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BRASIL E A GEOPOLÍTICA DO PETRÓLEO E GÁS EM TEMPOS DE GLOBALIZAÇÃO: INICIANDO UMA PLATAFORMA DE DISCUSSÕES
Angela Nunes Damasceno Gomes (doutoranda PPGEO UERJ)
Ciro Reis (doutorando PPGEO UERJ) Mônica Sampaio Machado (professora PPGEO UERJ)
RESUMO
O novo marco regulatório do petróleo brasileiro de 2010 e suas regras de E&P no pré-sal e áreas estratégicas, assegura à União o controle de imensas reservas. Como importante agente no setor, o Estado passa enfrentar grandes desafios, principalmente a partir de 2015, quando o óleo extraído terá efeito comercial. Este trabalho inicia uma plataforma de discussões e cenários geopolíticos para o Brasil, partindo do levantamento e análise de pesquisas sobre petróleo e gás na área das ciências humanas brasileiras.
Palavras-chave: Petróleo. Pré-Sal. Geopolítica.
INTRODUÇÃO
O novo marco regulatório do setor petrolífero brasileiro estabelece novas regras de
exploração e produção de petróleo e gás natural no pré-sal e em áreas consideradas
estratégicas pela União, criando o Fundo Social, de que trata a Lei 12.351 de 2010. Para além
de um ajuste de regras comerciais, ele expressa uma nova posição do Brasil no cenário
energético e econômico mundial. Se em 1997 a quebra do monopólio do petróleo através da
Lei 9.478 estava intimamente ligada à redução da participação do Estado brasileiro na
economia, a nova lei de partilha de produção, em substituição ao sistema de concessões, por
sua vez, evidencia, 15 anos depois, uma vigorosa retomada da presença estatal no setor.
Ao substituir o modelo de concessão da produção pelo modelo de partilha, essa nova
legislação dá a União à propriedade do petróleo e do gás, mesmo depois de sua extração. No
modelo de partilha o Estado não transfere toda a propriedade do óleo para grupos privados,
recebendo apenas uma pequena taxa, bônus de assinatura, royalties e participação especiais,
como no modelo de concessão, mas sim fecha contrato de exploração e produção no qual
garante para si parte do óleo extraído. Agora a União passa a ter em mãos o próprio óleo,
podendo comercializá-lo como quiser.
Essa nova regulação além de colocar Estado como importante agente na economia e
política no setor petrolífero, apresenta grandes desafios geopolíticos para o País,
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principalmente a partir de 2015, quando o óleo extraído terá efeito comercial. Buscando
iniciar uma plataforma de discussões e cenários geopolíticos para o Brasil no setor, este
trabalho apresentará um levantamento e análise dos estudos e pesquisas sobre petróleo e gás
que estão sendo desenvolvidos pelas ciências humanas no Brasil. Quatro entradas
diferenciadas para o levantamento foram realizadas. A primeira partiu dos Grupos de
Pesquisa CNPq. A segunda focalizou o banco de Teses da Capes e das universidades, como
USP, UFRJ, PUC-Rio, PUC-São Paulo, Candido Mentes, FGV-Rio e FGV-São Paulo. A
terceira levantou artigos científicos indexados no Scielo. A quarta entrada foi baseada na
produção do Itamaraty.
Dividido em três partes, com objetivo de analisar as novas regras e a participação da
União na gestão e comercialização do petróleo e gás, este trabalho tem início com a
apresentação e discussão do novo marco regulatório de 2010. Em seguida, buscando avaliar
os estudos e pesquisas desenvolvidas no Brasil sobre a temática da geopolítica do petróleo,
será apresentado o resultado do levantamento realizado a partir das entradas mencionadas. Por
último, serão apontados temas e caminhos importantes de investigação ainda pouco
explorados sobre o posicionamento do Estado brasileiro na geopolítica do petróleo e gás. A
ideia aqui é iniciar caminhos para a elaboração de cenários geopolíticos no setor de petróleo e
gás para o Brasil frente aos atuais desafios da Globalização, cenários que simulem respostas
diferenciadas em função de possíveis opções de comercialização desses produtos no mercado
mundial.
O NOVO MARCO REGULATÓRIO DO PETRÓLEO
Em dezembro de 2010 o Presidente Luiz Inácio Lula da Silva sancionou a Lei 12.351
que dispõe, entre outros temas, sobre a exploração e a produção de petróleo, de gás natural e
de outros hidrocarbonetos fluídos, sob o regime de partilha de produção, em áreas do pré-sal e
em áreas estratégicas. Esta nova legislação estabelece regras diferenciadas de grande impacto
para o Estado brasileiro, dentre elas, substitui o modelo de concessão da produção pelo
modelo de partilha. Em linhas gerais, o sistema de partilha é o mais adequado a países
possuidores de grandes reservas e que apresentam baixos riscos exploratórios. Até então o
Brasil fazia parte de uma das poucas áreas do globo onde a E&P se dava sob o modelo de
concessão. (Figura 1).
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Figura 1 - Países e modelos de E&P adotados, 2009.
Fonte: http://fatosedados.blogspetrobras.com.br/
O sistema de concessão, que ainda vigora no Brasil para contratos firmados antes do
novo marco regulatório, inclusive em áreas já licitadas do pré-sal, e que ainda existe para
áreas não consideradas estratégicas pela União, passou a não responder de maneira satisfatória
ao novo contexto da economia nacional e às estratégias de atuação do Estado brasileiro no
cenário mundial. O sistema de partilha, ao garantir ao Estado o controle total das atividades
de E&P das reservas do pré-sal e de áreas estratégicas, proporciona a este a possiblidade de
gerenciar com mais independência e autonomia ações de forte conteúdo nacional como: uma
politica de desenvolvimento industrial ligada ao setor petrolífero, o desenvolvimento de
tecnologias, serviços e equipamentos, a ampliação da indústria nacional, e a geração de
empregos.
No que tange ao cenário mundial, o novo marco regulatório garante a segurança
energética, certa blindagem às crises energéticas mundiais, e um aumento expressivo da
importância geopolítica do Brasil. Neste quesito, vale ressaltar que segundo Gabrielli (2009)1,
o Brasil está em situação privilegiada. De acordo com o ex-presidente da Petrobras, os países
estão divididos em dois grandes grupos: de um lado países com muitas reservas, pouca
tecnologia, reduzida base industrial, conflitos regionais e instabilidade institucional, e do
outro, países com grandes mercados consumidores, poucas reservas, alta tecnologia, grande
base industrial e estabilidade industrial. Neste quadro, o Brasil possui vantagens competitivas
por apresentar o melhor dos dois lados ou potencialidades para tal.
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Principais leis do novo marco regulatório do petróleo.
A lei da partilha estabelece que o contratado (Petrobrás ou consórcio por ela
constituído com o vencedor da licitação) exercerá todas as atividades (exploração, avaliação,
desenvolvimento e produção), por sua conta e risco. Diferentemente do modelo de concessão,
no qual a União recebia valores referentes a bônus de assinatura, royalties e participações
especiais, mas todo o óleo pertencia à concessionária, no modelo de partilha a União receberá
sua participação em óleo. O excedente em óleo (descontado o custo em óleo do investimento
feito pela concessionária) será repartido entre a União e o contratado em condições definidas
em contrato. A lei da partilha é específica para a área do pré-sal, e para outras áreas que a
União categorize como estratégicas. Também estabelece a Petrobrás como operadora única, e
obriga o vencedor da licitação (quando não a Petrobras) a constituir consórcio com a Pré-Sal
Petróleo S. A. (empresa pública a ser criada que representará a União) e com a Petrobras.
Mesmo a Petrobras, através de contrato direto ou na condição de vencedora isolada de
licitação deverá constituir consórcio com a Pré-Sal Petróleo S. A.
A lei da partilha é apenas uma dentre um conjunto maior de leis, decretos, normas e
diretrizes que passaram a regular e organizar o setor do petróleo no Brasil – o novo marco
regulatório do petróleo. A Lei 12.351 de dezembro de 2010, que trata da lei da partilha,
também cria o Fundo Social (FS) que receberá recursos oriundos da E&P e comercialização
do pré-sal para investir nas áreas de educação, cultura, esporte, saúde pública, ciência e
tecnologia, meio ambiente, e de mitigação e adaptação às mudanças climáticas. Também faz
parte deste conjunto legal, a Lei 12.304 de agosto de 2010 que autoriza a criação da Empresa
Brasileira de Administração de Petróleo e Gás S.A. – Pré-Sal Petróleo S. A. (PPSA). A PPSA
fará a gestão dos contratos de partilha de produção e dos contratos para a comercialização de
petróleo, de gás natural e de outros hidrocarbonetos fluidos da União oriundos do pré-sal.
Outra lei essencial para entendimento do marco regulatório e fundamental para os
interesses da União na manutenção do controle das reservas do pré-sal, é a Lei 12.276 de
Junho de 2010, que trata da cessão onerosa à Petrobras do exercício de atividades de pesquisa
e lavra de petróleo e gás natural nos blocos ainda não licitados do pré-sal. Dispensada de
licitação a Petrobras, através do Contrato de Cessão Onerosa, pagou à União R$74,8 bilhões
pelo direito de extrair até 5 bilhões de barris equivalentes de petróleo de sete blocos da área
do pré-sal (sendo um bloco de contingência), durante um período de 40 anos prorrogáveis por
mais 5 anos.
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Nome Tipo do bloco Volume da Cessão Onerosa
(mil barris de oleo equivalentes)
Valor do Barril
(US$/boe)
Valorização da Cessão Onerosa
(US$ mil)
Sul de Tupi Definitivo 128.051 7,85 1.005.197 Florim Definitivo 466.968 9,01 4.207.380 Nordeste de Tupi
Definitivo 427.784 8,53 3.653.275
Peroba Contingente - 8,53 Sul de Guará Definitivo 319.107 7,94 2.533.711 Franco Definitivo 3.056.000 9,04 27.644.320 Entorno de Iara
Definitivo 599.560 5,82 3.489.437
TOTAL 4.999.469 42.533.320 Tabela 1 - Volume e valor do barril para as várias do contrato.
Fonte: Paulo Cesar Ribeiro Lima, 2010.
Figura 2 - Áreas da Cessão Onerosa em verde.
Fonte: www.petrobras.br2
Figura 3 - Áreas da Cessão Onerosa em verde.
Fonte: www.petrobras.br
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Principal estatal brasileira, e estratégica para o desenvolvimento econômico nacional,
a Petrobrás é parte fundamental neste novo marco regulatório do petróleo. Aos desafios
impostos pela descoberta do pré-sal e às projeções de investimentos de U$220 bilhões até
2014 feitas pela empresa, juntaram-se a vontade política do governo federal de controlar o
processo de E&P na área do pré-sal e de investir na Petrobras viabilizando a consecução dos
planos de crescimento da empresa. Passo importante deste projeto foi o processo de
capitalização da Petrobras. Em setembro de 2010 a empresa captou em torno de R$120
bilhões através da venda de novas cotas de ações lançadas no mercado. O valor arrecadado
permitiu à empresa efetuar o pagamento à União referente ao Contrato de Cessão Onerosa, e a
se reforçar financeiramente. Por outro lado, o governo aumentou sua participação na
composição societária da empresa de 39,8% em 2009 para 48,3% em dezembro de 2010. O
quadro seguinte resume o funcionamento do novo marco regulatório do petróleo no Brasil e a
engenharia financeira do Contrato de Cessão Onerosa entre a União e a Petrobras.
Funcionamento do novo marco regulatório do petróleo brasileiro
Áreas do
contrato
Modelo
Adotado Detalhes do Contrato Contratado
Pré-sal e áreas
estratégicas
Cessão onerosa
União cede direito de E&P de 5 Bilhões
de Barris de óleo equivalente (R$8,51
BOE) Exclusividade da Petrobrás
Petrobras paga R$74,8 bilhões à União
através da venda de ações
Partilha
de
produção
Repartição do óleo excedente entre
União e Petrobrás Petrobras 100%
Repartição do óleo excedente entre
União e consórcio
Consórcio (Petrobras operadora +
terceiros vencedores de licitação)
Outras áreas Concessão
União cede o direito de E&P de blocos.
Todas Empresas pagam bônus de assinatura,
royalties e participações especiais
Quadro 1–Funcionamento do novo marco regulatório brasileiro Organização: GeoBrasil, 2012.
O novo marco regulatório do petróleo brasileiro não tem recebido críticas quanto ao
modelo da lei de partilha que se estabeleceu para as áreas do pré-sal. Parece evidente aos
especialistas que reservas imensas de um produto estratégico mereçam tratamento diferente
do que o de modelo de concessão, e o fato é que o Brasil segue uma tendência mundial de
atuação, já que 80% das reservas mundiais estão em países que adotam o mesmo modelo. As
principais críticas se concentram na relação entre a União e a Petrobras, na participação do
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governo como sócio majoritário da empresa (SOUZA, 2011), e ao Contrato de Cessão
Onerosa que teria beneficiado a Petrobras (LIMA, 2009), em detrimento da União, pois os
blocos exploratórios (Tabela 1), se licitados no regime de partilha de produção, ou se
negociados mediante outras formas de contrato poderiam gerar mais lucros para o governo
federal.
No âmbito internacional, as pressões comerciais de países e grandes companhias do
setor interessadas em ofertar serviços e equipamentos nas atividades de E&P no pré-sal, já
esbarram na questão na exigência de 65% de conteúdo nacional prevista na lei de partilha de
produção. O fortalecimento da indústria local, mais especificamente da cadeia de óleo e gás,
se faz necessário para acompanhar a futura demanda de E&P do pré-sal. A questão que se
coloca é: estará a indústria local preparada? Há outras questões futuras ligadas ao novo marco
regulatório, que trarão impactos locais, e que precisarão ser debatidas com mais profundidade,
como o funcionamento do Fundo Social, futuro destino de parte recursos oriundos da E&P e
comercialização do pré-sal, que serão utilizados para o desenvolvimento social e regional,
atuando em áreas como educação, cultura, e saúde pública.
Buscando analisar as tendências de investigação desenvolvidas a partir da ótica
geopolítica sobre petróleo e gás no campo das ciências humanas, particularmente aquelas
vinculadas às descobertas do pré-sal, a seguir serão apresentados os resultados do
levantamento realizado.
A GEOPOLÍTICA DO PETRÓLEO À LUZ DAS DESCOBERTAS DO PRÉ-SAL: UMA ANÁLISE
A Geopolítica do Petróleo no Diretório dos Grupos de Pesquisa do CNPq
Com a finalidade de localizar Grupos de Pesquisa (GPs) certificados pelo CNPq na
temática do petróleo e sua relação com a geopolítica na área das Ciências Humanas no Brasil,
utilizamos a ferramenta de busca textual disponível no site do CNPq, no Diretório dos Grupos
de Pesquisa no Brasil. Foram utilizadas quatro palavras-chaves na consulta. As duas primeiras
palavras-chave: petróleo e geopolítica, por serem os temas centrais deste trabalho, e por
entendermos que cobririam um grande número de grupos de pesquisa e áreas de
conhecimento, o que foi confirmado após o levantamento. Posteriormente refinamos a busca
através das mais duas palavras-chave: Petrobras e Pré-sal. O fizemos a fim de mensurar o
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processo de especialização e atualização das temáticas do petróleo e da geopolítica com os
estudos sobre a Petrobras e o Pré-sal.
Foram levantados os GPs, a instituição de origem, os pesquisadores líderes, e
finalmente a área da pesquisa. A análise das instituições foi essencial para entender a
distribuição geográfica dessas temáticas no Brasil, da mesma forma que a análise das Áreas
de Pesquisa nos forneceu um quadro das áreas de conhecimento que mais tem desenvolvido
estudos vinculados ao petróleo, a geopolítica, a Petrobras, e ao pré-sal.
* Quando voltados para cadeia produtiva do petróleo e gás e ao planejamento ambiental e energético. ** Dos 40 GPs analisados, 16 podem ser considerados ligados fortemente ao tema da Geopolítica.
Quadro 2–Grupos de Pesquisa do CNPq, Julho de 2012. Organização: GeoBrasil, 2012.
Verifica-se em relação ao tema “Petróleo” que as Áreas de Pesquisa que predominam
são a Economia e o Direito. Na Economia predominam os estudos vinculados aos
desenvolvimentos regionais através da indústria de energia, com preocupações ambientais. No
Direito predominam os aspectos jurídicos da exploração dos recursos naturais estratégicos e a
regulação desses setores na esfera nacional e internacional. Rio de Janeiro e São Paulo
concentram o maior número de grupos de pesquisa sobre o tema. Sobre “Geopolítica”, a
Geografia concentra a maior parte dos GPs. Todos fortemente ligados a questão da gestão do
território. Os GPs vinculados a Geopolítica estão distribuídos em nove Estados, sem
apresentar uma grande concentração em uma unidade da federação. Quando utilizadas como
palavra-chave, tanto “Petrobras” quanto “Pré-sal” não retornaram resultados significativos.
Palavra-chave
GPs CNPq
GPs CNPq nas Ciências Humanas e
áreas afins*
GPs CNPq na
Geografia
GPs CNPq nas Ciências Humanas e áreas afins por Área
de Pesquisa
GPs CNPq nas Ciências Humanas e áreas afins por
Estado
Petróleo 363 33
(26 em IES públicas, e 07 em IES privadas)
00
Economia (10), Direito (09), Engenharia de Produção* (05), Ecologia (03), Administração (03), Planejamento Urbano e Ambiental (02), e História (01)
Rio de Janeiro (14), São Paulo (08), Rio Grande do Norte (03), Bahia (02), Rio Grande do Sul (02), Amazonas (01), Distrito Federal (01), Maranhão (01) e Paraíba (01).
Geopolítica 40 40**
(12 em IES públicas, e 04 em IES privadas)
11
Geografia (11), Ciência Política (06), Economia (05), História (04), Direito (03), Antropologia (03), Sociologia (02), Educação (02), Geociências (01), Linguistica (01), Turismo (01).
Obs: baseado no quadro de 40 GPs.
Rio de Janeiro (03), São Paulo (03), Minas Gerais (02), Paraná (02), Sergipe (02), Alagoas (01), Rio Grande do Sul (01), Ceará (01) e Amazonas (01).
Obs: baseado no quadro de 16 GPs.
Petrobras 05 00 00 00 00
Pre-sal 00 00 00 00 00
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No que tange aos dados extraídos do Diretório de Grupos de Pesquisa do CNPq, uma
análise inicial sugere que o tema Petróleo não tem recebido da Geografia a mesma atenção
que recebe de áreas como a Economia e o Direito. A Petrobrás surge nos GPs vinculada às
Engenharias, enquanto que a ausência do pré-sal em GPs do CNPq deve ser creditada ao fato
de ser uma descoberta recente. E apesar da geopolítica constar em GPs do CNPq, não há um
grupo de pesquisa cadastrado no CNPq vinculado à geopolítica do petróleo.
A produção intelectual sobre a Geopolítica do Petróleo
A produção bibliográfica sobre a geopolítica do petróleo no contexto das recentes
descobertas do pré-sal encontra-se ainda bastante incipiente. Os trabalhos de maior
consistência precisam de tempo para ser elaborados e o período decorrido desde as primeiras
notícias das promissoras descobertas em novembro de 2007 até hoje ainda é pequeno3. A
maior concentração de trabalhos encontra-se nos blogs e sites4 da internet que, pela sua
própria natureza, apresenta avaliações com maior rapidez, mas nem sempre com a qualidade e
profundidade que o assunto requer.
No levantamento feito chama a atenção à ausência de estudos de Geopolítica do
Petróleo posteriores ao descobrimento do pré-sal. Tanto teses como monografias de
graduação se debruçam, basicamente sobre a análise dos modelos de exploração do petróleo,
marco regulatório e modelo de arrecadação, envolvendo as áreas da administração direito, e
economia. Tal contexto revela a incipiência dos estudos5 que envolvem o papel que o Brasil
pode ter ao ser alavancado à condição de um dos maiores exportadores de óleo do mundo.
Tanto nos sites como na produção nas Universidades, chama a atenção o número de
engenheiros e economistas que se debruçam sobre o assunto, grande parte desses profissionais
atraídos pela temática por estarem vinculados direta ou indiretamente à Petrobras. Ao mesmo
tempo surpreende a ausência de trabalhos vindos da Geografia que, apesar de possuir tradição
nos estudos em Geopolítica, ainda não foi despertada para esse novo e importante cenário que
se apresenta com as descobertas do pré-sal. Essas novas descobertas devem mudar
significativamente as relações de poder entre as nações, em função da dependência do
petróleo como principal fonte de energia. Não é demais lembrar que as fontes alternativas de
energia ainda vão demorar em apresentar sucesso efetivo.
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Sem sombra de dúvida a maior contribuição vem sendo dada pelo Itamaraty através da
Fundação Alexandre Gusmão, instituição pública vinculada ao Ministério das Relações
Exteriores que promove estudos sobre relações internacionais, particularmente sobre a política
externa brasileira. É compreensível o foco desta instituição nos desdobramentos criados pelas
descobertas do pré-sal, na medida em que os diplomatas se debruçam sobre o jogo de poder
entre as nações, necessitando de subsídios que os instrumentalizem nesta reflexão.
Foram selecionados cinco livros6 dos levantados na Fundação que tratam do assunto
os quais apresentam vários cenários de desdobramentos futuros sobre a Geopolítica do
Petróleo no contexto do pré-sal. Longe de serem avaliações especulativas, a construção de
cenários busca encontrar esboços consistentes que contemplem variações possíveis do
desenrolar de acontecimentos. Necessita, portanto, de coerência interna que articule diferentes
aspectos considerados relevantes para construção das possibilidades possíveis. Nesse sentido:
Elaborar cenários não é um exercício de predição, mas sim um esforço de fazer descrições plausíveis e consistentes de situações futuras possíveis, apresentando as condicionantes do caminho entre a situação atual e cada cenário futuro, destacando os fatores relevantes às decisões que precisam ser tomadas. Assim, mesmo sendo uma representação parcial e imperfeita do futuro, o cenário, entendido como instrumento de apoio à decisão, precisa abranger as principais dimensões relevantes do problema, e seus autores devem livrar-se das amarras e dos preconceitos do passado, ao mesmo tempo em que devem se manter dentro dos limites do conhecimento científico e propor transformações viáveis no horizonte de tempo considerado.7
Qualquer cenário a ser descortinado sobre a situação do Brasil nos próximos anos sob
a perspectiva da Geopolítica do Petróleo deve considerar que o país apresenta uma matriz
energética bastante diversificada, com boas condições para desenvolver energias alternativas,
com domínio de tecnologia e infraestrutura na área de biocombustíveis, além reservas
bastante promissoras nas recentes descobertas na camada pré-sal.
A GEOPOLÍTICA DO PETRÓLEO À LUZ DAS DESCOBERTAS DO PRÉ-SAL: CENÁRIOS
Há que se ressaltar que as reservas de petróleo do pré-sal por seu volume e qualidade,
pela ausência de novas descobertas em outras regiões e pelos indicativos de redução da
produção de algumas importantes áreas do globo, colocam o Brasil em um novo patamar no
quadro geopolítico mundial8. Tais reservas chamam ainda maior atenção por se situarem
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numa região longe de conflitos e instabilidades como as que ocorrem no Oriente Médio.
Considerando essas condições, é possível construir alguns cenários bastante consistentes
sobre o posicionamento do Estado brasileiro. O primeiro deles configura-se através do
fortalecimento das relações entre os países da América do Sul9, contexto esse que tem
recebido atenção do governo brasileiro. O subcontinente possui relativa estabilidade política,
não oferecendo riscos de conflitos entre Estados. Tanto a formação de um bloco quanto a
consolidação de relações bilaterais na região, oferecem a possibilidade de fortalecimento
político com a convergência de interesses com a Venezuela, Equador (países exportadores de
petróleo) e a Bolívia (produtora de gás) que seriam, juntamente com o Brasil, os mais
beneficiados no continente, considerando um possível aumento no preço do barril de petróleo.
Para o Brasil são oferecidos ainda um amplo mercado consumidor, área propícia a
investimentos no setor petrolífero e a consolidação de sua liderança política e econômica no
subcontinente. Contrário a este cenário encontra-se a tendência recente de um nacionalismo
energético com crescimento do poder do Estado em que as recentes nacionalizações ocorridas
no Equador, Venezuela, Bolívia e por último na Argentina, são testemunhos desses fatos, e
ainda a tradicional resistência dos países à liderança brasileira. Além disso, é necessário
desenvolver regras estáveis e confiáveis para que o mercado possa ser desenvolvido com certa
segurança.
Outro cenário que pode ser considerando é o do fortalecimento das relações com a
China que vem buscando a todo custo garantir suprimento de petróleo que sustente seu
crescimento econômico e o consumo crescente de sua população. Seus investimentos têm sido
direcionados para a África onde disputa, juntamente com os EUA e, de maneira menos
intensa com a Índia, os melhores campos de petróleo10. No entanto, as descobertas no pré-sal
despertaram o interesse dos chineses que concederam um grande empréstimo em 2009 e o
fizeram novamente agora em 2012 tendo como contrapartida o fornecimento de 150 mil barris
de petróleo por dia no primeiro ano e 200 mil barris nos nove anos seguintes. O Brasil deve
aproveitar os bons ventos do crescimento chinês para estreitar seus laços comerciais, mas
precisa ter cautela, pois os números estratosféricos de seu crescimento não durarão para
sempre.
O último cenário a ser considerado aqui caminha na direção de um estreitamento das
relações com os Estados Unidos, país com grande consumo de petróleo, poucas reservas e
grande mercado consumidor. O intercâmbio entre o Brasil e Estados Unidos tem se
aprofundado no setor de biocombustíveis com a assinatura em 2007 de um Memorando de
Entendimento11, mas as descobertas do pré-sal certamente despertaram enorme interesse já
12
que o país necessita importar cerca de 60% do petróleo que consome12. No entanto as
negociações com os Estados Unidos são bastante duras e desigualmente estabelecidas. Muitos
têm apontado a reativação da IV Frota no Atlântico Sul como um indício de pressão norte
americana13, mas após tantos erros históricos seria temerário o país se indispor com um aliado
como o Brasil.
As perspectivas de crescimento da produção brasileira de óleo cru com os campos do
pré-sal são bastante promissoras, trazendo consigo um novo período histórico para o Brasil
que, além de se tornar autossuficiente em petróleo, tem a possibilidade impar de assumir
posição de proeminência na geopolítica mundial. Esta posição assume ainda maior
importância porque o país possui tradição de não se alinhar incondicionalmente com as
nações mais poderosas do globo. As pressões serão intensas, por isso é necessário que o
Estado brasileiro assuma posição estratégica, considerando os vários cenários possíveis e
assumindo uma posição de protagonista no contexto da geopolítica mundial.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Pelo que foi exposto podemos perceber o muito que precisa ser construído com a nova
realidade que se configura para o Brasil com as descobertas do pré-sal. A ausência de estudos
na verdade representa um contexto de oportunidades que se colocam aos pesquisadores que se
debruçam tanto sobre a geopolítica, quanto sobre a realidade brasileira. A Fundação
Alexandre Gusmão tem oferecido significativas contribuições, às quais podem se somar
outras de pesquisadores que sejam despertados pela importância da temática. O país vive um
momento ímpar de sua história e os cenários aqui apresentados não esgotam o assunto, ao
contrário, são como janelas que se abrem para o início de uma reflexão de múltiplas facetas a
espera de contribuições que se somem, enriquecendo os cenários apresentados ou propondo
novos ainda a serem construídos.
Neste sentido, o mapeamento das produções e fontes apresentado neste trabalho deve
ser considerado como um esforço inicial de localizar dentro das ciências humanas o estado
atual das investigações sobre a geopolítica do petróleo no Brasil. A ampliação deste quadro
teórico e sua análise crítica serão os próximos passos deste processo de investigação, que
servirão de base para o estudo de outras temáticas ligadas a transformações sócio-espaciais
nas esferas domésticas e regionais, como o desenvolvimento econômico nacional e o processo
de integração sul-americana como base de negociação política em tempos de globalização.
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NOTAS
1 Apresentação José Sérgio Gabrielli de Azevedo, Presidente. Brasília 25/09/09, sobre o Modelo Regulatório de Exploração e Produção. Pré-sal e áreas estratégicas. http://static.slidesharecdn.com/swf/ssplayer2.swf?doc=2136416&stripped_title=apresentacao0f9vrb1akl-2136416 2 http://www.petrobras.com.br/pt/noticias/aprovacao-do-contrato-de-cessao-onerosa-e-da-oferta-global/ Petrobrás. Notícias. 01/09/2010. Aprovação do Contrato de Cessão Onerosa e da Oferta Global. 3 Dentre os livros que foram encontrados podem ser citados os que estão listados a seguir, mas que não tratam propriamente dos aspectos da geopolítica da temática aqui tratada, são eles: PINHO, Claudio A.. Pré-sal: história, doutrina e comentário às leis. Belo Horizonte: Legal, 2010; PIQUET, Rosélia (org) - Mar de Riqueza, Terras de Contrastes. Rio de Janeiro, Ed. Mauad, 2011; VELLOSO, João Paulo dos Reis (Coord). Brasil, novas oportunidades. Rio de Janeiro: José Olympio, 2010; 4 Vale um importante registro sobre o site da ANP (http://www.anp.gov.br), que apresenta muitos dados sobre legislação, anuários estatísticos, relatórios institucionais, boletins, livros e revistas ligadas ao setor de petróleo no Brasil. Outras sites que merecem destaque: CIPEG (Centro de Informações da Produção de Petróleo e Gás) do Departamento de Recursos Minerais do Estado do Rio de Janeiro (http://www.petroleo.rj.gov.br/site/index.php), e o site da Consultoria Legislativa (http://www2.camara.gov.br/a-camara/estruturaadm/conle), que disponibiliza publicações como estudos e notas técnicas, livros eletrônicos e teses em 21 áreas temáticas como Meio Ambiente e Direito Ambiental, Organização Territorial, Desenvolvimento Urbano e Regional, Trânsito e Transportes, e Recursos Minerais, Hídricos e Energéticos Recursos minerais, hídricos e energéticos
5 Das instituições consultadas a Pontifícia Universidade Católica do Rio apresentou duas dissertações de mestrado e uma monografia de graduação; a Universitade Federal do Rio de Janeiro, uma dissertação de mestrado e uma monografia de graduação e a Fundação Getúlio Vargas do Rio de Janeiro, uma dissertação, todas elas centradas na marco regulatório ou nos modelos de arrecadação a serem adotados pelo Estado Brasileiro. 6 BANDEIRA, Luiz Alberto Moniz - Geopolítica e Política Exterior Estados Unidos, Brasil e América Do Sul. Brasília: Fundação Alexandre de Gusmão, 2009. BENEVIDES, Neil Giovanni Paiva - Relações Brasil-Estados Unidos no setor de energia. Brasília:Fundação Alexandre de Gusmão, 2011. PIMENTEL, Fernando - O fim da era do petróleo e a mudança do paradigma energético mundial: perspectivas e desafios para a atuação diplomática brasileira. Brasília: Fundação Alexandre de Gusmão, 2011. PIMENTEL, José Vicente de Sá - O Brasil os BRICS e a agenda internacional. Brasília : FUNAG, 2012. PIMENTEL, José Vicente de Sá (et. al.) A América do Sul e a integração regional Rio de Janeiro: Fundação Alexandre de Gusmão, 2012. 7 WRIGHT, James Terence e SPERS, Renata Giovinazzo. O país no futuro: aspectos metodológicos e cenários. In Estudos Avançados. USP. Volume 20, No 56, Janeiro-Abril, 2006, p.13-14. 8 MACHADO, Mônica Sampaio, REIS, Ciro Marques. “A Petrobras na nova confuguração energética global.” Geo UERJ, Rio de Janeiro: UERJ, 2, jan. 2012. Disponível em: http://www.e-publicacoes.uerj.br/index.php/geouerj/article/view/2460/1732. Acesso em: 01 Ago. 2012.
9 PIMENTEL, Fernando. O fim da era do petróleo e a mudança do paradigma energético mundial: perspectivas e desafios para a atuação diplomática brasileira. Brasília: Fundação Alexandre de Gusmão, 2011. 10 METRI, Paulo – Pré-sal: riqueza, poder e discórdia. Disponível em: www.tensoesmundiais.net/index.php/tm/article/download/102/143. 11 O Memorando de Entendimento de 2007 forma parceria bilateral que inclui pesquisa e desenvolvimento de tecnologia, ação conjunta para o estímulo a produção e consumo de etanol na América Central e África e a cooperação no Fórum Internacional de Biocombustíveis para a formação de padrões uniformes e normatização que configure um mercado de biocombustíveis. (BENEVIDES, Neil Giovanni Paiva. Relações Brasil-Estados Unidos no setor de energia: do mecanismo de consultas sobre cooperação energética do memorando de entendimento sobre biocombustíveis (2003-2007). Brasília: Fundação Alexandre de Gusmão, 2011.
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12 BENEVIDES, Neil Giovanni Paiva. Relações Brasil-Estados Unidos no setor de energia: do mecanismo de consultas sobre cooperação energética do memorando de entendimento sobre biocombustíveis (2003-2007). Brasília: Fundação Alexandre de Gusmão, 2011, p.16. 13 BANDEIRA, Luiz Alberto Moniz - Geopolítica e Política Exterior Estados Unidos, Brasil e América Do Sul. Brasília: Fundação Alexandre de Gusmão, 2009.
BIBLIOGRAFIA BANDEIRA, Luiz Alberto Moniz. Geopolítica e Política Exterior Estados Unidos, Brasil e América do Sul. Brasília: Fundação Alexandre de Gusmão, 2009. BENEVIDES, Neil Giovanni Paiva. Relações Brasil-Estados Unidos no setor de energia: do mecanismo de consultas sobre cooperação energética do memorando de entendimento sobre biocombustíveis (2003-2007). Brasília: Fundação Alexandre de Gusmão, 2011. Brasil. Lei no 12.351, de 22 de dezembro de 2010. Brasil. Lei no 9.478, de 6 de agosto de 1997. Brasil. Lei no 12.304, de 2 de agosto de 2010.
Brasil. Lei no 12.276, de 30 de Junho de 2010.
LIMA, Paulo Cesar Ribeiro. “Descrição e análise do contrato de Cessão Onerosa entre a União e a Petrobrás.” Consultoria Legislativa, Brasília: Câmara dos Deputados, Nota Técnica, Setembro de 2010, p. 4.
MACHADO, Mônica Sampaio, REIS, Ciro Marques. “A Petrobras na nova configuração energética global.” Geo UERJ, Rio de Janeiro: UERJ, 2, jan. 2012. Disponível em: http://www.e-publicacoes.uerj.br/index.php/geouerj/article/view/2460/1732. Acesso em: 01 Ago. 2012.
METRI, Paulo – Pré-sal: riqueza, poder e discórdia. Disponível em: www.tensoesmundiais.net/index.php/tm/article/download/102/143 PIMENTEL, Fernando. O fim da era do petróleo e a mudança do paradigma energético mundial: perspectivas e desafios para a atuação diplomática brasileira. Brasília: Fundação Alexandre de Gusmão, 2011. SOUZA, Francisco José Rocha. “A Cessão Onerosa de áreas do pré-sal e a capitalização da Petrobrás.” Consultoria Legislativa, Brasília: Câmara dos Deputados, Nota Técnica, Fevereiro de 2011, p. 14. WRIGHT, James Terence e SPERS, Renata Giovinazzo. O país no futuro: aspectos metodológicos e cenários. In Estudos Avançados. USP. Volume 20, No 56, Janeiro-Abril, 2006, p.13-14.