breve histórico

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Breve histórico Apresentar-se-á neste capítulo um breve histórico de como vem sendo tratada a sucessão do cônjuge sobrevivente desde as primeiras legislações que trataram sobre o tema que vigeram em nosso país. No início do século XVII estavam em vigor no Brasil as Ordenações Filipinas, editadas em 11 de janeiro de 1603, no reinado de Felipe III, da Espanha, e II, de Portugal. Elas prescreviam que o cônjuge ocupava a 4ª classe de herdeiros, atrás de descendentes, ascendentes e de parentes até o 10º grau da linha colateral! (VELOSO, ) Esta ordem permaneceu inalterada até o princípio do século XX, quando foi alterada pelo decreto 1.839, de 31 de dezembro de 1907, a Lei Feliciano Pena (homenagem a um senador mineiro). Nela, o cônjuge sobe para 3º lugar na classe dos herdeiros, ficando à frente dos parentes em linha colateral e atrás somente de descendentes e ascendentes. Ainda nesta lei, ficou restringida até o 6º grau a participação da vocação dos colaterais. (VELOSO) Após veio o Código Civil de 1916. Conjugando os artigos 1.603 1 e 1.611 2 da referida lei, o texto expressava exatamente o exposto na Lei Feliciano Pena. Tal texto vigorou desta forma até o Código Civil de 2002. As alterações que houveram, e foram inúmeras, dizem respeito ao grau de parentesco para vocação hereditária dos colaterais que chegou a ser limitada ao 2º grau (irmãos), através do Decreto-Lei 1.907, de 26 de dezembro de 1939, e por fim foi fixada ao 4º grau, (tio-avô, sobrinho-neto, primos), pelo Decreto-Lei 9.641, de 15 de julho de 1946. O Código Civil de 2002 adotou a mesma idéia em seu art. 1.839. (VELOSO) 1 Art. 1.603. A sucessão legítima defere-se na ordem seguinte: I - Aos descendentes. II - Aos ascendentes. III - Ao cônjuge sobrevivente. IV - Aos colaterais. V - aos Municípios, ao Distrito Federal ou à União. 2 Art. 1.611 - A falta de descendentes ou ascendentes será deferida a sucessão ao cônjuge sobrevivente se, ao tempo da morte do outro, não estava dissolvida a sociedade conjugal. § 1º O cônjuge viúvo se o regime de bens do casamento não era o da comunhão universal, terá direito, enquanto durar a viuvez, ao usufruto da quarta parte dos bens do cônjuge falecido, se houver filho dêste ou do casal, e à metade se não houver filhos embora sobrevivam ascendentes do "de cujus". § 2º Ao cônjuge sobrevivente, casado sob o regime da comunhão universal, enquanto viver e permanecer viúvo será assegurado, sem prejuízo da participação que lhe caiba na herança, o direito real de habilitação relativamente ao imóvel destinado à residência da família, desde que seja o único bem daquela natureza a inventariar. § 3º Na falta do pai ou da mãe, estende-se o benefício previsto no § 2o ao filho portador de deficiência que o impossibilite para o trabalho.

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Primeira parte da excelente monografia

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Breve histrico

Apresentar-se- neste captulo um breve histrico de como vem sendo tratada a sucesso do cnjuge sobrevivente desde as primeiras legislaes que trataram sobre o tema que vigeram em nosso pas.No incio do sculo XVII estavam em vigor no Brasil as Ordenaes Filipinas, editadas em 11 de janeiro de 1603, no reinado de Felipe III, da Espanha, e II, de Portugal. Elas prescreviam que o cnjuge ocupava a 4 classe de herdeiros, atrs de descendentes, ascendentes e de parentes at o 10 grau da linha colateral! (VELOSO, )Esta ordem permaneceu inalterada at o princpio do sculo XX, quando foi alterada pelo decreto 1.839, de 31 de dezembro de 1907, a Lei Feliciano Pena (homenagem a um senador mineiro). Nela, o cnjuge sobe para 3 lugar na classe dos herdeiros, ficando frente dos parentes em linha colateral e atrs somente de descendentes e ascendentes. Ainda nesta lei, ficou restringida at o 6 grau a participao da vocao dos colaterais. (VELOSO)Aps veio o Cdigo Civil de 1916. Conjugando os artigos 1.603[footnoteRef:2] e 1.611[footnoteRef:3] da referida lei, o texto expressava exatamente o exposto na Lei Feliciano Pena. Tal texto vigorou desta forma at o Cdigo Civil de 2002. As alteraes que houveram, e foram inmeras, dizem respeito ao grau de parentesco para vocao hereditria dos colaterais que chegou a ser limitada ao 2 grau (irmos), atravs do Decreto-Lei 1.907, de 26 de dezembro de 1939, e por fim foi fixada ao 4 grau, (tio-av, sobrinho-neto, primos), pelo Decreto-Lei 9.641, de 15 de julho de 1946. O Cdigo Civil de 2002 adotou a mesma idia em seu art. 1.839. (VELOSO) [2: Art. 1.603. A sucesso legtima defere-se na ordem seguinte:I - Aos descendentes.II - Aos ascendentes.III - Ao cnjuge sobrevivente.IV - Aos colaterais.V - aos Municpios, ao Distrito Federal ou Unio.] [3: Art. 1.611 - A falta de descendentes ou ascendentes ser deferida a sucesso ao cnjuge sobrevivente se, ao tempo da morte do outro, no estava dissolvida a sociedade conjugal. 1 O cnjuge vivo se o regime de bens do casamento no era o da comunho universal, ter direito, enquanto durar a viuvez, ao usufruto da quarta parte dos bens do cnjuge falecido, se houver filho dste ou do casal, e metade se no houver filhos embora sobrevivam ascendentes do "de cujus". 2 Ao cnjuge sobrevivente, casado sob o regime da comunho universal, enquanto viver e permanecer vivo ser assegurado, sem prejuzo da participao que lhe caiba na herana, o direito real de habilitao relativamente ao imvel destinado residncia da famlia, desde que seja o nico bem daquela natureza a inventariar. 3 Na falta do pai ou da me, estende-se o benefcio previsto no 2o ao filho portador de deficincia que o impossibilite para o trabalho.]

Retomando o objeto da pesquisa, a sucesso do cnjuge sobrevivente, interessante destacar um instituto que hoje j no vigora no pas para proteo do cnjuge: o usufruto vidual, acrescentado pelo Estatuto da Mulher Casada, de 27 de agosto de 1962, e que remonta ao Direito Romano, de acordo com Pereira:

V-se, ento, que pelo Direito Romano existia sucesso do cnjuge, e j se cogitava de proteo viva, no sendo estranha a idia, da sucesso usufruturia, a par da que se deferia em propriedade. (PEREIRA, Caio Mrio da Silva. Instituies de direito civil. Rio de Janeiro, Editora Forense, 2010. Revista e atualizada por Carlos Roberto Barbosa Moreira) pg 117

Por conta do usufruto, se o cnjuge no fosse casado pelo regime de comunho universal teria direito a usufruir da quarta parte de herana, se o de cujus tivesse filho, ou de metade, se sobrevivesse qualquer ascendente e no houvessem filhos. Parece que o legislador teve a inteno de proteger o cnjuge que no era casado pelo regime de comunho universal de bens, afinal este j era meeiro de todo o patrimnio adquirido pelo outro (exceto bens gravados com clusula de incomunicabilidade). Cabendo ao cnjuge sua meao sobre o patrimnio comum, a lei presume no haver necessidade de recebimento de uma quota na herana (PEREIRA, idem anterior, pg. 132).O que fica latente a ideia de no deixar desamparado o cnjuge sobrevivo que no partilhasse dos bens exclusivos do de cujus. Tal instituto inspirou at mesmo na regulao sobre a sucesso no caso de unio estvel. A Lei 8.971, de 29 de dezembro de 1994, dava aos companheiros exatamente os mesmos direitos de usufruto que detinham os cnjuges no casados pela comunho universal de bens[footnoteRef:4]. [4: Art. 2 As pessoas referidas no artigo anterior participaro da sucesso do(a) companheiro(a) nas seguintes condies:I - o(a) companheiro(a) sobrevivente ter direito enquanto no constituir nova unio, ao usufruto de quarta parte dos bens do de cujos, se houver filhos ou comuns;II - o(a) companheiro(a) sobrevivente ter direito, enquanto no constituir nova unio, ao usufruto da metade dos bens do de cujos, se no houver filhos, embora sobrevivam ascendentes;III - na falta de descendentes e de ascendentes, o(a) companheiro(a) sobrevivente ter direito totalidade da herana.]

importante ressaltar ainda a alterao do regime legal de bens ocorrida atravs da Lei do Divrcio, de 26 de dezembro de 1977, que modificou o regime de bens supletivo de comunho universal de bens para comunho parcial de bens. Ou seja, o instituto do usufruo vidual foi bastante utilizado desde ento por boa parte dos cnjuges sobrevivos e at mesmo dos companheiros, aps 1994.Entretanto, com o advento do Cdigo Civil de 2002, tal dispositivo deixou de existir. A partir da vigncia do novo cdigo, o cnjuge passa a concorrer sobre o acervo patrimonial com os descendentes, a depender do regime de bens adotado no casamento, e com os ascendentes, independente do regime de bens. Alm disso, o cnjuge foi alado categoria de herdeiro necessrio, quer dizer que ele no poder ser excludo da herana via testamento[footnoteRef:5]. [5: Art. 1.845. So herdeiros necessrios os descendentes, os ascendentes e o cnjuge.]

No recorte do objeto da presente monografia, pretende-se justamente apresentar, discorrer e analisar as teorias acerca da concorrncia do cnjuge com os descendentes do de cujus, como visto neste breve histrico, uma inovao na legislao brasileira.Apesar de no ser o objetivo deste trabalho, frisa-se aqui a piora na situao da sucesso do companheiro sobrevivente. Ele, que tinha a sucesso como que equiparada ao casado sob regime de comunho parcial de bens, pela j citada Lei 8.971/94. Agora, no CC2002, em um artigo situado nas disposies gerais do Livro V Do Direito das Sucesses, aparece como concorrente somente de bens onerosamente adquiridos aps a vigncia da unio estvel e, ainda assim, precisar se sujeitar, se for o caso de no haver descendentes ou ascendentes, a dividir tal acervo com parentes em linha colateral de at 4 grau do de cujus[footnoteRef:6]. Alm de no ser considerado como herdeiro necessrio. Realmente um retrocesso lamentvel apontado por vrios doutrinadores, dentre eles Maria Berenice Dias: [6: Art. 1.790. A companheira ou o companheiro participar da sucesso do outro, quanto aos bens adquiridos onerosamente na vigncia da unio estvel, nas condies seguintes:I - se concorrer com filhos comuns, ter direito a uma quota equivalente que por lei for atribuda ao filho;II - se concorrer com descendentes s do autor da herana, tocar-lhe- a metade do que couber a cada um daqueles;III - se concorrer com outros parentes sucessveis, ter direito a um tero da herana;IV - no havendo parentes sucessveis, ter direito totalidade da herana.]

De modo absolutamente injustificvel, a lei empresta tratamento desigual ao casamento e unio estvel no mbito do direito sucessrio. Ainda que assegurado a cnjuges e companheiros o direito de concorrer com descendentes e ascendentes, este privilgio est previsto em dispositivos legais distintos e tanto o clculo como a base de incidncia so diferentes. (...) p. 149

E completa:

As diferenas so absurdas. O tratamento diferenciado no somente perverso, escancaradamente inconstitucional. No mesmo dispositivo em que asssegura especial proteo famlia, a Constituio reconhece a unio estvel como entidade familiar, no manifestando preferncia por qualquer de suas formas (CF 226, 3). A lei que veio regular a norma constitucional inseriu o companheiro na mesma posio do cnjuge, conferindo-lhe a totalidade da herana na falta de ascendentes e descendentes (L 8.971/1994 2). O retrocesso da lei se afasta da razoabilidade e precisa a justia corrigir tais absurdos. P.152Como j dito, este um tema para uma outra monografia.