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ano-zero.com Big Data: A nova religião da humanidade Yuval Noah Harari 16-22 minutos Por milhares de anos, os humanos acreditaram que a autoridade vinha dos deuses. Então, durante a era moderna, com o humanismo, transferiu-se gradualmente a autoridade de divindades para as pessoas. Jean-Jacques Rousseau resumiu essa revolução no seu tratado sobre educação Emile, de 1762. Buscando pelas regras de como se conduzir na vida, Rousseau as encontrou “nas profundezas do meu coração, traçados pela natureza em caracteres que nada pode apagar. Eu preciso somente me perguntar sobre o que eu gostaria de fazer: o que eu sinto ser bom é bom, o que eu sinto ser ruim é ruim.” Pensadores humanistas, como Rousseau, nos convenceram de que nossos próprios sentimentos e desejos são a melhor fonte de significado, e que o nosso livre arbítrio é, portanto, a mais alta autoridade de todas. Neste momento, uma nova mudança está ocorrendo. Assim como a autoridade divina foi legitimada por mitologias religiosas e a autoridade humana foi legitimada Big Data: A nova religião da humanidade about:reader?url=http://ano-zero.com/big-data/ 1 de 15 25/10/2017 16:12

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Big Data: A nova religião da

humanidade

Yuval Noah Harari

16-22 minutos

Por milhares de anos, os humanos acreditaram que a

autoridade vinha dos deuses. Então, durante a era

moderna, com o humanismo, transferiu-se gradualmente a

autoridade de divindades para as pessoas. Jean-Jacques

Rousseau resumiu essa revolução no seu tratado sobre

educação Emile, de 1762. Buscando pelas regras de como

se conduzir na vida, Rousseau as encontrou

“nas profundezas do meu coração, traçados pela natureza

em caracteres que nada pode apagar. Eu preciso somente

me perguntar sobre o que eu gostaria de fazer: o que eu

sinto ser bom é bom, o que eu sinto ser ruim é ruim.”

Pensadores humanistas, como Rousseau, nos

convenceram de que nossos próprios sentimentos e

desejos são a melhor fonte de significado, e que o nosso

livre arbítrio é, portanto, a mais alta autoridade de todas.

Neste momento, uma nova mudança está ocorrendo.

Assim como a autoridade divina foi legitimada por

mitologias religiosas e a autoridade humana foi legitimada

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por ideologias humanistas, do mesmo modo hoje gurus da

alta tecnologia e profetas do Vale do Silício estão criando

uma nova narrativa universal que legitima a autoridade de

algoritmos e do Big Data (nota do tradutor: no sentido do

texto, a expressão é utilizada para referir-se ao conjunto

gigantesco de dados computacionais complexos existente

no mundo).

Essa crença pode ser chamada de “Dataísmo”. Em sua

forma extrema, os proponentes da visão de mundo

Dataísta percebem todo o universo como um fluxo de

dados, vêem os organismos como pouco mais do que

algoritmos bioquímicos e acreditam que a vocação cósmica

da humanidade é criar um sistema de processamento de

dados abrangente — e então fundir-se a tudo isso.

Nós já estamos nos tornando minúsculos chips dentro de

um sistema gigante que ninguém realmente entende. Todo

dia absorvo incontáveis bits de dados através de e-mails,

telefonemas e mensagens de texto. Depois processo os

dados e transmito novos bits através de mais e-mails,

telefonemas e mensagens de texto.

Eu realmente não sei onde me encaixo no grande esquema

das coisas, e de que forma meus bits de dados se

conectam com os bits produzidos por milhares de milhões

de outros seres humanos e computadores. E eu não tenho

tempo para descobrir, porque eu estou muito ocupado

respondendo e-mails. Este fluxo de dados gera implacáveis

faíscas e novas invenções e perturbações que ninguém

planejava, consegue controlar ou compreender.

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Mas ninguém precisa entender. Tudo que você precisa

fazer é responder seus e-mails mais rápido. Assim como os

capitalistas acreditam na mão invisível do mercado, do

mesmo modo os Dataístas acreditam na mão invisível do

fluxo de dados. Como o sistema de processamento de

dados global se torna onisciente e todo-poderoso, então a

conexão com o sistema torna-se a fonte de todo o

significado.

O novo lema diz: “Se você experimentar algo novo, registre

a experiência. Se você registra alguma coisa, coloque-a na

internet. Se você colocar alguma coisa na internet,

compartilhe-a”.

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© Janne Iivonen

Dataístas acreditam ainda que, com dados biométricos

suficientes e poder de computação, este sistema

abrangente poderia compreender os seres humanos muito

melhor do que entendemos a nós mesmos. Quando isso

acontecer, os seres humanos perderão a sua autoridade, e

práticas humanistas, tais como eleições democráticas, se

tornarão tão obsoletas como danças da chuva e facas de

pedra.

Na política, nós acreditamos que a autoridade depende das

escolhas livres de eleitores comuns. Na economia de

mercado, afirmamos que o cliente sempre tem razão. Na

arte humanista, pensamos que a beleza está nos olhos de

quem vê; A educação humanista nos ensina a pensar por

nós mesmos. E a ética humanista no diz que, se nos

sentimos bem, devemos ir em frente e fazer o que

desejamos fazer.

Claro, a ética humanista muitas vezes pode nos trazer

certas dificuldades em situações em que algo que me faz

sentir bem faça você sentir-se mal.

Por exemplo, anualmente, durante a última década, a

comunidade LGBT de Israel tem realizado uma parada gay

nas ruas de Jerusalém. É um dia único de harmonia numa

cidade dividida pelo conflito, porque é a única ocasião em

que os judeus religiosos, muçulmanos e cristãos, de

repente, encontram uma causa comum — todos eles juntos

contra a parada gay.

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O que é realmente interessante, porém, é o argumento que

os fanáticos religiosos usam. Eles não dizem: “Você não

deve realizar uma parada gay porque Deus proíbe a

homossexualidade.” Em vez disso, eles explicam a cada

microfone e câmera de TV disponível que “ver uma parada

gay passando pela cidade santa de Jerusalém fere nossos

sentimentos, e assim como as pessoas homossexuais

querem que respeitemos seus sentimentos, elas devem

respeitar os nossos.” Não importa o que você pensa sobre

esta questão em particular, é muito mais importante

entender que, em uma sociedade humanista, debates

éticos e políticos são conduzidos em nome de sentimentos

humanos em conflito, em vez de em nome de

mandamentos divinos.

No entanto, o humanismo agora está enfrentando um

desafio existencial e a ideia de “livre arbítrio” está sob

ameaça.

Estudos científicos sobre a forma como nossos cérebros e

corpos trabalham sugerem que nossos sentimentos não

são uma qualidade espiritual exclusivamente humana. Pelo

contrário, são mecanismos bioquímicos que todos os

mamíferos e pássaros usam, a fim de tomar decisões,

calculando rapidamente probabilidades de sobrevivência e

reprodução.

Contrariamente à opinião popular, os sentimentos não

são o oposto da racionalidade: eles são racionalidade

evolutiva feita por matéria corporal. Quando um

babuíno, girafa ou humano vê um leão, o medo surge

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porque um algoritmo bioquímico calcula os dados

relevantes e conclui que a probabilidade de morte é

alta. Da mesma forma, os sentimentos de atração sexual

surgem quando algoritmos bioquímicos calculam que uma

pessoa próxima oferece uma alta probabilidade de

acasalamento bem-sucedido. Esses algoritmos bioquímicos

têm evoluído e melhorado através de milhões de anos de

evolução. Se os sentimentos de algum antepassado antigo

cometeram algum erro, os genes moldam esses

sentimentos para não se passarem para a próxima

geração.

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Mesmo que os humanistas estivessem errados em pensar

que os nossos sentimentos refletem um misterioso “livre

arbítrio”, até agora o humanismo ainda demonstrou muito

bom senso prático. Pois, embora não houvesse nada de

mágico sobre nossos sentimentos, eles eram, no entanto, o

melhor método no universo para tomar decisões — e

nenhum sistema externo poderia esperar compreender

meus sentimentos melhor do que eu.

Mesmo se a Igreja Católica ou a KGB soviética me

espionassem em cada minuto de cada dia, eles não teriam

o conhecimento biológico e o poder de computação

necessário para calcular os processos bioquímicos que

moldam os meus desejos e escolhas. Assim, o humanismo

foi correto em dizer às pessoas para seguirem o próprio

coração. Se você tivesse que escolher entre ouvir a Bíblia

e ouvir seus sentimentos, seria muito melhor ouvir os seus

sentimentos. A Bíblia representa opiniões e preconceitos

de alguns sacerdotes na Jerusalém antiga. Seus

sentimentos, ao contrário, representam a sabedoria

acumulada de milhões de anos de evolução que passou

pelos testes de controle de qualidade mais rigorosos da

seleção natural. No entanto, como a Igreja e o KGB deram

lugar ao Google e ao Facebook, o humanismo perdeu as

suas vantagens práticas.

No momento, estamos na confluência de duas ondas da

maré científica. Por um lado, os biólogos estão decifrando

os mistérios do corpo humano e, em particular, do cérebro

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e dos sentimentos humanos. Ao mesmo tempo, os

cientistas da computação estão nos dando o poder de

processamento de dados sem precedentes. Quando se

coloca os dois juntos, você obtém sistemas externos que

podem monitorar e entender meus sentimentos muito

melhor do que eu posso. Uma vez que os sistemas de Big

Data me conhecem melhor do que eu me conheço, a

autoridade mudará de seres humanos para os algoritmos.

O Big Data poderia, então, empoderar o Big Brother.

Isso já aconteceu no campo da medicina. As decisões

médicas mais importantes da sua vida são cada vez mais

baseadas não em suas impressões sobre se está doente

ou saudável, ou mesmo no diagnóstico do seu médico,

mas nos cálculos dos computadores que lhe conhecem

melhor do que você conhece a si mesmo.

Um exemplo recente desse processo é o caso da atriz

Angelina Jolie. Em 2013, Jolie fez um teste genético que

provou que ela estava carregando uma mutação perigosa

do gene BRCA1. De acordo com bases de dados

estatísticos, as mulheres que transportam essa mutação

têm uma probabilidade de 87% de desenvolver câncer de

mama. Embora no momento Jolie não tivesse câncer, ela

decidiu antecipar-se à doença e passar por uma

mastectomia dupla. Ela não se sentia doente, mas ela

sabiamente decidiu ouvir os algoritmos de computador.

“Você pode não sentir que algo está errado”, disseram os

algoritmos “mas é uma bomba-relógio em seu DNA. Faça

algo sobre isso — agora!”

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O que já está acontecendo na medicina é provável que

ocorra em mais e mais campos. Isso começa com coisas

simples, como que livro você deve comprar e ler.

Como humanistas escolhem um livro? Eles vão a uma

livraria, passeiam entre os corredores, folheiam um livro e

leem as primeiras frases, até que alguma intuição os

conecta para um tomo particular. Dataístas usam o

Amazon. Quando entro na loja virtual Amazon, uma

mensagem aparece e me diz: “Eu sei que livros você

gostou no passado. As pessoas com gostos semelhantes

também tendem a gostar deste ou daquele novo livro”.

Isto é apenas o começo. Dispositivos como o Kindle da

Amazon são capazes de constantemente coletar dados

sobre seus usuários enquanto eles estão lendo livros. Seu

Kindle pode monitorar quais partes de um livro que você

leu rapidamente, e quais leu lentamente; em qual página

você fez uma pausa, e qual frase levou você a abandonar o

livro e nunca mais pegá-lo novamente. Se o Kindle fosse

atualizado com um software de reconhecimento de rosto e

sensores biométricos, ele saberia como cada frase

influenciaria a sua frequência cardíaca e pressão arterial.

Ele saberia o que te fez rir, o que fez você triste, o que te

deixou com raiva.

Em breve, os livros vão ler você enquanto você está

lendo-os. E enquanto você esquece rapidamente a maioria

do que você lê, programas de computador nunca

esquecem. Tais dados devem, eventualmente, permitir que

a Amazon escolha livros para você com uma precisão

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incrível. Permitirá também que a Amazon saiba exatamente

quem você é, e como pressionar os botões emocionais.

Acompanhe essa lógica para sua conclusão necessária e,

futuramente, as pessoas podem dar aos algoritmos a

autoridade para tomar as decisões mais importantes em

suas vidas, como com quem se casar.

Na Europa medieval, os sacerdotes e os pais tinham a

autoridade de escolher o seu companheiro para você. Nas

sociedades humanistas, damos essa autoridade aos

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nossos sentimentos. Em uma sociedade Dataísta,

pediremos ao Google para escolher. “Ouça, Google,” eu

vou dizer, “João e Paulo estão me cortejando. Gosto tanto

deles, mas de uma maneira diferente, e é tão difícil de

entender a minha mente. Considerando tudo o que sabe

sobre mim, o que você me aconselha a fazer?”

E o Google vai responder:

“Bem, eu sei tudo sobre você a partir do dia em que

nasceu. Eu li todos os seus e-mails, gravei todos os seus

telefonemas, e conheço os seus filmes favoritos, o seu

DNA e toda a história biométrica do seu coração. Eu tenho

dados exatos sobre cada encontro amoroso que você teve,

e posso mostrar-lhe segundo-a-segundo gráficos de seus

níveis de frequência cardíaca, pressão arterial e glicemia

sempre que foi a um encontro com João ou Paulo. E,

naturalmente, eu os conheço tão bem quanto eu conheço

você. Com base em todas essas informações, em meus

excelentes algoritmos e no valor das estatísticas sobre os

milhões de relacionamentos (décadas) – aconselho você a

ficar com João, com 87% de probabilidade de estar mais

satisfeito com ele a longo prazo”.

“Na verdade, eu conheço você tão bem que sei que você

não gostou desta resposta. Paulo é muito mais bonito do

que João, e como você dá muito peso às aparências

externas, você secretamente queria que eu dissesse

‘Paulo’. A aparência importa, é claro, mas não tanto quanto

você pensa. Seus algoritmos bioquímicos — que evoluíram

há dezenas de milhares de anos na savana africana — dão

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à beleza externa um peso de 35% na sua avaliação global

de parceiros em potencial. Meus algoritmos — que são

baseados nos estudos e estatísticas mais atuais — dizem

que a aparência tem apenas um impacto de 14% sobre o

sucesso a longo prazo dos relacionamentos amorosos.

Assim, mesmo que eu levasse a beleza de Paulo em conta,

eu ainda diria que você seria melhor saindo com o João.”

O Google não tem que ser perfeito. Ele não terá que ser

correto o tempo todo. Ele só vai ter que ser melhor, na

média, do que eu. E isso não é tão difícil, porque a maioria

das pessoas não se conhece muito bem, e a maioria das

pessoas muitas vezes comete erros terríveis nas decisões

mais importantes de suas vidas.

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A visão de mundo do Dataísmo é muito atraente para os

políticos, empresários e consumidores comuns, pois

oferece tecnologias inovadoras e imensos novos poderes.

Apesar de todos os receios sobre a perda de privacidade e

do livre-arbítrio, quando os consumidores tiverem que

escolher entre manter a sua privacidade e ter acesso a um

sistema de saúde muito superior — a maioria vai escolher o

sistema de saúde.

Para os estudiosos e intelectuais, o Dataísmo promete o

Santo Graal científico, que nos iludiu durante séculos: uma

única teoria abrangente que unifica todas as disciplinas

científicas, da musicologia até a economia e passando pela

biologia.

De acordo com Dataísmo, a Quinta Sinfonia de Beethoven,

uma bolha financeira na bolsa de valores e o vírus da gripe

são apenas três padrões de fluxo de dados que podem ser

analisados utilizando os mesmos conceitos e ferramentas

básicas.

Essa ideia é extremamente atraente. Ela dá a todos os

cientistas uma linguagem comum, constrói pontes sobre

fendas acadêmicas e facilmente compartilha insights

através das fronteiras disciplinares.

Claro que, como dogmas abrangentes anteriores, o

Dataísmo também pode ser fundado em uma compreensão

incorreta sobre a vida. Em particular, o Dataísmo não tem

resposta para o notório “difícil problema da consciência”.

No momento, estamos muito longe de explicar a

consciência em termos de processamento de dados. Por

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que é que quando bilhões de neurônios no cérebro

disparam sinais particulares uns aos outros, surge uma

sensação subjetiva de amor, medo ou raiva? Não temos

uma resposta.

Mas embora o Dataísmo possa estar errado sobre a vida,

ele ainda pode conquistar o mundo. Muitos credos

anteriores ganharam enorme popularidade e poder, apesar

de seus erros factuais. Se o cristianismo e o comunismo

podem fazê-lo, por que não o Dataísmo? O Dataísmo tem

especialmente boas perspectivas, porque está se

espalhando em todas as disciplinas científicas. Um

paradigma científico unificado pode facilmente tornar-

se um dogma inatacável.

Se você não gosta disso, e quer ficar fora do alcance dos

algoritmos, provavelmente tenho apenas um conselho a te

dar, contido no mais antigo livro: conheça a si mesmo.

No fim das contas, é uma questão empírica simples.

Enquanto você tiver uma maior percepção e

autoconhecimento que os algoritmos, suas escolhas ainda

serão superiores e você vai manter, pelo menos, alguma

autoridade em suas mãos.

Se os algoritmos parecem estar prontos para nos dominar,

é principalmente porque a maioria dos seres humanos mal

conhece a si mesmo.

(Tradução do texto originalmente publicado no Financial

Times, “Big data, Google and the end of free will”. Quer

participar da equipe de tradutores do AZ e ajudar a

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Esta tradução foi possível graças ao apoio financeiro de

Marcelo Maciel, nosso patrão. Quer ser também um patrão

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