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Beira do Rio - Numa época de va- lorização das linguagens visuais, que importância ainda mantém o estudo da Expressão Verbal? Oswaldo Coimbra - Numa época de proliferação dos códigos audiovisuais, a linguagem verbal não só permanece como a mais adotada pelas pessoas, como ainda se mostra capaz de re- aparecer por meio das formas mais avançadas de veiculação de mensa- gens criadas pela tecnologia, como o cinema, a televisão, a internet. BDR - Como ela consegue isto, na sua opinião? Oswaldo Coimbra - A compreensão trazida pela Lingüística, campo dos estudos do código verbal, de que o signo, através do qual ocorre a mais freqüente forma de comunicação entre os seres humanos, aquela que emprega as palavras, é composto de uma imagem mental - o significado - associado convencionalmente a um conceito sonoro - o significante - abriu um campo imenso de convergência entre as diversas formas de linguagens e fez surgir a possibilidade de trans- ferência de uma mensagem criada num código para outro código. Hoje, ninguém se surpreende quando uma pessoa diz que vai fazer uma “leitura” ou uma “releitura” de uma obra cinematográfica ou televisiva, dando a entender que as mensa- gens recebidas por vias eletrônicas podem e devem ser “traduzidas” para a linguagem verbal escrita ou oral. BDR - Qual a impor- tância disto para quem é obrigado a escrever diariamente, como os jornalistas? Oswaldo Coimbra - Se para alguém que apenas tenha uma necessidade íntima de entender me- lhor a maneira como uma pessoa se comunica com seus semelhantes, a compreensão da lin- guagem verbal é essencial, para um profissional da comunicação, como o jornalista, essa espécie de código- mater deveria se constituir numa área de estudos demorados e permanentes. Portanto, não apenas é desconcer- tante, como até odiosa para quem tenha um maior compromisso com a formação intelectual dos alunos de Jornalismo a quase inexistência, atu- almente, de convívio interdisciplinar entre Jornalismo e Letras. BDR - Concretamente, como este afastamento das duas áreas, pre- judica os alunos de Jornalismo, segundo o senhor? Oswaldo Coimbra - O prejuízo mais grave causado na educação dos alunos pelo distanciamento existente entre uma área de produção de tex- to, como a de Jornalismo, na qual eles estão imersos, e aquela onde se realizam os mais profundos estudos sobre texto, a de Letras, corresponde à desvinculação da prática de escrever da pesquisa do processo de criação textual - um processo que envolve o desenvolvimento não só de habilidades em lidar com as palavras, como o da capacidade de captar, por meio da percepção, diferentes dados de uma determi- nada realidade e ainda a de relacioná-los, uns aos outros, através da reflexão. Os cursos de Redação Jornalística, em geral, são pouco eficientes exatamen- te porque seus minis- trantes compreendem a produção textual unicamente como do- mínio das receitas de confecção de texto criadas pela prática jor- nalística. Estes cursos, embora muitas vezes instalados fisicamente em locais muito próxi- Entrevista Raimundo Sena A importância da expressão verbal correta nas relações profissionais e a relação entre Jornalismo e Letras são assuntos que o jornalista e pesquisador, ex-professor do curso de Comunicação da UFPA, Oswaldo Coimbra, aborda nesta entrevista. Autor de seis livros de pesquisa jornalística e de uma obra sobre a produção de textos de reportagem, Oswaldo Coimbra trabalhou na Editora Abril e nos jornais “O Estado de São Paulo” e “Folha de São Paulo”. Como professor de Expressão Verbal, lecionou em cursos universitários de São Paulo, Paraná, Mato Grosso do Sul, Minas Gerais e do Pará. mos dos cursos de Letras, estão muito distanciados dos estudos mais profun- dos do complexo processo, através do qual um ser humano percebe algo, relaciona sua percepção com outros dados que tenha em sua mente e, por fim, verbaliza isto, criando seu texto oral ou escrito. BDR - Que conseqüências isto têm? Oswaldo Coimbra - As barreiras que separam as duas áreas: 1º) impedem, por exemplo, que os es- tudantes de Jornalismo, obrigados a enfrentar as dificuldades de se exprimirem com precisão e estilo nos seus textos escritos e em suas exposições orais, adquiram melhor entendimento do mecanismo, estu- dado pelos lingüistas, pelo qual eles criam seus próprios voca- bulários; 2º) negam a eles a possibilidade de desenvolver uma cons- ciência de diversidade lingüística, de modo que pudessem reapro- veitar, sem preconcei- tos, em suas matérias de perfis, o linguajar típico de um segmento social, por mais dis- tante que ele estivesse das chamadas normas cultas da linguagem, quando tal linguajar for caracterizador das características sócioe- conômicas e culturais de um indivíduo; 3º) dificultam a percep- ção da composição da linguagem jornalística, resultante da fusão de três tipos de linguagens - a analógica das fotos e ilustrações, a gráfica da diagramação e a verbal, por sua vez, composta tanto de regras da norma culta da linguagem como de elemen- tos da chamada linguagem informal; 4º) preserva nas escolas de Jorna- lismo a ilusão de que suas formas de construção de texto fogem das estruturas universais da comunicação verbal humana, isto é, a suposição de que “leads”, “pirâmides invertidas”, por exemplo, representam algo ex- clusivo seu, distinto dos moldes tra- dicionais de construção de discursos verbais criados pela História da Cul- tural Humana, através do qual uma pessoa, em qualquer latitude, em sua comunicação interpessoal, tenta con- tar uma história, defende um ponto de vista ou descreve algo. BDR - Poderia explicar melhor esta sua última observação? Oswaldo Coimbra - Como os alunos não aprendem os segredos da narratividade, desvendados pela Teoria da Narrativa, deixam de estu- dar conteúdos essenciais para quem deseje se tornar um bom contador de histórias, capaz de merecer a atenção de seus ouvintes e leitores. Como não se exercitam no uso do discurso argumentativo, ficam proibidos de compreender que os dados coletados para a elaboração de uma reportagem podem ser ordenados de um modo que, sem a perda do rigor e da honestidade intelectu- al, seu autor pode se li- bertar da obrigação de criar um texto opaco, descolorido, sem força, como o de um escrivão que apenas quer regis- trar algo, podendo fa- zer da oportunidade de confecção de seu texto, um momento próprio para assumir claramen- te uma posição com- bativa, socialmente útil e relevante diante de algum problema social, para o qual, a opinião pública precise ser alertada. Como não se aprofundam nas no- ções de descritividade, perdem a chance de encontrar um método eficaz de observação de uma pessoa sobre quem tenham, por exemplo, de escrever um texto de perfil e de transposição dela do mundo real para o universo do texto. Narrar uma história, sustentar um ponto de vista, descrever algo ou alguém são atos naturais e inevitáveis da comunicação verbal humana e estão permanentemente presentes em toda atividade jornalística. O jornalista é uma espécie de grande conversador, que faz uso, no seu trabalho, das mesmas possibilidades que a lin- guagem verbal oferece a qualquer de seus usuários. Oswaldo Coimbra: “A compreensão da linguagem verbal é essencial” Quem não se comunica corretamente se trumbica mesmo A linguagem verbal ainda permanece como a mídia mais adotada pelas pessoas 12 – BEIRA DO RIO – Universidade Federal do Pará – Abril, 2008 “Estudantes enfrentam dificuldades de se exprimirem com precisão” “As mensagens eletrônicas devem ser ‘traduzidas’ para a via oral” FOTOS MARI CHIBA Engenharia Naval da UFPA desenvolve barco ecológico Obras deixam Cidade Universitária mais bonita O projeto “Eco Barcos para a educação ambiental”, que está sendo desenvolvido pelo curso de Engenharia Naval, é a mais recente contribuição da Universidade Federal do Pará para o desenvolvimento sustentável da Amazônia. Pág. 8 O ano letivo inicia com muitas mudanças na Cidade Universitária Professor José da Silveira Netto, que já ganhou novas passarelas e calçadas e em breve terá novos prédios. Pág. 5 Meio Ambiente Crescimento Telemedicina Ciência e tradição em Jararaca Pág. 11 Pesquisa e extensão Memória preservada em casa Escavações encontram fragmentos de cultura material indígena anterior ao contato português, na Casa Rosada, um sobrado colonial com mais de 250 anos, que será transformado em sede de um centro cultural para preservação da memória da Cidade Velha. O sobrado, que pertenceu a Mateus José Simões de Carvalho - um capitão-engenheiro que participou, em 1795, de uma junta extraordinária de defesa do Grão-Pará contra uma possível invasão francesa -, finalmente será restaurado, graças a uma parceria público- privada, entre a Universidade Federal do Pará e a Companhia Alubar. Págs. 6 e 7 ISSN 1982-5994 JORNAL DA UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ • ANO V • N o 60 • ABRIL, 2008 Oswaldo Coimbra comenta a importância da expressão verbal correta nas relações profissionais e a relação entre Jornalismo e Letras. Pág. 12 A professora Célia Brito escreve sobre a necessidade do português culto. Pág. 2 Opinião Entrevista O reitor Alex Fiúza de Mello fala sobre reforma administrativa na UFPA. Pág. 2 Coluna do Reitor Mulheres excluídas da literatura Escritoras encontram barreiras para serem incluídas na literatura paraense, aponta pesquisa coordenada pela professora Eunice Ferreira. Pág. 3 Preconceito Professora Eunice Ferreira O novo auditório da Universidade terá capacidade para mil pessoas Construída na metade do século XVIII, a Casa Rosada foi residência do capitão-engenheiro Mateus José Simões de Carvalho MARI CHIBA MARI CHIBA MARI CHIBA MARI CHIBA Rede de medicina virtual no Pará Pág. 11

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Beira do Rio edição 60

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Page 1: Beira 60

Beira do Rio - Numa época de va-lorização das linguagens visuais, que importância ainda mantém o estudo da Expressão Verbal?Oswaldo Coimbra - Numa época de proliferação dos códigos audiovisuais, a linguagem verbal não só permanece como a mais adotada pelas pessoas, como ainda se mostra capaz de re-aparecer por meio das formas mais avançadas de veiculação de mensa-gens criadas pela tecnologia, como o cinema, a televisão, a internet.

BDR - Como ela consegue isto, na sua opinião?Oswaldo Coimbra - A compreensão trazida pela Lingüística, campo dos estudos do código verbal, de que o signo, através do qual ocorre a mais freqüente forma de comunicação entre os seres humanos, aquela que emprega as palavras, é composto de uma imagem mental - o significado - associado convencionalmente a um conceito sonoro - o significante - abriu um campo imenso de convergência entre as diversas formas de linguagens e fez surgir a possibilidade de trans-ferência de uma mensagem criada num código para outro código. Hoje, ninguém se surpreende quando uma pessoa diz que vai fazer uma “leitura” ou uma “releitura” de uma obra cinematográfica ou televisiva, dando a entender que as mensa-gens recebidas por vias eletrônicas podem e devem ser “traduzidas” para a linguagem verbal escrita ou oral.

BDR - Qual a impor-tância disto para quem é obrigado a escrever diariamente, como os jornalistas?Oswaldo Coimbra - Se para alguém que apenas tenha uma necessidade íntima de entender me-lhor a maneira como

uma pessoa se comunica com seus semelhantes, a compreensão da lin-guagem verbal é essencial, para um profissional da comunicação, como o jornalista, essa espécie de código-mater deveria se constituir numa área de estudos demorados e permanentes. Portanto, não apenas é desconcer-tante, como até odiosa para quem tenha um maior compromisso com a formação intelectual dos alunos de Jornalismo a quase inexistência, atu-almente, de convívio interdisciplinar entre Jornalismo e Letras.

BDR - Concretamente, como este afastamento das duas áreas, pre-judica os alunos de Jornalismo, segundo o senhor?Oswaldo Coimbra - O prejuízo mais grave causado na educação dos alunos pelo distanciamento existente entre uma área de produção de tex-to, como a de Jornalismo, na qual eles estão imersos, e aquela onde se realizam os mais profundos estudos sobre texto, a de Letras, corresponde à desvinculação da prática de escrever da pesquisa do processo de criação textual - um processo que envolve o

desenvolvimento não só de habilidades em lidar com as palavras, como o da capacidade de captar, por meio da percepção, diferentes dados de uma determi-nada realidade e ainda a de relacioná-los, uns aos outros, através da reflexão. Os cursos de Redação Jornalística, em geral, são pouco eficientes exatamen-te porque seus minis-trantes compreendem a produção textual unicamente como do-mínio das receitas de confecção de texto criadas pela prática jor-nalística. Estes cursos, embora muitas vezes instalados fisicamente em locais muito próxi-

Entrevista

Raimundo Sena

A importância da expressão verbal correta nas relações profissionais e a relação entre Jornalismo e Letras são assuntos que o jornalista e pesquisador, ex-professor do curso de Comunicação da UFPA, Oswaldo Coimbra, aborda nesta entrevista. Autor de seis livros de pesquisa jornalística e de uma obra sobre a produção de textos de reportagem, Oswaldo Coimbra trabalhou na Editora Abril e nos jornais “O Estado de São Paulo” e “Folha de São Paulo”. Como professor de Expressão Verbal, lecionou em cursos universitários de São Paulo, Paraná, Mato Grosso do Sul, Minas Gerais e do Pará.

mos dos cursos de Letras, estão muito distanciados dos estudos mais profun-dos do complexo processo, através do qual um ser humano percebe algo, relaciona sua percepção com outros dados que tenha em sua mente e, por fim, verbaliza isto, criando seu texto oral ou escrito.

BDR - Que conseqüências isto têm?Oswaldo Coimbra - As barreiras que separam as duas áreas: 1º) impedem, por exemplo, que os es-tudantes de Jornalismo, obrigados a enfrentar as dificuldades de se exprimirem com precisão e estilo nos seus textos escritos e em suas exposições orais, adquiram melhor entendimento do mecanismo, estu-dado pelos lingüistas, pelo qual eles criam seus próprios voca-bulários; 2º) negam a eles a possibilidade de desenvolver uma cons-ciência de diversidade lingüística, de modo que pudessem reapro-veitar, sem preconcei-tos, em suas matérias de perfis, o linguajar típico de um segmento social, por mais dis-tante que ele estivesse das chamadas normas cultas da linguagem, quando tal linguajar for caracterizador das características sócioe-conômicas e culturais de um indivíduo; 3º) dificultam a percep-ção da composição da linguagem jornalística, resultante da fusão de três tipos de linguagens - a analógica das fotos e ilustrações, a gráfica da diagramação e a verbal, por sua vez, composta tanto de regras da norma culta da linguagem como de elemen-tos da chamada linguagem informal; 4º) preserva nas escolas de Jorna-lismo a ilusão de que suas formas de construção de texto fogem das estruturas universais da comunicação verbal humana, isto é, a suposição de que “leads”, “pirâmides invertidas”, por exemplo, representam algo ex-clusivo seu, distinto dos moldes tra-dicionais de construção de discursos verbais criados pela História da Cul-

tural Humana, através do qual uma pessoa, em qualquer latitude, em sua comunicação interpessoal, tenta con-tar uma história, defende um ponto de vista ou descreve algo.

BDR - Poderia explicar melhor esta sua última observação?Oswaldo Coimbra - Como os alunos não aprendem os segredos da narratividade, desvendados pela Teoria da Narrativa, deixam de estu-dar conteúdos essenciais para quem deseje se tornar um bom contador de histórias, capaz de merecer a atenção de seus ouvintes e leitores. Como não se exercitam no uso do discurso argumentativo, ficam proibidos de compreender que os dados coletados para a elaboração de uma reportagem

podem ser ordenados de um modo que, sem a perda do rigor e da honestidade intelectu-al, seu autor pode se li-bertar da obrigação de criar um texto opaco, descolorido, sem força, como o de um escrivão que apenas quer regis-trar algo, podendo fa-zer da oportunidade de confecção de seu texto, um momento próprio para assumir claramen-te uma posição com-bativa, socialmente útil e relevante diante de algum problema social, para o qual, a opinião pública precise ser alertada. Como não se aprofundam nas no-ções de descritividade, perdem a chance de encontrar um método

eficaz de observação de uma pessoa sobre quem tenham, por exemplo, de escrever um texto de perfil e de transposição dela do mundo real para o universo do texto. Narrar uma história, sustentar um ponto de vista, descrever algo ou alguém são atos naturais e inevitáveis da comunicação verbal humana e estão permanentemente presentes em toda atividade jornalística. O jornalista é uma espécie de grande conversador, que faz uso, no seu trabalho, das mesmas possibilidades que a lin-guagem verbal oferece a qualquer de seus usuários.

Oswaldo Coimbra: “A compreensão da linguagem verbal é essencial”

Quem não se comunica corretamente se trumbica mesmoA linguagem verbal ainda permanece como a mídia mais adotada pelas pessoas

12 – BEIRA DO RIO – Universidade Federal do Pará – Abril, 2008

“Estudantes enfrentam

dificuldades de se exprimirem com precisão”

“As mensagens eletrônicas devem ser

‘traduzidas’ para a via oral”

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Engenharia Naval da UFPA desenvolve barco ecológico

Obras deixam Cidade Universitária mais bonita

O projeto “Eco Barcos para a educação ambiental”, que está sendo desenvolvido pelo curso de Engenharia Naval, é

a mais recente contribuição da Universidade Federal do Pará para o desenvolvimento sustentável da Amazônia. Pág. 8

O ano letivo inicia com muitas mudanças na Cidade Universitária Professor José da Silveira Netto,

que já ganhou novas passarelas e calçadas e em breve terá novos prédios. Pág. 5

Meio Ambiente

Crescimento Telemedicina

Ciência e tradição em Jararaca

Pág. 11

Pesquisa e extensão

Memória preservada em casaEscavações encontram fragmentos de cultura material indígena anterior ao contato português, na Casa Rosada, um sobrado colonial com mais de 250 anos, que será transformado em sede de um centro cultural para preservação da memória da Cidade Velha. O sobrado, que pertenceu a Mateus José Simões de Carvalho - um capitão-engenheiro que participou, em 1795, de uma junta extraordinária de defesa do Grão-Pará contra uma possível invasão francesa -, finalmente será restaurado, graças a uma parceria público-privada, entre a Universidade Federal do Pará e a Companhia Alubar. Págs. 6 e 7

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JORNAL DA UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ • ANO V • No 60 • ABRIL, 2008

Oswaldo Coimbra comenta a importância da expressão

verbal correta nas relações profissionais e a relação entre

Jornalismo e Letras.

Pág. 12

A professora Célia Brito escreve sobre a necessidade do português culto. Pág. 2

Opinião

Entrevista

O reitor Alex Fiúza de Mello fala sobre reforma administrativa na UFPA. Pág. 2

Coluna do Reitor

Mulheres excluídas da literaturaEscritoras encontram barreiras para serem incluídas na literatura paraense, aponta pesquisa coordenada pela professora Eunice Ferreira. Pág. 3

Preconceito

Professora Eunice Ferreira

O novo auditório da Universidade terá capacidade para mil pessoas

Construída na metade do século XVIII, a Casa Rosada foi residência do capitão-engenheiro Mateus José Simões de Carvalho

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Rede de medicina virtual no Pará

Pág. 11

Page 2: Beira 60

A Universidade Federal do Pará, apesar dos avanços e conquis-tas dos últimos tempos, ainda

carece de uma ampla e substantiva reforma administrativa. Mudanças que tenham por escopo uma radical transformação na forma de gestão, nos procedimentos administrativos, na metodologia de supervisão dos processos em curso, na avaliação de desempenho e na capacidade humana instalada em cada setor que proporcio-nem, no dia a dia, melhor planejamen-to e maior eficiência, transparência e domínio dos recursos à disposição.

O aumento da complexidade institucional, os dispositivos de con-trole externo, a geração contínua e atualizada de informações requeridas pelo sistema e inúmeros subsistemas aos quais a Universidade está vin-culada, a formulação de projetos e propostas em tempo real, enfim, todos esses inputs, que tensionam cotidia-

na e inexoravelmente a Instituição, exigem, com a máxima urgência, um novo modelo e uma nova mentalida-de de gestão.

A postergação ou o titubeio face esse imenso desafio ameaça, de forma letal, o futuro da Universidade. Um sistema seguro e eficiente de in-formações e práticas administrativas racionais e inteligentes constitui, hoje, condição sine qua non ao ple-no desenvolvimento das atividades acadêmicas, sempre mais dinâmicas e diversificadas. A falência dessas medidas resultará, inevitavelmente, em redução de orçamento, perda de recursos, incapacidade de concorrên-cia, penalidades jurídicas, insatisfa-ção comunitária crescente.

Alguns investimentos em in-fra-estrutura vêm sendo priorizados e mobilizados ao longo dos últimos anos tendo em vista a constituição de um arcabouço tecnológico com-

patível com as mudanças almejadas. Destacam-se, nesse sentido: a rede metrobel de fibra ótica; o convênio com a Eletronorte para utilização gratuita de sua rede de banda larga no interior do estado; a compra de novos servidores de suporte; a montagem de salas de vídeo-conferência em todos os campi e em alguns ambientes da Cidade Universitária, na capital; a compra de um sistema moderno de gerenciamento de dados (SIE); a renovação de computadores e perifé-ricos. Por outro lado, a recente criação de uma Pró-reitoria destinada exclu-sivamente a desenvolver uma política moderna e dinâmica de pessoal – a PROGEP – se apresenta, igualmente, como fator determinante de suporte e orientação à reforma administrativa, promovendo cursos permanentes de atualização de conhecimentos aos servidores da Instituição, além de li-derar, atualmente, um estudo rigoroso

e minucioso de redimensionamento de pessoal técnico-administrativo, de toda a Universidade, com o objetivo de levantar o número e a formação profissional das pessoas que traba-lham em cada setor, em vista de uma redefinição de sua lotação conforme as habilidades e competências reque-ridas por cada função e novos critérios de prioridades para os futuros concur-sos públicos.

O gerenciamento administrati-vo da UFPA necessita, com urgência, de políticas claras, objetivos precisos, metas de curto, médio e longo prazos, padrão avançado de organização, avaliação sistemática, enfim, um novo paradigma de gestão que insira a Instituição numa dinâmica mais comprometida com a qualidade do produto acadêmico e nela crie valores e práticas melhor sintonizados com as exigências e os desafios da presente contemporaneidade.

Desde que chegaram à escola orientações provindas dos estudos da Sociolingüística,

nos anos 60 últimos, de que as línguas apresentam variações e que sobre estas não se deve ter todo e qualquer preconceito, tem-se observado haver deturpações da parte de quem julga a norma padrão/culta não dever ser mais ensinada ou reconhecida com a devida importância que a socieda-de lhe confere, bem como de quem considera haver equivalência entre linguagem formal e escrita, e entre linguagem informal e oral (falada).

Ter-se ciência de que as línguas variam e de que, por isso, há mais de uma norma a ser reconhecida na comunidade lingüística representa um avanço extraordinário no campo das investigações da ciência da lin-guagem, no que tange à compreensão da maleabilidade, da flexibilidade, de seu objeto de estudo. Mas, por outro lado, no que se refere à conduta que o indivíduo tem de assumir diante do conhecimento dessa realidade, é preciso que esse saiba adequar sua expressão verbal às inúmeras ações de linguagem que realiza (informar, explicar, argumentar, divertir, relatar, narrar, divulgar, dialogar, explanar, persuadir, elogiar, contratar, prescre-ver e outras) no deu dia-a-dia, segun-do as conveniências interlocucionais.

Nesse sentido, não se pode descurar o primordial papel que a escola tem a cumprir como centro de orientação do cidadão-aprendiz.

Se o falante não deve, do ponto de vista científico, achar que há apenas uma forma de expressão lingüística, a padrão/culta, conforme por muito tempo assim se pensou; em contrapartida, seguindo uma im-posição ideológico-político-cultural da sociedade, não deve deixar de observar que, em grande parte, será bem sucedido em suas interlocuções se escolher adequadamente o tipo de registro por meio do qual efetivará as diferentes ações de comunicação em seu cotidiano.

Quanto ao que diz respeito ao ensino da língua portuguesa, em razão de há um bom tempo a escola ter conhecimento de que a variação lingüística é um fato a considerar, seria esperável que essa instituição já promovesse, nesse particular, práticas de linguagem satisfatórias às dife-rentes necessidades de comunicação do apendiz; mas o que se nota é que ainda, nesse contexto, há quem não tenha esse conhecimento ou, se o tem, admite-o equivocadamente, ao conceber que saber da existência da variação lingüística significa aceitá-la irrestritamente, sem atentar para as diferentes condições de produção

textual em que se processam as inter-locuções humanas.

Outro dado que chama atenção é que também há quem confunda norma padrão/culta com gramática e, em vista dessa compreensão er-rônea, ache que ensinar aquela é ser retrógrado, gramatiqueiro, tendo em vista pautar-se por uma metodologia que não condiz mais com as novas propostas de ensino de língua. Essa deturpação ocorre, talvez, pelo fato de a norma padrão/culta oficial a ser se-guida, em grande parte, corresponder, ainda, à expressão escrita de autores clássicos (portugueses, brasileiros e africanos), descrita nos compêndios de gramática, que foi ensinada (ou é ensinada?) simplesmente por um viés descritivo e prescritivo.

Orienta-se que o ensino de qualquer norma lingüística (padrão/culta ou não-padrão/não-culta) deve ser feito não por meio das duas perspectivas referidas acima (descri-tiva e prescritiva), que já deveriam, inclusive, ter passado de vez por um processo de reanálise na escola; mas, sim, pela linha de pensamento que preceitua que o falante, para desempenhar ações de linguagem de forma bem sucedida, precisa observar os efeitos de sentido positivos ou negativos que uma ou outra norma pode acarretar em suas interlocuções,

se usada, respectivamente, de modo devido, ou não.

Inobstante, portanto, o reco-nhecimento que o falante deve ter da existência da variação lingüística, há a necessidade também de este ter domínio da norma padrão/culta, como meio, até, de sobrevivência, dado que a vida cada vez mais o faz ver que, querendo, ou não, a essa forma de expressão tem de se submeter para não se arriscar a deixar de ter acesso a bens culturais, que lhe permitam desfrutar de maiores conhecimentos e refletir mais profundamente sobre fatos do mundo, bem como a ser ali-jado ou desprestigiado em seu meio social ou profissional.

Salienta-se que, no afã de se ensinar a norma padrão/culta, de nada adianta a escola apenas fazer o apren-diz saber identificar certas construções como pertencentes, ou não, a esse tipo de linguagem, à semelhança do que assim se observa em atividades propostas em livros didáticos, por exemplo. É preciso, sim, ser mais incisiva em suas investidas nesse sentido, promovendo práticas “labora-toriais” que possibilitem ao estudante exercitar o português padrão/culto na modalidade tanto escrita quanto oral, como forma de o promover à condição de falante mais proficiente em sua atuação lingüística na sociedade.

BEIRA DO RIO – Universidade Federal do Pará – Abril, 2008 – 11

Coluna do REITOR

OPINIÃO

Reforma administrativa na UFPA

O português padrão/culto: uma necessidade

Alex Fiúza de Mello

Célia Brito - Professora do Instituto de Letras e Comunicação

[email protected]

Rua Augusto Corrêa no 1 - Belém/[email protected] - www.ufpa.br

T 91 3201-7577

UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ

Reitor: Alex Bolonha Fiúza de Mello; Vice-reitora: Regina Fátima Feio Barroso; Pró-reitora de Administração: Simone Baía; Pró-reitor de Planejamento: Sinfrônio Brito Moraes; Pró-reitor de Ensino de Graduação: Licurgo Peixoto de Brito; Pró-reitora de Extensão: Ney Cristina Monteiro de Oliveira; Pró-reitor de Pesquisa e Pós-graduação: Roberto Dall´Agnol; Pró-reitora de Desenvolvimento e Gestão de Pessoal: Sibele Bitar Caetano; Prefeito do Campus: Luiz Otávio Mota Pereira. Assessoria de Comunicação Institucional JORNAL BEIRA DO RIO Coordenação: Luciana Miranda Costa; Edição: Raimundo Sena; Re-portagem: Ericka Pinto/Walter Pinto/Raimundo Sena/Ana Cristina Trindade; Fotografia: Mari Chiba/Manoel Neto; Produ-ção: João Luiz de Freitas; Texto: Shamara Fragoso/Hellen Pacheco/Augusto Rodrigues; Comunicação Institucional: Lorena Filgueiras/Alinic do Carmo/Tamiles Costa; Secretaria: Elvislley Chaves/Gleison Furtado; Beira on-line: Gerson Neto; Revi-são: Marcelo Brasil (Editora Ufpa)/Glaciane Serrão (Ascom); Arte e Diagramação: Omar Fonseca Impressão: Gráfica Ufpa.

Ciência e tradição se unem em JararacaPesquisa e extensão atuam juntas em projeto, em comunidade de Bragança

Interface

2 – BEIRA DO RIO – Universidade Federal do Pará – Abril, 2008

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UEs

Projetos que compõem a redeA partir de abril deste ano, terá início a fase de realização de oficinas na comunidade Jararaca, com a participação de todos os pesquisadores dos projetos que compõem a rede. Veja abaixo, a relação desses projetos:

Estudo da mobilidade, transporte e disponibilidade de metais encontrados nos solos, em relação a duas espécies de timbó e cipó de alho. coordenadora: Profa. Dra. regina celi sarkis muller.

caracterização química e avaliação sazonal de duas espécies de timbó e do cipó de alho como fontes de biodefensivos. coordenador: Prof. Dr. alberto cardoso arruda.

caracterização das atividades biodefensivas de substâncias químicas produzidos por plantas amazônicas, visando seu uso racional. coordenador: Prof. Dr. alberdan silva santos.

biodisponibilidade e avaliação química dos componentes voláteis do cipó de alho (mansoa alliacea). coordenador: Profa. Dra.Graça bichara Zoghbi.

implicações ecotoxicológicas de plantas amazônicas como fonte de biodefensivos. coordenador: Prof. Dr. José Luiz martins do Nascimento.

ciência e tradição: educação ambiental na comunidade Jararaca - bragança/Pa. coordenador: Prof. Dr. sérgio cardoso de moraes.

Walter Pinto

O crescente interesse dos con-sumidores por produtos de original natural, não-sintéti-

cos, está proporcionando o aumento significativo de pesquisas científicas com espécies da flora amazônica. Tra-dicionalmente utilizados na medicina popular, plantas como unha-de-gato, mambu-tutano, alfavacão e malvaris-ca, entre outras, estão conquistando status científico, por apresentarem potencial bioquímico comprovado por experiências laboratoriais.

Na UFPA, vários laboratórios de alta tecnologia estão desenvol-vendo experiências que partem dos saberes tradicionais da população. É o caso, por exemplo, do Laboratório de Biotransformações e Simulação Computacional de Biomoléculas, que anunciou a produção de um biocarra-paticida, de comprovada eficácia se-gundo testes in vitro, e do Laboratório de Neuroquímica Molecular e Celular, do Instituto de Ciências Biológicas, que estuda os possíveis efeitos do mururé e do camapú no tratamento de determinado tipo de câncer.

Há, inclusive, um projeto vol-tado à promoção da interface entre conhecimento tradicional e conheci-mento científico. Trata-se do projeto de pesquisa e extensão “Ciência e tradição: educação ambiental na co-munidade Jararaca, Bragança-Pará”, coordenado pelo professor Sérgio Car-doso de Moraes, doutor em Educação e diretor da Faculdade de Educação, do Campus de Bragança, município na região nordeste do Pará.

A pequena comunidade de Jararaca, distante 22 quilômetros da sede do município, é formada por cerca de 45 famílias. Quase toda a população, estimada em 250 habitan-tes, participa ativamente do projeto, que integra uma rede com mais cinco outros projetos (veja quadro nesta pá-gina). A rede está voltada à produção de biodefensivos a partir das plantas nativas timbó e cipó de alho.

O projeto de educação am-biental, financiado pelo CNPq (Con-selho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico), Edital nº 48/2005 (PPG7), foi concebido a partir da constatação do uso indevido de defensivos químicos contra pragas que infectam os animais no meio ru-ral. “A alta toxidade desses produtos causa poluição direta do ambiente, provocando a contaminação das terras e concorrendo para o desequilíbrio ecológico. Após discussão com pes-quisadores da UFPA, do Museu Goel-di e da Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisas Agropecuárias), surgiu a idéia da formação de uma rede de projetos voltados à produção de de-fensivos a partir de plantas nativas e de um projeto específico de educação ambiental para atuar junto à comu-nidade”, explica Sérgio Moraes. Um questionário socioambiental, aplicado a todos os moradores, possibilitou a formação de um cadastro com todas as informações sobre a comunidade Jararaca.

Pesquisa etnobotânica identifica espéciesCom objetivo de identificar o

uso das espécies vegetais na medici-na tradicional popular foi feita uma pesquisa etnobotânica, que resultou no encaminhamento de algumas es-pécies para análise nos laboratórios da UFPA e da Embrapa. Em outra frente de atuação, alunos dos cursos de Pedagogia e de Biologia realizam estudo de espécies, com objetivo de prestar orientação à comunidade sobre uso, manejo e conservação dos vegetais. Todos os meses, os resultados obtidos são levados ao conhecimento da população, escla-recendo-a, principalmente, sobre os efeitos químicos.

Além de facilitar o acesso de pesquisadores às plantas de uso tradicional na medicina popular, o projeto prepara a comunidade para a implantação das novas tecnologias geradas nos laboratórios. Após a constatação in vitro da eficácia dos novos defensivos, a nova tecnologia é, então, repassada aos pequenos produtores da comunidade. Atuando sempre na defesa e preservação do meio ambiente, o projeto promove

atividades educativas a partir de te-mas sugeridos pelos próprios mora-dores, entre os quais, reciclagem de lixo, queimadas, poluição de rios e tratamento de água. As atividades são desenvolvidas por meio de cartilhas, vídeos e oficinas. Um jornal sobre o trabalho desenvolvido constituiu-se num dos principais instrumentos de divulgação do projeto. Cada edição traz uma entrevista com uma família acerca das ações realizadas.

A equipe, coordenada por Sérgio Moraes, é formada pelas pro-fessoras Iracely Rodrigues da Silva, mestre, e Maria de Lima Gomes, especialista, por duas bolsistas do CNPq e por uma bolsista de inicia-ção científica. Alunos do curso de Pedagogia atuam como voluntários, dispondo de três grupos para realizar atividades curriculares independen-tes: Grupo de estudos da educação rural; Grupo de estudos de educação ambiental; Grupo de estudos de edu-cação de jovens e adultos. A inserção dos alunos no projeto tem culminado com a realização de vários TCCs enfocando o trabalho realizado.

Além da pesquisa, também são desenvolvidos projetos que envolvem toda a comunidade que trabalha em multirão

A educação ambiental inclui a reciclagem de materiais como o papel

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Lais Zumero

José Veríssimo, Raça, Cultura e Educação” é o produto de um Projeto de Pesquisa financiado

pelo CNPq, que procurou analisar os escritos de Veríssimo por meio do estudo sobre cultura e educação visando a compreender o preconceito e a discriminação étnica ainda tão fortemente presente e assim entender o sentido que possuem as políticas de inclusão no campo da educação pro-postas hoje pelo estado brasileiro.

No referido projeto foi pre-visto um colóquio cujo objetivo, além de socializar dados parciais do estudo a partir do foco temático da investigação: raça, preconceito, etnicidade, cultura e discriminação, procurou divulgar outros estudos que estavam sendo feitos, para tanto o colóquio contou com a participação de convidados que compuseram duas mesas-redondas: “O Contexto Histó-rico e Filosófico do Final do Século XIX e início do Século XX – Raça, Etnocentrismo e Educação” e a outra denominada “Educação Nacional e Cultura”.

As idéias expostas por esses palestrantes-debatedores encontram-se, portanto, presentes nos cinco capítulos do livro.

No 1º capítulo, “José Verís-simo: vida, obra e personalidade”, Sônia Maria da Silva Araújo traça uma biografia do autor a partir da voz do outro. Com base em resumos, biografias, documentos, discursos proferidos, textos e e-textos, a autora tenta (re)construir o jeito “Zeveríssi-mo” de ser e se depara com um sujeito altamente autocrítico, de caráter reto e íntegro, compromissado socialmen-te com o seu tempo histórico e que não mediu esforços para expor suas idéias. Na tentativa de não apresentar uma versão apaixonada do autor, que tão freqüentemente assolam os textos biográficos, Araújo traz à cena, como ela mesma diz, não só aqueles que amaram, admiraram José Veríssimo, mas também os que não nutriam tanta admiração por ele. Assim, tenta oferecer ao leitor uma compreensão menos parcial da vida e obra de José Veríssimo e contribuir muito mais para o entendimento do significado de sua obra para a história da cultura brasileira.

No 2º capítulo de Celso Antô-nio Coelho Vaz, em “O Pensamento Racial, o Romantismo e o Iluminismo e a Destruição do Senso Comum de Humanidade”, percebe-se resquícios do romantismo em Veríssimo e ao mesmo tempo confirma-se sua adesão

ao iluminismo especialmente quando investe na ciência, trazendo para o Brasil as matrizes que regeram as interpretações sociológicas e antro-pológicas sobre o homem em França, Alemanha e Inglaterra no final do século XIX.

O 3º capítulo, “Sob a luz do livre arbítrio: raça, mestiçagem e cri-minalidade” de Telmo Renato da Sil-va Araújo, amplia as reflexões sobre raça e preconceito ao trazer à cena o racismo científico do século XIX, que procurava traçar as etapas evolutivas da vida. Pela via das discussões sobre a Criminologia, ele apresenta para nós o pensamento de um médico legista contemporâneo de José Veríssimo, que fez parte da Academia Brasileira de Letras (ABL), e com o qual man-tinha diálogos constantes: Raimundo Nina Rodrigues, o médico legista que examinou o cérebro de Antonio Conselheiro porque acreditava que seus delírios coletivos eram mani-festações incontestes de sua herança racial degenerescente e um exem-plário do estágio atrasado em que se encontravam alguns grupos humanos nos sertões do Brasil. Portanto, os esclarecimentos que Silva Araújo traz sobre as Teorias que fundamentaram a Criminologia na Primeira República revelam uma intrincada relação com as interpretações que José Veríssimo faz dos mestiços da Amazônia e da educação nacional.

Sônia Maria da Silva Araújo e Carlos Alberto Trindade Prestes, no 4º capítulo “Raças Cruzadas e Educa-ção: uma proposta de nacionalização do mestiço na Amazônia”, analisam Contos Amazônicos de José Veríssi-mo, em que trata do comportamento do mestiço da região – o caboclo –, e destacam a moral degradada na qual dizia nosso autor estar este grupo hu-mano mergulhado. Para compreender melhor estes contos, os autores se valem também de um texto de José Veríssimo em que analisa criticamen-te as populações indígenas e mestiças da Amazônia. Com base nos contos e no texto analítico, tentam revelar os fundamentos subjacentes às dis-cussões empreendidas por Veríssimo em suas defesas por uma educação

10 – BEIRA DO RIO – Universidade Federal do Pará – Abril, 2008 BEIRA DO RIO – Universidade Federal do Pará – Abril, 2008 – 3

Escritoras excluídas da literatura paraenseObras femininas foram marginalizadas por causa dos “padrões estéticos”

Preconceito

Literatura feminina: discriminação

Eunice Ferreira: “Escritores sobrevivem à medida que as suas obras lidas”

“José Veríssimo, Raça, Cultura e Educação”, projeto financiado pelo CNPq

“José Veríssimo, Raça, Cultura e Educação”Estudo analisa obra do escritor por meio

do estudo sobre cultura e educação

Paixão de LER

PRÓXIMOS LANÇAMENTOS

n URGÊNCIAS EM ENDOCRINOLOGIA E METABOLISMO - Diagnós-tico, tratamento em criança, no adulto e na gestante - João felício.

n VELHICE CIDADÃ - Um Processo em construção - heliana bahia Evelin (org).

LIVRARIA DO CAMPUSRua Augusto Corrêa, nº1, Campus Universitário do GuamáTelefax (91) 3201-7965 - Fone (91) 3201-7911. Livraria da Praça: Instituto de Ciências da Arte da UFPA Praça da República s/n Fone (91) 3241-8369

Das três instituições de ensino superior pesquisadas, apenas uma apresenta estudos sobre escritoras paraenses na sua matriz curricular, especificamente sobre Eneida de Moraes, Lindanor Celina, Maria Lúcia Medeiros e Olga Savari. Nas duas outras instituições, a literatura paraense que consta no currículo se resume a Inglês de Sousa, Dalcídio Jurandir, Haroldo Maranhão e Age de Carvalho. A pesquisa revelou a preferência docente pela autoria masculina, o que pode ser observado nas escolhas de objetos de pesquisa e estudos independentes. Nessas instituições, os coordenadores de curso não interferem na seleção do conteúdo a ser trabalhado.

A ausência de estudos sobre as escritoras no ensino superior se reflete diretamente na educação básica: dos 800 alunos entrevistados, apenas 123

Quando descobri os livros, descobri

um outro jeito de viver. Personagens, situações, lugares ajudavam meu aprendizado do mundo. Ler para mim sempre foi uma salvação. Agora, escrever, acho que sempre escrevi. Lembro que muito menina eu me recolhia e escrevia, escrevia para mim

Maria Lúcia Medeiros (A escritura veloz, 1994)

Augusto Rodrigues

A produção literária de autoria feminina, ao longo da história social brasileira, em grande

parte, foi relegada pelo discurso da crítica essencialista a uma condição “marginal”, com a justificativa de não enquadramento aos padrões es-téticos e temáticos desejados. Textos tratados pela crítica como “registros de memórias”, refletiam o universo das mulheres, que por muito tempo foram excluídas da esfera pública e reservadas aos afazeres domésticos. No Pará, escritoras como Eneida de Moraes, Maria Lúcia Medeiros e Al-dacinda Camarão se defrontam com muitas barreiras para serem incluídas no cânone literário, ou seja, no con-junto de obras literárias estudadas no ambiente acadêmico, o que resulta na ausência dessa autoria nos espaços de formação de leitores, tanto nas univer-sidades quanto nas escolas.

“Escritores e escritoras sobre-vivem e se projetam à medida que as suas obras são estudadas e lidas. Se isso não acontecer, decreta-se a morte desse autor, dessa autora”, afirma a professora Eunice Ferreira dos San-tos, da faculdade de Letras da UFPA. Eunice Ferreira coordenou a pesquisa “Escritoras Paraenses em Prosa e Verso: os protocolos de inserção da autoria feminina no cânone escolar de Belém”.

O objetivo da pesquisa, realiza-da entre 2005 e 2007, foi discutir os paradigmas da inclusão ou exclusão das escritoras no cânone literário local. Numa espécie de pirâmide, foram entrevistados professores de três instituições de ensino superior de Belém, depois professores do Ensino Médio e gestores de divisões de ensi-no e finalmente, na base, estudantes de 5ª a 8ª série e Ensino Médio - que são os “receptores finais do acúmulo intelectual docente egresso das aca-demias universitárias”, como define a professora Eunice Ferreira.

Segundo Eunice Ferreira, a crítica literária contribuiu para a exclusão da literatura feminina do cânone escolar. A professora explica que, durante muito tempo, no Brasil, os gêneros considerados como lite-rários eram o romance, o conto e a novela. Os homens, que vivenciavam o espaço público, tinham um universo muito maior para a construção de uma narrativa. Sendo assim, os homens produziam os gêneros “nobres”, ao passo que as mulheres, reduzidas à esfera privada, escreviam sobre suas memórias: “O que era transposto para obra era o universo de cada uma. Se o lugar das mulheres era o espaço

privado, então esse era o universo feminino. Elas traduziam esse espaço por meio de diários, de crônicas, de outras formas que não eram conside-radas como literárias”.

Carlos Drummond de Andrade e Rubem Braga também escreveram sobre suas memórias, as quais a crítica considerou como literárias (“Itabira é apenas uma fotografia na parede. Mas como dói!”, Drummond). No entanto, a professora não aceita o termo pre-conceito no caso das memórias das escritoras: “Eu não falaria em precon-ceito. A crítica é sexista e parte desse discurso essencialsita que valoriza a autoria masculina”.

fotos mari chiba

n Duas universidades sem autoras no currículotiveram acesso à obra das escritoras paraenses. “Se o cânone universitário exclui a autoria feminina a tendência é o professor egresso dessas institui-ções também excluir e, conseqüente-mente, os alunos da educação básica também excluem. É uma cadeia de exclusão – lamenta a professora. É preciso haver a conscientização dos professores para que os alunos da educação básica tenham o contato com as autoras paraenses”.

A pesquisa resultou no levan-tamento do acervo de 80 escritoras, entre livros e periódicos: “Essas mulheres estão no anonimato dos arquivos, das bibliotecas. Não é que não exista material, ele precisa ser descoberto, ser movimentado, para que vejam o que essas mulheres es-creveram, a contribuição que essas mulheres deram para a história do Pará”, encerra Eunice Ferreira.

As rugas de minha testa apareceram

cedo. Depois li que elas são o prêmio concedido, a partir dos dezoito anos, às pessoas que costumam se preocupar com problemas seus e do mundo

Eneida de Moraes

nacional. Em meio às análises em-preendidas, Araújo e Prestes vão re-velando as contradições nos discursos de Veríssimo.

No último capítulo, “José Veríssimo e a Educação Nacional”, Maria do Perpétuo Socorro Gomes de Souza Avelino França aborda um dos temas preferidos do autor: a educação. Para ele a educação era o único meio capaz de superar o atraso cultural em que se encontrava o país àquela época. Sob a perspectiva da Educação, França nos mostra as crí-ticas de Veríssimo aos representantes do novo regime e como pensava que a educação seria capaz de regenerar o povo pelo cultivo do amor à Pátria.

Este livro é, pois, um dos fru-tos do projeto financiado pelo CNPq que nos traz parte do pensamento de Veríssimo, um dos grandes escritores e crítico literário, nascido em terras paraenses.

Antônio Joaquim Severino as-segura que “Os estudos que retomam suas propostas e discussões significam não apenas o avanço investigativo documental do passado, mas princi-palmente o resgate e dinamização do processo inacabado da constituição identitária da nação ”Este mérito possui o livro que se “torna mais uma valiosa fonte para a abordagem analítica e crítica da obra desse impor-tante pensador brasileiro, com lugar definitivo na história da nossa cultura. É mais um subsídio para o aprofunda-mento da pesquisa e do estudo sobre o pensamento nacional, tarefa ainda inconclusa entre nós.”

José Veríssimo Dias de Matos, paraense de Óbidos, (1857 – 1916) intelectual brasileiro, que faz parte do grupo de pensadores nacionais que, do Norte ao Sul, nos estertores da monarquia e nos inícios da vida republicana, se engajaram num labor teórico, político e ideológico, movidos pelos ventos europeus que sopra-vam na direção da modernização do país, num misto de positi-vismo, nacionalismo, maçonaria e republicanismo, e que deram relevante contribuição ao proces-so de tomada de consciência da nacionalidade brasileira, elemento imprescindível para a construção de nossa identidade.

Crítico e historiador lite-rário, jornalista, com incursões nos campos da Sociologia, da Antropologia, da Etnografia e da Economia, é-nos apresentado agora como um educador. Verís-simo foi sobretudo um intelectual cônscio de suas responsabilidades em analisar a realidade humana de seu país, o homem da Amazônia, buscando resgatar suas origens históricas para encontrar aí refe-rências para o entendimento da sociedade brasileira.

n Pensador dos estertores damonarquia

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O Encontro Paraense de Te-lessaúde foi realizado nos dias 6 e 7 de março, no Centro de Capacitação (Capacit), na Cidade Universitária Prof. José da Silveira Netto, em Belém, e teve como objetivo a troca de experiências sobre a utilização de tecnologias em informação e comu-nicação para a área de saúde e ensino a distância.

“Este foi um evento muito im-portante para todo o Estado do Pará, porque há necessidade realmente de nós fazermos não só a inclusão social, mas dar uma melhor qualidade de vida para as pessoas. Quando capaci-tamos os profissionais do interior do Estado estamos reduzindo a demanda de fluxo para capital e isso vai refle-tir na qualidade do atendimento nos hospitais”, ressaltou a vice-reitora, Regina Feio.

Entre as experiências apresenta-das durante o encontro está a dos pro-fissionais do Centro de Informações Toxicológicas (CIT), que funciona no Hospital João de Barros Barreto, por meio da Universidade Federal do Pará em parceria com a Secretaria Munici-pal de Saúde. O CIT atende e orienta 24 horas, via telefone, as vítimas de acidentes com substâncias tóxicas e com animais peçonhentos.

Outro trabalho apresentado em telessaúde, foi o da Secretaria de Saú-de do Estado (Sespa), que já capacitou 355 profissionais do interior por meio do projeto Saúde a Distância. Assim como o Estado do Pará - que possui regiões longínquas e de difícil acesso, utilizando embarcações como meio de transporte -, o Amazonas também apresenta essas características e a partir da RUTE vem ultrapassando essa barreira e chegando ao interior do Estado.

A área de abrangência do grupo de socioeconomia se estende do Amapá ao Maranhão. Cristina Maneschy vai concentrar seus estu-dos especificamente na Reserva Ex-trativista Marinha de Soure, criada pelo governo federal em novembro de 2001, abrangendo uma área de aproximadamente 27.463,58 hecta-res. Ao seu lado, estará a pesquisa-dora Edma Moreira, que estudou, no doutorado, a história da implantação da Reserva Extrativista Verde para Sempre, no município de Porto de Moz, a maior do Brasil, com cerca de 1.209.717 hectares.

O objetivo do estudo das pesquisadoras é verificar qual o grau de vunerabilidade da população que habita a Resex, ou que depende dos recursos hídricos daquela área, em face da hipótese de acidente no transporte de derivados de petróleo. Munidas de um questionário elabo-rado pelo grupo de socioeconomia, as pesquisadoras fizeram a primeira viagem de campo, a título de teste, para aplicar os instrumentos de cole-ta de dado, um roteiro para entrevista domiciliar e outro, para entrevista com entidades organizadas.

“Na pesquisa preliminar, le-vantamos um pouco da história das

entidades organizadas e os vínculos estabelecidos entre elas. Sobre os moradores, tanto os residentes no interior da reserva, como os da ci-dade de Soure considerados usuários da reserva, procuramos entender, a partir da visão deles, se estão, de fato, organizados em associações ou grupos comunitários”, relata Cristina Maneschy. “Investigamos quais os grupos ou entidades a quem recorrer em caso, por exemplo, de perigo. Quais as pessoas consideram mais

importantes para resolver os seus problemas de natureza diversa. São questões que facilitam entender o ní-vel de enraizamento das entidades na comunidade. Precisamos entender se, de fato, existe esse enraizamento ou se são organizações meramente artificiais, no sentido de existirem apenas para pleitear algum tipo de crédito”.

Em relação à sazonalidade, as pesquisadoras buscaram identi-ficaram as atividades que garantem

o sustento das famílias: a pesca e captura de camarão, a extração do caranguejo e a produção de carvão. Mas, ao contrário do que esperavam, o maior número de trabalhadores não é formado por pescadores, mas sim por catadores de caranguejos. Ainda em relação a esses trabalha-dores, os que residem na cidade de Soure se deslocam em embarcações motorizadas, enquanto os da reserva utilizam canoas.

Um dado que chamou a aten-ção foi a existência de poucas jovens nas comunidades locais. “Há menos mulheres que homens na faixa de 16 a 20 anos. Temos que aprofundar mais nossas pesquisas para saber se isso significa, efetivamente, uma tendência ou apenas expressa a es-tratégia da família de mandar parte dos filhos para fora, em busca de melhores oportunidades”, informa Cristina Maneschy.

Criada em 2001, a Reserva Extrativista Marinha de Soure ainda é uma experiência muito nova. Nas entrevistas, as pesquisadoras perce-beram, por exemplo, que há desin-formação e possível descompasso entre as novas regras e as formas tradicionais utilizadas para prover a subsistência das comunidades.

4 – BEIRA DO RIO – Universidade Federal do Pará – Abril, 2008

Pará inaugura rede de medicina virtualRede Universitária de Telemedicina já está em funcionamento no Estado

Telemedicina

O que fazer depois do impacto ambiental?Dados socioeconômicos ajudam a medir vulnerabilidades no Marajó

BEIRA DO RIO – Universidade Federal do Pará – Abril, 2008 – 9

Prevenção

O Encontro de Telessaúde reuniu representantes dos campi, das secretarias de saúde e os dois hospitais universitários

Regina Feio - qualidade de vida

José Roberto da Cruz, coordenador da Rede de Telemedicina no Pará

Ericka Pinto

O Pará será o próximo Estado a implantar o projeto Rede Universitária de Teleme-

dicina (RUTE) do Ministério da Saúde, por meio dos Hospitais Uni-versitários João de Barros Barreto e Bettina Ferro de Souza, da Univer-sidade Federal do Pará (UFPA). O anúncio foi feito pelo coordenador da Rede no Estado, José Roberto da Cruz, durante o “Encontro Paraense de Telessaúde: Instrumento de Edu-cação Permanente e Assistência em Saúde”, que reuniu representantes dos campi, das secretarias munici-pais de saúde e dos dois hospitais universitários.

O evento teve como con-vidado o representante da Rede Nacional de Pesquisa (RNP/MS), Luiz Ary Messina, que abordou em sua conferência, a política do Programa Nacional de Telessaúde e o projeto RUTE. Esses projetos visam à capacitação profissional na área de atenção básica à saúde e a implantação de alta tecnologia de informação e comunicação, que vão possibilitar aos hospitais universi-tários, retransmitirem a distância cursos, palestras, cirurgias, diag-nóstico, entre outros serviços.

Atualmente, nove Estados já implantaram a Rede, atingindo 900 municípios brasileiros. Esses investimentos feitos na área de Telemedicina e Telessaúde são dos Ministérios da Saúde, Educação e Ciência e Tecnologia. Dezenove hospitais universitários já receberam os equipamentos do projeto RUTE, sendo que 12 já estão operando com a transmissão de videoconferências nacionais e internacionais. Até o final do ano, a previsão é que 40 hospitais estejam integrados on-line na Rede Nacional de Ensino e Pesquisa, que coordena a Rede Universitária de Telemedicina.

No Pará, a primeira trans-missão por meio da Rede será feita pelo Hospital Barros Barreto, com data marcada para o dia 29 de março. “Nossa equipe irá ministrar o primeiro curso de capacitação a distância em urgência e emergên-cia, destinado aos profissionais de Enfermagem, e o que é melhor, devemos atingir os nove campi da UFPA”, comemora José Roberto da Cruz.

Para a vice-reitora da UFPA, Regina Feio, essa implantação imediata da Rede através dos hos-pitais universitários é resultado do investimento que a instituição fez em tecnologia da informação e comunicação, criando em todos os campi os Telecentros, nos quais estão instalados equipamentos de videoconferência. “Os investimen-tos que virão por meio do projeto RUTE serão utilizados em outros equipamentos, como nos centros cirúrgicos, onde poderão ser ins-talados equipamentos de câmera para a transmissão de cirurgias”, destacou.

n Homem Virtual ajuda no ensino

Segundo o professor da Uni-versidade Federal do Amazonas, Pedro Elias, três municípios já estão em atividade através da Rede RUTE e, até o final do ano, pretende-se al-cançar 42 municípios. “Por enquan-to, nós estamos trabalhando com a especialidade em dermatologia, mas já existe trabalho inclusive de pre-venção em DST/Aids voltado para comunidades indígenas. Também pretendemos implantar um trabalho na área de Telepsiquiatria, o que mostra como a Telemedicina pode ser abrangente”, diz.

Na área de ensino, o profes-sor da Universidade de São Paulo (USP), Chao Lung Wen, apresen-tou o projeto Homem Virtual, uma moderna ferramenta de ensino criada a partir de computação grá-fica tridimensional que reproduz imagens de moléculas, células, órgãos, músculos, ossos, tecidos e demais componentes do organismo humano. Também são visualiza-dos os processos biomoleculares, fisiológicos e fisiopatológicos, além da ação dos medicamentos e das técnicas de procedimentos cirúrgicos.

Os vídeos que compõem o Homem Virtual são produzidos em módulos pela Faculdade de Medi-cina da USP e podem ser disponibi-lizados para outras universidades, a partir de uma solicitação junto ao Ministério da Saúde. Cada módulo corresponde a uma temática, como por exemplo, A Anatomia do Olho, Fisiopatologia do Diabetes, Fisio-patologia da Hanseníase, Estrutura dos Dentes, Vírus da Hepatite C, Aparelho Auditivo, entre outros, somando mais de 90 temas já pro-duzidos. Mais de 30 instituições de ensino superior no Brasil já utilizam este recurso para o ensino de graduação e pós-graduação na área da saúde.

n Encontro Paraense de Telessaúde

Walter Pinto

Levantamento realizado pelo portal Ambientebrasil sobre acidentes envolvendo vaza-

mento de petróleo e derivados no Brasil, não deixa dúvida quanto aos riscos potenciais que a atividade de exploração e transporte de petróleo pode representar ao homem e ao meio ambiente. De 1975 a 2002, ocorreram 51 acidentes, alguns deles fazendo de-zenas de mortes e deixando milhares de desabrigados, como em Vila Socó, Cubatão, Estado de São Paulo, onde um duto da Petrobras explodiu, em fevereiro de 1984.

A maioria dos acidentes, no entanto, ocorre no mar, com grande prejuízo ao ambiente marinho. “O petróleo é considerado o principal poluente do ambiente marinho. O óleo espalha-se pela superfície e forma uma camada compacta que demora anos para ser absorvida. Isso impede a oxigenação da água, mata a fauna e a flora marinhas e altera o ecossis-tema”, informa o portal. Esse tipo de desastre também afeta o homem, principalmente os pescadores, que tiram das águas o sustento para suas famílias. Em muitos casos, o processo de indenização esbarra na falta de conhecimento sobre a quantificação e o modo de vida das famílias preju-dicadas pelo vazamento de óleo.

Preocupada, a Petrobras está investindo em pesquisas científicas na área de preservação do meio ambiente e avaliação do impacto

n Reserva Extrativista Marinha de Soure será protegida

n Trabalho pioneiro na região Norte

Encerrada a etapa de contato preliminar com as comunidades da reserva, as pesquisadoras preparam-se para a etapa seguinte: a execu-ção, de modo efetivo, da pesquisa que levantará dados qualitativos e quantitativos das reais condições de vida local e, ao mesmo tempo, o envolvimento delas nas organi-zações com vistas ao intercâmbio de conhecimento. Para Cristina Maneschy, “o estudo tem essa ver-tente prática de sempre promover o contato com as comunidades, se possível, com envolvimento de estudantes locais nos levantamentos porque isso também contribui para mudar a própria realidade que está sendo estudada”.

A amplitude da ação do Pia-tam por toda a área costeira da re-gião Norte reveste-se de um caráter pioneiro. A pesquisadora acredita que nunca houve um estudo feito na região com essa amplitude. “Trata-se de uma área de interesse para as ciências humanas, principalmente considerando a questão do aque-cimento global, com possibilidade das zonas costeiras estarem sujeitas a problemas meteorológicos e cli-máticos. Ou, os riscos provocados pela ação humana, na hipótese de um acidente com petroleiros”, afirma.

fotos ProJEto Piatam mar

ambiental de suas atividades. Um dos objetivos é a formação de um grande banco de dados sobre comunidades potencialmente vulneráreis em zonas costeiras, na Amazônia, onde a estatal produz petróleo e gás, desde 1988, na província petrolífera de Urucu. As pesquisas na região costeira estão a cargo do Projeto Potenciais Impactos Ambientais do Transporte de Petróleo e Derivados na Zona Costeira Ama-zônica, o Piatam mar.

Recentemente, a professora Maria Cristina Maneschy, da Facul-dade de Sociologia da UFPA, doutora em Ciências Sociais, passou a inte-grar a equipe de sócioeconomia do Piatam. Há 20 anos, ela vem desen-

volvendo pesquisas em comunidades pesqueiras, principalmente, sobre o papel desempenhado por mulheres na atividade de pesca. Na UFPA, ela coordena, juntamente com o professor Jean Hébette, o Grupo de Pesquisa Produção Familiar Rural na Amazô-nia Oriental.

Em relação ao Piatam, Cris-tina Maneschy ressalta o enfoque sobre uma grande questão a partir de múltiplas óticas da ciência, desde a química dos plânctons (comunidades de pequenos animais e vegetais que vivem em suspensão em águas doces, salobras e marinhas) às populações humanas que utilizam o ambiente ma-rinho como forma de sobrevivência.

Pesquisa identifica vulnerabilidade da Reserva Extrativista Marinha de Soure

A Petrobrás antecipa informações sobre ribeirinhos de Soure para casos de acidente

fotos Ericka PiNto

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8 – BEIRA DO RIO – Universidade Federal do Pará – Abril, 2008

Meio ambiente

BEIRA DO RIO – Universidade Federal do Pará – Abril, 2008 – 5

Engenharia Naval desenvolve barco ecológico Obras modernizam Cidade UniversitáriaBarcos serão feitos de lixo e vão atuar na despoluição de rios da Amazônia Novos prédios, passarelas, calçadas e paisagismo mudam a cara da UFPA

Crescimento

EM DIAPrograma destina R$ 44 milhões para a UFPA, dos quais R$ 18 milhões são para a infra-estrutura física e urbanização dos campi do interior. São obras que irão atender à ampliação no número de vagas e de cursos, além de salas de aula, la-boratórios de pesquisa, bibliotecas, auditórios e setor administrativo. Dos nove campi, quatro já iniciaram a elaboração de projetos, que corres-ponde à primeira etapa do programa

PibidProfessores e coordenadores dos campi e dire-tores dos institutos da UFPA participaram de uma oficina, no dia 14 de março, no auditório da Reitoria, para a construção do projeto institu-cional da Universidade que concorrerá ao Pibid (Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência), do Ministério da Educação (MEC). “Esse programa é um dos símbolos de mudança no país em relação ao ensino. Pela primeira vez

na história surge do MEC um edital de financia-mento com bolsas para incentivo à docência, o que era comum apenas para pesquisa e extensão”, comemorou o Pró-reitor de Ensino e Graduação, Licurgo Brito.

QuestionárioO preenchimento do Questionário Socioeconômi-co passou a ser obrigatório a partir da publicação da portaria 0330, de 30/01/2008. O estudante que não preencher o questionário não poderá receber bolsas de estudos ou qualquer tipo de apoio ou assistência. Até agora só 800, dos 34 mil alunos matriculados na Universidade, preencheram o questionário que tem o objetivo de traçar o perfil sócio-econômico dos estudantes para a definição de políticas de assistência estudantil. De 14 a 18 de abril a Pró-Reitoria de Extensão vai promover um mutirão no auditório do Setorial Básico para dar mais uma chance aos estudantes.

IfesO reitor da UFPA, Alex Fiúza de Mello participou, no dia 13 de março, do encontro de dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (IFES) com o presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, no Palácio do Planalto, em Brasília. O encontro reuniu os 58 dirigentes das IFES que apresentaram propostas como o apoio do governo à assistência estudantil, a constituição de uma rede de rádios e TVs universitárias e o programa de expansão da pós-graduação, valorizando também a inovação tecnológica.

ReuniNo mesmo dia, os dirigentes participaram da so-lenidade de assinatura dos Acordos de Metas do Programa de Apoio ao Plano de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais (Reuni). O

Hellen Pacheco

O projeto “Eco Barcos para a educação ambiental”, que está sendo desenvolvido pelo curso

de Engenharia Naval, é a mais recente contribuição da Universidade Federal do Pará para o desenvolvimento sustentável da Amazônia – região que é a detentora da maior fonte de riquezas naturais e bio-diversidade do planeta, cuja preservação tem sido freqüentemente pautada pelos meios de comunicação em associação com o discurso do desenvolvimento sustentável.

O projeto visa a construção de barcos ecológicos que atuarão em ati-vidades de proteção do meio ambiente. Os Eco Barcos serão utilizados para a retirada de resíduos sólidos depositados nos leitos e no fundo dos rios da Amazô-nia. Serão construídas seis embarcações diferentes com os mais diversos materiais recicláveis. O material utilizado para sua construção é proveniente da reciclagem de garrafas pets, latinhas de cerveja, to-ner de impressoras e plásticos em geral. A proposta inicial é que a atuação do projeto seja nas áreas próximas à UFPA. Por exemplo, nas ilhas do Maracujá e do Cumbú.

Segundo o professor Cláudio Blanco, engenheiro mecânico, a inser-ção do projeto no contexto amazônico é estratégica. Está relacionada à discussão sobre a questão ambiental da região, sua preservação. A maneira como a população amazônida trata os rios, dos quais retiram sua sobrevivência. “Os resíduos sólidos chegam aos nossos rios, porque a popula-ção não possui nenhuma orientação quan-to à conseqüência que o depósito desses dejetos ocasiona. É tudo uma questão de consciência ambiental. Logo, o Eco Barco pode ser uma solução”, afirma o pesquisador.

Segundo ele, o Eco Barco, além de ser rentável, em função de seu custo barato de construção, poderá gerar renda para a comunidade local que também participará do empreendimento. “O mais importante consiste, sem dúvida, na criação de uma consciência ambiental em todos os envolvi-dos no projeto, proporcionando uma melhor utilização dos recursos da natureza por aqueles que retiram seu sustento diretamen-te dela, os ribeirinhos. Resumindo, proteger o meio ambiente, gera empreendimento, melhora a qualidade de vida das pessoas, gera desenvolvimento socioeconômico e científico também”, conclui.

Estão envolvidas no projeto além da Faculdade de Engenharia Naval (Fenasa), a Faculdade de Enge-nharia Mecânica (FEM) e a Faculdade de Engenha-ria Sanitária e Ambiental (Faesa). Integram a equipe de pesquisadores: 14 pro-fessores, entre doutores, mestres e pós-graduandos, e 16 bolsistas de Iniciação Científica. “É necessário res-saltar o aspecto de participação da população interna da UFPA. Os bolsistas de mestrado, doutora-do e de iniciação científica podem ser multiplicadores”, afirma Blanco sobre a participação dos estudantes.

n Aterro da orla já está em estudos

O programa de obras no cam-pus de Belém ainda envolve projetos sanitários e de ampliação e melhoria do abastecimento de água, ambos em fase de elaboração com investimentos previstos em torno de R$ 5 milhões e 800 mil. O projeto de contenção, aterro e urbanização da orla da universidade (com cerca de dois quilômetros de ex-tensão) também está sendo elaborado pela Prefeitura do Campus em parceria com vários Institutos. Os estudos e medições para a recuperação da orla devem estar prontos até outubro.

A Prefeitura estuda ainda uma legislação específica, de natureza ur-banística, que vai compor o Plano de Desenvolvimento Urbano, com o ob-jetivo de regulamentar os espaços na Universidade, com a revitalização da área edificada e paisagismo. A elabo-ração do Plano terá a participação da comunidade universitária. “Nós vamos promover várias audiências públicas para discutir e elaborar o documento que deverá ser encaminhado ao Conselho Administrativo”, afirma o prefeito da Cidade Universiária. Também está em planejamento o Código de Postura para a Cidade Universitária e para os nove campi no interior, que vai estabelecer normas referentes ao controle ambiental, execução de obras e serviços, atividades comerciais, realização de eventos, lim-peza urbana e segurança.

Ericka Pinto

Os estudantes e professores ini-ciam o ano letivo com muitas mudanças na UFPA. A come-

çar pelo nome do Campus do Guamá que mudou para Cidade Universitária Professor José da Silveira Netto. Mas as maiores mudanças estão aconte-cendo mesmo na estrutura física da Universidade. Algumas já são visíveis como as passarelas, calçadas, estacio-namentos, salas e todo o paisagismo que está sendo implantado ao longo da Cidade Universitária.

As estudantes Denise Corrêa, 20, e Juliana Fortes, 21, do 4º ano de Arquitetura, destacam a orla do cam-pus, entre as reformas iniciadas. “Por ser uma área tão bonita é importante esse trabalho de recuperação”, diz Denise. “O calçamento com faixas para cegos também vai trazer bene-fícios para as pessoas com esse tipo de necessidade para locomoção”, enfatiza Juliana. Já o calouro do cur-so de Biblioteconomia, Erik André Pires, 26, acredita que a mudança na Cidade Universitária não basta ser na estrutura física. “A comuni-dade acadêmica tem que fazer a sua parte e preservar esse espaço que ela usufrui”, afirma. Para o professor An-tônio Jorge Gomes, da Faculdade de Computação, a Universidade passou por um momento de atraso e agora está recuperando o tempo perdido. “Recuperar esse patrimônio é dar con-dições essenciais para professores, alunos e técnicos de exercerem seu trabalho com qualidade”, diz.

Segundo o prefeito do campus, Luiz Otávio Mota Pereira, grandes obras ainda estão por vir, entre elas, o novo auditório, com capacidade para mil lugares, que está sendo construído ao lado da Reitoria. Os investimen-tos são de R$ 5 milhões e 600 mil, com previsão para ser inaugurado em janeiro de 2009. Outra obra em andamento, é o Instituto de Ciências Jurídicas, previsto para ser concluído em julho deste ano.

A área de engenharia tecno-lógica também vai ganhar empreen-dimentos de grande porte, como a construção do Centro de Tecnologia para o Desenvolvimento Sustentá-vel, vinculado ao ITEC (Instituto de Tecnologia), que terá a primeira etapa concluída ainda este ano, e do Parque de Ciência e Tecnologia do Guamá. Este empreendimento foi firmado por meio de convênio,

no qual, a universidade vai ceder a área para a construção do Parque, com recursos do Governo do Estado num total de R$ 44 milhões.

O Parque terá uma exten-são territorial de 72 hectares (ha), sendo 25 ha de edificações para o desenvolvimento de biotecnologia e energia. Estas obras devem iniciar ainda este ano, com previsão para funcionamento em 2010.

n Parque de Ciência e Tecnologia

Obras como novo auditório (detalhe) e as passarelas mudam a UFPA

fotos mari chiba

De acordo com a coorde-nadora do Projeto, Carmem Gil-da Tavares, a construção de Eco Barcos é pioneira no Estado. E o mais importante é que os barcos ecológicos constituem o primeiro projeto executado pelo curso de Engenharia Naval desde sua cria-ção, em 2005. “A elaboração do Eco Barco funcionará da seguinte forma: são desenvolvidos equipamentos para reciclagem a partir dos quais são preparados produtos, pisos, convés, partes que irão compor a embarcação. O Sub Laboratório de Engenharia Mecânica, denominado Eco Compostos, é o responsável pela execução do projeto”, afirma Tavares.

A proposta de construção de barcos ecológicos é pioneira no Estado, mas não no país. Em Esta-dos como o Rio de Janeiro, o lixo encontrado na Baía de Guanabara e na Lagoa Rodrigo de Freitas era coletado por um barco que utilizava

uma pá submersa para retirar os re-síduos. O mesmo acontece na cida-de de Recife (PE), que usa em fase experimental, a embarcação trazida do Rio de Janeiro para remover dejetos encontrados na superfície e margens do Rio Capibaribe.

Segundo Blanco, o Eco Bar-co foi um projeto criado a partir de uma proposta enviada ao CNPq (Conselho Nacional de Desenvol-vimento Científico e Tecnológico), em função da abertura de um edital denominado aquaviário, que dis-ponibilizava recursos financeiros para este tipo de projeto. Ou seja, onde se pudessem projetar barcos, adaptados para a região amazônica. E a UFPA, ao unir a tecnologia da Engenharia Naval e da Engenharia Mecânica com a responsabilidade socioambiental da Engenharia Sanitária e Ambiental, resultou no desenvolvimento de barcos ecológicos.

Os materiais coletados são

provenientes de doações feitas pe-los bolsistas que atuam no projeto, pela comunidade local em parceria com a cooperativa do campus, além da população externa que também colabora. “Nós recebemos tanto material das redondezas do campus como de qualquer lugar externo. Daí a importância de divulgar o trabalho que estamos realizando dentro da UFPA e que é benéfico para a população de forma geral”, afirma Andrews Confortin, bolsis-ta do projeto. O Sub Laboratório de Eco Compostos de Engenharia Mecânica é o responsável pelo con-trole, análise e processamento da coleta. São realizados estudos das propriedades dos materiais, a fim de que se definam quais são os mais adequados para serem utilizados em determinadas circunstâncias. Por exemplo, qual material é proveito-so para usar no casco, no convés, na construção de maneira geral do Eco Barco.

O projeto resultará em um curso sobre a construção de barcos ecológicos e qual sua importância para a manutenção dos rios da região. Ele será ofertado este mês e será direcionado aos técnicos do

Cefet (Centro Federal Tecnológico), Escola Técnica Estadual e Estaleiros.

A parte técnica do curso vai ser com-posta por apostilas que serão forneci-das, aulas práticas e teóricas.

O professor de Engenharia Me-cânica, Luciano Seabra Moreira, minis-trará aulas relacionadas à fabricação do

propulsor (hélice) em condições regio-nais. A proposta consiste em melhorar as condições técnicas e materiais, por meio do repasse de conhecimentos sobre o sistema de fabricação, a fim de se adequarem à realidade de algumas localidades. A maioria dos alunos que participará do curso é proveniente de localidades do interior do Estado. “Re-ciclagem é o eixo principal do projeto. Ele tem um impacto social e, poderá ter também, um impacto econômico, com a geração de renda a partir do banco e propulsor”, afirma o professor.

n Curso de construção de Eco Barcos

n Tecnologia e responsabilidade socioambiental

A reciclagem do material é feita no Sub Laboratório de Engenharia Mecânica de Eco Compostos da UFPA

fotos mari chiba

O material reciclado será usado na construção

dos Eco Barcos

Page 6: Beira 60

Todas as atividades do traba-lho em desenvolvimento na Casa Rosada estão inseridas no contexto do curso de especialização em Interpretação, Conservação e Re-vitalização do Patrimônio Artístico de Antônio Landi. Trinta e oito alu-nos participam do curso que será concluído em agosto de 2008. Até lá, eles acompanharão o trabalho realizado, transformando, assim, a Casa Rosada em canteiro-escola.

Três alunos do curso de-finiram o prédio como objeto de estudos: uma historiadora pesquisa a sua história ao longo dos 250 anos de existência, um arquiteto realiza uma proposta de restauro e uma geóloga dedica-se ao estudo das “rochas artificiais” que compõem as paredes de pedra e argamassa. Amostras das paredes do prédio foram levadas pela estudante para análise na Universidade de Bar-celona, onde a aluna está fazendo estágio.

Segundo Flávio Nassar, a idéia é incorporar as técnicas da Geologia no estudo das construções antigas do sítio histórico de Belém. Essa contribuição pode ser muito importante como apoio científico, sobretudo, no que diz respeito a datações, nem sempre precisas, ge-ralmente baseadas em documentos, fotografias e informações orais ou impressas. “O apoio científico da Geologia contribuirá para maior precisão em relação à quantificação, procedência e datação de materiais utilizados nas estruturas das casas”,

acredita o coordenador do Fórum Landi.

Os trabalhos acadêmicos dos estudantes da especialização, assim

como as escavações arqueológicas, ajudarão a reconstruir a longa per-manência de mais de 250 anos de história da Casa Rosada.

6 – BEIRA DO RIO – Universidade Federal do Pará – Abril, 2008 BEIRA DO RIO – Universidade Federal do Pará – Abril, 2008 – 7

Preservação

O sobrado colonial, na rua Siqueira Mendes com Félix Rocque, na Cidade Velha, tem mais de 250 anos

Escavações na Casa Rosada encontram fragmentos de cultura material indígenaParceria público-privada, entre a UFPA e a Companhia Alubar, vai restaurar sobrado que será um centro cultural para preservação da memória da Cidade Velha

n Arqueologia comprova riqueza do sítio

Walter Pinto

O sobrado colonial nº 61 da rua Siqueira Mendes, esquina com Félix Rocque, na Cidade Velha,

guarda uma permanência de mais de 250 anos de história. Antigos mapas da cidade de Belém indicam que o imóvel já estava construído em meados do século XVIII. Teria pertencido ao capitão-engenheiro Mateus José Simões de Carvalho, que, segundo Baena, no “Compêndio das Eras”, participou, em 1795, de uma junta extraordinária de defesa do Grão-Pará contra uma possível invasão francesa. Serviu como residência para várias fa-mílias e como depósito à fábrica de Bitar, do outro lado da rua. Fechado há alguns anos, entrou em franco processo de de-terioração.

A Casa Rosada, como o sobrado é mais conhecido, parecia condenada ao mesmo fim de tantos casarões antigos da cidade. No entanto, um futuro à altura dos seus dois séculos e meio de vida lhe está assegurado. Uma parceria público-privada, entre a Universidade Federal do Pará e a Companhia Alubar, promoverá a revitalização do sobrado e sua reorgani-zação funcional como sede de um centro cultural para preservação da memória da Cidade Velha.

Até lá, o sobrado será transformado em canteiro-escola para o curso de espe-cialização em Interpretação, Conservação e Revitalização do Patrimônio Artístico de Antônio Landi, promovido pelo Fórum Landi. Seus alunos acompanharão todas as etapas do processo de restauro, já ini-ciado por escavações arqueológicas que atestaram a riqueza histórica do subsolo sob o qual está erguida a Cidade Velha. O trabalho preliminar de prospecção encontrou cerca de 1.500 fragmentos da cultura material, incluindo cerâmica indígena, provavelmente anterior à época do contato com os portugueses.

A sondagem arqueológica cons-tituiu a primeira etapa do projeto de restauro da Casa Rosada, provavelmente construída na década de 1750. A aquisição do imóvel pela Alubar faz parte de um projeto da empresa, revelado em 2006, durante a exposição “Cidade Velha, Ci-dade Viva”, realizada pelo Fórum Landi, como parte do programa “Cultura Pará”, da Vale (então Companhia Vale do Rio Doce). Naquela oportunidade, os dire-tores da Alubar manifestaram à UFPA o interesse da empresa em contribuir permanentemente com a revitalização do centro histórico de Belém.

n Prédio servirá de canteiro-escola

n Fórum Landi facilitou escolha do prédio

Após algumas reuniões, a UFPA e Alu-bar estabeleceram parceria, por meio da qual o Fórum Landi prestará assessoramento a todas as etapas do processo, que culminará com a implantação do centro cultural, do qual será curador. A própria indicação do imóvel, “de relevante valor histórico”, coube ao Fórum, também responsável pela elaboração dos pro-jetos de restauro e de financiamento e pela for-matação do futuro centro. O projeto de restauro foi encaminhado à Caixa Econômica, através do Programa Monumenta, estando em vias de assinatura do contrato de financiamento.

Segundo o coordenador do Fórum, Flávio Nassar, o conhecimento acumulado pela UFPA, ao longo dos anos, por meio de intervenções no centro histórico de Belém, sobretudo a partir do Fórum Landi, facilitou o processo de escolha da Casa Rosada. Impor-tantes contribuições foram os levantamentos de imóveis e de proprietários da Cidade Velha coordenados pela professora Elna Trindade e o estudo realizado por uma universidade conceituada da Europa, a Universidade de Florença, sobre tecnologias construtivas, na qual a autora fez a reconstituição visual e virtual do imóvel.

Nassar observa que a ausência de um projeto estratégico específico, nos três níveis de poder, para o Centro Histórico de Belém, torna mais relevante o trabalho desenvolvido pela UFPA na área. “Apesar de ser um órgão público, a universidade desenvolveu fortes vínculos com a sociedade civil, possibilitando intervir a partir da perspectiva da própria so-ciedade, por meio de saberes e conhecimentos acumulados. A articulação de parcerias com a iniciativa privada insere-se dentro dessa perspectiva”, afirma o arquiteto.

O centro cultural para preservação da memória da Cidade Velha ainda não está formatado. Uma das propostas reorganiza os espaços em salas específicas, em que funcionariam um museu com a história da casa, uma oficina permanente de formação de mão-de-obra para produção de artesanato de alumínio, um pequeno auditório, um espaço aberto para apresentações musicais e uma sala de exposição.

Outra proposta parte das experiências de museus que se utilizam do acervo das co-munidades nas quais estão inseridos, como álbuns de fotografias, roupas, móveis antigos e recordações dos moradores. O acervo da Casa Rosada seria, então, constituído por esses objetos, preservando, assim, parte da memória da Cidade Velha.

A Casa Rosada vai virar um canteiro-escola para curso de especialização

Fragmento de louça portuguesa

O trabalho já concluído de sondagens arqueológicas, realizado em partes de uma área que teria servido de quin-tal, encontrou louças e utilitá-rios de cozinha que remetem à conclusão preliminar de que a Casa Rosada exerceu a função de residência ao longo dos seus 250 anos de existência. Entre os 1.500 fragmentos encontra-dos, estão cerâmicas indígenas, louças portuguesas, moedas datadas de 1768, restos de garrafas, cachimbos portugue-ses e indígenas e materiais de construção. O arqueólogo Fer-nando Luis Tavares Marques, do Museu Goeldi, coordenou o trabalho de prospecção a con-vite do Fórum Landi. Durante 30 dias, foram realizadas dez escavações, de 1,10 metro de profundidade, que atingiram uma camada de terra escura, característica da fase de ocu-pação indígena, provavelmente anterior ao contato com os portugueses.

Segundo o arqueólogo, a ocorrência de terra escura no subsolo, como acontece na Casa Rosada, também foi registrada em escavações realizadas por ele em outros sítios da Cidade Velha, entre os quais, o Forte do Presépio, o Largo da Sé, a área do antigo cais da cidade e antigo Largo do Rosário dos Homens Brancos, atual Largo do Carmo, onde foi localizado um cemitério indígena. “Essas áreas correlatas à Casa Rosada apresentam o mesmo tipo de estratigrafia: uma seqüência de ocupação histórica com mate-riais de procedência européia, em cima de uma cama escura com cerâmica característica dos

indígenas.”, explica Fernando Luis. “Tal evidência comprova a teoria da terra preta, um solo bastante comum na Cidade Ve-lha, como indicadora de sítios arqueológicos históricos”.

Na Casa Rosada, a terra preta foi encontrada a 50 cen-tímetros do solo. A rigidez do terreno explica a ausência de alicerce profundo. O piso origi-nal está apenas a 20 centímetros em relação ao nível da rua. Analisando algumas evidências, o arqueólogo acredita que a casa tenha sido construída inicial-mente térrea, no formato de um L. A acumulação progressiva de riqueza possibilitou a constru-ção do pavimento superior.

Isabel Mendonça, a mais importante estudiosa da obra de Landi, atribui a arquitetura da Casa Rosada ao arquiteto bolo-nhês, o que para Flávio Nassar e Fernando Luis, ainda é uma indagação. No entanto, eles não descartam a possibilidade de Landi ter sido chamado para dar um embelezamento na fachada do prédio, onde existem deta-

lhes como contra-volutas, con-chas e molduras, semelhantes aos que o arquiteto deixou em outros prédios da cidade. As es-cavações encontraram também fragmentos de escaiola, pintura que se faz em gesso sobre a parede, indicando que Landi poderia ter construído uma sala com abóbada no forro.

O grande número de frag-mentos encontrados nas sonda-gens recomenda a escavação completa do que corresponderia ao antigo quintal, conforme in-dica a planta do século XVIII, na qual a área surge como um vazio, próprio desse tipo de de-pendência, onde os moradores costumavam realizar o descarte de objetos. As escavações cos-tumam parar após a conclusão da sondagem preliminar neste tipo de trabalho de restauro, mas a direção da Alubar rei-terou o apoio para que se faça uma extensiva pesquisa no local, onde, segundo Nassar, “a possibilidade de encontrarmos muitos mais é enorme em toda a extensão da casa”.

Flávio Nassar acredia que Landi embelezou a fachada do prédio

fotos WaLtEr PiNto

Acredita-se que a casa era térrea e o pavimento superior teria sido construído algum tempo depois

Moeda portuguesa do século XVIII