bragança – lisboa – porto o teatro da garagem x...finge é estar com alguém e estar só. finge...

8

Upload: vothien

Post on 12-Dec-2018

215 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

Page 1: Bragança – Lisboa – Porto O Teatro da Garagem x...Finge é estar com alguém e estar só. Finge é a fixação das máscaras. Finge é o conflito entre pessoas que se querem juntar
Page 2: Bragança – Lisboa – Porto O Teatro da Garagem x...Finge é estar com alguém e estar só. Finge é a fixação das máscaras. Finge é o conflito entre pessoas que se querem juntar

Helena Genésio*

Bragança – Lisboa – Porto

De cumplicidades é feito este percurso entre o Teatro Municipal de Bragança e o Teatro da Garagem que se tem traduzido, ao longo dos anos, não só na apresentação de espectáculos, mas também na co ‑criação de projectos artísticos que envolvem a comunidade, os criadores e as equipas de ambos os teatros. O projecto comum que temos desenvolvido com o Teatro da Garagem permite ‑nos ainda fazer de cada encontro um desafio, de cada ideia discutida o embrião de um espectáculo.

Assim foi com Graça, que surgiu do convite feito ao Teatro da Garagem pelo Teatro Municipal de Bragança para criar um espectáculo a partir da vida e da obra da pintora Graça Morais, artista homenageada na sexta edição do Plast & Cine que aconteceu em Bragança, em Abril de 2015. Depois de Bragança e Lisboa, Graça estreia ‑se agora no Porto, numa co ‑produção com o TNSJ, dando a conhecer ao público da cidade o resultado do diálogo improvável, mas contundente, entre Graça Morais e o Teatro da Garagem.

Com Graça: Suite teatral em três movimentos, o Teatro da Garagem propõe ‑nos uma viagem pelo universo da artista, em diálogo com a cidade e com Trás ‑os ‑Montes, mas também com o mundo. Encontramo ‑nos e reconhecemo ‑nos nessa viagem e percebemos através dela que o local de onde partimos e a surpresa do caminho são tão importantes como o local aonde chegamos. Esta é a nossa forma de estar no Teatro.

* Directora do Teatro Municipal de Bragança.

Teatro Nacional São JoãoPraça da Batalha4000 ‑102 PortoT 22 340 19 00

Teatro Carlos AlbertoRua das Oliveiras, 434050 ‑449 PortoT 22 340 19 00

Mosteiro de São Bento da VitóriaRua de São Bento da Vitória4050 ‑543 PortoT 22 340 19 00

[email protected]

ediçãoDepartamento de Edições do TNSJcoordenação João Luís PereiraAna Almeidadesign gráficoStudio DobrafotografiaTadeu MachadoimpressãoMultitema

Os textos incluídos neste programa foram escritos de acordo com a antiga ortografia. Não é permitido filmar, gravar ou fotografar durante o espetáculo. O uso de telemóveis ou relógios com sinal sonoro é incómodo, tanto para os intérpretes como para os espectadores.

ficha técnica TNSJ coordenação de produçãoMaria João Teixeiraassistência de produçãoMaria do Céu SoaresMónica RochaEunice Bastodireção de palcoRui SimãoEmanuel Pina (adjunto)direção de cenaCátia Estevesluz Filipe Pinheiro (coordenação)Abílio VinhasAdão GonçalvesJosé RodriguesNuno GonçalvesmaquinariaFilipe Silva (coordenação)Adélio PêraAntónio QuaresmaCarlos BarbosaJoaquim MarquesJoel SantosJorge SilvaLídio PontesPaulo Ferreira somAntónio BicaNuno CorreiavídeoFernando Costa

apoios TNSJ

apoios à divulgação

agradecimentos TNSJCâmara Municipal do PortoPolícia de Segurança PúblicaMr. Piano/Pianos Rui Macedo

apoios Teatro da Garagem

O Teatro da Garagem é uma estrutura financiada pelo

Teatro da GaragemTeatro TabordaRua da Costa do Castelo, 751100 ‑178 LisboaT 21 885 41 90 · 96 801 52 51

Page 3: Bragança – Lisboa – Porto O Teatro da Garagem x...Finge é estar com alguém e estar só. Finge é a fixação das máscaras. Finge é o conflito entre pessoas que se querem juntar

Finge é estar com alguém e estar só. Finge é a fixação das máscaras. Finge é o conflito entre pessoas que se querem juntar e não conseguem, ou não podem, ficar juntas. Porque o comércio impera, porque o capital se tornou a medida de todas as coisas, ou quase, porque o afecto ou o amor só se podem libertar do capital por meio de estratégias subtis. Finge é esse Paraíso provisório, a um tempo cristão, comprado, barato e caro ao mesmo tempo. Finge é o lugar da pobreza moral, certamente, porque o esforço de dignidade exige provações inomináveis. Finge, porque só assim é suportável o mais brutal e cruel da natureza humana. Finge, porque somos a combinação tempestuosa de um muito Antigo e de um muito Novo que se agridem, que se revolvem, como lagartos na lama. Finge, enfim, é o regresso ao teatro; a um teatro que não prevê flirts fáceis.

A arte ocorre na conjugação de esforços e coincidências. A arte teatral, contudo, conjuga esforço e coincidência de um modo particular. Esta particularidade reside na injunção do colectivo. O teatro apresenta‑‑se como arte do colectivo, não tanto na emergência de uma autoria diluída, entendendo autoria como o discurso que o faz e pensa, mas outrossim na articulação de forças vitais cuja origem se perde e encontra no dealbar da própria noção de humanidade. E o que é a humanidade? A humanidade, entendida nesta expressão colectiva que é o teatro, resulta de uma propensão gregária, um dispositivo de esforços articulados em função de objectivos comuns. Esta comunhão promove a imagem de uma mole indistinta que sabemos não ser verdadeira, por força da reivindicação individual de cada um, porque cada um de nós sente e pensa de maneira diferente. A humanidade teatral seria então o encontro paradoxal de uma mole de indivíduos ligados e entretecidos num espírito, numa religiosidade ecuménica, que é outra forma de apresentar a salvaguarda da propensão gregária e o instinto individual. O teatro, nesta matéria, obriga a esforços redobrados. Não é possível, não me é possível, escapar a este desígnio colectivo, centrípeto, e às forças centrífugas que destacam cada pessoa, que a deslocam do colectivo! Nesta deslocação, creio, consiste o sublime do teatro, a conjugação perfeita dos esforços e das coincidências. O momento em que partindo do todo, do frémito colectivo, generoso, temerário e sacudidor, nos tornamos, em súbito sobressalto, parte do mesmo saindo dele; começando a ser nós próprios, nessa involuntária, porque surpreendente, expulsão do Paraíso, apesar de nunca nos termos sentido totalmente em casa, nessa espécie de utopia permanente – a permanência não é o nosso forte. Estamos então no teatro, expulsos do Paraíso, à deriva no espaço e no tempo libertário da nossa imaginação, tomando nota dos contornos do nosso corpo, e isso parece ser bom, parece, esse sublime bom, proporcionar a solidão necessária para tomar a decisão prudente. A decisão prudente é aquela que não é exemplar, que não é trágica, mas antes antropologicamente necessária: a decisão da pessoa a ser meio, médium, actor, lugar de ocorrências de fluxos discursivos que se perdem no tempo e na memória. De facto, não dizemos nada de inteiramente nosso, creio, no teatro, neste teatro; o que dizemos não tem pertença autoral, apesar dos autores e dos seus direitos (!), porque só o pensamento é verdadeiramente livre na sua qualidade migratória, impressiva. O que dizemos procede de uma construção da pessoa na sua nudez primordial, aquela que acarreta a experiência de vestir ‑se, de tornar ‑se persona, máscara, máscaras comunicáveis, em conflito portanto. Ainda assim, ainda assim, e ainda bem, parece ‑me, o percurso de gente que só reconhece a sua dignidade numa espécie de solidão altruísta, breve, como um piscar de olhos.

“Estamos então no teatro, expulsos do Paraíso…”Carlos J. Pessoa

Page 4: Bragança – Lisboa – Porto O Teatro da Garagem x...Finge é estar com alguém e estar só. Finge é a fixação das máscaras. Finge é o conflito entre pessoas que se querem juntar

Na desordem dos meus risos e dos meus soluços, no excesso dos transportes que me quebram, com a violência da ultrapassagem, capto a semelhança entre o horror e uma volúpia que me excede, entre a dor final e um insuportável júbilo.Georges Bataille (2012), As Lágrimas de Eros

Camaleão, acorda, acorda, Camaleão! Não devemos desperdiçar comida, sobretudo a carne. Dá muito trabalho criar os animais! Brincadeiras são para garotos.Carlos J. Pessoa (2013), Finge

O espectáculo está dividido em sete cenas, antecedidas por um prólogo que anuncia a demanda amorosa empreendida pela figura central do espectáculo – Camaleão. Cada uma das cenas decorre numa “casa”. Em cada casa acontece uma história de amor. As histórias de amor feliz não têm história. A cultura ocidental imortaliza histórias de amor ameaçado e condenado pela própria vida. Nas histórias de amor emerge a paixão do amor e não o amor realizado. A paixão é sofrimento, mas é, simultaneamente, força vital, para lá da felicidade e da dor. O Ocidente idealiza Eros através da paixão, e a força de Eros é fundamental para escaparmos ao tédio e para que nos possamos reconstruir, a cada momento, como pessoas.

Em cena, as diversas projecções do mesmo homem, Camaleão, encontram ‑se com seis mulheres, prostitutas com nomes próprios, Sofia, Melanie, Marta, Adriana, Vanda e Maya, provavelmente falsos, que protagonizam diversas hipóteses de sobrevivência, sob o signo do fingimento – do teatro.

O cenário é constituído por dois planos: a parede‑‑ecrã e o chão ‑colchão. O início de cada cena é marcado pela substituição do lençol do colchão, à semelhança do que acontece nas casas de prostituição, acompanhada por mudanças de luz abruptas que procuram acentuar a crueza e nudez das situações representadas. O texto foi escrito a partir de relatos verídicos e procura traduzir a teia complexa que caracteriza as relações entre as pessoas, na sua forma mais pungente. O par inicial é também o par da última cena, sublinhando a aceitação da condição da paixão como amor não realizado, idealizado e teatralizado, encerrando, de certo modo, o círculo que liga as sete narrativas.

No final do espectáculo, no palco vazio, o colchão e os lençóis das camas são apenas projecções coloridas e instáveis no ecrã. Sensações digitalizadas, acompanhadas por um requiem, dão ao espectador um tempo de reflexão. Neste momento, as cores na parede‑‑ecrã contrapõem ‑se aos corpos e às vozes dos actores: não há figuras, apenas telões coloridos.

Em Finge, finge ‑se o amor, finge ‑se a casa, finge ‑se a felicidade, porque procuramos verdade, e a verdade tende a esconder ‑se, revelando ‑se informe, imprecisa e turva como a paixão amorosa.

Histórias de amor

Maria João Vicente

Page 5: Bragança – Lisboa – Porto O Teatro da Garagem x...Finge é estar com alguém e estar só. Finge é a fixação das máscaras. Finge é o conflito entre pessoas que se querem juntar

Samuel Guimarães**

Nesta colagem de textos, reúnem ‑se, de modo breve, ideias roubadas a autores de que os espectáculos Finge (Lisboa, 2013) e Graça (Bragança, 2015) fizeram eco: Identidade sem Pessoa; Abandono e Refúgio.

1. No ensaio Identidade sem Pessoa, Giorgio Agamben afirma:

O desejo de ser reconhecido pelos outros é inseparável do ser humano.[…] Não se trata, com efeito, simplesmente de satisfação ou amor ‑próprio: mas é, antes, somente através do reconhecimento dos outros que o homem pode constituir ‑se como pessoa.1

CAMALEÃO I: Finge, diz o meu nome, diz o meu nome.

Segundo Agamben, no século XIX Francis Galton (primo de Darwin) começou a elaborar um sistema de classificação das impressões digitais que permitiria a identificação de criminosos reincidentes. A par da fotografia e dos registos antropométricos, este método das impressões pareceu mais adequado a Galton para os oriundos das colónias, cujos traços físicos tendiam a confundir ‑se e a parecer iguais perante um olhar mais europeu. Este processo começou por conhecer uma aplicação precoce no campo da prostituição, por se considerar que as medições que envolviam os registos antropométricos implicavam uma promiscuidade desaconselhável no caso de pessoas do sexo feminino, além de que os cabelos compridos dificultavam as medições dos crânios.

A rapidez de aplicação deste registo de impressões digitais a todos os “cidadãos”, e não só a colonizados ou a mulheres, fez com que:

Já não são os “outros”, os meus semelhantes, os meus amigos ou inimigos, a garantir o reconhecimento; o que define a minha identidade e reconhecibilidade são agora os arabescos insensatos que o meu polegar coberto de tinta deixou numa folha de papel de um serviço de polícia. Ou seja, qualquer coisa da qual absolutamente nada sei e com a qual de maneira nenhuma posso identificar ‑me ou distanciar ‑me: a vida nua, um dado puramente biológico.2

O controlo biométrico (e das bases de dados da saúde por parte do Estado e do cidadão‑‑empregado pelas empresas) reforça ‑se (num aparente paradoxo) na capacidade de inventar numerosas versões de si mesmo a interagir com outros, sem identidade e também em numerosas versões, através de um ecrã. No consolo solitário do sofá ou do banco do autocarro, decide ‑se “sexo”, “café”, “bom dia” ou “boa noite” consoante a vontade imediata e o contexto do momento. Ainda Agamben:

A nova identidade é uma identidade sem pessoa, na qual o espaço da ética que estávamos habituados a conceber perde o seu sentido e tem de ser repensado de alto a baixo. E até que isso aconteça, é lícito antevermos um colapso generalizado dos princípios éticos pessoais que durante séculos dirigiram a ética ocidental.3

Curiosa e previsivelmente, é a estes lugares domésticos e domesticados que se pode voltar como refúgio e como abandono, mesmo que este também seja socialmente autorizado e, sobretudo, parametrizado. Uma fingida intimidade temperada e normalizada pela biometria pixelizada e pela rápida e mecânica resposta ao mundo sem espessura do “gosto” ou “não gosto”, “sim” ou “não”, respostas binárias alargando a interpretação à redução do mundo a 0/1. Zero e Um. Reduzindo complexidade, densidade e a consequente liberdade, o mercado internaliza ‑se, mais e mais, no corpo.

Num mundo colonizado pela imagem, a produção lenta de imagens, como as que o teatro ou a pintura podem fazer e convocar, permite pensar, com mais sagacidade, como a imagem, entendida como substituto da pessoa, coloniza o mundo. E como se coloca então esta identidade sem pessoa e cheia de imagens?

A imagem do outro, hoje, substitui ‑se cada vez mais à preocupação de o conhecer e de o identificar como pessoa. […] Estas imagens seriam apenas imagens se algumas

Molly*‑FlexImpressões de espectador

Page 6: Bragança – Lisboa – Porto O Teatro da Garagem x...Finge é estar com alguém e estar só. Finge é a fixação das máscaras. Finge é o conflito entre pessoas que se querem juntar

realidades e algumas palavras de ordem não as aproximassem de nós. […] Circulam à velocidade da luz e a sua omnipresença no mundo é expressão do retraimento do espaço e da aceleração do tempo que caracterizam a nossa época. Têm portanto, do nosso ponto de vista, um valor emblemático. São imagens do nosso tempo, e por isso, implicitamente normativas, […] endereçam ‑se a nós singularmente e, nessa medida, incitam ‑nos a meter a barriga para dentro ou a afectar a descontracção que preludia a performance.4

CAMALEÃO I: … e finge, finge que é prazer o prazer que deveras sentes.

2. Abandono e Refúgio

Como nas casas de Finge ou na figura do refugiado em Graça, coloca ‑se em cena o refúgio e o abandono. Na esteira de Hannah Arendt e María Zambrano, Giorgio Agamben, num outro ensaio – We Refugees [Nós, Refugiados] –, pensa o refugiado como uma categoria na actual crise do Estado ‑Nação (nação provém de nascimento, logo, da pertença do indivíduo, desde que nasce, a uma determinada cidadania). A biologia é, então, a condição do Estado de dispor do seu (bio)poder logo a partir do nascimento deste ou daquele indivíduo. O refugiado enquanto categoria obriga a pensar e, de facto, interroga os modelos de soberania dos Estados modernos, já que são exactamente as mesmas tipologias de pertença, identidade nacional e de constituição do Estado que os expulsam para uma condição de ser meramente vivo, isto é, à condição de uma vida nua. Assim, quando o Direito é retirado da vida humana, esta cai. Excluída. Vulnerável a qualquer tipo de violência. Este valor excepcional do refugiado inclui ‑o pela exclusão (tal como o homo sacer do direito romano). Ainda segundo Agamben, a lógica do abandono leva ao bando. Estas deslocações de massas de corpos podem, no entanto, inquietar e não ser meramente inquietantes. Podem inquietar, minar por dentro, a ficção do Estado ‑Nação. Enunciam o seu próprio falhanço. E a vontade, crescente, cada vez mais evidente, no dia ‑a ‑dia do nosso país e do Ocidente, deste falhanço e a vontade de abandono de outros que não se sentem de todo representados politicamente pelo Estado ‑Nação.

Em tempos – os nossos – de narrativas bondosas e capitalistas da criatividade, serão então o teatro, a pintura… lugares possíveis para um mais rigoroso abandono? Jean ‑Luc Nancy revê, assim, a própria consistência e matéria do amor:

JEAN ‑LUC NANCY: Love consists in my giving from me what is not mine in any sense

of a possible possession of mine, not even my person. So to love means to give what is behind or beyond any subject, any self. It is precisely a giving of nothing, a giving of what I cannot possess myself. This is to abandon, because in that case I would say that to give is the same as to abandon. In French, I would say donner is the same as abandonner. Because to give in French is donner.W. SCHIRMACHER: To give is… to give up.5

Dar (doar ‑se, em Finge) é abandonar ‑se.

PATRÍCIA: Engana ‑me com ternura.

* MOLLY: Eu era uma flor da montanha sim quando eu pus a rosa nos meus cabelos como as raparigas andaluzas ou decerto uma vermelha sim e como ele me beijou sob o muro mourisco e eu pensei bem tanto faz ele como outro e então convidei ‑o com os olhos a perguntar ‑me de novo sim ele perguntou ‑me se eu queria dizer sim dizer sim minha flor da montanha e primeiro enlacei ‑o com os meus braços sim e puxei ‑o para mim para que pudesse sentir os meus seios o perfume sim e o coração dele a disparar como um louco e sim eu disse sim eu quero sim.6

1 Giorgio Agamben, A Nudez, trad. Miguel Serras Pereira,

Lisboa, Relógio D’Água, 2010, p. 61 ‑70.

2 Idem, p. 64 ‑65

3 Idem, p. 67 ‑68

4 Marc Augé, Para que Vivemos, trad. Miguel Serras Pereira,

Lisboa, 90 Graus, 2007, p. 77.

5 Jean ‑Luc Nancy, “Love and community: a round table

discussion with Jean ‑Luc Nancy, Avital Ronell and Wolfgang

Schirmacher”, The European Graduate School, August 2001.

6 Excerto do final do “solilóquio” de Molly Bloom em Ulisses

de James Joyce, trad. Jorge Vaz de Carvalho, Lisboa,

Relógio D’Água, 2013, p. 748

** Núcleo de Educação Artística do i2ADS – Instituto de

Investigação em Arte, Design e Sociedade, Faculdade

de Belas Artes da Universidade do Porto.

Page 7: Bragança – Lisboa – Porto O Teatro da Garagem x...Finge é estar com alguém e estar só. Finge é a fixação das máscaras. Finge é o conflito entre pessoas que se querem juntar

Carlos J. Pessoa

Maria João Vicente

A Voz e o Rosto da Graça

“O lugar da minha maior intimidade”

O universo singular e único de Graça Morais está intimamente ligado a Trás ‑os ‑Montes, sua terra natal, ao trabalho agrícola, à paisagem, aos rituais religiosos e cenas do quotidiano, nos quais a figura humana, sobretudo a mulher, está sempre presente como matéria ‑prima que a artista transforma e recria. Contudo, a artista transcende este lugar, estando presentes na sua obra a urbanidade do Porto e de Lisboa, a singularidade de Cabo Verde e o cosmopolitismo de Paris. Graça Morais traça um caminho vasto e profícuo, mas profundamente original, alheio a tendências e modas, que a colocam num lugar muito particular, no que ao seu percurso criativo diz respeito.

Graça significa nome, deusa, elegância, dom, amizade, estima… Para construir este espectáculo partimos da vida e obra de Graça Morais, propondo uma viagem pelos ciclos temáticos das suas criações, guiada pelas

notas e apontamentos da própria artista, pelas palavras de Antonio Tabucchi e pela escrita de Carlos J. Pessoa. Em Graça, compusemos uma suite teatral que, por um lado, reflecte a força e poesia do trabalho de Graça Morais e, por outro, permite, na sobreposição dos sucessivos gestos expressivos e políticos, o movimento da memória, como quem revolve e escava a terra. Diz a artista: “Um quadro é sempre o lugar da minha maior intimidade. Estou lá toda.” Para nós, o teatro é também esse lugar!

Um agradecimento especial à Graça Morais, pela sua obra e pelo diálogo generoso ao longo deste processo, e à Maria José de Lancastre, pela amabilidade de tornar possível levar à cena o magnífico, e tão actual, texto de Antonio Tabucchi – O Fim do Mito: Breve Auto sobre um Quadro de Graça Morais.

Este espectáculo resulta de um encontro feliz entre o Teatro da Garagem e a obra da pintora Graça Morais. Assistimos na cena a três movimentos distintos que estabelecem outros tantos pontos de vista sobre aspectos da obra da artista.

No primeiro movimento desta Suite Teatral consideramos os sentidos como argumento axial na abordagem estética. São os sentidos que, em primeiro lugar, determinam o discurso, o entendimento não apenas da obra pictórica, mas do modo como a artista se apercebe do mundo. Nesta medida, a pintura de Graça Morais resulta de gestos de anotação e de movimentos de reflexão, presentes nos seus diários, que estabelecem uma geografia peculiar.

No segundo movimento encontramos um texto teatral, O Fim do Mito: Breve Auto sobre um Quadro de Graça Morais de Antonio Tabucchi e uma pintura em particular, A Caminhada do Medo VIII, que lhe serviu de ponto de partida. A teatralização do texto permite ‑nos olhar a pintura a partir de uma

perspectiva crítica que a acrescenta de leituras e ressonâncias, ampliando o universo inicial dos sentidos. Neste segundo movimento o olhar sobre a obra de Graça Morais sofre uma deslocação dos itinerários predilectos para uma vocação universalista, cujo pendor a situa na génese mítica do Ocidente. A revisitação do mito de Eneias, em O Fim do Mito: Breve Auto sobre um Quadro de Graça Morais, estabelece um fluxo com as migrações contemporâneas para a Europa. O fantasma de Eneias coexiste com os fantasmas dos náufragos de Lampedusa, com o arame farpado da Hungria, com as multidões acocoradas em Lesbos. O segundo movimento agrega, no mesmo plano, a má consciência da Europa (a haver consciência, ainda…), a sua impotência, a sua cobardia e a sua indiferença. Nesse sentido, foi escrito um texto, Pain Reaction, que acrescenta à Caminhada do Medo o desespero do migrante, já não caminhando mas fugindo, numa deslocação absurda, sem saída. O efeito de dominó da dor individual que se desmultiplica no ecrã, numa dor colectiva,

corresponde à responsabilização directa de cada cidadão europeu; no fim de contas, migrantes à procura de uma vida melhor, refugiados impelidos pela ameaça de morte, somos todos, pelo que a urgência de socorro não pode ser calada.

O terceiro movimento desagua directamente no atelier da artista. É aí, por entre telas, pincéis, tintas e serapilheiras, que é possível espreitar o gesto que tudo começa e no qual este espectáculo adquire pulsação. É lá, no confronto da mão e da palavra da pintora com a obra inacabada, que esta suite teatral atinge o seu zénite e encontra a sua razão de ser. A Graça Morais que fazemos surgir na cena é a GRAÇA deste espectáculo, a dádiva e a inspiração que, por ventura, tem para oferecer. A Graça Morais que conhecemos numa tarde soalheira de Março, no seu atelier da Costa do Castelo, dá à palavra GRAÇA, e à sua promessa de felicidade, uma voz e um rosto.

Page 8: Bragança – Lisboa – Porto O Teatro da Garagem x...Finge é estar com alguém e estar só. Finge é a fixação das máscaras. Finge é o conflito entre pessoas que se querem juntar

O TNSJ É MEMBRO DA

O Teatro da Garagem x 2Fingetexto, encenação e conceção plástica Carlos J. Pessoa

dramaturgia Maria João Vicentecenografia e figurinos Sérgio Loureiromúsica e desenho de som Daniel Cervantesdesenho de luz Nuno Samoravídeo Carlos J. PessoaNuno Nolascoassistência de encenaçãoNuno Nolascodireção de produçãoMaria João Vicenteprodução executiva e comunicação Carolina Mano

interpretaçãoAna PalmaBeatriz GodinhoMaria João VicenteNuno NolascoNuno Pinheiro

produçãoTeatro da Garagem

estreia 14Mar2013 Teatro Taborda (Lisboa)dur. aprox. 1:15M/18 anos

Mosteiro de São Bento da Vitória Sala do Tribunal4 ‑7 fev 2016qui ‑sáb 21:00 dom 16:00

Graça: Suite teatral em três movimentosencenação e conceção plástica Carlos J. Pessoa

textos Graça MoraisAntonio TabucchiCarlos J. PessoadramaturgiaMaria João Vicentecenografia e figurinosSérgio Loureiromúsica e desenho de somDaniel Cervantesdesenho de luzNuno SamoravídeoCarlos J. PessoaNuno Nolascooperação de câmaraNuno NolascoNuno PinheiroTadeu Machadoassistência de encenaçãoNuno Nolascodireção de produçãoMaria João Vicenteprodução executiva e comunicação Carolina Mano

interpretaçãoAna PalmaBeatriz GodinhoMaria João VicenteNuno NolascoNuno Pinheiro

coproduçãoTeatro da GaragemTeatro Municipal de BragançaTNSJ

estreia 16 Abr2015 Teatro Municipal de Bragançadur. aprox. 1:15M/12 anos

Teatro Carlos Alberto12 ‑20 fev 2016qua 19:00 qui ‑sáb 21:00 dom 16:00

O Sofrimento de VénusExposição de Graça Morais

TeCA · 12 ‑20 fev

entrada gratuita