besouros também voam

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Besouros também voam...

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uns poeminhas zumbindo...

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Page 1: Besouros também voam

Besouros também voam...

Page 2: Besouros também voam

Eu vi...� Vi um pássaro arrastando suas asas

tão cansado de voar...Vi uma flor murchandosem água pra lhe regar.Vi uma estrela caindo,perdida no universo.Vi um verso escrito no muronão deu pra ler tava escuro. E o lodo cobrindo seu dorsoe o limo comendo tudo...

E bem no fundo do poçoouvi uma mulher gritandoum uivo silencioso...Vi seu grito atravessadocomo uma flecha em brasaqueimando sua garganta.incendiando sua casa!Vi tanta agonia ali....

Mas veio a chuva e o vento,e eu me estiquei no tempo...No tempo que tudo cura!No tempo de agora e aqui!

Page 3: Besouros também voam

Servidão� Beijo sua boca calada

como quem bebeo último gole d 'águano deserto.Procuro seus olhos incertoscomo quem buscaum farol na tempestade.Aperto sua mão suadacomo uma criança com medoda noite escura e malvada Abraço se corpo cansadocomo se ali fosse um abrigodepois de uma catástrofe.Estou no limítrofe,vivendo em perigonavegando na fronteira entre o amor e a servidãocomo um cão sedentoesperando migalhase sorrindo para o seu dono...

Page 4: Besouros também voam

...Do que eu também gosto� Eu gosto do que é tosco

mal acabado, imperfeito...Eu gosto do que é feiodo cheio de defeitosdo que não é direito.Gosto do lado avessodo ao contráriodas feridas expostascicatrizes à mostra.De varizes, de rugasdas linhas do tempo...Gosto de sorver veneno.Do que está difícildo que está amargodo inatingíveldo inaceitáveldo calafetado.De carregar o fardodo peso nos ombros...dos escombrosda penumbrado soluçodo dramado medodo fundodo poçodo caos.

Page 5: Besouros também voam

Dias estranhos

� Meus dias estão tão estranhos...Longos, cinzentos e silenciosos.Como os longos dias do Laos,como os labirintos de Angkor,como o inverno de Amsterdã.Já não reconheço os meus dias.Já não tenho poder sobre eles.Escorrem pelos meus dedos,lentamente... Desconhecidos!Como as águas do Mekong. Meus dias são como nós dois,frios, vazios, inertes, solitários.E nós... Somos dois estranhosdividindo seus estranhos dias...

Page 6: Besouros também voam

Saudade quase mata a gente� A saudade de você dói tanto...

Dói o corpo todo até o fundo da alma,até o fio do cabelo, até não querer mais.A saudade de você é como brasa acesa,me queimando por dentro, atiçando culpas,trazendo lembranças de séculos e séculos atrás.Resgatando baús ancestrais e cartas envelhecidas,e lembranças de frases que foram mal ditas ou engolidas,e relances de sorrisos, de choros contidos, de soluçosgemidos no meio da madrugada, se misturando aos sonhos.É uma saudade, uma gastura... Uma vontade de voltar no tempo.E dizer as coisas que ficaram no ar daquela sala, daquele canto,daquela vida pacata, naquela longa, longa tarde, triste e enfadonha.Nós duas ali, sentadas, tecendo as linhas de um tempo, temporal...Conversando nossos monólogos silenciosos e cheios de segredos.Nos entreolhando de vez em quando, como se buscássemos cumplicidade.Uma na outra! Como se quiséssemos lá no fundo ser amigas para sempre. Mas nunca tivemos coragem de demonstrar afeto, ou nos beijar na face.Quando percebemos, a vida pacata tinha ficado lá. Fechada naquela sala!E hoje essa saudade que me dói a alma, eu nem sei mais se ela é minha ou se ela é sua...

Page 7: Besouros também voam

Ela� Ela guardava afetos assim como mágoas,

guardava as tempestades em copos d'água, e doses alopáticas de rancores e medos. E disfarçados guardava os seus segredos.Ela guardava tudo bem no fundo da sua alma.Desejos inconfessáveis, verdades enviesadas...E uma vontade danada de não envelhecer jamais.Ela trançava pacientemente as linhas do seu tempo,bordava em ponto cruz suas dores matizadas, seu ais...Tecia ladainhas, rezava seu terço de contas plásticas,e pedia a Deus todos os dias, pra nos proteger do mal.Ela chorava cântaros e pitangas pela madrugada adentro,de manhã reclamava do vento que assanhava seus cabelos.Pegava a vassoura e varria as folhas que caiam pelo terreiro. Lavava a alma na pia da cozinha cantando baixinho e sozinha.Ensaboando, ensaboando sonhos que nunca seriam realizados.E assim, mais outro dia daquela vida que ela jamais escolhera...

Page 8: Besouros também voam

Baús de minha história e outras

bugigangas

� Ali estava minha história,guardada em baús antigoscarcomidos pelo tempo...Cartas velhas chorosas,retratos amarelados,revistas de variedades,broches, pulseiras, óculos, colares.Vestidos que dançaram em festas,blusas que namoraram na esquina,saias que arrastaram as barrasnas ruas de Itapetinga...Ali minha história pulsava,presa e solitária em baús de couro,esperando a sorte de ser resgatadae exposta em vitrines feito ouro.

Page 9: Besouros também voam

Sou imensa� Sou uma multidão em desalinho

ora exaltada, descontrolada, até...ora apática, beirando a inércia.Sou uma multidão solitáriaimprovável e complexa.cantando louvores numa igreja de subúrbio, exercitando sua fé.Sou uma multidão em onda num estádio,ou correndo a esmo, mesmo sem um touro,pelas vielas de Granada...Sou uma multidão sem nada.Nem esperança nem moradanem amanhã...Apenas uma multidão vorazdevorando as folhas de relvado jardim de whitman

Page 10: Besouros também voam

Caramujo online� Sou como uma sombra,

vagando pelos virtuais,virtuosos campos do senhor...Um amo bonito e complexo,povoa minha vida insólita,traça minha rota simplória,guia meu destino incerto.Meu desatino é grande,é visível.Vago em círculos caóticos,sem uma meta plausível.sem um farol,sem um norte.Vivo em stand by permanente,Numa inércia mórbida,meio dormente...Hibernando em pleno verão,esperando um plug mágico,que possa acender uma luz,nessa imensa escuridão.Ligo o computadorme conecto!Sou um caramujo deprecibernéticoonline!Cujo pecado e dor se divisamentre o quase real, o delírio,e um sono...

Page 11: Besouros também voam

Finque bandeira em meu chão� Te dou meu porto seguro

eu juro...Minha alma à derivameu barco à vela.Te dou minha janelapra você se debruçar.Minha cama, minha febremeu sexo, meu colo... Te dou tudo que eu possoaté o que não posso dar.Meu signo, meu lememinha sina, meu rumo meu eixo, eu deixovocê tomar posse.Te dou tudo, tudoque você quiser de mimtudo que você puder levar...Mas fica, e finque bandeiraem meu chão!

Page 12: Besouros também voam

Uma noite de fossa quando descobri

que o nosso amor já era...� Rasguei sua camisa amarela, aquela que eu mesma fiz, com três metros

de entardecer...Apaguei do meu PC seus vestígios todos. Fotos, músicas, poesias...Qualquer coisa que me faça lembrar o casal que fomos um dia.Tomei uns comprimidos pra dormir, pra esquecer que estou sofrendo,quase morrendo de tantas saudades e dor...Bebi quatro taças de vinho, depois derramei mais de mil lágrimas...(Manchando antigas cartas de amor.)Brindei sozinha à minha solidão... E procurei uma faca na cozinha,pra cortar laços, pulsos, nós... Fincá-la de vez no próprio coração.Apertei com tanta força minha mão vazia, como se a sua estivesse ali.Esmurrei a parede de azulejo do banheiro e te vi de relance no espelho,balançando sutilmente a cabeça, e talvez pensando em voz alta"Baby, o amor tem prazo de validade, e efeitos colaterais desastrosos"...Procurei outra garrafa de vinho!Querendo embebedar lembranças e mágoas...

Page 13: Besouros também voam

Repiende� Estou cansada de migalhas

de meia sola, de meia bocade meias palavras, de esmolas.Cansada de pão dormidochiclete mascado, café requentadocoração partido!Estou cansada de me fazer de bobade lhe fazer a cortede me fazer de forte.Não suporto mais essa meio morte!Ah! Esse desencanto de mim...Esse desencontro assim, assim.Estou afim de virar a páginade fazer um filmede viver uma mágica...E ser feliz no fim!

Page 14: Besouros também voam

Uma fada invisível caminhando por seu

jardim...

� Caminho por seu jardim perdido,catando flores, folhas, migalhas,ervas daninhas, paus e pedras.Invadindo seu espaço, remendando cacos...Fazendo meu ninho com as sobras do seu tempo.Caminho por seu jardim, displicentemente,ao acaso, ao sabor do vento.Semeando versos tímidos, desajeitados...Aguando com lágrimas plantas ressecadas,restaurando canteiros e vasos quebrados.Caminho por seu jardim tão levemente,como se por um momento fosse uma fada.Uma fada invisível, sem asa, sem nada...Fadada a indiferença e ao esquecimento!

Page 15: Besouros também voam

Adeus!

� Quando eu bati a porta do meu coraçãona sua cara,e disse que tava só dando um tempo...Te enganava.Meu relógio corre ágil e ligeirocompanheiro meu dardo é certeiro e solitáriomeu caro os caminhos que ouso percorrersão outros que não os seus...Adeus!

Page 16: Besouros também voam

Solidão� A solidão é um manto frio

que me cobre os ombros.Os escombros de uma casa velhaonde dantes morou um infeliz.É um mantra triste de um sadu loucoos versos roucos de um poeta indeciso.O decote preciso no peito da meretriz.A minha solidão... É o corte impreciso de uma faca cega.Uma cabra-cega tateando o muro.um sopro de vela ardendo no escuro. A solidão é minhaé companheira.Mora na cabeceira da minha camame seduz, me acaricia, me ama.A solidão me chama toda horaa noite inteira!

Page 17: Besouros também voam

O fosso e o nirvana� Enquanto eu caio na fossa

você atinge o nirvana.Eu me contorço em versosvocê se senta em flor de lótus.Eu faço votos, promessaspasso fome, esmolo...Me enrolo em solidãopeço perdão, me redimo.Tenho paixão e auto compaixãofebre, tristeza, tenho medo!Você sorri e toca violão.Você é quase um saniasivive no topo do Himalaia.Eu, talvez caia, mas me seguro.Ando perdida, por aí a esmo...Ando mesmo atirando no escuro.Minha flecha é cega, é incerta...Meu arco está todo quebrado.Mas minha porta está abertaesperando talvez o sol entrar.Você... você já tem o sol em si!

Page 18: Besouros também voam

Jardim insólito� A solidão me atrai, me seduz

me encanta, me amedronta, me vicia...A solidão me alicia e me mata aos poucos.Ela crava um espinho de cactos em mim.Depois sopra uma canção e me embalame enrola em sua névoa cinzenta cambraiae em meu coração infértil e loucoplanta uma semente murcha de jasmim. A solidão faz dele sua moradarega a semente murcha, todo santo dia.Nasce em mim uma flor estranha, solitária...Cujo aroma se assemelha a nostalgia.A solidão com ciúmes vai embora cedo.Eu fico aqui cuidando desse jardim insólitoregando com lágrimas flores estranhascom cheiro de tristeza, piedade e medo

Page 19: Besouros também voam

A menina que vivia aqui voou� A menina que morava aqui, em mim

saiu pra passear, nem voltou mais.Vestiu seu melhor vestidocalçou seu sapato novopassou batom borrado nos lábios.perfume de manga jasmim...Se foi assim, de uma hora pra outra.Nem se despediu, nem levou bagagem.Não deixou nada além de saudades.Lembranças, retratos, bugigangas...Não fez cobranças, não pagou contas.nem ficou me devendo nada,nada!Nada que um dia eu possa cobrá-la.A menina que morava em mimapenas se cansou de tudoMeu mundo estava pequenopra caber suas asas.

Page 20: Besouros também voam

Barganha� Te dou um doce por seus sonhos,

te dou um sonho por seus beijos,te dou amor por seus pensamentos,te dou momentos de prazer...Por um olhar de ternura.Te dou minha mão em sua angústia,por uma lágrima que seja pura.te dou um giga de memória por todos os seus brancos,te dou um sorriso francopor um simples riso amarelo.Te dou tudo que eu quero,e um coração pra você brincar.Te dou a lua, o sol, o mar...Por uma palavra qualquer,sussurrada em meus ouvidos.Te dou os dias que virão,e a lembrança dos dias idos...Te dou o que você pedirpor um segundo ao seu lado.De dou minha felicidadepor seu fardo, te dou meu fado, meu tango,meu samba, minha toada... por um esboço de versoe mais nada!

Page 21: Besouros também voam

Uma água que cai e escorre...� A chuva chora lá fora,

geme seu mantra frio,molha tudo em volta...eu, envolta em lençóis,chovo por dentro também.Canto meu mantra úmido,ávido, cético, púrpuro.Canto meu mantra bárbaro.A chuva chora, não para!Maltrata tetos de zinco,pétalas de rosas cálidas,a chuva não cala...Agora sussurra pálida,respinga lama, dejetos...Parece cansada, vencida.Respira, retorna, forte!canta seu mantra crescente.A chuva chora, grita, uiva.Sem controle, obsessiva!A chuva não cala, não pára!Escorre abundante, frenética.Eu, envolta em lençóis...Chovo baixinho, com medo.Choro uma chuva gelada.Gemo meu mantra, obsoleto.Eu e a chuva fria... Somos uma coisasó!

Page 22: Besouros também voam