bichir tese rev

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7/23/2019 Bichir Tese Rev http://slidepdf.com/reader/full/bichir-tese-rev 1/271  Universidade do Estado do Rio de Janeiro Instituto de Estudos Sociais e Políticos (IESP) Programa de Doutorado em Ciência Política Renata Mirandola Bichir Mecanismos federais de coordenação de políticas sociais e capacidades institucionais locais: o caso do Programa Bolsa Família Rio de Janeiro 2011

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    Universidade do Estado do Rio de JaneiroInstituto de Estudos Sociais e Polticos (IESP)

    Programa de Doutorado em Cincia Poltica

    Renata Mirandola Bichir

    Mecanismos federais de coordenao de polticas

    sociais e capacidades institucionais locais:

    o caso do Programa Bolsa Famlia

    Rio de Janeiro

    2011

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    Renata Mirandola Bichir

    Mecanismos federais de coordenao de polticas

    sociais e capacidades institucionais locais:

    o caso do Programa Bolsa Famlia

    Tese apresentada como requisito parcial para obteno

    do ttulo de Doutora ao Programa de Ps-

    Graduao em Sociologia e Cincia Poltica, do

    Instituto de Estudos Sociais e Polticos da

    Universidade do Estado do Rio de Janeiro.

    rea de Concentrao: Cincia Poltica.

    Orientadora: Profa. Dra. Argelina Cheibub Figueiredo

    Rio de Janeiro

    2011

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    Renata Mirandola Bichir

    Mecanismos federais de coordenao de polticas

    sociais e capacidades institucionais locais:

    o caso do Programa Bolsa Famlia

    Tese apresentada como requisito parcial para obteno

    do ttulo de Doutora, ao Programa de Ps-

    Graduao em Sociologia e Cincia Poltica, do

    Instituto de Estudos Sociais e Polticos da

    Universidade do Estado do Rio de Janeiro.

    rea de Concentrao: Cincia Poltica.

    Banca Examinadora:

    Profa. Dra. Argelina Cheibub Figueiredo (Orientadora) (IESP)

    Prof. Dr. Renato Boschi (IESP)

    Profa. Dra. Maria Regina Soares Lima (IESP)

    Profa. Dra. Marta da Silva Arretche (USP)

    Profa. Dra. Natlia Guimares Duarte Styro (UFMG)

    Rio de Janeiro

    2011

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    AGRADECIMENTOS

    Escrever esta tese foi mais ou menos como montar um grande quebra cabeas,

    com muitas peas s vezes desencontradas e aparentemente desconexas, sem ter muita

    clareza, inicialmente, da figura final que seria formada. No s por conta das

    dificuldades enfrentadas em qualquer tese de doutorado, mas tambm pelo tema

    escolhido, multifacetado, polmico, passvel dos mais diferentes olhares e ainda em

    processo de construo. Nesse processo de montagem tortuoso e, ao mesmo tempo,

    estimulante muitas pessoas foram extremamente importantes. Desnecessrio dizer que

    qualquer confuso remanescente de minha inteira responsabilidade.

    Em primeiro lugar, gostaria de agradecer ao CNPq, instituio da qual fuibolsista tanto no mestrado quanto no doutorado, o que me permitiu, alm da

    sobrevivncia cotidiana, a participao em diversos eventos cientficos, no Brasil e no

    exterior. Tambm contei com bolsa sanduche do CNPq no doutorado, o que me

    permitiu passar seis meses na Universidade da Califrnia, em Berkeley, EUA, entre

    janeiro e julho de 2009. L tive o privilgio de ter a orientao do Prof. Chistopher

    Ansell, com quem pude conversar longamente sobre minha tese e diversos outros

    assuntos, e a quem agradeo enormemente a pacincia, o incentivo, e o convite para

    escrever um artigo conjunto. A tese tambm se beneficiou, direta e indiretamente, dasbrilhantes aulas do Prof. Peter Evans, figura genial e extremamente gentil, alm das

    aulas com o Prof. James Holston e tambm diversos seminrios e palestras que tive a

    oportunidade de assistir. Ao final, a experincia completa do sanduche foi

    extremamente transformadora e gratificante, tanto do ponto de vista acadmico quanto

    do ponto de vista pessoal.

    Gostaria de agradecer profundamente todos aqueles se dispuseram a conversar

    comigo sobre os percalos da implementao do Programa Bolsa Famlia em Salvador,

    So Paulo, e tambm no nvel federal. Em Salvador, agradeo aos beneficirios de

    diversas comunidades com os quais pude conversar sobre a relevncia do programa em

    suas vidas. Ainda em Salvador, agradeo a Sarita Antonia Gonzalez, Viviane

    Mascarenhas e a Joo Paulo Alves, todos da Secretaria Municipal do Trabalho,

    Assistncia Social e Direitos do Cidado (SETAD), pelas entrevistas concedidas. Em

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    So Paulo, agradeo a Wladimir Prado, Maria Rita Freitas, Luiz Fernando Francisquini

    e Mrcia Gonalves, todos da Secretaria Municipal de Assistncia e Desenvolvimento

    Social de So Paulo (SMADS), pelas entrevistas concedidas. Para esclarecer os pontos

    de vista do governo federal sobre o programa, a entrevista que pude realizar com Jnia

    Quiroga, diretora do Departamento de Avaliao da Secretaria de Gesto da Informao

    do Ministrio do Desenvolvimento Social e Combate Fome (DA/SAGI/MDS), e a

    conversa com Luciana Jaccoud, do Ipea e do MDS, ambas realizadas na Anpocs de

    outubro de 2010, em Caxambu, foram de extrema valia.

    Esta tese muito se beneficiou da orientao da Prof Argelina Figueiredo. Desde

    o incio, Argelina me deu liberdade para que eu seguisse minhas escolhas, ao mesmo

    tempo em que me indicou caminhos menos tortuosos e mais profcuos analiticamente.

    Sua leitura atenta e seus comentrios precisos em muito contriburam para a conexoentre as diversas peas desta tese.

    Diversos outros professores do Iuperj contriburam, direta ou indiretamente, para

    a confeco desse quebra-cabea. Agradeo principalmente aos professores Nelson do

    Valle Silva e Renato Boschi, membros da minha banca de defesa de projeto, quando o

    quebra cabea estava na sua fase mais catica. Com Nelson aprendi a importncia de

    precisar minhas hipteses e a relevncia de no cair em falsas questes. Com Renato

    aprendi que importante explorar todas as facetas de nosso problema de pesquisa, mas

    que mais relevante ainda selecionar aquilo que faz parte do nosso processo de

    aprendizagem, mas deve ficar fora da tese, e aquilo que realmente importa e deve

    compor o texto. O seminrio de projeto, sob orientao do Prof. Joo Feres, e o

    seminrio de tese, sob orientao do Prof. Marcelo Jasmin, tambm em muito

    contriburam para precisar meu foco.

    Ainda no Iuperj, gostaria de agradecer a Lia Gonzalez e a Caroline Carvalho,

    cujo trabalho alegre e competente em muito contribuiu para facilitar e reduzir

    minhas idas e vindas entre So Paulo e Rio de Janeiro. Tambm gostaria de agradecer adiversos colegas do doutorado em Cincia Poltica, com os quais pude dividir questes

    intelectuais, pessoais, e tambm divertidos almoos, em especial Mrcio Andr Santos,

    Cristiano Rodrigues, Brbara Lamas, Iara Leite, Dawisson Lopes e Andr Coelho. A

    Cristiano e a Iara agradeo tambm as acolhidas generosas em suas casas.

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    O ambiente do Centro de Estudos da Metrpole (CEM-CEBRAP), em So

    Paulo, tambm foi importantssimo para o desenvolvimento desta tese. Agradeo

    especialmente a Marta Arretche, sempre disposta a ouvir minhas inquietaes, dando

    dicas utilssimas de leitura e me ajudando a mapear o terreno das polticas sociais. Seus

    comentrios a verses preliminares de certos captulos, apresentadas sob a forma de

    artigos para discusso nos seminrios internos do CEM, em muito contriburam para

    aprimorar o meu trabalho. Outro agradecimento muito especial vai para Eduardo

    Marques, meu eterno orientador, que acompanha meu trabalho desde a iniciao

    cientfica. Mais do que por seus inmeros comentrios valiosos, sugestes de leituras e

    escutas pacientes nos momentos de maior dificuldade ao longo da tese, gostaria de

    agradecer por sua amizade ao longo de todos esses anos.

    Ainda no CEM, gostaria de agradecer a duas amigas muito especiais e colegasde trabalho na pesquisa Redes e Pobreza, Graziela Castello e Encarnacin Moya. Vrios

    outros colegas do CEM contriburam para dar humor e leveza ao processo de trabalho:

    Jlio Costa, Patrick Silva, Lara Mesquita, Edgard Fusaro, Fernando Guarnieri, Natlia

    Salgado, Daniel Waldvogel Silva, Donizete Cazzolato, Fernando Gonalves. Ao Edgard

    agradeo ainda o auxlio no processamento dos dados quantitativos desta tese, e ao

    Donizete por ter utilizado suas redes para abrir para mim as portas da Secretaria

    Municipal de Assistncia Social de So Paulo.

    Tambm me beneficiei da apresentao de verses parciais e preliminares dos

    captulos em diversos seminrios e congressos. Agradeo particularmente aos preciosos

    comentrios de Sandra Gomes e Carlos Vasconcellos, debatedores do meu artigo no 7

    Encontro da ABCP realizado em Recife em agosto de 2010. Na ltima Anpocs em

    Caxambu, em outubro de 2010, tive o privilgio de contar com os comentrios e

    sugestes precisos de Jnia Quiroga e Telma Menicucci, s quais agradeo. Gostaria de

    agradecer ainda a Celina Souza pelo convite e pelas discusses do seminrio A agenda

    atual na Cincia Poltica, realizado em setembro de 2010 na UFBA.

    J no momento da reviso final da tese uma reviravolta na minha trajetria

    profissional acabou contribuindo para precisar certos argumentos desenvolvidos no

    texto. O convite para trabalhar no Departamento de Avaliao da SAGI/MDS trouxe um

    novo olhar para o mesmo problema de pesquisa, um pouco mais prximo dos meandros

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    da gesto federal dos programas de transferncia de renda e da assistncia social. Pelo

    convite para trabalhar na SAGI, agradeo a Jnia Quiroga.

    Montar esse quebra cabea at o final teria sido uma tarefa ainda mais rdua sem

    amigos queridos ao meu lado: Rosi, Rogrio, Isa, Enc, Bianca, Cabral, Joo, Ren,Giovanni, muito obrigada por todos os almoos, jantares, papos cabea, bobagens,

    sorrisos e abraos trocados ao longo dos ltimos anos.

    Agradeo ainda aos meus pais, Alusio e Cristina, e ao meu irmo Marcelo, que

    direta e indiretamente contriburam para eu chegar at aqui. Agradeo a minha av

    Raquel, que generosamente me acolheu em sua casa para que eu pudesse escrever os

    captulos finais dessa tese, ouvindo o barulhinho do mar.

    Agradeo ao Lo, companheiro de longa data, por todo seu amor.

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    Minha vassoura a caneta da minha filha

    Frase de uma beneficiria do Programa Bolsa Famlia

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    RESUMO

    Este trabalho analisa o Programa Bolsa Famlia (PBF), tratando de sua evoluo

    ao longo do governo Lula, tanto no que diz respeito ao seu escopo quanto a seu desenho

    institucional e as alteraes que foi sofrendo em seus objetivos. Tendo em vista a

    natureza federativa do Estado brasileiro, o objetivo do trabalho mostrar os desafios

    enfrentados pelo poder central para garantir a implementao homognea de um

    programa nacional de transferncia condicionada de renda a ser gerido pelos

    municpios. Para tanto, so analisados, de um lado, os recursos institucionais e as

    estratgias de que dispunha o governo federal para alcanar os seus objetivos para o

    PBF, e de outro, os resultados e a dinmica da gesto municipal do programa em dois

    grandes centros urbanos, So Paulo e Salvador. So analisadas informaes relativas ao

    desempenho nacional do programa e tambm referentes implementao municipal do

    PBF nos casos escolhidos, por meio de dados de surveys realizados com a populao de

    baixa renda e de entrevistas semi-estruturadas com gestores municipais do programa

    nessas duas cidades.

    A tese identifica os mecanismos que asseguram o crescente poder de

    coordenao do governo federal no sentido de fazer com que suas principais diretrizes

    para o programa sejam de fato implementadas no plano municipal. Mostra tambm queo processo de implementao do PBF afetado no s por seu desenho institucional,

    definido no plano federal, mas tambm pelas diferentes capacidades institucionais

    disponveis no plano local recursos humanos, capacidade de gesto e articulao entre

    diversos servios e polticas, infra-estrutura disponvel, entre outros aspectos e pelos

    diferentes interesses polticos na maior ou menor coordenao dos programas locais de

    transferncia com o programa nacional. Finalmente, o trabalho examina ainda os limites

    e possibilidades para a articulao do PBF com uma poltica mais ampla de assistncia

    social.

    Palavras-chave: Programa Bolsa Famlia; federalismo; mecanismos de coordenao;

    assistncia social; polticas sociais; So Paulo; Salvador

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    ABSTRACT

    This thesis analyzes the Bolsa Famlia Program (PBF), dealing with its evolution

    over the Lula government, both in terms of its scope and its institutional design and also

    considering the changes in its main goals. Given the federal nature of the Brazilian state,

    the main goal is to show the challenges the central government face to ensure the proper

    implementation of a national program of conditional cash transfer to be managed by the

    municipalities. For this purpose, are reviewed, on the one hand, the strategies and

    institutional resources available to the federal government to achieve its goals for the

    PBF, and on the other hand, the results and the dynamics of the municipal

    implementation of the program in two major urban centers, So Paulo and Salvador.

    The study is based on information on the performance of the national program and also

    considers the municipal implementation of the PBF in the selected cases, using data

    from surveys carried out with low income people and also semi-structured interviews

    with municipal managers of the program in these two cities.

    The thesis identifies the main mechanisms developed to ensure the growing

    power of the federal government in order to make its main guidelines for the program

    are actually implemented at the municipal level. It also shows that the implementation

    of the PBF is affected not only by its institutional design, set at the federal level, butalso by the different institutional capabilities available at the local level human

    resources, management capacity and coordination among various services and policies,

    infrastructure, among others and by the various local political interests in greater or

    lesser coordination with the national program. Finally, the thesis also examines the

    limits and possibilities for the articulation of the PBF with a broader social assistance

    policy.

    Keywords: Bolsa Famlia Program; federalism; coordination mechanisms; social

    assistance policy; social policy; So Paulo; Salvador

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    LISTA DE GRFICOS

    Grfico 1. Valores repassados pelo MDS aos Estados. .............................................. 114

    Grfico 2. Percentual de municpios com co-financiamento estadual para funo

    assistncia social, por Unidade da Federao. 2009 ................................................... 151

    Grfico 3. Percentual de municpios com co-financiamento federal para funoassistncia social, por Unidade da Federao. 2009 ................................................... 152

    LISTA DE FIGURAS

    Figura 1. Modelo de CHAID para o acesso a programas de transferncia de renda.Municpio de So Paulo, 2004. .................................................................................. 186

    Figura 2. Modelo de CHAID para o acesso a programas de transferncia de renda.Municpio de Salvador, 2006. ................................................................................... 190

    LISTA DE TABELAS

    Tabela 1. ndice de Gesto Descentralizada Municipal (IGD-M). Salvador e So Paulo,julho de 2010. .................... ....................................................................................... 124

    Tabela 2. ndice de Gesto Descentralizada dos Estados (IGD-E). ............................ 126

    Tabela 3. Recebimento de dinheiro de programa do governo, segundo faixas de rendafamiliar per capita. Municpio de So Paulo, 2004. ................................................... 171

    Tabela 4. Recebimento de dinheiro de programa do governo, segundo tipo de regio.Municpio de So Paulo, 2004. .................................................................................. 172

    Tabela 5. Recebimento de dinheiro de programa do governo, segundo sexo doresponsvel pelo domiclio. Municpio de So Paulo, 2004. ...................................... 172

    Tabela 6. Recebimento de dinheiro de programa do governo, segundo presena decrianas de 7 a 14 anos. Municpio de So Paulo, 2004. ............................................ 173

    Tabela 7. Recebimento de dinheiro de programa do governo, segundo cor doresponsvel pelo domiclio. Municpio de So Paulo, 2004. ...................................... 173

    Tabela 8. Recebimento de dinheiro de programa do governo, segundo participaoquinzenal em associao religiosa. Municpio de So Paulo, 2004. ........................... 173

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    Tabela 9. Recebimento de dinheiro de programa do governo, segundo participaoanual em alguma associao no religiosa. Municpio de So Paulo, 2004. ............... 174

    Tabela 10. Recebimento de dinheiro de programa do governo, segundo prefernciapartidria. Municpio de So Paulo, 2004. ................................................................. 174

    Tabela 11. Recebimento de dinheiro de programa do governo, segundo faixas de rendafamiliar per capita. Municpio de Salvador, 2006. ..................................................... 176

    Tabela 12. Recebimento de dinheiro de programa do governo, segundo setor subnormal.Municpio de Salvador, 2006. ................................................................................... 177

    Tabela 13. Recebimento de dinheiro de programa do governo, segundo sexo doresponsvel. Municpio de Salvador, 2006. ............................................................... 177

    Tabela 14. Recebimento de dinheiro de programa do governo, segundo presena decrianas de 7 a 14 anos. Municpio de Salvador, 2006. ........... ................................... 178

    Tabela 15. Recebimento de dinheiro de programa do governo, segundo prefernciapartidria. Municpio de Salvador, 2006. ................................................................... 178

    Tabela 16. Recebimento de dinheiro de programa do governo, segundo participaoquinzenal em associao religiosa. Municpio de Salvador, 2006. ............................. 179

    Tabela 17. Variveis finais no modelo de regresso logstica. Municpio de So Paulo,2004. ......................................................................................................................... 194

    Tabela 18. Variveis finais no modelo de regresso logstica. Municpio de Salvador,

    2004. ......................................................................................................................... 196Tabela 19. Distribuio dos setores censitrios e da populao segundo osagrupamentos do IPVS. Municpio de So Paulo, 2004. ............................................ 219

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    ABREVIATURAS E SIGLAS

    BDC Banco de Dados do Cidado

    BPC Benefcio de Prestao Continuada

    Cadnico Cadastro nico para Programas Sociais do Governo Federal

    CEF Caixa Econmica Federal

    CGB Coordenadoria de Gesto de Benefcios (PMSP)

    CIAS Central de Informao e Atendimento Social

    CRAS Centro de Referncia da Assistncia Social

    CREAS Centros de Referncia Especializada de Assistncia Social

    IDH ndice de Desenvolvimento Humano

    IGD ndice de Gesto Descentralizada

    IPVS ndice Paulista de Vulnerabilidade Social

    Loas Lei Orgnica da Assistncia Social

    MDS Ministrio do Desenvolvimento Social e Combate Fome

    NIS Nmero de Identificao Social

    OPS Observatrio de Polticas Sociais (PMSP)

    PBF Programa Bolsa Famlia

    PETI Programa de Erradicao do Trabalho Infantil

    PLANSEQ Plano Nacional de Qualificao Setorial

    PRODAM Empresa de Tecnologia da Informao e Comunicao do Municpio de

    So Paulo

    PRODESP Companhia de Processamento de Dados do Estado de So Paulo

    RMS Regio Metropolitana de Salvador

    RMSP Regio Metropolitana de So Paulo

    SAGI Secretaria de Avaliao e Gesto da Informao (MDS)

    SEADE Fundao Sistema Estadual de Anlise de Dados

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    SEADS Secretaria Estadual de Desenvolvimento Social

    SEDES Secretaria Municipal de Desenvolvimento Social e Combate Pobreza

    (Salvador)

    SENARC Secretaria Nacional de Renda de Cidadania (MDS)

    SETAD Secretaria Municipal do Trabalho, Assistncia Social e Direitos do Cidado

    (Salvador)

    SNAS Secretaria Nacional de Assistncia Social (MDS)

    SUAS Sistema nico da Assistncia Social

    SUS Sistema nico de Sade

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    SUMRIO

    INTRODUO .......................................................................................................... 17

    CAPTULO 1. IMPLEMENTAO DE POLTICAS SOCIAIS EM CONTEXTOS

    FEDERATIVOS: A RELEVNCIA DA COORDENAO FEDERAL E O PAPELDAS CAPACIDADES INSTITUCIONAIS LOCAIS ................................................. 33

    1.1. Conseqncias do arranjo federativo brasileiro para as polticas sociais ............ 34

    1.2. Implementao de polticas sociais ................................................................... 49

    1.3. Capacidades institucionais locais ...................................................................... 57

    CAPTULO 2. NOVAS FORMAS DE COMBATE POBREZA NO BRASIL: OSPROGRAMAS DE TRANSFERNCIA DE RENDA ................................................. 62

    2.1. Trajetria das polticas sociais no Brasil ........................................................... 642.2. A evoluo dos programas de transferncia de renda ........................................ 75

    2.3. As polmicas em torno do Programa Bolsa Famlia .......................................... 90

    CAPTULO 3. OS MECANISMOS DE COORDENAO FEDERAL DOPROGRAMA BOLSA FAMLIA. ............................................................................ 102

    3.1. O Cadastro nico de Programas Sociais ......................................................... 103

    3.2. O ndice de Gesto Descentralizada ................................................................ 115

    CAPTULO 4. A TRAJETRIA DA ASSISTNCIA SOCIAL E DOS PROGRAMASDE TRANSFERNCIA DE RENDA EM SO PAULO E SALVADOR:CONSTRUINDO CAPACIDADES INSTITUCIONAIS .......................................... 128

    4.1. Assistncia social e programas de transferncia de renda em Salvador ............ 129

    4.2. Assistncia social e programas de transferncia de renda em So Paulo .......... 132

    4.3. Capacidades institucionais locais na rea da assistncia social ........................ 138

    4.3.1. rgo Gestor da Assistncia ..................................................................... 140

    4.3.2. Recursos Humanos ................................................................................... 143

    4.3.3. Legislao e Instrumentos ........................................................................ 146

    4.3.4. Conselhos Municipais .............................................................................. 148

    4.3.5. Recursos Oramentrios ........................................................................... 149

    4.3.6. Convnios e Parcerias .............................................................................. 153

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    4.3.7. Servios e Modalidades ............................................................................ 155

    4.3.8. Unidades da assistncia social .................................................................. 159

    4.3.9. Cadastro nico e Transferncia de Renda ................................................ 160

    4.4. Sntese ............................................................................................................ 161

    CAPTULO 5. PERFIL DOS BENEFICIRIOS DO PROGRAMA BOLSA FAMLIAEM SO PAULO E SALVADOR ............................................................................ 164

    5.1. Os surveys ...................................................................................................... 165

    5.2. Anlises bivariadas do perfil dos beneficirios ................................................ 169

    5.2.1. So Paulo ................................................................................................. 169

    5.2.2. Salvador ................................................................................................... 175

    5.3. Modelos de acesso transferncia de renda .................................................... 179

    5.3.1 Modelo de CHAID .................................................................................... 185

    5.3.2. Modelos de Regresso Logstica............................................................... 193

    5.4. Sntese ............................................................................................................ 197

    CAPTULO 6 DESAFIOS RECENTES NA IMPLEMENTAO DO PROGRAMABOLSA FAMLIA NO NVEL LOCAL ................................................................... 199

    6.1. A implementao do Programa Bolsa Famlia em Salvador ............................ 202

    6.2. A implementao dos programas de transferncia de renda em So Paulo ....... 216

    6.3. Comparando as estratgias desenvolvidas em Salvador e So Paulo ................ 231

    CONSIDERAES FINAIS .................................................................................... 236

    REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS ....................................................................... 247

    ANEXO I SURVEY DE ACESSO DA POPULAO MAIS POBRE DE SOPAULO A SERVIOS PBLICOS. CEM-CEBRAP/IBOPE, 2004 ......................... 259

    ANEXO II SURVEY SALVADOR: PROJETO RADAR DAS CONDIES DEVIDA E DAS POLTICAS SOCIAIS - FASE II ....................................................... 265

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    INTRODUO

    Neste trabalho analiso o crescente poder de coordenao do governo federal no

    sentido de fazer com que suas principais diretrizes para o Programa Bolsa Famlia

    (PBF) sejam de fato implementadas no plano municipal, nvel responsvel pela

    implementao deste programa nacional de transferncia condicionada de renda.

    Partindo da considerao da natureza federativa do Estado brasileiro, que impe

    constrangimentos e oportunidades particulares para o desenvolvimento de polticas

    sociais no nvel local, o trabalho analisa, no caso especfico do PBF, os mecanismos de

    coordenao que foram desenvolvidos pelo governo federal ao longo do governo Lula

    (2003-2010), sem, contudo, assumir que estes garantem uma implementao

    homognea da poltica no plano municipal. Isso porque o processo de implementao

    do PBF afetado no s por seu desenho institucional, definido no plano federal, mas

    tambm pelas diferentes capacidades institucionais disponveis no plano local

    recursos humanos, capacidade de gesto e articulao entre diversos servios e polticas,

    infra-estrutura disponvel, entre outros aspectos , e tambm pelos diferentes interesses

    polticos na maior ou menor coordenao dos programas locais de transferncia com o

    programa nacional. Alm da discusso mais geral sobre os mecanismos de coordenao

    federal e sobre as capacidades institucionais locais, foram escolhidos dois grandescentros urbanos para uma anlise mais aprofundada das dinmicas recentes envolvidas

    na implementao do PBF no plano municipal: So Paulo e Salvador.

    Para contextualizar a discusso que ser desenvolvida, importante considerar a

    evoluo dos programas de transferncia de renda na agenda de polticas sociais do

    governo federal. No Brasil, as polticas sociais passaram de um padro de proteo

    social vinculado ao mundo do trabalho, restrito a categorias especficas de trabalhadores

    configurando um sistema corporativo de proteo, nos termos de Gosta Esping-

    Andersen (1991)1, e caracterizado como cidadania regulada por Wanderley

    Guilherme dos Santos (1979) , a um padro de polticas sociais de carter regressivo

    1Ao abordar os regimes de welfare states como combinaes qualitativamente diferentes entre Estado,mercado e famlia, o autor caracteriza o modelo corporativista estatal como aquele no qual a famliadesempenha um papel central como fonte de solidariedade, dado o carter marginal do mercado e doEstado. A proviso de servios preserva diferenas de status e os direitos legados segundo categoriasespecficas no interior da sociedade, com baixo impacto redistributivo (Esping-Andersen, 1991, p.108).

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    no perodo autoritrio (Draibe, 1993; Almeida, 1995; Pochmann, 2007), at sua

    expanso no sentido da universalizao aps a redemocratizao, com as reformas das

    polticas sociais.

    No mbito das reformas de polticas sociais ocorridas em meados da dcada de1990 surgem os primeiros programas de transferncia condicionada de renda. Inspirados

    no projeto de imposto de renda negativo do senador Eduardo Suplicy (Suplicy 2002;

    Silva; Yasbek; Di Giovanni, 2007), esses programas surgiram como polticas de

    combate pobreza primeiro no plano local, em meados dos anos de 1990, como aes

    de garantia de renda mnima ou do tipo bolsa escola, destacando-se as experincias

    pioneiras de Campinas, Distrito Federal, Ribeiro Preto e Santos. Houve um rpido

    processo de difuso do programa do nvel municipal para os Estados e depois para o

    nvel federal em 2001, quando surge o primeiro programa nacional de transferncia,eram sete estados e mais de 200 municpios com intervenes do tipo bolsa escola

    (Villatoro, 2010).

    No governo Fernando Henrique Cardoso, percebe-se a relevncia desses

    programas locais, que vo ganhando visibilidade cada vez maior no debate pblico.

    Logo aps a iniciativa de co-financiamento federal dos programas locais, por meio do

    Programa Nacional de Garantia de Renda Mnima (PGRM), surge o primeiro programa

    federal de transferncia de renda associado educao, o Programa Bolsa Escola, em

    2001. No caso do Bolsa Escola, o foco recaa nos indivduos, seu escopo era reduzido

    em dezembro de 2002, o programa beneficiava 5,1 milhes de famlias (IPEA, 2007)

    e havia diversos problemas de coordenao entre as vrias iniciativas de transferncia

    de renda. Outros programas de transferncia, como o Bolsa Alimentao e o Auxlio

    Gs, estavam dispersos em diversos ministrios, sendo que a rea da assistncia social

    no tinha destaque na coordenao dessas aes de transferncia. Fazendo um balano

    das iniciativas na rea social no governo FHC, o ento assessor da Casa Civil para essa

    rea, Srgio Tiezzi, reconhece que a prioridade foi dada a outras reas de poltica social

    que no a assistncia: era preciso concentrar todo esforo e ateno nos servios

    sociais bsicos de vocao universal: educao, sade e previdncia social (Tiezzi,

    2004, p.50).

    O governo Lula, por sua vez, elevou os programas de transferncia de renda a

    um novo patamar, articulando os diversos programas federais existentes em um nico

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    programa guarda-chuva, o PBF, em 2003. Este programa foi rapidamente ganhando

    credibilidade na opinio pblica e mesmo entre especialistas e acabou ofuscando o

    programa-vitrine do primeiro governo Lula, o Fome Zero. Em sua fase inicial, os

    objetivos do PBF estavam centrados na garantia de boa cobertura e focalizao,

    evitando acusaes de utilizao poltica em um contexto de legitimao do programa

    na opinio pblica e entre os especialistas.

    De maneira geral, esses objetivos foram cumpridos. Muitas anlises passaram a

    apontar a contribuio dos programas de transferncia de renda, em especial do PBF,

    para a queda recente da pobreza e da desigualdade (Arbix, 2007; Medeiros, Brito e

    Soares, 2007; Neri, 2007; Soares et al, 2006; Rocha, 2010), bem como para o aumento

    nos nveis de consumo das famlias mais pobres (BRASIL, 2007a; Cedeplar, 2007) e

    mesmo para ressaltar a relevncia da mulher no contexto das decises familiares(BRASIL, 2007a; Cedeplar, 2007). As anlises destacam ainda a boa focalizao do

    programa, que efetivamente atinge as famlias mais pobres, apesar de ainda haver

    espao para expanso do programa, j que nem todo pblico-alvo atingido (Hall,

    2008; Soares, Ribas e Osrio, 2007; Figueiredo et al., 20052).

    De experincias pioneiras e pontuais, os programas de transferncia de renda

    tornaram-se o carro-chefe da rede de proteo social brasileira (Silva; Yasbek; Di

    Giovanni, 2007), sendo que o PBF cada vez mais se consolida como um programa de

    Estado, e no de governo, como evidenciado nas ltimas eleies presidenciais, uma

    vez que candidatos com diferentes posies polticas deixaram claro seu apoio ao

    programa. Alm disso, importante destacar a crescente normatizao do programa:

    alm da Lei N 10.836, de 9 de janeiro de 2004, que criou o PBF, h diversas outras

    leis, decretos, medidas provisrias, portarias, instrues normativas e instrues

    operacionais relacionadas ao programa3. Esse ritmo intenso de normatizao federal

    contribui para a crescente institucionalizao do programa, apesar de tambm colocar

    desafios do ponto de vista das capacidades institucionais municipais para absorver essas

    normatizaes, que muitas vezes implicam ajustes nos grandes objetivos do PBF. O

    2 Este trabalho mostra que mesmo em grandes cidades como So Paulo e Salvador, que no eram aprioridade do governo no incio da expanso do PBF, era boa a focalizao do programa, a despeito dacobertura ainda ser baixa (Figueiredo et al, 2005).3Entre 2001 e 2011, foram publicados 11 decretos, 4 leis, 2 medidas provisrias, 38 portarias, 1 instruonormativa e 50 instrues operacionais referentes ao PBF, incluindo regulamentaes do prprioprograma e seus programas correlatos, definio de formas de repasse de recursos para Estados emunicpios, formas de cadastramento e acompanhamento dos beneficirios, entre muitos outros objetos.

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    PBF hoje o maior programa de transferncia de renda condicionada do mundo,

    beneficiando, em 2010, 12,6 milhes de famlias. O escopo da poltica foi ampliado, e

    seu foco passou dos indivduos no caso do Bolsa Escola para uma preocupao mais

    ampla com as composies familiares e suas estratgias de sobrevivncia no caso do

    PBF. Dessa forma, o programa estaria levando em conta aspectos enfatizados pelas

    anlises mais recentes a respeito da pobreza, que ressaltam o papel no s dos ativos

    individuais mobilizados pelos mais pobres, mas tambm dos recursos familiares

    (Moser, 1998; Filgueira, 1998).

    No bojo desse processo de capitalizao poltica do PBF, associado e

    (re)alimentado pela evoluo institucional do programa, os objetivos do governo federal

    para o programa foram ampliados. Atualmente, o governo federal pretende utilizar o

    PBF como eixo articulador da poltica de assistncia social. Isso significa, em primeirolugar integrar os benefcios monetrios da assistncia, destacadamente o PBF e o

    Benefcio de Prestao Continuada (BPC)4no mbito dos demais servios da assistncia

    social, ou seja, os servios de proteo bsica destinados para as famlias em maior

    situao de vulnerabilidade e de proteo especial, voltados para famlias que tiveram

    seus direitos violados. Esse objetivo mais recente implica a considerao de que o

    combate pobreza e a desigualdade implica no somente a dimenso da transferncia

    de renda:

    Integrar benefcios e servios tem sido apontado, nos ltimos anos, como um dos grandesdesafios para consolidao da Assistncia Social. A relevncia deste objetivo vem sendodestacada com frequncia. Com esta, ressalta-se a necessidade de reconhecimento do limite dasgarantias mnimas de renda como promotoras de bem-estar e desenvolvimento humano e sociale, ao mesmo tempo, da afirmao da oferta de servios como patamar incontornvel doenfrentamento da desigualdade e da promoo de oportunidades. (Jaccoud, Hadjab eChaibub, 2009, p.229).

    Nesse sentido, o PBF visto atualmente como um importante instrumento para

    estimular a implementao efetiva do Sistema nico de Assistncia Social (SUAS),

    ou seja, para de fato ajudar a consolidar a assistncia social como uma poltica pblica

    inserida em um novo modelo de proteo social. O prprio desenho do PBF, que prev

    a articulao do objetivo mais imediato de combate pobreza por meio das

    transferncias monetrias com a dimenso mais estrutural de gerao de capital humano

    4O BPC um benefcio monetrio no valor de um salrio mnimo concedido a idosos e portadoresde necessidades especiais que tenham renda familiar per capita inferior a de salrio mnimo.

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    e combate intergeracional da pobreza por meio das condicionalidades de educao e

    sade, alm da garantia de acesso a outras polticas estratgico para pensar essa

    articulao. Esse objetivo recente comeou a ser delineado mais claramente a partir do

    Protocolo de Gesto Integrada de Servios, Benefcios e Transferncias de Renda no

    mbito do SUAS (Resoluo CIT N 7, de 10 de Setembro de 2009), oriundo das

    discusses na Comisso Intergestores Tripartite (CIT)5, prevendo a oferta prioritria de

    servios scio-assistenciais para as famlias mais vulnerveis que j so benefiicirias

    do Programa Bolsa Famlia, do Programa de Erradicao do Trabalho Infantil (PETI) ou

    do BPC. De acordo com esse Protocolo, no cenrio de quase universalizao da

    cobertura de programas de transferncia de renda como o BPC e o PBF, torna-se

    necessrio avanar na articulao desses benefcios com os diversos servios

    assistenciais da proteo bsica e especial, de modo a contribuir de maneira mais efetivapara a superao de situaes de vulnerabilidade social:

    Entende-se que programas e benefcios como o PBF e o BPC constituem respostasextremamente importantes para a garantia da segurana de sobrevivncia das famlias pobres.Entretanto, os riscos e vulnerabilidades sociais que atingem as famlias e indivduos colocamdesafios e necessidades que em muito extrapolam a dimenso da renda. Neste sentido, somentepor meio da oferta simultnea de servios que a Assistncia Social pode assegurar de formaintegral a promoo e proteo dos direitos e seguranas que lhe cabem afianar. (MDS/CIT,2009, p.4)

    Essa pretenso de integrao entre benefcios e servios evidencia-se ainda apartir da anlise da evoluo dos mecanismos federais de coordenao das aes

    municipais, com destaque para as normas que regulam o repasse de recursos federais

    para a gesto municipal do PBF e tambm aquelas que ordenam o cadastramento dos

    beneficirios. Esses diversos instrumentos institucionais construdos pelo governo

    federal tambm apontam para esse objetivo mais recente de plena implementao do

    SUAS por meio do PBF, como ser discutido nesse trabalho.

    5 A CIT um espao de articulao e expresso das demandas dos gestores federais, estaduais emunicipais, sendo formada pelas trs instncias do SUAS: a Unio, representada pelo MDS; os estados,representados pelo Frum Nacional de Secretrios de Estado de Assistncia Social (Fonseas); e osmunicpios, representados pelo Colegiado Nacional de Gestores Municipais de Assistncia Social(Congemas). As principais funes da CIT, que funciona como um frum de pactuao, incluem pactuarestratgias para implantao e operacionalizao de servios, polticas e benefcios; estabelecer acordossobre questes operacionais da implantao dos servios; pactuar critrios e procedimentos detransferncia de recursos para cofinanciamentos, entre outras. Para maiores detalhes, ver:www.mds.gov.br/sobreoministerio/orgaoscolegiados/orgaos-em-destaque/cit

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    No limite, se de fato esses objetivos mais ambiciosos do governo federal para o

    PBF se efetivarem, podemos at pensar que as distines entre as polticas de combate

    pobreza, como os programas de transferncia de renda, e a poltica social tradicional,

    estariam sendo diludas. Segundo Srgio Abranches (1994, p. 15), a poltica social

    convencional opera para alm da fronteira da carncia absoluta e resistente. Enquanto as

    polticas sociais devem visar universalizao, atuando em manifestaes ocasionais de

    privao, as polticas de combate pobreza tm carter seletivo (operam na lgica da

    discriminao positiva) e visam combater um estoque acumulado de carncias agudas.

    Com a articulao dos programas de transferncia de renda no interior da poltica de

    assistncia social, contribuindo para a composio de uma rede mais ampla de proteo

    social para as populaes mais vulnerveis, essa distino faria cada vez menos sentido.

    Contudo, h diversos desafios a serem superados na construo desses objetivosmais ambiciosos para o PBF. Como diversos autores apontam (Houtzager, 2008; Fleury,

    2007; Castello, 2008), os programas de transferncia de renda nasceram insulados fora

    do campo tradicional da assistncia social, por iniciativa de economistas ligados

    administrao pblica e ao governo, tanto no plano federal como no caso de municpios

    como So Paulo. Atualmente, um dos grandes desafios burocrticos, institucionais e

    mesmo em termos de integrao das redes das comunidades de polticas pblicas6

    refere-se exatamente a essa maior integrao dos programas de transferncia de renda

    no mbito da poltica de assistncia social, seja no plano federal, seja no plano

    municipal. Este insulamento inicial dos programas de transferncia de renda, justificado

    nas entrevistas com gestores do MDS e burocratas municipais da assistncia em

    Salvador e So Paulo como necessrio para o desenvolvimento inicial dos programas,

    para instaurar uma nova cultura de combate pobreza diferente do assistencialismo

    tradicional, hoje surge como um obstculo reintegrao com a rea da assistncia

    social. O prprio governo, por meio de estudo realizado por tcnicos do IPEA,

    reconhece as incertezas envolvidas nessa nova fase do PBF, e os desafios de sua plena

    integrao rea da assistncia social:

    6 No mbito do governo federal, trata-se da articulao das redes de profissionais mais ligados aosprogramas de transferncia de renda, situados na Secretaria Nacional de Renda de Cidadania (SENARC),e os profissionais tradicionalmente ligados ao campo da assistncia social, concentrados na SecretariaNacional de Assistncia Social (SNAS). Para uma interessante discusso a respeito das diferentes culturastcnicas que caracterizam as vrias secretarias que compem o MDS, ver Dulci (2010). Para umadiscusso mais abrangente a respeito da influncia das redes de comunidades de polticas naimplementao de polticas pblicas urbanas, ver Marques (2000 e 2003).

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    Sua progressiva expanso ao longo dos ltimos cinco anos consolidou a transferncia de rendano contributiva como um efetivo pilar da proteo social brasileira. Como ser visto maisadiante, apesar de no ser oficialmente reconhecido como parte da Assistncia Social e seroperado por uma gesto prpria e independente, o PBF pode ser considerado integrante daquelapoltica. De um lado, um benefcio no contributivo situado no mbito da segurana de rendaque, como j citado, uma das seguranas a serem garantidas pela Poltica Nacional de

    Assistncia Social. De outro, tem como meta a cobertura universal no grupo beneficirio e quesua regulamentao no conflita com os demais princpios constitucionais organizadores daSeguridade Social. (Jaccoud, Hadjab e Chaibub, 2009, p.216)

    Este trabalho procura analisar a evoluo desses objetivos para o PBF, que

    foram sendo construdos e consolidados a partir de crescentes normatizaes federais

    para o programa, bem como as oportunidades que foram abertas para a consecuo

    dessa ltima fase da agenda do governo para o PBF, ou seja, a pretenso de maior

    integrao do programa no interior da poltica de assistncia social. possvel afirmar

    que esse olhar relativamente recente entre os mltiplos olhares sobre o PBF, sendo

    presente somente entre autores ligados ao campo da assistncia social (Silva, Yasbek, e

    Di Giovanni, 2007; Yasbek, 2004). Entre os economistas, as anlises geralmente

    abordam a responsabilidade do programa na queda recente da pobreza e da desigualdade

    no Brasil (Soares, 2006; Soares et al, 2006; Soares et al, 2007; Barros et al, 2007;

    Medeiros, Brito e Soares, 2007; Baumann, 2007; Neri, 2007; Arbix, 2007; Styro e

    Soares, 2009; Rocha, 2010)7, alm de discutirem os efeitos do programa sobre um

    possvel desestmulo ao trabalho (Soares e Styro, 2009) e os efeitos das

    condicionalidades de sade e educao atreladas ao programa (Medeiros, Britto e

    Soares, 2007; Soares e Styro, 2009; Kerstenetzky, 2009). Por outro lado, o debate entre

    cientistas polticos geralmente assume uma perspectiva mais restrita, visando

    principalmente determinar a contribuio do PBF para a reeleio do Lula em 2006

    (Nicolau e Peixoto, 2007; Hunter & Power, 2007; Hall, 2006; Zucco, 2010) ou mesmo

    para explicar o fenmeno recente do Lulismo (Singer, 2009 e 2010). Outros cientistas

    polticos, entretanto, alertam para certa miopia presente no debate, para o foco

    excessivo no PBF em detrimento de outras alteraes recentes no campo das polticassociais, destacando que o PBF deve ser entendido no mbito do novo sistema de

    7A reduo da pobreza no Brasil desde 2004 um fato irrefutvel, que no depende de dados estatsticospara ser reconhecido. Pode ser percebido a olho nu, em funo da expanso do consumo por todas ascamadas da populao e da melhoria das condies de vida no que depende diretamente da rendafamiliar. Rocha, 2010, p.15.

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    proteo social brasileiro que vem se consolidando nos ltimos anos (Arretche, 2010;

    Draibe, 2003; Almeida 1995, 2004)8.

    Partindo da questo mais geral dos mecanismos de coordenao federal

    desenvolvidos no caso do PBF, este trabalho procura analisar especificamente oprocesso recente de implementao do PBF em So Paulo e Salvador. Apesar dos

    incentivos e constrangimentos colocados pelo governo federal, que foi

    progressivamente formalizando diversas normas de coordenao das aes federativas

    para a implementao do PBF, as condies locais de implementao do programa,

    dependentes das capacidades institucionais locais e dos diferentes objetivos perseguidos

    no plano local, permitem pensar um cenrio mais complexo do que aquele que seria

    esperado somente a partir dos constrangimentos e incentivos gerados pelo governo

    federal. Parto de uma perspectiva crtica da lgica racionalista do ciclo de polticas,criticada por diversos autores (Sabatier, 2007; Hill e Hupe, 2009): este ciclo de

    produo de polticas pblicas seria diferenciado em estgios ou etapas estanques

    (definio da agenda, formulao de polticas e sua legitimao, implementao e

    avaliao de polticas), como se estes fossem quase independentes. Ao contrrio, analiso

    como o processo de implementao de um programa federal no nvel local implica uma

    srie de decisese mesmo alteraes em relao ao desenho original, decises estas que

    so balizadas pelos mecanismos de coordenao desenvolvidos pelo governo federal

    para o PBF. Considerando que s anlises que combinem as diferentes escalas

    federativas conseguem abranger a complexidade de programas como o PBF, o trabalho

    aborda como o desenho institucional do programa, definido no plano federal, se articula

    com as dinmicas e escolhas institucionais locais, influenciando os resultados do

    programa.

    Em termos gerais, este trabalho insere-se na linha de estudos recentes da cincia

    poltica que destacam as peculiaridades do federalismo brasileiro e seus efeitos sobre a

    implementao de polticas sociais (Arretche, 2009; Gomes, 2009; Melo, 2005;

    Abrucio, 2005), destacando os efeitos dos diversos mecanismos de coordenao

    disposio do Executivo federal para induzir a implementao de polticas e programas

    nos nveis subnacionais (Arretche, 2009; Menicucci, 2006; Gomes, 2009; Vazquez,

    8Para uma resenha dos principais eixos analticos contemporneos que abordam os regimes de bem estarsocial anlise integrada da economia e da poltica; padres e tipos de Estados de Bem Estar Social;dimenses de gnero e famlia nos regimes de bem estar social , ver Draibe (2007).

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    2005), como ser aprofundado no Captulo 1. Nas relaes intergovernamentais

    brasileiras, Arretche (2010) aponta a centralidade das capacidades institucionais dos

    municpios brasileiros que, se no so totalmente autnomos para decidir e legislar em

    matria de poltica social, ainda tm algum espao para decises prprias quando se

    considera a implementao de diversas polticas sociais no nvel local. Entretanto, a

    efetiva capacidade de gesto dos municpios que envolve dimenses financeiras,

    burocrticas, de logstica, entre outros aspectos tem sido pouco explorada

    especialmente nos estudos sobre o PBF, lacuna que este trabalho procura preencher,

    ainda que parcialmente, ao analisar os processos de implementao do PBF em duas

    importantes cidades brasileiras, So Paulo e Salvador.

    Quando levamos a srio a diferena entre a formulao e a coordenao de

    polticas e o processo de implementao das mesmas, podemos observar que, no casodo PBF, apesar da descentralizao da implementao, a cargo dos municpios, as

    decises gerais inclusive a seleo efetiva dos beneficirios so centralizadas no

    nvel federal. A despeito da fragmentao inicial dos programas no s aqueles do

    nvel local, mas mesmo no caso do Bolsa Escola , foi sendo desenvolvido um alto

    poder regulatrio no nvel central, com a criao de diversos mecanismos que permitem

    o controle e a coordenao das aes desenvolvidas no plano local. Como principais

    mecanismos, abordados no Captulo 3, destacam-se o Cadastro nico de Programas

    Sociais, que define os parmetros gerais para o cadastramento das famlias

    potencialmente elegveis ao PBF, e o ndice de Gesto Descentralizada (IGD) em suas

    verses municipal e estadual, que condiciona os repasses de recursos federais ao

    seguimento de uma srie de parmetros nos nveis subnacionais.

    de se esperar que o elevado poder de coordenao federal em matria de

    poltica social conduzisse convergncia nos resultados locais de programas como o

    PBF. Isso porque, como ser visto, as normatizaes federais para o programa, com

    destaque para as regras de cadastramento dos beneficirios e para os mecanismos de

    repasse de recursos federais, foram deixando cada vez menos espao para decises

    municipais muito distintas dos grandes parmetros nacionais para o PBF. Por outro

    lado, entretanto, o prprio processo de implementao do programa, fortemente

    dependente das capacidades institucionais locais e dos interesses polticos locais na

    maior ou menor coordenao com os objetivos centrais do PBF, pode alterar os

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    resultados possveis, principalmente no mbito de um programa que ainda est em fase

    de consolidao. Essa articulao entre as diretrizes federais, cada vez mais

    normatizadas sob a forma de mecanismos especficos para o cadastramento de

    beneficirios e o repasse de recursos para os municpios, e as capacidades institucionais

    locais para a consecuo desses objetivos, deve ser analisada em casos especficos. Por

    um lado, objetivo mais imediato de boa focalizao do PBF foi bem atingido no pas

    como um todo e nos dois casos aqui selecionados (So Paulo e Salvador). Ou seja, o

    PBF de fato atinge a populao elegvel e h poucos vazamentos, ainda que erros de

    excluso sejam inevitveis. Por outro lado, objetivos mais ambiciosos, de mais longo

    prazo, como a integrao dos programas de transferncia de renda com a rea mais

    ampla da assistncia social, ainda enfrentam grande variao nos diversos contextos

    locais.Para testar esses argumentos referentes ao alcance e s limitaes do poder de

    coordenao do governo federal na implementao local do PBF, foram escolhidas duas

    cidades para uma anlise mais aprofundada: So Paulo e Salvador, municpios

    principais de importantes regies metropolitanas, em diferentes regies do pas

    Sudeste e Nordeste. Assim como Rocha (2010), acredito que em um pas marcado por

    fortes desigualdades faz sentido analisar questes gerais em contextos especficos, de

    maneira a descobrir particularidades que no seriam evidenciadas em uma anlise mais

    agregada. Abordando a relevncia dos programas de transferncia de renda para a queda

    da pobreza e da desigualdade no perodo 2004-2008, Rocha (2010, p.10) afirma: Como

    o Brasil um pas continental, com caractersticas espaciais muito diferenciadas,

    informaes agregadas nacionalmente encobrem necessariamente situaes especficas

    que ajudariam a entender fenmenos complexos9.

    Mesmo considerando que os primeiros programas nacionais de transferncia de

    renda iniciaram-se em meios rurais, cada vez mais faz sentido analisar a implementao

    desses programas em grandes centros urbanos. Em um pas cada vez mais urbano de

    acordo com a PNAD (Pesquisa Nacional por Amostra de Domiclio) 2009, o Brasil tem

    uma populao total de cerca de 191,8 milhes de pessoas, sendo que 83,9% delas

    vivem em reas urbanas a questo da pobreza urbana e metropolitana torna-se cada

    9A partir de dados da PNAD 2008, autora contrasta os efeitos da retomada do crescimento econmico noperodo 2004-2008 na Regio Metropolitana de So Paulo e no Nordeste rural, destacando que osprogramas de transferncia de renda tm maior peso na formao da renda familiar no Nordeste.

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    vez mais relevante. Como Rocha (2010, p.17) bem destaca: Como o pas, a pobreza se

    desruralizou, e no s no que concerne a renda, mas as condies de vida em geral.

    Mesmo considerando a queda recente da pobreza e da desigualdade, ainda faz sentido

    analisar como a gesto pblica municipal procura atender populao mais vulnervel

    em municpios como Salvador e So Paulo, uma vez que em reas urbanas so ainda

    mais complexos os desafios da articulao da poltica de assistncia social com os

    novos programas de transferncia de renda. Ainda mais quando se considera a

    relevncia da transferncia de renda em economias urbanas altamente monetizadas:

    (...) numa economia moderna e monetizada, a cidadania plena depende de que se disponha

    adequadamente de renda suficiente para o atendimento das necessidades no mbito do consumo

    privado. Alm disso, para o um mesmo valor do gasto pblico, o bem-estar do beneficirio

    maior quando obtm renda, em comparao com recebimento sob a forma de bens e servios.

    (Rocha, 2005, p. 191)

    So Paulo a maior e mais importante metrpole brasileira. A cidade de So

    Paulo considerada o mais importante ncleo financeiro e empresarial da Amrica

    Latina. Em So Paulo possvel encontrar tanto uma parte significativa das atividades

    produtivas mais modernas, associadas a circuitos globalizados, e tambm uma grande

    massa de populao pobre, vivendo em espaos segregados e com acesso precrio a

    servios e polticas, em uma clara ilustrao das desigualdades brasileiras. Por sua vez,Salvador, capital do Estado da Bahia, a cidade mais densamente povoada da regio

    Nordeste, a mais pobre do pas. Salvador o centro econmico do estado e um porto

    exportador, centro industrial e um centro de turismo. Como marcas de suas

    desigualdades sociais, a capital da Bahia tambm sofre com nveis elevados de

    desemprego e violncia, e um processo de desordenado de expanso urbana.

    A cidade de So Paulo um caso relevante para estudo dos programas de

    transferncia de renda por diversos motivos. Na cidade, os programas de renda mnima

    tiveram incio antes das primeiras experincias nacionais tanto o Renda Mnima(municipal) quanto o Renda Cidad (estadual) tiveram incio em 2001. Alm disso, o

    Estado de So Paulo tem um considervel aprendizado institucional na rea de

    programas de transferncia de renda. o Estado que concentra o maior nmero de

    programas de transferncia de iniciativa municipal e no qual muitos programas

    pioneiros se desenvolveram, como os programas de renda mnima e do tipo bolsa escola

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    que surgiram antes das iniciativas nacionais (Silva, Yasbek e Di Giovanni, 2007). Como

    apontam esses autores, so justamente os Estados mais desenvolvidos, como So Paulo,

    aqueles que mantiveram os programas locais de transferncia mesmo aps o advento

    dos programas nacionais:

    (...) somente os municpios dos estados mais desenvolvidos e com menor concentrao relativade populao situada abaixo da linha da pobreza que apresentam condies de manter essesprogramas. Isso significa que so aqueles municpios com maiores possibilidades oramentriasque mantm um programa municipal custeado com recursos locais (Silva, Yasbek e DiGiovanni, 2007, p. 153).

    O municpio de So Paulo destaca-se ainda pelo elevado nmero de famlias

    atendidas pelo PBF: dados do MDS referentes a agosto de 2010 apontam para 401.225

    famlias cadastradas no Cadastro nico e para 132.735 famlias beneficirias do PBF.

    Alm do desafio da implementao e gesto desse programa federal, em So Paulo

    ainda h a questo da articulao do PBF com os programas municipal e estadual que

    existiam previamente. Desse modo, o problema de coordenao tem dois eixos em So

    Paulo: por um lado, h a questo da coordenao das aes locais de implementao do

    PBF com as diretrizes do governo federal; por outro, h o problema da articulao dos

    programas municipal, estadual e federal de transferncia.

    Quando consideramos a dinmica poltica local no perodo que aqui nos

    interessa centralmente as duas gestes de Lula (2003-2010), do Partido dosTrabalhadores (PT), na presidncia , notamos que tanto o Estado de So Paulo quanto

    o Municpio de So Paulo foram predominantemente governados por polticos de

    oposio ao governo central. No plano estadual, seguiram-se os seguintes governadores:

    Geraldo Alckmin do Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB) entre 2001 e

    2006, Cludio Lembo do Partido dos Democratas (DEM) entre 30 de maro de 2006 e

    primeiro de janeiro de 2007, Jos Serra (PSDB) entre janeiro de 2007 e abril de 2010 e

    Alberto Goldman, do Partido do Movimento Democrtico Brasileiro (PMDB) entre

    abril e dezembro de 2010. Na prefeitura, no incio dos programas de transferncia derenda no municpio, Marta Suplicy do PT era a prefeita (2001-2005). No restante do

    perodo, polticos da oposio ao governo central foram prefeitos: Jos Serra (PSDB),

    entre em janeiro de 2005 e maro de 2006, e depois Gilberto Kassab, do (DEM),

    prefeito at hoje. Se fossem consideradas somente as motivaes polticas, poderamos

    esperar menores incentivos articulao dos programas locais de transferncia com os

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    programas nacionais no perodo recente, uma vez que os polticos locais poderiam ter

    interesse em deixar uma marca prpria em matria de poltica social, distanciando-se da

    vitrine do PBF. Porm, como veremos, os incentivos federais convergncia das aes

    municipais com as diretrizes nacionais para o programa tm tido forte efeito.

    Por sua vez, em Salvador, ao contrrio de So Paulo, h apenas um programa de

    transferncia de renda em operao, o PBF. Segundo dados do MDS para agosto de

    2010, Salvador contava com 294.897 famlias cadastradas no Cadastro nico e 187.868

    famlias beneficirias do PBF. Neste caso, ao contrrio de So Paulo, a expectativa

    que haja menor problema de coordenao com as diretrizes do governo federal, dada a

    inexistncia de programas de transferncia de renda concorrentes. Do ponto de vista

    poltico, no incio do perodo analisado tanto o governador quanto o prefeito faziam

    parte de partidos opositores ao governo de Lula; no restante do perodo, os polticoslocais faziam parte de partidos da coalizo de governo de Lula. No governo do Estado

    da Bahia, Paulo Souto (DEM) foi o governador de janeiro de 2003 a janeiro de 2007 e

    Jacques Wagner (PT) governador desde janeiro de 2007 at hoje. Na prefeitura de

    Salvador, Antnio Imbassahy (PSDB), de janeiro de 1997 at janeiro de 2005, e Joo

    Henrique de Barradas Carneiro (PMDB), de janeiro de 2005 at hoje. Nesse sentido, no

    perodo mais recente, seriam esperados menos obstculos implementao do PBF em

    Salvador.

    Considerando dados referentes pobreza metropolitana oriundos da PNAD

    (Pesquisa Nacional por Amostra de Domiclio) 2009 que no podem ser desagregados

    para o nvel municipal , a Regio Metropolitana de So Paulo (RMSP) destaca-se pelo

    elevado nmero absoluto de pessoas vivendo com menos de meio salrio mnimo

    mensal 527 mil pessoas, contra 335 mil na Regio Metropolitana de Salvador (RMS).

    Porm, em termos relativos, a RMS se sobressai com 9,4% das pessoas com renda

    inferior a meio salrio mnimo, contra 2,8% na RMSP. Desse modo, os dois casos

    escolhidos apresentam um estoque significativo de pobreza a ser combatido, entre

    outras iniciativas, por programas de transferncia de renda.

    Como ressaltado por estudos do Banco Mundial (De La Brire e Lindert, 2005;

    Ribe, Jones e Vermehren, 2008), reas urbanas colocam desafios especficos

    implementao de programas de transferncia de renda: so reas mais heterogneas,

    impondo a necessidade de considerao da dimenso espacial da pobreza e a

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    focalizao espacial dos beneficirios. Alm disso, cidades tendem a abrigar estruturas

    familiares especficas, com menor presena de famlias extensas e maior presena de

    famlias monoparentais. A economia monetria e o mais elevado custo de vida

    requerem ateno tanto na definio das linhas de pobreza a serem consideradas pelos

    programas quanto nos valores a serem repassados. Grandes distncias e deslocamentos

    afetam o acesso ao mercado de trabalho e aos servios alm de afetar a qualidade de

    vida das famlias (menor tempo para lazer e convvio). Por um lado, o maior acesso

    tecnologia sistema bancrio, telefones celulares facilita a dimenso logstica da

    implantao dos programas. Por outro lado, a exposio a variados tipos de riscos e

    vulnerabilidades, destacando-se a dimenso da violncia urbana, impe dificuldades

    especficas, particularmente no processo de cadastramento dos beneficirios. Essas

    dimenses implicam maiores desafios focalizao, maiores dificuldades decadastramento, alm de maiores problemas de coordenao com outros programas

    sociais existentes. Como ser visto nos Captulos 5 e 6, todas essas questes permearam

    o processo de implementao dos programas de transferncia de renda em So Paulo e

    Salvador.

    Salvador e So Paulo foram escolhidos ainda devido disponibilidade de dois

    surveys que procuraram aferir as condies gerais de vida e de acesso a polticas

    pblicas da populao de mais baixa renda. As pesquisas desenvolvidas pelo Centro de

    Estudos da Metrpole (CEM-CEBRAP) em convnio com o IPEA em 2004 no caso

    de So Paulo e em 2006 no caso de Salvador, que tambm contou com a parceria da SEI

    (Superintendncia de Estudos Econmicos e Sociais da Bahia) possuem metodologia

    comparvel e constituem rica fonte para analisar o grau de cobertura e focalizao dos

    programas de transferncia de renda nessas duas cidades, bem como identificar o perfil

    daqueles que tinham acesso na fase inicial de expanso e consolidao do PBF

    (Figueiredo et al, 2005; Figueiredo et al, 2006).

    Esta tese est dividida em seis captulos, alm desta introduo e das

    consideraes finais. O primeiro captulo apresenta a contextualizao terica do

    trabalho e o modelo de anlise a ser utilizado para investigar as condies para a

    implementao de polticas sociais nacionais de combate pobreza em pases

    federativos. Em primeiro lugar, apresento as caractersticas do federalismo brasileiro,

    destacando aquelas que afetam os incentivos e as oportunidades para moldar a

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    implementao de polticas, como o poder de coordenao do governo federal em

    matria de poltica social. Alm disso, apresento literatura recente sobre a

    implementao de polticas pblicas, especialmente a que se refere s capacidades

    institucionais locais necessrias para implementao e gesto de polticas sociais.

    No Captulo 2, investigo por que e como os programas de transferncia de renda

    passaram a compor o leque de alternativas para o combate pobreza e desigualdade

    no Brasil. Apresento a trajetria recente das polticas sociais no Brasil, com nfase para

    as polticas de combate pobreza e rea da assistncia social. Esse captulo aborda

    ainda a evoluo dos programas de transferncia de renda no Brasil, desde as primeiras

    experincias locais at os programas nacionais, Bolsa Escola e PBF. Na apresentao do

    PBF, so destacadas as distribuies de competncias e responsabilidades entre os

    nveis da federao. Por fim, o captulo apresenta as principais polmicas no debaterecente em torno do PBF.

    O Captulo 3 analisa os principais mecanismos disponveis para o governo

    federal coordenar a implementao do PBF no nvel local, com destaque para o

    Cadastro nico e as diversas modalidades do ndice de Gesto Descentralizada que

    foram desenvolvidas ao longo do tempo. Esses instrumentos foram progressivamente

    aperfeioados pelo governo federal, de modo a garantir que os objetivos centrais do

    PBF, definidos no plano federal, fossem bem realizados no plano municipal,

    principalmente, e no plano estadual apenas muito recentemente. O captulo mostra ainda

    como esses mecanismos afetam a implementao do PBF dois casos que nos

    interessam, Salvador e So Paulo.

    O Captulo 4 apresenta as transformaes recentes nos rgos municipais

    responsveis pela gesto dos programas de transferncias de renda em So Paulo e

    Salvador. Como ser visto, nem sempre os programas de transferncia estiveram

    integrados rea da assistncia social, e houve importantes alteraes nas lgicas de

    gesto desses programas. Alm disso, o captulo discute as capacidades institucionaisdisponveis em So Paulo e Salvador para a implementao da poltica de assistncia

    social como um todo e para a implementao do PBF em particular. A partir dos dados

    dos suplementos da Assistncia Social da Pesquisa de Informaes Bsicas Municipais

    (MUNIC) de 2005 e 2009, so discutidos os recursos humanos, financeiros e logsticos

    para a implementao da poltica de assistncia social em Salvador e So Paulo.

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    O Captulo 5 apresenta uma primeira aproximao da implementao dos

    programas de transferncia de renda nessas duas cidades, centrando na dimenso da

    focalizao dos programas. Este captulo apresenta os determinantes do acesso dos mais

    pobres aos programas de transferncia de renda, a partir de dados de surveys que

    permitem explorar, para alm dos critrios de elegibilidade do programa, quais so as

    demais dimenses que afetam o perfil daqueles que tm ou no acesso aos benefcios

    em So Paulo e Salvador. Nesse sentido, o captulo pretende avaliar como essas duas

    cidades cumpriram um dos objetivos iniciais do PBF (boa focalizao e elevada

    cobertura), ainda no contexto de integrao dos diversos programas nacionais de

    transferncia remanescentes.

    O Captulo 6 complementa a discusso da implementao do PBF em So Paulo

    e Salvador, considerando uma perspectiva mais ampla de integrao dos programas detransferncia rea da assistncia social, no mbito da consolidao do Sistema nico

    de Assistncia Social (SUAS). A partir de entrevistas com gestores dos programas de

    transferncia de renda em So Paulo e Salvador e dados documentais, apresenta-se

    como se deu a implementao dos programas nessas duas cidades. Destaco as

    convergncias e divergncias em relao s principais diretrizes federais, bem como os

    esforos de integrao dos programas de transferncia no mbito mais amplo das

    polticas de assistncia social.

    Ao final, so exploradas as conexes entre os diversos captulos, destacando-se

    como as estratgias locais de implementao do PBF dialogam, alteram e/ou convergem

    com os objetivos do governo federal para o programa.

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    CAPTULO 1. IMPLEMENTAO DE POLTICAS SOCIAIS EM

    CONTEXTOS FEDERATIVOS: A RELEVNCIA DA COORDENAO

    FEDERAL E O PAPEL DAS CAPACIDADES INSTITUCIONAIS LOCAIS

    Quais so as principais dimenses que afetam a implementao de polticas

    sociais em contextos federativos? Esta a questo geral que orienta este captulo, que

    tem como objetivo apresentar o arcabouo terico-analtico utilizado nesta tese. Para

    entender a dinmica e os resultados da implementao de um programa nacional, em

    uma federao como a brasileira, necessrio entender suas principais caractersticas,

    mais particularmente, as regras que regem as relaes intergovernamentais. No desenho

    federativo brasileiro, os municpios, alm dos estados, so entes federativos e, portanto,

    tm autonomia poltica e administrativa. Assim, a implementao de polticas nacionais

    depende, em grande medida, da capacidade de coordenao da Unio, dos instrumentos

    institucionais com que esta conta para incentivar os nveis subnacionais a seguir seus

    objetivos gerais de polticas. Por outro lado, contudo, a qualidade da proviso e os

    resultados das polticas dependem tambm das capacidades institucionais locais,

    particularmente dos recursos humanos, tcnicos, informacionais, capacidade de gesto e

    articulao entre diferentes servios e polticas, entre outras dimenses disponveis no

    nvel municipal.Em primeiro lugar, o captulo analisa como as caractersticas mais gerais do

    federalismo brasileiro, que vem se transformando desde a Constituio de 1988 com

    algumas importantes linhas de continuidade, afetam a implementao de polticas

    sociais. Mais especificamente, aborda-se a discusso recente referente ao grau de

    centralizao/descentralizao da federao brasileira, a diviso de atribuies e

    competncias entre os nveis de federao no mbito das polticas sociais e,

    principalmente, os diferentes mecanismos de coordenao de polticas disposio do

    governo federal. A partir da discusso das reformas de polticas sociais nos anos 1990,

    que definiram certos modelos de implementao e coordenao de polticas, so

    definidas algumas hipteses especficas para o caso da poltica de assistncia social e do

    PBF. O objetivo desta seo mostrar que, mesmo considerando o crescente poder de

    coordenao federal, responsvel por um grau cada vez maior de uniformizao de

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    alguns aspectos da poltica de assistncia, ainda h espao para decises no nvel

    municipal, como ser visto ao longo deste trabalho.

    A segunda seo aborda os estudos sobre a implementao de polticas pblicas,

    inclusive no caso brasileiro, procurando mostrar o Estado em ao (Jobert e Muller,1987). Dando continuidade a essa discusso, a terceira seo aborda a literatura que se

    debruou sobre o conceito de capacidades estatais, ou seja, sobre as caractersticas

    necessrias para que o Estado possa de fato implementar as suas aes no nvel local.

    1.1. Conseqncias do arranjo federativo brasileiro para as polticas sociais

    Em um texto bastante influente entre os analistas de polticas sociais brasileiros,

    especialmente entre aqueles mais alinhados com a perspectiva do neo-institucionalismohistrico10, Paul Pierson (1995) analisa a relevncia de uma instituio especfica, o

    federalismo, e suas conseqncias para a implementao de polticas sociais. O autor

    destaca que a existncia de mltiplos sistemas decisrios (multi-tired systems of

    decision-making) em ambientes federativos contribui para certa fragmentao

    institucional (p. 451). Do ponto de vista das polticas sociais, Pierson afirma que as

    iniciativas de poltica tendem a ser altamente interdependentes, porm modestamente

    coordenadas, gerando diferentes resultados possveis: competio, projetos

    independentes com objetivos sobrepostos ou cooperao no caso de fins que no podemser obtidos isoladamente. Alm disso, o autor destaca que os atores sociais interessados

    em certa poltica tendem a pressionar por arenas decisrias que privilegiem seus

    interesses (p.452), sendo que esta competio entre diferentes jurisdies afeta as

    estratgias dos atores e suas posies relativas de poder (p.453).

    Em suma, o autor destaca que as regras institucionais de sistemas federais tm

    grandes conseqncias para a implementao de polticas sociais. Se, por um lado, a

    existncia de mltiplas jurisdies pode gerar problemas de coordenao e dificultar a

    consolidao de polticas nacionais em contextos federativos havendo inclusive o

    risco de a competio entre unidades subnacionais estimular uma race to the bottom,

    uma corrida para baixo nos gastos sociais, prejudicando o desenvolvimento de

    10Para uma excelente resenha das explicaes do neo-institucionalismo histrico para o desenvolvimentode Estados de Bem Estar Social nos pases desenvolvidos, ver Arretche (1995).

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    polticas sociais , por outro lado Pierson destaca que mltiplas jurisdies com

    autoridade para formular polticas sociais tendem a estimular a inovao e a emulao

    de polticas (pp.456-457). O autor reconhece, entretanto, a necessidade de cautela no

    estabelecimento de proposies gerais a respeito das conseqncias do federalismo

    sobre as polticas sociais, uma vez que h grandes variaes entre diferentes sistemas

    federativos e h tambm outras variveis a considerar, como a interao com outras

    polticas e instituies nacionais, a estrutura do sistema partidrio, a economia poltica

    envolvida numa determinada poltica, entre outras dimenses. Assim, reconhecer que h

    tipos diversos de federalismo um ponto inicial central.

    No caso brasileiro, o debate sobre as principais dimenses que afetam a

    produo das polticas pblicas foi fortemente influenciado pela literatura que

    considerava a forma do Estado federal ou unitrio uma dimenso decisiva (Gomes,2009). Nessas discusses, eram ressaltadas as dificuldades impostas por contextos

    federativos, nos quais as unidades subnacionais representariam pontos de veto,

    dificultando a capacidade de produo de polticas nacionais (Abrucio e Samuels,

    1997). Por outro lado, estudos recentes (Arretche, 2009; Vazquez, 2010) tm

    questionado o poder explicativo dessa dimenso to agregada forma do Estado , a

    partir da observao emprica de grandes variaes na capacidade de produo de

    polticas nacionais em diferentes pases federativos (Obinger, Leibfried, e Castles,

    2005). De acordo com Sandra Gomes (2009), cada vez mais ganha destaque a

    percepo de que h variadas formas de interao entre os governos centrais e

    subnacionais em diferentes arranjos federativos e unitrios, levando a diferentes graus

    de autonomia para os governos locais ou regionais. Ou seja, federalismo no equivale

    necessariamente menor capacidade de controle e de coordenao do governo central.

    Nesse sentido, mais importante analisar as relaes intergovernamentais e no

    apenas o federalismo como instituio abrangente em casos especficos, como o caso

    brasileiro.

    O debate brasileiro sobre o federalismo em geral e as relaes

    intergovernamentais em particular fortemente baseado em interpretaes diversas

    sobre a Constituio de 1988, sobre o grau de centralizao/descentralizao da

    federao. Com a abertura democrtica, marcada por grandes expectativas em relao

    transformao das polticas pblicas herdadas do regime autoritrio (Draibe, 2003;

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    Almeida, 1995), a maioria das interpretaes destacava o carter descentralizador11da

    Constituio de 1988, especialmente por conta das realocaes de funes e recursos

    para instncias subnacionais, destacadamente para os municpios. Como ser abordado

    em maiores detalhes no Captulo 2, a descentralizao era vista pelas oposies ao

    regime autoritrio como sinnimo de democracia, de devoluo da cidadania usurpada,

    como condio para o aumento da participao (Almeida, 1995).

    Ressaltando as dimenses descentralizadoras da Constituio de 1988 e

    baseados nas predies da literatura comparada, alguns autores (Abrucio e Samuels,

    1997; Loureiro, 2001; Abrucio, 2005; Melo, 2005) destacaram os efeitos nocivos do

    novo arranjo federativo que se formava do ponto de vista da reforma do Estado, das

    transformaes necessrias no campo das polticas pblicas. Segundo Fernando Abrucio

    e David Samuels (1997, p.160), a natureza das relaes intergovernamentais no Brasilaumentaria os custos de negociao poltica e possibilitaria a criao de coalizes de

    veto; desse modo, a prpria natureza institucional do federalismo brasileiro seria um

    obstculo importante reforma do Estado. Para Abrucio (2005, p.46) haveria mais

    foras centrfugas no federalismo brasileiro do que cooperao12:

    "Dois fenmenos destacam-se nesse novo federalismo brasileiro, desenhado na dcada de 1980 ecom reflexos ao longo dos anos 1990. Primeiro, o estabelecimento de um amplo processo dedescentralizao, tanto em termos financeiros como polticos. Em segundo lugar, a criao de ummodelo predatrio e no-cooperativo de relaes intergovernamentais, com predomnio docomponente estadualista."

    Entretanto, anlises mais crticas das premissas baseadas na literatura comparada

    comearam a demonstrar que a Constituio de 1988 no teve tal grau de

    descentralizao, e muito menos estimulou a fragmentao poltica e a criao de

    11Almeida (1995, p.90) aponta as imprecises conceituais do termo descentralizao, que na literaturatem sido usado para indicar processos de realocaode funes e recursos para instncias subnacionais;processos de consolidao, quando recursos centralizados so usados para financiar funesdescentralizadas e processos de devoluo, quando funes e recursos so descontinuados. A autoradestaca que cada uma dessas formas tem conseqncias distintas do ponto de vista das relaesintergovernamentais.12O autor defende que a histria federativa brasileira foi caracterizada por desequilbrios entre os nveisde governo (Abrucio, 2005, p.46): na Repblica Velha, predominaria o modelo centrfugo, com baixacooperao e governo federal fraco; na Era Vargas, o governo federal fortaleceu-se e os estaduaisperderam autonomia; o perodo 1946-64 seria o de maior equilbrio federativo; com o golpe militar,tivemos modelo "unionista autoritrio"; na transio democrtica, o autor destaca o poder das elitesregionais e, destacadamente, dos governadores. Por fim, no novo tipo de federalismo surge com aConstituio de 1988, o autor ressalta as tendncias descentralizadoras, combinando foras democrticase velhos grupos regionais tradicionais, com destaque para o papel dos governadores.

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    inmeros pontos de veto s aes do governo central, seja no que tange s relaes entre

    Executivo e Legislativo (Figueiredo e Limongi, 200013), seja no que se refere aos

    impactos das novas regras sobre as polticas pblicas (Arretche, 2002 e 2009). Autoras

    como Arretche (2002 e 2004) e Almeida (1995 e 200514) argumentam que a

    Constituio de 1988 estimulou a descentralizao de receitas para as unidades

    subnacionais, mas no de responsabilidades sobre polticas, alm de preservar iniciativa

    legislativa da Unio em vrias reas de poltica (Arretche, 2009). Almeida (2005, p. 29)

    argumenta que, a despeito do destaque ao tema da descentralizao na agenda dos anos

    1980, "o andamento da descentralizao no foi nem simples nem linear. Tendncias

    centralizadoras poderosas tambm estiveram presentes, aumentando a complexidade do

    processo de redefinio das relaes intergovernamentais."

    Para entender essa dinmica aparentemente contraditria entre tendnciascentralizadoras e descentralizadoras, necessrio ressaltar a diferena entre processo

    decisrio sobre polticas pblicas e processo de implementao das mesmas. Enquanto

    o processo decisrio refere-se relao horizontal entre os poderes Executivo e

    Legislativo, a implementao de polticas pblicas implica relaes verticais entre a

    Unio e os demais entes da federao. No caso deste trabalho, o foco recai exatamente

    sobre essas relaes verticais no processo de implementao do PBF, com nfase no

    poder de coordenao desenvolvido progressivamente pelo governo federal, de modo a

    induzir aes municipais condizentes com suas principais diretrizes para o programa.

    Desse modo, a despeito da expectativa de fragmentao institucional nos

    sistemas federativos, devido existncia de mltiplas arenas decisrias (Pierson, 1995,

    p. 451), autores vm destacando recentemente que, no caso brasileiro, muitas decises

    sobre polticas pblicas so centralizadas no governo federal, ou seja, a fragmentao

    no to grande assim, e varia fortemente de acordo com a poltica considerada

    13

    Em trabalho que pautou o debate na rea, esses autores demonstram que no possvel derivardiretamente do federalismo ou das leis eleitorais os comportamentos esperados dos polticos noCongresso, uma vez que outras instituies neutralizam os incentivos esperados de instituiesfederativas e levam o Congresso a decidir em favor de temas mais gerais, inclusive quando os interessesdos estados so negativamente afetados.14 Criticando a tese de Abrucio, segundo a qual o poder extremado dos governadores teria gerado grandefragmentao, Almeida (2005, p.32) argumenta que outras foras polticas, mais relevantes, tambmcontriburam para a descentralizao no perodo Constituinte: "Democracia com descentralizao era umaidia-fora e como tal tinha gravitao prpria."

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    (Arretche, 2004; Almeida, 2005). Em texto mais recente, Arretche (2009, p.413)

    questiona as interpretaes dominantes sobre o carter da Constituio, mostrando que

    muitos analistas ignoraram seus princpios centralizadores e maximizaram seus aspectos

    descentralizadores:

    "Os formuladores da Constituio de 1988 combinaram ampla autoridade jurisdicional Uniocom limitadas oportunidades institucionais de veto aos governos subnacionais. Assim,formularam um desenho de Estado federativo em que os governos subnacionais tmresponsabilidade pela execuo de polticas pblicas, mas autorizaram a Unio a legislar sobresuas aes. Alm disso, formularam regras que permitem que a maioria, nas arenas decisriascentrais, aprove mudanas no status quo federativo. Em suma, a CF 88 no produziu instituiespolticas que tornariam o governo central fraco em face dos governos subnacionais."

    Almeida (2005, p.36) aborda trs tipos de alterao nas funes do Executivo no

    contexto posterior Constituio de 1988:

    "Em alguns casos, transferiu-se a governos subnacionais a prerrogativa de decidir o contedo e oformato das polticas. Em outros, estados e municpios tornaram-se responsveis pela execuo egesto de polticas e programas definidos em nvel federal. Finalmente, governos transferiram aorganismos no-estatais a proviso de servios sociais."

    No campo da proviso de servios sociais, a descentralizao significou quase

    sempre municipalizao, sendo que os Estados ficaram sem atribuies claras. De fato,

    a Constituio de 1988 no definiu com clareza uma hierarquia de competncias entre

    os nveis da federao, mas sim multiplicou as funes concorrentes entre Unio,

    estados e municpios, especialmente na rea social (Almeida, 1995 e 2005). Somente no

    mbito das reformas dos anos 1990 foram definidas mais claramente as

    responsabilidades federativas em matria de poltica social, balizadas principalmente

    pelos instrumentos de coordenao definidos pelo governo federal. Segundo Arretche

    (2004), at a segunda metade dos anos 1990 a distribuio federativa das

    responsabilidades sobre polticas sociais derivava mais dos legados de cada poltica, ou

    seja, da forma como historicamente as reas se estruturavam com maior centralizao

    no caso das polticas de sade e desenvolvimento urbano e maior descentralizao no

    caso da educao fundamental, por exemplo do que das obrigaes definidas pela

    Constituio de 1988. De acordo com a autora, novas regras introduzidas por meio de

    legislao ordinria, emendas constitucionais ou normas ministeriais, de acordo com

    cada poltica foram necessrias para estimular a descentralizao da execuo das

    polticas sociais, no sendo suficiente ou auto-executvel o princpio da

    descentralizao presente na Constituio (Arretche, 2009).

  • 7/23/2019 Bichir Tese Rev

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    Assim, no contexto das reformas de primeira e segunda gerao, houve

    alteraes no status quofederativo, especialmente no sentido da maior centralizao das

    relaes intergovernamentais (Arretche, 2004). Segundo Marcus Melo (2005), as

    reformas de primeira gerao compreendem especialmente as medidas macro-

    econmicas visando estabilizao e liberalizao da economia, ao ajuste fiscal. Por

    sua vez, as reformas de segunda gerao entre as quais se incluem as reformas das

    polticas sociais tm um foco mais institucional, objetivos complexos e pouco

    tangveis, de modo a aperfeioar a proviso dos servios, as estruturas regulatrias e as

    capacidades administrativas, consistindo em prescries de polticas em resposta s

    falhas das reformas de primeira gerao. Segundo a literatura comparada, as reformas

    de segunda gerao seriam mais difceis de aprovar e implementar, uma vez que afetam

    esferas polticas e sociais, envolvendo amplos esforos de (re)construo institucional(Melo, 2005; Weyland, 2002).

    No debate sobre as reformas dos anos 1990, se alinham, por um lado, os autores

    que destacam as dificuldades de aprovao e implementao das mesmas em um

    sistema poltico fragmentado, com inmeros pontos de veto (Melo, 2005; Abrucio,

    2005). De acordo com Melo (2005), no Brasil as reformas de primeira e segunda

    gerao foram concomitantes, o que facilitou a aprovao de ambas, sendo que, para o

    autor, as reformas de segunda gerao s foram aprovadas dado o carter geral de

    urgncia na reestruturao do Estado que se imprimiu naquele contexto. Por outro lado,

    autores como Arretche (2009) demonstram que no houve obstculos intransponveis

    para a aprovao das reformas. Mesmo concordando com Melo que as reformas dos

    anos 1990 mudaram o status quo federativo, no sentido de aumentar a capacidade de

    regulao da Unio sobre as polticas de estados e municpios, Arretche (2009) no v

    neste processo uma ruptura radical. Ao contrrio, a autora destaca as linhas de

    continuidade entre 1988 e 1995 alterando seu prprio posicionamento anterior, que

    destacava mais enfaticamente o processo de centralizao dos anos 1990 (Arretche,

    2004). Como mencionado anteriormente, Arretche (2009, p.383) defende que as regras

    do jogo estabelecidas em 1988 j definiam um governo central "forte", com autoridade

    para iniciar legislao e com alta probabilidade de sucesso na