brian w. aldiss - pobre pequeno guerreiro

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  • 7/31/2019 Brian w. Aldiss - Pobre Pequeno Guerreiro

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    Claude Ford sabia exatamente como era caar um brontos-sauro. Voc enganha negligentemente pela lama em meio aos sal-gueiros, atravs das ores primivas com ptalas verdes e marrons,como um campo de futebol, atravs da lama de produtos de beleza.Voc examina a criatura escarrapachada entre juncos, seu corpoto gracioso quanto um saco cheio de areia. Fica ali, deixando agravidade embalar sua soneca em meio ao pntano, escorregando

    as narinas do tamanho de tocas de coelhos a meio metro da grama,numa varrida em semi-crculo, uma procura barulhenta por juncosmais rolios. Era bonito: aqui o horror havia angido seus limites,dado a volta completa e nalmente desaparecido em seu prprioesncter. Seus olhos brilhavam com a falta de vida de um dedo dop de um defunto de uma semana, e sua respirao composta e osplos em suas grosseiras cavidades auriculares eram especialmente

    recomendados a qualquer um que, de outro modo, se senria incli-nado a achar adorvel o trabalho da Me Natureza.

    Mas voc, pequeno mamfero com polegar oponvel e um im-piedoso rie super-poderoso, calibre .65, auto-carregvel, semi-au-tomco, de dois canos, mira digital e viso telescpica, agarrado

    Pobre Pequeno Guerreiro

    Brian W. Aldiss

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    em suas patas, que de outro modo seriam indefesas, desliza sob osangos salgueiros, onde o que lhe atrai primordialmente o im-pressionante couro do lagarto. Ele libera um cheiro profundamenteressonante como uma nota baixa de um piano. Faz a epiderme de

    um elefante parecer um lenol de papel higinico enrugado. Ele cinza como os mares vikings, to profundo quanto as fundaes deuma catedral. Que possvel contato profundo poderia diminuir a fe-bre dessa carne? Em sua corrida - podem v-la daqui! - os peque-nos piolhos marrons que vivem em meio a paredes cinzas e des-ladeiros, alegres como fantasmas, cruis como caranguejos. Se umdeles pular sobre voc, muito provavelmente lhe quebra as costas.

    E quando um desses parasitas para para levantar uma perna contrauma das vrtebras do bronto, voc pode v-lo carregar para dentrosua prpria colheita de boas-vidas, cada um to grande quanto umalagosta, porque voc est to perto agora, oh, to perto que podeouvir o primivo rgo do corao da criatura batendo, enquanto oventrculo mantm-se miraculosamente em ritmo com o trio.

    O tempo para ouvir o orculo j passou: est alm do estgio

    dos pressgios, est seguindo agora para a morte, sua ou dele; su-perso j teve seu espao por hoje, de agora em diante apenasesse seu temperamento tempestuoso, essa trmula aglomeraode msculos emaranhados sem vesgio sob uma carapaa de pelebrilhante de suor, essa pequena necessidade imperiosa de matar odrago, vai responder a todas suas preces.

    Voc poderia arar agora. Espere apenas at que a pequena

    cabea de escavadeira pare mais uma vez para engolir outro carre-gamento de juncos, e com um inexpressivo e vulgar bang voc podemostrar a todos, no indiferente mundo jurssico, que esto olhan-do para a evoluo deniva de uma 6 ros. Voc sabe por queparou; a velha conscincia de verme, longa como um lanamentode beisebol, de vida to longa quanto a de uma tartaruga, est tra-balhando; escorrega por todos os sendos, mais monstruosa queuma serpente. Pelas paixes: dizendo, aqui est um alvo fcil, OhIngls! Pela inteligncia: sussurrando que tedioso, o abutre quenunca se alimenta, ir descansar quando o dever esver cumprido.Pelos nervos: zombando de quando o uxo de adrenalina para e o

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    vmito comea. Atravs do maestro por detrs da rena: forandoplausivelmente a beleza da vista a sua frente.

    Poupe-nos desse pobre e ango clich sobre a palavra bele-za; me sagrada, esses so dirios de viagem, ou no estamos li-

    vres disso? Empoleirado agora nas costas dessa criatura tnica,vemos uma dzia de rolios - e, amigos, deixem-me enfazar esserolio -pssaros de plumagem exagerada, exibindo entre si todas ascores que se pode esperar encontrar na adorvel e lendria Praia deCopacabana. Eles so to rolios porque se alimentam das sobrasque caem da mesa do homem rico. Observe essa bela cena agora!Veja como o rabo do bronto se ergue... Oh, adorvel, sim, um mon-

    te duplo de feno emergindo de sua parte inferiorIsso certamente uma beleza, amigos, entregue diretamente

    de consumidor a consumidor. Os pssaros brigam por ele agora.Ei, voc, h bastante para car rolio, e, de qualquer jeito, voc jest bastante rolio... E nada para fazer agora a no ser saltar devolta para a velha anca e esperar pela prxima rodada. E agora,enquanto o sol afunda no oeste do Jurssico, dizemos Coma bem

    essa dieta...

    No, voc est adiando, e isso um trabalho para a vida. Arana fera e ponha um m na sua agonia. Toma a coragem em suasmos, levanta-a altura do ombro e semicerra sua viso. Ali estuma terrvel informao; voc est meio paralisado. Tremendo,olha a sua volta. O monstro ainda masga ruidosamente, aliviadopor ter quebrado bastante vento para intranquilizar o Ango Mari-

    nheiro.Raivoso (ou alguma outra emoo mais sul?), voc agora

    atravessa os arbustos e o confronta, e essa posio exposta pi-ca dos dilemas em que sua considerao de si mesmo e de outros

    connuamente o coloca. Considerao? Ou, novamente, algo maissul? Por qu voc deveria estar confuso s porque veio de umacivilizao confusa? Mas este um ponto com que lidar depois, sehouver um depois, enquanto esses dois olhos chafurdadores o ob-servavam a distncia de uma cuspidela, com ar desaador. Que noseja apenas com mandbulas, Oh monstro, mas tambm com cas-cos gigantescos e, se lhe for conveniente, com montanhas rolando

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    sobre mim. Que a morte seja uma saga, pica, herico cavaleirodesaador de drages.

    A quatrocentos metros o som de uma dzia de hipos espa-lhando-se turbulentamente em escorregadelas acrobcas na lama

    ancestral e no segundo seguinte um grande e surrado rabo, compri-do como domingo e grosso como a noite de sbado, passa arreben-tado sobre sua cabea. Voc se desvia como deve desviar-se, mas a

    fera o erra de qualquer jeito porque sua coordenao no melhorque a sua seria se vesse que balanar o prdio Woolworth contraum trsio. Isso feito, parece achar que seu dever foi cumprido. Ele oesquece. Voc desejava poder esquecer de si mesmo to facilmen-

    te; essa , anal, a razo por qu veio at aqui. Afaste-se de tudo,dizia a propaganda de viagem temporal, que signicava afastar-sede Claude Ford, um marido to fl quanto seu nome com umaesposa terrvel chamada Maude. Maude e Claude Ford. Que nopodiam ajustar-se a si mesmos, um ao outro, ou ao mundo ondenasceram. Essa era a melhor razo nesse mundo constudo de umpresente assim para voltar aqui e arar em dinossauros gigantes -

    se voc for tolo o bastante para pensar que cento e quinze milhesde anos para qualquer lado fazem um grama de diferena no lama-al de pensamentos do crtex cerebral de um homem.

    Voc tenta e para seus estpidos e escorregadios pensamen-tos, mas eles nunca param realmente desde os dias de seu cresci-mento ajudado por coca-cola; Deus, se a adolescncia no exiss-se, seria desnecessrio invent-la! Fragilmente, o rma para olhar

    de novo para a carcaa gigantesca desse vegetariano rnico emcuja presena voc chegou com tal desejo confuso de morte e vida,entrou com todas as emoes que um organismo capaz. Destavez o bicho-papo real, Claude, exatamente como voc queriaque fosse, e desta vez voc tem mesmo que enfrent-lo antes queele se volte e o encare novamente. E de novo, voc levanta o VelhoEqualizador, esperando at encontrar um ponto vulnervel.

    Os pssaros brilhantes balanam, os piolhos correm comocachorros, o pntano geme enquanto o bronto passeia sobre elee joga seu pequeno crnio para baixo, sob a brilhante gua cor debile numa procura por grosseiras substncias para sua alimentao.

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    Observe isso; voc nunca esteve to nervoso em toda sua vida ner-vosa, e voc estava contando com essa catarse para espremer alma gota do medo cido de seu sistema para sempre. OK, vocca se dizendo insanamente, de novo e de novo, sua educao mi-

    lionria, sua educao do sculo vinte e dois para nada. OK, OK. Equando voc diz isso pela ensima vez, a cabea louca sai da guacomo um expresso renegado e olha em sua direo.

    Tangencia em sua direo. Porque quando a mandbula tritu-rante com seus grandes molares brutais como postes de concretodescem e sobem, voc v a gua do pntano escorrer pelos lbiosgrosseiros, crculos sem lbios, batendo seus ps e fazendo o solo

    tremer. Junco e raiz, restos e caldo, folha e barro, tudo isso in-termitentemente visvel nessa mandbula masgante, e lutando,perdendo-se ou sendo jogados entre eles, peixinhos, pequenoscrustceos, sapos - todos fadados nesse desagradvel movimentode mandbula a tornar-se movimento nos intesnos. E enquanto oglup-glup-glup acontece, acima disso o olhos resistentes ao limo oobservam.

    Essas feras vivem mais de duzentos anos, dizia a propagandada viagem temporal, e essa fera obviamente tenta conseguir isso,porque seu olhar tm sculos, cheio de dcadas e mais dcadasde balanar-se nesse vazio de pensamentos super-pesados at al-canar a sabedoria em gorjeios sem apoio. Para voc como olharuma perturbada piscina de nvoa; lhe d um choque psquico, vocara com os dois canos por puro reexo. Bang-bang, as dum-dums,

    grandes como pata-patas, vo.Sem indeciso, essas luzes seculares, sombrias e sagradas,

    apagam-se. Esses claustros esto fechados at o Dia do Juzo Final.Seu reexo, para eles, est rasgado e sujo de sangue para sempre.Suas brilhantes membranas nictantes destrudas, escorregam len-tamente, como lenis sujos cobrindo um cadver. A mandbulaconnua a masgar to lentamente quanto a cabea que afunda.Um esguicho de sangue frio escorre pelos dentes no anco de umadas bochechas. Tudo lento na arrepiante Era Secundria, de len-do como uma gota dgua, e voc sabe que se esvesse encarre-gado da criao, teria encontrado algum meio menos doloroso que

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    o Tempo para coloc-la.Deixe pra l! Engulam seus copos, senhores, Claude Ford ma-

    tou uma criatura indefesa. Vida longa a Claude, o Dilacerado!Voc observa sem flego enquanto a cabea toca o solo, o

    comprido pescoo risvel toca o solo, as mandbulas fechadas parasempre. Observa e espera que algo mais acontea, mas nada maisacontece. Nada vai acontecer. Voc pode car parado aqui por cen-to e quinze anos. Lorde Claude, e nada mais vai acontecer. Gradu-almente, a poderosa carcaa do bronto, completamente limpa porpredadores, iria afundar na lama, levada por seu prprio peso parao fundo, ento as guas subiriam, e o ango Mar da Conquista apa-

    receria com o pachorrento ar de um trapaceiro dando aos meninosuma mo ruim. Lodo e sedimentos iriam se inltrar na poderosacova, uma chuva lenta, com sculos para chover. A cama do angobronto poderia ser levantada e abaixada cerca de meia dzia devezes, genlmente o bastante para no perturb-lo, embora poragora as rochas sedimentares estejam muito grossas a volta dele.Finalmente, quando ele esvesse envolvido numa tumba to ele-

    gante quanto qualquer raj indiano, poderia sonhar, os poderesda Terra iriam levant-lo bem alto em seus ombros at que, aindaadormecido, o bronto estaria em um cume nas Rochosas, acima dasguas do Pacco. Mas pouco disso ir contar com voc, Claude, aEspada; uma vez que a minscula larva da vida est morta no crnioda criatura, o resto no da sua conta.

    No tem nenhuma emoo agora. Est vagamente descon-

    certado. Esperava uma destruio dramca do cho, ou rugidos;por outro lado est feliz porque a coisa parece no ter sofrido. Voc como todos os homens cruis, senmental; como todos os ho-mens senmentais, melindroso. Coloca a arma sob o brao e andaa volta do dinossauro para observar sua vitria.

    Passa pelos cascos deselegantes, circula a putrefao brancana parede da barriga, alm da brilhante e provocava caverna dacloaca, nalmente posando abaixo da exvel vassoura traseira dorabo. Agora seu desapontamento agudo e visvel como um cartode visitas. O gigante no tem a metade do tamanho que voc ima-ginava que teria. Tem a metade do tamanho, por exemplo, da ima-

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    gem que voc e Maude nham em mente. Pobre guerreirozinho, acincia nunca inventar nada para ajudar a morte tnica que vocdeseja nas cavernas contraterrenas do desajeitado feudo medrosode seu id!

    Nada lhe resta a no ser voltar para seu tempo mvel comuma barriga cheia de anclmax. Veja, os brilhantes pssaros con-sumidores de excrementos j entenderam o verdadeiro estado dascoisas, um por um, eles abrem suas asas curvas e voam descon-soladamente atravs do pntano at outros hospedeiros. Eles sa-bem quando uma coisa boa ca ruim, e quando no esperar queos abutres os expulsem; toda esperana abandonada, voc que se

    entranha aqui. Voc tambm d as costas.Voc vira mas para. No h mais nada a no ser voltar, no,

    mas 2181 d.C. no a data caseira; Maude. Claude. todo odesagradvel, desesperanado, inndvel negcio de tentar ajustar-se a um ambiente super-complexo, de tentar transforma-se em umdente da engrenagem. Sua fuga disso para As Grandes Simplicida-des do Jurssico, para citar a propaganda de novo, foi uma fuga

    parcial, que agora terminou.Ento voc para e quando para, algo pousa como um soco em

    suas costas, empurrando seu rosto para a frente, dentro da apeto-sa lama. Voc luta e grita enquanto as garras da lagosta cortam seu

    pescoo e garganta. Tenta pegar o rie mas no pode, ento, emagonia, voc rola, e no momento seguinte aquela coisa-caranguejoest atacando seu peito. Voc bate contra sua carapaa mas ela rie arranca seus dedos. Voc esqueceu que quando matou o bronto,

    seus parasitas iriam deix-lo e, para um pequeno camaro comovoc, eles seriam algo muito mais perigoso que seu hospedeiro.

    Faz o melhor que pode, chutando por pelo menos trs mi-nutos. No m desse tempo, h todo um bando de criaturas sobrevoc. Eles j esto deixando sua carcaa completamente limpa. Vaigostar de l, no topo das Rochosas; voc no vai senr nada.