bancos - tempo espera em fila
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ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO
EXMO SR. DR. JUIZ DE DIREITO DA ____ VARA EMPRESARIAL DA COMARCA DA
CAPITAL - RJ.
COMISSÃO DE DEFESA DO CONSUMIDOR DA ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA DO ESTADO
DO RIO DE JANEIRO, órgão vinculado à Assembléia Legislativa (CNPJ n. 30.449862/0001-67),
sem personalidade jurídica, especialmente constituída para defesa dos interesses e direitos dos
consumidores, estabelecida à Rua Dom Manoel s/n, sala 506, Praça XV, Rio de Janeiro – RJ,
CEP: 20010-090 vem, por seus procuradores, propor a presente:
AÇÃO COLETIVA DE CONSUMO
COM PEDIDO DE TUTELA ANTECIPADA
Em face de BANCO DO BRASIL S.A., inscrito no CNPJ sob o nº 00.000.000/0001-91, situado à
SBS, Quadra 01, Bl. G, s/nº, 24º andar, Asa Sul, Brasília – DF, CEP: 70.073-901, BANCO
BRADESCO S.A., inscrito no CNPJ sob o nº 60746948/0001-12, situado à Avenida Rio Branco,
nº 116, Centro, Rio de Janeiro – RJ, CEP.: 20040-001, BANCO ITAÚ S.A., inscrito no CNPJ sob
o nº 60701190/0001-04, situado à Avenida Nilo Peçanha, nº 12, Centro, Rio de Janeiro – RJ,
CEP.: 20021-290, HSBC BANK BRASIL S.A., inscrito no CNPJ sob o nº 001.701201/0001-89,
situado à Avenida das Nações Unidas, nº 1154, 10º andar, Brooklin Novo, São Paulo – SP,
CEP.: 04578-000, BANCO REAL ABN AMRO, inscrito no CNPJ sob o nº 33.066.408/0001-15,
situado à Avenida Paulista, nº 1374, 3º andar, São Paulo –SP, CEP.: 01310-100, BANCO
_____________________________________________________________________________________________ COMISSÃO DE DEFESA DO CONSUMIDOR DA ASSEMBLÊIA LEGISLATIVA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO
PANAMERICANO S.A, inscrito no CNPJ sob o n.º 59.285.411/0001-13, situado à Avenida
Paulista, n.º 2.240, 3º andar, São Paulo-SP, CEP: 01310-300, BANCO SANTANDER S.A,
inscrito no CNPJ sob o n.º 90.400.888/0001-42, situado à Rua Bráulio Gomes, n.º 36, 9º andar,
São Paulo-SP, CEP: 04752-901, com fundamento nos artigos 20, § 2º e 14 do CDC, além de
todos os dispositivos da Lei Estadual 4223/2003, pelas razões fáticas e jurídicas que passa a
expor:
Dos Fatos
Em 24 de novembro de 2003 o Estado do Rio de Janeiro, por intermédio de sua então
Governadora, promulgou a Lei Estadual nº 4.223, cuja ementa assim a sintetiza: “Determina
obrigações às agências bancárias no espaço geográfico do Estado do Rio de Janeiro em relação
aos seus usuários e dá outras providências”.
As obrigações a que se refere à epígrafe do texto legal destinam-se a regulamentar o
atendimento de usuários dos serviços bancários no âmbito do Estado do Rio de Janeiro,
mormente no que se refere ao tempo de espera para atendimento nos caixas (guichês de
atendimento). Segundo o disposto no artigo 1º da lei, o atendimento destinado a consumidores
no interior das agências bancárias, deve ocorrer no “prazo máximo de 20 (vinte) minutos, em
dias normais, e de 30 (trinta) minutos, em vésperas e depois de feriados”, quando,
supostamente, o movimento de clientes é superior ao normal.
Para o efetivo cumprimento deste objetivo, disciplinou a lei, de forma genérica e abstrata, que as
“agências bancárias situadas no Estado do Rio de Janeiro, deverão colocar à disposição dos
seus usuários, pessoal suficiente e necessário, no setor dos caixas, para que o
atendimento seja efetivado no prazo...” supracitado. Ou seja, sem se imiscuir no âmbito
reservado exclusivamente à livre iniciativa (art. 170, da CRFB), e deixando margem de liberdade
necessária para que as instituições financeiras mantivessem o gerenciamento pontual de suas
atividades e agências de atendimento, delimitou, com base na Política Nacional de Defesa dos
Consumidores – limite à livre iniciativa (art. 170. V, da CRFB) –, o tempo máximo admissível
para que o serviço bancário de atendimento individual de clientes seja considerado adequado
(art. 20, § 2º, CDC).
Em cumprimento do disposto no artigo 6º, III, do Código de Defesa do Consumidor, e visando
estimular a integração entre o usuário e a instituição financeira para o bom atendimento
daqueles; determinou que “as agências bancárias deverão informar aos seus usuários, em
cartaz fixado na sua entrada, a escala de trabalho do setor de caixas colocados à disposição”
(art. 1º, parágrafo único da Lei 4223/2003). Com isso, visa fornecer informação ao usuário de
maneira que esse possa livremente optar pelo atendimento em horários de maior disponibilidade
de atendentes (caixas), colaborando indiretamente para o atendimento das prospecções legais.
Como forma de possibilitar a fiscalização e o cumprimento das obrigações que instituiu, a lei sob
comento determinou que as agências bancárias, no prazo máximo de 90 (noventa) dias,
adaptassem suas instalações às novas regras de prestabilidade (art. 6º, da Lei 4.223/2003),
inclusive viabilizando o controle individual do tempo de atendimento através da emissão de
senhas numéricas, nas quais deveriam constar, obrigatoriamente, o nome e o número da
instituição; número de senha; data e horário de chegada do cliente e rubrica do funcionário da
instituição (art. 2º, da Lei 4.223/2003).
Ainda segundo a lei estadual, o descumprimento das determinações legais sujeita as instituições
infratoras a sanções (art. 4º, da Lei 4.223/2003) de advertência (inc. I) e multa (inc. II), esta a ser
fixada nos patamares compreendidos entre 10.000 e 50.000 UFIR’s. Levando em consideração o
valor da Unidade Fiscal de Referência do Estado do Rio de Janeiro (UFIR-RJ) para o exercício
de 2010, de R$ 2,0183, estes patamares variam, em moeda corrente, entre R$ 20.183,00 e R$
100.915,00.
Quanto à competência para fiscalização de cumprimento das regras estabelecidas na lei, restou
determinado que “as denúncias dos usuários dos serviços bancários quanto ao descumprimento
desta Lei deverão ser encaminhadas à Comissão de Defesa do Consumidor nas diversas
esferas municipal, estadual e federal” (art. 5º, da Lei 4.223/2003).
Por força do dever legal e indisponível de fiscalizar os serviços de atendimento bancário no
Estado do Rio de Janeiro a autora, ao longo dos últimos anos, recebeu e processou grande
quantidade de reclamações de usuários, o que demonstra um sistemático descumprimento da
Lei 4.223/2003. Por outro lado, acumulou acervo de informações que a levaram concluir pela
existência de desídia no tratamento da matéria. Neste sentido, observou, principalmente, que o
notório crescimento dos lucros das principais instituições financeiras nos últimos anos – segundo
informações consolidadas do Banco do Brasil, Bradesco, Santander e Itaú/Unibanco;
correspondente a R$ 29,17 bilhões nos 9 primeiros meses de 2010 – é incompatível e
desproporcional com o tratamento até hoje (sete anos após a entrada em vigor da lei)
dispensado aos usuários nas agências bancárias.
Neste sentido, vale ressaltar alguns dados levantados pela autora desde o início da vigência da
Lei 4.223/2003, bem como informações relacionadas ao setor bancário no Brasil. Tais dados
indicam a pouca (ou nenhuma) disposição, apesar da capacidade econômica (mais do que)
suficiente, das instituições financeiras rés em promover os atendimentos pessoais nos moldes
impostos pela Lei 4.223/2003 – mesmo após 7 anos de regulamentado –, pois, se houve um
tempo em que as instituições financeiras puderam afirmar que “um banco não se faz apenas
com capital"; “ele é construído, acima de tudo, por homens e idéias” (Olavo Egydio Setubal
– fundador do Itaú), ou ainda, “é muito simples e, no entanto, extremamente difícil: é
preciso saber escolher pessoas”; “somos um banco de pessoas atendendo pessoas”
(Walther Moreira Salles – fundador do Unibanco)1, esse tempo já vai ao longe.
Segundo dados do DIEESE (Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos
Socioeconômicos), o setor financeiro esteve envolvido, apenas no ano de 1997 (ano de maior
concentração de fusões empresariais no país), em 176 fusões, incorporações e aquisições
interbancárias, dentre as quais 56% com participação de capital estrangeiro. Ainda segundo o
departamento – citando a aquisição dos bancos Banespa e ABN Amro pelo Banco Santander – a
atual década registra todos os recordes de operações financeiras da mesma espécie no Brasil.
Ressalta-se que a pesquisa é anterior a fusão entre os bancos Itaú e Unibanco, que criou,
segundo noticia-se, o maior grupo financeiro do hemisfério sul e maior banco comercial do Brasil.
Não obstante tais operações venham se apresentando como extremamente lucrativas e
vantajosas para as instituições financeiras, estas nunca se dão sem reflexos para os usuários. A
“Nota Técnica” intitulada “Fusão no setor bancário: emprego e concorrência”, elaborada pelo
DIEESE (anexo) com dados captados entre os anos de 1992 a 2006, chamou atenção da autora
pela expressiva redução de postos de trabalho envolvida em tais negociações. Citando como
emblemática a privatização do Banespa, o departamento concluiu que entre o “enxugamento”
1 Citações extraídas do Histórico apresentado no site do segundo réu, atribuídas aos seus fundadores. http://www.itauunibanco.com.br/relatoriodesustentabilidade/pt-br/historia/
pré-privatização (1992 a 1999) e pós-privatização (2009) ocorreu uma redução de 13.800 postos
de trabalho (gráfico pág. 3).
Ainda segundo o DIEESE, outras duas operações de fusão terminaram impactando diretamente
na redução de postos de trabalho do setor.
Dados da operação financeira de “fusão” ocorrida entre o Banco Nacional e o Unibanco
demonstram que no ano de aquisição daquele, 1995, o quadro de funcionários do Unibanco
aumentou de 17.034 para 28.543 funcionários, no entanto, anos após a fusão, o “enxugamento”
gradual de funcionários alcançou a fração de 39,1%. Concluído o processo, restaram apenas
17.390 funcionários. Ou seja, apenas 356 funcionários a mais do que originalmente possuía o
Unibanco (dados DIEESE).
Fato semelhante se deu com a compra do Banco Bamerindus pelo Banco HSBC, entretanto,
nesta operação, o “enxugamento” de funcionários ocorreu, a exemplo do Banespa, em dois
momentos distintos. Antes da transferência o quadro funcional do Banco Bamerindus foi
reduzido de 30.434 para 22.950 funcionários. Após a “incorporação”, este número, somado ao
de funcionários originários do HSBC, chegou a 23.756 funcionários, porém, nos anos seguintes
(1999), reduziu para 18.845, com redução de 11.589 postos de emprego.
Levando em consideração que o objetivo de tais operações financeiras sempre é manter as
carteiras de clientes das duas instituições “fundidas”, evitando ao máximo a evasão destes, difícil
é concluir que a quantidade originária de funcionários de um dos bancos possa atender, de
forma adequada, a uma quantidade infinitamente maior de clientes. Tudo isso sem analisar a
natural redução de agências bancárias (postos de atendimento), decorrente dos processos de
“fusão”, e a maior concentração de atendimento nas que permanecem abertas.
Considerando ainda que a lei objeto deste processo judicial regulamenta o atendimento pessoal
(não informatizado ou “não autoatendimento”) de clientes, intimamente associado à quantidade
de funcionários voltados a este fim, a autora consultou outras fontes de informação (anexo),
concluindo que, independentemente das operações de compra, fusão e incorporação, as
instituições financeiras têm sistematicamente reduzido postos de trabalho e priorizado a
alocação de recursos humanos na comercialização de produtos e serviços.
Além disso, outro fator chamou atenção da autora e confirmou a desídia com que as rés têm
tratado a determinação legal de priorizar o atendimento dos usuários de agencias bancárias: a
“Nota Técnica” nº 38/2006, produzida pelo DIEESE (anexo), indica que a média nacional de
salários para o setor bancário tem sofrido considerável redução. A comparação feita entre os
salários dos funcionários demitidos e dos admitidos no período de janeiro de 2005 a junho de
2006 (vide gráfico pag. 4 da nota técnica) deixou bastante claro que a política de demissões
(rotatividade de funcionários) não está voltada tão somente à diminuição do quadro funcional,
mas, também, para uma progressiva redução nas despesas com pessoal. Apenas a título
exemplificativo, vale dizer que a média salarial dos funcionários demitidos em janeiro de 2005
era de R$ 3.185,85 e, a dos admitidos no mesmo período, de R$ 1.881,43, ou seja, as
admissões para o setor ocorreram com redução de 41% nos salários.
Analisando o gráfico anexo, percebe-se que as reduções salariais foram se reproduzindo, mês a
mês, até o fim da pesquisa em junho de 2006, causando um forte movimento de recessão
salarial no mercado de emprego do setor, e, por conseqüência, majorando os lucros das
instituições financeiras.
Tais políticas reducionistas encontram reflexo direito nos movimentos grevistas que atingiram o
setor bancário (pelo menos) nos últimos 5 anos. Qualquer análise superficial da pauta de
reivindicações organizada por estes movimentos não deixa dúvidas de que o lucro estratosférico
alcançado e comemorado pelo setor bancário é, em parte, decorrência lógica do “sucateamento”
no setor de pessoal, que gera, em conseqüência, o descumprimento das determinações da Lei
Estadual 4.223/2003. De forma geral, as reclamações concentram-se em fatores como a política
salarial e o acúmulo de trabalho proveniente das sucessivas reduções no quadro funcional.
Assim, considerando que nos últimos anos a autora, com vistas ao cumprimento das
determinações da Lei 4.223/2003, advertiu (art. 4º, I), reiteradamente, por meio de reclamações
formuladas por consumidores às rés (sem, contudo, conseguir resposta satisfatória do setor no
sentido de melhor atender os consumidores); que, ano a ano, as rés têm alcançado resultados
econômicos muito acima dos demais setores da economia - porém, não têm promovido
investimentos em pessoal suficiente para adequar seus serviços aos padrões de prestabilidade
estabelecidos em lei (art. 20, § 2º, do CDC c/c art. 1º da Lei Estadual 4223/2003) -; e que a lei
estadual outorgou à autora o dever de fiscalizar o seu cumprimento, não restou a esta alternativa
outra que não sujeitar as rés as sanções previstas no inciso II do artigo 4º, da Lei 4.223/2003,
fixando, desde já, multa no valor de 10.000 UFIR’s (mínimo previsto em lei) por cada evento
comprovada que represente descumprimento das determinações estabelecida na lei sob
comento; multa esta que deve ser revertida, enquanto não for criado fundo especial de defesa do
consumidor no Estado do Rio de Janeiro (art. 31, Decreto nº 2.181/1997), ao Fundo de Direitos
Difusos (art. 29, parágrafo único do Decreto nº 2.181/1997) em âmbito federal.
Do Direito
Da legitimidade da autora para aplicar as sanções previstas na Lei Estadual 4.223/2003
A autora, como abaixo se demonstrará, ostenta a condição de órgão da administração pública
direta. Foi constituída por um dos Poderes do Estado do Rio de Janeiro (Legislativo) para
desempenhar funções intimamente ligadas à defesa dos direitos e interesses dos consumidores
do Rio de Janeiro, e neste sentido, como é fácil perceber através das várias ações coletivas de
consumo processadas e julgadas por este tribunal, tem desempenhado tal competência com
absoluto profissionalismo, compromisso e zelo pelo “dever/poder” a ela legalmente outorgado.
Apenas a título exemplificativo lista-se abaixo algumas ações promovidas pela autora, cujo
objeto e repercussões não deixam margem ou dúvida sobre forma como a autora tem atuado na
defesa dos interesses coletivos (art. 81, c/c 82, III, do CDC) da sociedade fluminense. Desde o
ano de 2003, a autora ajuizou, aproximadamente, 117 ações coletivas de consumo perante as
justiças estadual e federal do Rio de Janeiro, dentre elas:
1ª Vara Empresarial - Processo: 0125980-08.2007.8.19.0001
(2007.001.122670-8) - Réu: Telemar - Distribuição: 23/08/2007
Objeto: Ação visa restabelecer o serviço de telefonia na área da “Grota”
(“Complexo do Alemão”) que foi interrompido após ocupação das Polícias do
Rio de Janeiro; proibir qualquer tipo de cobrança enquanto o serviço
permanecer inoperante e requerer o ressarcimento dos valores
eventualmente pagos durante este mesmo período;
1ª Vara Empresarial - Processo: 0040468-23.2008.8.19.0001
(2008.001.040114-8) - Réu: Ampla - Distribuição: 21/02/2008
Objetivo: A ação visa compelir a ré a obedecer a Lei Estadual nº 3.222/1999,
instalando, assim nas localidades correspondente à sua área de concessão,
medidores de consumo de energia elétrica, com o devido selo do INMETRO,
bem como que, substitua todos os equipamentos que não possuam o
mesmo, pelos devidamente aferidos pelo INMETRO;
2ª Vara Empresarial - Processo: 0034881-20.2008.8.19.0001
(2008.001.034643-5) - Réu: Metrô Rio - Distribuição: 15/02/2008
Objeto: A ação visa o cancelamento do novo procedimento adotado pela ré
para a conexão das viagens continuadas oferecidas nas linhas Metrô
Superfície, Metrô Barra e na integração com a Supervia. Por esse
procedimento deveria o consumidor fazer tais conexões no prazo máximo de
duas horas a partir do momento da compra do bilhete, sob pena de
invalidação do tíquete de viagem continuada;
2ª Vara Empresarial - Processo: 00062551-80.2010.8.19.0001 - Réu: CLUBE
DOS DIRIGENTES LOGISTAS DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO – CDL
RIO, CONFEDERAÇÃO NACIONAL DE DIRIGENTES LOJISTAS - SPC,
FEDERAÇÃO DAS CÂMARAS DE DIRIGENTES LOGISTAS DO ESTADO
DO RIO DE JANEIRO – SPC RIO, e SERASA S/A. - Distribuição: 12/01/2010
Objetivo: Condenação das rés na obrigação de não incluírem, em seus
cadastros e bancos de dados, informações sobre protestos de cheques
prescritos; na obrigação de retirarem de seus cadastros as anotações sobre
protestos de cheques vencidos há mais de 05 anos; na obrigação de
retirarem de seus cadastros as anotações decorrentes de protestos lavrados
por falta de aceite, etc.;
Vara: 3ª Vara Empresarial - Processo: 0412209-50.2008.8.19.0001
(2008.001.412156-0) - Réus: BANCO DO BRASIL S.A. e outros -
Distribuição: 11/12/2008
Objetivo: Tarifa de recadastramento. Que os bancos réus não onerem (ou
onerem excessivamente) os correntistas pessoas físicas para renovar os
cadastros destes, bem como informem a estes sobre anotações encontradas
em seus respectivos nomes nos serviços de proteção ao crédito consultados;
4ª Vara Empresarial - Processo: 0211737-96.2009.8.19.0001
(2009.001.212342-7) - Réu: OI – TNL PCS S/A, VIVO S.A, CLARO S.A, TIM
CELULAR S.A - Distribuição: 18/08/2009
Objetivo: Compelir as empresas prestadoras dos serviços de internet banda
larga 3G a informar, expressamente, na oferta do serviço de internet e no
contrato, que o mesmo pode não ser usufruído por força de problemas
técnicos de cobertura ou de problemas no computador que receberá o sinal,
e, antes de celebrar “definitivamente” o contrato para o fornecimento do
serviço, de forma a obrigar o fornecedor a certificar a disponibilidade do
serviço nas áreas de interesse do consumidor e a capacidade de sua
máquina para processamento do sinal, além da reparação por eventuais
repercussões;
4ª Vara Empresarial – Processo: 0369255-52.2009.8.19.0001 - Réu:
AGENCO ENGENHARIA E CONSTRUÇÕES S.A - Distribuição: 24/11/2009
Objetivo: Sejam impostas à ré obrigações de cumprir aquilo que foi
prometido na publicidade em torno do empreendimento “Vila do Pan”;
indenizar os danos causados aos adquirentes de unidades autônomas, estes
consistentes, principalmente, na desvalorização das unidade autônoma; e a
restituir os valores pagos pelos adquirentes, caso estes optem por rescindir
os contratos que importaram em aquisição da propriedade destas unidades
autônomas;
5ª Vara Empresarial - Processo: 0084322-96.2010.8.19.0001
(2010.001.075194-7) - Réu: UNIMED-RIO COOPERATIVA DE TRABALHO
MÉDICO LTDA - Distribuição: 10/03/2010
Objetivo: obrigar a ré a dar continuidade aos contratos que eram
administrados pela Unimed Duque de Caxias, nas mesmas condições –
contratuais e legais - dos contratos “primitivos”, sem a necessidade de o
consumidor celebrar novo contrato, e a restituir, em dobro, os valores
cobrados em excesso, consubstanciados na diferença entre o que o
consumidor pagou e o que pagaria a luz das condições contratuais e legais
do contrato que era administrado pela Unimed Duque de Caxias;
6ª Vara Empresarial - Processo: 0193850-02.2009.8.19.0001
(2009.001.194456-7) - Réu: OI – TNL PCS S/A - Distribuição: 30/07/2009
Objetivo: Obrigar a ré a informar, na oferta do serviço de internet banda larga
Velox, que o mesmo pode não ser usufruído por força de problemas técnicos
na linha telefônica ou no computador que receberá o sinal, e, antes de
celebrar “definitivamente” o contrato para o fornecimento do serviço, de
forma a obrigar a fornecedora, a inspecionar a linha telefônica por onde o
sinal da internet banda larga Velox será transmitido e a máquina do
consumidor que o receberá, de forma a que seja certificada a viabilidade
técnica para o adequado fornecimento do serviço de internet banda larga
Velox antes de sua contratação definitiva, além da reparação por eventuais
repercussões;
8ª Vara de Fazenda Pública - Processo: 0391468-86.2008.8.19.0001
(2008.001.391010-8) - Réu: Barcas S.A e Agetransp - Distribuição:
01/12/2008
Objetivo: Obrigar a empresa Barcas S.A a restabelecer o serviço de
transporte público aquaviário, relativo ao trecho Rio-Niterói/ Niterói-Rio, nos
horários da madrugada e anular a autorização concedida pela Agetransp;
13ª Vara de Fazenda Pública - Processo: 0170020-70.2010.8.19.0001 - Réu:
COMPANHIA ESTADUAL DE ÁGUAS E ESGOTOS – CEDAE - Distribuição:
21/05/2010
Objetivo: Condenar a ré na obrigação de prestar o serviço de forma contínua,
(em caso de impossibilidade pela forma comum, prestar de forma outra,
como por meio de carros pipa), restituir os valores pagos pelos consumidores
à título de remuneração do serviço de terceiros (carros pipa).
Além das ações coletivas de consumo, a autora é responsável, hoje, por intermediar
aproximadamente 1.300 demandas administrativas de consumo ao mês, e atender, através dos
vários canais disponibilizados à população – Disque Consumidor da ALERJ (Call Center),
Unidade Móvel Itinerante, atendimento pessoal, via Web –, outros tantos consumidores que a
procuram com o objetivo de esclarecer duvidas, colher informações, etc., participando
ativamente do processo de educação e melhoria do mercado de consumo (art. 4º, IV do CDC).
Diante desta realidade, não se pode desconsiderar o fato de que a autora é um órgão
especializado na defesa dos direitos e interesses dos consumidores e convive, diariamente, com
os problemas ocorridos no mercado de consumo, portanto, é um órgão público que pode
representar adequadamente (representatividade adequada), em juízo e fora dele, a título
coletivo, os direitos e interesses dos consumidores, e assim contribuir para o atendimento dos
objetivos da Política Nacional das Relações de Consumos (art. 4º, caput, CDC).
“..., problemas práticos têm surgido pelo manejo de ações coletivas por parte
de associações que, embora obedeçam aos requisitos legais, não
apresentam a credibilidade, a seriedade, o conhecimento técnico-científico, a
capacidade econômica, a possibilidade de produzir uma defesa processual
válida, dados sensíveis esses que constituem as características de uma
‘representatividade’ idônea e adequada. (...).
Para casos como esse é que seria de grande valia reconhecer ao juiz o
controle sobre a legitimação, em cada caso concreto, de modo a possibilitar
a inadmissibilidade da ação coletiva, quando a ‘representatividade’ do
legitimado se demonstre inadequada.
Quer-me parecer que o sistema brasileiro, embora não o afirme
expressamente, não é avesso ao controle da ‘representatividade adequada’
pelo juiz, em cada caso concreto.
Seguro indício da possibilidade de se adotar essa posição são um
dispositivo do próprio Código de Defesa do Consumidor, bem como a
postura da jurisprudência brasileira em tema de legitimação do Ministério
Público às ações em defesa dos chamados direitos individuais homogêneos.
O art. 82, § 1º, do Código de Defesa do Consumidor permite ao juiz
dispensar a associação do requisito da pré-constituição há pelo menos um
ano, quando haja manifesto interesse social evidenciado pela dimensão ou
característica do dano, ou pela relevância do bem jurídico a ser protegido. A
análise atribuída ao juiz no caso concreto, para o reconhecimento da
legitimação, está muito próxima do exame da ‘representatividade adequada’,
podendo-se afirmar que, a contrario sensu, o juiz pode negar a referida
legitimação, quando entender não presentes os requisitos da adequação.
Por outro lado, a jurisprudência, após alguma tergiversação, tem se firmado
na posição do reconhecimento da legitimação ao Ministério Público para as
ações em defesa de direitos individuais homogêneos, somente na hipótese
de o juiz reconhecer a relevância social dos referidos interesses. Este
exame, que se faz caso a caso, implica a análise de algo muito próximo à
representatividade adequada, dependendo do objeto da demanda ou da
quantidade de pessoas envolvidas na causa.
Vê-se daí que o ordenamento brasileiro não é infenso ao controle da
legitimação ope judicis, de modo que se pode afirmar que o modelo do
direito comparado, que atribui ao juiz o controle da ‘representatividade
adequada’ (Estados Unidos da América, Código Modelo para Ibero-América,
Uruguai e Argentina), pode ser tranquilamente adotado no Brasil, na
ausência de norma impeditiva. Aliás, não é irrelevante lembrar que os
princípios gerais do Direito configuram como fonte de Direito, nos termos do
art. 4º da Lei de Introdução ao Código Civil brasileiro, sendo que a defining
function do juiz nos processos coletivos é uma de suas principais
características”. (GRINOVER, Ada Pellegrini. Ações coletivas ibero-
americanas: novas questões sobre legitimação e a coisa julgada.
Revista Forense, n.º 301, pp. 3/12)
Não é órgão do Poder Executivo, mas do Poder Legislativo e criado por este, o que não significa
– conforme se pode observar no disposto no artigo 37, caput, da Constituição da República
Federativa do Brasil, e vem sendo reconhecido pelo Poder Judiciário – que não possa ser
considerado órgão da administração pública, mormente quando sua atuação subdivide-se no
exercício de funções legislativas (típicas) e administrativas (atípicas), ambas, na defesa da
sociedade de consumidores do Estado do Rio de Janeiro.
“Os Poderes de Estado figuram de forma expressa em nossa Constituição:
são Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o
Executivo e o Judiciário (art. 2º).
A cada um dos Poderes de Estado foi atribuída determinada função. Assim,
ao Poder Legislativo foi cometida a função normativa (ou legislativa); ao
Executivo, a função a administrativa; e, ao Judiciário, a função jurisdicional.
Entretanto, não há exclusividade no exercício das funções pelos
Poderes. Há, sim, preponderância. As linhas definidoras das funções
exercidas pelos Poderes têm caráter político e figuram na Constituição.
Aliás, é nesse sentido que se há de entender a independência e a harmonia
entre eles: se, de um lado, possuem sua própria estrutura, não se
subordinando a qualquer outro, devem objetivar, ainda, os fins colimados
pela Constituição.
Por esta razão é que os Poderes estatais, embora tenham suas funções
normais (funções típicas), desempenham também funções que
materialmente deveriam pertencer a Poder diverso (funções atípicas),
sempre, é óbvio, que a Constituição o autorize.
O Legislativo, por exemplo, além da função normativa, exerce a função
jurisdicional quando o Senado processa e julga o Presidente da
República nos crimes de responsabilidade (art. 52, I, CF) ou os
Ministros do Supremo Tribunal Federal pelos mesmos crimes (art. 52,
II, CF). Exerce também a função administrativa quando organiza seus
serviços internos (arts. 51, IV, e 52, XIII, CF)”. (CARVALHO FILHO, José
dos Santos. Manual de Direito Administrativo. Rio de Janeiro: Lúmen
Júris, 2005, pág. 2)
“A expressão Reforma do Estado designa a tendência, hoje praticamente
universal, de reformar o aparelhamento do Estado, em especial, o
aparelhamento administrativo, representado pela Administração Pública em
sentido amplo, abrangendo todos os órgãos, dos três Poderes, que exercem
a função administrativa, bem como as entidades da Administração indireta”.
(DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Parcerias na Administração Pública:
Concessão, Permissão, Franquia, Terceirização, Parceria Público-
Privada e outras formas. – 6ª Ed. – São Paulo: Editora Atlas, 2008. pág.
30).
“AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DEFESA DO CONSUMIDOR. EXTINÇÃO DO
PROCESSO SEM JULGAMENTO DO MÉRITO POR ILEGITIMIDADE
ATIVA. ART. 82, III, DO CDC. ÓRGÃO TÉCNICO VINCULADO AO PODER
LEGISLATIVO. AUSÊNCIA DE PERSONALIDADE JURÍDICA.
DESNECESSIDADE. FATO NOVO SUPERVENIENTE. INCLUSÃO, NO
REGIMENTO INTERNO, DE PERMISSÃO PARA ATUAÇÃO NA DEFESA
DOS DIREITOS E INTERESSES DOS CONSUMIDORES. FATO NOVO
SUPERVENIENTE. APLICAÇÃO DO ART. 462 DO CPC. 1. Os órgãos que
integram a Administração Pública direta ou indireta são legitimados
para a defesa dos interesses transindividuais dos consumidores por
força da prerrogativa que lhes é conferida pelo art. 82, III, do CDC, que
deve sempre receber interpretação extensiva, sistemática e teleológica,
de modo a conferir eficácia ao preceito constitucional que impõe ao
Estado o ônus de promover, “na forma da lei, a defesa do consumidor.”
2. No que concerne à defesa dos interesses transindividuais, o critério
para a aferição da legitimidade do agente público não deve ser limitado
à exigência de personalidade jurídica ou mesmo ao rigorismo formal
que reclama destinação específica do órgão público para a defesa dos
interesses tutelados pelo CDC. 3. A noticiada alteração do regimento
interno da recorrente, efetuada com o intuito de permitir-lhe a representação,
a título coletivo, dos interesses e direitos previstos pelo art. 81 do CDC, faz
surgir a necessidade de aplicação do art. 462 do CPC, segundo o qual a
decisão deve refletir o estado de fato existente no momento do julgamento.
RECURSO ESPECIAL CONHECIDO E PROVIDO”. (STJ – Resp.
1.002.813/RJ – Relator (a): Ministro (a) Nancy Andrighi – Terceira Turma –
Julgamento em: 02/12/2010) (grifos nossos)
DIREITO DO CONSUMIDOR E PROCESSO CIVIL. RECURSO ESPECIAL.
AÇÃO CIVIL PÚBLICA. LEGITIMIDADE DE ÓRGÃO DO PODER
LEGISLATIVO PARA A PROPOSITURA DA AÇÃO. ESTATUTO DO IDOSO.
PLANOS DE SAÚDE. REAJUSTE DE MENSALIDADES EM RAZÃO DE
MUDANÇA DE FAIXA ETÁRIA. VEDAÇÃO. 1. Da conjugação do art. 21 da
Lei n.º 7.347/85 (Lei da Ação Civil Pública), com os dispositivos do Título III
do CDC, extrai-se que os colegitimados do art. 82, III, desse Código podem
se utilizar da ação civil pública na defesa dos interesses e direitos do
consumidor. 2. O art. 82, III, do CDC prevê, como requisito essencial à
legitimação dos órgãos da Administração Pública para propor ações
coletivas, a atuação desses na defesa dos direitos do consumidor. 3.
Exigir a menção no Regimento Interno da recorrente (Órgão do Poder
Legislativo) sobre a atuação em juízo privilegiar-se-ia o excesso de
formalismo, em detrimento da finalidade perseguida pelo legislador de
facilitar a atuação das entidades e órgãos de defesa do consumidor em
juízo. 4. Veda-se a discriminação do idoso em razão da idade, nos termos
do art. 15, § 3º, do Estatuto do Idoso, o que impede especificamente o
reajuste das mensalidades dos planos de saúde que se derem por mudança
de faixa etária; essa vedação não envolve, todavia, os demais reajustes
permitidos em lei, os quais ficam garantidos às empresas prestadoras de
planos de saúde, sempre ressalvada a abusividade. 5. Recurso especial
conhecido e provido. (STJ – Resp. 1.098.804/RJ – Relator (a): Ministro (a)
Nancy Andrighi – Terceira Turma – Julgamento em: 02/12/2010) (grifos
nossos)
AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DIREITO DO CONSUMIDOR. SENTENÇA QUE
EXTINGUE O FEITO SEM EXAME DO MÉRITO. APLICAÇÃO DO ART. 82,
III DO CDC. LEGITIMIDADE DAS ENTIDADES E ÓRGÃO DA
ADMINISTRAÇÃO DIRETA OU INDIRETA, AINDA QUE SEM
PERSONALIDADE JURÍDICA, DESTINADOS À DEFESA DOS
INTERESSES E DIREITOS PROTEGIDOS PELO CÓDIGO DE DEFESA
DO CONSUMIDOR. PROVIMENTO DO RECURSO (TJRJ, Ap.Cív.
2007.001.39903, 20ª Câmara Cível, Rel. Des. Odete Knaack de Souza).
(grifos nossos)
O tratamento dispensado pela jurisprudência à autora, admitindo tratar-se de órgão da
administração pública lato sensu, logo, legitimada para atuar na defesa dos interesses de
consumidores, coaduna-se com os ideais de reforma da administração pública propagados ao
final da década de 1990. Tal movimento, capitaneado pela edição da Emenda Constitucional nº
19/1998 e pelo Plano Diretor de Reforma do Aparelho do Estado, este, elaborado pelo governo
federal, visava disseminar ideais de uma administração pública eficiente e voltada para o
atendimento do cidadão.
O processo de desburocratização do aparelho estatal, e da adoção de uma administração
pública policêntrica, impôs-se por força da inclusão do principio da eficiência entre aqueles a que
estão submetidos à administração pública em geral (art. 37, da CRFB). A partir da edição da
Emenda Constitucional 19/1998, ocorreu verdadeira mudança no centro de referência das
atividades administrativas, antes, tidas como rígidas, ineficientes, burocráticas e voltadas para o
controle de suas próprias atividades; agora, com foco no atendimento dos direitos individuais dos
administrados; ou seja, em uma administração eficiente, gerencial e descentralizada.
“A chamada administração pública burocrática teria sido conhecida na
segunda metade do século XIX, na época do Estado Liberal, como forma
combater a corrupção e o nepotismo patrimonialista. Ela se baseia nos
princípios da profissionalização, organização em carreiras, hierarquia
funcional, impessoalidade, formalismo. Os controles são formais a priori.
Como a idéia inspiradora desse tipo de organização é combater a corrupção
e o nepotismo, parte-se de uma desconfiança prévia em relação aos
administradores públicos. Daí a necessidade de procedimentos rígidos para
seleção de pessoal, para a celebração de contratos, para exercício do
controle.
Alega-se que o controle é voltado, internamente, para a própria
Administração, sem grande preocupação com a eficiência na prestação dos
serviços públicos ao cidadão, chamado de cidadão-cliente.
Já a administração pública gerencial ‘emerge na segunda metade do
século XX, como resposta, de um lado, à expansão das funções econômicas
e sociais do Estado e, de outro, ao desenvolvimento tecnológico e à
globalização da economia mundial, uma vez que ambos deixaram à mostra
os problemas associados à adoção do modelo anterior. A eficiência da
administração pública – a necessidade de restringir custos e aumentar a
qualidade dos serviços, tendo o cidadão como beneficiário – torna-se então
essencial. A reforma do aparelhamento do Estado passa a ser orientada
predominantemente pelos valores da eficiência e qualidade na prestação
de serviços públicos e pelo desenvolvimento de uma cultura gerencial nas
organizações’”. (DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Parcerias na
Administração Pública: Concessão, Permissão, Franquia, Terceirização,
Parceria Público-Privada e outras formas. – 6ª Ed. – São Paulo: Editora
Atlas, 2008. pág. 31 e 32)
“Na administração pública gerencial a estratégia volta-se (1) para a definição
precisa dos objetivos que o administrador público deverá atingir em sua
unidade, (2) para a garantia de autonomia do administrador na gestão dos
recursos humanos, materiais e financeiros que lhe forem colocados à
disposição para que possa atingir os objetivos contratados, e (3) para o
controle ou cobrança a posteriori dos resultados. Adicionalmente, pratica-se
a competição administrada no interior do próprio Estado, quando há a
possibilidade de estabelecer concorrência entre unidades internas. No
plano da estrutura organizacional, a descentralização e a redução dos
níveis hierárquicos tornam-se essenciais. Em suma, afirmase que a
administração pública deve ser permeável à maior participação dos
agentes privados e/ou das organizações da sociedade civil e deslocar a
ênfase dos procedimentos (meios) para os resultados (fins)”.
(Presidência da República - Câmara da Reforma do Estado - Plano Diretor
da Reforma do Aparelho do Estado. Brasília, 1995. pág. 16) (grifos
nossos)
Seguindo tal movimento, surgiram “figuras” como os contratos de gestão, os convênios e
consórcios públicos, as terceirizações e, principalmente, as agências reguladoras, estas com
competência para exercer atribuições antes exclusivamente atribuídas ao Poder Legislativo,
pois, de fato, seus regulamentos têm excedido em muito a previsão do artigo 84, IV, da CRFB,
chegando mesmo ao ponto de inovar na ordem jurídica. Tudo isso, deixando clara a intenção de
avançar para uma administração pública eficiente, técnica e profissionalizada.
Vale ressaltar que um dos objetivos de “importar” do direito alienígena a idéia de agências
reguladoras (independent administrative agencies ou regulatory agencies) sempre foi o de
garantir à administração pública tecnicidade e especialidade no trato de determinadas matérias;
tecnicidade esta, hoje, atribuída à autora, inclusive, nos arestos do Superior Tribunal de Justiça
(REsp. 1.002.813/RJ). Hoje, a autora é vista, nos meios jurídicos e populares, como um dos mais
representativos e atuantes órgãos públicos de defesa do consumidor no Estado do Rio de
Janeiro, fato que por si só justifica seu reconhecimento como órgão integrante do Sistema
Nacional de Defesa do Consumidor - SNDC.
Desta forma, percebe-se que os imperativos da eficiência pública (art. 37, da CRFB) na gestão
dos recursos disponíveis para obtenção dos resultados esperados pelo “cidadão–cliente”, muitas
vezes impõem mudanças em velhos paradigmas, impondo que esta administração, agora
policêntrica, livre-se de determinadas balizas burocráticas para atender as necessidades
públicas. Como reconhece a doutrina, a pluralidade social contemporânea já não se comporta
dentro da tradicional tríade administrativa de separação de funções (poderes) idealizada por
Montesquieu em 1748.
“A ‘separação de poderes’ deve ser atualmente encarada pelo prisma do
pluralismo existente na sociedade, que tem o significado de colocar perante
várias instancias da máquina estadual as reclamações ou o apoio de vozes
diferentes. E assim resulta numa potenciação da divisão de poderes na
organização interna do Estado, que ganha outra vez o valor duma divisão
política. Só que, em vez da formula do século XIX de uma separação
taxativa entre pretendentes ao poder, cada um com o seu veículo de
expressão numa ‘função’ do Estado, vamos encontrar um sistema bem mais
complexo e subtil... O PLURALISMO SOCIAL VEM ASSIM A INTEGRAR-SE
NUM QUADRO ALARGADO DE SEPARAÇÃO DE PODERES, e representa
uma função positiva na organização dum estado moderno”. (SOARES,
Rogério Guilherme Ehrhardt. apud. ARAGÃO, Alexandre Santos de. Os
ordenamentos Setoriais e as Agências Reguladoras Independentes. in.
Revista de Direito da Associação dos Procuradores do Novo Estado do Rio
de Janeiro, Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2000. pág. 110)
Aos olhos do administrado, a administração pública é uma só, ou seja, nenhuma distribuição
interna de competências justifica, ao menos para o assistido, a ineficiência administrativa.
“A Emenda Constitucional nº 19/98, que guindou ao plano constitucional as
regras relativas ao projeto de reforma do Estado, acrescentou, ao caput do
art. 37, outro princípio: o da eficiência (denominado que ‘qualidade do
serviço prestado’ no projeto da Emenda).
Com a inclusão, pretendeu o Governo conferir direitos aos usuários dos
diversos serviços prestados pela Administração ou por seus delegados e
estabelecer obrigações efetivas aos prestadores. Não é difícil perceber que a
inserção desse princípio revela o descontentamento da sociedade diante de
sua antiga impotência para lutar contra a deficiente prestação de tantos
serviços públicos, que incontáveis prejuízos já causou aos usuários. De fato,
sendo tais serviços prestados pelo Estado ou por delegados seus, sempre
ficaram inacessíveis para os usuários aos meios efetivos para assegurar
seus direitos. Os poucos meios existentes se revelaram insuficientes ou
inócuos para sanar as irregularidades cometidas pelo Poder Público na
execução desses serviços.
Incluído em mandamento constitucional, o princípio pelo menos prevê para o
futuro maior oportunidade para os indivíduos exercerem sua real cidadania
contra tantas falhas e omissões do Estado. Trata-se, na verdade, de dever
constitucional da Administração, que não poderá desrespeitá-lo sob pena de
serem responsabilizados os agentes que derem causa a violação.
(...)
Vale a pena observar, entretanto, que o princípio da eficiência não alcança
apenas os serviços públicos prestados diretamente à coletividade. Ao
contrário, deve ser observado também em relação aos serviços
administrativos internos das pessoas federativas e das pessoas a elas
vinculadas. Significa que a Administração deve recorrer à tecnologia e aos
métodos hoje adotados para obter a qualidade total da execução das
atividades a seu cargo, criando, inclusive, novo organograma em que se
destaquem as funções gerenciais e a competência dos agentes que devem
exercê-las”. (CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito
Administrativo. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2005, pág. 17 e 18)
ADMINISTRATIVO – CONTROLE JUDICIAL DE POLÍTICAS PÚBLICAS –
POSSIBILIDADE EM CASOS EXCEPCIONAIS – DIREITO À SAÚDE –
FORNECIMENTO DE MEDICAMENTOS – MANIFESTA NECESSIDADE –
OBRIGAÇÃO DO PODER PÚBLICO – AUSÊNCIA DE VIOLAÇÃO DO
PRINCÍPIO DA SEPARAÇÃO DOS PODERES – NÃO OPONIBILIDADE DA
RESERVA DO POSSÍVEL AO MÍNIMO EXISTENCIAL. 1. Não podem os
direitos sociais ficar condicionados à boa vontade do Administrador, sendo
de fundamental importância que o Judiciário atue como órgão controlador da
atividade administrativa. Seria uma distorção pensar que o princípio da
separação dos poderes, originalmente concebido com o escopo de
garantia dos direitos fundamentais, pudesse ser utilizado justamente
como óbice à realização dos direitos sociais, igualmente fundamentais.
2. Tratando-se de direito fundamental, incluso no conceito de mínimo
existencial, inexistirá empecilho jurídico para que o Judiciário
estabeleça a inclusão de determinada política pública nos planos
orçamentários do ente político, mormente quando não houver
comprovação objetiva da incapacidade econômico-financeira da pessoa
estatal. 3. In casu, não há empecilho jurídico para que a ação, que visa a
assegurar o fornecimento de medicamentos, seja dirigida contra o município,
tendo em vista a consolidada jurisprudência desta Corte, no sentido de que
"o funcionamento do Sistema Único de Saúde (SUS) é de responsabilidade
solidária da União, Estados-membros e Municípios, de modo que qualquer
dessas entidades têm legitimidade ad causam para figurar no pólo passivo
de demanda que objetiva a garantia do acesso à medicação para pessoas
desprovidas de recursos financeiros" (REsp 771.537/RJ, Rel. Min. Eliana
Calmon, Segunda Turma, DJ 3.10.2005). Agravo regimental improvido. (STJ
- AgRg no REsp 1136549 / RS - Relator(a): Ministro HUMBERTO MARTINS -
Órgão Julgador SEGUNDA TURMA - Data do Julgamento: 08/06/2010)
Antes de iniciar abordagem mais específica sobre a competência da autora para fixar e cobrar,
por via judicial, a sanção de multa prevista na Lei Estadual 4.223/2003 vale ressaltar que a
Constituição Federal, em seu artigo 5º, XXXII, determina que a defesa do consumidor deverá ser
promovida na forma da lei, lei esta que, segundo o artigo 48 do ADCT, é o Código de Defesa do
Consumidor. Isto significa que, as normas de defesa do consumidor (CDC, principalmente; etc.),
por força de determinação constitucional, quando estiverem em conflito com normas
infraconstitucionais, terão aplicação prioritária independentemente do início da vigência destas,
e, quando estiverem em aparente conflito com normas constitucionais, deverão ser com elas
harmonizadas para a melhor defesa do consumidor.
Acrescente-se a isso que, os dispositivos do Código de Defesa do Consumidor, e demais
normas criadas para este fim (art. 7º, do CDC), devem ser interpretados conforme a sua ratio
legis, ou seja, segundo os objetivos almejados pelo legislador que se encontram expressos no
próprio Código: “... o atendimento das necessidades dos consumidores, o respeito a sua
dignidade, saúde e segurança, a proteção de seus interesses econômicos, a melhoria da sua
qualidade de vida, bem como a transparência e harmonia das relações de consumo,...” (art. 4º,
do CDC).
A autora é uma comissão permanente da Assembléia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro
(arts. 109, da Constituição do Estado do Rio de Janeiro, e 25, parágrafo único, XXI, do
Regimento Interno da Assembléia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro), ou seja, é órgão da
administração pública sem personalidade jurídica, especificamente destinada, de forma ampla, à
defesa dos direitos e interesses do consumidor (art. 26, § 19, alíneas “a” a “d”, do Regimento
Interno da Assembléia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro).
Art. 109. Constituição do Estado do Rio de Janeiro.
“A Assembléia Legislativa terá comissões permanentes e temporárias,
constituídas na forma e com as atribuições previstas nos respectivos
Regimento ou ato legislativo de sua criação”.
Art. 25. Regimento Interno da Assembléia Legislativa do Estado do Rio
de Janeiro.
“Iniciados os trabalhos de cada sessão legislativa, a Mesa, dentro do prazo
improrrogável de quinze dias, providenciará a organização das comissões
permanentes.
Parágrafo único. As comissões permanentes são:
(...)
XXI – Comissão de Defesa do Consumidor, com cinco membros”.
Art. 26. Regimento Interno da Assembléia Legislativa do Estado do Rio
de Janeiro.
“Compete às comissões permanentes:
(...)
§ 19 – À Comissão de Defesa do Consumidor compete:
a) manifestar-se sobre matéria referente à economia popular;
b) manifestar-se sobre composição, qualidade, apresentação, publicidade e
distribuição de bens e serviços, relações de consumo e medidas de defesa
do consumidor.
c) acolher e investigar denúncias sobre matéria a ela pertinente e
receber a colaboração de entidades e associações relacionadas à
defesa do consumidor.
d) representar a título coletivo, judicialmente ou extrajudicialmente, os
interesses e direitos previstos no Parágrafo único do art. 81, conforme
autorização expressa no art. 82, III, todos da Lei 8.078, de 11 de setembro
de 1990”.
Assim constituída, integra o Sistema Nacional de Defesa do Consumidor – SNDC (art. 2º, do
Decreto 2.181/1997) na qualidade de órgão público estadual. Como tal recebeu a competência
genérica (legal e indisponível) de, no âmbito de suas atribuições, fiscalizar e punir, na forma da
legislação, os responsáveis por práticas lesivas ao mercado de consumo (art. 5º e 7º, do Decreto
2.181/1997).
Art. 5º, do Decreto 2.181/1997
“Qualquer entidade ou órgão da Administração Pública, federal, estadual e
municipal, destinado à defesa dos interesses e direitos do consumidor, tem,
no âmbito de suas respectivas competências, atribuição para apurar e punir
infrações a este Decreto e à legislação das relações de consumo”.
Art. 7º, do Decreto 2.181/1997
“Compete aos demais órgãos [excluindo o DPDC] públicos federais,
estaduais, do Distrito Federal e municipais que passarem a integrar o SNDC
fiscalizar as relações de consumo, no âmbito de sua competência, e autuar,
na forma da legislação, os responsáveis por práticas que violem os direitos
do consumidor”. (acréscimos nossos)
Entre outras coisas, isso é o que de mais relevante difere os órgãos públicos de defesa do
consumidor das entidades privadas de defesa do consumidor. A estas é atribuída à faculdade de
exercer a defesa do consumidor; àqueles a defesa é imposta.
Como decorre da leitura do Decreto 2.181/1997, às entidades privadas é outorgado o poder de
encaminhar denúncias aos órgãos públicos e representar o consumidor em juízo a título coletivo
(art. 82, IV do CDC c/c art. 8º, do Decreto 2.181/1997), porém, o mesmo não se pode dizer dos
órgãos públicos, pois estes são – a um só tempo – destinatários e “reféns” de competências
legais que funcionam, positiva e negativamente, como limites de atuação (art. 4º, II, do CDC).
Assim, recebem do ordenamento jurídico o dever fiscalizar o mercado de consumo, e,
obrigatoriamente, adotar as providências legalmente previstas para corrigir eventuais disfunções.
Neste ponto, torna-se necessário abrir um parêntese para melhor discorrer sobre o regime
jurídico a que estão submetidos os órgãos públicos, fato que os difere das pessoas jurídicas de
direito privado e lhes impõe determinadas condutas.
A diferença de tratamento supracitada decorre dos próprios regimes jurídicos a que estão
submetidos os órgãos de defesa do consumidor públicos e as entidades privadas. Estas, regidas
pela autonomia da vontade, e, aqueles, pela vinculação ao princípio da legalidade administrativa
(art. 37, da CRFB), da indisponibilidade do interesse público e da obrigatoriedade do
desempenho da atividade pública, da qual só se desincumbem efetivamente atuando. Versando
especificamente sobre o “dever de sancionar”, Celso Antônio Bandeira de Mello afirma que:
“... uma vez identificada a ocorrência de infração administrativa, a autoridade
não pode deixar de aplicar a sanção. Com efeito, há um dever de sancionar,
e não uma possibilidade discricionária de praticar ou não tal ato. A doutrina
brasileira, mesmo em obras gerais, costuma enfatizar tal fato em relação ao
dever disciplinar, invocando o art. 320 do Código Penal, que tipifica a figura
da condescendência criminosa, mas o dever de sancionar tanto existe em
relação às infrações internas quanto em relação às externas”. (BANDEIRA
DE MELLO, Celso Antônio. Curso de Direito Administrativo. – 16ª ed. –
São Paulo: Malheiros Editores, 2009, pág. 856 e 857)
Neste diapasão, uma vez legalmente outorgada determinada competência a órgão da
administração pública, surge o “dever/poder” de desempenhar a atividade descrita na lei.
Não cabe ao órgão criticar ou avaliar a razão de ser do mandamento legal, pois, mesmo nos
casos em que a lei lhe outorga certa margem de discricionalidade, esta deve ser exercida nos
limites atribuídos em lei. Em outras palavras, no exercício de competências legais não é dado ao
órgão da administração pública escolher entre atuar ou não atuar, mas tão somente, em
cumprimento ao princípio da legalidade e da eficiência (art. 37, da CRFB), atuar da melhor
maneira para alcançar a finalidade legal.
“Quando um poder jurídico é conferido a alguém, pode ele ser
exercitado ou não, já que se trata de mera faculdade de agir . Essa a
regra geral. Seu fundamento está na circunstancia de que o exercício ou não
do poder acarreta reflexos na esfera jurídica do próprio titular.
O mesmo não se passa no âmbito do direito público. Os poderes
administrativos são outorgados aos agentes do Poder Público para lhes
permitir atuação voltada aos interesses da coletividade. Sendo assim,
deles emanam duas ordens de consequência:
1ª) são eles irrenunciáveis; e
2ª) devem ser obrigatoriamente exercidos pelos titulares.
Desse modo, as prerrogativas públicas, ao mesmo tempo em que
constituem poderes para o administrador público, impõem-lhe o seu
exercício e lhe vedam a inércia, porque o reflexo desta atinge, em última
instância, a coletividade, esta a real destinatária de tais poderes.
Esse aspecto dúplice do poder administrativo é que se denomina de poder-
dever de agir. E aqui são irretocáveis as já clássicas palavras de HELY
LOPES MEIRELES: ‘Se para o particular o poder de agir é uma faculdade,
para o administrador público é uma obrigação de atuar, desde que se
apresente o ensejo de exercitá-lo em benefício da comunidade’”.
(CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo.
Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2005, pág. 28) (grifos nossos)
“ O princípio da obrigatoriedade do desempenho da atividade pública
traduz a situação de “dever” em que se encontra a Administração –
direta ou indireta – em face da lei.
O interesse público, fixado por via legal, não está à disposição da
vontade do administrador, sujeito à vontade deste; pelo contrário,
apresenta-se para ele sob a forma de um comando. Por isso mesmo a
prossecução das finalidades assinaladas, longe de ser um “problema
pessoal” da Administração, impõe-se como obrigação indiscutível.
Como a atividade administrativa é de caráter serviente, coloca-se uma
situação coativa: o interesse público, tal como foi fixado, tem que ser
prosseguido, uma vez que a lei assim determinou. Daí a obrigação de as
pessoas administrativas prosseguirem o próprio escopo, característica tão
realçada pelos autores”. (BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de
Direito Administrativo. – 16ª ed. – São Paulo: Malheiros Editores, 2009,
pág. 80 e 81) (grifos nossos)
“Toda outorga de competência preordena-se à busca de um certo escopo, ao
atendimento de uma dada finalidade. É ela que explica e justifica a irrogação
de poderes e, portanto, o que explica e justifica o ato administrativo que a
este título se venha a praticar. Por isso, qualquer ato que dela por qualquer
modo se desencontre, com revelar-se insuficiente para alcançá-la (e, pois,
desbordante da razão atributiva do círculo de poderes manejáveis) ou
descompasso com a finalidade que deveria alvejar, será viciado, como
notoriamente se proclama. Deveras, em quaisquer destas hipóteses o
comportamento administrativo estará tresmalhado, desgarrado de sua
justificativa jurídica”. (BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Legalidade –
Discricionalidade – Seus limites e controle. In Grandes Temas de Direito
Administrativo. São Paulo: Malheiros Editores, 2009. pág. 57)
“Estas constatações autorizam-nos a dizer que a atividade administrativa é
marcada, sobretudo pela idéia de função. Todos sabemos que a palavra
‘função’, em Direito, tem sido usada em mais de um sentido, mas há para ela
uma acepção, um sentido nuclear que, mais que outros, merece ser
explorado. Existe função em Direito quando alguém dispõe de um poder
à conta de dever, para satisfazer o interesse de outrem; isto é, um
interesse alheio.
‘Função’, em síntese, é o exercício no interesse alheio de um poder
exercido em conta de dever legal.
Por isso, como disse Alessi: ‘O poder estatal enquanto preordenado às
finalidades de interesse coletivo e enquanto objeto de um dever jurídico em
relação ao cumprimento delas constitui uma função estatal.
A idéia de função – é, pois, a idéia de função administrativa – reclama
do intérprete a intelecção de que o sujeito que a exerce recebeu da
ordem jurídica um dever: o dever de alcançar certa finalidade
preestabelecida, de tal sorte que os poderes que lhe assistem foram-lhe
deferidos para serem manejados instrumentalmente, isto é, como meios
reputados aptos para atender à finalidade que lhes justificou a outorga.
Donde o poder, em casos tais – e assim é irrestritamente no direito
público –, tem caráter apenas instrumental. Ele não se constitui – se
assim nos podemos exprimir – em um bem em si mesmo, pois o bem
(sagrado na ordem jurídica) é a finalidade estampada na lei. A valia do
poder, a utilidade e o sentido dele resumem-se em consistir em instrumento
insuprimível, sem o qual o agente administrativo não teria como desincumbir-
se desse dever posto a seu cargo: dever de concretizar a finalidade legal,
isto é, dever de dar satisfação a um interesse de terceiro, a um interesse
alheio; no caso, o interesse da coletividade. Logo o administrador não
dispõe de poderes-deveres, como às vezes se diz, mas de deveres-
poderes – locução que expressa com maior fidelidade que a anterior a
verdadeira índole de suas competências”. (BANDEIRA DE MELLO, Celso
Antônio. Desvio de Poder. In Grandes Temas de Direito Administrativo. São
Paulo: Malheiros Editores, 2009. pág. 116 e 117) (Grifos nossos)
Assim, sendo certa a noção de que a autora é órgão da administração pública estadual,
destinada à defesa dos interesses e direitos do consumidor (art. 5º, do Decreto 2.181/1997) –
como se extrai da Constituição da República Federativa do Brasil (art. 58), e simetricamente da
Constituição do Estado do Rio de Janeiro (art. 109) e do Regimento Interno da Assembléia
Legislativa do Estado do Rio de Janeiro (arts. 25 e 26) – e por isso integra o Sistema Nacional de
Defesa do Consumidor – SNDC (art. 7º, do Decreto 2.181/1997), resta saber, para fins de
aplicação das sanções previstas no artigo 4º, da Lei Estadual 4.223/2003, se a ela foi atribuída
tal competência.
Dispõe o artigo 5º da Lei de Introdução ao Código Civil que “na aplicação da lei, o juiz atenderá
aos fins sociais a que ela se dirige e as exigências do bem comum”. No mesmo sentido, na
valoração de uma norma considerada “aberta”, assim considerada por possuir vagueza (que
pode ser proposital ou não), deve-se buscar “indicações” na própria lei, ou no sistema a qual
pertence, para alcançar o seu real conteúdo.
“A escolha do conteúdo que há de ser conferido à norma que caracteriza
cláusula geral, não estando indicado no texto legislativo, implica
ponderações e valorizações que se reportam a um âmbito de referência
tecido por variadas escalas: os precedentes, a história institucional, as
opiniões consolidadas doutrinariamente, os usos e costumes do tráfego
jurídico, as opiniões consolidadas doutrinariamente, os usos e costumes do
tráfego jurídico, as soluções advindas do direito comparado. Os
precedentes, de modo especial, têm a relevantíssima função de fixar,
embora de maneira não rígida, o concreto desenho dos valores aos quais
reenviam às cláusulas gerais, possibilitando a solução do caso”. (COSTA,
Judith Martins. A boa-fé no direito privado: sistema e tópica no direito
obrigacional. São Paulo: RT, 1999, P. 368)
A atual realidade da defesa do consumidor no Estado Rio de Janeiro é emblemática neste
aspecto. Hoje, indubitavelmente, a autora representa e é reconhecida na sociedade, nos usos e
costumes – ao lado do Ministério Público –, como órgão público de referência na defesa do
consumidor do Estado, a qual reportam-se não apenas os consumidores, mas, também, todos os
órgãos públicos.
Vale dizer que, apenas no último ano (2010), a autora respondeu a aproximadamente 112 ofícios
encaminhados pelos Ministérios Públicos Estadual e Federal (anexo), fornecendo subsídios a
vários inquéritos civis públicos instaurados pelo parquet, além de participar ativamente de
inquéritos que posteriormente levariam a ajustamentos no mercado.
Esta situação alcançou seu ápice no caso em análise, quando a autora passou a ser “cobrada”
não só por consumidores, mas, também, pelo próprio Poder Judiciário do Estado do Rio de
Janeiro, que, impossibilitado de dar uma resposta direta e efetiva ao descumprimento da Lei
Estadual 4.223/2003 no âmbito de ações individuais – pois assim agindo, entenderam alguns
órgãos do judiciário estadual, terminar-se-ia admitindo a banalização do instituto do dano moral
se fossem aplicadas condenações desta ordem em demandas individuais – passou a remeter à
autora sentenças de improcedência nestas demandas (ofícios 3048/2010/OF e 1570/2010/OF –
anexo), com o claro fito de demonstrar a violação da lei e exigir-lhe a adoção das medidas que
se entendeu realmente cabíveis e eficazes para o restabelecimento da ordem legal, ou seja, o
cumprimento das disposições da Lei Estadual 4.223/2003.
“Voto. Relação de consumo. Consumidor que informa ter permanecido por
exatamente 48 minutos e 30 segundos em fila de banco. Sentença que julga
improcedente o pedido autoral. Julgado que não merece retoque. Situação
que, ainda que caracterize violação de regra, não configura hipótese de
lesão à esfera psicológica da parte autora a ponto de merecer
reparação por indenização pecuniária. Dano moral que deve ser
reconhecido em hipóteses que fujam ao cotidiano das relações em
sociedade e atentem contra a dignidade, a honra e o bem estar psíquico
da pessoa. Parte autora que não demonstrou conseqüências dessa ordem
pela espera na fila do banco. Vício na prestação do serviço que de per si
não implica lesão moral. Posto isto, conheço do recurso e VOTO no
sentido de que lhe seja negado provimento, mantendo a sentença em todos
os seus termos. Nada obstante, considerando o teor da Lei 4223/03, que
estipula o prazo máximo de 20 minutos, em dias normais, e de 30
minutos, em vésperas e depois de feriados, para atendimento ao
público nas agências bancárias do Estado do Rio de Janeiro,
DETERMINO, na forma do art. 5º do referido diploma legal, seja oficiado
à Comissão de Defesa do Consumidor da ALERJ e ao CONDEF –
Conselho Estadual de Defesa do Consumidor, informando o
descumprimento legal de que trata, a fim de que se adotem as
providências cabíveis junto à instituição bancária ré. Custas e honorários
pelo autor, estes fixados em 10% sobre o valor atualizado da causa,
observado o art. 12 da Lei 1060/50”. (TJ/RJ – RI 0065934-48.2010.8.19.0001
– SEGUNDA TURMA RECURSAL - Juiz(a) CARLA SILVA) (grifos nossos)
“Estado do Rio de Janeiro Poder Judiciário XXVII JUIZADO ESPECIAL
CÍVEL DA COMARCA DA CAPITAL Processo n.º 0060502-
48.2010.8.19.0001 Parte autora: LUCIENE MARA CORRÊA GOMES Parte
ré: BANCO DO BRASIL S/A PROJETO DE SENTENÇA. A autora alega que,
no dia 29/01/2010, ficou na fila de espera na agência do banco-réu
localizada na Avenida Marechal Câmara por mais de uma hora, para ser
atendida em caixa convencional (fls.19/20 e 24). Requer indenização por
danos morais. Afasto a preliminar de inépcia da inicial. Da simples leitura da
petição inicial é possível extrair a causa de pedir e pedido da autora, que
foram narrados de forma simples e sucinta, nos termos do art. 14, §1º, da Lei
n.º 9.099/95. Tanto é que permitiram a apresentação de defesa bem
fundamentada. Rejeito a preliminar de falta de interesse de agir, porque
evidente a necessidade e a utilidade da prestação jurisdicional para a autora,
sendo certo que a apresentação de contestação é prova da resistência
quanto ao pedido, a legitimar a propositura da demanda. A relação jurídica
entre as partes é de consumo, sendo impositiva a aplicação do Código de
Proteção e Defesa do Consumidor. A autora é destinatária final dos serviços
fornecidos pelo réu, mediante remuneração, no mercado de consumo. A
autora se desincumbiu do encargo de provar o fato constitutivo de seu
direito. Prova que, no dia 29/01/2010, às 16h10min, retirou senha para
atendimento em caixa convencional (fl.19), vindo a ser atendida uma
hora depois, conforme se extrai da autenticação nos documentos de
fls.20 e 24. Assim, ficou comprovado o tempo de espera superior ao
estabelecido pela Lei Estadual n.º 4.223/03. Tal diploma legal preveja
sanções administrativas para as agências bancárias que deixarem de
disponibilizar funcionários suficientes no caixa para que o atendimento seja
efetivado no prazo máximo de vinte minutos em dias normais. Os fatos
narrados pela autora, advogada, caracterizam, sem dúvida, a prestação
defeituosa do serviço pelo réu, que deixou de primar pela qualidade que
dele se esperava. No entanto, a falha no serviço prestado pelo réu, por
si só, não gera automaticamente a obrigação de indenizar, se não
houver a caracterização do dano. Isso porque a espera em fila de banco
por tempo superior a trinta minutos, especialmente nos últimos dias do mês,
como é o caso dos autos, não constitui necessariamente lesão a direito da
personalidade da autora, caracterizando sim situação desagradável geradora
de aborrecimento ou transtorno normal em uma grande metrópole, aliás,
inevitável no convívio social. O dano moral só deve ser reconhecido em
hipóteses que fujam ao cotidiano das relações em sociedade e atentem
contra a dignidade, a honra e o bem estar psíquico da pessoa, o que não é o
caso dos autos. Nada obstante, considerando o teor da Lei 4.223/03, que
estipula o prazo máximo de 20 minutos, em dias normais, e de 30
minutos, em vésperas e depois de feriados, para atendimento ao
público nas agências bancárias do Estado do Rio de Janeiro, impõe-se,
na forma do art. 5º do referido diploma legal, seja oficiado à Comissão
de Defesa do Consumidor da ALERJ e ao CONDEF - Conselho Estadual
de Defesa do Consumidor, informando o descumprimento legal de que
aqui se trata, a fim de que se adotem as providências cabíveis junto à
instituição bancária ré. Ante o exposto, JULGO IMPROCEDENTE o
pedido. Sem custas e honorários advocatícios (art.55, Lei n.º 9.099/95).
Determino ao Cartório a expedição de ofício à Comissão de Defesa do
Consumidor da ALERJ e ao CONDEF - Conselho Estadual de Defesa do
Consumidor, informando o descumprimento da Lei 4.223/03 de que aqui
se trata, a fim de que se adotem as providências cabíveis junto à
instituição bancária ré, devendo o ofício ser instruído com cópia desta
sentença. Anote-se o nome do(a) advogado(a) da parte ré para futuras
publicações, conforme requerido na contestação. Rio de Janeiro, 28 de
outubro de 2010. Altair Rodrigues Lopes Filho Juiz Leigo Remeto os autos à
MM. Juiza Togada, para posterior homologação. Homologo, por sentença, o
projeto de sentença acima proferido na forma do art. 40 da Lei 9099/95, para
que produza os seus jurídicos e legais efeitos. P.R.I. Certificado o trânsito
em julgado, dê-se baixa e arquivem-se”. (TJ/RJ - XXVII JUIZADO ESPECIAL
CÍVEL DA COMARCA DA CAPITAL Processo n.º 0060502-
48.2010.8.19.0001 – 28/10/2010) (grifos nossos)
No mesmo sentido – pela impossibilidade de aplicar sanção judicial “astreinte” para impor o
cumprimento de lei – decidiu a Décima Segunda Câmara Civil deste tribunal, no recurso de
apelação 2004.001.30034, no qual o Ministério Público requereu à aplicação de multa por
descumprimento da Lei Municipal 2.861/1999 (com mesmo objeto). Segundo a relatora,
Desembargadora Nanci Mahfuz:
Voto (pág. 07)
“Desta forma, a sentença merece reforma, para julgar procedente, em parte,
o pedido para determinar que os réus cumpram a Lei 2.861/99, à exceção do
inciso IV e do § 1º do art. 4º, declarados incidentalmente inconstitucionais, no
prazo de noventa dias, sendo indevida a fixação de multa, porque a lei já
prevê as penalidades”. (TJ/RJ – Apelação Civil 2004.001.30034 – Décima
Segunda Câmara Cível – Relator (a): Des. Nanci Mahfuz - julgamento em:
06/05/2008)
Como vem sendo observando pelos órgãos do Poder Judiciário do Estado do Rio de Janeiro que
“provocaram” a autora, dispõe o artigo 5º, da Lei 4.223/2003 que “as denúncias dos usuários dos
serviços bancários quanto ao descumprimento desta [daquela] Lei deverão ser encaminhadas à
Comissão de Defesa do Consumidor nas diversas esferas: municipal, estadual e federal”. O
enunciado normativo fixa, embora de forma implícita, a competência para fiscalizar e exigir o
cumprimento das medidas previstas na lei, logo, para impor as sanções decorrentes de seu
descumprimento.
É corrente na doutrina o entendimento de que, de forma geral, a norma jurídica é composta
necessariamente de duas partes, preceito e sanção. Aquele estabelece o padrão de conduta
exigível dos destinatários, esta, segundo Norberto Bobbio, corresponde à resposta dada pelo
ordenamento jurídico à sua violação. Em outros termos, a sanção é a maior garantia de
coercibilidade das normas jurídicas. Preceito legal sem sanção que assegure sua aplicação
corresponde a um nada jurídico, afinal, uma vez admitido como válido, o padrão de conduta deve
impor-se, ainda que pelo poder punitivo do Estado.
Assim, compete ao Estado, enquanto agente normativo e órgão regulador (art. 5º, XIII, c/c art.
170, parágrafo único e 174, da CRFB) das atividades econômicas, fiscalizar o bom cumprimento
das normas regulamentares, inclusive, e principalmente, por meio da imposição de sanções.
Deixar de aplicá-las, como hoje ocorre com a Lei Estadual 4.223/2003, é assumir o risco de levar
ao descrédito todas as instituições públicas e o próprio Estado Democrático de Direito (art. 1º, da
CRFB).
No caso em análise, a competência para o controle coercitivo da norma decorre dos enunciados
normativos dos artigos 4º e 5º da Lei Estadual 4.223/2003, pois, se a própria lei, em seu artigo
5º, determina que notícias de eventuais descumprimentos sejam encaminhadas as comissões
municipais, estaduais e federais de defesa do consumidor (órgãos públicos), entre elas a autora,
torna-se intuitiva a conclusão de que compete a estes órgãos a aplicação das sanções (art. 4º)
ali estabelecidas, afinal, é legitimo pressupor que a lei que institui as competências preveja
meios para sua execução.
Trata-se da aplicação concreta da teoria dos poderes implícitos, amplamente difundida no
sistema norte americano por imposição dos arrestos da Suprema Corte. Segundo o juiz John
Marshall (McCulloch versus Maryland):
“Pode-se com assaz de razão sustentar que um governo, ao qual se
cometeram tão amplos poderes (como o dos Estados Unidos), para cuja
execução a felicidade e a prosperidade da nação dependem de modo tão
vital, deve dispor de largos meios para sua execução. Jamais poderá ser de
seu interesse, nem tampouco se presume haja sido sua intenção, paralisar e
dificultar-lhe a execução, negando para tanto os mais adequados meios”.
(BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. – 24ª ed. – São
Paulo: Malheiros Editores, 2009. págs. 472)
Vale dizer que o mesmo posicionamento já foi sustentado pelo Supremo Tribunal Federal, antes
da edição da Constituição de 1967, para legitimar a inclusão do instituto da reclamação, por
construção pretoriana, no Regimento Interno daquele Tribunal. Segundo voto preliminar do
Ministro Rocha Lagoa na Reclamação nº 141, julgada em 25/11/1952,
“Tudo o que for necessário para fazer efetiva alguma disposição
constitucional, envolvendo proibição ou restrição ou a garantia a um poder,
deve ser julgado implícito e entendido na própria disposição.
...vão seria o poder, outorgado ao STF, de julgar, mediante recurso
extraordinário, as causas decididas em única ou ultima instância se lhe não
fora possível fazer prevalecer seus próprios pronunciamentos, acaso
desrespeitados pelas Justiças locais”. (GRINOVER, Ada Pellegrini, A
Reclamação para Garantia da Autoridade das Decisões dos Tribunais.
In. Revista de Direito da Associação dos Procuradores do Novo Estado do
Rio de Janeiro: Direito Processual Civil – 10º Volume – Rio de Janeiro:
Lúmen Júris, 2002. pág. 01)
Assim sendo, a melhor interpretação de normas que estabeleçam atribuições e competências
legais a órgãos da administração pública, sempre será aquela que permita alcançar, de forma
legitima e eficiente, ou seja, com menor ônus público possível, os objetivos nela estabelecidos.
De acordo com a doutrina, a lei que outorga uma competência geral subentende-se e pressupõe-
se – ainda que implicitamente – que forneça os meios legais para sua execução. De outra forma,
estaríamos diante de um ordenamento jurídico incompleto, pois, segundo Bobbio, todo sistema
normativo é composto por três tipos básicos de normas: as que permitem condutas, as que
proíbem condutas e as que obrigam a adoção de condutas, estas, impostas coercitivamente
através da aplicação de sanções.
Por isso cabe ao intérprete, em um esforço de integração do sistema jurídico, fornecer às
normas a interpretação que melhor colabore para a realização dos fins legalmente previstos,
possibilitando que os poderes públicos, de posse de ferramentas adequadas e eficientes – ainda
que implícitas –, persigam o ideal normativo. Em outras palavras, não é dado ao intérprete
imaginar que a “intenção da norma” seja dificultar sua própria aplicação.
“... na interpretação de um determinado poder não se consentirá coisa
alguma que possa invalidar ou prejudicar os seus confessados
objetivos. Diz o eminente constitucionalista que se as palavras de um
texto forem suscetíveis de duas interpretações, de conformidade com o
uso e o senso comum, é de rejeitar-se aquela que colide com um ou
com todos os objetivos estabelecidos pela norma e a cuja realização ela
se propunha, adotando-se, ao revés, a interpretação tendente a
promover e preservar os sobreditos interesses em toda a sua inteireza.
Tal regra, acrescenta Story, resulta meramente dos ditames do senso
comum, porquanto todo instrumento há de ser interpretado de sorte que ut
magis valeat, quam pereat. [para que a coisa mais valha que pereça]
(tradução nossa)
(...)
Coroando a tese da legitimidade dos meios empregados para fazer eficaz o
desempenho de uma competência constitucional, Story assim fixa um dos
pontos altos da doutrina clássica: ‘Na interpretação de um poder, todos os
meios ordinários e apropriados a executá-lo são considerados parte do
poder. Tal resulta da natureza mesma e do fim de uma Constituição’.
Acrescenta a seguir que o modo de exercer uma competência não exclui os
demais, podendo ocorrer o seguinte: o modo eficaz e útil numa idade ou
debaixo de uma determinada circunstância vem a revelar-se por inteiro inútil
ou pernicioso noutra época.
Prosseguindo a exposição da doutrina relativa à latitude dos meios e
poderes implícitos, assevera ele: ‘Na execução prática do governo, os
agentes da autoridade pública devem fruir de liberdade para exercer os
poderes que a Constituição e as leis lhes cometeram. Devem ter uma
larga margem discricionária quanto à escolha dos meios; e o único
limite a essa esfera de discrição há de consistir na adequação dos
meios ao fim (...). Se o fim for legítimo e estiver dentro no escopo da
Constituição, todos os meios apropriados e claramente ajustados
àquele fim, e não proibidos, podem ser constitucionalmente
empregados para levá-lo a bom termo’.
(...)
Em suma, a regra máxima de interpretação constitucional ministrada acima
por Story se condensa nesse ponto de universalidade e racionalismo: ‘Com
efeito, nenhum axioma no direito ou na razão se acha mais claramente
estabelecido que aquele, segundo o qual, onde se pretende o fim se
autorizam os meios. Toda a vez que se outorga um poder geral, ai se
inclui todo o poder particular necessário a efetivá-lo’”. (BONAVIDES,
Paulo. Curso de Direito Constitucional. – 24ª ed. – São Paulo: Malheiros
Editores, 2009. págs. 472 a 474)
Pelo exposto, resta claro que a autora, uma vez reconhecida publicamente como órgão da
administração pública, desconcentrada das atividades do Poder Legislativo para o exercício da
defesa dos consumidores no Estado do Rio de Janeiro (art. 109, da Constituição do Estado do
Rio de Janeiro; arts. 25 c/c 26, do Regimento Interno da Assembléia Legislativa do Estado do
Rio de Janeiro), e, portanto, integrante do Sistema Nacional de Defesa do Consumidor – SNDC
(art. 7º, do Decreto 2.181/1997), tem competência para aplicar as sanções previstas no artigo 4º,
da Lei 4.223/2003, ainda que por via de processo judicial, onde será assegurado às rés, se
quiserem, o exercício do contraditório e da ampla defesa (art. 5º, LV, da CRFB).
A autora, portanto, possui legitimidade para, na qualidade de substituta processual dos
consumidores, exigir, em favor destes, o pagamento da multa prevista na Lei Estadual n.º
4.223/2003 pelo descumprimento desta, que visa, em síntese apertada, regular relação entre
instituição financeira e consumidor.
Vale dizer que, durante anos a autora advertiu (art. 4º, I, da Lei Estadual 4.223/2003) as rés
sobre o sistemático descumprimento das obrigações constantes da Lei 4.223/2003, no entanto,
tal medida demonstrou-se ineficaz, até o momento, para modificar-lhes a conduta, fato que a
levou a propor a presente ação coletiva de consumo, de forma que possa ser cobrada (art. 566,
I, do CPC) a multa prevista naquela lei (art. 4º, II, da Lei Estadual 4.223/2003), sendo convertida
sua renda em favor do Fundo de Direitos Difusos em âmbito federal (art. 29, parágrafo único do
Decreto nº 2.181/1997), ao menos, enquanto não for criado fundo especial de defesa do
consumidor no Estado do Rio de Janeiro (art. 31, Decreto nº 2.181/1997).
Da falha na prestação do serviço por descumprimento de norma regulamentar
Problemas relacionados ao tempo de espera em filas de bancos sempre foram um desafio para
o atendimento de consumidores em todo o país. Sem parâmetros legais que estabelecessem
padrões mínimos a serem alcançados pelas instituições financeiras, o tratamento dos
consumidores terminou relegado, durante muitos anos, ao arbítrio de decisões comerciais e
econômicas destas mesmas instituições, ou seja, longe da efetiva esfera de proteção perquirida
pela Política Nacional de Defesa do Consumidor (art. 4º, do CDC).
Durante este longo período de anomia, tais decisões levaram a beira do absurdo o atendimento
dos consumidores nas agências bancárias, principalmente daqueles que, embora não
guardassem relação comercial (contratual) com as instituições financeiras, delas dependiam
para a manutenção de “transações” com terceiros. Situação agravada devido às políticas de
beneficiamento dos usuários cativos (clientes).
Negligenciando o fato de que vários serviços bancários (inclusive o atendimento nos caixas) são,
por excelência, públicos, as instituições financeiras promoveram – durante muitos anos e em
larga escala – investimentos em produtos e serviços que visavam melhorar apenas o
atendimento de seus clientes. Estes foram beneficiados pelo uso de canais de auto-atendimento
(local, telefônico, internet) e pela disponibilização, nas agências bancárias, de atendimentos
preferenciais; porém, os demais, assim como uma parte significativa de clientes das instituições
rés (especialmente os idosos e os intelectualmente hipossuficientes, que não possuem
intimidade com a tecnologia implantada pelos bancos), que foram restringidos à mesma
qualidade de atendimento do “passado”, viveram a piora nos serviços decorrente da sistemática
redução do número de funcionários.
Com tal política, e sem regulamentação para o setor, deixou-se claramente para segundo plano
o atendimento dos usuários das agências bancárias, que continuaram, mesmo com a
progressiva redução dos atendimentos pessoais provocada pela difusão dos acessos
informatizados (para os clientes), a aguardar longos períodos nas filas das agências bancárias.
De forma geral, o Código de Defesa do Consumidor (em 1990) foi o marco inicial para modificar
esta realidade. Com a edição de um código principiológico avançou-se no sentido de estabelecer
parâmetros gerais (standard) aplicáveis a toda disponibilização de produtos e serviços no
mercado. Neste sentido, vários enunciados do CDC convencionaram classificar como impróprios
(inadequados) os serviços que se mostrassem inadequados para os fins que razoavelmente
deles se esperam; bem como aqueles que não atendessem as normas regulamentares de
prestabilidade (arts. 12, § 1º; 14, § 1º; 18, § 6º e 20, § 2º, do CDC).
“Segundo Antônio Herman Benjamin (Benjamin, Comentários, p. 45), o CDC
impõe uma teoria da qualidade: os produtos e serviços colocados no
mercado pelos fornecedores deverão ter uma ‘qualidade-segurança’ (arts. 8º
a 17) e uma ‘qualidade-adequação’ (arts. 18 a 25), quebrando assim a
summa divisa entre a responsabilidade extracontratual e contratual, pois, ao
impor deveres próprios e a solidariedade entre fornecedores, contratantes ou
não, e em relação a todos os consumidores (art. 2º, parágrafo único, art. 17 e
art. 29), estabeleceu novo paradigma na responsabilidade objetiva por fato
do produto e do serviço (arts. 12 a 17), na falha na qualidade-segurança,
dano à incolumidade física e psíquica do consumidor, e na responsabilidade
objetiva por vício (aparente ou oculto) do produto e do serviço (arts. 18 a 25).
Assim, da aceitação de uma teoria da qualidade nasceria, no sistema do
CDC, um dever anexo para o fornecedor, uma verdadeira garantia implícita
de segurança razoável e de adequação conforme a confiança despertada,
inclusive incluindo a falha informacional como defeito ou vício do produto ou
do serviço”. (MARQUES, Claudia Lima. et al. Comentários ao Código de
Defesa do Consumidor. – 2ª ed. – São Paulo: Editora Revista dos
Tribunais, 2006. pág. 235)
Estabelecida a tutela da confiança nestes termos, toda legítima expectativa criada no
consumidor deve ser correspondida, ou seja, deve haver uma ação correlata (do fornecedor) que
garanta a sua efetiva realização. Neste sentido resta ao intérprete, destinatário da norma, fixar,
no caso concreto, tão somente o alcance daquilo que se entende por “legítima expectativa”, ou,
em outras palavras, aquilo que o consumidor pode razoavelmente esperar dos produtos e
serviços disponibilizados no mercado de consumo.
O enunciado normativo do parágrafo 2º, do artigo 20, do CDC, fixa dois critérios interpretativos
para o conceito de adequação. O primeiro, subjetivo, determina a tutela da confiança sobre
aquilo que razoavelmente se pode esperar de produtos e serviços (primeira parte); o segundo,
objetivo, preestabelece aquilo que, sem qualquer dúvida, o consumidor deve, por força das
normas editadas pelo poder público, esperar de determinados serviços.
Como acima afirmado, um dos atributos da norma jurídica é a coercibilidade. Disso decorre a
seguinte conseqüência lógica: se por um lado o regulamento (norma jurídica) cria um padrão de
conduta, estabelecendo obrigações imperativas para os seus destinatários (deveres e
obrigações), por outro, sempre produz uma legítima expectativa de cumprimento na sociedade.
Segundo Celso Antônio Bandeira de Mello:
“A função nuclear do Direito é o estabelecimento de uma ordem. Vale dizer:
o objetivo essencial buscado pelas normas jurídicas é a fixação de pautas de
comportamento, graças ao quê tanto a sociedade como seus membros têm
por definido o que pode e o que não pode ser feito. Sem isso haveria o caos,
a incerteza, a insegurança completa.
(...)
Com efeito, a “segurança jurídica” coincide com uma das mais profundas
aspirações do homem: a da segurança em si mesma, a da certeza possível
em relação ao que o cerca, sendo esta uma busca permanente do ser
humano. É a insopitável necessidade de poder assentar-se sobre algo,
reconhecido como estável ou relativamente estável, o que enseja projetar e
iniciar, consequentemente – e não aleatoriamente, ao mero sabor do acaso –
, comportamentos cujos frutos são esperáveis a médio e longo prazos. Dita
previsibilidade é, portanto, o que condiciona a ação humana. Esta é a
normalidade das coisas”. (BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. A
estabilidade dos atos administrativos e a segurança jurídica, boa-fé e
confiança legítima ante atos estatais. In. Grandes temas de Direito
Administrativo. São Paulo: Malheiros Editores, 2009. págs. 168 e 169)
Trecho da matéria jornalística (anexo) destacada como “Pesquisa mostra freqüente
desrespeito no Rio à espera máxima de 20 minutos de filas de banco”, publicada no dia
22/05/2010 no caderno de economia do Jornal O Globo (on line), sob a insígnia “Fora da Lei”,
demonstra claramente a frustração produzida na sociedade quando a norma jurídica – padrão
estabelecido e aceito por todos como válido – deixa de ser cumprida, principalmente quando isso
ocorre em favor de instituições financeiras como as rés, contras as quais a população em geral
alimenta especial sentimento de impotência.
“RIO – A lei é clara: o tempo máximo de espera nas filas de bancos deve ser
de até 20 minutos. No entanto, 36% dos atendimentos na cidade do Rio
ultrapassam esse prazo. Ou seja, desrespeitam a lei. É o que mostra a
pesquisa, encomendada pela ‘Defesa do Consumidor’, ao Instituto Brasileiro
de Relações com o Cliente (IRBC), que visitou sete agências dos seis
maiores bancos do país – Banco do Brasil, Bradesco, Caixa Econômica,
HSBC, Itaú Unibanco, Santander/Real – entre os dias 10 e 14 deste mês.
- É bom você dizer que em 64% das vezes a lei é cumprida? Não, é
horrível. Ora, é uma lei. Tem de ser cumprida 100%. Se houvesse uma
variação de até 10%, poderíamos dizer que é um desvio padrão. Mas
mesmo expurgado do resultado os casos limites (houve espera de
1h44m), o percentual de não cumprimento é muito alto – avalia
Alexandre Diogo, presidente do IBRC”.
(http://oglobo.globo.com/economia/seubolso/mat/2010/05/22/pesquisa-
mostra-frequente-desrespeito-no-rio-espera-maxima-de-20-minutos-de-filas-
de-banco-916658846.asp)
Dito isso fica claro – para efeitos de aplicação do conceito de serviço adequado, baseado na
legitima expectativa do consumidor (art. 20, § 2º, do CDC) – que qualquer previsão legal que
regulamente a prestabilidade de um serviço, corresponde, em contra-partida, a uma legítima
expectativa, pois, afinal, qual outra expectativa poderia ser mais legítima que aquela respaldada
por uma norma jurídica(?).
Assim, não há dúvida de que os limites de tempo estabelecidos na Lei Estadual 4.223/2003
criaram uma legítima expectativa nos consumidores fluminenses, pois, ao “adaptar” a regra
prevista no parágrafo 2º, do artigo 20, do CDC, para o caso específico do atendimento bancário
feito por caixas, a lei estadual determinou, de maneira definitiva, qual o tempo máximo aceitável
para que o atendimento em agências bancárias seja considerado adequado.
Em outras palavras, todo atendimento de consumidores na rede bancária do Estado do Rio de
Janeiro, realizado fora daquele parâmetro, é inadequado (art. 20 do CDC). Neste sentido, segue
a jurisprudência do tribunal de justiça:
INDENIZATÓRIA. TEMPO DE ESPERA NA FILA DO BANCO. FALHA NA
PRESTAÇÃO DO SERVIÇO. DANOS MORAIS NÃO CONFIGURADOS.
Mero transtorno, incômodo ou aborrecimento não se revela suficiente à
configuração do dano moral, devendo o direito reservar-se à tutela de fatos
graves, que atinjam bens jurídicos relevantes, sob pena de se levar à
banalização do instituto com a constante reparação de desentendimentos do
cotidiano. DECISÃO MONOCRÁTICA COM FULCRO NO ART. 557, CAPUT,
DO CPC, QUE NEGA SEGUIMENTO AO RECURSO. (TJ/RJ - APELACAO
0003416-70.2009.8.19.0061 - DES. VERA MARIA SOARES VAN
HOMBEECK - Julgamento: 10/05/2010 - PRIMEIRA CAMARA CIVEL) (grifos
nossos)
INDENIZATÓRIA. RELAÇÃO DE CONSUMO. TEMPO DE ESPERA EM
FILA DE BANCO SUPERIOR A 40 MINUTOS. LEI 4.223/03. DEFEITO NA
PRESTAÇÃO DO SERVIÇO. DANO MORAL CONFIGURADO NA
HIPÓTESE. REFORMA DA SENTENÇA. Restou suficientemente
comprovada a narrativa autoral, quanto à alegação de espera por mais de 40
minutos para ser atendida em agência bancária da ré, não tendo o réu se
desincumbido do ônus legal previsto no art. 14, §3º, do estatuto
consumerista. A violação ao disposto na Lei 4.223/03, quanto ao tempo
de espera em fila bancária, denota não só a existência de defeito na
prestação do serviço, mas também de danos de ordem imaterial,
ensejando compensação. Não se pode compelir o consumidor a
suportar a má organização e falta de eficiência da instituição bancária
em comento, mormente se tal conduta acarreta ao mesmo transtorno e
sensação de impotência e menosprezo, em razão do tempo de espera
de quase uma hora para realizar simples operação financeira.
Precedentes. Quantum arbitrado conforme os princípios atinentes à matéria.
PROVIMENTO DO RECURSO. (TJ/RJ - APELACAO 0123917-
73.2008.8.19.0001 - DES. CARLOS SANTOS DE OLIVEIRA - Julgamento:
12/01/2010 - NONA CAMARA CIVEL) (grifos nossos)
APELAÇÃO CÍVEL. INDENIZAÇÃO. DEMORA EM FILA DE BANCO. DANO
MORAL. INOCORRÊNCIA. Pretensão indenizatória por dano moral em razão
de ter ficado o autor por mais de uma hora em fila no estabelecimento réu.
Embora caracterizado o defeito no serviço prestado pelo réu, não
restou configurada a sua responsabilidade civil por inexistência de
dano a indenizar. Fato que não passa de mero aborrecimento, sem
agressão a qualquer direito subjetivo da personalidade do autor. Inexistência
de dano moral.Sentença de improcedência que não merece qualquer
reforma.Precedentes jurisprudenciais no sentido de que a espera em fila de
banco por tempo superior a trinta minutos é mero aborrecimento ou
transtorno corriqueiro. Incidência da Súmula n° 75. Artigo 557, caput, do
CPC. RECURSO A QUE SE NEGA SEGUIMENTO. (TJ/RJ - APELACAO
0000323-21.2008.8.19.0066 (2009.001.05862) - DES. ISMENIO PEREIRA
DE CASTRO - Julgamento: 11/08/2009 - DECIMA QUARTA CAMARA
CIVEL) (grifos nossos)
AGRAVO INOMINADO. APELAÇÃO CÍVEL. Ação de indenização por danos
morais. Serviço bancário. Lei federal 8.078/90. Espera para atendimento
em fila de banco por mais de 40 minutos. Previsão legal de espera no
tempo máximo de 20 minutos. Lei estadual 4.223/03 que visa o
aprimoramento da qualidade do atendimento bancário à população.
Fornecedor que não cumpre seu dever legal de provar qualquer excludente
de responsabilidade. A compensação eventualmente devida a quem foi
atingido pela conduta ilícita de outrem não visa propiciar um enriquecimento
ao lesado e sim restabelecer seu statu quo ante, motivo pelo qual o valor
fixado pelo juízo monocrático deverá ser mantido. DECISÃO PROFERIDA
PELO RELATOR QUE SE MANTÉM. AGRAVO DESPROVIDO. (TJ/RJ -
APELACAO 0007008-91.2008.8.19.0212 (2009.001.45908) - DES.
FERDINALDO DO NASCIMENTO - Julgamento: 29/09/2009 - DECIMA
NONA CAMARA CIVEL) (grifos nossos)
No que se refere à competência para estabelecer estes parâmetros, vale dizer que se dúvidas
existiram quanto à possibilidade dos Estados e Municípios regulamentarem o atendimento nas
agências bancárias, esta foi “espancada” pela jurisprudência dos tribunais superiores. Segundo o
entendimento firmado pelo Supremo Tribunal Federal, as leis que impõem tempo máximo de
atendimento no serviço bancário não interferem na regulamentação do sistema financeiro, logo,
não usurpam a competência federal para a matéria. Desta forma, as regras de atendimento ao
público nas instituições financeiras podem ser, abstratamente falando, fixadas pelos Estados e
Municípios.
RECURSO EXTRAORDINÁRIO. CONSTITUCIONAL. CONSUMIDOR.
INSTITUIÇÃO BANCÁRIA. ATENDIMENTO AO PÚBLICO. FILA. TEMPO DE
ESPERA. LEI MUNICIPAL. NORMA DE INTERESSE LOCAL.
LEGITIMIDADE. Lei Municipal n. 4.188/01. Banco. Atendimento ao público e
tempo máximo de espera na fila. Matéria que não se confunde com a
atinente às atividades-fim das instituições bancárias. Matéria de interesse
local e de proteção ao consumidor. Competência legislativa do Município.
Recurso extraordinário conhecido e provido. (STF - RE 432789/SC -
Relator(a): EROS GRAU - Julgamento: 13/06/2005 - Órgão Julgador:
Primeira Turma – Informativo 392)
ADMINISTRATIVO – AGÊNCIA BANCÁRIA – FUNCIONAMENTO –
HORÁRIO DE ATENDIMENTO AO PÚBLICO. 1. Dentro da evolução da
jurisprudência desta Turma, com a orientação dada pelo STF, têm-se
entendido que pode o Município estabelecer o tempo de atendimento ao
público, a partir da identificação do horário da retirada da senha e de efetivo
atendimento. 2. Por interferência do PROCON, os Municípios têm editado
leis diversas no sentido de regulamentar o prazo de atendimento. 3. Recurso
especial conhecido, mas improvido. (STJ - REsp 467.451 / SC - Relator(a):
Ministro (a) ELIANA CALMON – julgamento em: 18/05/2004)
PROCESSO CIVIL E ADMINISTRATIVO. PERÍODO MÁXIMO DE
PERMANÊNCIA DE CLIENTES EM FILAS DE ESTABELECIMENTOS
BANCÁRIOS. COMPETÊNCIA MUNICIPAL. INAPLICABILIDADE DA
SÚMULA N. 19/STJ. 1. Compete ao Município legislar sobre a fixação do
período máximo de permanência de clientes nas filas de agências bancárias.
2. Inaplicabilidade da Súmula n. 19/STJ ao caso dos autos. 3. Recurso
especial improvido. (STJ - REsp 711918 / RS - Relator(a): Ministro
FRANCISCO PEÇANHA MARTINS (1094) - Relator(a) p/ Acórdão: Ministro
JOÃO OTÁVIO DE NORONHA - SEGUNDA TURMA - Data do Julgamento:
18/10/2007)
AÇÃO CIVIL COLETIVA. ANTECIPAÇÃO DOS EFEITOS DA TUTELA. LEI
ESTADUAL Nº 4223/03. 1. Devem ser antecipados os efeitos da tutela
coletiva, uma vez que o pedido na ação civil coletiva é o mero cumprimento
do comando imposto por lei, assim como são evidentes os danos ao
consumidor que deixa de cumprir com compromissos do cotidiano. 2. Não se
argumente a inconstitucionalidade das leis que impõem o limite de tempo
para o atendimento do usuário, porque o Supremo Tribunal Federal decidiu
pela competência legislativa do Município para disciplinar o tempo máximo
de espera na fila nos bancos. 3. Neste diapasão, embora a Excelsa Corte
tenha decidido que o Município possui competência legislativa para o tema,
não poderá o referido ente da federação estabelecer norma em
descompasso com a fixada em lei estadual, sob pena de se implantar o
caos. Vale, assim, dizer que as leis municipais no âmbito do Estado do Rio
de Janeiro não podem fixar o tempo de atendimento nas agências bancárias
diverso daquele previsto na lei estadual. 4. Dessa forma, no Estado do Rio
de Janeiro, deve o atendimento ser efetivado no prazo máximo de 20 (vinte)
minutos, em dias normais, e de 30 (trinta) minutos, em véspera e depois de
feriados, consoante preceitua a Lei Estadual nº 4223/03, em razão da
competência legislativa do Estado-membro em legislar, concorrentemente,
com a União nos casos de dano ao consumidor. 5. Provimento parcial do
agravo. (TJ/RJ - 0001062-66.2006.8.19.0000 (2006.002.04760) - AGRAVO
DE INSTRUMENTO - DES. JOSE CARLOS PAES - Julgamento: 13/02/2007
- OITAVA CAMARA CIVEL)
Pelo exposto, fica claro que qualquer descumprimento das normas estabelecidas na Lei Estadual
4.223/2003, seja quanto ao tempo máximo de espera em fila (art. 1º), seja quando a instalação
dos mecanismos que possibilitarão a fiscalização deste tempo (art. 2º), representa falha na
prestação do serviço (art. 20, do CDC), logo, conduta passível de aplicação das sanções
administrativas previstas no artigo 4º da mesma lei.
Da inexistência de litispendência sobre o pedido de imposição da multa administrativa
contida na Lei Estadual 4.223/2003.
A Comissão de Defesa do Consumidor da Assembléia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro
figura neste processo como substituta processual dos consumidores, o que significa dizer que a
“autora” deste processo é a coletividade de consumidores. Havendo outra ação proposta por um
dos legitimados indicados nos artigos 82, CDC, e 5º, da Lei n.º 7.347/85, que tenha como
fundamento a Lei Estadual n.º 4.223/2003, deve-se verificar, para fins de exame de eventual
litispendência ou coisa julgada, se os pedidos são idênticos. Com efeito, a ação que visa impor
obrigação de cumprir as regras de atendimento previstas na lei estadual sob comento, assim
como a ação que visa cobrar a multa por fato gerador diverso do fato gerador invocado na
presente, não são idênticas.
Passados sete (7) anos da entrada em vigor da Lei Estadual 4.223/2003, como acima exposto, o
quadro de atendimento dos usuários (consumidores) dos serviços prestados pelas rés no
Estado do Rio de Janeiro pouco se modificou.
Muito embora algumas ações coletivas de consumo, entre elas uma da própria autora contra o
réu Banco do Brasil (0055472-03.2008.8.19.0001 - 2008.001.054794-5), tenham sido
propostas, até hoje a referida lei continua sendo sistematicamente descumprida, inclusive,
sem aplicação efetiva da sanção de multa administrativa nela estabelecida.
Como abaixo se demonstrará, os pedidos formulados nesta ação judicial não guardam
identidade com quaisquer outros que a autora tenha conhecimento. Da mesma forma, o objeto
mediato desta ação coletiva - cobrança de multa - não induz litispendência com as demais ações
coletivas de consumo até aqui propostas. Esta ação, ao contrário das demais, não tem a
finalidade precípua de determinar que a Lei Estadual 4.223/2003 – existente, válida e eficaz –
seja cumprida (mas, por óbvio, caso sejam acolhidos os pedidos, os bancos réus se sentirão
“menos à vontade” para descumprir a lei); afinal, pedidos desta espécie invertem a relação de
obrigatoriedade e imperatividade das normas jurídicas, pois, salvo quando destinada à vigência
temporária, a lei só perde sua vigência quando modificada, revogada (art. 2º, LIC) ou declarada
inconstitucional.
Mesmo que exista algum motivo (constitucional) para não aplicação de uma lei – e a priori nunca
há – esta continua válida e eficaz até o implemento de uma das circunstancias supracitadas. Em
outras palavras, até sua revogação ou declaração de inconstitucionalidade, a lei é auto-aplicável,
inclusive, no que diz respeito às sanções nela estabelecidas. Como sustentado pelo
Desembargador Sergio Cavalieri Filho – em julgamento acerca da aplicação de sanções
administrativas no subsistema da infância e adolescência (arts. 245 a 258 da Lei 8069/1990) – é
“... fundamental prevenir e reprimir a ocorrência dessas infrações administrativas, sob pena de
esvaziamento do comando constitucional e enfraquecimento do poder político estatal,
contribuindo para o descrédito das instituições públicas ocasionado pela sensação de
impunidade”.
Vale dizer que, o que se pretende com esta ação judicial, ao contrário das demais até aqui
propostas, é estabelecer um procedimento legítimo – facultando às rés o exercício do devido
processo legal, do contraditório e da ampla defesa (art. 5º, LIV e LV, da CRFB) – para que seja
exercida, com homologação do Poder Judiciário, a competência de fiscalização atribuída à
autora (art. 5º, da Lei Estadual 4.223/2003 c/c 2º; 5º e 7º do Decreto 2.181/1997), inclusive, com
a aplicação da multa prevista no artigo 4º, II, da Lei Estadual 4.223/2003.
No mesmo sentido é necessário que se diga: a multa que a autora pretende ver aplicada por
intermédio deste processo não se confunde ou tem natureza de astreinte (art. 461 c/c § 5º, do
CPC) – condenação acessória – mas, sim, de penalidade administrativa (sanção legal).
Enquanto em outras ações coletivas a multa (astreinte) é meio para coagir o cumprimento da
decisão judicial, nesta, é o próprio objeto da ação, que visa cobrar a penalidade pelo
descumprimento da lei.
A diferença existente entre as multas sancionadoras e as coercitivas já foi objeto de análise pelo
Superior Tribunal de Justiça, que concluiu, inclusive, pela possibilidade de cumulação.
LOCAÇÃO. PROCESSUAL CIVIL. MULTA DIÁRIA. ASTREINTE. ART. 461,
§ 4.º, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. IMPOSIÇÃO POR
DESCUMPRIMENTO DE DETERMINAÇÃO JUDICIAL. NATUREZA
COERCITIVA. COMINAÇÃO CONCOMITANTE COM A MULTA PREVISTA
NO ART. 921, INCISO II, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. NATUREZA
POSSESSÓRIA. POSSIBILIDADE. EXIGIBILIDADE DO PAGAMENTO.
QUANDO CONFIGURADO O DESCUMPRIMENTO DA DETERMINAÇÃO
JUDICIAL OU AO FINAL DO PROCESSO. VALOR DA MULTA DIÁRIA.
RAZOÁVEL. NÃO DEVE PROPORCIONAR O ENRIQUECIMENTO SEM
CAUSA DA OUTRA PARTE. 1. A multa imposta com base no art. 461, §
4.º, do Código de Processo Civil tem natureza coercitiva e visa compelir
o devedor a cumprir determinação judicial, possuindo natureza distinta
da multa prevista no art. 921, inciso II, do Código de Processo Civil, que
tem cunho sancionatório, aplicável na hipótese de nova turbação à
posse; possuindo, inclusive, fatos geradores distintos. Enquanto a
multa do art. 461, § 4.º, do Código de Processo Civil, decorre do não
cumprimento da decisão judicial, a do art. 921, inciso II, origina-se de
novo ato do Réu, atentando contra a posse do Autor. 2. As astreintes são
devidas desde o momento em que ocorre o descumprimento da
determinação judicial do cumprimento da obrigação de fazer ou não-fazer;
sendo exigível, contudo, apenas depois do trânsito em julgado da sentença,
tenha sido a multa fixada antecipadamente ou na própria sentença,
consoante os §§ 3.º e 4.º do art. 461 do Código de Processo Civil. 3. A
coercibilidade da multa diária, prevista no art. 461, § 4.º, do Diploma
Processual, reside justamente na possibilidade de cobrança futura, de modo
a vencer a obstinação do devedor. Desse modo, quando maior a
recalcitrância do devedor, maior será o valor da multa devido pelo devedor
em razão do não cumprimento da determinação judicial; a qual será devida a
partir da ciência até o cumprimento do ordem. 4. No caso concreto, a
sentença deixou de prever a aplicação da multa, a qual foi restabelecida pelo
acórdão. Todavia, é inequívoco que até a sentença o Réu mostrou
recalcitrância no cumprimento da ordem, razão pela qual é devida a multa
diária desde a intimação das decisões de fls. 41 e 91 até a prolatação da
sentença. 5. Recurso especial parcialmente provido. (STJ - REsp 903226/SC
- Relator(a): Ministra LAURITA VAZ - Órgão Julgador: QUINTA TURMA -
Data do Julgamento: 18/11/2010) (grifos nossos)
Vale dizer que na legislação não há qualquer impedimento para se cobrar, via ação judicial
coletiva, penalidade prevista em lei de defesa do consumidor pelo seu descumprimento
que poderia ser objeto de processo administrativo, afinal, desta prática não decorre
qualquer prejuízo às garantias constitucionais do contraditório e da ampla defesa.
Ademais, a aplicação de sanções administrativas, reversíveis para fundos de defesa do
consumidor, inclui-se no conceito de interesse difuso (art. 1º, IV da Lei 7.347/1985), é
como se os consumidores estivessem cobrando crédito a que teriam direito para ser
depositado em uma “conta comum a todos”.
Dispõe a Constituição da República Federativa do Brasil que aos litigantes, em processo judicial
ou administrativo em geral, são assegurados o contraditório e a ampla defesa com os
meios e recursos a eles inerentes (art. 5º, LV, da CRFB). Por outro lado, estabelece que
“a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito” (art. 5º,
XXXV, da CRFB).
A interpretação conjunta dos dispositivos constitucionais, aliada à construção jurisprudencial de
que não há necessidade do exaurimento das instâncias administrativas para a
interposição de medidas judiciais, não deixa dúvidas: o processo judicial pode prestar-se à
imposição de sanção por infração administrativa.
“Infração administrativa é o descumprimento voluntário de uma norma
administrativa para o qual se prevê sanção cuja imposição é decidida
por uma autoridade no exercício de função administrativa – ainda que
não necessariamente aplicada nesta esfera .
Reconhece-se a natureza administrativa de uma infração pela natureza
da sanção que lhe corresponde, e se reconhece a natureza da sanção
pela autoridade competente para impô-la. Não há, pois, cogitar de
qualquer distinção substancial entre infrações e sanções
administrativas e infrações e sanções penais. O que as aparte é única e
exclusivamente a autoridade competente para impor a sanção, conforme
correto e claríssimo ensinamento, que boamente sufragamos, de Heraldo
Garcia Vitta. Com efeito, é disso que resulta o regime jurídico que lhes
confere a própria feição, a identidade jurídica que lhes concerne, como
acentuaram Régis Fernandes de Oliveira e Daniel Ferreira, enfatizando um
critério formal.
Sanção administrativa é a providência gravosa prevista em caso de
incursão de alguém em uma infração administrativa cuja imposição é
da alçada da própria Administração. Isto não significa, entretanto, que a
aplicação da sanção, isto é, sua concreta efetivação, possa sempre se
efetuar por obra da própria Administração. Com efeito, em muitos casos,
se não for espontaneamente atendida, será necessário recorrer a via judicial
para efetivá-la, como ocorre, por exemplo, com uma multa, a qual, se não for
paga, só poderá ser juridicamente cobrada”. (BANDEIRA DE MELLO, Celso
Antônio. Curso de Direito Administrativo. – 16ª ed. – São Paulo: Malheiros
Editores, 2009, pág. 840 e 841)
Em outras palavras, mais importante que a forma pela qual a sanção é aplicada é a sua efetiva
aplicação, deste que preservadas as garantias constitucionais. Assim, surgem os seguintes
questionamentos: A imposição da multa prevista no artigo 4º, da Lei 4.223/2003, por via judicial,
implica em inobservância do direito fundamental ao contraditório e a ampla defesa? Este
procedimento pode implicar em prejuízo à defesa das rés? Certamente que não. O rito dos
processos judiciais – e o cumprimento de todas as formalidades a eles inerentes – em regra,
garantem a realização do contraditório e da ampla defesa em níveis muito superiores aos
garantidos nos processos administrativos, não havendo, portanto, prejuízo à defesa dos
litigantes.
Vale dizer que, esta espécie de procedimento – aplicação, via judicial, de multa prevista em lei
pelo seu descumprimento – é encontrado em outro subsistema semelhante e posterior ao do
Código de Defesa do Consumidor: o Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei 8069/1990); este
criado dois meses antes daquele, mas, a exemplo do CDC, também voltado à proteção integral
de uma classe específica e hipossuficiente.
Dispõe o Estatuto da Criança e do Adolescente, em seu artigo 194 (e seguintes), sobre a
apuração de infrações administrativas às normas de proteção à criança e ao adolescente
(Capitulo III, seção VII). Naquele capítulo, o legislador disciplinou um procedimento intitulado
“representação” – do Ministério Público, ou dos conselhos tutelares (auto de infração quando
elaborado por servidor efetivo ou não) – perante a autoridade judiciária, para aplicação, ao final
(por sentença), de sanção administrativa previamente estabelecida na lei (arts. 245 a 258).
No contexto desta espécie de representação, a exemplo do que se pretende com este processo
judicial, o Poder Judiciário homologa – e eventualmente intervém em caso de erro de dosimetria
– a pretensão dos órgãos competentes de impor as sanções administrativas previstas no
subsistema do estatuto.
“DIREITO ADMINISTRATIVO - ESTATUTO DA CRIANÇA E DO
ADOLESCENTE - INFRAÇÃO ADMINISTRATIVA - ART. 152 DO ECA -
APLICAÇÃO SUBSIDIÁRIA DA NORMA PROCESSUAL PERTINENTE -
ART. 251 DO ECA - INFRAÇÃO DE NATUREZA ADMINISTRATIVA -
SÚMULA 74/STJ - INAPLICABILIDADE - PRESCINDIBILIDADE DE
CERTIDÃO DE DOCUMENTO – RESPONSABILIZAÇÃO SOCIAL. 1. A
aplicação subsidiária de norma processual deve guardar pertinência com a
natureza da infração administrativa, no que concerne a regramento geral não
previsto no próprio procedimento especial do Estatuto da Criança e do
Adolescente, exegese do art. 152 do ECA. 2. Dentro do microssistema de
proteção a crianças e adolescentes, as infrações administrativas não se
apresentam com atributos de ordem jurisdicional, mas como punição
administrativa do Poder Judiciário, no exercício de função atípica,
derivada do poder de polícia. (In: Estatuto da criança e do adolescente:
doutrina e jurisprudência. 8ª ed. São Paulo: Atlas, 2006; ISHIDA, Válter
Kenji). 3. ‘As infrações são de natureza administrativa e a pena
estabelecida é de multa.’ (In: Comentários ao Estatuto da Criança e do
Adolescente", 10ª ed. Malheiros: São Paulo, p. 268; LIBERATI, Wilson
Donizeti.) 4. A par da natureza administrativa da infração, ausentes os
efeitos penais, é inaplicável a Súmula 74 do STJ: ‘Para efeitos penais, o
reconhecimento da menoridade do reu requer prova por documento hábil.’ 5.
Diferentemente do sistema penal, a responsabilização nas sanções
administrativas não busca reprimir o indivíduo em sua subjetividade,
mas liga-se, no Estatuto da Criança e do Adolescente, à
responsabilidade social que advém do Princípio da Proteção Integral. 6.
A infração administrativa constante no art. 251 do ECA prescinde de
certidões de nascimento ou documentos equivalentes. 7. Com base no
conteúdo fático inscrito aos autos pelo Tribunal a quo, forçoso concluir que a
permissão do ingresso de "R. da S. B. e D. da S. B., sem autorização judicial,
e sem documentação que comprovasse o parentesco com as pessoas que
as acompanhavam" é suficiente para a aplicação de multa sancionatória.
Recurso especial provido”. (STJ - REsp 1163663 / SC - Relator(a): Ministro
HUMBERTO MARTINS - Órgão Julgador: SEGUNDA TURMA - Data do
Julgamento: 05/08/2010)
“ECA. Infração Administrativa. Aplicação de Multa Pecuniária. Redução do
Valor Aquém do Mínimo Legal. Possibilidade. Medida Excepcional.
Ponderação de Valores à Luz do Caso Concreto. A regra geral é a da
validade e legitimidade da opção do legislador ordinário quanto à fixação dos
limites da pena correlata à infração administrativa. Todavia,
excepcionalmente, à luz das especificidades do caso concreto, tais limites
deverão ser remetidos à discricionariedade judicial, para melhor realização
possível das garantias fundamentais constitucionalmente asseguradas,
dentre as quais se destacam o aspecto substancial do devido processo legal
(razoabilidade/proporcionalidade) e a proteção integral à criança e ao
adolescente - CR, 5º, LIV; 227/230; 1º, III; 5º, caput. A proteção integral à
criança e ao adolescente, além de configurar dever da família, da
Sociedade e do Estado, constitui norte inafastável da interpretação e
aplicação das normas jurídicas pertinentes. Daí a inegável importância
de se prestigiar e se efetivar as sanções impostas à condutas que
contrariem tal diretriz. Ou seja, é fundamental prevenir e reprimir a
ocorrência dessas infrações administrativas, sob pena de esvaziamento
do comando constitucional e enfraquecimento do poder político estatal,
contribuindo para o descrédito das instituições públicas ocasionado
pela sensação de impunidade. Assim, na generalidade dos casos,
impõe-se a incondicional observância aos critérios estabelecidos na lei.
Mas é possível que, in concretu, tais critérios contrariem os postulados
constitucionais supramencionados. É o que ocorre quando os elementos
probatórios e as regras de experiência comum (CPC, 333) indicam a
hipossuficiência econômico-financeira dos devedores da prestação devida -
normalmente, os pais. Em tais situações excepcionais, a excessiva
imposição da pena também afetará os interesses da criança e do
adolescente. Sim, porque a multa pecuniária traduz uma restrição e/ou
diminuição patrimonial imposta aos genitores, a qual reverterá em desfavor
do(s) filho(s), já que reduz as condições de maior e melhor auxílio material a
este(s) - v.g., alimentação, vestuário, lazer. Essa diminuição do poder
aquisitivo - e, assim, das reais possibilidades de sustento do(s) filho(s)
contrapõe-se à exigência constitucional de proteção integral da criança e do
adolescente, cuja eficácia há de ser máxima e efetiva no plano dos
fatos.Outrossim, a pena pecuniária não supre eventual carência
emocional/afetiva dos filhos, sendo apenas mero instrumento inibitório de
futuras investidas contra os interesses e direitos da criança e do
adolescente.Sentença parcialmente reformada.Desprovimento do recurso de
agravo”. (TJ/RJ - APELACAO 0283083-15.2006.8.19.0001 (2009.001.18536)
- DES. SERGIO CAVALIERI FILHO - Julgamento: 07/10/2009 - DECIMA
TERCEIRA CAMARA CIVEL)
O mesmo se dá na proteção e defesa do consumidor (art. 5º, XXXII e 170, V, da CRFB), para a
qual – a exemplo do que ocorre na defesa da criança do adolescente e do idoso – ao Estado é
imposto papel fundamental (art. 4º, II, do CDC). Também nesses casos, a persecução punitiva
do Estado, no exercício do Poder de Polícia, deve ser prestigiada, dando-se sempre da forma
mais ampla e abrangente possível, desde que garantidos os direitos fundamentais do devido
processo legal do contraditório e da ampla defesa.
Assim sendo, fica claro que não há obste a utilização de processo judicial como sucedâneo e
substituto de procedimento administrativo sancionador, pois ao final, não haverá qualquer
prejuízo para as partes nele envolvidas. Da mesma forma, não há litispendência entre os
pedidos formulados nesta ação judicial e aqueles anteriormente submetidos ao Poder Judiciário,
motivo pelo qual a autora junta a este processo as petições iniciais dos processos análogos (Lei
Estadual 4.223/2003) de que tem conhecimento.
Ação Civil Pública - Comissão de Defesa do Consumidor da Assembléia Legislativa do Estado
do Rio De Janeiro X Banco do Brasil SA Processo 0055472-03.2008.8.19.0001
(2008.001.054794-5)
Ação Civil Pública - Instituto Nacional de Defesa do Cidadão Consumidor Indeccon X Banco Boa
Vista e Outro(s)... - Processo 0009554-44.2006.8.19.0001 (2006.001.009505-6)
Ação civil pública – Ministério Público Federal e Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro X
Caixa Econômica Federal e outros – Processo nº 2006.51.01.022317-4
Da antecipação da tutela
O objetivo precípuo da jurisdição é promover o restabelecimento da ordem jurídica mediante
eliminação do conflito de interesses que ameaça a paz social. Ao dar “ao direito do caso
concreto a certeza que é condição da verdadeira justiça” e ao realizar “a justa composição do
litígio”, “promove, a jurisdição, o restabelecimento da ordem jurídica, mediante eliminação do
conflito de interesses que ameaça a paz social” (THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de
Direito Processual Civil. Rio de Janeiro: Forense, 2004, p. 36).
Da exposição dos fatos e do direito extraí-se que existe um litígio entre consumidores dos
serviços bancários que utilizam o atendimento pessoal dos réus, e que este conflito fere a ordem
jurídica de forma a ameaçar a paz social.
Para que o exercício da jurisdição possa alcançar o seu objetivo precípuo neste caso concreto,
que nesta fase aponta para a aplicação da sanção prevista no artigo 4º, II, da Lei Estadual n.º
4223, de 24 de novembro de 2003, para todos os atos praticados pelos réus que violaram a
obrigação imposta no artigo 1º da lei ora sob comento, é necessária a colaboração de todos os
órgãos públicos que sejam capazes de informar, baseados em fatos considerados provados
(com a observância do contraditório), casos de inobservância do tempo máximo de espera pelo
atendimento bancário pessoal, conforme previsto no artigo 5º, da Lei n.º 4223, de 24 de
novembro de 2003.
Neste sentido, apenas os órgãos judiciários que exercem a jurisdição cível no Estado do Rio de
Janeiro, e que, à luz das regras de organização judiciária local, apreciam causas que envolvem
litígios sobre o tempo de espera em atendimentos bancários pessoais feitos pelos réus, é que
podem prestar as informações imprescindíveis na fase de liquidação.
A falta destas informações no curso da demanda tornará inócuo o eventual deferimento do
pedido de cobrança da multa prevista na Lei Estadual n.º 4223, de 247 de novembro de 2003, ou
extremamente moroso o curso da execução do eventual julgamento procedente do pedido.
Por isso, necessário se faz a concessão de medida liminar através de pedido de antecipação de
tutela para que os órgãos judiciários que exercem a jurisdição cível no Estado do Rio de Janeiro,
e que, à luz das regras de organização judiciária local, apreciam causas que envolvem litígios
sobre o tempo de espera em atendimentos bancários pessoais feitos pelos réus, noticiem a este
MM Juízo, como alguns já vinham fazendo diretamente para a autora por força do disposto no
artigo 5º, da Lei Estadual n.º 4223, de 24 de novembro de 2003, os casos de comprovada
inobservância do tempo de espera para o atendimento bancário pessoal previsto na lei estadual
sob comento que tiverem apreciado, fornecendo assim, prova emprestada que viabilizará a
execução da multa neste processo judicial.
Note-se que, ainda que a medida que se pretende obter através de antecipação de tutela seja
típica de medidas que reclamam processo cautelar, ou que a seu campo esteja localizado em
“zona cinzenta”, nada impede que a medida liminar seja requerida através de antecipação de
tutela, visto que os requisitos desta são mais rigorosos que os das cautelares.
“Havendo evidente risco de dano grave e de difícil reparação, que
possa, realmente, comprometer a efetividade da futura prestação
jurisdicional, não cometerá pecado algum o decisório que admitir, na
liminar do art. 273 do CPC, providências preventivas que, com maior
rigor, deveriam ser tratadas como cautelares. Mesmo porque as
exigências para o deferimento da tutela antecipada são maiores do que
as da tutela cautelar”. (THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de
Direito Processual Civil. Rio de Janeiro: Forense, 2004, p. 342).
Por outro lado, a medida, caso deferida, não será capaz de causar danos irreversíveis aos réus,
pelo menos não injustos, visto que apenas será feito aquilo que já está previsto na lei. Quanto ao
princípio do contraditório, este, que já terá presumidamente sido garantido quando do exame do
caso concreto informado pelo órgão judicial informante, será novamente observado na fase de
liquidação da eventual sentença que tiver acolhido o pedido de cobrança.
Vale dizer que a medida hoje pleiteada impedirá que os descumprimentos da Lei Estadual
4223/2003, perpetrados até o fim deste processo, sejam alcançados pela prescrição ou
esquecidos pelo tempo; “congelando-os”, para que na fase de execução, seja possível cobrar
das rés a responsabilidade pelos atos antijurídicos hoje praticados.
Dispõe o parágrafo 3º do artigo 84 do CDC (repetido no artigo 461, § 1º do CPC) que, “sendo
relevante o fundamento da demanda e havendo justificado receio de ineficácia do provimento
final, é lícito ao juiz conceder a tutela liminarmente ou após justificação prévia, citado o réu”.
O dispositivo supramencionado cuida da concessão de tutela liminar para garantir a total
satisfação do direito do consumidor nos casos em que a espera pelo provimento final da
demanda interfere de forma negativa.
Trata-se, portanto, de verdadeira antecipação de tutela, logo, deve o dispositivo ora em comento
ser interpretado em harmonia com o artigo 273 do Código de Processo Civil, que trata do
assunto de forma geral.
O artigo 273 do CPC exige, para que seja concedida a antecipação parcial ou total da tutela
pretendida, que exista prova inequívoca que convença o juiz sobre a verossimilhança das
alegações do autor, e que “haja fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação”. A
antecipação da tutela não será concedida caso exista “perigo” de irreversibilidade do provimento
antecipado.
A doutrina e a jurisprudência já se manifestaram sobre a contradição existente nas expressões
“prova inequívoca” e “que convença da verossimilhança da alegação”, contidas no artigo 273 do
CPC, concluindo que, havendo uma prova inequívoca haverá certeza, e não simples
verossimilhança, cujo real significado é parecer ser verdadeiro o alegado, logo, a melhor
interpretação para o dispositivo é haver probabilidade da existência do direito alegado, para que
possa ser concedida a antecipação da tutela.
“O artigo 273 condiciona a antecipação da tutela à existência de
prova inequívoca suficiente para que o juiz se convença da
verossimilhança da alegação. A dar peso ao sentido literal do texto,
seria difícil interpretá-lo satisfatoriamente porque prova inequívoca é
prova tão robusta que não permite equívocos ou dúvidas, infundindo
no espírito do juiz o sentimento de certeza e não mera
verossimilhança. Convencer-se da verossimilhança, ao contrário, não
poderia significar mais do que imbuir-se do sentimento de que a
realidade fática pode ser como a descreve o autor.
Aproximadas as duas locuções formalmente contraditórias contidas
no artigo 273 do Código de Processo Civil (prova inequívoca e
convencer-se da verossimilhança), chega-se ao conceito de
probabilidade, portador de maior segurança do que a mera
verossimilhança”. (DINAMARCO, Cândido Rangel. A reforma do
Código de Processo Civil. São Paulo: Malheiros, 1995, p.143)
RESPONSABILIDADE CIVIL DO FABRICANTE.
ANTICONCEPCIONAL INERTE. DEFEITO DO PRODUTO
RECONHECIDO. INGESTÃO PELA AUTORA NÃO PROVADA.
IMPOSIÇÃO DO PAGAMENTO DE DESPESAS DO PARTO EM
ANTECIPAÇÃO DE TUTELA. A prova inequívoca, para efeito de
antecipação da tutela, quando se trata de relação de consumo, é de
ser interpretada sem rigorismo, pois, nessa matéria, mesmo em sede
de cognição plena, dispensa-se juízo de certeza, bastante a
probabilidade extraída de provas artificiais da razão. DECISÃO
MANTIDA (TJRS, AI 599374303, 9ª CâmCív., Rel. Desa. Mara
Larsen Chechi, j. 25-8-1999).
Portanto, para que a antecipação de tutela possa ser concedida é necessário que haja prova (ou
mesmo indícios) demonstrando que há probabilidade de ser verdadeira a alegação do autor da
demanda e o fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação. A medida não poderá,
contudo, ser concedida quando houver perigo de irreversibilidade do provimento antecipado.
Como visto, é inegável a presença dos pressupostos necessários ( fumus boni iuris e periculum
in mora) para a concessão da medida antecipatória no caso em análise. Por outro lado, a
concessão da medida não irá acarretar prejuízos às rés, pelo menos não injustos.
Dos pedidos
Por todo o exposto, requer a autora:
1) A citação das instituições rés, via mandado próprio, para, querendo, contestar a presente;
2) seja reconhecida (declarada) a competência da autora para promover a aplicação da multa,
via processo judicial, prevista no artigo 4º, II, da Lei 4.223/2003, por cada dia em que não foi
observado o tempo máximo de espera para atendimento pessoal em agências bancárias;
3) sejam os réus condenados a pagar multa (inicial) na forma prevista no artigo 13, da Lei n.º
7.347/85, cada um, de 10.000 UFIR’s por cada dia de descumprimento das regras previstas nos
artigos 1º e 2º da Lei Estadual n.º 4.223, de 24 de novembro de 2003, em valor a ser apurado
em sede de liquidação de sentença;
4) a concessão de antecipação da tutela para que os órgãos judiciários que exercem a jurisdição
cível no Estado do Rio de Janeiro, e que, à luz das regras de organização judiciária local,
apreciam causas que envolvem litígios sobre o tempo de espera em atendimentos bancários
pessoais feitos pelos réus, noticiem a este MM Juízo os casos de inobservância do tempo de
espera para o atendimento bancário pessoal previsto na lei estadual sob comento que tiverem
apreciado;
5) a condenação das rés na obrigação de publicar, às suas custas, em dois jornais de grande
circulação desta Capital, em quatro dias intercalados, sem exclusão do domingo, em tamanho
mínimo de 20 cm x 20 cm, a parte dispositiva de eventual sentença de procedência, para que os
consumidores dela tomem ciência, oportunizando, assim, a efetiva proteção de direitos lesados;
6) a intimação do Ministério Público;
7) a condenação das rés no pagamento dos ônus sucumbências.
Protesta por todos os meios de prova admitidos. Dá-se à causa o valor de R$ 27.900,00 (vinte e
sete mil e novecentos reais).
Rio de Janeiro, 5 de abril de 2011.
ANDRÉ LUIZ DE SOUZA CRUZ
OAB/RJ 150.514
PAULO GIRÃO BARROSO
OAB/RJ N. 107.255
ADRIANA MONTANO LACAZ
OAB/RJ 78.46O