b071-lou carrigan-champagne com cerejas

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    SANGUE NO MAR

    Indubitavelmente o maior erro que pode cometer um

    homem que realiza uma misso de espionagem durante anoite vestir-se de branco. Quando a escurido absoluta,talvez isso no tenha importncia. Mas quando h umaformosa lua tropical num cu recamado de estrelas,qualquer espio digno de tal nome enverga roupas negras e,se possvel, pinta a cara da mesma cor. Assim, provvel

    que possa escapar depois de conseguir seu objetivo.Mas, vestir-se completamente de branco numa noite

    enluarada algo mortal. Pelo menos, costuma s-lo. Comoo sol, a lua reflete-se em sua roupa branca quase to bemcomo o faria num espelho. Era o que estava acontecendoaquela noite.

    O homem, de ponto em branco, corria o mais que erapossvel, aproximando-se da praia da ilhota.

    Trazia na mo uma pequena maleta de peso toconsidervel que mais de uma vez chegou a cambalear e atroc-la de mo. Atrs dele, nada menos que uma dzia dehomens bem armados, parecendo furiosa matilha lanada

    emps de uma lebre assustada.Igualmente vestidos de branco em sua maioria, mas comuma vantagem: no tinham por que se esconder, j que eramos caadores. A vegetao era afastada semcontemplaes rudemente, pouco importando o rudo da

    proveniente. Tampouco se impediam de falar, dando uns

    aos Outras indicaes a respeito da posio da presa.A assustada presa vestida de branco, que corria para apraia, com aquela maleta que parecia pesar tanto quanto ele

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    mesmo, O homem voltava freqentemente a cabea, semdeixar de correr. Todo o seu rosto redondo e moreno, detraos indgenas, estava coberto de suor que penetrava emsua boca aberta como a de um co ofegante. Ele procurava

    fazer o mnimo rumor possvel, mas sabia que seu caminhoseria cortado inevitavelmente quando chegasse praia. Umavez l, no teria mais escapatria.

    Bem. Certamente poderia lanar-se gua, tentarafastar-se da ilhota a nado, mas... A maleta pesava emexcesso, ele estava terrivelmente cansado e, sem dvida,

    antes que pudesse recuperar-se para nadar embaixo dgua,uma dzia de armas o crivariam de balaos.

    Entretanto, continuava correndo para o mar. J estavamuito perto. Poucos segundos mais tarde, seus psdescalos se enterravam na areia, aumentando assim adificuldade de sua corrida desesperada. Parecia que seus

    joelhos iriam dobrar de uni momento para outro. A menosde trinta metros, via-se o mar, com espumas brancascoroando as cadenciadas ondas. Mais alm, a enormeextenso liquida estendia-se para leste, como uma negramancha, at chegar ao continente sul-americano. Nohorizonte, viam-se as luzes de uma metrpole importante;

    Ciudad Andina.Mas Ciudad Andina, por desgraa, estava demasiado

    longe para Gilberto Sierra. To distante como suaspossibilidades de salvao. Do que no havia dvida eraque Gilberto Sierra, o homem perseguido era de umateimosia admirvel: precipitava-se para o mar como se l,

    ao invs do trmino fatal de seu caminho, estivesse suasalvao, ou qualquer coisa verdadeiramente valiosa.E talvez ele estivesse certo.

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    Talvez, se conseguisse chegar ao mar, estivesse salvo...Pac! Pac! Pac!

    Os trs disparos de rifle automtico soaram de um modoarrepiantemente claro no silncio da praia insular, por trs

    do desventurado Gilberto, que lanou um grito, maisprpriameflte um gemido de dor e espanto, parecendoreceber um violento empurro nas costas. Saltou com maisfora para frente, ergueu os braos, soltando a maleta, e caiude bruos na areia que brilhava como prata.

    Atrs dele, ouviram-se vozes claras, em espanhol,

    dizendo que o haviam acertado. O rumor dos dozecaadores aumentou, foi ouvido com toda a nitidez.Vrias figuras comearam a aparecer na orla do palmeiralque chegava at a praia. Todos armados, todos dispostos arematar implacavelmente o pobre Gilberto Sierra.

    Levaram ainda uns segundos at v-lo ajoelhar-se na

    areia e arrastar-se para a maleta.A maleta.Gilberto, simplesmente, estava jogando a vida por

    aquela maleta. Quer dizer, j a tinha jogado... e perdido. Jde nenhum modo poderia escapar, com aquelas trs balascravadas nas costas.

    No obstante, ele insistia, deslizando para a maleta.Conseguiu agarr-la com suas mos trmulas. J nemsequer ouvia as vozes daqueles doze homens que o tinhamcaado como um animal, como uma fera. No ouvia nada.Mas via a maleta e muito perto dele, o mar. O mar que

    banhava aquela bonita ilha, parte do grupo que futuramente

    se Constituiria em Estado, sob o nome de Ilhas Coronadas.Ilhas Coronadas...

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    Gilberto logrou pr-se de p e continuar correndo para agua. Um homem deveras obstinado, voluntarioso, estava-se revelando o pobre Gilberto Sierra.

    J quase beira da gua, avanava aos tropees,

    quando atrs dele tornaram a soar alguns disparos de rifle,rompendo a noite negra e manchada de prata com alongadosclares violceos, avermelhados, brilhantes.

    Novamente ele caiu de bruos. Tinha as costas crivadasde balaos, completamente empapadas de sangue. Quiserguer-se uma vez mais, inutilmente. A noite prateada

    transformava-se na mais negra escurido aos olhos deGilberto, o bom ndio andino. Mas as trevas no eram todensas que o impedissem de ver a maleta.

    E ainda teve foras para apanh-la. E teve foras paraajoelhar-se, com as pernas metidas na gua. E pde atirar amaleta ao mar, com suas ultimas energias.

    A maleta caiu na gua e afundou rapidamente. Emmenos de trs segundos, no ficou nenhum sinal dela.

    Na praia, Gilberto tinha-se posto novamente de joelhos.Seus olhos arregalados contemplavam o mar, as luzes deCiudad Andina, que se viam longe, muito longe... Tolonge, que ele jamais poderia voltar para l. Mas talvez

    fosse o desejo de v-la uma ltima vez o que o obrigou alevantar-se, assombrosamente.Pareceu a ponto de dizer alguma coisa, deu dois passos

    para o mar... Por trs dele, tornaram-se a ouvir disparos enada menos que meia dzia de novas balas se cravaram emsuas costas.

    Agora sim. Agora, realmente, j eram demasiadas balas.Gilberto Sierra caiu outra vez de bruos, na gua. E aosenti-la em seu rosto, sorriu. A verdade era que no o

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    atormentava dor alguma, nenhuma angstia. Tudo o quesentia era o frescor da gua do mar em seu rosto ndio. Ofrescor do Pacifico, seu mar... E l longe, Ciudad Andina,

    brilhando na noite...

    Gilberto Sierra foi um homem afortunado morreusorrindo.

    Quando alguns de seus perseguidores entraram no marat as coxas, para traz-lo areja, a gua estava manchadade vermelho. Eram manchas feias, estranhas, mais

    brilhantes que a gua.

    Est sorrindo, o miservel! Deixe-o. Precisamos encontrar a maleta disse

    outro. Vai ser fcil. No a pode ter atirado muito longe.

    Vamos mergulhar todos, at encontr-la. Que fazemos comele?

    Que fique onde est. O mar se encarregar de lhe dardestino.

    E assim foi. Deixaram o cadver beira da gua,parcialmente submerso, rodeado pela mancha formada porseu prprio sangue. O que importava no era ele, mas amaleta que atirara ao mar.

    E o mar dele se encarregou, engolindo-o e dissolvendolentamente a mancha de sangue.

    Mas, ao que parecia, tinha-se tambm encarregado damaleta, j que os doze caadores, por mais que aestivessem procurando, no conseguiram encontr-la.

    * * *

    E muito pouco depois, a uns trezentos metros maradentro, enquanto nestes, doze homens mergulhavam

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    repetidamente, duas sombras negras emergiam das negrasguas, junto a um pequeno bote. Dois homens comequipamento submarino: trajo de borracha, tubos de ar...Um deles, a primeira coisa que fez foi atirar dentro do bote

    a maleta pesadssima que tinha custado a vida de GilbertoSierra.

    Depois, ambos subiram rapidamente pequenaembarcao e empunharam os remos. No convinha fazer omenor rudo. O bote comeou a deslizar em silncio para olitoral, em direo s luzes de Ciudad Andina.

    Um dos homens-rs perguntou:Acha voc que Gilberto morreu?Naturalmente.Malditos! De bom grado voltaria ilha para.Calma. No ser ele o nico a perder a vida por esta

    maleta. O que temos que fazer agora chegar at Hctor

    Benavente. E no ser fcil. Precisamos ter muito cuidadoem Andina, Paco.

    Eu sei, Lus. Mas se Gilberto deu sua vida por isso,ns terminaremos seu trabalho. Est prometido: chegaremosat Hctor Benavente custe o que custar. Gilberto no terderramado seu sangue em vo.

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    CAPTULO PRIMEIRO

    Um terrvel inverno que no acaba mais...

    A pedido da ONUUma espi deliciosa!

    No h nada como o mar declarou firmementeBrigitte, mas aborrece-me esse mar de inverno cheio de

    brumas, tio Charlie. Por isso, prefiro minha banheira demrmore rosa. No est de acordo?

    Charles Pitzer, chefe direto da agente Baby, estava nobanheiro desta, contemplando-a com os olhos muitoabertos, j que, evidentemente, ela se achava nua porcompleto.

    Pena que aquela abundante espuma perfumada acobrisse inteiramente, de tal modo que o pobre Pitzer no

    podia tirar muita vantagem de sua privilegiada posio. A

    espuma era tambm cor-de-rosa e tinha um aroma sutil derosas frescas. Naquele mar de espuma rosada, os olhos azuisde Baby destacavam-se como duas estrelas numa noiteapenas possvel em sonho.

    Sim, sim... estou de acordo, Brigitte.Ela retirou uma perna da espuma e contemplou-a

    criticamente, quase com desgosto. Isto , o contrrio dePitzer, que estava gastando quantos olhos tinha.

    Minhas pernas no me agradamdisse ela. Mas se so formidveis...! protestou Pitzer.

    Refiro-me cor... Claro que ainda esto um pouquinhodouradas de sol, mas no tanto quanto eu gosto. E este

    horrvel inverno que no acaba mais! Como prefiro o vero,o sol, as palmeiras, os pssaros de todas as cores, o calorque convida a tomar champanha gelado... Odeio o inverno!

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    Com toda minha alma! No acha que minhas pernasperderam a sua bonita cor do sol, tio Charlie?

    Filhinha, no acho nada! Suas pernas no perderamcoisa nenhuma. Voc uma gatinha muito vaidosa.

    Gatinha vaidosa? estranhou Brigitte, erguendo assobrancelhas.

    Gosta que lhe digam a todo instante que bonita, quehomem nenhum pode resistir aos seus encantos... Oh, sim,voc a gatinha mais presumida do mundo!

    E esta outra perna? levantou a direita. No lhe

    parece que aqui se conserva melhor o dourado solar?As duas so iguais. Muito belas, muito perfeitas e...

    Ora, vamos, no vim aqui para lhe dizer amabilidades, maspara incumbi-la de um pequeno trabalho.

    Pequeno? Parece que sim. Tolices de um pequeno pas, pelo

    menos... Vai sair do banho?Vou.timo!brilharam os olhos de Charles Pitzer. Terei que repreender Peggy por deix-lo entrar em

    meu quarto de banho, tio Charlie. Voc devia estaresperando na saleta, no ?

    Eu subornei a Peggy. Ah, sim? Pois isso como se me dissesse quesubornou o Presidente dos Estados Unidos com dinheiro daRssia. Pura mentira. Sei muito bem que embromou acoitada para poder chegar at aqui. Ou no?

    Bem ... Quando ela me disse que voc estava

    tomando banho...

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    Tio Charlie, isso falta de vergonha. Agora, faa ofavor de virar-se de costas enquanto tomo um chuveiro frio

    para refrescar meu formoso corpo e remover a espuma.Resmungando, Pitzer levantou-se do banquinho e virou-

    se de costas para a banheira. Ouviu claramente o som dagua ao deslizar pelo corpo da mais bela espi de todos ostempos

    No se vire!exclamou ela.Mas isto suplcio de Tntalo...gemeu Pitzer,No seja exagerado riu Brigitte, friccionando-se sob o

    jorro de gua fria.Voc no tem nada de mitolgico. E opobre Tntalo um personagem de Mitologia, no?

    Voc deve saber... Oh, sim! Deixe-me recordar meus bons tempos de

    estudante aplicadssima. Vejamos... Tntalo, ou Tantalus,foi filho de Zeus, pai de Pelops e Niobe. Foi rei da

    Patagnia. Roubou a ambrosia do deus e serviu-lhe a carnede seu filho. Zeus, enfurecido pelo que este fizera a um netoseu, precipitou-se num lago onde a gua lhe dava peloqueixo e sobre o qual pendiam ramos carregados de frutos.Toda vez que ele queria beber, o nvel da gua baixava;toda vez que queria comer, os ramos carregados de frutos

    subiam. Assim, rodeado de gua e alimento, o coitadonunca pde satisfazer a fome ou a sede. Horrvel, realmente.Ento, posso virar-me?Oh sim, claro.Pitzer virou-se com a velocidade de um raio...

    Justamente quando Baby acabava de envolver-se numa

    grande toalha de cores alegres. Fui enganado! reclamou o chefe da CIA para osetor de Nova Iorque. Voc... voc uma prfida!

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    E voc um velho fauno, com toda essa cara de pau.Quer tomar alguma coisa?

    Usque. Muito usque para me consolar destedesgosto!

    Brigitte olhou-se no espelho do banheiro e sorriu para simesma.

    Bom Deus, como estou bonita esta noite! Como todasas noites, no verdade, querido?

    No sei. Mas se ficasse uma noite aqui, ento poderiaopinar... no dia seguinte.

    Disse muito usque? Veneno! grunhiu Pitzer. o que quero:

    veneno! Tambm tenho. E bastante ativo, sem dvida.

    Lembro-me que uma ocasio, em...No me interessam suas histrias de espi. Quero

    tornar o meu usque, dar-lhe alguns informes e largar-medaqui imediatamente. Ao diabo o velho Tntalo e suafamlia!

    Rindo, Brigitte saiu do banheiro, seguido pelo mal-humorado Pitzer. Chegaram saleta e ela, manejandoastutamente a grande toalha, sentou-se, concedendo-lhe um

    espetculo visual nada desprezvel.Agitou uma campainha de prata, com sua graainimitvel, e Peggy apareceu trs segundos mais tarde.

    Usque, Peggy.Pois no, miss Montfort.Miss Montfort ficou olhando docemente para Pitzer.

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    Adiante. Oh, espero que no torne a mandar-me aoAlasca ou algum lugar parecido

    1.

    Voc tem que ir ao trpico.Maravilha! Fico-lhe muito grata, tio Charlie! Trata-se

    de... executar algum l?No. Ir apenas como informante. Informante? ela contraiu as sobrancelhas,

    enquanto acendia um cigarro. Deverei ir como jornalista? Aproximadamente. Entretanto, convm que no

    esquea suas... habilidades de espi.

    Qual o problema da CIA no trpico?Da CIA? Nenhum.Os olhos azuis fixaram-se surpresos na cara astuta de

    Pitzer.No compreendo. Digamos que seus informes sero diretamente

    remetidos ONU. Organizao das Naes Unidas? exclamouBaby.

    Exatamente.Assombroso... Sim, assombroso, porque segundo me

    consta a ONU tem seus prprios informantes. E no so

    elementos de baixa categoria. o que se diz. No obstante, secretamente, houve um

    voto de confiana aos Estados Unidos, no senti de que...Bem, o fato concreto que o Secretrio-Geral da ONU

    pediu aos Estados Unidos a interveno da agente Baby.Brigitte estava boquiaberta de puro assombro.

    1Ver novela: Comandantes de Aluguel

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    Isso significa que o Secretrio-Geral das NaesUnidas conhece a existncia da agente Baby?

    Ora, vamos! grunhiu Pitzer. Ningum noignora que a CIA conta com a mais sagaz, eficiente,

    perigosa, infatigvel... e original agente do mundo.Original? Eu sou isso? Quanto ao seu discernimento do bom e do mau,

    originalssima. O Secretrio da ONU quis enviar a Andinaum agente dotado de forte personalidade, de um critrio

    prprio inflexvel, com vistas a uma administrao de

    justia a mais adequada possvel. Pelo amor de Deus. Isto incrvel! Uma agente da

    CIA atuando para a ONU. Suponho que os russos tenhambradado aos cus.

    Eles no sabemsorriu Pitzer.Na verdade, trata-se de pura e simples deferncia pessoal do Secretrio da

    ONU para com a agente Baby. No para com os EstadosUnidos, entenda-se bem. Nem, muito menos para com aCIA. Correm rumares de que o Secretrio das NaesUnidas est pensando seriamente em convencer a agenteBaby a abandonar a CIA e dedicar-se exclusivamente aosinteresses daquela organizao, sempre procurando

    preservar a paz do mundo. No h dvida de que o ilustreSecretrio est muito bem informado a seu respeito.Incrvel! Baby agente da ONU... Incrvel!Percalos da famagrunhiu Pitzer.Peggy apareceu com uma bandeja em que se viam uma

    garrafa de usque, dois copos, pegador e um recipiente cheio

    de gelos. Deixou-a sobre a mesa e, a um sinal de Brigitte,retirou-se, j que esta se dispunha a servir a bebida

    pessoalmente.

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    Depois de ambos terem sorvido o primeiro gole, PitzerContinuou:

    O falatrio chegou ainda mais longe, Brigitte. NaONU diz-se que a agente Baby ser enviada em breve a

    diversas partes do mundo onde haja ao blica, ou mesmouma simples guerra-fria, a fim de verificarconscienciosamente a origem de tais discordncias. Masvoltemos misso atual. Em Andina.

    Andina, esse pas sul-americano, no muito grande,situado entre o Equador e o Peru?

    2

    Exato. Existe l uma certa inquietao poltica, que,ao que parece, poderia degenerar em conflito armado entrea prpria Andina e sua colnia de ultramar, denominadaIlhas Coronadas. Conhece-as?

    Sim claro. Qual o conflito?O Presidente de Andina formulou um pedido ONU

    no sentido de que esta chame a ateno das Ilhas Coronadaspara que desistam de um movimento, que aparentementeest sendo preparado com o intuito de precipitar suaindependncia.

    Precipitar?As Ilhas Coronadas obteriam a independncia dentro de

    um ano, ou pouco menos. Mas, ao que parece, estodemasiado impacientes para esperar esse momento epreparam uma rebelio armada.

    E por que semelhante pressa? Se dentro de um ano setornaro independentes, no creio que valha a pena

    2 Como em diversas outras ocasies, o autor recorre aqui ao

    artifcio do pas imaginrio.

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    derramar sangue, tio Charlie. Qualquer pas pode esperarum ano para ser livre.

    Bom... Seria preciso convencer disso os habitantesdas Ilhas Coronadas, no ?

    Compreendo. Ou, tal no sendo possvel, averiguar ascausas pelas quais esto dispostos a combater contra suametrpole ao invs de esperar um ano mais. Exato?

    Exato. Suponhamos que no seja possvel evitar esse

    conflito armado... Que acontecer?

    Bem, neste caso, o agressor e rebelde, alm disso,seriam as Ilhas Coronadas, com o que a ONU se veriaobrigada a enviar parte de suas foras a Andina paradominar a revoluo. Isso, evidentemente, significaria umderramamento de sangue no pouco abundante, Brigitte.

    Claro. E que mais?

    Como? Que outras conseqncias haveria alm doderramamento de sangue? Refiro-me ao que significaria

    para as Ilhas Coronadas perder essa guerra. Ah. Semelhante cometimento de seus habitantes

    acarretaria um atraso de vinte e cinco anos na consecuo

    de sua independncia. Nenhum pas no preparado para apaz poder tornar-se independente. Assim esto as coisas. Compreendo. Quem governa, a colnia das Ilhas

    Coronadas?Um poltico inteligente... at o momento. Um homem

    jovem, chamado Len Salvatierra. Quer v-lo?

    Sem dvida.Pitzer sacou seu habitual envelope amarelo e deste umasquantas fotografias. A primeira que mostrou correspondia a

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    um homem de pouco mais de trinta anos, moreno, de olhosnegrssimos, sorriso simptico e expresso inteligente.

    Len Salvatierra, dirigente da colnia. um ilhu desangue ardente, um tipo apaixonado, impetuoso. Esse outro

    mostrou a foto de um homem aparentando quarenta e cincoanos, cabelos grisalhos, barbicha, olhos escuros, expressofatigada e nobre e Alberto de Mendoza, Presidente deAndina e, portanto, das Ilhas Coronadas, at que estasobtenham sua independncia. E este outro novamenteum homem jovem, de uns trinta anos, rosto frio, seco, srio,

    queixo firme Feliciano Santander, Primeiro-Ministrode Andina e brao direito de Alberto de Mendoza.

    So trs homens interessantes.Com efeito. Mas no esquea de que deles depende

    uma possvel guerra na qual, logicamente, haveria muitasmortes. O Secretrio da ONU est ciente, ao que parece, de

    que a agente Baby detesta as guerras. De maneira quevoc visitar Andina, verificar em que p esto as coisas e

    por que, e informar diretamente a Casa Branca a respeito.Dai, a informao ir ONU.

    E CIA, no?Bem. Esperamos que voc nos envie uma cpia de

    seu informesorriu Pitzer.Naturalmente... se assim convier paz, tio Charlie.Disso j sabemos resmungou Pitzer. Bem, pois ai

    est o assunto. V a Andina, investigue, tire suas prpriasconcluses e o Secretrio-Geral da ONU as receber commuito gosto. Segundo voc informar, assim ser feito.

    Que deciso ser tomada na ONU se, realmente, asIlhas Coronadas se rebelarem?

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    Elas sero... esmagadas imediatamente. J existemuita confuso no mundo para que se perca tempo comesta.

    Entendo... murmurou Brigitte. Quando devo

    partir?Amanh. Tudo est preparado. Prepare sua bagagem

    de vero e... feliz permanncia no trpico! Por esta vez nohaver tiros, nem mortes, nem nenhuma dessas coisas quelhe desagradam.

    Que assim seja... Oh, um momento: onde devo

    hospedar-me? E que contatos terei... Tudo isso est resolvido. Uma vez em Ciudad

    Andina, voc alugar ou comprar um carro e se dirigir aLa Riata... uma fazenda onde se criam touros,

    propriedade de Hctor Benavente. L, nessa fazendachamada La Riata, voc se avistar com o Presidente

    Mendoza. E uma vez realizada essa entrevista secreta,proceda de acordo com seu critrio pessoal at chegar aconhecer toda a verdade sobre o assunto... e evitar o conflitoarmado, se puder.

    Poderei. Esse Hctor Benavente quem ?Um toureiro. Um matador de touros. Um dos mais

    famosos de toda a Amrica do Sul, o nmero um, segundo aopinio da maioria.No temos fotografias dele?No...Pitzer ficou um tanto desconcertado.Bom, um homem to famoso em todo o continente

    sul-americano que no haver possibilidade de erro quanto

    sua identificao. No h jornal andino que passe umasemana sem publicar sua fotografia. Atualmente est

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    descansando, restabelecendo-se de uma intervenocirrgica.

    Foi ferido? Foi. Mas por um touro. No Mxico. Recebeu uma

    tremenda cornada na parte inferior do trax, que o manteveentre a vida e a morte por uma semana. Agora est bem,convalescendo cm sua bonita fazenda, onde tem sua prpriacriao de touros bravios. J homem de certa idade e nodever demorar a aposentar-se.

    Um homem de certa idade? E por que toureia ainda?

    Talvez sua situao econmica no seja boa...? Pelo contrrio. Hctor Benavente considerado um

    dos homens mais ricos de toda a Amrica do Sul. Emultimilionrio... em dlares.

    Oh! E que idade tem?Quase quarenta anos.

    Brigitte ergueu as sobrancelhas, surpresa.Considera-se velho um homem de quarenta anos?Bem um pouco... maduro, no? De qualquer modo,

    depois de conhec-lo, voc saber defini-lo melhor. Suaimportncia, neste caso, que se trata de um grande

    patriota, sempre disposto a qualquer coisa por Andina.

    Tanto que, segundo consta, possvel que se retire da arenapara apresentar sua candidatura Presidncia do pas dentrode alguns meses.

    Em oposio ao atual Presidente Mendoza?Exato. E Alberto de Mendoza confia num homem que

    pretende ocupar seu posto? perguntou incredulamenteBaby.

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    Corre por l um rifo, herana dos espanhis, que dizassim: lo corts no quita lo valiente. Isto significa queHctor Benavente ser um encarniado rival de Mendozaquando tiverem lugar as eleies. Mas enquanto isto, sua

    ptria vem em primeiro lugar e, portanto, ele ajudarMendoza a mant-la em paz. O resto, isto , que oPresidente seja este ou aquele, no tem importncia.

    Um homem extraordinrio esse Benavente murmurou Brigitte. Um matador de touros que querocupar a Presidncia de seu pas, mas que, por enquanto,

    colabora com o Presidente atual. Interessante!Pitzer terminou seu usque.O avio sai s nove da manh, Brigitte. Espero que

    voc deixe bem a CIA perante o Secretrio-Geral da ONU.No esquea que vai como observadora, apenas. Albertode Mendoza, seu Primeiro-Ministro Feliciano Santander e

    Hctor Benavente assim o entenderam. No complique ascoisas.

    Eu nunca complico as coisas, querido sorriuBaby. Resolvo-as, o que muito diferente. E como

    prova de minha boa vontade nesta viagem, levarei paraesses senhores umas quantas garrafas de minha bebida

    predileta... e algumas cerejas. No verdade que soudeliciosa?

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    CAPTULO SEGUNDO

    Um touro negro e um touro malhado

    Um candidato s eleies presidenciaisViver com o medo...

    A deliciosa passageira do vo 89 da AmericanAirways chegou ao Aeroporto Internacional de CiudadAndina trinta eoitos horas depois de sua conversa com otio Charlie. E chegou sorrindo, porque estava no trpico,

    praticamente rodeada de um mar azul profundo, entre

    palmeiras que se recortavam contra um cu purssimo,imersa numa clida atmosfera perfumada por mil espciesde flores e cheirando tambm a terra ensolarada, a frutamadura. Trazia uma elegante maleta e outra menor, de corvermelha com pequenas flores azuis. Bagagem suficiente

    para uma misso de boa vontade, para estabelecer a paz

    entre duas faces. Ou, pelo menos, conhecer as causas datenso entre Andina e as Ilhas Coronadas, a fim de informara ONU, para que este organismo resolvesse as coisas

    pacificamente.De acordo com o combinado, ningum a estava

    esperando. Sua chegada era secreta, exceto para umas

    quantas pessoas, muito poucas. E est claro que ningum,vendo-a to doce e sorridente, poderia pensar que estivessediante de mais astuta e perigosa espi do mundo.

    Uma criatura angelical.No procurou nenhum txi, pois no conviria que o

    chofer, mais adiante, pudesse comentar sua viagem

    fazenda de Hctor Benavente, dizendo que para l haviatransportado uma estrangeira belssima... Portanto, no

    prprio aeroporto, alugou um carro. Um Ford velho de dez

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    anos, que s Deus saberia como tinha ido parar em Andina.Mostrou seus documentos, depositou a fiana em dlaresamericanos, trocou esta moeda por alguns milhares de pesosandinos e, aps colocar sua reduzida bagagem no j muito

    rodado veculo, ps-se a caminho da cidade, que, como oaeroporto, ficava junto ao mar, porm uns doze ou quinzequilmetros mais ao norte.

    Antes de entrar em Ciudad Andina, a qual podia avistarbranca e brilhante ao claro sol da manh, perguntou, j sempreocupao, qual o caminha para a fazenda de Hctor

    Benavente. O interrogado era um homem quase velho, degrande bigode cinzento, cado; usava cala e blusa brancas,e leves sandlias de palha. Seus olhos brilharam quandoouviu o nome do matador de touros.

    Hctor?sorriu.Todo o mundo sabe onde LaRiata,seorita.

    Eu nosorriu tambm Brigitte.Claro ... Se soubesse no perguntaria.Exatamente.Quer ver o nosso Hctor?O Grande Hctor, sim... No como o chamam?Claro! Ele o maior! O mais formidvel toureiro do

    mundo!Pensei que os maiores toureiros do mundo estivessem

    na Espanhatornou a sorrir Brigitte. Qual nada! Tolice! Ningum fez nem far proezas

    iguais s de Hctor com os touros! Ningum! Lembro-mede uma vez nas Tientas del Santssimo, quando ele

    sozinho...Que so as Tientas del Santssimo?

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    O andino olhou-a com olhos arregalados, parecendo aponto de desmaiar de puro assombro.

    Nunca esteve em nossa praa de touros?No. Sinto muito...

    Virgem! suspirou o homem, aniquilado. aprimeira vez que vem a Andina, ento?

    A primeira vez. Ah! Bem... Mas de qualquer modo deve saber que

    Hctor o melhor matador do mundo! O melhor matador detodos os tempos!

    Isso eu sei. E venho justamente entrevist-lo para omeu jornal.

    Hctor j foi entrevistado muitssimas vezes!riu ohomem, divertido.

    possvel. Mas nunca por uma jornalista dos EstadosUnidos, creio.

    Ah, ianque, hem?Sou.E publicar coisas sobre Hctor em Norte Amrica?Esta minha inteno. Neste caso, vou lhe dizer onde est La Riata. E

    quando vir o Hctor, diga-lhe da parte do velho Macrio, o

    do porto, que fao votos para que esteja muito bem e quelogo ele volte a tourear com a galhardia de sempre. Dirisso a ele?

    Direi. Mas antes terei que chegar fazenda...Oh! Sim! Eu lhe mostrarei por onde se vai.Obrigadasuspirou Brigitte.

    O velho Macrio deu-lhe clarssimas explicaes sobre amaneira de ir a La Riata, enquanto ela pensava que se poracaso ele fizesse comentrios a respeito da chegada de uma

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    jornalista americana para entrevistar Hctor Benavente, taiscomentrios seriam efetuados em esferas sociais poucocomprometedoras. E possivelmente o mesmo teria ocorridocom o chofer de txi. De qualquer modo, ela preferia dispor

    de veculo prprio para seus deslocamentos atravs daquelepas tropical.

    Entendeu bem,seorita? Muito bem. Voc foi muito gentil, Macrio.

    Obrigada.No esquea de dar meu recado ao Hctor. E outra

    coisa: vai a La Riata de carro?Claro.O velho admirativo moveu a cabea.Esses ianques... Boa viagem,seorita.Gradas, Macrio. No lhe parece Conveniente que eu

    v de carro?

    Isso por sua conta.Como acha voc que eu deveria ir?A cavalo, naturalmente.Oh... Mas eu no tenho cavalo, de modo que terei que

    usar o carro. At a vista, Macrio.Adios, seorita.

    * * *A fazenda La Riata ficava umas quinze milhas ao sul

    da cidade e, ao que parecia, seus limites ocidentaischegavam at o mar, Devia ser, sem dvida, uma grandefazenda. No tanto quanto os ranchos texanos, mas aindaassim considervel.

    Chegava-se porteira saindo da estrada por um amplocaminho de terra vermelha, ladeado de palmeiras. Umavasta porteira pintada de branco, tendo por cima, formando

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    um arco de ferro forjado que imitava uma corda, as palavrasque lhe davam nome: La Riata, o lao. Numa das grossasestacas laterais, gravada a fogo, a marca que identificava ogado de Hctor Benavente: um H e um B juntos de modo

    que a ltima barra vertical do primeiro se justapunha vertical do segundo, formando como que uma s letra. Uma

    bonita maneira de colocar as iniciais de um homem nolombo dos touros.

    No se via ningum, de modo que Brigitte teve que abrira porteira, entrar com o carro e voltar para fech-la. Depois,

    pelo largo caminho de terra vermelha, entre tabuleiros derelva e rvores de baixa e frondosa copa, ela prosseguiu emdireo casa que se via ao fundo, distante, branca evermelha.

    Mas ia olhando para as rvores, sob a maioria das quaisviam-se alguns touros enormes, negros uns, malhados

    outros, tordilhos, tostados, zainos. Para Brigitte, entretanto,todos eram touros, de cores mais ou menos bonitas. E sbitocompreendeu as palavras do velho Macrio, quando lhedissera que deveria ter vindo no de carro, mas a cavalo.

    Surgiram no caminho trs daqueles alentados animais,aproximando-se briosamente do veiculo, com a cabea

    levantada, as agudas pontas dos chifres apontando o cu.Um deles desviou-se para a sombra de uma rvore, mas osoutros dois ali ficaram, olhando com seus grandes olhos

    brilhantes o monstro mecnico de cor negra que se acercavadeles, como a desafi-lo, dispostos ao combate. Brigitte teveque se apressar a frear, sob pena de chocar-se contra aquela

    dupla massa de carne poderosa. Cada um dos animais deviapesar folgadamente quinhentos quilos.

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    O carro deteve-se apenas a cinco metros deles. Omalhado comeou a escavar a terra do caminho com as

    patas dianteiras, enquanto o negro, impvido, erguia acabea e olhava diretamente para a espi internacional. O

    malhado lanou-se de sbito Contra O carro, mas,felizmente, parecia estar brincando. No se produziu oimpacto, pois o enorme animal se deteve antes, comoarrependido de seu ataque humorstico. Baixou e levantou acabea algumas vezes, entretanto, como se continuassefirme em seu propsito de hostilizar. Finalmente, parou

    junto janelinha esquerda do carro, cujo vidro Brigitte logotratou de subir, O negro aproximou-se at que seu focinhoficou quase tocando o cap do veculo. Enquanto isso omalhado continuava olhando para Brigitte atravs do vidro,com uma expresso expectante, intrigada, absorta.

    A agente Baby no sabia o que fazer. No estava

    muito assustada, pois esperava que a chapa metlica docarro pudesse resistir investida daquele bicho tremendo.Do que no estava to certa era que o carro deixasse devirar sob o terrvel choque, se este chegasse a produzir-se.

    Compreendeu muito bem que no devia dar marcha r.Quando o carro se movesse, o malhado o atacaria. Apenas

    comeasse a deslizar para trs, afastando-se do negro que sehavia estendido no caminho, o malhado efetuaria o ataquedemolidor com sua grande cabea provida de doisaterradores chifres de trinta centmetros de comprimento.

    O melhor, sem dvida, era no se mover. Nem elamesma devia mover-se.

    E assim, durante trs ou quatro minutos, a espi e otouro estiveram se olhando fixamente. O animal mugiualgumas vezes, enquanto com a longa cauda espanejava os

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    flancos. Baby limitou-se a aguardar o inevitvel. Maisalm, Outros touros caminhavam pesadamente pelo campo,e outros continuavam sob a sombra das rvores,

    protegendo-se daquele flgido sol que comeava a aquecer

    horrivelmente o carro, transformando-o num forno. Na testade Brigitte comearam a aparecer gotas de suor, quefinalmente deslizaram por suas faces e chegaram aos seuslbios, deixando nestes um gosto salgado.

    Eh! ... Eh, touro...! Touroooo...!Os olhos azuis voltaram para onde havia soado a voz,

    apagada, distante. Mas nem sequer atreveu-se a suspirar aover o cavaleiro que se aproximava, volteando sobre suacabea um longo chicote muito grosso, que estalava comfora no ar.

    O touro que estava deitado no caminho Levantou-se,com a cabea virada para o cavaleiro. O malhado tambm

    olhou vivamente para ele, movendo com galhardia seurobusto pescoo, erguendo muito a cabea. O negro corria

    j para o cavaleiro e o malhado saiu atrs dele, numa cargaestremecedora.

    O cavaleiro j tinha chegado ao caminho e continuavalanando seus gritos de desafio. Por um instante, Brigitte

    teve a certeza de que cavaleiro e cavalo iam saltar pelosares, despedaados pela dupla investida. Mas o cavalo

    pulou destramente para um lado, esquivando os touros, osquais voltaram-se imediatamente, tornando a atacar comfria. Uma brusca manobra do cavalo deixou plantados osdois animais. O chicote tornou a estalar por cima de suas

    cabeas. O negro deu a volta e afastou-se para a sombra deuma rvore. O malhado fez uma tentativa de ataque contra ocavalo, mas pareceu aborrecer-se de repente, e optou por

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    imitar seu companheiro de folguedos, seguindo em direo sombra da mesma rvore, j completamente esquecidos osdois do cavaleiro, do carro e do combate.

    Ento, o cavaleiro aproximou-se a trote do velho Ford,

    enquanto dois olhos azuis o olhavam, fixa, atentamente,chegando com aquele primeiro olhar muito mais fundo doque o cavaleiro poderia supor: at o fundo do audaciosoesprito do homem de olhos negros. Corpo enxuto, lbiosfirmes e slida mandbula. Seus longos cabelos apareciamsob o chapu de palha amarela. As mos, grandes,

    ossudas, fortes, seguravam as rdeas com absolutanaturalidade. Aquele homem parecia ter um rosto de metal.Um rosto seco, de traos muito ntidos, cortado por umacicatriz. Usava calas brancas, uma camisa cor de caf esandlias de palha. Mas via-se claramente que no era umservo.

    Bastaria um olhar superficial sobre sua pessoa paraidentific-lo como amo e senhor. Todo seu aspecto, seu

    porte, aquele rosto enrgico e impassvel, o olhar diretodaqueles olhos negros imediatamente o definiam como tal.

    Quando desmontou junto ao carro, tirou o chapu. E seucabelo escuro ficou visvel, de um cinzento brilhante e

    uniforme nas tmporas, como ligeiras pinceladas de prata.Devia estar bem prximo dos quarenta anos.Quem poderia ser aquele homem impressionante seno

    Hctor Benavente?Uma das grandes mos tostadas pelo sol abriu a porta do

    carro. Estava de Costas para os touros e parecia ignor-los

    completamente, com uma indiferena estranha que muito seassemelhava confiana.

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    Queira desculpar disse. Espero que no tenha seassustado em demasia,seorita...

    Na verdade, assustei-me um pouco, sim suspirouBrigitte.

    Sinto muito. Todos os meus amigos j conhecemestas pequenas dificuldades com meus touros, por isso vma cavalo. So poucos os que utilizam carros.

    Compreendo isso muito bem Brigitte passou umpequeno leno pela testa, enxugando o suor. J me viadando voltas dentro do carro.

    No, no... E pouco freqente que um touro ataqueum carro, mas tornam-se incmodos. Rodeiam-nos, sentam-se frente... Uma vez, um de meus amigos teve que ficartrs horas dentro do carro, sem poder prosseguir nemrecuar. Em geral, esse todo o perigo que existe. Os tourosso inteligentes e nobres. E tambm foi inteligente da sua

    parte no tentar escapar. Ento, sim, creio que eles teriaminvestido.

    Foi mais ou menos o que pensei.Fez bem... Oh, perdo: sou Hector Benavente.Brigitte estendeu a mo, apertando a do famoso matador

    sul-americano.

    Eu sou Brigitte Montfort, seor Benavente. Jornalistados Estados Unidos. Vinha justamente pedir-lhe paraconceder-me uma entrevista.

    Ah, sim disse ele. Fui informado de suachegada, mas parece que no convinha ir esper-la noaeroporto... O que teria feito com muito gosto.

    Tinha uma voz profunda, viril, um tanto seca. Observadomais detidamente, Hctor Benavente dava a impresso deser todo de couro, rijo, fortssimo em sua esbelteza.

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    Agradeo-lhe... Disseram-me que me hospedaria emsua casa, seor Benavente. Espero que isto no lhe sejademasiado incmodo.

    Ser um prazer. Bem sorriu bruscamente, coisa que

    parecia impossvel, e Brigitte ficou subjugada por aquelacintilao branca, pela luminosidade de seu inesperadosorriso. Espero que no esteja cometendo um erro...Quero dizer, que alm de jornalista.

    Sou a pessoa que est esperando, seor Benavente.Pode dizer isso a don Alberto de Mendoza quando julgar

    oportuno. Entendo que nossas entrevistas tero lugar emLa Riata.

    Assim . Avisarei o Presidente por telefone quandochegarmos casa. Acho melhor que deixe aqui o carro, seest de acordo. Um de meus pees vir busc-lo. Eles estoacostumados com este calor, o que no e o seu caso. Noto

    que no est bem disposta.Apenas um bocado encalorada. Dentro deste carro atemperatura altssima.

    Ento, melhor irmos a cavalo, quanto mais queassim evitamos outro possvel encontro com touros. Oscavalos podem andar por toda parte.

    Mas s vejo um... Rejn poder com os dois. Mas, se no sabemontar, poderei ir em busca...

    No, no, por favor... Nada mais de entrevistas comseus touros,seorBenavente. Farei como sugere.

    Muito bem. Creio que ser melhor montar no selim.

    Eu irei na garupa, manejando as rdeas. Permita-me ajud-la...

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    Deu-lhe a mo, ajudando-a a sair do carro, e franziuligeiramente a testa quando Brigitte se voltou para apanhara maletinha. Mas, sem fazer o menor comentrio, segurou oestribo para ela montar. Brigitte ficou de Lado na sela e

    Benavente, com assombrosa agilidade, saltou garupa docavalo. Ela lhe entregou as rdeas e ele a segurou passandoos braos pelos dois lados da espi, que teve a impresso deestar encerrada num circulo de ao.

    Hop!Rejn ps-se em marcha em direo casa distante,

    que se via como uma mancha branca e vermelha na planura,sobre um verde gramado, entre frondosas rvores. Algunstouros viravam a cabea para eles e Brigitte teve aimpresso de que os chifrudos animais se perguntavamsobre a convenincia de atacar. Mas, evidentemente, jestavam desenganados quanto s suas possibilidades de

    velocidade contra as de um cavalo. Parece que possui uma esplndida fazenda, seor

    Benavente. E seus touros, sem rancor contra eles, so muitobonitos.

    Obrigado. Suas palavras so muito gentis, mas comocriador sou insignificante. S daqui a cinco ou seis anos

    que poderei me sentir satisfeito.Quantos touros tem agora? Uns trezentos... Em sua maior parte, demasiado

    jovens. J enviei alguns s praas, e dizem que so muitobravos. Mas ainda no estou Contente.

    Por qu?

    Devem ser mais bravos. Pois eu os prefiro mansos riu Brigitte. Pelomenos enquanto estiver por aqui...

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    Benavente riu tambm. Mas o pior que pode acontecer a um toureiro

    encontrar-se na arena com um touro manso. Quanto maisbravos, melhor. Via de regra, quanto mais bravo, mais

    nobre um animal. V aqueles dois? So da Espanha.Comprei-os h poucos meses de um criador salmantino.Logo sero pais e espero que a despesa e os cuidadostenham valido a pena.

    Desejo-lhe boa sane. Como est sua ferida? Minha que...? Oh, refere-se cornada, suponho.

    Bem... J est bem. Ainda no cicatrizou completamente,mas est em perfeitas condies.

    Conheci um seu admirador fantico... Lembra-se de umtal Macrio, do porto?

    No. No? Pois falou a seu respeito como se fossem

    grandes amigos. Chamava-o Hctor, simplesmente... e lhemandou muitas lembranas.

    Oh isso acontece com freqncia. Todos meconhecem neste pas, mas eu que no posso conhecer atodos. Se me vem na rua, correm a dar-me palmadas nascostas, chamam-me pelo primeiro nome, convidam-me para

    suas casas... Como se fssemos pouco menos que irmos. Entendo que o senhor pessoa muito querida emAndina.

    Tenho essa sorte.E muito popular.Sim, certamente.

    Tambm certo que pensa concorrer nas eleiespresidenciais, dentro de alguns meses?Tambm certo, sim.

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    Suponho que... ter que abandonar as touradas.De fato.Agrada-lhe essa idia?Hctor Benavente demorou uns segundos para

    responder.No... murmurou por fim. No me agrada essa

    idia.Nem mesmo depois de ter recebido uma chifrada em

    pleno peito, que poderia ter-lhe custado a vida? minha profisso. Tenho mais sete chifradas, em

    todo o corpo. Estou h vinte anos matando touros, missMontfort. E natural que eles se tenham desforrado um

    pouco comigo. Suponho que esta ltima chifrada lhe tenha feito

    refletir...J recebi duas piores. Uma delas, no ventre. Se estou

    vivo porque Deus foi bondoso. Por mim No. No omedo o que me impele a retirar-me. Fao-o apenas porcompreender que o presidente de um pas, embora to

    pequeno e pouco importante internacionalmente comoAndina, no pode andar por ai cortando rabos e orelhas.Alm disso, sempre pensei que uma pessoa deve fazer uma

    s coisa. Mas faz-la bem, nisso empenhando toda suavontade. Creio que sentirei quando me afastar das praas,mas minha deciso est tomada.

    Segundo a lgica, no deveria sentir, seorBenavente.

    No compreendo.

    O senhor livre de escolher entre concorrer seleies para Presidente ou prosseguir toureando. Se aprimeira perspectiva o entristece, por que no desiste de

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    suas pretenses polticas e continua matando touros naspraas?

    Estamos chegandomurmurou Benavente.Havia dois pees junto a uma cerca de arame com um

    pequeno porto de tbuas pintadas de branco. A cercarodeava a casa e o terreno destinado a jardim e servios; umespao amplo, certamente, cheio de rvores e flores. A casaficava para a direita, assim como a garagem. esquerda,um grande pavilho, distante no menos de quinhentosmetros e onde sem dvida deviam alojar-se os empregados.

    Entre ambos edifcios, estbulos brancos, em frente aosquais viam-se alguns pees treinando cavalos.

    A casa ficava completamente isolada destasdependncias, mas bastante perto delas.

    Pedro, ficou um carro no caminho. Quando puder, vbusc-lo, por favor.

    Imediatamente, don Hctor! Deixo o carro nagaragem?

    Claro, homem. A seorita ficar em La Riataalguns dias. Voc, Florin, v buscar-lhe um cavalo que noseja dos que lhe agradamacrescentou sorrindo.

    Entendido?

    Perfeitamente, don Hctorsorriu tambm o rapaz.Escove-o bem e escolha uma boa sela. Voc sabe. No tenha cuidado, don Hctor. A seorita ficar

    contente. Digo ao Crisanto que prepare a pracinha para estatarde? Aseorita certamente gostar, don Hctor.

    Voc um malandro admoestou Pedro: O que

    esta querendo verdon Hctor tourear, ainda que seja umavaquinha.

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    Benavente havia saltado do cavalo e ergueu a cabeapara Brigitte, com aquele branco e surpreendente sorriso emseu rosto enxuto e tostado.

    Gostaria de tourear, miss Montfort?

    Bom...Garanto-lhe que no h perigo. Quero dizer que no

    h mais perigo que diante de um touro. Nem menos.Pensarei a respeito... sorriu Baby. Como se

    costuma dizer, gosto muito de touros do outro lado da cerca.Pedro e Florin riram e foram cumprir seus encargos

    respectivos. Hctor Benavente puxou o cavalo pela rdea,levando-o para a casa. L, ajudou Brigitte a desmontar eentregou as rdeas a um peo que acudiu pressurosamente,dando as mesmas demonstraes de afetuoso respeito paracom o matador.

    Brigitte estava maravilhada com aquela casa do mais

    puro estilo colonial espanhol, com grandes arcadas, ptiolajeado, um poo completamente rodeado de flores, duasgrandes parreiras trepando por um dos arcos, cadeiras devime, janelas de rtula... No podia ser mais idntica a umdos clssicos e formosos cortijos andaluzes. Dentro da casadestacavam-se os finos mosaicos do piso, os azulejos das

    paredes. Bem na entrada, havia uma enorme cabea detouro, empalhada. Tinha cornos cujo comprimento nodevia ser muito inferior a cinqenta centmetros.

    o de minha alternativadisse Benavente.Tivesorte

    3.

    3

    Em tauromaquia, alternativa a formalidade em que omatador entrega a muleta ao novilheiro, autorizando-o a, em suasubstituio, matar o touro.

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    Sorte? Que quer dizer?O pblico teve a gentileza de solicitar direo da

    corrida que me concedesse o touro inteiro. E assim foi. Issoaconteceu h dezoito anos.

    Mas... com que idade comeou a tourear?Eu j tinha quase dezesseis anos. Aos dezoito, deixei

    de ser um jovem novilheiro para transformar-me emmatador. Desde ento...

    Desculpe,seorBenavente, mas quantos anos tem?Trinta e seis. Sei que pareo mais velho. Mas o medo

    algo que envelhece muito.No...sorriu Brigitte.No parece mais velho, e

    sim mais completo, mais feito que o homem normal detrinta e seis anos. Por Deus, quando me falaram do senhor,

    pensei que j fosse um ancio.E no lhe pareo?

    No!Grato pela exclamaosorriu Benavente.Quer-me parecer, miss Montfort, que seus olhos no so...normais.

    Julga-me vesga, talvez?riu Brigitte. que so capazes de ver com mais profundidade que

    o seu aspecto de jovem despreocupada e belssima leva aimaginar.Acha-me belssima?perguntou ela.Peo-lhe que me desculpe se no lancei exclamaes

    de entusiasmo ao v-la. Cada um como . H pessoas quepreferem contemplar a beleza em silncio. Sem

    demonstraes. Certamente o melhor modo de compreender abeleza disse Brigitte. Tambm o senhor me parece

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    uma pessoa profunda, embora nada tenha de velho. Equanto ao medo, no certo que envelhea ningum. Euseria agora uma anci de vinte e tantos anos, ento.

    Matou algum touro, acaso? sorriu levemente o

    matador.No. Mas j senti medo muitas vezes.No agradvel ... Ai vem Luzia. Ela se encarregar

    de acomod-la e proporcionar-lhe tudo quanto deseje.Brigitte voltara-se ao ouvir os passos. Viu uma mulher

    de cinqenta anos, com os cabelos quase completamente

    brancos, mas ainda formosa e lou. Tinha os olhos muitograndes e negros, brilhantes. Sorriu corts-mente quandodon Hctor a apresentou como sua governanta. E Brigitteteve a impresso de que aquela mulher seria capaz dequalquer coisa pelo proprietrio de La Riata.

    Talvez lhe agrade um banho,seorita Montfort

    Me contentarei com um chuveiro frio, obrigada. Masno tenho minha bagagem aqui...

    Pedro a ter trazido quando sair do chuveiro. E Luziavai conduzi-la aos seus aposentos. Passa um pouco dasdoze... Poderemos almoar uma?

    Sem dvida.

    Enquanto trata de refrescar-se, telefonarei para acidade avisando de sua chegada.Viro em seguida?No creio, O Presidente, com certeza, vir noite, j

    que lhe convm ser discreto. Mas talvez venha FelicianoSantander, o Primeiro-Ministro. Eles resolvero. De

    qualquer modo, no creio que venham antes das cinco datarde, portanto, se quiser, poder dormir a sesta. obrigatrio?sorriu Brigitte.

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    No. Mas muito conveniente, neste clima.Entretanto, poder fazer o que preferir, a todo momento,enquanto estiver em La Riata. Todos estamos suadisposio, comeando por Luzia.

    Muito obrigada,senrBenavente. Ns que lhe estamos agradecidos, e tambm

    ONU.No acha que uma mulher seja incapaz de fazer face

    situao?Depende do que seja essa mulher. E no a retenho

    mais. Acompanhe-a, Luzia.Pouco depois, a espi internacional estava sob o fresco

    jorro do chuveiro, pensando com uma intensidade total emHctor Benavente. Era na verdade um tipo notvel. Umhomem seco e forte, que tal como ela, embora por caminhosdiferentes, havia chegado a conhecer muito bem o medo.

    Tinha, mais importante ainda, aprendido a domin-lo, aviver com ele durante vinte anos. Tal como ela mesma, elesabia sempre o que arriscava... e continuava arriscando-se.Os touros, para Hctor Benavente, eram como aespionagem para Baby da CIA.

    Ento, por que ia deix-los para concorrer s eleies

    presidenciais?De um ou de outro modo, Hctor Benavente era um

    homem demasiado notvel, demasiado feito, para no tom-lo sempre em conta fosse para o que fosse.

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    CAPTULO TERCEIRO

    Mensagem heliogrfica

    Lio de tauromaquiaSoltam-se cinco touros.

    Acordou antes das cinco da tarde, tal como se haviaproposto ao deitar-se, aps a agradvel e leve refeio comque a obsequiara Hctor Benavente. Muito amide, a espitinha-se dedicado a este tipo de entretenimento: deitar-se edormir, dizendo a si mesma que a determinada hora

    despertaria. E, geralmente, era o que se passava. Umaespcie de mecanismo despertador que ela deixava emmarcha em seu subconsciente. At mesmo morta de sono,

    podia adormecer ordenando a si mesma que duas horas maistarde devia despertar.

    Ficou uns segundos olhando o branco teto de seu

    espaoso quarto, pensativa, ordenando seus pensamentos.Tudo parecia estar perfeito: a bagagem tinha chegadoenquanto ela estava no chuveiro e agora suas coisas seencontravam no armrio, havia almoado, haviadescansado.

    L fora, o silncio era total, surpreendente. Pelas frestas

    das venezianas, entrava uma luz dourada, avermelhada, mastnue, suave. Muito diferente da do exterior, brilhante,ofuscante, com o sol to alto no cu.

    Levantou-se e dirigiu-se a uma janela. Sentia tanto calorque nem sequer deu-se ao trabalho de cobrir-se comqualquer coisa. Ficou olhando por entre as barras da

    veneziana. Ao longe, via-se o mar, de uma tonalidade entreverde e cinza-azulado. Era como uma mancha que se umacom o cu, no horizonte.

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    Estava bocejando quando viu o reflexo do sol em algomuito brilhante. A princpio, pareceu-lhe uma centelhacasual sobre qualquer objeto. Mas, poucos segundos depois,deu-se conta de que no era um objeto qualquer o que

    refletia os raios do sol, mas um espelho... Sinaisheliogrficos.

    Ficou to surpreendida que nem sequer pde prestarateno aos primeiros sinais. Partiam do alto de uma suavecolina verde, onde muitas rvores formavam gruposespessos. Certamente haveria touros por l, mas parecia

    evidente que quem manejava o espelho no lhes dava amenor importncia.

    Um homem que no temia os touros, que desmontavaperto deles sem olh-los, indiferente s suas possveisinvestidas. Ela conhecia um homem assim. Um homem que

    j tinha recebido sete chifradas no corpo, alm daquele

    terrvel golpe de ponta em pleno rosto, que lhe haviadeixado uma extensa cicatriz entre o pmulo e o queixo.

    Longe, na colina, os sinais prosseguiam. O sol pareciaexplodir intermitentemente no espelho, lanando suamensagem em alfabeto morse. E em espanhol,naturalmente.

    Brigitte resolveu dedicar toda sua ateno s palavrasque se iam formando:...No foi possvel na noite passada nem na

    anterior. Entretanto, hoje tornaro a tentar e

    esperamos que se possa conseguir. Ignoro quanto

    tempo ainda poderei permanecer em Andina, pois

    sou demasiado conhecido. Suponho que j saibasque Gilberto foi morto na praia de uma das ilhas.

    Mas Lus e Paco no foram capturados j que

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    preparaste tudo muito bem. Continua esperando e

    depois me dirs algo sobre essa mulher que

    chegou tua fazenda. At breve.

    A mensagem terminou. J no houve mais reflexos dosol sobre aquele espelho distante. Segundo parecia, aquelamensagem era destinada a algum que devia receb-la nacasa da fazenda La Riata. Algum que, em algum pontodaquela casa, estava agora sem dvida meditando sobre seucontedo.

    Brigitte separou com os dedos duas das barras flexveisda veneziana para olhar o ptio. No esperava encontrarningum l, pois era de supor que o receptor da mensagemtivesse sabido ocultar-se conveniente-mente.

    Esteve a ponto de lanar uma exclamao quando viuHctor sentado numa das cadeiras de vime, sombra das

    parreiras. Diante dele havia uma mesinha, na qual via-se umcopo com um lquido escuro, alguns jornais e uma caixa decharutos. Um dos charutos, longo e retorcido, estava entreseus brancos dentes. Nas mos tinha um pequeno bloco euma esferogrfica, com o que, evidentemente, havia tomadonota da mensagem. Estava apenas de calas curtas, brancas,

    e seu corpo era to bronzeado como o de um ndio. Via-opelas costas, e nestas costas havia uma cicatriz sinuosa, emtom quase rosado, recordao sem dvida de uma daquelaschifradas por ele recebidas ao longo de sua carreiratauromquica. Tambm podia ver um golpe de ponta emseu ombro esquerdo, como um olho na carne enxuta de cor

    marrom. Sete chifradasHctor Benavente, ao que parecia, tinha terminado de ler

    a mensagem que havia anotado para traduzir depois em

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    letras normais. Acendeu um fsforo, incendiou a folha dobloco e levou aquela chama ao charuto que tinha entre osdentes. Depois deixou que a folha se consumisse sobre ocinzeiro.

    E ficou fumando, imvel, pensativo. Um homemdecididamente notvel, viril, aparentemente retrado. Umdesses homens que s dizem a centsima parte do que

    pensam. Hctor Benavente era homem de grandeinteligncia, mas reservado.

    Sbito, voltou-se para a janela de Brigitte. Qualquer

    outra pessoa teria soltado as barras da venezianaimediatamente e retrocedido um passo... Com o que,

    possivelmente, o matador de touros teria notado omovimento das barras, j que sua vista era aguda,

    penetrante. Mas a agente Baby no se moveu. Continuoumantendo levemente separadas as duas barras e olhando o

    toureiro. Se nada se movia, se nada ocorria, HctorBenavente no saberia que ela o estivera espiando.

    S retirou a mo da veneziana quando o matador deixoude olhar para l. Tinha visto seu rosto seco, sua testafranzida, seus inteligentes olhos fixos na janela. O charuto

    parecia encaixado naquelas mandbulas vigorosas. Os

    negros olhos pareceram varar a veneziana.Mas isto no era possvel, e Baby o sabia muito bem.Quando ele deixou de olhar, ela afastou-se, foi at a

    cama, sentou-se na borda e acendeu um cigarro. Quesignificava aquela mensagem? Quem eram Lus e Paco?Quem era o tal Gilberto, que tinha sido morto na praia de

    uma das ilhas? Quem tinha enviado a mensagem a HctorBenavente?Demasiadas perguntas.

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    Terminou o cigarro, tomou um chuveiro frio e, poucodepois, passava em revista o contedo do armrio. Escolheuumas calas brancas, compridas, que se prestariam muito

    bem para montar a cavalo, e uma blusa de finas listras azuis,

    vermelhas, negras e amarelas. Muito colorida, realmente.Calou uns mocassins flexveis, amarrou um leno no

    pescoo e decidiu que chegara o momento de reatar suasrelaes amistosas com Hctor Benavente. J eram quasecinco horas.

    * * *

    O proprietrio de La Riata voltou a cabea, viu-a elevantou-se imediatamente, retirando o charuto da boca.

    Descansou bem?interessou-se, amvel.Otimamente. Fazia tempo que no dormia uma sesta to

    agradvel.Estimo. Desculpe

    Parecia envergonhado de seu torso desnudo, talvez pelasmuitas cicatrizes que o enfeavam. Os chifres dos touroscertamente no produzem feridas estticas. Benaventeapressou-se a vestir uma camisa preta, de manga curta.Depois olhou suas pernas, especialmente a direita, cujo

    joelho exibia tambm a marca brutal de uma chifrada. Mas

    sem dvida pareceu-lhe ridculo afastar-se para ir buscarumas calas compridas e, visto que Brigitte se haviasentado, fez o mesmo, levando novamente o charuto boca.

    Desculpe minha aparncia, mas com este calor...Alm disso, no esperava que fosse to pontual.

    No se preocupe sorriu ela. Sou uma mulher

    muito moderna. E j vi muitas pernas masculinas.Finalmente, seria absurdo que neste clima o senhor vestisse

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    um trajo completo e formal durante a tarde. Como podeobservar, eu tampouco sou partidria da etiqueta.

    E muito amvel, miss Montfort. Tenho a impressode que a ONU a considera uma excelente... Mmm ... Creio

    que em ingls se diz public relations, no assim? Assim . O senhor, que sem dvida descende de

    espanhis, deve conhecer o ditado: O hbito no faz omonge.

    Conheo, claro admitiu Benavente. Quer dizerque uma pessoa nem sempre o que parece em determinado

    momento, ou algo assim. Algo assim. Um cavalheiro continuar sendo um

    cavalheiro, embora use shorts, fume charutos pestilentos eesteja em mangas de camisa.

    Hctor Benavente enrubesceu.Se meu charuto a incomoda...

    Seu aroma ... terrvel sorriu Brigitte. Pestilento, como disse. Mas suponho que os homens no

    podem estar fumando a todo o momento charutosperfumados. Suplico-lhe que continue deliciando-se comesse... cartucho de dinamite.

    Vou apag-lo...

    No... no. Por favor: estou apreciando. Cheira ahomem, a fazenda de touros.Bem, se na verdade no a incomodo...Absolutamente.Ficaram silenciosos durante um momento. Brigitte

    olhava fixamente o gran maestro, o homem que em toda

    sua vida de toureiro havia abatido, sem dvida, nada menosde cinco mil touros. Cinco mil touros mortos um a um, comum corao e um estoque por toda arma... Seria isto

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    possvel? Que espcie de homem era Hctor Benavente?Que espcie de nervos teria ele?

    Fez-me uma pergunta esta manh disse ele,bruscamente.

    Certo. Uma pergunta que no quis responder.A verdade que eu ignorava se me compreenderia.

    Agora estou convencido de que sim. Muito obrigada. A pergunta se referia ao seu

    iminente afastamento das touradas. Se os touros lheagradam mais que tudo, por que deix-los pela poltica

    podendo permanecer com eles?Sim. Esta foi a pergunta, mais ou menos. A resposta

    que ningum necessita de mim nas praas de touros, missMontfort. Arriscando minha vida, no beneficio ningum.Absolutamente ningum.

    Compreendo. E por outro lado, acha que beneficiar

    algum dedicando-se a presidir Andina. Exato?Exato. Suponho que no me possa imaginar como umbom poltico, mas asseguro-lhe que o sou. Conheo bemuma boa parte do mundo. Mas, sobretudo, conheo bemminha ptria. E quando for Presidente, sei que todos estarosatisfeitos, que Andina ser um pas prspero e pacifico.

    Fala como se estivesse seguro de ganhar as eleies. Oh, sim, claro. Alberto de Mendoza no podervencer minha popularidade. Dentro de alguns meses, sereiPresidente deste pas.

    Mas, por enquanto, est ajudando Mendoza, no?Benavente olhou-a sem poder ocultar sua surpresa.

    Ajudando Alberto? No... No isso exatamente.Ns dois somos... velhos conhecidos. Pode-se dizer quebons amigos. Mas, no momento, no o estou ajudando.

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    A quem, ento?A minha ptria, naturalmente. Andina no necessita

    para nada das Ilhas Coronadas. Mas de todos os seushomens para continuar lutando por um futuro melhor. Uns

    quantos milhares de mortos numa guerra estpida nofavoreceriam a ningum.

    Certamente. Agrada-me sua maneira de pensar,seorBenavente.

    Esperava isso mesmo sorriu ele; apontou para omar. Veja as ilhas. Esto a uns vinte quilmetros do

    litoral. So muito bonitas. Na verdade, so mais belas queAndina. Mas se seus habitantes no querem ser andinos,devemos deixar que se convenam de seu erro.

    Brigitte olhou para os picos esverdeados que se viam nadistncia, dentro do mar. Contraiu as sobrancelhas, esteve

    pensativa por uns segundos e por fim perguntou:

    Est convencido de que, inclusive havendo obtido suaindependncia, os habitantes das Ilhas Coronadas pediromuito em breve sua anexao a Andina?

    Noto que muito inteligente, miss Montfort. As ilhasso... como filhos que se rebelam contra os pais. Quando osfilhos se rebelam, preciso ouvi-los, atend-los bem. Ouvi-

    los com muita ateno e perguntar suas razes. Geralmenteso razes ms. S que, por muito que tentemos explic-las,eles no compreendem isto. Ento, o melhor dizer-lhesque estamos de acordo, que podem ir pelo mundo e viversua vida. Sem ajuda, sem conselhos, sem apoio de nenhumaespcie. Na maioria das vezes, o filho volta ao lar paterno e,

    sem o dizer, sabe pedir que o recebamos novamente. Ento,os bons pais tomam a admitir o filho em casa.

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    Compreendo murmurou Baby. Espera queaps conseguir a independncia, as Ilhas Coronadas tornema colocar-se sob a proteo de Andina.

    Algo assim. Mas no como colnia e sim como parte

    de seu territrio, como solo ptrio de todos os -andinos.Sejamos sensatos: umas quantas ilhas precisam de uma me

    ptria que as mantenha. Vamos dar-lhes a independncia,deixar que durante algum tempo vivam sua vida. Mas asilhas voltaro a ns. J no sero colnias. Nem seroindependentes. Quando voltarem, ser para integrar-se legal

    e totalmente a Andina. No um projeto demasiado ambicioso, seor

    Benavente? Talvez. Tenho a impresso de que a estou

    surpreendendo, miss Montfort.Um pouco, admito.

    Deve saber que no sou um desditoso qualquer, agoramilionrio porque matei muitos touros arriscando a vida.Quero dizer que... Bom, certo que ganhei muito dinheirocom os touros. Mas no sou um rstico. Os primeiros pesosganhos nas touradas serviram-me para financiar meusestudos. Cursei a Universidade de Andina. Sou diplomado

    em Cincias Econmicas e Polticas. Tambm souadvogado. E dediquei especial ateno a questes de DireitoInternacional. Dividi meu tempo, durante os ltimos vinteanos, entre os estudos e os touros. E posso dizer-lhe, sem

    jactncia, que aprendi muito... de tudo.Brigitte sorriu suavemente.

    Est tratando de impressionar-me,seorBenavente?O inesperado e brilhante sorriso do matador de tourosapareceu fugazmente em seu rosto bronzeado.

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    E o que pensa?Francamente, no sei o que pensar.Pois no pense nisso. Eu no necessito da ONU para

    saber o que tenho que fazer.

    Para que a necessita, ento? Para evitar uma guerra com alguns milhares de

    mortos. Andina e as Ilhas Coronadas no se podem permitiresse luxo. Isso fica bem para os Estados Unidos, que estoenviando seu excesso de soldados ao Vietnam para... aliviara populao. Aqui, em Andina, no sobra ningum... Que ,

    Luzia.Brigitte voltou-se, quase sobressaltada. Atrs dela estava

    a j madura, mas bonita mulher, que olhava com olhosbrilhantes para o surpreendente toureiro.

    Esto chamando da cidade pelo telefone. J vou. Med licena, miss Montfort?

    Pois no.* * *

    Parece que no teremos visita esta tarde comunicou Benavente, tornando a sentar-se. Felicianotelefonou-me para dizer que tanto Alberto quanto ele s

    podero vir noite.

    Isso nos deixa umas quantas horas livres. Quase quatro. Posso mostrar-lhe parte da fazenda,mas ainda est muito calor para andar a cavalo. Pensou arespeito de sua participao numa corrida com vacas? Nogostaria de manejar uma muieta

    4?

    Diante de uma vaca?

    4Capa pequena, para tourear, geralmente usada no fim da lide.

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    Uma vaquinha... Que tambm tem chifres, claro, masbem menores...

    Gosto das experincias novas. Aceito seu convite,seorBenavente.

    timo! Mandarei o Crisanto preparar tudo.* * *

    A pracinha ficava atrs das cocheiras. Era pequena, defina areia avermelhada, bem lisa. Estava colocada de talmodo que nem sequer a brisa marinha chegava at l,evitando o perigo do revolutear dos capotes

    5 e muletas.

    Havia dois burladeros6

    , alm do que servia de entrada praa, e arquibancadas que poderiam conter cemespectadores, sob um telheiro branco que atenuava o calorsufocante do lugar.

    Os touros ficavam atrs da pequena praa, unidos a estapelo clssico beco, com paredes de tbuas pintadas de

    branco, grossas e slidas. Um cheiro intenso de esterco, queno resultava to desagradvel como se poderia esperar,dilua-se rapidamente ao forte calor da tarde. Ouvia-se omugir dos animais encerrados nos touros e os gritos alegresde no menos de vinte pees que se encarapitavam por toda

    parte e ocupavam os lugares mais frescos da arquibancada,

    fumando, palrando sem cessar. Grande acontecimento:depois de sua ltima cornada quase mortal, el maestrotomava a colocar-se diante de um par de chifres, aps umms de convalescena.

    5

    Capote - Capa maior, usada nas fases iniciais.6 Burladeros - Tabiques, rente barreira, para proteo aos

    toureiros.

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    No centro da pracinha, Hctor Benavente estava dandoinstrues a Brigitte sobre como segurar a ampla capa decor vermelha e dourada. Segurando aquele pedao de pano,as mos do matador pareciam ainda mais fortes, mais

    firmes. Era fcil compreender que ele estava em seuambiente, da maneira mais completa. Ali, mais que emnenhum outro lugar, com a capa nas mos, exibia uma

    personalidade que chegava a impressionar Brigitte. No aperte as mos. S conseguir cansar-se. Veja

    com que suavidade deve segurar a capa... E uma presso

    justa e continua. Ponha a capa de um lado e, quando a vacainvestir, no mova o corpo... S as mos, separando-as docorpo, trazendo o animal para sua direita, suavemente. Nadade movimentos bruscos. Pense que a vaca sai disposta a

    brincar, no a matar. Se brincar bem, ela ser dcil econtinuar alegremente. No lhe ponha o trapo diante dos

    olhos, deixe-a que veja bem. Do contrrio, talvez em lugarde lanar-se capa se lance ao vulto. E o vulto a pessoa.Compreende?

    Creio que sim.Estarei por perto. Se sentir medo, ou ficar nervosa,

    saia imediatamente da praa. No insista.

    Compreendo. Eu receberei a rs, para que se familiarize com acapa. Observe atentamente. E espero que no pretendasuperar-me, miss Montfort. No saberia como enviarminhas condolncias ONU...

    No se preocupe. Prezo minha vida.

    Muito bem. Crisanto, solte o bicho!Os pees comearam a gritar com grande entusiasmo.Don Hctor, a vaquinha est apaixonada!

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    Gosta de atacar pela esquerda!Levanta muito a cabea!A larga porta do touril abriu-se e uma vaquinha apareceu

    na praa, aturdida pela gritaria. Aos apelos de Benavente,

    virou a cabea para ele e ficou olhando-o por uns segundos.Sbito, com surpreendente agilidade, arremeteu contra omatador, que a fez passar pela direita com uma capeada

    baixa, que provocou um alarido entusistico do grupo depees. A vaquinha voltou-se furiosamente e lanou-se outravez contra o matador, que de novo quase arrastou a capa,

    para obrig-la a baixar a cabea. Um Ol vibrante ressoouna arquibancada. E aps os dois passes seguintes, o Olfoi ainda mais estrondoso, enquanto os pees, que se tinhamlevantado, comearam a jogar para os ares seus chapus de

    palha.Junto a um dos pequenos burladeros. Brigitte

    contemplava, fascinada, o rosto daquele homem, que agoraparecia talhado em pedra, inexpressivo, hermtico. As mospareciam ter vida prpria, e a fina cintura do matadordobrava-se suavemente, enquanto os braos pareciamalongar-se... Os pees comearam a bater com os ps naarquibancada, excitados ao mximo.

    Benavente aproximou-se de Brigitte e estendeu-lhe aponta de sua capa.

    Segure-a. Vejamos primeiro como faz o alimon.O qu?O duo. A vaquinha tem que passar por baixo. Bem?Sim, sim ... Muito bem..

    A vaquinha estava ao lado oposto da praa, masBenavente chamou-a com possantes gritos. Segurando aoutra extremidade da capa. Baby olhava com olhos muito

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    abertos os curtos chifres do animal. Curtos, porm nomenos eficazes e perigosos que uma punhalada no ventre.

    Um rugido de expectativa brotou do grupo de peesquando a vaquinha se lanou como uma flecha contra a

    capa. Benavente puxou esta para cima e mais que depressaBrigitte imitou-o. A vaquinha passou por baixo, levantandouma nuvem de areia.

    OOOLEE...!Um novo passe alimn.OOOLEE...!

    Outro passe.OOOLEE...!A vaquinha foi parar junto barreira e Benavente soltou

    a ponta da capa, sorrindo. toda sua, Lembra-se do que lhe disse?Sim... Creio que sim...

    Adiante, ento.O matador sentou-se no alto das tbuas que formavam a

    praa. Sacou um charuto e colocou-o entre os dentes.Quando Baby deu o primeiro passe sozinha, ele foi o

    primeiro a gritar:Olee...!

    Os pees o acompanharam, atirando para o alto oschapus. O segundo passe, por baixo e muito longo, causoutamanho alvoroo na assistncia que at ela mesma olhou

    para l, assustada. Enquanto isto, a vaquinha veio-lhe emcima, como uma pequena locomotiva. O grito de aviso fezBaby sobressaltar-se, e teve o tempo justo de afastar-se,

    de qualquer modo, pisando a capa, tropeando. O animalvoltou sobre seus passos, agitando muito a cabea,pateando, saltando...

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    Baixe as mos! gritou-lhe Benavente. Porbaixo, por baixo...

    Brigitte quase arrastou completamente a capa, um poucoplida, e a vaquinha esteve a ponto de cravar o focinho na

    areia.Olee...!Assim! Continue assim, miss Montfort!Que lhe dem as orelhas7!Agora todo o mundo ria, comeando por Benavente, que

    parecia muito mais jovem, mais lpido, mais alegre. Quase

    como um rapaz. No passe seguinte de Brigitte, comeou aaplaudir com ardor, mordendo o charuto. Os peesdivertiam-se a valer, admirados com aquela garota degrandes olhos azuis e rosto deslumbrante, que manejava o

    pesado capote com suas mos delicadas.Viva a vaca!gritou um peo.

    O riso agora foi retumbante. A vaquinha passou metendoa cabea em cheio na capa, arrancando-a por fim das mosde Baby. Sacudiu a cabea, atirou-a para um lado earremeteu contra a improvisada toureira, j completamenteentrosada no jogo de suas investidas. Um grito de espantoergueu-se entre os pees, enquanto Hctor Benavente

    saltava praa, agitando outra capa.Mas a vaquinha no o viu. Via somente Brigitte... eavanou contra ela, cabea baixa, pronta para lan-la snuvens. Benavente corria para l, os pees estavam de p,agora mudos de espanto, vendo os cornos da vaca a menos

    7

    Prmio conferido pelo publico ao toureiro que demonstra especialhabilidade. Pode ele tambm fazer jus ao rabo, s patas e,finalmente, ao touro inteiro.

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    de dois metros do ventre da garota. Um segundo mais, umaentrada de cabea e a valente estrangeira receberia achifrada.

    Um grito de admirao irrompeu quando ela saltou por

    cima do animal, fora do alcance de suas pequenas aspas. Foium salto assombroso, perfeito. Ela passou por sobre olombo da vaca at a garupa, enquanto girava no ar... Eenquanto o bicho prosseguia em sua investida at e barreira,ela caia na areia, rodando, sem haver perdido a composturaaps aquele salto de quase dois metros de altura e quase

    quatro de extenso. A menos assombrada foi a vaquinha. Ospees, aps um segundo de estupefao, lanaram um Olque deve ter chegado at Ciudad Andina, enquantoBenavente, com sua indiscutvel maestria, levava o animal

    para o Outro lado da praa, olhando para Baby, que setinha levantado rapidamente e corria para sua capa,

    parecendo estar disposta a continuar a lide.Deixe-a para mim!gritou ao matador.Este largou a vaquinha com um passe e olhou para

    Brigitte, sorrindo. Mas seu sorriso desapareceu bruscamentee seu rosto empalideceu, ao mesmo tempo em que umclamoroso grito de aviso partia da massa de pees.

    Brigitte voltou-se a toda a pressa e tambm empalideceuintensamente ao ver os cinco gigantescos touros quesurgiam na praa pela porta aberta do touril. Uns tourosenormes, com aspas impressionantes, cabeas altas...

    Corra!gritou Benavente.Corra para a barreira!Dois dos enormes touros abalanaram-se contra Brigitte,

    enquanto nas arquibancadas soavam clamores e vriospees saltavam praa, munidos de panos vermelhos,bradando, atraindo a ateno dos touros... Mas no de todos.

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    Os dois que haviam fixado Brigitte arremetiam contraela como monstros irrefreveis, cornos em riste.

    O que vinha frente lanou uma chifrada que passouroando por suas virilhas, O outro a teria atingido no ventre

    se ela no tivesse saltado para trs, rodando sobre si mesmae levantando-se imediatamente, correndo para a barreira esaltando-a, apoiando-se borda com uma das mos.

    Os outros trs trotaram para Benavente, que estava nocentro da praa, como cravado na areia. Ele reagiu ao verBrigitte fora de perigo e ainda teve tempo de largar pela

    esquerda o mais prximo dos animais, O segundo desviou-se para outro lado, com a volubilidade caracterstica daespcie. O terceiro enganchou com a aspa direita a camisade Benavente e arrancou-a, transformada num trapo,derrubando o matador... O que pareceu chamar a ateno dosegundo, que se lanou contra ele, os cornos quase ao nvel

    da areia.Toro!... Ej, toro...!

    Um dos pees desviou o animal com um passe de capa,enquanto trs ou quatro ajudavam o matador a levantar-se ecorriam para a barreira.

    Porfrio, deixa-o estar!gritou Benavente.

    Em menos de trs segundos, os touros e a vaquinha eramdonos e senhores da praa, olhando para todos os lados,ameaando as tbuas com as cabeas baixas.

    Ainda plido, mas completamente tranqilo, HctorBenavente aproximou-se de Brigitte, cuja palidez era maisnotvel ainda.

    Est bem, miss Montfort?Creio que sim... Na verdade, no sei. Mas se foi umabrincadeira,seorBenavente

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    Crisanto chegou correndo, mais plido que Brigitte eBenavente juntos.

    Don Hctor... tartamudeou. No sei comoaconteceu... Virgen del Poder, isto podia ter resultado numa

    catstrofe... Juro-lhe que os touros estavam bem fechados,don Hctor! Juro por minha me, pela Virgem do...!

    Est bem cortou Benavente. Mas se os tourosestavam bem fechados, como puderam esses cinco touroschegar praa?

    No sei! Juro que no sei, don Hctor! Preparei tudo

    bem, o senhor me conhece... Juro que tudo estava fechado,menos a sada para a vaquinha!

    Benavente olhou firme para Crisanto durante algunssegundos. Depois, sem dizer palavra, dirigiu-se para ostouros, pelo passadio elevado. Brigitte foi atrs dele,olhando de soslaio para o atribulado e assustado Crisanto.

    Um a um, o matador e a espi foram examinando osferrolhos dos diferentes compartimentos do touril. E todoseles estavam abertos. Os touros haviam tido apenas otrabalho de sair e caminhar tranqilamente pelo beco detbuas at a pracinha.

    No possvel, no possvel... tartamudeava

    Crisanto.Juro que tudo estava fechado... Por minha me,don Hctor!Est bem, Crisanto. V ajudar os outros a recolher os

    touros.Eu vou, don Hctor... Virgem del Poder!Do passadio elevado, Baby e Benavente estiveram

    vendo regressar os touros para seus respectivoscompartimentos, impelidos pelas aguilhadas que lhesaplicavam os pees. Em menos de cinco minutos, tudo

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    estava em calma... com exceo dos excitados comentriosde todos os homens.

    Sinto bastante... murmurou Benavente.No seicomo pedir-lhe desculpas, miss Montfort.

    O senhor mandou que soltassem esses cinco touros?Claro que no! Ento, no se desculpe sorriu Baby. Logo

    encontraremos a pessoa que dever faz-lo. Imagino,seorBenavente, que algum teve a idia de matar-nos. Ou a umde ns dois, sem se importar com o que sucedesse ao outro.

    Um de seus pees abriu o touril.No, no... No possvel... Diga-me ento como foi que cinco touros puderam

    abrir os ferrolhos de seus compartimentos.Bem isso impossvel.Ser melhor que voltemos a casa. Parece-me que terei

    que tomar outro chuveiro... Proponho que jantemos s oitohoras. Assim, quando chegarem o Presidente e o Primeiro-Ministro, poderemos tomar champanha todos juntos,enquanto falamos de poltica.

    Seu autocontrole assombroso...Vejo que est percebendo isto... tornou a sorrir a

    agente Baby.E dentro de pouco espero demonstr-lo amais algum. Vamos? Por hoje terminaram as lies detauromaquia...

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    CAPTULO QUARTO

    Canhes ou champanha?

    A misteriosa maletaCom uma taa em cada mo...

    No havia dvida de que Hctor Benavente era umhomem atencioso e amvel. Haviam jantado, na arcada

    principal, e agora, enquanto tomavam caf, ele acendera umcharuto que exalava um aroma dos mais agradveis, bemdiferente daqueles terrveis e retorcidos que tanto pareciamagradar-lhe.

    O matador estava de branco, impecvel, e exibia umaelegante gravata. Sua personalidade era a mesma, tal comose ainda estivesse com a blusa de pees e as sandlias de

    palha: frrea, dura como o ao. E suas grandes mosossudas destacavam-se ainda mais sobre a imaculada alvura

    de suas roupas. Quanto a Brigitte, pusera um vestido curtode noite, segundo a moda atual, preso aos ombros por finasalas douradas. O decote era abismal, mas absolutamenteno comprometia a distino e bom-gosto de que ela faziaalarde a todo o momento. Suas costas ensolaradas, retas e

    perfeitas, estavam descobertas quase at a cintura.

    Diante de tanta beleza, Hctor Benavente comeava aperder um pouco daquela impassibilidade estica que lheera peculiar. Olhava-a de quando em quando, e Brigittesorria-lhe, respondia cortesmente, mas logo seus olhos sedesviavam.

    Pelas nove horas, ambos ouviram quase ao mesmo

    tempo, com ligeirssima vantagem para a espi, a chegadade alguns carros. Nada menos que trs.

    A esto elesdisse Benavente.

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    E parece que no temem as investidas dos touros...Pensei que viessem a cavalo. Mas, claro, isso no seriamuito adequado para um Presidente.

    O matador levantou-se, olhando de relance para Brigitte,

    sem saber se esta falava srio ou estava brincando.Espero que tudo saia bem...murmurou.Gostar

    do nosso Presidente, miss Montfort.Como homem, quer dizer?No creio que isso lhe interesse no momento. Estava

    falando do Presidente de Andina, no de Alberto de

    Mendoza. Compreendo. Vi fotografias dele e gostei de seu

    rosto. Parece inteligente e nobre. Que me diz de FelicianoSantander?

    brilhante. Um magnfico Primeiro-Ministro.Parece-lhe que poderia chegar a Presidente?

    No creio. E muito eficiente, mas desses homens queno tm capacidade para o contato direto com o povo. Possoestar enganado, claro, mas penso que ele jamais seria eleito.Falta-lhe... o sorriso do condutor de massas.

    Tambm o senhor no sorri muito. verdade. Mas todos os andinos j me viram sorrir

    alguma vez. E gostaram. Alm disso, sabem que HctorBenavente nunca faltou sua palavra. E simpatizamcomigo.

    Insiste em dizer que ser eleito?Todo o mundo sabe disso.Inclusive o atual Presidente?

    Inclusive.Bem... Se h de ser para o bem-estar dos andinos, ateu comeo a desej-lo... Devo levantar-me?sorriu.

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    Os trs carros, negros, grandes, brilhantes, tinhamparado no ptio, perto da arcada principal. Do ltimo delessaltaram seis soldados, que se distriburam rapidamente

    pelo ptio. O segundo carro deu a volta e saiu, depois que o

    oficial que conduzia se convenceu de que tudo estava beme, portanto, convinha vigiar o Outro lado dos muros brancosencimados por telhas vermelhas.

    Do primeiro carro desceu um suboficial, que abriurapidamente a porta traseira direita e saudou aceitvel-mente.

    Deve conhecer o protocolo, sem dvidamurmuroupor fim Benavente. Saber se deve levantar-se ou nodiante de um Presidente.

    Brigitte levantou-se sorrindo e aproximou-se da borda daarcada, enquanto Benavente adiantava-se ao encontro dosdois homens que tinham sado do carro. Pde reconhec-los

    imediatamente como Alberto de Mendoza, com suabarbicha, e Feliciano Santander, nariz grande, queixoagressivo. O tio Charlie lhe tinha mostrado excelentes fotosde ambos. Eles apertaram a mo de Benavente, que ostrouxe at a arcada, onde os esperava sorrindo a mais belaespi de todos os tempos: Baby da CIA.

    Miss Montfort apresentou Benavente. DonFeliciano Santander, nosso Primeiro-Ministro. E DonAlberto de Mendoza, Presidente de Andina.

    Feliciano Santander apertou secamente a mo deBrigitte. O Presidente teve a gentileza de sorrir e inclinar-sediante de sua mo, como se fosse beij-la.

    Seu trabalho profissional est altura de sua beleza,miss Montfort. Andina regozija-se com sua presena.

  • 7/28/2019 B071-Lou Carrigan-Champagne Com Cerejas

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    Muito obrigada, senhor Presidente. Asseguro-lhe quenada me agradaria tanto como colaborar para a soluodesse iminente conflito que poder produzir milhares demortes.

    Um triste assunto... Por favor, sente-se. Brigittesentou-se e Mendoza fez o mesmo, sendo logo imitado porSantander e Benavente. O assombroso do caso essaimpacincia. No a compreendemos aqui, no continente. AsIlhas Coronadas obteriam sua independncia antes de umano, ou pouco mais, no pior dos casos. Entretanto, consta-

    nos que esto preparando um desembarque no litoral deAndina em data muito prxima.

    Est completamente seguro a este respeito, senhorPresidente?

    Sem dvida. Feliciano tem a seu encargo um...pequeno servio de espionagem, para denomin-lo de

    algum modo. E h certeza de que as noticias enviadas aoMinistrio por seus agentes so exatas. As tropas das IlhasCoronadas, recrutadas um tanto irregularmente, esto naIlha Corbacho esperando, preparando-se. Nem sequervestem uniformes. So simples rebeldes. Parece que hmais de dois mil. Com lanchas, metralhadoras, morteiros...

    Alberto de Mendoza sorriu tristemente. Por sorte, emarmamentos so to pobres como ns mesmos.O que no impediria muitas mortes. No, no impediria, certamente. Em resumo, miss

    Montfort, a situao a que acabo de explicar-lhe empoucas palavras. Est claro que ns, os andinos

    continentais, no pensamos atacar as Ilhas Coronadas, masse formos atacados ...

  • 7/28/2019 B071-Lou Carrigan-Champagne Com Cerejas

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    Compreendo. Parece que a situao est bastanteclara. Tentaram falar com Len Salvatierra, o dirigente dacolnia?

    Naturalmente. Mas no recebemos resposta a nossas

    repetidas propostas. Mais ainda: assegura-se que LenSalvatierra no est nas ilhas.

    No? Onde est, ento?Bem... Ele um homem muito estimado, tanto nas

    ilhas como aqui. Seu desaparecimento nos faz temer queesteja em Andina, procurando adeptos para sua causa,

    pessoas que o ajudem do continente... Tem muitos e muitobons amigos.

    Poderia citar-me alguns?Mendoza fez um sinal a Feliciano Santander, que sacou

    um avultado envelope e estendeu-o a Brigitte, explicando: Pareceu-nos conveniente redigir um informe

    completo de todos os pontos por ns conhecidos.timo. E... suponho que antes de tomar uma deciso,ou emitir uma simples opinio, eu deveria receber tambmum informe sobre os motivos que levam Len Salvatierra aesta rebelio. Esto certos de que no poderia localiz-lo sefosse s ilhas?

    Como lhe dissemos, parece que no se encontra l. Ese l estivesse, provvel que se negasse a dar qualquerespcie de explicao.

    Talvez o seor Salvatierra no tenha pensado nopouco que durariam as tropas que recrutou se para cfossem enviadas foras da ONU. uma lstima que um

    homem que parece inteligente esteja fazendo o possvelpara malograr a prxima independncia das IlhasCoronadas. Parece mesmo absurdo, no verdade?

  • 7/28/2019 B071-Lou Carrigan-Champagne Com Cerejas

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    Parece de fato. Mas enquanto isto, dois mil homensesto reunidos na Ilha Corbacho, com armas e embarcaes.

    Gostaria de ver essa concentrao de foras, senhorPresidente. Posso dispor de um helicptero?

    Todos ergueram vivamente a cabea, ao ouvir osdisparos fora dos muros da fazenda. Primeiro foram dois,seguiram-se trs ou quatro. E, finalmente, um fogo nutridoque durou alguns segundos.

    Hctor Benavente fora o primeiro a levantar-se, muitoplido. Mendoza e Santander tambm se ergueram,

    nervosos, preocupados. Baby limitou-se a olhar, testaligeiramente franzida, para a grande porta de entrada. Ossoldados que estavam no ptio corriam para l, erguendo osfuzis.

    Parece que algo no vai bem disse tranqilamenteBrigitte.

    Os trs homens a olharam, perturbados.Vou ver.. .disse Benavente, No se arrisque, Hctor aconselhou Feliciano

    Santander.Benavente quase lanou uma gargalhada e cruzou o

    ptio. Na verdade, era divertido aconselhar um homem que

    j abatera cinco mil touros a no se arriscar.Acho que tambm irei sorriu Baby. Talvezfique sabendo de algo que me ajude a cumprir minhamisso em Andina.

    Iremos todos resolveu Mendoza. Parece queest terminado. No se ouvem mais tiros.

    Saram do ptio os trs e dirigiram-se para onde se via ogrupo de soldados, diante de algumas rvores queformavam uma ma