bem de uso comum do povo, desvio de finalidade

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APELAÇÃO CÍVEL Nº 562.051.5/0-00 Apelante : O Ministério Público de São Paulo Apelados : A Municipalidade de São Paulo e o Clube Alto de Pinheiros Parecer da Procuradoria de Justiça de Interesses Difusos e Coletivos Egrégio Tribunal de Justiça Colenda Câmara Eminentes Desembargadores I- Resumo Introdutório a-Inicial 1

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Page 1: Bem de uso comum do povo, desvio de finalidade

APELAÇÃO CÍVEL Nº 562.051.5/0-00Apelante: O Ministério Público de São Paulo

Apelados: A Municipalidade de São Paulo e o Clube Alto de

Pinheiros

Parecer da Procuradoria de Justiça de Interesses Difusos e Coletivos

Egrégio Tribunal de Justiça

Colenda Câmara

Eminentes Desembargadores

I- Resumo Introdutório

a-Inicial

Trata-se de ação civil pública ajuizada pelo

Ministério Público de São Paulo, visando (a) a declaração de

nulidade da permissão de uso, precária, gratuita e por prazo indeterminado, feita pela Municipalidade de São

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Paulo, por meio dos Decretos Municipais nºs 7.979/69,

9.878/72, 10.726/73 e 11.613/74 (fls.52/55), e dos Termos de

Permissão de Uso lavrados em 14.12.1973 e 25.02.75

(fls.175/181), em favor do Clube Alto de Pinheiros, tendo

por objeto um terreno correspondente à 2.730m2, situado na

Praça Silveira Santos, bairro de Pinheiros, nesta Capital; (b) a cessação do uso de tal área pelo Clube Alto de Pinheiros,

sob pena de multa diária; e (c) a condenação do mesmo a

indenizar os danos urbanísticos causados a toda a

coletividade, bem como os danos causados ao patrimônio

público municipal, em montante a ser apurado em liquidação

de sentença, destinando-se o valor apurado ao Fundo

Estadual de Reparação de Interesses Difusos Lesados.

A ação foi ajuizada porque o terreno cedido

ao Clube Alto de Pinheiros pertence ao Município de São

Paulo, constituindo-se no espaço livre nº 04, com origem em

aprovação de loteamento, tratando-se de “bem de uso comum do povo”, e que, como tal, deve servir aos

interesses de toda a comunidade, e não apenas de um grupo

exclusivo de pessoas, sócios e convidados do citado clube.

Invoca o Autor, o disposto na Lei Orgânica

do Município de São Paulo, em seu art.110, § 2º, o disposto

nos artigos 4º, 17º e 22º, da lei nº 6.766/79, e ainda a

jurisprudência do E.STJ, para demonstrar a finalidade pública

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inafastável dos bens de uso comum do povo, dentre os quais

se encontram as praças públicas.

Invoca, ainda, o direito constitucional de

todos a ir e vir (art.5º, inciso XV, da CF) e,

consequentemente, de circular livremente pelos “bens de uso

comum do povo”, como ruas, praças, praias, etc.

A permissão de uso neste caso foi feita com

desvio de finalidade, e violando-se os princípios da

legalidade, moralidade e impessoalidade administrativas,

posto que se visou atender apenas, ao interesse exclusivo de

um clube particular, sem nenhuma finalidade pública, que

deve ser o fim visado por todo ato administrativo, conforme lei

orgânica municipal da época e conforme lei orgânica

municipal atual.

Mesmo em se tratando de imóvel de

expressivo conteúdo econômico, não foi prevista nenhuma

contraprestação ao Município, de forma que além de se privar

a população de uma área de lazer, causou-se lesão ao

patrimônio municipal, que em outros casos semelhantes vem

recebendo contraprestações mensais, violando-se, assim,

também, o princípio da razoabilidade.

Ainda que se admitisse que o bem em

questão pudesse ser usado por um particular, deveria a

permissão ter sido precedida de lei e licitação, por mais se

adequar ao instituto da concessão.

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Page 4: Bem de uso comum do povo, desvio de finalidade

b- R.sentença

Por meio da r.sentença de fls.649/653, no

entanto, o MM.Juiz de Direito da 6ª Vara da Fazenda Pública,

julgou improcedente a presente ação, por entender que a

permissão realizada, muito embora pudesse ser questionada

em face da legislação atual, tornou-se ato jurídico perfeito e

acabado durante a vigência de legislação anterior que a

permitia (CF de 1967 e Decreto-Lei Complementar estadual

09/69), tratando-se de ato praticado no exercício do poder

discricionário do administrador, tendo a permissão servido

para permitir a conservação da área e, ainda, atendido à

“finalidade pública”, pelo fomento do clube às atividades

esportivas e sociais.

c- Razões recursais do MP

Inconformado com tal r.sentença, recorre o Ministério Público de São Paulo, reiterando os termos da

inicial, e sustentando que não se pretende, por meio desta

ação, fazer ingerência no âmbito da discricionariedade

administrativa, mas apenas controlar a legalidade do ato

praticado sem motivação, e que não atendeu ao interesse

público da época nem atende ao interesse público atual.

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Page 5: Bem de uso comum do povo, desvio de finalidade

Sustenta que o prejuízo causado tanto à

população, como ao Município, se encontra devidamente

comprovado nos autos, uma vez que a coletividade vem

sendo privada de utilizar a área em questão, e o Município,

conforme laudo pericial realizado e que contou com a

concordância dos assistentes técnicos das partes, vem

deixando de recolher aos seus cofres o valor mensal de R$

12.064,96, uma vez que a permissão foi feita e está sendo

mantida a título gratuito.

Sustenta, ainda, que houve desvio de

finalidade e fraude, porque sob o manto da “permissão”

realizou-se ato que deveria ter sido feito sob a forma de

concessão, precedido de lei e concorrência, nos termos da lei

orgânica então em vigor, e nos termos da lei orgânica atual.

Assim se agiu, para atender a um exclusivo

interesse particular, em uma verdadeira ação entre amigos,

sem nenhuma finalidade pública, e violando-se o direito que

outros tinham de concorrer ao uso do bem, e o direito da

Administração, de poder optar por projetos que

apresentassem relevante interesse público.

d- Contra-Razões da Municipalidade

Contra-Razões da Municipalidade às

fls.693/701, alegando, preliminarmente, ilegitimidade do MP

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Page 6: Bem de uso comum do povo, desvio de finalidade

para ajuizar ação em favor de ente público municipal, bem

como para formular pedido de anulação de ato administrativo,

típico de ação popular, sustentando, ainda, que o valor de

eventual indenização deveria ser revertido ao Município, e

não ao Fundo de Reparação de Interesses Difusos lesados.

Sustenta, também, que o ato questionado

possui características de permissão, e não de concessão, por

ter autorizado o uso gratuito e precário do bem, sem

obrigações recíprocas, tendo sido feito com fundamento no

art.65 da lei Orgânica dos Municípios (D.L.Complementar nº

09/69), que à época se encontrava em vigor, e o permitiria.

O interesse público deveria ser analisado

tendo-se em vista às circunstâncias da época em que foi feito

o ato, competindo tão só à Administração, a competência

discricionária, para analisar a sua conveniência e

oportunidade. O interesse público buscado na época teria

sido o “fomento da prática de atividades esportivas”.

e- Contra-Razões do Clube Alto de Pinheiros

Contra-Razões do Clube Alto de Pinheiros às fls.702/709, sustentando que este E.Tribunal de

Justiça, ao julgar o agravo de instrumento interposto contra a

r.decisão liminar, já teria decidido que competiria somente à

Administração decidir sobre o destino de seus bens, e sobre

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Page 7: Bem de uso comum do povo, desvio de finalidade

a existência, ou não, de interesse público em cedê-lo ao

particular.

Alega, ainda, que a permissão realizada não

seria ilegal, permitindo ao Município o recebimento de IPTU,

e o liberando de despesas com a área, já estando a atual

Administração, no entanto, ultimando Decreto permitindo a

cobrança de aluguel pelo uso particular de áreas públicas,

por entidades sociais ou esportivas.

O ato realizado não se revestiria das

características da concessão, mas sim da permissão, tendo

tido por fundamento o D.L.Complementar nº 09/69, bem

como tendo visado atender ao interesse público da época.

É a síntese do necessário. Passo a opinar.

II- Preliminares das Contra-Razões da Municipalidade

a- Legitimidade do MP

É inquestionável a legitimidade do MP para a propositura desta ação.

Com efeito, por meio desta ação, conforme

foi explicitado na inicial, e decorre de seus termos e dos

pedidos de declaração de nulidade da permissão e de cessação do uso da praça pelo Clube Alto de Pinheiros,

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Page 8: Bem de uso comum do povo, desvio de finalidade

visou-se a defesa dos interesses difusos de todas as pessoas

indeterminadas, que poderiam fazer uso da integralidade da

Praça Silveira Santos, e que, desde 1969, estão impedidas

de fazê-lo, uma vez que parte dela, correspondente a uma

área a 2.730m2, foi cedida, pelo Município, ao Clube Alto de

Pinheiros, que a incorporou ao espaço interno de suas

dependências, passando a destiná-la ao uso exclusivo de

seus sócios e convidados, sem livre acesso da população em

geral.

Quanto ao pedido de indenização formulado na inicial, teve o mesmo, por fundamento, o efetivo

prejuízo sofrido não só pela população, que deixou de usar a

praça em sua integralidade, perdendo, com isso, em termos

de qualidade ambiental e urbanística de vida, como também

o prejuízo sofrido pelo Município, que deixou de receber,

desde 1969, aluguel pela permissão do uso do bem.

No entanto, conforme exposto na inicial, o

valor a ser apurado em liquidação deverá, por expressa

previsão legal, ser destinado ao Fundo de Reparação de

Interesses Difusos Lesados, para sua aplicação em prol da

“reconstituição do bem lesado” (art.13 da Lei nº 7.347/85).

Ou seja, visa-se permitir, com o valor da

indenização, a reconstrução da praça (reconstituição do bem

lesado), o que, certamente, beneficiará, mais uma vez, um

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Page 9: Bem de uso comum do povo, desvio de finalidade

número indeterminado de pessoas, atendendo, pois, ao

interesse difuso de toda a sociedade.

Ao não pleitear que o valor da indenização

fosse destinado ao Município, deixou claro o MP, que seu

objetivo não é propiciar a defesa dos cofres municipais,

visando, isto sim, que a utilização do dinheiro se faça para a

reconstituição do bem lesado, permitindo o retorno do uso da

praça por toda a população.

O art.129, III, da CF, confere ao MP,

expressamente, legitimidade para promover ação civil

pública, para a proteção de interesses difusos, no que é

secundado pelo disposto no art. 1º, inciso IV, c/c o art.5º,

“caput”, da Lei nº 7.347/85, que regulamenta a ação civil

pública.

A definição do que sejam interesses difusos

encontra-se no art. 81, § único, inciso I, do CDC, que se

aplica à lei da ação civil pública por força de seu art.21º,

encaixando-se exatamente à hipótese “sub judice”, posto que

segundo tal dispositivo legal, interesses ou direitos difusos,

“são os transindividuais, de natureza indivisível, de que sejam

titulares pessoas indeterminadas e ligadas por circunstâncias

de fato”.

Realmente, o que se visa aqui, é permitir o

retorno da área cedida à Praça Silveira Santos (bem de uso

comum do povo), reconstituindo-se esta última em sua

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Page 10: Bem de uso comum do povo, desvio de finalidade

integralidade, de forma que possa vir a ser utilizada por todos

(pessoas indeterminadas), sendo certo que a proteção de um

implica na proteção de todos os demais, tal como o prejuízo

de um implica no prejuízo de todos os demais (indivisibilidade

do interesse), encontrando-se tais pessoas ligadas por

circunstâncias de fato, como residência em um mesmo bairro,

em uma mesma Cidade, interesse no uso comum da praça

para recreação e laser, etc).

Não visou o MP, assim, ao contrário do

sustentado, a defesa específica do ente público municipal,

mas sim a defesa dos interesses difusos de toda a

sociedade, interesses estes que são, ademais, indisponíveis,

na medida em que não podem ser objeto de renúncia pelo

cidadão, e nem pelo órgão público legitimado à sua tutela

jurisdicional.

b- Possibilidade Jurídica do pedido de declaração de nulidade da permissão

Também não assiste razão à

Municipalidade, em sustentar que o pedido de anulação de

ato administrativo não poderia ser feito por meio da presente

ação civil pública.

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Page 11: Bem de uso comum do povo, desvio de finalidade

O fato de tal pedido poder ser feito nos

autos de outra ação, como a ação popular, não impede possa

também ser feito nos autos de ação civil pública.

Não só não há impedimento legal para tal,

como o art.83 do CDC, aplicável à lei da ação civil pública,

por força do art.21º desta última (Lei nº 7.347/85), prevê,

expressamente, que “para a defesa dos direitos e interesses

protegidos por este Código são admissíveis todas as

espécies de ações capazes de propiciar sua adequada e

efetiva tutela”.

Assim, como o pedido é elemento

fundamental caracterizador de uma ação, conclui-se que

pode ser formulado, em uma ação civil pública, todos os

pedidos capazes de propiciar a efetiva tutela dos interesses

ou direitos que se visa proteger, sendo certo que, neste caso,

o pedido de declaração de nulidade da permissão, se

constitui em pressuposto lógico antecedente necessário, do

pedido de cessação do uso da área pública pelo Clube Alto

de Pinheiros, bem como do pedido de seu retorno para o uso

popular, mediante a reconstituição da praça.

III- Mérito

Em primeiro lugar, deve-se afastar a

alegação do Clube Alto de Pinheiros, no sentido de que a

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Page 12: Bem de uso comum do povo, desvio de finalidade

matéria já teria sido julgada pelo v.acórdão prolatado nos

autos do agravo de instrumento, interposto em face da

r.decisão concessória da liminar (fls.534/538 do apenso).

Com efeito, tal v.acórdão decidiu apenas

sobre o cabimento, ou não, da liminar, tendo o único efeito de

substituir esta última r.decisão, na matéria por ela tratada

(art.512 do CPC).

Assim, o v.acórdão versou sobre matéria

que não faz coisa julgada material ou formal, posto que

passível de ser modificada a qualquer tempo, nos termos do

art.461, § 3º, do CPC.

Mesmo porque, vários foram os argumentos

das partes, não analisados, pelo v.acórdão supra referido.

Pois bem.

Passando-se agora a analisar o mérito desta ação propriamente dito, chega-se à inequívoca

conclusão, de que a r.sentença “a quo” não pode prevalecer,

merecendo integral reforma.

É incontroverso nos autos, que a área

questionada nesta ação, e que foi objeto de permissão de

uso pelo Município de São Paulo ao Clube Alto de Pinheiros,

se trata de “bem público de uso comum do povo”,

porquanto se consubstancia em parte de uma praça pública,

doada ao Município de São Paulo, por escritura pública

(fls.471/482), referindo-se à área livre nº 4, de loteamento

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Page 13: Bem de uso comum do povo, desvio de finalidade

devidamente registrado nos termos do Decreto-Lei nº 58/37

(vide laudo pericial de fls.440/548).

A natureza do bem, ou seja, o fato de se

constituir em praça pública, já indica, por si só, que se trata

de “bem de uso comum do povo”.

Mas, além de sua natureza, por expressa previsão legal, devem as praças públicas serem

consideradas “bens de uso comum do povo”.

Assim, de acordo com o art.66, I, do Código

Civil de 1916, vigente desde antes da edição, em 1969, do

primeiro Decreto Municipal, que permitiu o uso do bem em

questão ao Clube Alto de Pinheiros (Decreto nº 7.979/69-

fls.52), bem como de acordo com o Código Civil atual, art.99,

I, devem as praças públicas serem consideradas “bens públicos de uso comum do povo”.

A mesma conclusão se extrai do disposto no

art.1º, II, do D.L.58/37 (vigente à época da constituição do

loteamento), quando se refere a “espaços livres”, e do

disposto no art.17º da Lei nº 6.766/79, que se refere às

“praças como espaços livres de uso comum do povo”.

Trata-se de circunstância, ademais,

confessada pelo próprio Município de São Paulo, desde a

fase do Procedimento Preparatório (fls.50/51), não impugnada nas contestações dos Apelados (fls.310/324 e

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Page 14: Bem de uso comum do povo, desvio de finalidade

355/363), constante da escritura de doação (fls.476) e

reconhecida pelo laudo pericial (fls.440/465).

Assim, em se tratando de “bem público de

uso comum do povo”, jamais poderia ter sido permitido o seu

uso exclusivo a um particular (o clube é uma entidade

privada, destinada a prestar serviços apenas a um grupo

restrito de pessoas: sócios e convidados), sem garantir-se o

livre uso e trânsito pelo local, por qualquer do povo.

A parte da praça em questão, também é

incontroverso nos autos, teve o seu uso permitido ao Clube

Alto de Pinheiros, para utilização interna esportiva de seus

sócios e convidados, que é o que está até hoje ocorrendo,

sem possibilidade de acesso da população em geral

(fls.440/465 e 465/469).

A área está murada, tendo passado a

integrar as dependências internas do clube, onde se

construiu um campo de futebol, uma churrasqueira e um

parque infantil, além de uma caixa d”água, de uma câmara

frigorífica, de uma guarita e de um abrigo para o sistema de

gás (vide laudo pericial com fotos: fls.440/469), tudo,

evidentemente, visando ao benefício dos sócios e convidados

do referido Clube, e não de toda a população, que tem o

direito subjetivo de usar os “bens de uso comum do povo”.

Com efeito, o máximo que se poderia

admitir, em se tratando de “bem de uso comum do povo”,

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Page 15: Bem de uso comum do povo, desvio de finalidade

seria uma permissão de uso a um particular, que não

impedisse o livre trânsito da população em geral, e visasse

atender ao interesse da coletividade, como ocorre com a

permissão para uma banca de jornal, por exemplo.

Nesse sentido, ensina MARIA SYLVIA

ZANELLA DI PIETRO, que “os bens de uso comum do povo,

tais como as ruas e praças, destinam-se ao uso coletivo. O

uso privativo de uma parcela de rua ou praça para a

realização de comércio de qualquer tipo (venda de frutas,

roupas, jornais, etc) depende de consentimento do poder

público, manifestado por meio de autorização, permissão ou

concessão de uso. Em regra, em se tratando de bem de uso

comum do povo, a autorização e a permissão são as medidas

mais adequadas devido ao seu caráter precário. Com efeito, o uso privativo não corresponde à destinação destes bens; eles existem para servir ao uso igual por parte de toda a coletividade. Por isso mesmo, somente devem ser expedidas quando não prejudiquem a destinação principal, que é a livre circulação...” (grifo nosso).

Continua a eminente Doutrinadora,

asseverando que “Em princípio, incumbe ao Município, no exercício do poder de polícia, zelar para que não sejam outorgadas autorizações ou permissões contrárias ao interesse público.” ( “Poder de Policía em Matéria

Urbanística”, inserto em “Temas de Direito Urbanístico”,

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Page 16: Bem de uso comum do povo, desvio de finalidade

editado em 1999, pelo Ministério Público de São Paulo e pela

Imprensa Oficial, págs.34/35).

Da mesma forma, manifestando-se sobre os

“bens de uso comum do povo”, ensina o eminente Jurista

HELY LOPES MEIRELLES, que ” no uso comum do povo os

usuários são anônimos, indeterminados, e os bens utilizados

o são por todos os membros da coletividade – uti universi –

razão pela qual ninguém tem direito ao uso exclusivo ou a

privilégios na utilização do bem”.( in “Direito Administrativo

Brasileiro”, pág.432, 11ª edição, 1985).

O desvio de finalidade neste caso é,

portanto, manifesto, inquinando de nulidade absoluta o ato

administrativo realizado, pois a permissão foi concedida para

atender ao interesse particular de um grupo exclusivo de pessoas, e não para atender ao interesse de toda a coletividade, que é o fim que, obrigatoriamente, deveria ser

buscado pelo Agente Público, na administração dos “bens de

uso comum do povo”, como o são as praças públicas.

Este desvio de finalidade, resulta

inequívoco dos termos dos Decretos que autorizaram o ato

(fls.52/55), dos Termos da Permissão de Uso lavrados em

14.12.1973 e 25.02.75 (fls.175/181), e do contido no

processo administrativo da Prefeitura (fls.159/229), porquanto

neles está dito que a permissão do uso da área concedida ao

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Page 17: Bem de uso comum do povo, desvio de finalidade

Clube tinha por fim permitir à prática de esportes,

constituindo-se esta em condição para a sua manutenção.

Ora, é evidente que a prática de esportes

pelos sócios de um Clube particular, sustentado por suas

próprias mensalidades, que possuem, necessariamente,

capacidade econômica para tal, não se insere dentre as

preocupações legítimas do Poder Público, a quem compete

agir para o bem estar da população, provendo as

necessidades básicas dos munícipes, como a saúde, a

moradia, o emprego, a alimentação, a educação, etc.

Obviamente que, permitir a um exclusivo

grupo de pessoas - inclusive com poder aquisitivo para pagar

por suas próprias atividades esportivas - a prática de

esportes e atividades recreativas, não se constitui em causa

de “interesse público” passível de justificar a emissão de um

ato administrativo.

Quanto à alegada conservação da área pelo

Clube, obviamente que não há interesse público algum nisto,

já que, em estando a área fechada e murada, para uso

restrito dos sócios, tal conservação é capaz de trazer,

apenas, benefícios para estes últimos, e não para toda a

coletividade.

Também a alegação de que o Município

teria passado a receber imposto pelo uso do bem, não se

trata, evidentemente, de causa passível de justificar o

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Page 18: Bem de uso comum do povo, desvio de finalidade

interesse público do ato de permissão, porquanto o uso de

uma praça pública pela população em geral, com a melhora

de sua qualidade de vida, é o fim público que o Município

deve buscar, na administração de tal bem, não podendo

substituí-lo pela satisfação de interesses meramente

patrimoniais.

Aliás, interessante notar que, de 1990 à

1996, o Clube Alto de Pinheiros não só fez uso gratuito da

área de bem de uso comum do povo, como deixou de pagar

o IPTU (fls.191), vindo a pagá-lo depois, em longas 49

prestações (fls.207), apesar de se tratar de Clube que, pela

região nobre em que se encontra instalado (Alto de

Pinheiros), e pelo poder aquisitivo de seus sócios,

obviamente possuía condições de efetuar tal pagamento no

prazo, de forma mais benéfica para o Município.

A total ausência de finalidade pública para a

prática do ato em questão, e a total ilegalidade e imoralidade

de que se revestiu a permissão concedida, ficam bem

elucidadas, quando o Presidente do Clube Alto de Pinheiros

confessa, ao Jornal Folha de São Paulo, ao explicar como

conseguiu a permissão que “Eu era deputado estadual, sei como as coisas são. Era amigo do Faria Lima e falei com ele” (fls.185).

O atendimento a interesses meramente

pessoais, de favores entre amigos, fica ainda mais evidente,

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Page 19: Bem de uso comum do povo, desvio de finalidade

quando se verifica que a permissão se fez a título gratuito, e

assim é mantida até hoje, sem nenhuma contraprestação

pecuniária a favor do Município que, com isso, de acordo com

o laudo pericial realizado em setembro de 2002, vem

perdendo, por mês, R$ 12.064,96 (fls.462).

Considerando que se trata de uso de bem

público desde 1969, e que muito se valorizou com o passar

dos anos, pela região nobre da Cidade onde se acha

instalado, é forçoso concluir que foi enorme o prejuízo

financeiro sofrido pelo Município e , consequentemente, pelos

munícipes, que deixaram de ver tal dinheiro empregado no

atendimento de suas necessidades básicas.

Não se está aqui afirmando, que a cobrança de uma contraprestação pecuniária teria ou tornaria a permissão legal e legítima, pois ainda assim, em se tratando de bem público de uso comum do povo, jamais seu uso poderia ser concedido com exclusividade a um particular, sem atender ao interesse de toda a coletividade, permitindo o uso e livre trânsito desta.

Se está aqui apenas querendo demonstrar,

que a falta de cobrança de uma contraprestação do Clube,

só vem a ressaltar que o que se visou com a permissão, foi

tão somente agradar um amigo, e um seleto grupo de

pessoas, praticando-se, assim, um ato que repugna à moral

do homem médio comum.

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Page 20: Bem de uso comum do povo, desvio de finalidade

Importa lembrar agora, que o ato administrativo possui cinco elementos básicos

(competência, finalidade, forma, motivo e objeto), sendo que

a “finalidade” deve estar sempre presente e invariavelmente

permeada pelo “interesse público”, sob pena de nulidade do

ato.

Ou seja, quer se trate de atividade

administrativa vinculada, quer se trate de atividade

administrativa discricionária, a finalidade pública do ato é

elemento sempre vinculado, e que jamais pode deixar de

estar presente, sob pena de invalidade.

“Os fins da administração pública se

resumem num único objetivo: o bem comum da coletividade

administrada. Toda a atividade do administrador público deve

ser orientada para esse objetivo. Se dele o administrador se

afasta ou desvia , trai o mandato de que está investido,

porque a comunidade não instituiu a Administração senão

como meio de atingir o bem estar social. Ilícito e imoral será

todo ato administrativo que não for praticado no interesse da

coletividade” (HELY LOPES MEIRELLES, in “Direito

Administrativo Brasileiro”, pág.59, 11ª edição, Editora Revista

dos Tribunais).

Ensina ainda o Mestre que “O abuso de poder ocorre quando a autoridade , embora competente

para praticar o ato, ultrapassa os limites de suas atribuições

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Page 21: Bem de uso comum do povo, desvio de finalidade

ou se desvia das finalidades administrativas” (Autor e

obra citados, pág.72) (grifo nossso).

“Ato administrativo – vinculado ou

discricionário – há que ser praticado com observância formal

e ideológica da lei. Exato na forma e inexato no conteúdo,

nos motivos ou nos fins é sempre inválido. O discricionarismo da Administração não vai ao ponto de encobrir arbitrariedade, capricho, má fé, ou imoralidade administrativa”. (Autor e obra citados, pág.73) (grifo nossso).

“Elementos vinculados serão sempre a

competência, a finalidade e a forma, além de outros que a

norma legal indicar para a consecução do ato. Realmente, ninguém pode exercer poder administrativo sem

competência legal, ou desviado de seu objetivo público, ou

com preterição de requisitos ou do procedimento

estabelecido em lei, regulamento ou edital. Relegando qualquer desses elementos, além de outros que a norma exigir, o ato é nulo, e assim pode ser declarado pela própria Administração ou pelo Judiciário, porque a vinculação é matéria de legalidade” (Autor e obra citados,

pág.79) (grifo nosso).

E a finalidade pública sempre foi elemento vinculado do ato administrativo, passível, pois,

de controle judicial, desde antes da permissão do uso do bem

público tratado nestes autos.

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Page 22: Bem de uso comum do povo, desvio de finalidade

Veja-se, neste sentido, a posição do Egrégio

Superior Tribunal de Justiça, externada em v.acórdão

recentemente prolatado, nos autos de Mandado de

Segurança impetrado contra ato do Secretário de

Administração e Reforma do Estado de Pernambuco:

“RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE

SEGURANÇA - SINDICATO - LIBERDADE

SINDICAL - CONTRIBUIÇÃO VOLUNTÁRIA - ATO ADMINISTRATIVO DETERMINANDO A

SUSPENSÃO DOS DESCONTOS DE

CONTRIBUIÇÃO EM FOLHA DE PAGAMENTO -

DESVIO DE FINALIDADE - ATO ABUSIVO - CUNHO EMINENTEMENTE POLÍTICO - DIREITO LÍQUIDO E CERTO - INOBSERVÂNCIA DOS PRINCÍPIOS DA MORALIDADE, FINALIDADE E

LIBERDADE SINDICAL.

1. Ainda que a lei estadual dê ampla margem

discricionária à autoridade administrativa para retirar

a consignação em folha de pagamento da

contribuição voluntária devida pelos filiados do

Sindicato, impossível assim proceder por revidação

estritamente política.

2. Ocorre desvio de poder e, portanto, invalidade, quando o agente serve-se de um ato

22

Page 23: Bem de uso comum do povo, desvio de finalidade

para satisfazer finalidade alheia à natureza do ato utilizado.3. Nenhum ato é totalmente discricionário, pois será sempre vinculado, ao menos no que diz respeito, ao fim e à competência.4. Ato abusivo que vai de encontro ao princípio da

moralidade, impessoalidade e liberdade sindical,

vistos nos arts. 37 e 8º, inciso I, da Constituição

Federal, bem como art. 2º, item I, da Convenção 98

da OIT, ex vi do art. 5º, § 2º, da Constituição

Federal.

5. Direito líquido e certo configurado.Recurso ordinário conhecido e provido, para anular o ato coator.(RMS 17.081/PE, Rel. Ministro HUMBERTO

MARTINS, SEGUNDA TURMA, julgado em

27.02.2007, DJ 09.03.2007 p. 297)

Veja-se, no mesmo sentido, outro v.acórdão

do mesmo Egrégio STJ, afirmando o cabimento e a

necessidade de se exercer controle judicial de todos os atos

administrativos, sob o ponto de vista de sua finalidade:

“PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL.

ADMISSIBILIDADE. ADMINISTRATIVO. ARTIGOS

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18 E 23, DA LEI 9636/98. CESSÃO DE IMÓVEL.

DISCRICIONARIEDADE. LICITAÇÃO.

SUSPENSÃO.

1. O deferimento de pedido administrativo de cessão

de imóvel depende do juízo discricionário, nos

termos do artigo 18, da Lei 9636/98, efetuado por

meio de "escala de prioridades", instituída por

orientação interna.

2. É sabido que os atos discricionários autorizam certa margem de liberdade, porquanto a lei, ao regular a matéria, deixa um campo de apreciação ao administrador, insindicável pelo Poder Judiciário, porque interditada a intervenção no mérito do ato administrativo.3. Sobressai da doutrina de Celso Antônio Bandeira

de Mello acerca dos atos discricionários e seu

controle, in Curso de Direito Administrativo, Editora

Malheiros, 15ª Edição, páginas 395/396 - 836/837,

in verbis: "(...) Já se tem reiteradamente observado,

com inteira procedência, que não há ato propriamente discricionário, mas apenas discricionariedade por ocasião da prática de certos atos.

Isto porque nenhum ato é totalmente discricionário, dado que, conforme afirma a

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doutrina prevalente, será sempre vinculado com relação ao fim e à competência, pelo menos. Com efeito, a lei sempre indica, de modo objetivo,

quem é competente com relação à prática do ato - e

aí haveria inevitavelmente vinculação. Do mesmo modo, a finalidade do ato é sempre e obrigatoriamente um interesse público, donde afirmarem os doutrinadores que existe vinculação também com respeito a este aspecto. (...) Em suma: discricionariedade é liberdade dentro

da lei, nos limites da norma legal, e pode ser

definida como: 'A margem de liberdade conferida

pela lei ao administrador a fim de que este cumpra o

dever de integrar com sua vontade ou juízo a norma

jurídica, diante do caso concreto, segundo critérios

subjetivos próprios, a fim de dar satisfação aos

objetivos consagrados no sistema legal'. (...) Nada há de surpreendente , então, em que o controle judicial dos atos administrativos, ainda que praticados em nome de alguma discrição, se estenda necessária e insuperavelmente à investigação dos motivos, da finalidade e da causa do ato. Nenhum empeço existe a tal proceder, pois é meio - e, de resto fundamental - pelo qual se pode garantir o atendimento da lei,

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a afirmação do direito. (...) Assim como ao Judiciário compete fulminar todo o comportamento ilegítimo da Administração que apareça como frontal violação da ordem jurídica, compete-lhe, igualmente, fulminar qualquer comportamento administrativo que, a pretexto de exercer apreciação ou decisão discricionária, ultrapassar as fronteiras dela, isto é, desbordar dos limites de liberdade que lhe assistiam, violando, por tal modo, os ditames normativos que assinalam os confins da liberdade discricionária." 4. Precedentes desta Corte: RMS

18151/RJ Relator Ministro GILSON DIPP DJ

09.02.2005; REsp 239222/DF Relator Ministro

JOSÉ ARNALDO DA FONSECA DJ 29.10.2001.

5. Deveras, a possibilidade de participação em

procedimento licitatório, nos termos das informações

prestadas pela recorrida, à fl. 445, no sentido de que

a Gerência do Patrimônio da União do Paraná,

"aguarda a decisão final da lide para adotar

providências visando iniciar novo procedimento

licitatório, embora a segurança tenha sido denegada

no Tribunal a quo, " permite-se à recorrente

habilitar-se no certame, concorrendo em igualdade

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de condições com os demais interessados, a fim de

adjudicar o imóvel desejado.

6. Recurso Especial desprovido.

(REsp 617.444/PR, Rel. Ministro LUIZ FUX,

PRIMEIRA TURMA, julgado em 07.03.2006, DJ

20.03.2006 p. 196).

Por estas razões, não tem nenhum

cabimento a argumentação, de que a permissão objeto

destes autos seria ato jurídico perfeito e acabado, porque

teria sido realizado de acordo com a legislação vigente à

época de sua realização.

A permissão de uso objeto destes autos, desde o seu nascedouro, em 1969 (fls.52), até os dias atuais, nunca visou ou atendeu ao interesse público, tratando-se, pois, de ato nulo e que, não tendo sido até o momento anulado pela Administração, precisa ser assim declarado pelo Poder Judiciário.

Ou seja, se havia ou não fundamento legal

específico, permitindo a permissão do uso de um bem público

por um particular, à época de sua realização, se trata de

questão absolutamente irrelevante, porque mesmo existindo

tal previsão legal, o ato só poderia ser considerado válido e legítimo, se tivesse visado e atendido ao interesse público, o que, como se viu, não ocorreu neste caso.

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O art.65, § 3º, do D.L.Complementar nº

09/69 (Lei Orgânica dos Municípios do Estado de São Paulo)

realmente previa a possibilidade de “permissão” de uso de

bem público, por decreto e a título precário, tal qual continuou

prevendo a Lei Orgânica do Município de São Paulo, em seu

art.114, § 4º.

No entanto, o “caput” do art.65 do

D.L.Complementar 09/69, como não poderia deixar de ser, já

previa que “O uso de bens municipais por terceiros poderá

ser feito mediante concessão, permissão ou autorização,

conforme o caso, e o interesse público exigir”. Nesta época, estava em vigor a Constituição

Federal de 1967, que já previa, por sua vez, a possibilidade

do indivíduo se insurgir contra “ilegalidade ou abuso de

poder”, por meio do mandado de segurança (art.153, § 21º),

abuso de poder este que, conforme lição acima citada de

HELY LOPES MEIRELLES, poderia decorrer de desvio de

finalidade pública, hipótese exatamente verificada neste caso,

como demonstrado.

Na realidade, a validade do ato

administrativo sempre esteve condicionada à sua finalidade

pública.

Da mesma forma, a Lei Orgânica do

Município de São Paulo, editada em 04.04.1990, estipula, no

“caput” de seu art.114, que “O uso de bens municipais por

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terceiros poderá ser feito mediante concessão, permissão ou

autorização, conforme o caso, e o interesse público, devidamente justificado, o exigir”, o que está em

consonância com os princípios de legalidade,

impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência,

impostos ao Administrador Público, pelo art.37, “caput”, da

CF.

Portanto, não há como se considerar

perfeito e acabado um ato que, mesmo considerada a

legislação vigente à época de sua formação, era nulo de

pleno direito, por se tratar de ato administrativo praticado,

para atender laços de amizade e interesses políticos

pessoais, sem nenhum reflexo em favor da coletividade.

E em se tratando de um ato administrativo

de efeitos permanentes, a finalidade pública deve se fazer

presente não só no momento de sua formação, mas sempre,

para justificar a sua manutenção.

Tanto que o ato administrativo pode ser a

qualquer tempo revogado pela Administração, quando, tendo

apresentado interesse público inicial, tenha deixado de

oferecê-lo posteriormente.

Neste caso, o interesse público não existia

no início e continuou a inexistir depois, posto que, até hoje, o

bem cedido encontra-se murado, e servindo ao interesse

exclusivo dos sócios, inclusive não só para a prática

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esportiva, como, também, para abrigar caixa d”água,

churrasqueira, playground, guarita, câmara frigorífica e um

abrigo para o sistema de gás (fls.440/469).

Continua, assim, a se fazer favor pessoal e

a se conceder verdadeiro privilégio a particular, com o uso de

bem público, que deveria estar sendo destinado ao uso geral

da população, e à melhoria de sua qualidade de vida.

O que também surpreende, é o fato de o

Presidente do Clube (o mesmo que, enquanto deputado

federal, conseguiu o favor da permissão – fls.185), ter

afirmado que o Clube pretende incorporar o restante da

Praça Silveira Santos (fls.137/138), esquecendo-se que não

se está lidando com um bem particular qualquer, mas sim

com um bem público de uso comum do povo.

Ao contrário do afirmado, inclusive, e

segundo constatado em vistoria realizada pelo Sr.Perito

Judicial, o restante da Praça se encontra arborizada, e em

regular estado de conservação (fls.458, 468/469).

Mesmo porque, ainda que estivesse

totalmente abandonada, isto jamais poderia justificar ou

legitimar a sua incorporação ao Clube, competindo ao

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Município cuidar e prover da Praça, conferindo-lhe condições

para o uso e fruição da população em geral.

IV – Conclusão

Em suma, a permissão de uso feita pelo

Município em favor do Clube Alto de Pinheiros, deve ser

declarada nula neste caso, cessando as atividades do Clube no local, e voltando o bem a ser usufruído pela população em geral, posto que tal permissão, versando

sobre “bem público de uso comum do povo” (parte de Praça

pública), foi feita com desvio de finalidade, visando atender a

interesses particulares, e não ao interesse público da

coletividade, que teve inclusive impedido o seu direito de

acesso ao local.

Também deve ser o Clube Alto de Pinheiros

condenado a pagar os prejuízos que causou à população em

geral, e ao Município de São Paulo, desde a data da edição

do primeiro Decreto que permitiu tal uso (fls.52) - posto que

tomou posse do bem antes da celebração do Termo de

Permissão (fls.165vº) - até a sua devolução efetiva ao

Município, em valor a ser apurado em liquidação de sentença

O prejuízo causado à população, decorre do

fato de esta ter sido impedida de usufruir da Praça Silveira

Santos em toda a sua integralidade, por todos estes anos.

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O prejuízo causado ao Município e à

população em geral, decorre, ainda, do fato de a permissão

ter sido feita a título gratuito, quando poderia ter sido feita

pelo menos mediante contraprestação, empregando-se o

valor pago no atendimento de serviços públicos essenciais ( o

laudo pericial comprova o valor mensal que o Município

poderia estar recebendo a este título: fls.462).

Assim sendo, por todas as razões expostas,

aguarda esta Procuradoria de Justiça sejam repelidas todas

as preliminares alegadas em contra-razões, dando-se integral

provimento ao recurso do MP, de forma a que, reformando-se

a r.sentença recorrida, venha a ser julgada procedente a

ação, nos termos da inicial, por medida de Justiça !

São Paulo, 10 de maio de 2007.

DORA BUSSAB CASTELO

Promotora de Justiça designada em Segunda Instância

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