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Atenção integral para as pessoas soropositivas Publicado por Número 50 – Março – Maio 2004 ABIA ação anti ação anti AIDS Boletim internacional sobre prevenção e assistência à AIDS P ara marcar a 50ª edição do Ação Anti- AIDS no Brasil, publicado pela ABIA desde 1988, vamos abordar um tema que vem exigindo especiais cuidados em todo mundo: a atenção integral às pessoas que vivem com HIV/AIDS. Esse tipo de atenção, sem dúvida contribui para melhorar a qualidade de vida e, conseqüentemente, a produtividade e contribuição dos soroposi- tivos para o desenvolvimento da comuni- dade onde vivem. O apoio prático, emocional e espiritual para as pessoas HIV+, suas famílias, cui- dadores e comunidades, além do essencial acesso aos medicamentos anti-retrovirais, são essenciais para a pessoa soropositiva. 2. Acesso à atenção integral 4. Desafios para a gestão do SUS no interior 6. Pesquisa sobre tratamento de AIDS 7. Brasil: respostas e desafios 8. NIT Buddy 10. Interdisciplinaridade 12. Recursos Conteúdo Da mesma forma, a atenção integral envolve as pessoas vivendo com HIV/AIDS como agentes ativos, empoderados e com capaci- dade de iniciativa, não apenas como “benefi- ciários” ou pacientes. No Brasil, a maioria das pessoas que vi- vem com HIV/AIDS tem acesso aos medica- mentos anti-retrovirais, mas há falta de serviços essenciais básicos e, eventualmente, de exames de CD4, carga viral e medicamen- tos para infecções oportunistas. O tratamen- to integral vai além da distribuição dos me- dicamentos anti-retrovirais e as medidas pre- ventivas (uso de medicamentos para prevenir infecções e boa nutrição), curativas (diagnós- tico e tratamento da tuberculose, por exem- plo) e paliativas (como o controle da dor e dos sintomas no caso de doenças graves) não estão tendo o mesmo sucesso da distribuição de medicamentos. A atenção integral deve ser um desafio que perpasse todos os níveis do sistema de saúde. Os países têm a obrigação de responder a essa demanda e prestar atendi- mento integral a todas as pessoas vivendo com HIV/AIDS. Em 2001, os países latino- americanos firmaram a Declaração de Compromissos da Luta contra o HIV/AIDS durante a Sessão Especial sobre o HIV/AIDS da Assembléia Geral das Nações Unidas, comprometendo-se a garantir o tratamento para o ano de 2003. Esta edição do Ação Anti-AIDS propõe diretrizes para as pessoas que trabalham em programas de saúde e HIV, de forma que possam oferecer efetivamente atenção inte- gral às pessoas vivendo com HIV/AIDS.

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Atenção integral para aspessoas soropositivas

Publicado porNúmero 50 – Março – Maio 2004 ABIA

ação antiação anti AIDSBoletim internacional sobre prevenção e assistência à AIDS

P ara marcar a 50ª edição do Ação Anti-AIDS no Brasil, publicado pela ABIAdesde 1988, vamos abordar um tema

que vem exigindo especiais cuidados emtodo mundo: a atenção integral às pessoasque vivem com HIV/AIDS. Esse tipo deatenção, sem dúvida contribui para melhorara qualidade de vida e, conseqüentemente, aprodutividade e contribuição dos soroposi-tivos para o desenvolvimento da comuni-dade onde vivem.

O apoio prático, emocional e espiritualpara as pessoas HIV+, suas famílias, cui-dadores e comunidades, além do essencialacesso aos medicamentos anti-retrovirais,são essenciais para a pessoa soropositiva.

2. Acesso à atenção integral

4. Desafios para a gestão do SUS no interior

6. Pesquisa sobre tratamento de AIDS

7. Brasil: respostas e desafios

8. NIT Buddy

10. Interdisciplinaridade

12. Recursos

Conteúdo

Da mesma forma, a atenção integral envolveas pessoas vivendo com HIV/AIDS comoagentes ativos, empoderados e com capaci-dade de iniciativa, não apenas como “benefi-ciários” ou pacientes.

No Brasil, a maioria das pessoas que vi-vem com HIV/AIDS tem acesso aos medica-mentos anti-retrovirais, mas há falta deserviços essenciais básicos e, eventualmente,de exames de CD4, carga viral e medicamen-tos para infecções oportunistas. O tratamen-to integral vai além da distribuição dos me-dicamentos anti-retrovirais e as medidas pre-ventivas (uso de medicamentos para prevenirinfecções e boa nutrição), curativas (diagnós-tico e tratamento da tuberculose, por exem-plo) e paliativas (como o controle da dor edos sintomas no caso de doenças graves) nãoestão tendo o mesmo sucesso da distribuiçãode medicamentos.

A atenção integral deve ser um desafioque perpasse todos os níveis do sistema de saúde. Os países têm a obrigação deresponder a essa demanda e prestar atendi-mento integral a todas as pessoas vivendocom HIV/AIDS. Em 2001, os países latino-americanos firmaram a Declaração deCompromissos da Luta contra o HIV/AIDSdurante a Sessão Especial sobre o HIV/AIDSda Assembléia Geral das Nações Unidas,comprometendo-se a garantir o tratamentopara o ano de 2003.

Esta edição do Ação Anti-AIDS propõediretrizes para as pessoas que trabalham emprogramas de saúde e HIV, de forma quepossam oferecer efetivamente atenção inte-gral às pessoas vivendo com HIV/AIDS.

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A atenção integral varia dependendodas necessidades locais e dasfontes. As pessoas soropositivas

devem ter acesso a um pacote básico decuidados que inclui:

Serviços de testes e aconselhamentovoluntários;Uma alimentação balanceada;Serviços de saúde locais receptivos eacessíveis aos usuários, incluindo cuidadosdomiciliares ou comunitários, e um efeti-vo sistema de transferência entre essesserviços e os hospitais de referência;Medicamentos essenciais para o trata-mento de infecções relacionadas ao HIVe para aliviar a dor;

2 AÇÃO ANTI-AIDS Nº 50 / Março - Maio 2004

Aperfeiçoando o acesso à atenção integralO boletim Ação Anti-AIDS relacionou alguns dos principais pontos que os gestores de saúde necessitam levar em consideraçãopara proporcionar uma atenção integral às pessoas que vivem com HIV/AIDS.

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Esse pacote de cuidados básicos deveestar disponível para todas as pessoassoropositivas, inclusive para os portadoresassintomáticos. As pessoas, grupos de ajudamútua e as organizações devem pleitear aefetivação desse pacote de serviços.Para issoé preciso persuadir os que detêm o poder,como os governantes ou as empresas, paraque mudem suas políticas ou práticas no sen-tido de conhecer as necessidades das pes-soas soropositivas.

Diretrizes principais para aatenção integral

As seguintes diretrizes podem ajudar osgestores de saúde a assegurar que as pes-

soas da sua área tenham acesso ao pacotebásico de cuidados.

Priorizar os serviços de atendimento.Isso significa envolver as pessoas soropositi-vas e os trabalhadores de saúde na deter-minação das necessidades e recursos locais,decidindo quais são as necessidades maisimportantes e a melhor maneira de respon-der a elas. A longo prazo, é preciso verquais os custos e benefícios das diferentesdimensões da atenção, incluindo atividadesde prevenção e tratamento do HIV edoenças associadas.

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ELEMENTOS DA ATENÇÃO INTEGRAL

A atenção integral em HIV/AIDS consta de quatro elementos inter-relacionados (vanPraag & Tarantola, 1999)

MANEJO CLÍNICO:diagnóstico precoce eacertado. Inclui exames,tratamento racional eacompanhamento.

ACONSELHAMENTO E APOIO EMOCIONAL:apoio psicossocial e espiritual, especialmentepara a redução do estresse e da ansiedade;planejamento da redução do risco; suscitar napessoa a capacidade de enfrentar a doença, deaceitar seu estado sorológico quanto ao HIV e aforma de comunicá-lo a outras pessoas; viversendo HIV positivo e planejar o futuro da família.

Cuidados de enfermagem: promoção de práticas adequadas de higiene e de nutrição,cuidados paliativos, atendimento domiciliar;capacitação para os provedores de atenção domiciliar e para a família; promoção das medidasuniversais de precaução.

Apoio social:informação, provisão de apoio de outros membros da comunidade;serviços de beneficência;apoio espiritual e assessoria legal.

Rosa Álamo/ Concurso Imagens de Vida

Flor Ruiz/ Concurso Imagens de Vida

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lla Extraído de:ATENCIÓN INTEGRAL POR ESCENARIOS DE

ATENCIÓN Y NIVELES. PAUTAS DE ATENCIÓN INTEGRALPARA PVVS EM LAS AMÉRICAS. OPS, OMS, em colaboraçãocom ONUSIDA e IAPAC,Abril 2001.www.paho.org/spanish/HCP/HCA/BB_Summary_Span.pdf

Para satisfazer as necessidades físicas,emocionais, sociais e econômicas das pes-soas soropositivas, a atenção deveria reger-se pelos seguintes princípios:

Respeito: pelos direitos humanos e peladignidade individual.

Acesso e disponibilidade: proporcionar aatenção apropriada no nível local.

Eqüidade: Prestar serviços de atenção àsaúde a todas as pessoas que vivem comHIV/AIDS, independentemente de sexo,idade, raça, etnia, orientação sexual, padrãode renda e local de moradia.

Coordenação e integração: Cuidar paraque haja uma gama contínua de atenção àsaúde por parte de todos os provedores e atodos os níveis do sistema de cuidados.

Eficiência e eficácia: Dar atenção eficaz acustos razoáveis para a sociedade, demons-trada por meio de atividades constantes demonitoramento e avaliação.

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cuidadores é essencial quando se reivindicaa melhoria do acesso ao atendimento.

Proporcionar treinamento constan-te para os trabalhadores da saúde. Otreinamento deve incluir a forma de diag-nosticar precocemente as doenças associa-das ao HIV, como tratá-las e quando transfe-rir as pessoas para serviços especializados.

Assegurar que os serviços de saúdesejam receptivos para com osusuários e fisicamente acessíveis. Hámaior probabilidade das pessoas usarem osserviços de saúde quando os profissionaissão amistosos e sabem se comunicar bem.Uma ação positiva é a capacitação em habi-lidades de comunicação como, por exemplo,a utilização de jogos teatrais.Além disso, osserviços de saúde devem estar suficiente-mente próximos para que as pessoas osfreqüentem.

Diminuir o estigma e a discriminaçãocontra as pessoas soropositivas. Emmuitos lugares, as pessoas discriminam etemem aquelas que julgam ser portadoras dovírus da AIDS. O estigma pode ser tão forteque alguns indivíduos que trabalham em orga-nizações relacionadas ao HIV/AIDS nem sem-pre dizem aos colegas que são soropositivos.A educação pode ser uma forma de reduzir opreconceito. Quando as pessoas entendem oque é o HIV e como se transmite, é bemmenos provável que discriminem.

Fornecer informação. Algumas pes-soas dizem que a informação é “aforma mais barata de terapia”. Os tra-balhadores da saúde e as pessoas afetadaspelo HIV necessitam atualizar-se quanto ainformações relevantes em diversos aspec-tos. Por exemplo, os cuidadores necessitamde informação que os ajude a entender oprogresso do HIV e saber o que aconselhar.As pessoas soropositivas necessitam deinformação para animar-se a buscar trata-mento precoce para doenças comuns, comoa tuberculose. Os gestores de saúde e osgrupos de base comunitários precisam pen-sar em quais informações necessitam e deque forma podem ser preenchidos os vaziosde informação.

Promover a boa qualidade da aten-ção na saúde. Assegurar que os serviçosde saúde tenham medicamentos e equipa-mentos básicos como, por exemplo, anti-bióticos efetivos simples, incluindo medi-camentos para tuberculose, anti-sépticos,analgésicos, luvas e seringas descartáveis,tanto como equipamento para os diagnósti-cos básicos. Isso inclui também contar comuma equipe de profissionais competentes.O custo é um ponto importante. Nesseaspecto, pode ser de grande ajuda desen-volver sistemas de recuperação de gastos,como farmácias subsidiadas. A atenção deboa qualidade em saúde também necessitade um bom sistema de provisão e distri-buição dos medicamentos e equipamento,monitoramento e acompanhamento doatendimento e sistemas de transferência.Desenvolver normas nacionais para manejaras doenças associadas ao HIV pode ajudar apromover uma boa qualidade da atençãoem saúde, estabelecendo, por exemplo, pro-tocolos de tratamento que possam serimplementados em todos os níveis: do hos-pital à comunidade.

Promover a colaboração entre osdiferentes setores que prestam aten-dimento. A colaboração entre centros desaúde e hospitais, sistemas tradicionais desaúde, organizações de base comunitárias egrupos de ajuda mútua, em níveis municipal,estadual e federal, contribuirá para garantira continuidade da atenção.

Promover o teste e o aconselha-mento voluntário. Se uma pessoa sabe atempo que vive com o HIV e recebe bomaconselhamento, pode animar-se a buscar oatendimento disponível, integrando-se, porexemplo, a grupos de ajuda mútua, alimen-tando-se de forma sadia e procurandotratamento precoce para as suas doenças.Uma pessoa cujo resultado for negativo temmaiores possibilidades de reduzir seu com-portamento de risco, desde que receba umbom aconselhamento.

Envolver as pessoas soropositivas noplanejamento de seu próprio cuidado.Quanto mais sentirem que podem decidirde forma informada sobre sua própriasaúde, mais probabilidades têm de se man-terem saudáveis.As pessoas necessitam serestimuladas a expressar seus medos e preo-cupações sobre o tratamento e a compar-tilhar as decisões sobre o seu cuidado.Envolver as pessoas soropositivas e seus

3AÇÃO ANTI-AIDS Publ icado por ABIA – Brasi l

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Dr. Elly T. Katabira, Departamento deMedicina, Hospital Mulago, Escola

Médica da Universidade Makerere, Kampala,Uganda.

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Luís Otávio Farias1

Ivia Maksud 2

Desafios para a gestãodo SUS em pequenosmunicípios do interior

A escolha de privilegiar o estudo demunicípios com até 50 mil habitantesapóia-se nas seguintes razões:

� os municípios desse portedemográfico correspondem a 90% dasunidades federativas do país;

� municípios de pequeno porte,quando comparados aos municípiosmaiores, tendem a apresentar maiordebilidade nas estruturas de adminis-tração e gestão, assim como na ofertade serviços de maior complexidade;

� devido a um conjunto de questões,os municípios que se encontram fora dasáreas metropolitanas tendem a sofrerum “apagamento político”, que se reflete,dentre outras formas, na escassez deestudos, proposições e ações consis-tentes com as suas particularidadessócio-culturais, político-administrativas,sociais e econômicas. Nesse sentido, oprojeto buscou contribuir para que a“formação da agenda” da política desaúde no Estado do Rio de Janeiro ab-sorva questões e demandas pertinentesaos municípios do interior do estado.

A aproximação a essas realidades,em certos aspectos bastante distintasdaquelas observadas nos municípios

metropolitanos, põe em relevo a neces-sidade de conhecermos os contextossociais específicos sobre os quais apli-camos os conceitos e conhecimentosda saúde coletiva. Falar, por exemplo,dos obstáculos que se antepõem ao al-cance da integralidade na saúde requeralgum grau de observação das reali-dades locais, reconhecendo limites eobstáculos que caracterizam o cotidia-no do Sistema Único de Saúde (SUS)nos pequenos municípios.

É necessário entender como osmunicípios pequenos, com suas especifi-cidades, respondem à implementação deprogramas de saúde mais genéricos, ecomo isso se cruza - na ponta - com acultura das organizações de saúde e como cotidiano e os simbolismos dos profi-ssionais e usuários desses serviços. Ouseja, o modo como os indivíduos e orga-nizações recebem, se adequam e inven-tam formas de dialogar com esses pro-gramas.Via de regra os procedimentos enormas de programas governamentaisainda são “impostos” de cima para baixo,num quase desconhecimento de reali-dades e culturas específicas.

A noção de integralidade abriga umamplo conjunto de idéias acerca daatenção à saúde. Em termos analíticos,é possível distinguir, pelo menos, doisusos diferenciados para essa noção, ain-da que esses mantenham entre si estrei-ta relação:

� integralidade como um atributodo sistema de saúde, que deve garantiro acesso aos diferentes níveis de com-plexidade da assistência, assim como odesenvolvimento de ações de promo-ção, proteção e recuperação da saúdedos indivíduos e coletividades;

� integralidade como um atributo docuidado, o qual deve reconhecer o indiví-duo singular por meio de uma perspec-tiva que observe o paciente como umtodo, considerando simultaneamente ede forma integral as suas dimensões bio-lógicas, psíquicas e sociais. As reflexõesque faremos a seguir destacam algunsproblemas e dificuldades encontradaspelos pequenos municípios e que afetamo alcance da integralidade,entendida aquicomo atributo do sistema de saúde.

No que compete à gestão dos pro-gramas, observou-se uma forte tensão

1 Pesquisador do Depto de Ciências Sociais da ENSP/FIOCRUZ. E-mail: [email protected] Doutoranda em Saúde Coletiva no Instituto de Medicina Social/Universidade do Estado do Rio de Janeiro e assessora de Projetos da ABIA. E-mail: [email protected]

O conjunto de observações e reflexões relatadas neste breve artigo é originário de um projeto de pesquisa coordenado pela

professora Jeni Vaitsman (Escola Nacional de Saúde Pública/Fundação Oswaldo Cruz), que contou com apoio da FIOCRUZ,

através do Programa de Pesquisas Estratégicas em Saúde, da Associação Brasileira Interdisciplinar de AIDS e da Secretaria

de Estado da Saúde do Rio de Janeiro (SES-RJ), através da Coordenação do Programa de Saúde da Mulher. Em linhas

gerais, o projeto tinha como foco de análise a implementação de políticas e programas de saúde em municípios de até

50 mil habitantes no Estado do Rio de Janeiro, em especial os programas Saúde da Família, Saúde da Mulher e

DST/AIDS. Foram coletados dados em estudo de caso realizado em um município de aproximadamente 20 mil

habitantes, bem como em diversas outras situações de pesquisa de campo, tais como reuniões e eventos organizados

pelo estado, por movimentos sociais e pelo próprio projeto. Foram ainda coletados dados quantitativos sobre os municípios

em bases do DataSus, IBGE e CIDE, entre outros.

4 AÇÃO ANTI-AIDS Nº 50 / Março - Maio 2004

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WORKSHOP “POLÍTICAS DE SAÚDE

EM MUNICÍPIOS DO INTERIOR”

Em novembro de 2003, a ABIA, emparceria com a FIOCRUZ, promoveu o workshop “Políticas de Saúde em Municípios do Interior”. Oevento, realizado no município de Rio Bonito, no Estado do Rio, reuniu coordenadores municipaise estaduais do Programa de Saúde da Família (PSF), Programa de Saúde da Mulher (PAISMCA) ePrograma de DST/AIDS, e contou com a participação de representantes de mais de 30 municípiosfluminenses, entre profissionais de saúde, conselheiros municipais de saúde, ONGs, integrantes deuniversidades e de instituições de pesquisa.

As temáticas abordadas foram agrupadas em quatro mesas:1) Desigualdades e políticas em municípios do interior 2) Programa de Saúde da Família: diferentes olhares 3) Saúde reprodutiva e integralidade 4) Atuação da sociedade civil em saúde.

Cada mesa era formada por uma composição multissetorial, reunindo profissionais de univer-sidades e centros de pesquisa, movimentos sociais e organizações não-governamentais, e organiza-ções governamentais. O seminário teve ainda três grupos de trabalho, que contaram com entusi-asmada participação da platéia (“O PSF e a organização da assistência à saúde”; “Saúde reproduti-va e integralidade”; e “Sociedade civil: participação social e parcerias”).

O seminário foi avaliadopelos participantes como umarara ocasião de efetivo encon-tro e integração de gestoresmunicipais com profissionaisde saúde e sociedade civil.Para mais informações, con-tatar Ivia Maksud, da ABIA, notelefone 21-22231040 ou peloe-mail: [email protected]

entre as noções de “ajudar” e “assumir”,revelando uma fragilidade no que tangeà chamada para si de responsabilidadepelas atividades pertinentes ao cargo.Os coordenadores reconhecem di-ficuldades e necessidades do sistema,mas há uma distância entre considera-ção de problemas e tomada de decisãopara superação dos mesmos. Ainda quese coloquem “dispostos” e “com boa-vontade” para agir, geralmente seu dis-curso está desvinculado do desencadea-mento de ações efetivas. O ambienteorganizacional tende a se caracterizarpor um baixíssimo grau de instituciona-lidade, com organogramas precários, in-definição de atribuições e compe-tências, baixa normatização e inexistên-cia de mecanismos institucionais para ocontrole e coordenação das açõesdesenvolvidas. Esse conjunto de fatoresfaz com que, mesmo contando comuma estrutura organizacional relativa-mente pequena, essas secretarias mu-nicipais de saúde apresentem dificul-dade para promover a integração dosserviços e a horizontalização dos diver-sos programas; princípios fundamentaispara a busca da integralidade.

É importante destacar que esse fatoocorre, geralmente, associado a umquadro de escassez de recursoshumanos, que se traduz, muitas vezes, nainexistência de equipes em alguns pro-gramas, sendo o coordenador o únicoprofissional responsável pela implemen-tação e supervisão de todas as ações.Nos municípios do interior, é comumque esse profissional acumule outrasfunções de gestão e/ou de assistência,ou ainda que trabalhe em municípios vi-zinhos. A rotatividade dos coorde-nadores é relativamente alta, devidoprincipalmente às instabilidades políti-cas e à precariedade dos vínculos detrabalho. A transição de cargos não éinstitucionalmente regulada, o que con-tribui para uma cultura de descon-tinuidade e para o apagamento damemória organizacional. A alta rotativi-dade dos coordenadores municipaisconstitui também um problema para aSecretaria Estadual de Saúde, uma vezque, por um lado, os esforços de capa-

citação e treinamento destes profissio-nais acabam sendo sub-aproveitados e,por outro, faz aumentar a demanda pornovas capacitações.

A articulação entre os níveis estaduale municipal ainda está aquém do desejá-vel, apesar dos esforços individuais dostécnicos e gestores de ambos os níveisgovernamentais. A inexistência de estru-turas administrativas regionais na SES-RJdificulta uma maior proximidade, articu-lação e cooperação com os municípios,os quais, via de regra, reivindicam umapresença mais constante do nível esta-dual. Além disso,em muitas situações nãohá clareza, por parte dos municípios,sobre o papel a ser desempenhado pelonível estadual, fato agravado, algumas ve-

zes, pelo próprio desenho dos progra-mas, formulados em nível federal. No quese refere à organização da oferta de ser-viços, a ausência de uma real implemen-tação da Norma Operacional de Açõesem Saúde (NOAS) tem dificultado a solu-ção dos problemas de acesso e utilizaçãodos serviços de média e alta complexi-dades pela população desses municípios.

Por fim, cabe destacar que a essasdeficiências das estruturas de gestãomunicipal soma-se a fragilidade dasociedade civil nos próprios municípios.A quase inexistência de movimentossociais enfraquece a possibilidade decontrole social das políticas de saúde ea vocalização de demandas politica-mente organizadas.

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OMinistério da Saúde distribuiu me-dicamentos anti-retrovirais para128 mil pacientes em todo país em

2003. Este ano, o número aumentará em 20mil, atingindo a marca de 148 mil atendidospelo Programa Nacional de DST/AIDS, reco-nhecido internacionalmente pelos seus bonsresultados.Além do sucesso do programa naárea de assistência à saúde, o Brasil despontana área de pesquisa sobre o tratamento eprevenção da doença, ao ser incluído numesforço internacional de estudos de pontaem AIDS organizado por redes do NationalInstitutes of Health (NIH), agência de pesquisaem saúde do governo americano.

A FIOCRUZ será responsável pelogerenciamento dos estudos e resultadosno Brasil. O trabalho inclui o teste de trêsnovos medicamentos contra AIDS em 100pacientes, a avaliação em 1.750 bebês deum esquema tratamento para evitar atransmissão da doença a recém-nascidosfilhos de mães HIV positivas diagnosticadasdurante o parto, e duas estratégias de pre-venção da transmissão do vírus em casaisheterossexuais.

Até o fim de 2004, o grupo de ensaiosclínicos em AIDS, liderado por BeatrizJegerhorn Grinsztejn,Valdiléa Veloso e JoséHenrique Pilotto, do Instituto de PesquisaEvandro Chagas (IPEC), iniciará sua parti-cipação nos três estudos internacionaiscoordenados por redes ligadas ao NIH.Além de gerenciar os trabalhos e resulta-dos no Brasil, o grupo fará o atendimentoa pacientes.A equipe reúne especialistas doInstituto Oswaldo Cruz (IOC), do Centrode Informação Científica e Tecnologia(CICT) e do próprio IPEC. O grupo par-ticipará de estudos conduzidos pelas redesAdult Aids Clinical Trials Group (AACTG) eHIV Prevention Trials Network (HTPN).

Na área de tratamento, a parceria serácom o AACTG, considerada a maior redede ensaios clínicos do mundo. A pesquisadeve começar em junho deste ano eavaliará a eficácia de três tratamentos anti-retrovirais em 100 pacientes brasileirosque ainda não recebem esse tipo de medi-cação. Ao todo, serão analisados 1.250soropositivos em 12 centros de pesquisaespalhados em todo o globo.

6 AÇÃO ANTI-AIDS Nº 50 / Março - Maio 2004

“Vamos saber se a medicação temalgum efeito protetor nessa população quenão exige tratamento”, afirma Beatriz. OIPEC será responsável pelo gerenciamentonacional do estudo e pelo atendimento departe dos pacientes. A previsão é que ostrabalhos comecem no segundo semestre.

Além dos novos estudos, o grupo ter-mina este ano uma parceria com oComprehensive International Program ofResearch on AIDS (CIPRA), rede de apoio aestudos em AIDS também ligada ao NIH. OCIPRA concedeu ao grupo uma doaçãopara planejamento e organização no valorde U$ 50 mil, o que permitiu a realizaçãode treinamentos e eventos e a conclusãode um estudo com gestantes soropositivasdo Rio de Janeiro e do Rio Grande do Sul.Em agosto, serão apresentados o relatóriode atividades e um novo projeto de pes-quisa. A meta é receber uma doação parapesquisa exploratória, que pode chegar aU$ 500 mil. Segundo a coordenadora doprojeto, Mariza Morgado, do IOC, comessa verba será possível aprofundar os tra-balhos iniciados na primeira etapa, deta-lhando as diferenças entre a epidemia deAIDS nos dois estados. Nesse novo estudo,será utilizada a mesma amostra do projetoHPTN 040.

Caso a proposta seja aceita, o grupo deensaios clínicos renovará seu relaciona-mento com o CIPRA, mantendo, simulta-neamente, quatro parcerias com redes doNIH. Para Beatriz Grinsztejn, esse reco-nhecimento internacional é fruto do tra-balho e dos resultados obtidos pela equipenestes 11 anos de atividades.

“Muitos dos principais avanços científi-cos na luta contra a AIDS surgiram a partirde trabalhos desenvolvidos por redes doNIH. Participar disso é ser pioneiro napesquisa sobre a doença”, comemoraBeatriz.

Os pesquisadores da FIOCRUZ serãoresponsáveis pelo atendimento aos pa-cientes, análises laboratoriais e consolidaçãodos dados obtidos. A parceria com oAACTG já rendeu a ampliação das insta-lações do ambulatório do IPEC. O institutorecebeu do NIH uma verba de U$ 84 milpara construção de oito novas salas paraatendimento exclusivo a soropositivos.

Com o HTPN, o grupo participará dedois projetos na área de prevenção. O estu-do HPTN 040 avaliará três medidas pro-filáticas pós-exposição usadas em recém-nascidos filhos de mães HIV positivas diag-nosticadas durante o parto. Um total de1.750 bebês será distribuído aleatoriamenteem três grupos, que receberão medicaçõesdiferentes. O primeiro será tratado apenascom Zidovudina (AZT), medida preventivapadrão em todo o mundo. Já o segundo,receberá também Nevirapina. Aos restan-tes, será administrado um esquema formadopor AZT, Lamivudina e Nelfinavir.

“A duração do projeto é de 33 meses e,a partir dos resultados obtidos, será possí-vel identificar qual a opção mais eficaz naprevenção à transmissão vertical da AIDS”,explica Pilotto, frisando que, nesse projeto,o grupo será responsável pelo gerencia-mento técnico global, administração, análi-ses laboratoriais e consolidação dos dados.

Ainda na mesma rede, o estudo HPTN052 vai comparar duas estratégias de pre-venção da transmissão de HIV em casaisheterossexuais em que um dos cônjuges éportador do vírus da AIDS e o outro não,conhecidos como sorodiscordantes. Ses-senta casais serão divididos aleatoriamenteem dois grupos. Um terá contato apenascom os métodos comuns, como o uso dacamisinha e o aconselhamento. No outro, ossoropositivos sem indicação para tratamen-to anti-retroviral receberão remédios, alémde terem acesso às medidas tradicionais.

Pesquisa mundial sobre tratamento de AIDSPedro SlobodaTexto gentilmente cedido pela Revista de Manguinhos – FIOCRUZ

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Brasil: boas respostas,novos desafiosIntegralidade, interdisciplinaridade e inter-setorialidade na terceira década da epidemia no BrasilJuan Carlos Raxach, assessor de Projetos da ABIA – [email protected], www.abiaids.org.br

JÁ SE PASSARAM DUAS DÉCADAS DE EPI-DEMIA e poucos países latino-americanos edo mundo adotaram uma política eficaz decombate à epidemia de HIV/AIDS. A últimadécada foi marcada por grandes avanços tec-nológicos e pesquisas que permitiram o sur-gimento da terapia anti-retroviral (ARV)combinada, assim como a descoberta denovas classes de medicamentos que propicia-ram, àquelas pessoas que têm acesso a elas,uma significativa melhora na qualidade devida, no que se refere ao controle da repli-cação do HIV e à diminuição de danos ao sis-tema imunológico, entre outros benefícios.

A RESPOSTA BRASILEIRA DE ENFRENTA-MENTO à epidemia da AIDS é o resultado daluta do movimento social organizado aliadoaos técnicos de saúde que defenderam oprincípio do Sistema Único de Saúde (SUS)para enfrentar a epidemia de forma ampla,fazendo valer os direitos constitucionaisque surgiram a partir do processo de de-mocratização do país. O Brasil foi um dosprimeiros países a pôr à disposição umacesso universal, gratuito e sustentado paratodas as pessoas soropositivas ao HIV comindicação para a terapia ARV.Até janeiro de2003, eram aproximadamente 120 milusuários.

FORAM GRANDES AS CONQUISTAS, e é re-levante que o número de internações hos-pitalares por infecções oportunistas tenhase reduzido até 80%, e o número de mortespor AIDS tenha diminuído 50% nas grandescidades, como Rio de Janeiro e São Paulo.Por outro lado, essas conquistas nos esti-mulam a pensar em novos desafios a en-frentar, que vão além do acesso ao trata-mento. Uma das lições mais importantesque aprendemos nos diz que a assistência émais que o acesso aos medicamentos. Paraque possamos falar de um bom tratamento,e situá-lo dentro de um contexto maisamplo de saúde, devemos envolver e com-prometer diferentes atores e setores dasociedade.Nesse sentido, a atenção integral,a interdisciplinaridade e a intersetorialidadesão temas de grande importância na agenda

de debate sobre as políticas públicas desaúde das ONGs, dos estados e dos municí-pios, entre outros atores sociais, e devemser trabalhadas nos próximos anos.

COM O OBJETIVO DE REFORÇAR AS REDES

DE PROTEÇÃO E ATENÇÃO às pessoas soro-positivas, além de ir delineando esses novosdesafios, a ABIA, em conjunto com a Divisãode Doenças Infecto-parasitárias do HospitalUniversitário Pedro Ernesto, da Univer-sidade do Estado do Rio de Janeiro, realizou,no Rio de Janeiro, em 2002, o SeminárioAssistência em HIV/AIDS: relação médico-paciente, interdisciplinaridade e integralidade.Esses três temas permitiram abarcar, em umprimeiro momento, alguns dos problemasque estão presentes na atenção primária àsaúde e que precisam ser enfrentados paraoferecer e ampliar a qualidade de vida e aatenção às pessoas soropositivas.

AO ABORDAR O TEMA DA RELAÇÃO MÉDI-CO-PACIENTE, mencionou-se que, atual-mente, essa relação apresenta vários obs-táculos, destacando-se – mesmo depois deduas décadas de epidemia – o preconceitorelacionado a uma inadequada formaçãopessoal e profissional. Muitos pacientes sequeixam de que o médico não os olha defrente, que não sabe como abordar adoença. São profissionais que pedem umexame para HIV mas que não sabem comocomunicar o resultado quando dá positivo.Por incrível que pareça, ainda existe medoda infecção.Além disso, existem dificuldadesde ordem técnica, há muitas pessoas solici-tando atendimento médico e poucos profi-ssionais para suprir a demanda, o que provo-ca demora no atendimento e um desgasteemocional, tanto do profissional como dopaciente, um indiscutível obstáculo na boarelação médico-paciente e, como conse-qüência, pouca eficiência no atendimento.

A CONSTRUÇÃO INTERDISCIPLINAR foiapresentada como uma exigência no planodo conhecimento e das práticas sociais. AAIDS é um objeto complexo que exige aparticipação de diferentes conhecimentos ediversas dimensões da experiência humana.

Essa interdisciplinaridade enfrenta algunsobstáculos: 1) O componente humano: avaidade, a política cotidiana, as relações depoder formais e instituídas ou informaisque se estabelecem entre os profissionais.2) O próprio paradigma das práticas deuma saúde que é biomédica, curativa e cen-tralizada. 3) A alta valorização dos anti-retrovirais, o que reduz a atenção médicaao controle do HIV, relegando-se aspectossociais, nutricionais e a reabilitação, que épraticamente inexistente nos serviços deatenção a pessoas soropositivas no Brasil.Outro desafio levantado foi a necessidadede refletir sobre o papel do Estado e dasociedade civil em lidar com a AIDS comouma questão multissetorial e não ligadaapenas à área de saúde, mas também àspolíticas sociais, de trabalho, de desenvolvi-mento econômico e de previdência. Se oobjetivo final é melhorar a qualidade de vidadas pessoas HIV+, a construção de umaprática interdisciplinar é fundamental. Apossibilidade de construir práticas integraisé afetada pela falta de comunicação entreos profissionais de diferentes especiali-dades, bem como pela falta de diálogo entreos diferentes campos do saber, inclusive osaber da comunidade e do próprio usuário.O acompanhamento médico regular nãoapenas através do médico, mas de umaequipe multidisciplinar de saúde, é necessá-rio e urgente, reforçando e levando à práti-ca o desejado SUS.

AO ABORDAR O TEMA DA INTEGRALIDADE,destacou-se que ainda estamos no início deuma luta pela organização de serviços querespondam às necessidades da populaçãode uma forma geral, e que é preciso pensarsobre qual o sentido de integralidade dirigi-do a uma estrutura de organização deserviços que possam ser capazes deresponder ao conjunto das amplas necessi-dades das unidades de saúde.

O PROGRAMA BRASILEIRO DE ENFRENTA-MENTO À EPIDEMIA DE HIV/AIDS é fontede inspiração, além de exemplo, de que essaintegralidade é possível e necessária. Mas éum desafio generalizar a experiênciaalcançada para outras doenças. São indis-cutíveis os benefícios e conquistasalcançadas com a política adotada, e agora,no que marcamos como um segundomomento, é urgente a necessidade dereforçar essa política através, por exemplo,de ações integradas que contribuam para oenfrentamento dos novos desafios visandomelhorar ainda mais a resposta dada e con-tinuar melhorando a qualidade de vida daspessoas soropositivas.

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A Vía Libre, organização peruana de lutacontra a AIDS, desenvolve em Lima um programa de capacitação em atenção domi-ciliar dirigido a familiares, amigos e agrega-dos de pessoas que vivem com HIV/AIDS,mediante módulos de capacitação teórico-práticos.

O programa nasceu da necessidade cres-cente de um grande número de famílias decontar com informação e apoio básicodomiciliar. Essa realidade se torna crítica empaíses como o Peru, onde não existe o aces-so universal a tratamentos e, portanto, amorbidade das pessoas soropositivas é alta.Da mesma forma, muitas famílias procuramos serviços de saúde motivadas por proble-mas básicos que poderiam ser resolvidos emcasa, ou devido a complicações que pode-riam ser evitadas com medidas básicas oucom a detecção precoce de sinais de alarme.

O programa busca: 1) Instruir no mane-jo de problemas básicos que não requerematendimento médico e na identificação desinais de alarme que requereriam precoce-mente um atendimento especializado.2) Proporcionar capacitação básica sobreHIV/AIDS, infecções oportunistas e medidasde prevenção. 3) Mostrar quais são oscuidados necessários ao paciente com AIDSem etapa terminal. 4) Capacitar em técnicasde apoio sócio-emocional. 5) Estabelecerum modelo de atenção domiciliar quedepois seja aplicável em âmbito nacional.

Família fortalecidaEmbora iniciado no ano de 2000 com

oficinas teóricas, foi apenas em 2002 que searticulou esse programa dirigido a familiarese agregados de todas as idades, sem dis-tinção de sexo e nível sócio-econômico. Sãopessoas que convivem ou têm uma pre-sença contínua no domicílio, com motivaçãopara dar um apoio adequado e que dispõemde tempo para freqüentar as 12 horas deduração do módulo.

Uma equipe multidisciplinar conduz oprograma: médicos, psicólogas, nutricio-nistas, pessoas soropositivas facilitadoras eeducadoras de seus pares, o coordenadordo módulo e enfermeiras. Todos comexperiência de trabalho com pessoas HIVpositivas.

Diante de um diagnóstico positivo, a famíliapode ter diversas reações emocionais:• Raiva e desaprovação, sobretudo no que se re-fere à forma como a pessoa se infectou, o quemuitas vezes ocasiona situações de agressão ouconflito no seio da família.

• Desejos de cuidar e proteger (às vezes super-proteger), mas, ao mesmo tempo, misturadoscom temor diante do desconhecimento dainfecção.

• Negação da infecção, o que dificulta que se faleabertamente ou que cada um possa expressar oque sente.

• Desconfiança do cônjuge, o que leva muitas ve-zes ao rompimento da comunicação e ao au-mento das dificuldades que estão sendo vividas.

O afeto dos seres queridos é um fator fun-

damental. Quando alguém de quem gostamosestá sofrendo, pegar na sua mão ou acompanhá-lo em silêncio pode ser um apoio.

Quando se sabe o que acontece, é preferívelnão esconder o fato. A sinceridade impedirá oisolamento. Não é necessário negar a situação,pois é bem provável que a pessoa precise falardisso. É muito melhor comunicar-se, falar aberta-mente do que se sente, em lugar de fingir quenada está acontecendo.

É preciso respeitar as decisões da pessoaafetada durante esse processo. Ela é quemdecidirá como quer viver e quem gostaria que aacompanhasse. Podemos aconselhar, mas nãoimpor. É muito importante não julgar nemrecriminar. É muito doloroso buscar afeto e con-solo e encontrar rechaço.

Informação baseada no manual APRENDIENDO SOBRE LA INFECCIÓN SOBRE EL VIRUS DE IMUNODEFICIENCIA HUMANA,da ASOCIACIÓN VÍA LIBRE, Lima, Peru, 2002 – [email protected], www.vialibre.org.pe

CONSELHOS PRÁTICOS

Peru: trabalhandoa família

São desenvolvidos com um enfoqueteórico-prático os seguintes temas: Infor-mação básica, sinais de alarme, reconhe-cimento e manejo de situações básicas emcasa, apoio sócio-emocional, apoio em etapaterminal de AIDS, nutrição e morte.

Grupos focais e entrevistas préviasdemonstraram um importante nível deestigma e discriminação entre os própriosfamiliares. Esses temas foram incorporadosno desenvolvimento dos conteúdos e emdinâmicas de grupo que os abordam deforma transversal.

Atualmente, existem de 120 a 150 fami-liares ou agregados capacitados. São benefi-ciadas indiretamente 120 a 150 pessoassoropositivas e 300 familiares diretos.

Mobilizando a casaO diferencial desse programa reside no fa-

to de mobilizar diretamente os familiares pararesponderem em casa ao impacto da epide-mia. O desafio é lutar contra a falta de tempo.

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Como parte da metodologia desse pro-grama piloto, foram realizados acompanha-mentos às pessoas participantes. Os indi-cadores avaliados são os que se relacionamàs respostas concretas diante dos problemasem casa, no transcurso dos meses pós-par-ticipação no programa. Esses dados aindaestão sendo analisados. Uma primeira ava-liação nos permite ver que a incorporaçãode informação e conhecimentos teóricostraduziu-se, em grande parte, em respostaseficazes e importantes mudanças de atitude.

Algumas das questões encontradas nodecorrer desse trabalho: 1) É preciso contarcom programas educativos teórico-práticosdirigidos a pessoas soropositivas, que emprincípio não procuram os grupos de ajudamútua. 2) São importantes o papel e o en-volvimento de pessoas soropositivas comoatores dentro da equipe. 3) Uma vez que setrata de um trabalho de capacitação comum bom número de horas, a abordagemindividual deve ser sempre um complemen-to indispensável.

A seguinte etapa do programa é a suamultiplicação e ampliação.

Para isso, será editado o Manual deAtenção Domiciliar, que poderá ser obtidoatravés de contato com o Dr. RobinsonCabello, diretor-executivo da Vía Libre, peloe-mail [email protected],www.vialibre.org.pe

O QUE ACONTECE COM A FAMÍLIA?

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nhamento de crianças, ado-lescentes e usuários de ser-viços de saúde mental é pos-sibilitado por serem popula-ções atendidas em outrosprojetos da instituição.

O encaminhamento de cli-entes pode ser feito poralguém da família, amigos ouprofissionais de saúde quedetectem a necessidade deum buddy para aquela pessoa.A equipe entra em contatocom o cliente e faz todos osencaminhamentos e orien-tações, mesmo que por algummotivo ele não seja incluídono projeto.

O Grupo Pela Vidda/Niterói está permanente-mente captando candidatos abuddies (qualquer pessoa commais de 18 anos e boas con-dições físicas, com desejo deser voluntária).Após entrevis-ta, os candidatos são encami-nhados para treinamentos de40 horas; posteriormente,recebem orientações e sãoacompanhados pela equipe do

projeto.Nesta primeira etapa, em 2004, o

projeto tem como meta 30 buddiesacompanhando (continuada ou even-tualmente) 100 clientes. É importanteressaltar que, neste primeiro momento,o atendimento será realizado somente amoradores de Niterói, embora a sua re-de de saúde atenda a uma grande popu-lação dos municípios vizinhos.

Em 2003, o Grupo PelaVidda/Niterói-RJ e outras 15ONGs do Brasil foram treina-das para formar a Rede BuddyBrasil. A criação da rede temorigem no sucesso do projetoRio Buddy, desenvolvido desde1997 no Rio de Janeiro, pelosgrupos Pela Vidda/RJ e Arco-Íris. A Rede tem o propósitode instalar programas Buddyem outras cidades brasileiras,cobrindo as necessidades lo-cais, preservando as particulari-dades regionais.

Assim, nasceu em Niterói,em 2004, o projeto NitBuddy,contando com parcerias locaise uma equipe de técnicos e vo-luntários na elaboração, naimplementação e no acompa-nhamento do projeto. Essasparcerias se dão na cessão deespaço para os treinamentos;na elaboração de materialinformativo; no encaminhamen-to, acompanhamento e atendi-mento aos clientes pelos pro-fissionais de saúde; no convite apalestrantes para os treinamentos.

O projeto propõe um trabalho deatenção e acompanhamento domiciliaràs pessoas vivendo com AIDS, quemobiliza a comunidade, aproxima pes-soas e promove a quebra de precon-ceitos a baixos custos. A atuação dobuddy (amigo, companheiro) vai depen-der das necessidades de seu cliente(pessoa com AIDS): acompanhá-lo aomercado, ao médico, à praça, numa pos-sível internação hospitalar e, até mes-mo, ajudá-lo em tarefas domésticas. Éimportante ressaltar que essa ajuda éapenas complementar, não substituindoos profissionais de saúde. Ao acompa-nhar um cliente, o buddy disponibilizaráno máximo oito horas por semana detrabalho voluntário, podendo esse

acompanhamento ser eventual ou porum período maior.

Os resultados esperados são o for-talecimento da auto-estima e autocuida-dos; prevenção secundária; assiduidadeàs consultas; aumento na adesão aotratamento; diminuição no número deinternações; retorno ao convívio social;reinserção no mercado de trabalho econseqüente melhoria na qualidade devida.

Quem é o cliente? Qualquer pessoavivendo com AIDS que apresente algumtipo de intercorrência física ou psi-cológica: adultos, adolescentes, crianças,independentemente de gênero e orien-tação sexual, e usuários de serviço desaúde mental infectados, com exceçãode usuários de drogas. O acompa-

Narda Nery Tebet – coordenadora do proje-to NitBuddy - Grupo Pela Vidda/Niterói -Rua Visconde de Moraes, 251 – Ingá – Niterói Tel: (21) 2722-0067/2613-0598 2ª a 6ª feira das 13:00 às 19:00 www.pelavidda-niteroi.org.br/[email protected]

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A AIDS é um objeto complexo. Suaformulação, como objeto de co-nhecimento e de intervenção, exige

a participação de distintos saberes e de di-versas dimensões da experiência humana.

Na sua própria definição como sín-drome, que vigorou até há bem poucotempo, a AIDS já se anuncia como um obje-to complexo, somatório de condições eefeitos dessas condições ocorrendo simul-taneamente num indivíduo.Assim, para a suacompreensão e para uma intervenção médi-ca exitosa sobre seus portadores, sãonecessários conhecimentos derivados dediferentes especialidades clínicas. Alémdisso, enquanto desafio para a medicina epara a saúde pública, a AIDS exige e estimu-la a produção de novos conhecimentos, emdiferentes áreas médicas, como a hematolo-gia, a imunologia, a farmacologia e em ou-tros campos de saber, como a psicologia, apedagogia, a economia e outros.

Os aspectos éticos da prática de saúdee da prática médica nunca foram objetos detanta discussão e polêmica como o queocorre a partir da AIDS.

Como já foi dito, o trabalho interdisci-plinar é exigido também pela demanda desatisfação de um conjunto amplo de neces-sidades dos usuários. Para a adesão ao trata-mento, por exemplo, não adianta o médicoadotar uma postura de que as conseqüên-cias pelo paciente não cumprir correta-mente com a prescrição é problema apenasdesse paciente.

A AIDS COMO OBJETO COMPLEXO E

DESAFIADOR, E A EXIGÊNCIA DECONSTRUÇÃO DE UM CAMPO

DE SABER INTERDISCIPLINAR

com a enfermagem, com profissionais deserviço social e de psicologia.

O HIV e a AIDS constelam uma série dedefesas psíquicas e emoções às vezesambíguas e contraditórias. Não dá parafazer assistência em AIDS achando que aspessoas vão lidar com isso com a mesmaracionalidade que lidam com outrasquestões. Sexo e comida são básicos para anossa sobrevivência como espécie.Comportamentos alimentares e sexuaissão, portanto, de difícil regulação. Durantebilhões de anos, para cada indivíduo, o sexoe a alimentação tiveram sentidos específicose importantes. Nem todo mundo quer, ouconsegue, comer nas horas estabelecidas outransar sem correr diferentes riscos.

O viver com HIV tem uma ligação com aalimentação e estilo de vida muito marcante,que nem sempre os profissionais sabemabordar. Quem trabalha com diabéticos,hipertensos, obesos, sabe o quanto é difícilpara uma pessoa reestruturar a sua dieta e oseu estilo de vida. O mesmo pode ser ditoem relação à sexualidade.Tanto a sexualidade

Interdisciplinaridade é o esforço de construção de um campo do conhecimento que, situado na fronteiraentre outros campos de conhecimento e de ação, busca com esses estabelecer conexões e continuidadesaté conquistar autonomia como um novo campo do conhecimento.A construção interdisciplinar é, hoje, umaexigência no plano do conhecimento e das práticas sociais, em função da complexidade dos objetos com osquais nos deparamos e, conseqüentemente, da complexidade exigida para a sua leitura e interpretação.

A necessidade da escuta É certo que o remédio é muito caro, e

se tomado erradamente pode provocarresistência, o que justifica o fato de o médi-co considerar plausível redirecionar seusrecursos medicamentosos e tecnológicos, eseu saber para alguém que vai aproveitarmelhor o tratamento. No entanto, questõescomo alimentação e dieta, o passe de ônibusnecessário para ir à consulta, a falta ao tra-balho e até com quem deixar as criançasinterferem, muitas vezes, na possibilidade deseguir o tratamento à risca, e normalmentenão encontram espaço para serem abor-dadas na consulta médica, até pelo fato de opaciente considerar que aquilo não é assun-to para ser tratado naquele espaço.

A questão é delicada, pois se não houveralguém que escute esse conjunto de neces-sidades e equacione a sua satisfação, dentrodas possibilidades reais do serviço e dopaciente, o tratamento não se sustenta.Assim, a efetividade do trabalho médico naAIDS depende marcadamente de profis-sionais que possam ouvir e da interação

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ROSA

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fomentar um conflito entre as condutas:ênfase no clínico ou no psicossocial?Dependendo da conduta ou postura eleita,a vaidade do profissional que postulava sera sua a mais adequada pode ficar ferida. Essetem sido um grande aprendizado, porqueem alguns momentos fica evidente que aquestão deixa de ser o paciente para serquem tem razão, quem tem a melhor con-duta, quem é mais esperto.

O último ponto que pode colocar aequipe em conflito é o envolvimento com aneurose do paciente. Todos temos nossasneuroses, isso não é privilégio dos pa-cientes, e às vezes o profissional permiteque a sua loucura individual interaja com ado paciente. Esse é um fato freqüente ebastante delicado, pois efetivamente lida-mos com uma população muito frágil e ca-rente. Quem tem a autoridade de definir olimite objetivo da carência do outro e dosuporte necessário para superá-lo? Não dápara ter uma postura de que a últimapalavra sobre uma questão terá que sersempre daquele que, na equipe, é conside-rado especialista. Um profissional de saúdemental, por exemplo, pode entender tudoda dinâmica mental do indivíduo, mas aavaliação sobre o conjunto das necessi-dades que a equipe pode satisfazer tem queser da equipe.

A interdisciplinaridade como proposta de trabalhocompartilhado

Para assumir uma proposta de trabalhointerdisciplinar, é necessário, em primeirolugar, confiar na equipe e se reunir. Para isso,tem que haver vontade e disciplina, já que asrotinas de trabalho não prevêem isso. Asegunda coisa é a humildade, aceitar que àsvezes erramos e vamos ter que fazer denovo. A terceira é assumir que temos queacertar mais que errar. Erramos uma vez eaprendemos para não errar de novo.

Dar o mesmo grau de importância aosdiferentes profissionais, talvez tenha sidoum movimento iniciado a partir de nossosconflitos. Evidentemente, seria bom que apopulação, através das discussões emONGs, pudesse ajudar os profissionais a sepressionarem mutuamente no sentido deuma construção mais consistente do co-nhecimento. E para ser mais consistente, osaber tem que ser mais compartilhado.

quanto a alimentação são espaços ritualiza-dos, extremamente simbolizados e repletosde significados. Isso faz com que tenhamosque compreender como aquele cidadão indi-vidualmente simboliza e significa a sexuali-dade e as relações interpessoais na sua vidapara tentarmos fazer um acordo de redi-mensionar o seu cotidiano, visando preservara sua vida com qualidade, a partir dos signifi-cados atribuídos a uma doença que pode tersido adquirida através da relação sexual.

Respeitando as escolhas do paciente

A questão da escuta, no serviço, apontapara a necessidade de reconhecer erespeitar as escolhas do paciente - o que eledecide falar e com quem -, mas também dedelimitar o objeto de trabalho de cada umda equipe. É fato que se trabalha em equipetanto melhor quanto melhor você delimitao seu objeto de trabalho e lida com os con-flitos derivados dessa delimitação.

Um primeiro ponto para pensar nosconflitos internos a uma equipe de trabalho,num serviço público de saúde, é que nemtodos os profissionais estão dispostos aenfrentar esses conflitos que surgem noprocesso de constituição de uma equipe. Noserviço do Instituto de Saúde de São Paulo,por exemplo, houve uma grande rotatividadede profissionais até a constituição que existehoje. Uma primeira dificuldade do trabalhointerdisciplinar percebida foi a delimitaçãodo espaço profissional e das hierarquias: afi-nal, quem manda em quem? Por ser umatendimento de pessoas com HIV, o infec-tologista tem mais poder? Ou, por ser umserviço de pré-natal, a ginecologista deveriamandar no serviço? E qual o lugar dos ou-tros médicos e dos demais profissionais?

Além de conflitos de poder, é comum oprofissional ter que lidar com questões deciúme e competição, e com os precon-ceitos, em particular quanto ao modo detransmissão ocorrida. Esses preconceitos setraduzem em diferentes posturas dosprofissionais: os “psi” vão olhar a escolha doparceiro talvez como parte de um conjuntode escolhas orientadas pelo nível de auto-estima; o serviço social vai olhar o pacientecom dó; o infectologista ficará mais atentoàs infecções oportunistas.

Essas posturas podem se somar numolhar sobre o paciente, mas podem também

Se o objetivo final é a qualidade de vidado indivíduo com HIV, a construção de umaprática interdisciplinar é condição funda-mental. Podemos pensar no limite do nossotrabalho em relação ao trabalho do nossocolega, se temos uma finalidade comum. Seestivermos num canto para lá e nossoscolegas num canto para cá, não há comoestabelecermos limites e áreas de fron-teiras.

A AIDS, no Brasil e no mundo, avançasobre populações e indivíduos mais vul-neráveis, o que não significa que os porta-dores do HIV sejam pessoas inertes, semcapacidade de reflexão e diálogo. Assim,para o profissional, é como andar num fiode navalha, onde é preciso proteger e darassistência a quem precisa sem desconsi-derar a sua potencialidade. Como distinguir,no trabalho cotidiano, uma proposta deassistência que promova a emancipação e ocrescimento do indivíduo de uma que otorna cada vez mais dependente do serviço?

Devemos considerar que a primeiracondição para o usuário se tornar cidadão ereivindicar seus direitos é que ele estejavivo. Então, a prioridade é garantir que elenão falecerá nem de AIDS nem de outracoisa qualquer. Isso implica ter que darconta de condições mínimas de sobrevivên-cia, sem perder o parâmetro da potenciali-dade do outro. Para finalizar, é importantelembrar que uma das facetas da interdisci-plinaridade é a inter-setorialidade, que de-fende pensarmos nas estruturas sociais maisamplas. Talvez uma dica seria pensar que aprimeira condição é ter os indivíduos vivos,condição que hoje representa um desafioenorme.

A segunda é buscar a eqüidade, sendoessa o reconhecimento das diferenças entreos indivíduos e o oferecimento de suportesdiferenciados em função disso. O desafio éperceber em que momento discriminamospositivamente para que aquele indivíduo te-nha um mínimo de dignidade e vire um cida-dão, e em que momento essa discriminaçãopositiva se torna paternalista e vai solidifican-do um processo de negação da potenciali-dade do outro. Esse é um desafio que está aípara ser pensado no trabalho do dia-a-dia.

1 - Médica, doutora em medicina preventiva e assistente de direção do Instituto de Saúde de São Paulo – ([email protected])

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RECURSOS

Reflexões sobre assistência àAIDS. A publicação visa, de umaforma simples, relatar o conteúdo do que foi abordado no seminário“Assistência em HIV/AIDS: relaçãomédico-paciente, interdisciplinaridade eintegralidade”, evento realizado emnovembro de 2002 no Rio de Janeiro.ABIA. [email protected] /Tel. 21 22231040.Falar com Aline Lopes.

Folhas informativas. Contêm informações sobre o que é AIDS, oteste anti-HIV, medicamentos, análisesde laboratório, bioquímica do sangue,açúcar sangüíneo e gorduras do sangue,como deter a expansão do HIV, sexoseguro e protegido, drogas injetáveis eHIV, profilaxia pós-exposição e preservativos.ABIA.http://www.abiaids.org.br/media/folhas%20informativas-serieA.pdf

Manual de consejería pre eposprueba em VIH y SIDA.Aborda temas de aconselhamentomédico, psicologia, conselhos para osfamiliares de pessoas soropositivas,recomendações para os cuidadores esugestões de autocuidado.Também trazinformações sobre HIV/AIDS, respostasemocionais, sexualidade, prevenção egrupos de auto-apoio.MINISTERIO DE SALUD. Programa deSIDA/ FUNDACIÓN APOYÉMONOS.Bogotá, Colômbia, 2002,www.ins.gov.co/epidemiologia/psp/its_sida/manual.pdf

Atención integral por escenariosde atención y niveles. Pautas de atenção integral para pessoassoropositivas nas Américas.OPS/OMS, em colaboração comONUSIDA e IAPAC.Abril 2001.www.paho.org/spanish/HCP/HCA/BB_Summary_Span.pdf

Informe LACCASO. Relatório sobre a situação dos direitos humanosdas pessoas que vivem com HIV/AIDS e o acesso à atenção integral e aostratamentos anti-retrovirais (ARV) na América Latina e no Caribe.Apresentado à ComissãoInteramericana de Direitos Humanos (CIDH).LACCASO. Outubro 2002.www.laccaso.org

Antirretrovirales. Esfuerzos deAmérica Latina y el Caribe haciael acceso universal. Página web com informação sobre as três negociações sub-regionais (Caribe,América Central e dez países daAmérica Latina). Dados sobre onúmero de pessoas em tratamento naregião e um resumo da legislaçãoaprovada para ampliar o uso dos ARV.Uma série de instrumentos (protoco-los, listas de fontes, orientações sobreaquisições) dirigidos à ampliação dotratamento para as pessoas soropositi-vas. OPS.www.paho.org/Spanish/AD/FCH/AI/antiretrovirals_HP.htm

O Ação Anti-AIDS propicia um fórumpara o intercâmbio de informação sobreatenção e prevenção do HIV/AIDS edoenças sexualmente transmissíveis. Esseboletim é publicado em inglês, portuguêse espanhol.Tem uma circulação mundialde 160.000 exemplares.

A edição original do Ação Anti-AIDS é produzi-da pela Healthlink Worldwide no Reino Unido.

Editora Executiva: Christine KalumeEditora: Lysa OxladeDesenho e produção: Ingrid Emsden

Editores associados:Inglês, Ásia-Pacífico: HAIN (Filipinas)Inglês, África Ocidental: KANCO (Quênia)Inglês, África do Sul: SAFAIDS (Zinbábue)Francês, ENDA (Senegal)Português, África: Universidade EduardoMondlane (Moçambique)Espanhol,América Latina e Caribe:CALANDRIA (Peru)Cahuide 752, Lima 11, PeruCorreio eletrônico:[email protected]ço eletrônico:[email protected]ês ABIA (Brasil)

Associação Brasileira Interdisciplinar de AIDS –ABIARua da Candelária, 79/10º andar – Centro – 20091-020Rio de Janeiro – RJ – BrasilTel. 21 22231040 – Fax. 21 22538495Correio eletrônico: [email protected]ço eletrônico: www.abiaids.org.br

Editores responsáveis: Claudio Oliveira,Cristina Pimenta, Richard Parker e VerianoTerto Jr.

Conselho editorial: Claudio Oliveira, CristinaPimenta, Javier Ampuero (Calandria) e VerianoTerto Jr.

Colaboração: Fundação Oswaldo Cruz(Fiocruz), Javier Ampuero (Calandria), NardaTebet (Grupo Pela Vidda/Niterói), Pilar Salgado(Calandria) e Wilza Villela (USP)

Jornalista responsável: Jacinto Corrêa – MT19273

Coordenação editorial: Claudio Oliveira

Tradução: Beatriz Canabrava

Adaptação gráfica:A 4 Mãos LTDA.

Fotolito e impressão: Gráfica Reproarte

Apoio: DFID / Healthlink Worldwide

Tiragem: 20.000 exemplares

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