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BRANQUEAMENTO DAS VIRTUDES Paula de Castro Cédula Profissional n.º 25882 L 2.º Curso de Estágio de 2004 Patrono: Dr. Amadeu José dos Santos

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BRANQUEAMENTO

DAS

VIRTUDES

Paula de Castro

Cédula Profissional n.º 25882 L

2.º Curso de Estágio de 2004

Patrono: Dr. Amadeu José dos Santos

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BRANQUEAMENTO DAS VIRTUDES

Paula de Castro

Céd. 25882 L 1

“Abyssus abyssum invocat”

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BRANQUEAMENTO DAS VIRTUDES

Paula de Castro

Céd. 25882 L 2

Índice

1. Introdução

2. O Branqueamento de Capitais:

2.1. Enquadramento do Problema

2.2. O Pós 11 de Setembro de 2001

2.3. Quadro Legal /Evolução (Nacional/Internacional)

3. 1ª Fase – A Pioneira Convenção das Nações Unidas de 1988.

4. 2ª Fase – A Directiva 91/308 CEE, do Conselho de 1991

5. 3ª Fase - A Directiva 2001/97/CE do Conselho de 10 de Junho

5.1. As Obrigações dos Advogados

5.1.1. O dever de comunicação

5.1.2. O dever de colaboração

5.1.3. O dever de abstenção

6. Cont. 3ª Fase - A Lei n.º11/2004, de 27 de Março

6.1. Os Deveres impostos pela Lei do Branqueamento “versus”

Os Deveres Estatutários violados

6.2. Exclusão de Responsabilidade (Art.º12.º)

6.3. A excepção (N.3, Art.º30º)

7. “The Tipping-off Article” (Art.º8º, n.º2)

8. Aplicabilidade Da Directiva A Nível Comunitário

9. A Presunção De Inocência

10. A Constitucionalidade

11. A Proposta de Terceira Directiva

12. Conclusão

Fls.

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BRANQUEAMENTO DAS VIRTUDES

Paula de Castro

Céd. 25882 L 3

1. Introdução

O Branqueamento de Capitais e a criminalidade a ele associada, apesar de terem a

sua origem nos finais da década de setenta, são um fenómeno com

desenvolvimentos recentes. Este problema de proporção internacional, agravado

com fenómeno da globalização crescente necessita de um combate feroz por parte

das entidades competentes, e por parte de todos os cidadãos, como referiu o Sr.

Presidente da República, Dr. Jorge Sampaio, há um desejo generalizado de “que a

justiça e a moralidade sejam repostas no país” e acrescente-se no Mundo.

O forte ataque desencadeado ao mundo Ocidental pelo terrorismo de

fundamentalismo religioso muçulmano, despoletou uma série de reacções, desde o

pânico, ao medo, à fúria e à raiva, e justificou o fluxo legislativo verificado nestes

últimos anos (pós 11 de Setembro de 2001). Efectivamente, constata-se um

crescimento exponencial de legislação e uma redução qualitativa no que concerne

aos direitos, liberdades e garantias individuais que são restringidos face ao estado

de necessidade, de protecção e segurança assumidos pelos Estados.

Neste contexto, a nível comunitário a Directiva 91/308/CEE do Conselho de 10 de

Junho, revista pela Directiva 2001/97/CE do Parlamento Europeu e do conselho de

4 de Dezembro de 2001 (adiante designada abreviadamente a “Directiva”), que foi

transposta para o ordenamento jurídico nacional pela Lei n.º11/2004 de 27 de

Março, vem impor uma série de deveres as entidades financeiras e não financeiras.

Relativamente às entidades não financeiras engloba entre outros os profissionais

jurídicos independentes, que em Portugal serão os Advogados, Advogados

Estagiários e Solicitadores. Estes profissionais que até então detinham os seus

direitos e deveres previstos na Lei n.º15/2005, de 26 de Janeiro, Estatuto da

Ordem dos Advogados, passam actualmente com a aplicação da Directiva a

estarem sujeitos também, ao cumprimento dos deveres impostos pela mesma, que

vão desde a identificação à denúncia.

Contextualizado o problema, parece-me indiscutível a necessidade veemente do

debate e discussão das questões originadas por este novo regime. Assim, define-se

inicialmente o conceito de Branqueamento de Capitais, sua evolução legislativa,

concentrando-nos particularmente na Directiva 91/308/CEE revista pela Directiva

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BRANQUEAMENTO DAS VIRTUDES

Paula de Castro

Céd. 25882 L 4

2001/97/CE e na sua transposição para o nosso ordenamento jurídico. Alude-se ao

sigilo profissional e à presunção de inocência, princípios cruciais do Estado de

Direito Democrático. Para finalizar procede-se à análise da proposta de Terceira

Directiva.

Vislumbram-se com a aplicabilidade da Directiva, questões, como as seguintes:

Será que o regime trazido pela Directiva cria um clima de suspeição entre

cliente/advogado?

Será que todos os cidadãos deverão ser “ab initio” considerados suspeitos da

prática de qualquer ilícito criminal?

Será que ao advogado passa a caber o papel de investigar, fiscalizar e confirmar ou

não esta suspeita aos órgãos competentes?

Será que ficam para trás o tempo em que “ad vocat” era tido como aquele

chamado a defender alguém, para dar lugar a um novo conceito de advogado –

infiltrado, semelhante a um “agente policial”?

Será que “os fins não justificam os meios”?

São questões como estas, e outras, que este trabalho pretende alertar e suscitar a

discussão, não almejando soluções, mas antes explanando uma panóplia de

conflitos criados e de possíveis soluções.

2. O Branqueamento de Capitais

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BRANQUEAMENTO DAS VIRTUDES

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2.1 Enquadramento do Problema

Para uma análise desta temática importa primeiramente definir o que é o

Branqueamento de Capitais e o porquê da preocupação crescente dos Estados e

das Organizações Internacionais em relação ao mesmo.

O Branqueamento de Capitais é o termo utilizado para descrever todo o

processo onde a identidade e a origem ilícita do dinheiro (ou outro tipo de

bens) é encoberta de forma a deter uma aparência lícita e assim entrar no

mercado financeiro e económico expurgado do mal que padecia “ab initio”.

A legislação penal portuguesa, na sequência do estipulado pela Directiva

2001/97/CE do Parlamento Europeu e do conselho de 4 de Dezembro de 2001 e na

sua consequente transposição realizada pela Lei n.º11/2004 de 27 de Março, para o

ordenamento interno, aditou ao Código Penal o art.º 368º-A, cuja epígrafe é

“Branqueamento” e que se apresenta com a seguinte redacção:

“1- Para efeitos do disposto nos números seguintes, consideram-se vantagens os

bens provenientes da prática, sob qualquer forma de comparticipação, dos

factos ilícitos típicos de lenocínio, abuso sexual de crianças ou de menores

dependentes, extorsão, tráfico de estupefacientes e substâncias psicotrópicas,

tráfico de armas, tráfico de órgãos ou tecidos humanos, tráfico de espécies

protegidas, fraude fiscal, tráfico de influência, corrupção e demais infracções

referidas no n.º1 do artigo1º da Lei 36/94, de 29 de setembro, e dos factos

ilícitos típicos puníveis com pena de prisão de duração mínima superior a 6

meses ou de duração máxima superior a 5 anos, assim como os bens que com

eles obtenham.

2-Quem converter, transferir, auxiliar ou facilitar alguma operação de conversão ou

transferência de vantagens, obtidas por si ou por terceiros, directa ou

indirectamente, com o fim de dissimular a sua origem ilícita, ou de evitar que o

autor ou participante dessas infracções seja criminalmente perseguido ou

submetido a uma reacção criminal, é punido com pena de prisão de 2 a 12 anos.

3-Na mesma pena incorre quem ocultar ou dissimular a verdadeira natureza,

origem, localização, disposição, movimentação ou titularidade das vantagens ou os

direitos a ela relativos.

...”

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BRANQUEAMENTO DAS VIRTUDES

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O branqueamento da forma como está regulado, traduz-se na criação de condições

para uma utilização lícita de bens ou produtos obtidos através da prática de factos

ilícitos típicos, vulgarmente conhecido por “lavagem de dinheiro” ou na versão

inglesa “Money Loundering”, contemplando esta actuação três fases distintas:

i. Colocação (Placement), aquando da introdução dos bens nos mercados

financeiros e legais;

ii. Camuflagem (Layering), através de inúmeras e sucessivas operações

bancárias, financeiras, entre outras, de modo a perder-se o rasto da origem

ilícita;

iii. Integração (Integration), nesta última fase utilizam-se os bens e os

produtos já “lavados” em actividades lícitas.

O objecto da incidência desta análise é fase da Camuflagem. Escolhido porque, o

desenvolvimento da criminalidade organizada e o aparecimento de novas formas de

branqueamento, caracterizadas pelo aproveitamento das novas tecnologias,

nomeadamente, nos domínios da informática e das telecomunicações, entendem as

entidades comunitárias que existe uma tendência no sentido de um maior recurso a

empresas não financeiras e a profissionais com conhecimentos técnicos susceptíveis

de possibilitar formas alternativas de branqueamento.

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BRANQUEAMENTO DAS VIRTUDES

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2.2 O Pós 11 de Setembro de 2001

Constituindo o branqueamento uma ameaça ao moderno Estado de Direito

Democrático, à paz pública interna, à segurança, ao bem estar e à qualidade de

vida das pessoas, ao regular funcionamento das instituições nacionais, ao normal

exercício dos poderes públicos e à garantia dos direitos fundamentais dos cidadãos,

impôs-se desde cedo, uma concertação dos Estado no sentido de combater este

fenómeno na sua globalidade inerente.

As entidades internacionais desde 1988 com a Convenção de Viena1 relativa ao

tráfico ilícito de estupefacientes e de substâncias psicotrópicas e pioneira neste

campo, vêm criando e aperfeiçoando mecanismos de combates a este fenómeno,

no esforço de caminhar para uma harmonização legislativa a nível internacional que

confira força e eficácia na luta contra esta criminalidade altamente organizada.

Em 1989 foi criada o FATF-GAFI2, “Financial Action Task Force on Money

Loundering”, um organismo intergovernamental que estabelece padrões e

desenvolve e promove políticas de combate ao Branqueamento de Capitais e ao

financiamento do terrorismo. Actualmente conta com 33 membros (31 países e

governos e 2 organizações internacionais) já exercendo desde sempre muita

pressão sobre os Estados na luta contra a criminalidade deste tipo.

Contudo, foi a partir do 11 de Setembro de 2001, e na reacção que se gerou pós

atentado ao World Trade Center (WTC), que se evidencia uma maior preocupação

dos vários Estados na prevenção e repressão do branqueamento de capitais de

forma a evitar o financiamento de grupos terroristas e a organização de redes

1 Art.º3º, n.º1, al.b) “ As Partes adoptam as medidas necessárias para tipificar como infracções penais

no respectivo direito interno...... i) A conversão ou a transferência de bens, com o conhecimento de que

os mesmos provêm de qualquer das infracções estabelecidas de acordo com a l.a) do n.º1 deste artigo,

ou da participação nessa ou nessas infracções, com o objectivo de ocultar, dissimular a origem ilícita

desses bens ou de auxiliar a pessoa implicada na prática dessa ou dessas infracções a eximir-se à

consequências jurídicas dos seus actos; ii) A ocultação ou a dissimulação da verdadeira natureza,

origem, localização, disposição, movimentação, propriedade ou outros direitos respeitantes aos bens,

com o conhecimento de que eles provêm de uma das infracções estabelecidas de acordo com a alínea a)

do n.º1 deste artigo ou de actos de participação nessa ou nessas infracções.”

2 www.fatf-gafi.org

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BRANQUEAMENTO DAS VIRTUDES

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criminosas a nível internacional, fenómeno auxiliado pela globalização financeira

que se intensificou neste século.

A título de exemplo:

A 24 de setembro de 2001: O presidente George W. Bush assinou

uma ordem executiva congelando os activos de 27 organizações e

pessoas suspeitas de financiar o terrorismo e apoiar a Al-Qaeda.

A 28 de setembro de 2001: O Conselho de Segurança das Nações

Unidas adoptou por unanimidade a UNSCR ( United Nations Security

Council Resolutions) 1373, que estabeleceu medidas de amplo

alcance para combater o terrorismo, concentrando-se especialmente

no apoio financeiro de que os terroristas necessitam para conduzir os

seus actos.

A 10 de outubro de 2001: O porta-voz do Departamento de

Estado, dos Estados Unidos da América, Richard A. Boucher afirmou

que suspeitos de terrorismo foram presos ou detidos em 23 países:

10 na Europa, 7 no Oriente Médio, 4 na África, 1 na América Latina e

1 no leste asiático. Foram tomadas medidas contra activos

financeiros dos terroristas. Autoridades perseguiram activos

financeiros dos terroristas em 112 países.

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2.3 Quadro Legal /Evolução (internacional/nacional)

O cenário legislativo que marca a trajectória do combate ao Branqueamento de

Capitais desde meados do séc. XX até aos nossos dias pode resumidamente,

traduzir-se em três fases:

1ª fase a partir de 1988:

Convenção de Viena, de 1988, sobre o tráfico ilícito de estupefacientes e de

substâncias psicotrópicas; Em Portugal foi dado cumprimento a esta

obrigação através da publicação do Decreto de Lei n.º15/93 de 22

de Janeiro, que no seu art.º 23º criminalizou, pela primeira vez o

branqueamento de capitais;

Convenção n.º 141 do Conselho da Europa, de 8 de Novembro de 1990,

relativa ao branqueamento, detecção, apreensão e perda dos produtos do

crime – a qual determinou a criminalização do branqueamento dos produtos

de um número de crimes mais amplo do que a Convenção de Viena;

2ª fase a partir de 1990:

Directiva 91/308 CEE, do Conselho de 1991, relativa à prevenção de

utilização do sistema financeiro para efeitos de branqueamento de capitais –

o Decreto de Lei n.º 313/93, de 15 de Setembro, transpõe esta

Directiva para a ordem jurídica nacional. Manteve a tipificação de

branqueamento de capitais quando tivessem subjacentes crimes de

tráfico de drogas e apresentou como sujeitos dos deveres as

instituições de crédito, sociedades financeiras, empresas

seguradoras e sociedades gestoras de fundos de pensões;3

Decreto de .Lei. n.º 325/95, de 2 de Dezembro – Este diploma acrescentou

à lista de crimes subjacentes ao regime do branqueamento de capitais, o

terrorismo, o tráfico de armas, a extorsão de fundos, o rapto, o lenocínio, a

corrupção e demais infracções tipificadas na Lei n.º 36/94, de 29 de

Setembro. A lista das entidades sujeitas aos deveres também foi

aumentada, passando a constar as empresas concessionárias de jogos em

casinos, as pessoas que exerçam actividades de mediação imobiliária e a

3 Aqui o legislador nacional optou pelo patamar mínimo a que estava obrigado, tanto a nível da

tipificação dos crimes sujeitos à tipificação penal, como no que concerne às entidades sujeitas a este

novo regime.

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compra e venda de imóveis, as entidades que paguem prémios de apostas

ou lotarias e os comerciantes de bens de elevado valor unitário;4

Acção Comum de 3 de Dezembro de 1998, adoptada pelo Conselho com

base no artigo K.3 do Tratado da União Europeia, relativamente ao

branqueamento de capitais, identificação, detecção, congelamento,

apreensão e perda de instrumentos e produtos do crime (98/699/JAI);

3ª fase desde 2001:

Decisão-Quadro do Conselho, de 26 de Junho de 2001, relativa ao

branqueamento de capitais, à identificação, detecção, congelamento,

apreensão e perda de instrumentos e produtos do crime (2001/500/JAI);

Directiva 91/308/CEE do Conselho, de 10 de Junho, revista pela directiva

2001/97/CE do Parlamento Europeu e do Conselho de 4 de Dezembro de

2001 – transposta para o ordenamento jurídico nacional pela Lei n.º

11/2004, de 27 de Março;

Convenção das Nações Unidas contra a criminalidade organizada

transnacional, aprovada em 15 de Novembro de 2000 e em vigor na ordem

jurídica internacional desde 29 de Setembro de 2003.5

As 40 recomendações do FATF-GAFI, foram revistas e alteradas.

Aplicam-se agora não apenas ao Branqueamento de Capitais, mas também

ao financiamento do terrorismo e quando conjugadas com as 8

recomendações especiais sobre financiamento do terrorismo

constituem um quadro avançado, completo e consistente de medidas de

combate ao Branqueamento de Capitais.

Legislação interna de alguns países com impacto mundial:

EUA –“Patriots Act”

Reino Unido - “Anti Terrorism Crime and Security Act” e “Proceeds of Crime

Act 2002”

4 Este diploma foi alterado pela Lei n.º65/98 de 2 de Setembro; pelo D.L. n.º275A/2000, de 9 de

Novembro; pela Lei n.º104/2001 de 25 de Agosto; pelo D.L. n.º323/2001 de 17 de Dezembro e pela Lei

n.º10/2002 de 11 de Fevereiro. 5 Art.º 6º e 7º.

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3. 1ª Fase – A Pioneira Convenção das Nações Unidas de 1988.

A Convenção das Nações Unidas contra o Tráfico Ilícito de Estupefacientes e de

Substâncias Psicotrópicas de 1988, foi a primeira convenção internacional a tratar

da matéria de branqueamento, obrigando à sua criminalização em caso de tráfico

de drogas. Assinada e ratificada por Portugal em 1991 (Resolução da Assembleia da

República n.º 29/91 e Decreto do Presidente da República n.º 45/91, publicados no

Diário da República, de 6 de Setembro de 1991).

Tal instrumento de direito internacional público visava prosseguir três objectivos:

privar aqueles que se dedicam ao tráfico de estupefacientes do produto das

suas actividades criminosas, suprimindo, deste modo, o seu móbil ou

incentivo principal e evitando, do mesmo passo, que a utilização de fortunas

ilicitamente acumuladas permita a organizações criminosas transnacionais

invadir, contaminar e corromper as estruturas do Estado, as actividades

comerciais e financeiras legítimas e a sociedade a todos os seus níveis.

adoptar medidas adequadas ao controlo e fiscalização dos precursores,

produtos químicos e solventes, substâncias utilizáveis no fabrico de

estupefacientes e de psicotrópicos e que, pela facilidade de obtenção e

disponibilidade no mercado corrente, têm conduzido ao aumento do fabrico

clandestino de estupefacientes e de substâncias psicotrópicas.

reforçar e complementar as medidas previstas na Convenção sobre

Estupefacientes de 1961, modificada pelo Protocolo de 1972, e na

Convenção sobre Substâncias Psicotrópicas de 1971, colmatando brechas e

potenciando os meios jurídicos de cooperação internacional em matéria

penal.

Em Portugal foi dado cumprimento a esta obrigação através da publicação do

Decreto de Lei n.º15/93 de 22 de Janeiro, que no seu art.º 23º com a epígrafe

“Conversão, transferência ou dissimulação de bens ou produtos” criminalizou, pela

primeira vez o branqueamento de capitais.

Apesar de incipiente, este foi o passo decisivo para a criminalização do

branqueamento de capitais, e para a crescente preocupação da sociedade

internacional face a esta problemática.

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4. 2ª Fase – A Directiva 91/308 CEE, do Conselho de 1991

Dada a necessidade de uma acção comunitária contra o branqueamento de capitais,

a Directiva 91/308 CEE, do conselho de 1991, relativa à prevenção da utilização do

sistema financeiro para efeitos de branqueamento de capitais.

Com efeito, para facilitar as suas actividades criminosas, os branqueadores de

capitais poderiam tirar partido da liberalização dos movimentos de capitais e da

livre prestação de serviços financeiros que o espaço financeiro europeu implica, daí

que se justifique a adopção de medidas de coordenação a nível comunitário

relativamente ao sector financeiro.

Deste modo, considera-se necessário assegurar que os estabelecimentos de crédito

e outras instituições financeiras:

exijam a identificação dos clientes que com elas estabeleça relações

comerciais;

relativamente às transacções, devem conservar, durante pelo menos cinco

anos, cópia ou referência dos documentos comprovativos e registos;

examinem com especial atenção qualquer transacção que considerem

especialmente susceptível, devido à sua natureza, de estar ligada ao

branqueamento de capitais;

procedam ao levantamento do sigilo bancário;

comuniquem , sem alertar os clientes envolvidos, as transacções suspeitas.

Esta Directiva visando as instituições de crédito, não logrou obter os efeitos

desejados, uma vez que o regime implementado não apresentava a eficácia

pretendida na prevenção e luta contra actividades branqueadoras de capital.

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5. 3ª Fase- A Directiva 91/308/CEE do Conselho de 10 de Junho

A Directiva 2001/97/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 4 de Dezembro

de 2001, é responsável por profundas alterações à Directiva 91/308/CEE do

Conselho de 10 de Junho, passando pelo alargamento da lista dos tipos subjacentes

ao crime de branqueamento; pelo desenvolvimento e aprofundamento de alguns

deveres e pelo alargamento das categorias profissionais que ficam sujeitas a

deveres de prevenção do crime de branqueamento de capitais como é o caso

do Advogado.

Cria assim, a partida conflitos preocupantes com os deveres deontológicos que

desde os primórdios dos tempos fazem parte integrante da profissão e dos

advogados.6

Em relação à 1991 o regime previsto na Directiva passa a ser também aplicável aos

seguintes profissionais e actividades:

• auditores técnicos;

• os técnicos de contas externos;

• os consultores fiscais;

• os agentes imobiliários;

• os notários;

• (outros) profissionais forenses independentes;

• os negociantes de bens de elevado valor;

• os leiloeiros e

• os casinos.

De forma variável de Estado para Estado, os notários, profissionais forenses,

auditores, técnicos de contas e consultores fiscais são entidades que exercem a

consulta jurídica ou praticam o patrocínio judiciário.

6 E consecutivamente aos deveres dos Advogados-Estagiários, tal como expresso no art.º 186º e 189º

do Estatuto da ordem dos Advogados.

Art.º186º “Os Advogados Estagiários ficam, desde a sua inscrição obrigados ao cumprimento

presente Estatuto e demais regulamentos.”

Art.º189º competência dos advogados estagiários....

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Assim, e no intuito de proteger o sigilo profissional, a Directiva prevê um regime

especial em relação às actividades sujeitas a denúncia, enumeradas no art.º 2º A, e

são as seguintes:

A compra e venda de bens imóveis ou de entidades comerciais;

A gestão de fundos, valores mobiliários ou outros activos, pertencentes ao

cliente;

A abertura ou gestão de contas bancárias, de poupança ou de valores

mobiliários;

A organização dos fundos necessários à criação, exploração ou gestão de

sociedades;

A criação, exploração ou gestão de trusts, de sociedades ou de estruturas

análogas.”

Também prevê um regime especial em relação às transmissões das informações

sobre factos sujeitos aos deveres de comunicação e colaboração.

Em Portugal este regime especial somente contempla os Advogados (bem como os

Advogados Estagiários) e Solicitadores, uma vez que apenas este podem praticar a

consulta jurídica e o patrocínio judiciário.7

7 Lei dos Actos Próprios dos Advogados e Solicitadores, Lei n.º49/2004, de 24 de Agosto

Art.º1, n.º5

”...são actos próprios dos advogados e dos solicitadores.

a) O exercício do mandato forense;

b) A consulta jurídica.”

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5.1 As Obrigações Dos Advogados

A artigo 2ºA da Directiva, cerne da regulação no que diz respeito aos advogados,

selecciona algumas actividades8, relativamente às quais os advogados ficam

obrigados legalmente a cumprir uma série de deveres prescritos, de entre os quais

se salientam os deveres de comunicação9, colaboração10, e abstenção11.

5.1.1 O dever de comunicação

O dever de comunicação, previsto no art.º 6º, n.º1, primeira parte, consiste na

obrigação de informar, por iniciativa própria, as autoridades sobre quaisquer factos

que possam constituir indícios de operações de branqueamento de capitais.

Quais os factos a comunicar é um problema que a Directiva não resolve. Por um

lado a Directiva não define se as actividades previstas no art.º 2 º A têm uma

natureza taxativa ou meramente enunciativa, isto é, não se sabe se o regime

imposto é aplicável unicamente quando estejam em causa as actividades prescritas

na lei, ou se o regime também se deverá aplicar em actividade semelhantes e afins.

Por outro lado, a indicação de parâmetros delimitadores em relação ao juízo de

suspeita exigido seriam de elevado valor interpretativo em relação a todo este

sensível tema, porém, como eles não existem em nenhum capítulo da directiva,

apenas podemos auxiliar-nos da formação moral, da prudência e da sensibilidade

jurídica do Advogado.

Parece-me que esta análise subjectiva, devendo ser feita caso a caso, apenas

pode ter como consequência o abandono da lide por parte do advogado, por a

8 Art.º2ºA da Directiva 91/308/CEE do Conselho

i. A compra e venda de bens imóveis ou de entidades comerciais;

ii. A gestão de fundos, valores mobiliários ou outros activos, pertencentes ao cliente;

iii. A abertura ou gestão de contas bancárias, de poupança ou de valores mobiliários;

iv. A organização dos fundos necessários à criação, exploração ou gestão de sociedades;

v. A criação, exploração ou gestão de trusts, de sociedades ou de estruturas análogas.” 9 Art.º 6º, n.º1 al.a) 10 Art.º 6, n.º1, al.b) 11 Art.º7º

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considerar injusta12, ou por alcançar fins injustos, nunca pode ter como

consequência transformar o advogado num vulgar “delator”.

Salienta-se o facto de não ser exigida, nem ser prescrito na lei, qualquer critério

objectivo mínimo para a verificação do grau de perigo, ou do grau de suspeita

atendível, para se justificar a denúncia da operação; a Directiva parece bastar-se

com o mero receio, com a mera dúvida, pondo em causa a própria eficácia da

norma.

Mas mais, a falta de critérios orientadores colocam ao advogado, o problema

deontológico de saber se pode ou não, a qualquer momento abandonar a causa,

uma vez que como refere o art.º 95º, n.º1, al.e), e n.º2, do Estatuto da Ordem dos

Advogados13 (EOA) , o advogado apenas pode cessar o mandato mediante motivos

plausíveis e justificáveis.

Problema este, que é tanto legal, como ético e moral. Saber o advogado se pode,

se deve, continuar a patrocinar alguém que no cumprimento da obrigação legal,

teve que denunciar. Está ou não o elemento imprescindível e fundamental do

patrocínio, a confiança posta em causa?

Em jeito de resposta defende o Dr. Nuno Brandão14, que a mera suspeita deve por

termo à relação com o cliente, alicerçando essa conclusão no facto de ter sido posta

em causa e ameaçada a relação de confiança subjacente e imprescindível entre

cliente/advogado.

Mas, cabe, única e exclusivamente, a lei responder a esta interrogação.

5.1.2 O dever de colaboração

O dever de colaboração, verifica-se com a obrigação imposta ao advogado de

facultar às autoridades, a pedido destas, todas as informações necessárias.

12 Art.º 85º, n.º2, al.b) do Estatuto da Ordem dos Advogados 13 Lei n.º 15/2005, de 26 de Janeiro. 14 Brandão, Nuno, Branqueamento de Capitais: O Sistema Comunitário de Prevenção, 2002, Coimbra Editora.

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Aqui a solicitação de informação cabe às autoridades. Parece no entanto, ser

condição deste preceito estar já a correr um processo de investigação ou de

repressão de um crime.

Porém, algumas dúvidas insurgem-se:

Será condição deste dever de colaboração a existência de um processo em curso?

Será que este processo deverá ser consequência do dever de comunicação ou ter

qualquer outra origem?

Será que o “facultar todas as informações” serão informações sobre operações

concretas ou não?

Será que terá que haver ou não já uma certeza sobre o branqueamento de

capitais?

5.1.3 O dever de abstenção

O art.º 7º, prescreve que as instituições e as pessoas sujeitas ao dever de

informação se souberem ou suspeitarem que uma transacção relacionada com o

branqueamento de capitais antes mesmo de avisarem as autoridades devem

abster-se de as executar – dever de abstenção.

Olhemos agora, a última parte deste preceito onde refere:

• “As autoridades podem, nas condições determinadas pela legislação

nacional, dar instruções para que a operação não seja executada”

• “ No caso de se suspeitar que a operação em questão vai dar lugar a

uma operação de branqueamento e de a abstenção não ser possível

ou ser susceptível de impedir o procedimento criminal contra os

beneficiários da operação suspeita de branqueamento, os

estabelecimentos e instituições em questão fornecerão

imediatamente as informações requeridas.”

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Também aqui se suscitam alguns problemas de interpretação, e mais uma vez de

eficácia do pretendido, uma vez que, tendo o advogado recebido uma “instrução”

para não executar uma operação, está vinculado a ela? Sob que sanção? Ou é

meramente orientadora?

Até aqui, o advogado que se pautava por um princípio de total independência quer

do poder político, legislativo e até judicial, começará a ceder perante os órgão de

polícia criminal e a acatar as suas “instruções” sem nada a opor.

Por outro lado, sendo o advogado sujeito de deveres estatutários no decorrer da

sua actividade, ao deparar-se com um caso que permita a suspeita de

relacionamento com capital de proveniência ilícita, por tratar-se de uma causa

injusta, à partida, ou pelo menos com fins injustos, é seu dever recusar o mandato,

ou caso já o tenha aceite, cessá-lo por justa causa. Não sendo para tanto

necessário qualquer “instrução” de nenhuma entidade terceira, baseado

unicamente no estrito respeito das suas regras profissionais e morais.

Do que fica dito, a dúvida quanto à natureza da “instrução” é meramente retórica,

porque independentemente do carácter que lhe seja atribuído, de orientação de

conduta ou de ordem vinculativa, aos advogados ela não se lhe pode aplicar, e só

há uma explicação clara e simples para esta incontornável conclusão – a

INDEPENDÊNCIA daquele que se não for, deixa de ser.

“O Advogado, no exercício da sua profissão, mantém sempre em quaisquer

circunstância a sua independência, devendo agir livre de qualquer pressão,

especialmente a que resulte dos seus próprios interesses ou de influências

exteriores, abstendo-se de negligenciar a deontologia profissional no

intuito de agradar ao seu cliente, aos colegas, ao tribunal ou a terceiros.”15

15 Art.º 84º EOA

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6. Cont. 3ª Fase –A Lei n.º11/2004 de 27 de Março 16

A Directiva 91/308/CEE do Conselho de 10 de Junho (revista pela Directiva

2001/97/CE do Parlamento Europeu e do conselho de 4 de Dezembro de 2001) foi

transposta para o ordenamento jurídico português pela Lei n.º 11/2004 de 27 de

Março, que empregou uma técnica legislativa baseada distinção tradicional,

nomeadamente, de:

• entidades financeiras (subsecção I, da secção II, do capítulo II) e

• entidades não financeiras (subsecção II , da secção II, do capítulo II).

Referem os artigos 19º, 20º e 31º quais as entidades não financeiras sujeitas,

agora também, ao regime da prevenção e repressão ao branqueamento de capitais.

Entre elas a que ora nos interessa - Os Advogados.

São os Advogados, Advogados Estagiários e os Solicitadores, os únicos a quem a

legislação nacional comete a consulta jurídica e o patrocínio forense e, por isso, os

únicos profissionais em Portugal que podem beneficiar do regime especial para as

profissões forenses.17

O legislador, reproduzindo a Directiva, no art.º 20, al.f) optou por fazer uma

identificação das operações nas quais, se houver intervenção de advogado, se

activam para os mesmos, os vários deveres do regime da prevenção e repressão do

branqueamento de capitais.

São estas operações as seguintes:

i. Compra e venda de bens imóveis, estabelecimentos comerciais e

participações sociais;

ii. Gestão de fundos, valores mobiliários ou outros activos pertencentes a

clientes;

16 Neste ponto 4., qualquer referência a artigos sem identificação da fonte, remetem-se à Lei de

transposição, Lei n.º 11/2004, de 27 de Março. 17 Lei dos Actos Próprios dos Advogados e Solicitadores, Lei n.º 49/2004, de 24 de Agosto

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iii. Abertura e gestão de contas bancárias, de poupança e de valores

mobiliários;

iv. Criação exploração ou gestão de empresas, fundos fiduciários ou estruturas

análogas;

v. Financeiras ou imobiliárias, em representação do cliente;

vi. Alienação e aquisição de direitos sobre praticantes de actividades

desportivas profissionais.

A presente lei distingue ainda duas formas do advogado intervir ou assistir na

operação, formas estas, que apresentam diferenciações a nível de adopção dos

diversos deveres impostos pela presente legislação:

1) Em representação (em nome) do cliente – acciona de imediato

os deveres impostos sempre que estiver em causa

qualquer operação financeira ou imobiliária, qualquer que

seja a sua natureza (ponto.v., al.f) art.º 20º);

2) Por conta de um cliente, mas sem ser em representação deste –

nestes casos é o cliente quem pratica os actos juridicamente

relevantes e não o advogado em sua representação, nestas

situações a lei enumera as operações que activam os deveres do

advogado (pontos i., ii., iii., iv. e vi, da al.f), do art.º20º).

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6.1. Os Deveres impostos pela Lei do Branqueamento “versus” Os Deveres

Estatutários18 violados.

6.1.1. O dever de exigir identificação vs. O dever de verificar identificação

O disposto nos arts.º 3º e 29º impõem o dever de exigir a identificação,

sempre que os advogados intervenham por conta de um cliente, ou prestem

colaboração, em operações onde os montantes envolvidos sejam iguais ou

superiores a 15.000,00 Euros. Nos casos em que prestem colaboração, nas

operações enumeradas no art.º20, al.f), têm também, o dever de proceder à

identificação dos seus clientes e do objecto dos contratos.

Esta identificação deverá ser feita mediante a apresentação de documento

comprovativo válido com fotografia, do qual conste o nome, naturalidade e data de

nascimento, tratando-se de pessoas colectivas, tal identificação deve ser efectuada

através de cópia do cartão de identificação de pessoa colectiva – informações estas

que deverão ser conservadas por períodos estipulados legalmente no âmbito do

dever de conservação de documentos (art.º5º).

Refere a al.c), do n.º2, do art.º85º do Estatuto da Ordem dos advogados,

com origem em recomendação do CCBE19,constituir dever dos advogados verificar

a identidade do cliente e dos representantes do cliente, assim como os poderes

conferidos a estes últimos.

Apesar de semelhantes, estes dois deveres impostos aos advogados apresentam

diferenças paradoxais que são importantes de salientar. O dever imposto pelo

Estatuto visa única e exclusivamente que o advogado saiba “quem patrocina”,

porque só assim poderá direccionar todo o seu conhecimento jurídico no sentido de

defender os interesses legítimos de quem o procura e prover pela melhor solução

da causa.

Já o dever imposto pela Lei n.º 11/2004, de 27 de Março, não visa, nem em última

instância, o melhor patrocínio do cliente, visa, antes pelo contrário, fazer do

18 Dos Advogados e Advogados Estagiários – Lei n.º15/2005, de 26 de Janeiro 19 3.1 Código de Deontologia dos Advogados da União Europeia.

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advogado um fiel depositário de uma base de dados pessoais, não autorizada,20cujo

único objectivo é facilitar uma futura investigação criminal em caso de

branqueamento de capitais (pelo menos por enquanto).

Pretende-se agora o advogado, prepara um dossier completo sobre as operações

realizadas com o cliente, com um separador inicial onde conste a fotocópia do

Bilhete de Identidade, ou outro dos meios identificativos permitidos, para dúvidas

não existirem, e posteriormente, se necessário, ser entregue mediante solicitação à

entidade competente.

6.1.2. Dever de recusa de operações ou contratos vs. Independência

Se os clientes recusarem fornecer os elementos de identificação solicitados, activa-

se o dever de recusa de operações ou contratos (art.º4º), ou seja, ou o

cliente fornece a identificação requerida ou, caso não o faça, o advogado tem o

dever de recusar a aceitação do patrocínio.

Como já foi referido, a al.c), do n.º2, do art.º 85º do EOA, requer também que seja

verificada a identificação do constituinte, mas em lugar algum prescreve que a

recusa de identificação impõe ao advogado a obrigação de recusar o patrocínio,

como se comprova pela leitura do artigo citado.

Porém, se da recusa de identificação advier um impossibilidade de garantir o

patrocínio do mesmo, o advogado deve cessar o mandato por sua iniciativa, e não

por aplicação automática do preceito.

Será que ao advogado é lícito responder ao cliente que aceita o patrocínio, somente

quando trouxer o Bilhete de Identidade?

6.1.3. Dever de exame vs. Dever de zelo profissional

O advogado tem agora o dever de exame (art.º6º), que consiste na obrigação de

analisar com especial atenção as operações que, nomeadamente pela sua natureza,

complexidade, carácter pouco habitual relativamente à actividade do cliente,

20 Lei n.º 41/2004, de 18 de agosto, que transpõe a Directiva 2002/58/CE do Parlamento europeu e do

conselho.

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Céd. 25882 L 23

valores envolvidos, frequência, situação económico financeira dos intervenientes ou

meios de pagamentos utilizados, se revelem susceptíveis de integrar os tipos legais

do crime de branqueamento.

Este dever de exame traduz-se na conjugação de vários deveres, nomeadamente, o

constante no n.º1, do art.º83º onde exige-se um comportamento profissional

adequado à dignidade e responsabilidade da função que exerce; constante do n.º2,

do art.º93º, que prescreve que o advogado não deve aceitar o patrocínio de uma

questão se souber que não tem competência para dela se ocupar.

Ora este dever de exame é consumido pelo dever de zelo profissional, presente a

partir do momento em que o advogado é contactado pelo cliente, quer para uma

consulta jurídica, para um mandato forense, ou para qualquer outra actividade em

que actue na qualidade de advogado e por isso, na defesa do cliente. Daí que não

vem acrescentar nada de novo àquilo que já era obrigação decorrente do Estatuto

da Ordem dos Advogados.

Nesse sentido o Acórdão Conselho Superior da Ordem dos Advogados Portugueses,

R-68/2001 de 5 de Julho de 200221:

“Não pode censurar-se a actuação do Sr. Advogado, se em consciência considerou

não ter viabilidade a acção em causa, quer pelo fundamento ou origem da dívida,

quer pela inexistência de provas e disso deu conhecimento ao recorrente,

cumprindo assim o dever de dar ao cliente a sua opinião conscienciosa sobre o

merecimento do direito ou pretensão que invoca...

Erro seria se o Advogado não tivesse feito tal reparo e conduzisse o participante

para uma acção que não lograsse obter êxito...”

6.1.4 Dever de informar vs. Sigilo Profissional

Se do exame da operação resultar a suspeita ou o conhecimento de determinados

factos que indiciem a prática do crime de branqueamento, o advogado tem o dever

de informar de imediato ao Bastonário da Ordem dos Advogados (art.º7º e 30º,

n.º2).

21 Todos os Acórdãos citados na presente exposição têm como fonte a Colectânea de legislação

profissional e pareceres, Conselho Distrital de Lisboa, Ordem dos Advogados Portugueses.

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Este regime especial previsto para os advogados, colocando a Ordem dos

Advogados como intermediário de qualquer relação com o Procurador Geral da

República, e fazendo da Ordem a balança que equilibra, permite uma segunda

avaliação da situação comunicada cabendo-lhe, em última análise, a última palavra

quanto ao preenchimento ou não dos pressupostos que obrigam ao dever de

comunicação.

Este preceito a ser cumprido ou a ser interpretado em primeira leitura põe em

causa um dever primordial, essencial ao exercício do advogado, o dever de sigilo

profissional.

Exemplificando, ou o advogado não conta, não revela, não divulga o patrocínio que

exerce, e o cliente assume isto como princípio basilar de relação de confiança com

o seu advogado. Ou o cliente assume, desde então, que fica na discricionariedade

do juízo do advogado em relação aos factos que lhe irá comunicar, e que

consequentemente pode informá-los a terceiros (Bastonário Procurador Geral da

República). E aqui então, a relação advogado/cliente, como a conhecemos, deixa de

existir.

O mandato forense somente deve exercer-se com base na mútua confiança

advogado/cliente (Ac. CSOA R-172/2003 de 9 de Janeiro de 200422), ou seja, o

advogado deve acreditar no cliente e este tem que ter inteira confiança em quem o

patrocina, criando-se um pacto de respeito mútuo.

A existência de uma sombra de desconfiança é o bastante para abalar a harmonia

das relações. Neste caso a única atitude correcta e digna da parte do advogado é

cessar de imediato o patrocínio, no cumprimento dos seus deveres deontológicos. E

assim, uma vez cessado o mandato, outro não poderá ser o entendimento, cessam

também quaisquer deveres de d4enúncia prescritos neste regime.

22 “ A relação de confiança entre cliente e advogado deve considerar-se condição “sine qua non” da

representação profissional do advogado .Tal relação não se basta com palavras mais ou menos de

circunstância”, in Colectânea de legislação profissional e pareceres, Conselho Distrital de Lisboa, Ordem

dos Advogados Portugueses.

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A obrigação de segredo apenas cede perante a absoluta necessidade de defesa da

dignidade, direitos e interesses legítimos do advogado ou do cliente, ou seus

representantes, mesmo que haja desvinculação por parte do cliente. E somente

mediante prévia autorização do Presidente do Conselho Distrital, com recurso para

o Bastonário, e apenas nos casos em que a autorização apenas pode ser concedida

quando a parte ou o advogado, careça em absoluto de outros meios de prova dos

factos em questão.

A violação desta imprescindível obrigação é acompanhada de reprovação

profissional e social, encontra-se assim definido como infracção disciplinar sujeita a

procedimento disciplinar(art.º 110º EOA) e como infracção penal(art.º 184ºCódigo

Penal).

O art.º 87º do Estatuto da Ordem dos Advogados é claro quando dispõe que “o

advogado é obrigado a guardar segredo profissional em relação a todos os factos

cujo conhecimento advenha do exercício das suas funções ou da prestação dos seus

serviços”. O n.º3 do mesmo artigo acrescenta que o segredo abrange ainda os

documentos ou outras coisas que se relacionem, directa ou indirectamente, com os

factos sujeitos a sigilo.

6.1.5 Dever de abstenção vs. Independência

O advogado encontra-se proibido de executar operações sobre as quais recaia

suspeita de estarem relacionadas com a prática do crime de branqueamento. Tem é

o denominado dever de abstenção (art.º 8º, n.º1 e 2), nos termos dos quais,

tem de ser enviada ao Procurador Geral da República, com a intermediação do

Bastonário (art.º30º, n.º5), informação sobre esta operação iminente ou em curso.

Depois de recebida a informação o Procurador Geral da República decide se emite

ordem de suspensão ou se determina que a operação pode ser executada. Se

determinar a suspensão, a sua decisão tem de ser confirmada pelo Juiz de

Instrução Criminal no prazo de dois dias úteis, sob pena de a ordem de suspensão

ficar sem efeito e de a operação poder ser executada se o advogado assim o

entender.

Em relação a este dispositivo só há uma coisa a dizer, se, eventualmente, após a

análise à situação pelo cliente apresentada o advogado concluir, ou suspeitar a

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prossecução de um fim ilícito, a única atitude correcta e esperada do advogado é a

recusa na aceitação do patrocínio, ou na sua continuação, e para tanto deve basear

a sua decisão numa fundamentação bastante, apresentada ao cliente aquando da

notícia da recusa.

Fora os casos em que exista uma suspeita com fundamento, o advogado como

refere o Ac. R-140/2002 de 6 de Dezembro de 2002 “...incorre em infracção

disciplinar o advogado que abandone o patrocínio do constituinte ou o

acompanhamento das questões que lhe são cometidas sem motivo justificado, art.º

83º, n.º1, als.d) e j) EOA...” (actualmente al.e), n.º1 e n.º2, do art.º95º do EOA).

Apenas pode ser imposto ao advogado o dever profissional e deontológico de

recusar um patrocínio que considere injusto, nunca o dever de comunicar/informar

a sua suspeita, ou até a sua certeza, seja a quem for, directamente ao Procurador

Geral da República, ou através do intermédio do Bastonário da Ordem dos

Advogados.

O n.º4, deste mesmo art.º8º, dispõe que no “caso de a abstenção não ser

possível, ou no entender do Procurador Geral da República, for susceptível

de frustrar ou prejudicar a actividade preventiva ou probatória da

autoridade, as entidades sujeitas ao dever de abstenção podem executar

as operações, devendo fornecer de imediato àquela autoridade todas as

informações a elas relativas”.

Este preceito de todos os deveres impostos pela Directiva e consequente

transposição legal é o mais confuso e principalmente o que ataca mais

directamente a dignidade da profissão.

Este artigo pretende fazer do advogado um “agente infiltrado”, que por instrução do

Procurador Geral da República tem o dever de continuar uma operação, a partida

ilícita, unicamente com a finalidade de garantir que o crime é cometido e que o

infractor é punido.

O advogado não é nem nunca pode ser um “agente provocador”. É alguém que

assume os interesses de uma parte e que por isso, lhe deve lealdade23/24 e

23 Art. 83º, n.º2 EOA

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confiança. Não pode portanto através da utilização de meios enganosos trair a

confiança nele depositada e deturpar intencionalmente a capacidade de decisão do

cliente.

Aqui pode o advogado deparar-se com um “drama instantâneo”:

Um cliente procura um advogado, expõe-lhe a sua situação, o advogado suspeita

que possa estar em causa operações ou actos que podem consubstanciar-se num

crime de branqueamento de capitais, mas não pode recusar o patrocínio, porque

por exemplo cumpre um prazo, ou qualquer outra razão, não pode deixar o

patrocinado sem defesa. Assim, o advogado vai ajudar a pratica de um crime, que

posteriormente ele próprio vai denunciar.

O que diria neste caso o advogado ao cliente: “Está tudo bem, não se preocupe que

eu vou tratar do assunto.”

E em reserva mental diria: “Está tudo bem, não se preocupe que eu vou tratar do

assunto e por minha mão você vai parar à cadeia”.

O Ac. CSOA n.º1-27/2000 de 3 de Maio de 2002, dispõe também no sentido único

da independência total dos advogados:

“A acção do advogado...não pode ser limitada ou coarctada sob pena de poderem

ficar irremediavelmente diminuídos e limitados os direitos dos seus representados.

É por isso que a Lei, concretamente a Lei de Organização e Funcionamento dos

Tribunais Judiciais, Lei n.º3/99 de 13 de Janeiro na al.b do n.º3 do art.º114º

consagra a imunidade do advogado como forma de garantir o desempenho eficaz e

livre do mandato forense, nomeadamente através do não sancionamento da prática

de actos conformes ao Estatuto da Profissão.”

Nunca podemos esquecer como doutamente escreve António Arnaut25 que o

advogado “é o homem mais livre em toda a extensão da palavra. Só pesam sobre

ele servidões voluntárias; nenhuma autoridade externa detém a sua actividade

individual; não tem, outro senhor senão a Lei”.

24 Ac. CSOA R-24-2003 de 8 de Setembro de 2003

“Os advogados têm para com a comunidade um papel de verdadeiros servidores da justiça, colaborando

e actuando de modo a que a aplicação da lei se faça de forma sã, correcta e leal.” 25 Iniciação à Advocacia, 7ª ed., Coimbra Editora, pág. n.º 43.

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6.1.6 Dever de colaboração vs. Sigilo profissional

O dever de colaboração (art.º9º) que recai sobre os advogados impõe que, logo

que seja solicitada a sua colaboração pela autoridade judiciária responsável pela

condução do processo, o advogado faculte a informação à Ordem que a transmite

àquela autoridade. O mandato de colaboração é endereçado directamente ao

advogado, este posteriormente deve requerer a intervenção da Ordem, facultando-

lhes todos os elementos solicitados.

Aqui apenas repete-se, para que dúvidas não restem, o já anteriormente afirmado:

o art.º 87º do Estatuto da Ordem dos Advogados é claro quando refere que o

advogado é obrigado a guardar segredo profissional em relação a todos os factos

cujo conhecimento advenha do exercício das suas funções ou da prestação dos seus

serviços, o n.º3 do mesmo artigo acrescenta que o segredo abrande ainda os

documentos ou outras coisas que se relacionem, directa ou indirectamente, com os

factos sujeitos a sigilo.

O segredo é assim, um dever de todos e a única garantia da plena dignidade e

lealdade do advogado, uma vez que pela natureza da profissão o advogado é fiel

depositário dos mais variados segredos e confidências, segredos e confidências que

permitem ao advogado o conhecimento aprofundado da situação do seu

constituinte e por isso a melhor defesa e dos seus direitos. Caso o segredo não

fosse uma imposição profissional e constitucional, a suspeita e a desconfiança

predominariam entre advogado/cliente e entre advogados entre si, gerando-se o

caos total.

6.1.7. O dever de Segredo vs Confiança e Lealdade

O dever de segredo (art.º10) implica, para o que ora nos interessa, que os

advogados, não podem revelar ao cliente ou a terceiros o facto de ter transmitido

qualquer informação, nem tão pouco que se encontra em curso uma investigação

criminal.

O legislador português neste preceito entendeu não fazer uso da faculdade

concedida pela Directiva de libertar os advogados desse dever.

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BRANQUEAMENTO DAS VIRTUDES

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Céd. 25882 L 29

A quebra de confiança é uma atitude peremptoriamente abolida pelo Estatuto e

principalmente pelos princípios éticos que regem a profissão.

O art.º 83º do EOA salienta a HONESTIDADE, a PROBIDADE, a RECTIDÃO, a

LEALDADE, a CORTESIA e a SINCERIDADE, como obrigações profissionais.

Daí que o legislador nacional, deveria ter optado por libertar os advogados do

cumprimento do dever de segredo face às informações prestadas, t5al atitude

justificar-se-ia plenamente pelo dever de lealdade do mandatário para com o

mandante.

Sendo a lealdade e a confiança a base do relacionamento que medeia

advogado/cliente, como admitir a “ideia” de que o advogado (mesmo que violando

todas as normas profissionais de sigilo impostas pelo Estatuto e pela sua

consciência) denuncie um cliente porque a isso foi obrigado por uma imposição

legal, mas que não lhe seja permitido (pelo menos) prevenir, alertar, patrocinar os

interesses de quem o contratou, actuando de forma honesta e colocando o cliente a

corrente de toda a problemática e suspeita de envolvimento em operações ilícitas

que o envolvem – e de algum modo remediando todo o inconveniente que uma

suspeita de branqueamento de capitais infundada pode ter na vida de um cidadão

honesto e cumpridor dos seus deveres ( não esquecendo a presunção de

inocência)?!

Para além de infringir todas a regras que está sujeito, qual será a motivação, a

competência, a lealdade com que um profissional forense fará o seu trabalho se ao

mesmo tempo tiver a consciência que oculta informação, por vezes com

implicações penais ao seu patrocinado. Como encarar o cliente?

6.1.7. Dever de criação de mecanismos de controlo vs. Formação contínua

Quanto ao dever de criação de mecanismos de controlo e formação

(art.º11º), apenas o podemos entender no que toca aos advogados no sentido de

impor a criação de condições para uma formação e actualização contínuas sobre as

questões relativas ao branqueamento.

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BRANQUEAMENTO DAS VIRTUDES

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Céd. 25882 L 30

No que concerne a mecanismos de controlo, entende-se que esta norma necessita

de adaptação para ser aplicada aos profissionais do foro, uma vez que a

independência, como já foi realçado, é um dos princípios basilares da classe.

No que diz respeito à formação, o advogado por uma questão de sobrevivência

num mundo onde prolifera a legislação e onde o que é hoje em princípio já não vai

ser o mesmo amanhã, impõe-se a si mesmo uma sucessiva formação e

actualização que poucas profissões conseguem igualar, daí que este normativo legal

a meu ver tenha um grau de necessidade quase nulo.

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Céd. 25882 L 31

6.2. Exclusão de Responsabilidade (Art.º12.º)

Refere este artigo que as informações prestadas de “boa fé” no cumprimento dos

deveres de comunicação, abstenção e colaboração, não constituem violação de

qualquer dever de segredo.

Este preceito confirma que a notificação de suspeitas de operações de

branqueamento de capitais não infringe qualquer obrigação de confidencialidade ao

abrigo do direito civil ou penal.

Este artigo constitui uma clara derrogação ao dever de segredo dos

Advogados e Advogados Estagiários, na medida em que a Lei n.º 15/2005, de 26

de Janeiro, o Estatuto da Ordem dos Advogados, no seu art.º110º, prescreve que

“comete uma infracção disciplinar aquele que violar dolosa ou culposamente algum

dos deveres deontológicos consagrados na disposição legal”.

O advogado é obrigado a guardar segredo profissional no que respeita a todos os

factos cujo conhecimento lhe advenha do exercício das funções ou da prestação do

seu serviço. Esta obrigação mantém-se quer o serviço solicitado ou cometido

envolva ou não representação judicial ou extrajudicial, quer seja ou não

remunerado, quer o advogado haja ou não chegado a aceitar e a desempenhar a

representação ou serviço.

O dever de sigilo somente cede nos casos legalmente previstos, que são muito

raros e mediante prévia autorização do Bastonário. Agora com este novo preceito

imposto pela Lei n.º11/2004, de 27 de Março, o Advogado é obrigado a derrogar o

segredo profissional sem que para tal esteja em causa a “defesa da dignidade,

direitos e interesses legítimos do próprio advogado ou do cliente ou seus

representantes...”(N.º 4, ART.º 87º EOA).

Como refere, o Dr. José de Sousa Macedo o “advogado, com ou sem mandato

forense, quando em representação de um cliente ou como seu simples confidente

ou conselheiro, que tiver conhecimento de actos que possam indiciar ou tipificar

delitos de branqueamento de capitais deve ficar a coberto de quaisquer dever de

denúncia, e o seu segredo profissional apenas afastado em casos excepcionais, em

que um preponderante e superior interesse público o justifique, admitidos já na lei

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BRANQUEAMENTO DAS VIRTUDES

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Céd. 25882 L 32

portuguesa, mas que passam, necessariamente, pela intervenção da Ordem dos

Advogados”26.

Acresce à problemática em questão a ausência de qualquer arbítrio por parte do

advogado na decisão de derrogação ou não do dever de segredo, decisão esta, que

mesmo nos casos permitidos estatutariamente facultam-lhe a hipótese de manter27

o sigilo profissional mesmo após a sua dispensa pelo Bastonário. Aqui a decisão em

ultima “ratio” encontra-se sempre nas mão e na livre consciência do advogado.

Enquanto que no regime imposto pela Directiva a “ultima palavra” cabe, no caso

português, ao Bastonário, que decide se há ou não fundamento para prosseguir a

comunicação.

A cláusula de exclusão de responsabilidade cria, no entanto, uma outra

problemática. O advogado passa agora a estar duplamente sujeito a abertura de

um procedimento disciplinar contra si, por um lado o Estatuto no seu art.º110º, já

citado é claro quando refere que quem violar os deveres impostos pelo Estatuto

comete uma infracção disciplinar, por outro lado, o não cumprimento da derrogação

ao dever de segredo efectuada pelo n.º1, do art.º12º da Lei do Branqueamento,

implica para o advogado como prescreve o art.º 50, da mesma Lei, a abertura de

procedimento disciplinar pela Ordem dos Advogados.

Ou seja, se o advogado cumpri os comandos e os deveres impostos pela directiva e

consequente transposição, está sujeito à instauração de um procedimento

disciplinar, não pela violação do dever de segredo, porque para este opera a

derrogação, mas para todos os outros deveres, como a confiança, a lealdade, a

honestidade, a informação ao cliente, entre outros, dado que para estes não existe

qualquer cláusula de derrogação. Caso contrário, se não cumpri o regime da Lei do

Branqueamento, mantêm intactos os seus deveres deontológicos, mas não escapa

a um procedimento disciplinar por tal conduta.

Em qualquer das hipóteses, a “ameaça” do procedimento disciplinar parece estar

sempre presente, independentemente da decisão a tomar.

26 Parecer da Comissão de Legislação – 2000

Revisão da Directiva n.º91/308/CEE “Branqueamento de Capitais e o Advogado” 27 n.º 6, art.º 87º EOA

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Céd. 25882 L 33

6.3. A excepção ( art.º 30º, n.º3)

A Directiva 91/308/CEE do Conselho de 10 de Junho (revista pela directiva

2001/97/CE do Parlamento Europeu e do conselho de 4 de Dezembro de 2001)que

deu resultado à presente disposição legal que se analisa, pretendia a fim de

colmatar a vulnerabilidade de certas profissões no domínio do branqueamento de

capitais, alargar os deveres de identificação, manutenção de registos e notificação

de transacções suspeitas aos notários e outros profissionais forenses

independentes.

Todavia, e apesar do pretenso risco iminente dos serviços destes profissionais

forenses serem utilizados de forma abusiva para efeitos de branqueamento de

capitais, a Directiva prevê “ab initio” um regime excepcional no qual sempre que

membros independentes de profissões que prestam consulta jurídica, legalmente

reconhecidas e reguladas, tais como ao advogados, determinem a situação jurídica

de um cliente ou representem um cliente no âmbito de um processo judicial, e

porque não seria adequado impor a estes profissionais forenses, a respeito dessas

actividades, uma obrigação de notificarem as suas suspeitas relativas a operações

de branqueamento de capitais. Neste casos exonera-se de qualquer obrigação

de comunicação as informações obtidas antes, durante ou depois do

processo judicial, ou no processo de determinação da situação jurídica por

conta do cliente.

A Directiva excepcionou e a transposição, no mesmo seguimento, refere no art.º

30, n.º 3:

“ Tratando-se de advogado (...) e estando em causa as operações da al.f) do artigo

20º não são enviadas informações(...)obtidas no contexto da avaliação da situação

jurídica do cliente, no âmbito da consulta jurídica, no exercício da sua missão de

defesa ou representação do cliente num processo judicial, ou a respeito de um

processo judicial incluindo um aconselhamento relativo à maneira de propor ou

evitar um processo, quer as informações sejam obtidas antes, durante ou depois de

um processo.”

A percepção da amplitude deste artigo carece da análise da Lei n.º 49/2004, de 24

de Agosto que define o sentido e o alcance dos actos próprios dos advogados.

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A estipulação legal prevê serem actos próprios dos advogados o exercício do

mandato forense e a consulta jurídica.28

Considera a disposição legal o mandato forense como o mandato judicial

conferido para ser exercido em qualquer tribunal, incluindo os tribunais ou

comissões arbitrais e os julgados de paz.29

O EOA no seu art.º 62º completa esta disposição qualificando como mandato

forense:

• O mandato judicial para ser exercido em qualquer tribunal;

• O exercício do mandato com representação, com poderes para negociar a

constituição, alteração ou extinção de relações jurídicas;

• O exercício de qualquer mandato com representação em procedimentos

administrativos, incluindo tributários, perante quaisquer pessoas colectivas

públicas ou respectivos órgãos ou serviços, ainda que se suscitem ou

discutam apenas questões de facto.

E a consulta jurídica30 é definida como a actividade de aconselhamento jurídico

que consiste na interpretação e aplicação de normas jurídicas mediante solicitação

de terceiro.

Facilmente se poderia defender que, salvaguardando a Directiva e a consequente

transposição, a não aplicabilidade do dever de comunicação aos casos em que

esteja em causa a consulta jurídica e o patrocínio judiciário, estaria salvaguardado

o cerne da advocacia. Deste modo não haveria razões que justificassem o receio de

relegar para segundo plano o princípio deontológico orientador e dignificador da

actuação do advogado – o dever de sigilo.

Parece-me demasiado simplista esta explicação que unicamente serve para

justificar um ataque directo e sem fim previsto à actividade que até aqui se pautava

pela independência – a advocacia.

28 Al. a) e b), do n.º5, do art.º 5. 29 Art.º 2º 30 Art.º 63º EOA

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Céd. 25882 L 35

Primeiramente, não se pode deixar de realçar que admitindo a tese que defende

estar a advocacia e os seus princípios salvaguardados, isto somente acontece

enquanto tivermos um regime excepcional.

O receio que esta cláusula excepcional se torne supérflua à vista do legislador

Europeu e nacional atira a profissão para uma constante incerteza e insegurança.

Deteriorando de forma crescente a visão pública na confiança e na dignidade

atribuída à classe.

Amanhã podemos ter o cenário delineado pela obrigatoriedade de prestar “contas”

a uma autoridade competente sempre que estejam em causa operações que

impliquem as actividades enumeradas.

Quem sabe, quando isto não bastar, se imponha ao advogado a obrigatoriedade de

realização de relatório mensais, trimestrais, de actividades, onde já não se requer

qualquer necessidade de suspeita, nem de actividades pré-estipuladas, mas onde

qualquer operação desempenhada pelo advogado requer necessariamente um crivo

superior a fim de lhe dar um parecer favorável de legalidade.

E mais do que isso, não se pode defender-se na excepção e “largar às feras” todos

aqueles que na qualidade de advogados, não menos dignamente, fazem destas

actividades referidas na al.f) do art.º20º da Lei do Branqueamento serviços

prestados aos clientes de forma sistemática.

De facto, a Lei n.º 49/2004, de 24 de Agosto estipula como actos próprios dos

advogados, para além do mandato forense e da consulta jurídica, também a a

elaboração de contratos, a prática dos actos preparatórios tendentes à constituição,

alteração ou extinção de negócios jurídicos, designadamente os actos praticados

junto de conservatórias e notários; a negociação tendente à cobrança de créditos e

o exercício de mandato no âmbito de reclamações ou impugnação de actos

administrativos ou tributários ( n.º5 e n.º6 da citada Lei).

Terá sido intuito do legislador englobar na consulta jurídica a realização de um

contrato? E sendo assim, coberto pela cláusula de excepção pevista? E se o acto for

acordado numa consulta jurídica, onde se define os parâmetros a seguir, mas

apenas entregue uma semana depois, já deixa de estar abrangido pelo regime

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BRANQUEAMENTO DAS VIRTUDES

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Céd. 25882 L 36

excepcional? Não parece ser o lapso temporal a distinção necessário a fazer-se,

novamente cabe a Lei definir a solução mais adequado ao caso em questão, solução

que não é conseguida pela directiva, nem pela transposição.

A advocacia há muito deixou de lado o estereotipo do advogado do foro. Hoje o

advogado pela exigência gerada pela vaga constante de transformações económico-

culturais tem a necessidade de se adaptar aos novos desafios trazidos pela

sociedade e à complexidade do ordenamento jurídico, que passou a exigir um

esforço de especialização em áreas novas e até à bem pouco tempo desconhecidas.

Por exemplo, se nos bate à porta um cliente que pretende adquirir um imóvel,

procura o aconselhamento que somente um conhecedor das leis e dos meandros

contratuais podem fornecer – os advogados. Quer o mandato seja conferido para a

realização de um contrato-promessa de compra e venda, para a realização do

contrato definitivo, quer envolva a mediação imobiliária na defesa da melhor

solução no interesse do cliente, o certo é que nenhuma destas actividades pode de

qualquer forma estar fora da obrigação de sigilo que pauteia a vida do advogado

enquanto tal.

Não existe qualquer diferenciação entre serviços prestados, merecendo uns mais

que outros a salvaguarda do sigilo profissional, porque todos são actos próprios dos

advogados de igual sentido.

Deste modo, todas as actividades abrangidas pelo regime legal são actividades que

a serem desenvolvidas por advogados enquanto tais e no cumprimento pontual e

escrupuloso dos deveres consignados no Estatuto, como a honestidade, a

probidade, a rectidão, a cortesia e a sinceridade, não devem, nem podem de

maneira alguma serem relegados para segundo plano, iniciando-se assim, uma

divisão entre serviços de primeira e serviços de segunda, uns sujeitos e outros não

ao dever de sigilo.

Dito isto, o regime da Directiva não deveria abarcar os advogados, uma vez que,

como ficou demonstrado, já é uma profissão regulada por disposições legais e

deontológicas, não carecendo assim, de uma dupla actividade legislativa em relação

a matérias semelhantes.

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7. “The Tipping-off Article” ( Art.º8º, n.º2)

A Directiva 91/308/CEE do Conselho de 10 de Junho, revista pela Directiva

2001/97/CE do Parlamento Europeu e do Conselho de 4 de Dezembro de 2001,

concede aos Estados Membros a faculdade de isentar do cumprimento do dever de

segredo. Ou seja, ao advogado seria permitido revelar ao cliente o facto de ter

transmitido qualquer informação no cumprimento dos deveres impostos pela

Directiva.

“artigo 8

2.Os Estado Membros não estão obrigados por força da presente directiva

a aplicar a obrigação imposta no n.º1 às profissões a que se refere o

segundo parágrafo do n.º 3 do artigo 6.” (notários, profissionais forenses

independentes, auditores, entre outros enumerados no preceito).

Significa este preceito acima transcrito que, na Comunidade já se sabia que não

poderia ser imposto de forma arbitrária e generalizada para as profissões, como a

advocacia o dever de segredo em relação as comunicações efectuadas. O que

parece incompreensível é que este entendimento tenha sido claro em Bruxelas,

mas não compreendido em Lisboa.

Sendo Portugal dos países da União com maior tradição na defesa dos princípios

deontológicos caracterizadores da profissão – tais como o segredo, a confiança, a

honestidade, entre outros, não se compreende que o legislador não tenha

aproveitado a faculdade que lhe foi concedida de defender e preservar a tradição de

liberdade e dignidade, princípios basilares da profissão.

Portugal, a exemplo da Áustria e da Irlanda, deveria ter optado por conceder aos

advogados a possibilidade de informar o cliente das informações prestadas e que

podem suscitar um procedimento criminal a nível de branqueamento de capitais.

Somente assim, a “traição” imposta ao advogado na imposição de comunicar as

“suspeitas” que surjam em certas e definidas actividades seria compensada e

remediada (se é que isso é possível), na medida em que o advogado no seguimento

do dever de confiança que lhe advém do mandato poderia informar e aconselhar o

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BRANQUEAMENTO DAS VIRTUDES

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Céd. 25882 L 38

cliente em defesa dos seus interesses e não omitir-lhe informações que vão afectar

directamente os seus direitos, liberdades e garantias.

A presunção de inocência,31regra de ouro no nosso ordenamento jurídico, deveria à

partida evitar que situações como as previstas na directiva e na consequente

transposição fossem consentidas num Estado de Direito. A mera desconfiança, dá

lugar agora à violação de deveres sagrados como são o sigilo e a confiança no

mandato, obrigando o advogado a tratar um cliente “ab initio” como um possível

criminoso. E mais do que isso, após a denuncia que é obrigatória, ao advogado é

vedado legalmente a possibilidade de informar o cliente sobre as suspeitas que

sobre ele recaem e não há, nem pode haver, verdadeira justiça sem que ao

demandado seja reconhecido o direito de se defender.

Esta machadada no elo que liga advogado/cliente pode ser o golpe fatal no coração

da advocacia e o fim da classe, se nada for feito para travar este ataque feroz que

foi desencadeado a título de defesa dos Direito, Liberdades e Garantias dos

cidadãos, mas que tem como consequência gritante a quebra do elo mais sagrado

entre o advogado e aquele que procura auxílio – A CONFIANÇA.

31 Art.º32, n.º2 CRP

“ Todo o arguido se presume inocente até ao trânsito em julgado da sentença de

condenação...”

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8. Aplicabilidade da Directiva a nível Comunitário.

Na Áustria, a Directiva entrou em vigor a 29/10/2003.Neste ordenamento jurídico

o Advogado é obrigado a examinar com especial atenção todas as operações que

tenham a possibilidade de estarem ligadas ao branqueamento de capitais ou

financiamento do terrorismo e se houver alguma suspeita razoável, deve informar

imediatamente o “Federal Minister of the Interior” Porém, de acordo com a

legislação austríaca ao advogado é permitido informar o respectivo cliente acerca

das informações prestadas às entidades competentes, desde que, esta atitude

tenha o objectivo de alertar o cliente para a suspeita que pode recair sobre

algumas das actividades que pretende ou não desencadear (“tipping-off article”)

Na Dinamarca, além do preceituado na Directiva ser totalmente aplicado, ao

advogado é imposto o dever de informar, também nos casos em que está em causa

consultas financeiras, ou qualquer tipo de “business advice”. Aqui a Ordem dos

advogados é o órgão competente para receber as “denúncias” no cumprimento do

regime imposto pela Directiva. Mas somente depois de analisada a denúncia é que

decide se tem fundamento ou não, após esta decisão é que a “denúncia” é ou não

informada às autoridades policiais.

Na Alemanha, a Directiva foi aplicada desde 15/08/2002. Aqui contrariamente à

situação prevista na Dinamarca, a Ordem dos Advogados (

“BundesrechtsanwaltsKammer”) é igualmente a entidade competente para receber

as “denúncias” efectuadas pelos advogados. No entanto, está obrigada a transmitir

a informação, incluindo o seu próprio parecer sobre a questão para o Ministério

Público e para um Departamento especializado em Branqueamento de Capitais da

Polícia Federal Alemã.

Na Hungria a situação é semelhante àquela acima descrita. Também aqui a ordem

é apenas um receptor de denúncias, devendo informa-las imediatamente à Polícia.

Aqui a Directiva foi transposta pela Lei n.º XV de 2003.

No Reino Unido, está parcialmente em vigor desde 24/02/2003, algumas das

previsões da directiva apenas foram implementadas pela parte 7 do “Proceeds of

Crime Act 2002”(POCA).

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BRANQUEAMENTO DAS VIRTUDES

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9. A Presunção De Inocência

No ordenamento jurídico português, desde 1976, encontra-se consagrado o

princípio da presunção de inocência do arguido, constitucionalmente previsto no

art.º 32º, n.º2 da Constituição da República Portuguesa com a seguinte redacção:

“ Todo o arguido se presume inocente até ao trânsito em julgado da

sentença de condenação...”

Neste mesmo sentido o art.º 11º, n.º1, da Declaração Universal dos Direitos do

Homem, de 10 de Dezembro de 1948, dispõe:

“Toda a pessoa acusada de um acto delituoso presume-se inocente até que

a sua culpabilidade fique legalmente provada no decurso de um processo

público em que todas as garantias necessárias de defesa lhe sejam

asseguradas.”

No art.º 14, n.º2 do Pacto Internacional Sobre os Direitos Civis e Políticos:

“Qualquer pessoa acusada de infracção penal é de direito presumida

inocente até que a sua culpabilidade tenha sido legalmente estabelecida...”

E ainda, na Convenção Europeia dos Direitos do Homem, onde no art.º 6º, n.º2

estabelece:

“Qualquer pessoa acusada de uma infracção presume-se inocente

enquanto a sua culpabilidade não tiver sido legalmente provada”

Criado para pôr cobro aos abusos anteriores à Revolução Francesa, próprios de um

processo inquisitório, do princípio da presunção de inocência do arguido decorre a

inexistência de um ónus probatório do arguido em processo penal, no sentido que o

arguido não tem que provar a sua inocência para ser absolvido e um princípio in

dubio pro reo.

O princípio da presunção de inocência dispensa a defesa da necessidade de provar

a inocência do arguido dispensa a defesa da necessidade de provar a inocência do

arguido, para obter uma absolvição, concentrando na acusação o esforço probatório

no sentido da prova da culpa do arguido.

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A presunção de inocência é no ordenamento jurídico nacional, mais do que uma

presunção no sentido técnico jurídico, é um direito do arguido, que se traduz num

comando dirigido ao legislador ordinário, impondo-lhe que as normas penais não

consagrem presunções de culpa e que não façam decorrer a responsabilidade penal

dos factos apenas presumidos.

O direito de cada pessoa ser tratada e considerada como inocente ao longo de todo

o processo, de modo a que a contenção, a restrição e a negação dos seus direitos

de cidadão sejam limitados qualitativa e quantitativamente ao estritamente

necessário, impõe que se legisle no sentido de que não saia diminuído, directa ou

indirectamente o princípio da presunção de inocência do arguido.

Finda a análise, ainda que sucinta deste princípio constitucional e nesta fase da

exposição, conclui-se no sentido que o regime da Directiva viola directamente este

princípio. Isto porque, a Directiva vem impor aos cidadão o ónus de provar “ab

initio” a sua inocência quando estejam em causa actividades na mesma prevista.

O cliente a partida é suspeito. Cabe-lhe assim, uma nova preocupação a de

convencer o seu advogado que não tem participação em nenhuma actividade ilícita

de branqueamento de capitais.

Permita-se a conclusão sobre o exposto de que um cliente acusado é considerado

inocente até ao transito em julgado da condenação, pela Constituição e por

Convenções Internacionais. Mas, um cliente que de nada foi acusado, tem agora

sobre ele o peso de provar que é inocente, porque presume-se culpado,

requerendo-se a sua identificação, informando e fiscalizando, sem nada lhe dar

conta.

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Céd. 25882 L 42

10.Da Constitucionalidade

O n.º 5 do art.º 87 do Estatuto refere que os actos praticados pelo advogado com

violação de segredo profissional não podem fazer prova em juízo.

No mesmo sentido o art.º 32º, n.º 8 da Constituição da República Portuguesa

dispõe que:

“são nulas todas as provas obtidas mediante tortura, coacção,

ofensa a integridade física ou moral da pessoa, abusiva

intromissão na vida privada, no domicílio, na correspondência ou

nas telecomunicações”.

A única conclusão possível é que a violação da reserva de sigilo representa uma

intromissão na vida privada uma vez que frustra todas as expectativas na confiança

depositada em determinado profissional, que graças à dignidade que envolve a sua

profissão detém informações íntimas e privilegiadas que obtém enquanto

prosseguidor de interesse alheio. Sem a confidencialidade inerente à profissão o

advogado deixa de ser advogado e passa a ser qualquer outra coisa e o comum

cidadão deixa de ter quem vele pelos seus direitos, liberdades e garantias.

Assim, qualquer norma que ponha em causa um princípio constitucional apenas

pode ser considerada de uma forma – inconstitucional, e é essa a única

classificação possível de atribuir aos artigos 7º, 8º, n.º4, 9º, 10º e 30º, n.2 da Lei

n.º11/2004 de 27 de Março, uma vez que esta Lei impõe aos advogados o dever de

fornecer a entidades externas matéria sujeita a segredo.

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9. A Proposta de Terceira Directiva

Esta proposta de Terceira Directiva, traduz-se na terceira versão32 no curto período

de 14 anos, o que assinala, desde já, um sinal da crescente preocupação e combate

ao novo e crescente problema do terrorismo organizado.

Em Junho de 2003, o FATF-GAFI procedeu ao reexame das suas recomendações

que passaram a abranger desde então o financiamento do terrorismo. A presente

proposta de directiva faz também expressamente alusão ao combate ao

financiamento do terrorismo e delineia as alterações necessárias para tomar em

consideração as 40 Recomendações revistas do FATF-GAFI.

Nalgumas áreas, o GAFI alargou de forma considerável o nível de pormenor das

suas Recomendações, nomeadamente no que respeita à identificação dos clientes e

verificação da sua identidade, às situações em que o risco mais elevado de

branqueamento de capitais pode justificar o reforço das medidas e igualmente às

situações em que o menor risco pode justificar controlos menos rigorosos.

Os Estados Membros da União e a Comissão entenderam que as 40 Recomendações

revistas do GAFI deveriam ser aplicadas de forma coordenada a nível europeu, e

por essa razão, decidiu-se revogar a directiva em vigor e propor um novo texto

autónomo.

Propõe-se uma nova definição de branqueamento de capitais para cobrir

especificamente o financiamento do terrorismo. Daí que o título da directiva passe a

ser:

“Directiva do Parlamento Europeu e do Conselho

relativa à prevenção da utilização do sistema financeiro para efeitos de

branqueamento de capitais, incluindo o financiamento do terrorismo.”

A proposta introduz alguns ajustamentos técnicos em certas definições, aditando

também novas definições.

A alteração de maior relevo neste âmbito prende-se com a definição de actividade

criminosa. O terrorismo é introduzido como um elemento distinto, devendo ser

abrangidas todas as infracções graves definidas no âmbito do instrumento

32 COM (2004)448 final, Bruxelas 30.06.05

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relevante de terceiro pilar, traduzindo-se numa abordagem mais coordenada,

apesar da cobertura em cada Estado Membro depender do respectivo Código Penal.

Quanto ao dever de informação, a proposta estabelece de forma inequívoca que as

instituições de crédito e as instituições financeiras não devem manter contas

anónimas. Apesar da regra geral ser aquela em que a verificação da identidade dos

clientes deverá estar concluída antes do estabelecimento de relações comerciais, é

também previsto, graças a pressão de profissões relevantes, que podem ser

encetadas relações comerciais quando ainda se encontram a decorrer os referidos

procedimentos. Tal como se prevê de forma clara que se a identificação do cliente

não puder ser assegurada de forma satisfatória, deve-se pôr termo à relação. Agora

surge também o dever de examinar as contas e as relações comerciais antigas no

momento oportuno sempre que haja um risco de branqueamento de capitais.

Há uma tentativa de evitar a duplicação desnecessária dos procedimentos de

identificação de clientes, no intuito de não constituir um obstáculo a actividades

profissionais e comerciais legítimas.

Os deveres impostos não se diferenciam substancialmente dos contidos na directiva

ainda em vigor, porém para adoptar as Recomendações do FATF-GAFI, a nova

proposta contém requisitos mais pormenorizados, especificando-se, no entanto,

que estes procedimentos podem ser implementados mediante o grau de risco

existente.

Consagra-se agora, mais um regime de opção para os Estados Membros,

introduzindo o conceito de diligências simplificadas e para isso, prevê-se ainda, que

a Comissão, assistida pelo novo Comité, adoptará medidas de execução tendo em

vista a definição de critérios para determinar as situações que impliquem um

reduzido risco de branqueamento de capitais.

Contrariamente, nos caso em que o risco de branqueamento de capitais é

claramente mais elevado, impõe uma maior prudência. O art.º 11º do texto da

Proposta enumera três exemplos, nomeadamente, quando não há qualquer

contacto face a face com o cliente, as relações de correspondente bancário a nível

transfronteiriço e as relações com as pessoas politicamente expostas.

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No que respeita a notificação de operações suspeitas faz especificamente referência

à unidade de informação financeira33 como o organismo responsável pela recepção

e tratamento de tais informações, mas no que concerne à profissões jurídicas, para

o que ora nos importa, os advogados, são reproduzidas de forma inalterada desde

a Directiva 2001/97/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 4 de Dezembro

de 2001, permitindo aos Estado Membros a designação de um organismo de auto-

regulamentação no lugar da unidade de informação financeira.

Quanto à derrogação do dever de segredo dos profissionais em questão, estipula

agora que a notificação de suspeitas de operações de branqueamento de capitais

não infringe qualquer obrigação de confidencialidade ao abrigo do direito civil ou

penal. Substitui-se assim, a anterior referência à “boa fé” pela notificação de

informação em conformidade com os requisitos da directiva.

O novo art.º25º constitui uma alteração de relevo, uma vez que, agora

sempre que forem apresentadas informações relativamente a uma

transacção suspeita, o cliente em causa não deve ser informado desse

facto.

Foi eliminada a faculdade concedida aos Estado-Membros de permitir aos

profissionais que actuam a título de assessores jurídicos que informem os

respectivos clientes da notificação. Permite-se, contudo, que quando os

assessores jurídicos procuram dissuadir um cliente de realizar uma

actividade ilegal, tal não constituirá uma infracção à proibição de advertir

o cliente.

Quanto a consulta jurídica, no entanto, apesar de manter a sujeição ao sigilo

profissional como regra, ressalvam-se as hipóteses em que o assessor jurídico

participa em actividades de branqueamento de capitais, quando preste serviços

para efeitos de branqueamento de capitais ou se estiver ciente que o cliente solicita

os seus serviços para o efeito, casos em que faz cessar o sigilo.

Conclui-se, assim, que relativamente aos advogados a directiva apesar de manter

grande parte do regime em vigor apresenta significativas modificações.

33 Decisão –Quadro 2000/642/JAI do Conselho de 17 de Outubro de 2000.

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O “Council of the Bars and Law Societies of the European Union”(CCBE), face à

presente proposta é unânime quando defendem que a injunção ao Advogado de

participar as actividades suspeitas dos clientes baseada unicamente em informação

fornecidas pelos mesmos em estrita confidência é uma violação de um direito

fundamental. Deste modo, o CCBE clama pela remoção deste dever em relação aos

membros das profissões legais, no nosso caso para os advogados e advogados

estagiários.34

A proposta de terceira directiva deveria colmatar lacunas existentes no âmbito do

regime das suas antecessoras, mas continuam-se a cometer os mesmos “pecados”:

Não define o que entende por profissão jurídica independente;

Não explica porque estabelece o limite de 15.000,00 Euros, e nãos de

10.000,00 Euros ou de 50.000,00 euros;

Não estipula-se a taxatividade ou não das actividades que implicam o dever

de denúncia por parte dos advogados;

Não estabelece os critérios pelos quais se deve nortear o juízo que implica a

denúncia, se critérios objectivos ou apenas subjectivos.

34 Position of the Council of the Bars and Law Societies of the European Union(CCBE) on the

requirements on a lawyer to report suspicious of money laudering and on the European Commission

Proposal for a third EU Directive on momeny laudering regulations, Novembro de 2004.

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Conclusão

Do exposto, apenas pode-se concluir pela necessidade “gritante” de defesa da

Profissão e dos seculares princípios deontológicos que a norteiam.

A Directiva e a sua transposição para o ordenamento jurídico português, apesar do

objectivo inerente ser a louvável luta contra a criminalidade organizada e contra o

terrorismo, emprega meios através dos quais, ficam a partida feridos princípios

sagrados no Estado de Direito Democrático, como a Defesa, o Segredo e a

Presunção de Inocência.

Do exposto, ao longo desta dissertação, conclui-se que:

1) O Branqueamento de Capitais é o termo utilizado para descrever

todo o processo onde a identidade e a origem ilícita do dinheiro (ou

outro tipo de bens) é encoberta de forma a deter uma aparência

lícita e assim entrar no mercado financeiro e económico expurgado

do mal que padecia “ab initio”;

2) a partir do 11 de Setembro de 2001, se evidencia uma maior preocupação

dos vários Estados;

3) A Convenção das Nações Unidas contra o Tráfico Ilícito de Estupefacientes e

de Substâncias Psicotrópicas de 1988, foi a primeira convenção internacional

a tratar da matéria de branqueamento, obrigando à sua criminalização em

caso de tráfico de drogas. Assinada e ratificada por Portugal em 1991;

4) A Directiva 2001/97/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 4 de

Dezembro de 2001, é responsável por profundas alterações à Directiva

91/308/CEE do Conselho de 10 de Junho, passando pelo alargamento da

lista dos tipos subjacentes ao crime de branqueamento; pelo

desenvolvimento e aprofundamento de alguns deveres e pelo alargamento

das categorias profissionais que ficam sujeitas a deveres de

prevenção do crime de branqueamento de capitais como é o caso do

Advogado;

5) A artigo 2ºA da Directiva, cerne da regulação no que diz respeito aos

advogados, selecciona algumas actividades35, relativamente às quais os

35 Art.º2ºA da Directiva 91/308/CEE do Conselho

vi. A compra e venda de bens imóveis ou de entidades comerciais;

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advogados ficam obrigados legalmente a cumprir uma série de deveres

prescritos, de entre os quais se salientam os deveres de comunicação36,

colaboração37, e abstenção38.

6) A Lei n.º 11/2004 de 27 de Março tranpõe para o ordenamento nacional o

regime da directiva;

7) Caso o segredo não fosse uma imposição profissional e constitucional, a

suspeita e a desconfiança predominariam entre advogado/cliente e entre

advogados entre si, gerando-se o caos total;

8) as informações prestadas de “boa fé” no cumprimento dos deveres de

comunicação, abstenção e colaboração, não constituem violação de qualquer

dever de segredo – o art.º 12 da Lei n.º11/2004, de 26 de Agosto, derroga

assim o dever de segredo dos advogados;

9) “ Tratando-se de advogado (...) e estando em causa as operações da al.f)

do artigo 20º não são enviadas informações(...)obtidas no contexto da

avaliação da situação jurídica do cliente, no âmbito da consulta jurídica, no

exercício da sua missão de defesa ou representação do cliente num processo

judicial, ou a respeito de um processo judicial incluindo um aconselhamento

relativo à maneira de propor ou evitar um processo, quer as informações

sejam obtidas antes, durante ou depois de um processo.” (art.º 30º

Directiva);

10) A Directiva 91/308/CEE do Conselho de 10 de Junho, revista pela Directiva

2001/97/CE do Parlamento Europeu e do Conselho de 4 de Dezembro de

2001, concede aos Estados Membros a faculdade de isentar do cumprimento

do dever de segredo. Ou seja, ao advogado seria permitido revelar ao

cliente o facto de ter transmitido qualquer informação no cumprimento dos

deveres impostos pela Directiva;

11) Portugal, a exemplo da Áustria e da Irlanda, deveria ter optado por conceder

aos advogados a possibilidade de informar o cliente das informações

prestadas e que podem suscitar um procedimento criminal a nível de

branqueamento de capitais.

vii. A gestão de fundos, valores mobiliários ou outros activos, pertencentes ao cliente;

viii. A abertura ou gestão de contas bancárias, de poupança ou de valores mobiliários;

ix. A organização dos fundos necessários à criação, exploração ou gestão de sociedades;

x. A criação, exploração ou gestão de trusts, de sociedades ou de estruturas análogas.” 36 Art.º 6º, n.º1 al.a) 37 Art.º 6, n.º1, al.b) 38 Art.º7º

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12) Qualquer norma que ponha em causa um princípio constitucional apenas

pode ser considerada de uma forma – inconstitucional, e é essa a única

classificação possível de atribuir aos artigos 7º, 8º, n.º4, 9º, 10º e 30º, n.2

da Lei n.º11/2004 de 27 de Março, uma vez que esta Lei impõe aos

advogados o dever de fornecer a entidades externas matéria sujeita a

segredo.

13) Os deveres impostos pela Proposta de Terceira Directiva não se diferenciam

substancialmente dos contidos na directiva ainda em vigor, porém para

adoptar as Recomendações do FATF-GAFI, a nova proposta contém

requisitos mais pormenorizados;

14) O “Council of the Bars and Law Societies of the European Union”(CCBE),

face à presente proposta é unânime quando defendem que a injunção ao

Advogado de participar as actividades suspeitas dos clientes baseada

unicamente em informação fornecidas pelos mesmos em estrita confidência

é uma violação de um direito fundamental

Assim, cabe-nos a nós, à Ordem, aos Advogados e Advogados Estagiários a nobre

tarefa de defender os fracos e oprimidos. Neste momento, a Sociedade e a Justiça

carecem de auxílio no sentido de continuar a vingar um Estado de Direito

Democrático e não um retrocesso à um Estado inquisidor ou ditatorial.

Sendo os advogados cumpridores dos seus deveres a nível profissional e

deontológico, os interesses que esta legislação pretende proteger, já estão

devidamente salvaguardados. Assim, a violação dos elementares princípios

ordenadores da nossa actividade carecem em absoluto de fundamento.

A luta contra a criminalidade e o terrorismo são essenciais, fazer face a esta nova

realidade urge, porém, parece-me, na minha humilde opinião, que deixar de lado

princípios e ideologias que nos acompanham desde sempre, tanto como

profissionais como enquanto cidadãos, é declarar vitória ao medo e determinar à

Liberdade o fracasso.

Ser Advogado é mais do que uma profissão, é uma função que sem pretenciosismo

se pode qualificar de grande dimensão e importância social. Na tarefa de ajudar o

ideal da Justiça, a actuação do advogado assenta num quadro que se quer ético,

isto é, deontológico. E é precisamente essa a sua principal virtude.

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40 recomendações do GAFI sobre o branqueamento de capitais – www.fatf-gafi.org