando essa

característica natural referendada por Gomes. As alegações de Château (1989) vão ao

encontro com as crianças da pesquisa nas situações do faz de conta, sob o plano da mais

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pura realidade: “quer puxar um carrinho e fazer-se de cavalo”, os sujeitos da pesquisa,

brincam de bonecas, brincam de casinha com seus irmãos, realizando a fantasia

proposta em Château (1989) e cultivam a simplicidade brincante do meio natural

delineada por Cleomar Gomes (2001).

Conceituando os brinquedos vistos no campo da pesquisa, reafirmo que em sua

maioria são brinquedos que transportam a carga da atemporalidade em suas estruturas e

artefatos. Brinquedos como a gangorra, o balanço, a bola e as bonecas, são brinquedos

tradicionais (KISHIMOTO, 2010). Esses brinquedos também são aqueles muitas vezes

ilustrados nas telas de Portinari. A bola improvisada vista no campo de pesquisa é a

mesma bola a qual fez parte do futebol do menino Candinho (MÁRIO FILHO, 1966) na

cidadezinha de Brodowski no início do século XX. O balanço e a gangorra estão

estampados em diversas pinturas do artista e hoje continuam a cercar a infância

contemporânea dos meninos e das meninas de lugares distintos, como é o caso de

Colorado do Oeste, Rondônia. Embora nem todos os brinquedos identificados no campo

de pesquisa, estejam estampados nas telas de Portinari, percebe-se a capacidade de

reinventar e/ou inventar do ser humano diante do mundo da ludicidade a qual perpetua

nos gestos de novos discursos brincantes.

As brincadeiras reconhecidas no campo da pesquisa, aquelas atividades

derivadas com o uso de brinquedos comparados ou confeccionados, sejam eles de

ordem material, do próprio corpo ou do imaginário, nota-se nesse meio, a presença de

corpos que imitam cavalos, que giram sob a forma de cambalhotas e plantam uma

bananeira ou pulam carniça. As brincadeiras advindas dos tempos mais remotos/antigos

da humanidade ou brincadeiras de certas semelhanças com os gestos de animais

reafirmam que as crianças imitam os animais ou vice e versa: “Os animais brincam

como os homens” (HUIZINGA, 1938, p. 10). Ambos são levados pela força do instinto,

esse instinto o qual perpetua na arte lúdica dos meninos pulando carniça de Portinari ou

nos meninos plantando bananeira. A verdade é que Candinho utilizou o próprio corpo

para a realização de tantas façanhas brincantes as quais continuam marcando a vida dos

meninos de nosso contexto atual.

Nas observações com os sujeitos da pesquisa dentro do espaço de sala de aula,

as crianças evidenciam a sua maior ocupação: o brincar, Château (1989). A cada

finalização de uma atividade proposta pela professora, alguém do grupo, de forma

natural, iniciava uma atividade lúdica, fosse com os materiais disponíveis sobre a mesa,

fosse interagindo com outro membro da equipe. Ao esvaziar-se do contexto sério

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imposto, pelos adultos, a criança grifa no seu comportamento, o caráter “não sério” do

jogo anunciado por Huizinga (1938), ou ainda, revelam seus anseios, extravasando suas

angústias e cansaços, por meio do jogo inventado repentinamente na sala de aula. Essas

atitudes brincantes dos sujeitos no contexto da sala de aula repercutem nessas “fugas

lúdicas” (KISHIMOTO, 1996, p. 55), acentuando que a criança precisa de tempo e de

espaço para trabalhar o real e a fantasia. Assim, reconheço que, quando o espaço da sala

de aula não é suficiente para que a criança realize suas fantasias ou seus jogos

imaginários, elas próprias demarcam seus espaços lúdicos e inventam seus objetivos

brincantes, independente do local em que se encontram.

Dos registros fotografados, as cenas as quais se deparam nitidamente com as

telas de Portinari, são aquelas em que os meninos pulam carniça, balançam nas

gangorras e balanços da escola e viram cambalhotas livremente. Quando Brougère

(2010) atribui o sentido da brincadeira como algo de livre escolha da criança, percebe-se

que mesmo quando o recreio é coordenado e organizado pelos adultos, a criança deixa

de pular corda ou jogar amarelinha, (atividades coordenadas), para virar cambalhotas,

para pular carniça, sob livre escolha. As crianças incorporam o sentido de liberdade da

brincadeira inscrito por Brougère (2010), assinando essa liberdade do jogo apontada por

Caillois (1990), diante da definição do jogo como sendo uma “situação de diversão

atraente e alegre.” (CAILLOIS, 1990, p. 29). Nitidamente elas demonstram que a

verdadeira brincadeira são aquelas longe dos olhos de alguém que as manipulem ou as

coordenem. Assim, identifica-se o sentido de liberdade que a brincadeira transporta no

ambiente da pesquisa, sendo uma de suas características principais quando se trata desse

assunto, conforme visto em Brougère (2010), a livre escolha ou a liberdade dos sujeitos

brincantes nas tomadas de decisões e conduções de suas ações lúdicas, é primeiro passo

para o nascimento da brincadeira.

Nos registros em forma de desenhos, as crianças apresentaram seus balanços,

suas pipas, bonecas, casinhas, confirmando outros encontros com as telas de Portinari.

O pintor retratou a casa, a boneca e diversas vezes o balanço e a pipa. A brincadeira

com pipas vem anunciada por Kishimoto (2010), como um brinquedo secular, de

origem oriental, com os mais variados nomes. O menino Candinho brincou de pipas ou

papagaio, ele mesmo dizia que os confeccionava, quando Mário Filho (1966), relata que

seus papagaios eram os mais alegres e coloridos. Hoje, percebe-se que os meninos

continuam a fazer suas pipas e a lançá-las ao vento, como se fossem “os Candinhos” da

atualidade. O vento que balança sobre as rabiolas, que levam as pipas perto das nuvens,

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142

já não é o mesmo vento dos tempos de Candinho, no entanto, a brincadeira permanece

seguindo seu percurso seja ele novo ou reinventado na cultura lúdica da

contemporaneidade das crianças.

A boneca retratada diversas vezes nas telas de Portinari é considerada o

espelho da humanidade (BROUGÈRE, 2010), um espelho do sistema de produção ou de

concepção, no entanto a boneca é um objeto tradicional da sociedade, visto que seu

anúncio se faz desde o Século VII a. C. como símbolo de ofertas em templos para os

deuses (MANSON, 2001). Seja ela em alguns lugares considerada como um objeto

destinado para outros fins, mas em sua maior propagação, a ludicidade permanece como

fator preponderante na sua manifestação, visto que no início da colonização de

Colorado do Oeste, as espigas de milho verde se transformavam em bonecas nas

brincadeiras das meninas. As meninas nas telas de Candido Portinari, segurando suas

bonecas, apresentam em suas fisionomias, o apreço pelo brinquedo em seus braços. A

boneca pode ser considerada como uma figura de maior aceitação entre as meninas de

nossos tempos e provavelmente de outros tempos, visto que o contato com esse

brinquedo transfere no faz de conta os papéis da menina ao representar o mundo de suas

próprias mães (CHÂTEAU, 1989). Em outros tempos distantes da atualidade, Walter

Benjamin (2009), apresenta a boneca de palha como símbolo da colheita e hoje quando

as crianças da pesquisa desenham suas bonecas como parte principal de seus afazeres

brincantes, é reconhecida mais uma vez, a atemporalidade propagada nessa imagem.

Outra figura instigante, reconhecida no campo da pesquisa, foi à casinha de

boneca ou a casinha de brinquedos, esta surgiu em muitas imagens advindas dos

desenhos das crianças. A figura da casa se projeta no íntimo da criança, ou no seu

inconsciente, é a imagem do lar representado (BROUGÈRE, 2001), onde a casa se torna

brinquedo. Os sujeitos da pesquisa sejam eles meninos e meninas, demonstraram em

suas projeções iconográficas, a casinha como sendo objeto de apreço, um local

encantado ou até mesmo, como sendo um dos lugares principais para a realização das

fantasias. Portinari, em seus retratos e em suas recordações saudosistas por Brodowski

(Menino de Brodowski, 2001), enfatiza a figura da casa no sentido de uma

demonstração por sua infância feliz, por uma época em que seus pais e irmãos faziam

parte do mesmo teto, do mesmo lar. As casas das crianças no campo de pesquisa

projetam essa figura de estabilidade, de família escondida nas entrelinhas das casinhas

de Portinari ou ainda, esses desenhos emanam a figura do brinquedo projetado no lar

almejado ou vivenciado conforme dito por Brougère (2010).

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Houve momentos, no campo da pesquisa, que em nenhuma das hipóteses,

imaginei reconhecer alguns objetos da ludicidade masculina, tais como a arapuca e o

estilingue, sendo que esses objetos foram de fato identificados dentro da pesquisa,

através de registros iconográficos dos meninos. Objetos dessa natureza fazem parte do

contexto infantil desde a antiguidade. Conforme visto em Kishimoto (2010), o uso de

gaiolas, alçapão, bodoques, estilingues e arapucas, estão presentes desde a colonização

do nosso país, onde os meninos europeus e africanos adquiriram práticas de caçar

passarinhos e animais para a domesticação, a partir do contato com os nativos. Portinari,

em diversos contextos da arte, projetou meninos com estilingues, arapucas e animais. A

conclusão diante desses objetos lúdicos foi o reconhecimento atemporal desses objetos

na contemporaneidade.

Não se pode anunciar que essa pesquisa conclui ou se encerra a partir das

considerações finais, visto que ao longo desses meses, as perguntas diante dos

brinquedos e das brincadeiras retratadas pelo pintor Candido Portinari, retratos de sua

própria infância do início século XX, seriam reconhecidas na contemporaneidade por

crianças de outros tempos e de outros lugares e que de fato, foram reencontradas na

atualidade. A característica atemporal do brinquedo e da brincadeira que desde o início

da pesquisa, o professor Cleomar, chamou a atenção no que poderia revelar como

objetos e atividades atemporais, certamente, esta hipótese, advinda do meu estimado

orientador, pode se dizer concretizada, pois juntos, vimos diante da fundamentação

teórica em Huizinga, Manson, Brougère, Kishimoto e tantos outros autores, registros

dessa atemporalidade, na vida brincante dos meninos e das meninas de Colorado do

Oeste, Rondônia. Segue a ambição futura de uma catalogação lúdica do estado de

Rondônia, este que por sinal é composto em sua colonização pelas riquezas folclóricas

de todos os cantos do país. Essa atemporalidade dos brinquedos e das brincadeiras se

arrasta, provavelmente, por todo esse estado, cabendo uma importante e significativa

pesquisa diante do fenômeno da ludicidade, ancorada em seus brinquedos e

brincadeiras, trazidos e reinventados no berço das riquezas naturais do Brasil.

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abril de 2014.

REMÉDIO caseiro assa-peixe propriedades. Disponível em:<http://www.remedio-

caseiro.com/assa-peixe-propriedades/>acesso em: 05 abr. 2015.

REVISTA Portuguesa de Educação, 2003, 16 (2), pp. 221-236, CIEd – Universidade

do Minho.

SILVA, M. Alice Setúbal S.; GARCIA, M. Alice Lima; FERRARI, Sônia C. Miguel.

Memórias e brincadeiras na cidade de São Paulo nas primeiras décadas do século

XX. São Paulo: Cortez/CENPEC, 1989.

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ANEXOS

Portinari, Retrato de Arthur Bernardes Alves de Souza Filho, 1960

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO

INSTITUTO DE EDUCAÇÃO

PROGRAMA DE PÓS -GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO

Roteiro de entrevista com as crianças

Identificação da Criança Nome: _________________________________________________________

Idade:___________anos

Roteiro de perguntas

1 - Qual o lugar que você mais brinca?

2 - Qual a sua brincadeira preferida? E por quê?

3 - Qual o brinquedo que você mais gosta?

4 - Cite outros brinquedos ou brincadeiras que você costuma brincar.

Colorado do Oeste________de ________________2015

Pesquisadora: Érica Jaqueline Pizapio Teixeira

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO INSTITUTO DE EDUCAÇÃO

PROGRAMA DE PÓS -GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO

Roteiro de pesquisa da criança diante dos brinquedos de Portinari

Identificação

Nome: _________________________________________________________ Idade:___________anos

Pinte o quadradinho com o brinquedo e a brincadeira das telas de Portinari que você:

BRINCA OU JÁ BRINCOU...

CONHECE, JÁ VIU, MAS NUNCA

BRINCOU...

NÃO CONHECE.

NUNCA VIU

PETECA

PIÃO

FUTEBOL

DIABOLÔ

PULAR CARNIÇA

PLANTAR BANANEIRA

BOLITA, BIROSCA, BOLINHA DE GUDE

BRINCAR DE RODA

BRINCAR COM ANIMAIS

ARAPUCA

ESTILINGUE

BONECA

GANGORRA

CAMBALHOTA

BALANÇO

CATA VENTO

CAVALINHO DE PAU

BONECOS

SOLTAR PIPA

Colorado do Oeste________de ________________2015

Pesquisadora: Érica Jaqueline Pizapio Teixeira

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO INSTITUTO DE EDUCAÇÃO

PROGRAMA DE PÓS -GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO

Roteiro de entrevista com as crianças

Identificação da Criança Nome: _________________________________________________________ Idade:___________anos

Página para desenho

Desenhe os brinquedos e as brincadeiras que você costuma brincar.

Colorado do Oeste________de ________________2015

Pesquisadora: Érica Jaqueline Pizapio Teixeira

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