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LOU CARRIGAN BRIGITTE MONTFORT SECRETÍSSIMO

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LOU CARRIGAN

BRIGITTE MONTFORT

SECRETÍSSIMO

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SECRETÍSSIMO

UM Um pouco de judô

Os pois japoneses pareciam muito satisfeitos, sem

dúvida porque se tinham encontrado um ao outro e podiam falar sua própria língua nada menos que no centro de Nova Iorque. Um deles, miúdo e delgado, cujos diminutos olhos negríssimos brilhavam de astúcia, devia ter uns cinqüenta anos e estava ataviado com o clássico yudogi, ou quimono dos praticantes de judô. Na cintura, o distintivo de sua categoria: cinturão de listras vermelhas e brancas. Isso queria dizer que já ultrapassara a categoria de “faixa-preta”. Era o mestre e diretor técnico do dojo, o professor Tamaki Kurita, sexto Dan.

O outro japonês devia ter uns trinta e cinco anos. Era um tanto mais alto, mais atlético, elegante, de expressão muito agradável. Suas feições eram bem delineadas e seus olhos, maiores que os comuns em sua raça, eram apenas ligeiramente oblíquos. Não havia nenhuma astúcia neles. Somente uma notável inteligência natural, repousada; parecia capaz de compreender tudo com um só olhar. Também envergava um yudogi, mas a faixa que o cingia era preta, simplesmente.

— Este é o tatami para alunos — acabou de explicar o mestre Kurita. — Agora os veremos em treinamento. Tenho muito bons discípulos.

— Algum deles é japonês? — Não. Você será o único... se lhe agradar o meu dojo.

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— Estou certo de que me agradará. Francamente, não esperava encontrar nada assim em plena Nova Iorque.

Kurita sorriu e indicou a saída daquela parte do ginásio. Transpuseram um curto corredor, iluminado de vermelho suave, e entraram em outra sala, algo menor. Detiveram-se uns segundos junto à porta, enquanto Kurita esperava cortesmente que o novo aluno- sócio provável recreasse a vista contemplando as instalações, que eram simples, mas bastante agradáveis. No centro, o grande tatami em tom verde-claro, bem esticado, limpíssimo, nem duro nem mole, sobre o qual alguns judocas faixa-preta praticavam o randori, ou a técnica de luta com ambos os contendores de pé. Vários outros alunos, sentados sobre as pernas dobradas a um lado do tatami. acompanhavam os movimentos dos pares de antagonistas. Ao redor, paredes pintadas de branco, nas quais havia belas gravuras japonesas: flores, pássaros de alegre e variado colorido, judocas em fases diversas da luta, montanhas nevadas, cerejeiras em flor... Quadros com princípios e regras do judô, explicação das categorias e conhecimentos técnicos que exigia cada uma. Sobre o tatami pendia uma grande lâmpada, que lançava luz clara e bem matizada exclusivamente para a lona. A um lado, um pequeno tanque iluminado por sua própria água, de um verde fulgurante.

— Um bonito e tranqüilo ambiente — murmurou o novo aluno. — Espero que todos saibam apreciá-lo.

— Em geral, sim. Os americanos, honra lhes seja feita, costumam fazer bem as coisas. Quando resolvem aprender o judô, põem nisto todo o seu interesse e sabem cingir-se a todas as regras e detalhes. Venha: quero que conheça seus futuros companheiros... se e que está decidido.

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— Estou, naturalmente. Pressinto que minha permanência em Nova Iorque será muito mais agradável do que esperava.

Ambos aproximaram-se do tatami e esperaram que todos os pares de contenderes percebessem a presença do mestre Kurita. Quando isto ocorreu, eles foram sentar-se com os demais, após saudar-se mutuamente como final da luta.

Kurita olhou o visitante e indicou o tatami, convidando-o a precedê-lo. Mas o outro moveu negativamente a cabeça.

— Por favor, mestre... Passe primeiro. — Obrigado. Kurita subiu ao tatami, logo acompanhado pelo

visitante. Frente a frente, saudaram-se com uma inclinação profunda. Em seguida, Kurita foi sentar-se no centro, defrontando os alunos. O visitante sentou-se também sobre as pernas, à esquerda do mestre e um pouco mais atrás. Durante uns segundos, reinou silêncio no dojo, enquanto o mestre apenas movia os olhos, olhando para todos os lados. Por fim, ele colocou ambas as mãos nos joelhos, com os dedos paralelos ao corpo, e inclinou-se cerimoniosamente, numa saudação que foi imitada por todos os presentes.

Quando se endireitou, Kurita olhou um momento o visitante.

— Senhoras e senhores: vamos ter a honra de contar com um novo sócio que nos chega com a categoria de Ni-Dan1. Todos sabemos e admitimos que os judocas japoneses são os melhores do mundo, como ficou demonstrado há algumas semanas no México. Espero, portanto, que a

1 Ni-Dan = faixa preta, 2º. Dan ou grau de mestre

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presença do nosso convidado de hoje será muito útil a todos para o aperfeiçoamento técnico desta academia. Apresento-lhes o senhor Minoru Murayama, Doutor em Medicina pela Universidade Imperial de Tóquio.

Minoru Murayama apoiou as mãos no solo, para inclinar-se e corresponder à saudação geral. Depois, ornando um a um seus alunos, Kurita mencionou seus respectivos nomes. E a cada nome o recém-apresentado e o novo aluno se saudavam, sempre com lentas e cerimoniosas inclinações. Quando a apresentação individual terminou Kurita ergueu a mão.

— O senhor Murayama fará agora alguns exercícios de aquecimento muscular. Quando estiver preparado, desafiará uru dos presentes... Espero — sorriu levemente — que lhe seja demonstrado que o professor Kurita tem excelentes alunos. É só, senhoras e senhores. Muito lhes agradeço a atenção.

Tornou a saudar, foi correspondido e levantou-se. Imediatamente, os alunos o imitaram. Alguns tornaram a sentar-se e outros prosseguiram com suas lutas. Kurita foi sentar-se a um lado do tatami e Minoru Murayama dedicou-se a seus exercícios ginásticos de aquecimento, concedendo atenção especial a suas articulações.

Minutos mais tarde, aproximava-se da linha de judocas sentados e, num gesto cortês, desafiava um deles, que se pos de pé incontinenti, deixando ver na borda de, seu quimono as duas listras negras, distintivo do 2º. Dan. De igual a igual. Colocaram-se num ponto do vasto tatami, saudaram-se com inclinações profundas e passaram ao ataque...

Decorridos três minutos, o judoca americano, sorridente, desgrenhado, suarento, levantava uma das mãos, pedindo

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paz, quando, após uma queda sensacional, Murayama dispunha-se a atacar novamente. houve uma nova saudação de agradecimento mútuo e o americano foi sentar-se, ainda sorrindo, comentando com seu companheiro da direita a técnica formidável do novo colega.

Minoru Murayama permaneceu de pé, olhando para a linha dos judocas, com um sorriso entre ufano e polido, como à procura de uma nova vítima. Por fim, dirigiu-se para uma das três mulheres incluídas entre os judocas sentados. A mais jovem, de aspecto mais belo e delicado. Tinha os cabelos negríssimos apanhados na nuca, de modo que se via seu belo pescoço flexível, de um suave tom dourado, ensolarado. Seus luminosos olhos azuis fitaram um tanto surpreendidos os negros olhos do japonês, quando este se colocou diante dela, indicando-a com a mão estendida e as sobrancelhas um pouco arqueadas em discreta expressão interrogativa.

Ela ergueu-se rapidamente, de modo que, na borda do seu yudogi, apareceram então as três listras bordadas em seda preta: 3º. Dan, ou seja, San-Dan2. Um grau mais que o novo aluno. Este baixou o olhar para as três listras, depois levantou-o mais que depressa para os olhos azuis.

— Perdão... — murmurou. — Desculpe-me. — Está muito bem, Murayama San — sorriu ela, como

um anjo. — O senhor não me conhecia... — De qualquer modo... — A culpa foi minha: impedi que visse o distintivo de

meu grau, estando sentada.

2 San = Senhor, em japonês. Usa-se depois do nome

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— Não, não... Foi exclusivamente minha. Devia ter-me certificado, miss. Desculpe.

— Como queira. Está desculpado. Minoru Murayama ficou de pé, enquanto ela tornava a

sentar-se. Estava profundamente mortificado e todos puderam dar-se conta disso. Mas também todos se tinham dado conta de que sua falta de cortesia fora completamente involuntária. Por fim, depois de hesitar um instante, ele também se sentou, ainda parecendo consternado.

— Não se preocupe tanto — murmurou outra das mulheres, junto à qual ele se sentara. — Todos vimos que não teve culpa, senhor Murayama.

— Obrigado... Realmente, não tinha visto o grau, mas lamento o ocorrido. Espero que miss. — Montfort? — Sim: Montfort. — Bem... Espero que miss Montfort não me guarde

rancor. A mulher olhou-o mais surpreendida que se tivesse visto

uma baleia voando. — Rancor? Brigitte? Ora vamos, senhor Murayama! Ela

é a criatura mais encantadora do dojo, uma excelente amiga, uma pessoa rara. Foi a primeira a se dar conta de que, na verdade, o erro tinha sido dela.

— Oh, não gostaria que miss Montfort se sentisse culpada.

A mulher olhou amavelmente o japonês e riu com simpatia.

— O senhor é extremamente gentil. Na verdade, os orientais levam demasiado a sério estas coisas. Pode estar certo de que Brigitte já esqueceu por completo este “grave”

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incidente. E, como o senhor mostrou desejo de lutar com ela, estou certa de que não demora a vir desafiá-lo.

— Acha que sim? Isso significaria na verdade o completo perdão por minha falta...

— Pois o senhor pode contar com esse “completo perdão” — tornou a rir a mulher.

— Tornara que assim seja. Mmm... Terceiro Dan... Não é ainda muito jovem miss Montfort para possuir esse grau? Bem, quero dizer...

— O que lhe surpreende é seu sexo, não sua juventude, senhor Murayama. Sei muito bem que no Japão um homem pode atingir o grau de faixa-preta aos quinze anos. Mas uma mulher é... coisa muito diferente. Asseguro-lhe que Brigitte merece o terceiro grau.

— Eu não estava pensando o contrário. Apenas... surpreendi-me um pouco, por ser ela tão jovem e o San-Dan nada freqüente.

— De fato. Tome a mim, por exemplo... Há nove anos que pratico o judô, sou mais velha que Brigitte e não faz muito que consegui o 1º. Dan. Com ela, porém, tudo é especial. Nós aqui, fazendo um pouco de brincadeira com o rebuscado estilo japonês, chamamos Brigitte de “raio de sol que nos ilumina a alma...” E se não me engano, esse raio de sol já vai cair em cima do senhor. Eu o preveni.

O japonês virou rapidamente a cabeça e, com efeito, viu miss Montfort colocar-se diante dele, indicando-o com a mão estendida e uma expressão interrogativa nos sorridentes olhos azuis... mais fulgurantes decerto que qualquer raio. Ele se levantou quase de um salto e defrontou Brigitte, que fez um gesto mostrando o centro do tatami. Os

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dois foram para lá, saudaram-se e, quando tornaram a olhar-se. Um dos alunos sentados exclamou alegremente:

— Hajime!3 Os que estavam lutando perceberam a presença de dois

novos contenderes no tatamig e, ao ver de quem se tratava, interromperam a peleja, saudaram-se e foram rapidamente sentar-se. Minoru Murayama ficou algo perplexo um instante. Tinham sido deixados sozinhos. Ele parecia perguntar-se por quê? Eram ambos especiais, acaso? Olhou o mestre Kurita, que se havia acomodado melhor em seu lugar, abandonando a costumeira inexpressividade oriental para olhá-lo com incontido interesse. E quase se podia perceber a malícia que brilhava em seus olhos oblíquos...

Murayama aproximou-se de miss Montfort e deixou que ela lhe agarrasse regularmente o quimono, isto é, pela manga direita, à altura do cotovelo, e pela lapela esquerda. Fez o mesmo, pensando já em como agiria. Nada de enganos: estava diante de um 3º. Dan. Mas justamente por isso poderia derrubar a adversária com uma simples entrada de perna... Assim fez. Lançou a perna direita por entre as dela, girando para dar-lhe as costas, enquanto começava a erguer-lhe o braço direito...

E o raio, com efeito, pareceu vir de lugar nenhum: a perna esquerda de Brigitte desapareceu de onde estava e tornou a aparecer, golpeando por trás a perna esquerda do japonês, que naquele instante se apoiava cinicamente nela. A entrada simples, réplica simples. Murayama caiu de

3 Voz japonesa que significa “Ataquem” e que precede todos os combates formais. De certo modo, equivale ao som do gongo nos rounds de boxe.

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costas, como um saco, com o tempo justo para soltar Brigitte com sua mão esquerda e batê-la no tatami, num golpe seco, para proteger-se da queda.

Junto com a batida de sua mão na lona ouviu-se uma voz exclamando:

— Ippon!4 Minoru Murayama levantou-se velozmente e olhou sua

contendora, que lhe fez uma leve saudação de cabeça e tornou a estender as mãos para ele. Outra vez se agarraram e o japonês planejou rápido a retribuição da queda. Mas esta vez de modo muito mais efetivo: não só derrubaria sua oponente como lhe aplicaria uma chave de braço, obrigando-a a desistir da luta. Num instante, o golpe ficou decidido: Ude-Hishigi-Hiza-Gatame, quer dizer a 25ª. chave de braço, para a qual se parte da posição de pé... Saltou, colocou o pé direito na virilha esquerda de Brigitte, puxando-a para o chão pelo braço esquerdo, que começou a sujeitar também com a mão direita. A adversária saltou para frente e caiu a seu lado, de modo que, embora com o braço preso, este não estava em posição adequada para receber a chave, mas pronto para ser flexionado. E assim aconteceu. Ela flexionou o braço direito seguro por Murayama, sem soltar a lapela de seu quimono, colocou-se por trás dele, virou-o de cabeça para baixo, passou a perna direita por 4 Ippon, equivale a ponto e com ele se obtém a vitória em combates regulamentares. O mesmo que o nocaute do boxe. Também se obtém a vitória por dois Wazari, cada um valendo meio ponto; por Sogo-Gachi, ou combinação; por Kiken Gachi, ou abandono; por Ansoku Gachi, ou desclassificação. Combate nulo é Iquiwake. Finalmente, pode-se ganhar por Fusen Gachi, ou não-comparecimento do adversário.

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cima de sua nuca, firmou o pé no chão e puxou-lhe o quimono para cima, bloqueando-lhe completamente a cabeça, provocando assim um poderoso estrangulamento efetuado ao contrário das regras normais: Hasami-Jime. Murayama bateu com a mão na lona e Brigitte soltou-o imediatamente.

— Ippon! — tornou-se a ouvir. O japonês levantou-se, imperturbável. Agarraram-se

novamente, ele fintou para a esquerda e, numa fração de segundo, mudou para a direita, girando sobre a ponta do pé esquerdo e colocando o quadril direito contra o ventre de Brigitte, ao mesmo tempo que sua mão direita subia, puxando-a para cima pelo quimono, e a esquerda puxava cm circulo a manga direita dela. Com um giro para a esquerda e inclinando-se, Murayama conseguiu por fim o Yama-Arashi, movimento de quadris que traduzido significa “Tempestade na Montanha”. Miss Montfort caiu de costas diante dele, com um baque saco contra a lona.

— Ippon! Novamente em guarda, agarrando-se. Duas tentativas,

alguns giros, evoluções de estudo... Miss Montfort tornou a ser o raio de chega de lugar nenhum. Deixou-se cair para trás, puxando o braço direito de Murayama e bloqueando a perna do mesmo lado com sua esquerda, provocando assim a queda lateral do 10º. sutemi ou movimento de sacrifício, Yoko-Otoshi. Em princípio, a queda não significa grande coisa, sobretudo quando o que a força também cai, como ocorre com os sutemis. Deve-se esperar algo mais. E assim foi. Ainda estavam ambos no chão, quando Brigitte iniciou velozmente a chave cruzada de braço, Ude-Hishigi-Juji-Gatame, finalizando-a com perfeição. Ficou estendida ao

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lado de Murayama, com o braço direito deste entre suas duas pernas dobradas, apertando-lhe o cotovelo contra o próprio abdome e forçando-o para cima, enquanto com as duas mãos puxava para baixo... A ruptura do cotovelo era inevitável, a menor que o japonês optasse por abandonar a luta, com as clássicas batidas na lona. Assim fez ele, e Brigitte soltou-lhe o braço.

— Ippon! Durante mais cinco minutos, a atenção de todos os

alunos e do mestre Kurita esteve concentrada nas demonstrações daqueles dois hábeis contendores, que continuaram aplicando chaves diversas, cada vez com mais astúcia, cada vez estudando-se mais a fundo. Por fim, miss Montfort ergueu um braço e olhou sorridente para Minoru Murayama, que suava ainda mais copiosamente que ela.

— Muito obrigada, Murayama San. — Sou eu quem lhe deve agradecer — murmurou ele. —

Muito obrigado, miss Montfort. Os assistentes aplaudiram entusiasticamente os dois

contendores. Murayama tornou a sentar-se e Brigitte dirigiu-s.e à borda do tatami. Dali saudou, primeiro em direção ao mestre Kurita, depois a seus companheiros em geral, antes de saltar sobre suas sapatilhas especiais. Kurita levantou-se, saudou também e se encaminhou para ela.

— Não esteve mal, miss Montfort. — Não estive mal? Ora vamos, Sen-Sei..5. Murayama

San é 2º. Dan e aprendeu judô no Japão. Claro que o senhor é excelente mestre, mas esta apenas há alguns meses aqui, ainda não me pode ensinar o suficiente.

5 Sen-sei = Mestre

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— Às vezes me pergunto se tenho ainda algo a lhe ensinar — sorriu o nipônico. — A verdade que esteve muito bem. Nove Ippons contra três de Murayama é um resultado magnífico.

— Ele é um adversário duro e bem preparado. — Claro: é japonês. — Oh, sim... — riu Brigitte. — Um detalhe muito digno

de ser tomado em conta. Entretanto, o título mundial esteve durante muito tempo em de um judoca que não é japonês.

— O caso de Anton Geesink foi... um acidente, apenas — replicou Kurita. — Não faz muito, no México, os japoneses ficaram com a quase totalidade dos títulos.

— Eu sei. Tudo voltou ao seu curso normal, não é assim?

— Com efeito. Mas o que lhe queria dizer é que insisto em apresentá-la nas provas para o 4º. Dan, miss Montfort. Poderia ser dentro de quinze dias.

— Quer dizer que me considera preparada? — Claro que sim. — Então, enfrentarei essas provas. — Ótimo. Oh, vá ao chuveiro... Não se resfrie. — Sim... Até logo, Sen-Sei. Dirigiu-se ao vestiário das alunas. Entrou, encolheu os

ombros ao não ver ninguém e tirou o quimono, ficando com a fina malha negra, ajustada, que usava durante os treinos. Tirou as calças, a malha, o sutiã... Completamente nua, foi a seu armário, distraída, desfrutando de antemão o maravilhoso banho que ia tomar, primeiro com água quente, depois fria... Sentia-se completamente em forma, cheia de força. Coisa difícil de compreender para quem visse aquele corpo esbelto, delicado, de linhas suaves e harmoniosas.

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Abriu a porta do armário, tirando a toalha. Sssstttsssttt... Algo brilhante, longo e fino, passou junto a seu rosto,

emitindo o silvo ameaçador. Algo que se contorceu em sua trajetória até ao chão, onde ficou, junto aos pés da .petrificada Brigitte, que tinha empalidecido bruscamente.

E assim, pálida, petrificada, contemplou a víbora que se agitava furiosamente sobre os ladrilhos, silvando. Uma víbora de espécie venenosa, que estava levantando a cabeça, disposta a passar ao ataque.

E, súbito, o perigoso réptil saltou contra suas pernas.

DOIS Uma víbora fora do ninho

Brigitte esquivou-se do bote da cobra, reagindo de

pronto. O repulsivo animal passou rente à sua perna direita, como uma bala, roçando-a com a cauda. O impulso do salto fora tal, que a linda judoca nua caiu três metros mais longe, de costas, atenuando o impacto, por instinto, com a batida saca de ambos os braços, como se estivesse ainda no tatami.

Levantou-se imediatamente e olhou de olhos arregalados a víbora, que se revolvia no chão, agitando freneticamente a cauda e voltando-se de novo para ela.

Sssstttsssttt... Sssstttsssttt... O animalejo continuava silvando, deslizando pelos

brilhantes ladrilhos, aproximando-se. Como cravada no chão, Brigitte deixou-a chegar, enquanto enrolava e dobrava a toalha. Esperou serenamente que a víbora estivesse mais perto e começasse a erguer a cabeça... Então, moveu-se com rapidez fulminante. Afinal, por alguma razão também ela

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era uma víbora, como certa vez havia demonstrado6. Com um certeiro golpe de toalha, alcançou em cheio o réptil na cabeça, enviando-o ao outro extremo do vestiário, silvando ainda mais ameaçadoramente, girando no ar. E estava ainda girando no ar, quando Brigitte correu ao armário, tirou sua bolsa e desta a pistolinha de coronha de madrepérola, que mais parecia um brinquedo, destravou-a e fez pontaria.

A cobra tornava a aproximar-se, irritadíssima, e a cada coleio seu a mão armada se movia, sempre lhe apontando a pequena cabeça. Pequena, mas alvo muito fácil para “Baby”, a mais perigosa espiã do mundo, que inopinadamente tornou a guardar a pistolinha na bolsa, deixou cair esta, apanhou o quimono, soltou um grito agudíssimo e saiu do vestiário, sempre dando gritos, enquanto vestia apressadamente o quimono.

Do corredor, seus gritos deviam ter chegado até aos confins da academia, e logo em seguida apareceram vários judocas, correndo, procedentes dos tatamis. À frente vinha o mestre Kurita, seguido por seu novo aluno, Minora Murayama. Quando chegaram junto a ela, Brigitte era a imagem viva do terror, apoiada à parede, cruzando o quimono ao peito, tremendo, gritando...

— Miss Montfort — mestre Kurita segurou-a pelos ombros —, acalme-se, por favor! Que está lhe acontecendo?

— É... uma cobra no vestiário... Uma cobra horrível... Praticamente, a totalidade dos sócios estava no corredor.

Houve um movimento instintivo de recuo, exceto da parte de Murayama, que tirou rapidamente a faixa preta e precipitou-se para o vestiário, de cujo limiar olhou para

6 ver: VÍBORA SEM NINHO

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dentro, procurando em todas as direções, rapidamente, olhos muito abertos.

— Tome cuidado! — gritou-lhe Kurita. — melhor chamarmos a Polícia.,..

Deixou Brigitte aos cuidados de algumas alunas e correu a reunir-se com Murayama, seguido de vários judocas, que, sem saber por que, tinham imitado o novo colega, tirando suas faixas. Quando alcançaram a porta, Murayama apontava para o interior do vestiário, onde a víbora se agitava, reptando para a saída.

— Não se aproximem... — murmurou ele. — Creio que essa espécie é venenosa.

— Feche a porta — sugeriu alguém. — Chamaremos a Polícia... Volte! Está maluco?

Murayama acabava de entrar no vestiário e avançava diretamente para a cobra, fazendo girar a faixa dobrada. Súbito, lançou uma lambada à cabeça da víbora, atirando-a contra as portas de vidro fosco dos chuveiros.

— Volte! — gritavam-lhe. — Ela vai mordê-lo...! Mas o japonês não voltou, lançando nova lambada,

fortíssima, com a faixa e atirando agora o réptil contra a parede. Com o novo impacto, o animal perdeu parte de sua rapidez, de modo que ele pode golpeá-lo ainda mais certeiramente na cabeça, achatando-o centra o solo. Golpeou-o várias vezes mais, fazendo-o ir de um lado para outro e, finalmente, quando o ofídio já pouco se agitava, apanhou um tamborete branco por uma perna e, com um canto do assento, esmigalhou-lhe a cabeça. A víbora ainda agitou a cauda, mas logo após ficava completamente imóvel.

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Kurita entrou no vestiário, assim como alguns judocas, que começaram a felicitar excitadamente Murayama, enquanto os de corredor soltavam exclamações. O diretor da academia chegou correndo do andar de cima e, informando-se do ocorrido, conseguiu abrir caminho até Brigitte, que, já mais tranqüila, ainda tinha lágrimas nos magníficos olhos.

— Miss Montfort, já não há perigo... Isto é incrível... Por favor, tranqüilize-se...

Tamaki Kurita apareceu junto a ele e olhou com simpatia para Brigitte.

— O animal já está morto, miss Montfort. Pode ficar tranqüila.

— Morto? — exclamou o diretor. — Quem o matou? — O novo sócio, Minoru Murayama. — Oh, graças a Deus! Por favor, senhores. não

aconteceu nada. Voltem aos dojos, por gentileza. — Era uma víbora — disse um dos sócios, que a tinha

visto. — Uma víbora aqui! Mas, como...? — estranhou outro. Foram-se afastando, excitados, fazendo comentários. O

diretor da academia bateu carinhosamente no ombro de Brigitte, sorrindo não sem esforço.

— Está bem? A cobra chegou a mordê-la? — Oh, não... Mas assustei-me tanto... Apareceu de

repente... Não deveria ter gritado assim, alarmando a todos, mas...

— Era lógico que gritasse. Não deve sentir-se culpada por ter reagido corno qualquer pessoa o faria. Quer tomar alguma coisa? Um pouco de uísque ou conhaque...

— Não, obrigada. Já estou tranqüila... — conseguiu sorrir. — Fui uma tola. Vamos ver esse... animal.

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— Talvez haja mais cobras — tremeu a voz de Mrs. Landis.

— Seria horrível... — É conveniente que entremos nós primeiro — disse o

diretor. — Embora não seja possível que haja mais. Isto é inaudito... Talvez seja mesmo melhor avisar a Polícia.

— Não... — opôs-se Brigitte. — Não quero lhe causar aborrecimentos, Mr. Bower. No interesse da própria academia, nada de Polícia. Foi um acidente e não lhe devemos dar maior importância. Essa cobra terá escapado de algum lugar. Vamos vê-la.

— Mas se houver outras... — insistiu Mrs. Landis. — Vamos, vamos, querida — sorriu Brigitte —, isso não

pode ser. Afinal, não estamos numa selva. — Se eu fosse você — disse a outra —, ainda estaria

tremendo. Já lhe passou o susto? — Já. Vamos ao vestiário. — Eu, não! Nada de entrar aí, enquanto não me jurarem

que não há mais serpentes! E você faria bem em imitar-me. — Mrs. Landis tem razão — concordou Bower. — Pois eu quero vê-la agora. Brigitte entrou no vestiário, descalça, com as

sensacionais pernas nuas, mas apertando bem o quimono contra o peito. Os outros acompanharam-na. Minoru Murayama e alguns judocas que tinham ficado, voltaram a cabeça. A víbora tinha sido colocada no tamborete com o qual o japonês a matara.

— Horrível... — murmurou Brigitte, olhando-a; e súbito olhou para Murayama, vivamente. — Não sei como teve coragem para enfrentá-la. Eu pensei que ia desmaiar.

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— O japonês é valente — comentou um dos circunstantes. — Você precisava ter visto como ele atacou a cobra.

— Por favor... — disse Murayama, pouco à vontade. — Não dêem tanta importância ao caso. Mas conviria verificar se não há mais nenhuma outra por aqui. Embora eu não creia: já teria aparecido. Onde a encontrou, miss Montfort?

— Não sei... Estava no chão, parece. Despi-me, abri meu armário, apanhei a toalha e, súbito, ouvi um silvo junto a meus pés. Saí correndo... Talvez eu a tenha golpeado com a toalha, depois peguei o quimono... A verdade é que não sei bem como tudo aconteceu, Só sei que a vi..

— Daremos uma olhadela — disse Bower. — Enquanto isso, se prefere utilizar o vestiário dos cavalheiros, miss Montfort, estou certo de que eles o cederão com gosto...

— Não, não... Por mim, nada aconteceu. Não tenho intenção de dar maior importância a este incidente. Só não quero ir para o chuveiro com uma víbora.

Houve risos e, durante alguns minutos, enquanto Brigitte permanecia junto à porta, com a atitude de quem faz o possível para mostrar-se valente, os demais deram uma busca no vestiário. Não havia muito por onde procurar entretanto.

— Essa noite, os empregados e eu daremos uma batida mais completa — prometeu Bower. — Obrigado por sua compreensão, miss Montfort. E perdoe se.

— Tudo está dito — sorriu ela. — Cavalheiros, vão permitir que eu tome meu banho sem espectadores?

Houve mais risos e todos abandonaram o vestiário. Brigitte fechou a porta, sorriu ironicamente e resolveu que tinha chegado o momento de meter-se debaixo do chuveiro.

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Meia hora mais tarde saía do vestiário, sorridente, despedindo-se das colegas que tinham decidido prolongar mais sua prática de judô aquele dia, Tomou pelo corredor que levava ao tatami dos faixas-pretas e, mal tinha dado alguns passos, quando a porta do vestiário masculino se abriu e apareceu Minoru Murayama, que a olhou vivamente, como surpreendido.

Em seguida, sorriu -de um modo muito agradável e aproximou-se dela, que o olhava com expressão amistosa. Vestindo trajo de rua, o japonês parecia ainda mais atlético e elegante. Talvez não muito alto, mas sua estatura devia distingui-lo entre os homens de sua raça. Tinha um ar sério e repousado.

— Miss Montfort — disse em seu impecável inglês —, espero que se tenha recuperado completamente do susto.

— Oh, estou muito envergonhada — sorriu ela. — Acredite que não sou de dar gritos por qualquer coisa.

— Qualquer coisa? — Murayama arqueou as sobrancelhas, caminhando a seu lado. — Bem, eu não chamaria uma víbora venenosa de “qualquer coisa”... Nós a jogamos no incinerador.

— Bom lugar para uma víbora. Não ficará nem rasto... Salve, Murayama San, que estive pensando a seu respeito? Foi muito valente... E parece-me que ainda não lhe agradeci.

— Ainda está em tempo... — brincou o japonês. — Embora eu me pergunte por que. Afinal de contas,

quando matei a víbora, já estava a salvo por seus próprios meios.

— Pode ter certeza de que jamais corri tanto em minha vida. Nem sei como tive a lembrança de apanhar o

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quimono. Suponho que foi o pudor instintivo de toda mulher.

— Sem dúvida. Parece que estamos indo para a garagem, não?

— Assim é. — Pena. — Como? Não compreendo. — Digo que é uma pena que tenha vindo de carro.

Gostaria de oferecer-lhe o meu. — O senhor é muito amável. Talvez em outra ocasião. Murayama deu-lhe passagem ante o lanço de escada que

descia para a garagem subterrânea, onde se viam mais de vinte carros.

— Lá está o meu — indicou-o Brigitte. — E, como sempre, perto da saída.

— Ah... Não me surpreende que prefira ir no seu carro. Um Cadillac... O meu é um velho Ford alugado. O seu, do último modelo.

— Troco-o cada ano — sorriu ela: — vendo o velho e compro o modelo seguinte.

— Compreendo: com o que lhe dão pelo antigo, e mais uns quantos dólares...

— Não, não. O que me pagam pelo velho destino a obras de caridade.

— Oh, sim, agora compreendo... — O que é que compreende, Murayama San? — Bem... no vestiário,. ouvi alguns cavalheiros

comentarem a seu respeito. — Verdade? Espero que tenham sido comentários

simpáticos.

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— Totalmente. Coisa que, aliás, não me surpreende. Comecei a admirá-la no tatami. E vou admirando-a cada vez mais... Devo dizer-lhe que ainda não saí de minha surpresa ante seus conhecimentos de judô. Não são freqüentes numa jovem tão... tão...

— Delicada? — riu Brigitte. — Creio que é essa a palavra. — Muito grata! ela tornou a rir. — Mas, meu amigo,

esta jovem delicada que está à sua frente começou a praticar o judô aos sete anos, quando ainda era louca por caramelos e bonecas, de modo que o fato de ser agora do 3º. Dan é lógico. Ou não?

— Talvez não seja tão lógico. Não é comum encentrar alguém com a sua... capacidade mental de compreender o judô. Porque, miss Montfort, é evidente que o judô não se pratica só com o corpo. Digamos que o corpo funciona como o instrumento de uma mente... especial. Uma mente especial é indispensável à perfeita compreensão do judô. Claro que não estou falando de judocas. comuns. Qualquer pessoa pode praticar o judô, mas não da maneira corno a vi fazer. Seu senso de equilíbrio, de oportunidade, a rapidez mental com que antecipa os movimentos do adversário, seus...

— Murayama San, por favor! Está me deixando constrangida!

— Desculpe. Terei o prazer de vê-la amanhã também? — Amanhã? Não... Creio que não. Tenho aula de

esgrima. — Como? — espantou-se o nipônico. — Pratica também

a esgrima?

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— E o caratê, a natação, a equitação, o tênis, o esqui aquático, o surf, o pára-quedismo... Além de outras coisas de que não me lembro.

— Fantástico... o japonês estava atônito. — E tem tempo para tudo isso?

— Vou me arranjando. Nada pior para uma mente sadia que o ócio. Não está de acordo?

— Sim, sim... Não me diga que, além disso, trabalha! — Pois trabalho, com efeito. Sou jornalista. — Incrível... Eu pensava que fosse... bem... — Pensava o quê? — Que fosse uma milionária mais ou menos...

caprichosa. Brigitte ficou um instante pensativa. Finalmente, pôs-se

a rir. — Sou um pouco de tudo isso que está pensando! —

admitiu. — Realmente admirável... Um momento... Montfort...

Claro! Lembro-me agora, sim... Estava certo de que tinha ouvido o seu nome antes: Brigitte Montfort. Tolice minha não a ter identificado imediatamente, pois li muitos artigos seus... Não foi proposto seu nome para o Prêmio Pulitzer de jornalismo deste ano?

— Parece-me que sim. Desculpe, Murayama San, mas preciso ir. Trabalho num jornal matutino e algumas noites meu chefe exige que eu vá ajudá-lo. Não lhe bastam meus artigos: está sempre solicitando minha presença para colaborar com ele na paginação e coisas assim. Paga-me bastante bem, mas é um tirano.

— Perdoe-me... — balbuciou o japonês. — Não sabia... Boa noite.

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— Adeus... — Brigitte estendeu-lhe a mão. — Espero que não me guarde rancor pelo nove ippons.

— Aceitará uma revanche no próximo dia em que nos encontrarmos aqui?

— Naturalmente! — Então — sorriu Murayama —, não lhe guardo rancor. Riram os dois, soltaram suas mãos e Brigitte dirigiu-se a

sou carro, caminhando daquele modo sensacional, que deixou o nipônico como cravado no chão, fascinado. Só reagiu quando ela voltou-se, depois de se colocar ao volante. Então ele correu para onde estava o seu Ford alugado.

Enquanto isso, Brigitte, que sentira o volante muito frio em suas mãos, abriu o compartimento junto ao painel de controle e sacou as luvas. Estava calçando a primeira, quando a seus finíssimos ouvidos começou a chegar, com toda a clareza, aquele som que se produzia dentro do carro. Os maravilhosos olhos azuis iam de um lado a outro do painel e, por fim, viram o delgadíssimo fio que ia da ignição a qualquer coisa que estava por baixo do painel, invisível para ela.

Por um instante, ficou imobilizada, ouvindo aquele tênue som, que parecia o tique-taque de um relógio, enquanto em seu cérebro soava o sinal de alarma. Ligeiramente pálida, reagiu em seguida e continuou calçando a luva; depois, calçou a outra. Enquanto isso, a bomba continuava a emitir seu tique-taque... Devia ser uma bomba-relógio, mas também de contato. Segurança antes de tudo. A pessoa que a colocara ali queria ter plena certeza de que, de um ou de outro modo, o artefato explodiria quando miss Montfort estivesse dentro do carro.

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Tique-taque, tique-taque, tique-taque. Ela suspirou profundamente, terminou de ajustar bem as

luvas e adiantou a mão direita para a chave de contato, que deixara no bloco da ignição.

Segurou-a com dois dedos e virou-a para a direita, a fim de ligar o motor.

TRÊS

Tentativa à bomba Minoru Murayama, que já estava manobrando seu carro,

orientando-o para a saída da garagem, freou em seco e virou a cabeça ao ouvir a explosão. Por um instante no local discretamente iluminado brilhou uma luz amarelo-vermelha e o estampido ressoou surdamente entre as paredes de concreto, com uma forte vibração. Pela rampa de sarda, procedente da cabina de onde controlava o ingresso àquela garagem particular, veio correndo um homem de macacão azul, gritando.

Mas a esta altura, o japonês precipitava-se para o lugar onde se havia produzido a explosão. Isto é, para o Cadillac de miss Montfort, do qual saía uma espessa nuvem de fumaça branca, aos borbotões.

Todo o interior do carro estava cheio daquela fumaça, de modo que ele nada pode ver dentro quando chegou junto ao veículo. Sem hesitar, abriu a porta.

— Miss Montfort! — exclamou. Brigitte estava estendida de bruços por cima do assento

contíguo. tossindo fortemente, cobrindo o rosto com as mãos. Suas pernas tinham subido até ao assento atrás do volante o as meias, na pano dianteira, estavam ligeiramente

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chamuscadas, Murayama segurou-a pelas pernas, puxando-as, fazendo-a deslizar para a porta. Pode finalmente cingir-lhe a cintura com um braço e os ombros com o outro, acabando do tirá-la do carro. Ela continuava tossindo espasmodicamente, mas .sustinha-se de pé, abraçando-se ao japonês, ocultando o rosto em seu peito, tossindo sem cessar, os olhos cheios de lágrimas.

Murayama afastou-a dali, quase a arrastando em posição vertical, pendendo de seu pescoço. O porteiro da garagem chegou junto a eles assustadíssimo, de olhos arregalados.

— Que... que aconteceu? — Vá buscar água... — disse-lhe o japonês. — E uma

toalha. Depressa! — Sim... Sim senhor! O homem afastou-se, correndo rampa acima. Quando

regressou, com um copo de água e uma toalha, vinha acompanhado de Bower, o diretor da academia de judô, que atava pálido como um morto. Viu a já pequena quantidade de fumaça que saia do carro da Brigitte, mas dedicou-se imediatamente a esta, que agora estava apoiada em outro carro, com Murayama a seu lado, segurando-a por um braço. Ela estava com os olhos e o rosto cheios de lágrimas, provocadas pela irritante fumaça branca, de modo que sua maquilagem ligeiríssima tinha-se estropiado. Bower começou a tartamudear perguntas que ninguém respondeu, enquanto Murayama fazia Brigitte beber um pouco de água, depois se dedicava a limpar-lhe o rosto com a toalha. Três sócios da academia, que tinham descido em busca de seus carros, correram para eles quando viram a fumaça e a cena, da qual, novamente, a muito querida miss Montfort era a principal personagem.

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— Que foi que houve? — Que fumaça é essa? — Você está bem, Brigitte? Vou chamar o médico da

academial Murayama moveu negativamente a cabeça. — Não é necessário, mister Forrest. Eu sou médico. — Oh, sim... Mas, que aconteceu? O japonês não deu resposta. Acabou de limpar o rosto de

Brigitte, que se recuperava rapidamente, já respirando com normalidade.

— Mister Bower — disse ela —, sinto muito, mas vou ter que apresentar uma denúncia à Policia. Creio que...

Começou a tossir novamente, com força, e Murayama entregou o copo vazio ao porteiro da garagem, com o sinal que trouxesse mais água.

— É melhor que não fale por enquanto, miss Montfort — aconselhou. — Só conseguirá irritar ainda mais a garganta. E acho que tem razão em querer avisar a Policia. Algo explodiu em seu carro, mister Bower.

— Santo Deus! Ma-mas isso... isso é impossível. Forrest foi ao Cadillac, do qual já não saia fumaça,

meteu-se dentro e deu uma olhadela. Quando voltou, tinha o cenho carregado.

— Sim, parece ter havido uma explosão... De um petardo, ou qualquer coisa do gênero. Uma brincadeira de mau-gosto, sem dúvida.

— Como a da víbora? — perguntou Murayama. — Que está dizendo? — exclamou o diretor. O porteiro voltou com mais água e Murayama, sem

responder, entregou o copo a Brigitte. Depois foi até ao

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carro, entrou nele e dois minutos mais tarde tornou a sair. Trazia na mão um pacote, que mostrou aos presentes.

— Não sou exatamente um perito nestas coisas — declarou —, mas diria que se trata de cartuchos de dinamite. Vejam o arame da conexão: estava ligado à ignição do carro. Se isto tivesse funcionado bem, não ficaria nem vestígio de miss Montfort. Felizmente, alguma coisa falhou.

— Mas, por Deus, isto é... é horrível! — espantou-se Bower.

— Evidentemente — pronunciou-se outro dos sócios —, o melhor é avisar a Polícia. Parece que o aparecimento da víbora não foi uma casualidade, agora.

— Quem terá querido me fazer isto? — tremeu a voz de Brigitte. — Por quê?

— Bom... — murmurou Forrest. — Ao que parece, nem todos a estimam como nos, cara amiga. Isto já aconteceu a alguns jornalistas. Sempre há um louco que quer vingar-se de alguma coisa... Um louco, está claro,

— Mas aqui só entramos nós, sócios da academia — comentou um destes.

Bower virou-se vivamente para o porteiro. — Entrou algum desconhecido hoje, Richard? — Não, não... Não sei... — o homem estava muito

pálido. — Creio que não, mister Bower. — Crê...? Que quer dizer com isso? — Eu... Não sei... A verdade é que saí um momento,

para tomar café. — Está despedido! — vociferou Bower, perdendo a

compostura. — Despedido, entendeu? Fique sabendo que... — Deixe-o tranqüilo, mister Bower — atalhou Brigitte.

— Não sei se lhe importa alguma coisa o fato de que eu

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continue pertencendo a esta academia, mas a mim me importa muito que Dick continue em sou posto.

— Mas...! — Eu resolverei este assunto. E que ninguém avise a

Policia... Tenho amigos de grande influência e recorrerei a eles para que seja feita a investigação. Não aconteceu nada. De acordo?

— Ora essa! — exclamou Forrest. — Atentam duas vezes contra sua vida num só dia e ainda diz que não aconteceu nada!

— Um louco... Algum irresponsável, apenas isso. E eu já estou bem.

— Podia ter voado em pedaços com essa carga de dinamite!

— Deixe ver... — Brigitte tomou-a das mãos de Murayama. — Vou entregá-la aos meus amigos. Verão como a Polícia, sem escândalo, resolve isto. E está encerrado o assunto, cavalheiros. Murayama San, poderá levar-me a meu apartamento? Tenho que mudar de roupa e, como antes teve a gentileza de oferecer-se...

— Levo-a com o maior prazer — aceitou o japonês. — Entretanto, talvez fosse melhor que desistisse de ir ao seu jornal esta noite. Deveria pedir proteção à Policia.

— Oh, está falando sério? — É que me parece... — Vamos? — Sim... Quando queira. Brigitte deu alguns passes, mas parou e virou-se. — Mister Bower, esta mesma noite virão alguns

elementos da Policia examinar meu carro. Eles farão

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perguntas a Richard... Espero que lhes dê todas as facilidades.

— Mas sem dúvida, miss Montfort. Lamento profundamente tudo isto!

— O senhor é muito amável. Adeus a todos... Oh! Vou apanhar minha bolsa, onde tenho algumas notas...

— Permita que eu... — começou Murayama. Porém ela já se dirigia para o carro. Entrou nele e

inclinou-se, procurando a bolsa, que tinha caído no chão. Abriu-a, sacou o radinho camuflado no maço de cigarros e apertou o boião da chamada.

— Peggy... — murmurou. — Peggy! A voz de sua fiel empregadinha tardou uns segundos a

se fazer ouvir. — Fale, miss Montfort. Estava na cozinha, preparan... Não importa isso. Dentro de vinte minutos, ponha em

marcha o plano “Follow-321”7. Entendido? — Entendido. — É só. Guardou o rádio e saiu do carro como quem ainda está

metendo alguma coisa na bolsa. Passou junto aos demais, que a olhavam com grande atenção, evidentemente muito preocupados, e reuniu-se com Murayama, para dirigirem-se junto ao carro deste, que continuava com o motor em marcha.

7 Fallow = seguir

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QUATRO

Detalhes secretíssimos No estacionamento privativo do “Cristal Building”,

Minoro Murayama deteve o carro e olhou para Brigitte, que permanecia silenciosa, como preocupada.

— É aqui? — Hã...? — ela olhou para fora. — Oh. sim. Muito

obrigada, Murayama San. — Por nada — replicou o japonês. — Posso ajudá-la em

alguma coisa? Talvez não se sinta bem... Não esqueça que sou médico.

— Fico-lhe muito grata, mas estou bem. Apenas com um pouco de preocupação — tentou sorrir. — Na verdade, não estou acostumada com estas coisas. Parece-me descabido que alguém queira me fazer meus artigos.

— Nunca se sabe como os outros podem reagir. Há mentalidades de toda espécie. E, sem duvida, o que lhe tentaram fazer hoje foi obra de algum perturbado mental... Quer que a acompanhe até seu apartamento? Não interprete mal minhas palavras... Penso que talvez tentem mais alguma coisa...

— Outra vez hoje? — estremeceu ela. — Bom... Não é impossível, afinal... — Eu não... não quero pensar nestas coisas. Farei meu

trabalho normal, sairei... Se ao menos o causador de tudo isto me abordasse, para dizer-me o que tem contra mim! Mas, como falei, não quero pensar rio assunto. Adeus, Murayama San. E, mais uma vez, obrigada.

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Ia estender-lhe a mão, mas o japonês saiu do carro, rodeou-o e abriu-lhe a porta, ajudando-a a descer. Brigitte sorriu e estendeu-lhe a mão.

— Adeus — repetiu. — Até à vista, miss Montfort. Ah... Se lhe puder ser útil

em alguma coisa, estou inteiramente ao seu dispor no “Bristol Hotel, Terceira Avenida.

— Não esquecerei. Tornou a sorrir, fez meia volta e encaminhou-se para o

vestíbulo, todo do cristal, adornado com plantas e magníficos murais. Voltou-se para a entrada, saudou Murayama e entrou no amplo vesti belo, sob o olhar atento do porteiro, que, como de costume, revirou os olhos, sorrindo maliciosamente.

— Alô, Pete! — disse ela, risonha. O velho porteiro emitiu um profundo suspiro. — Alô, miss Montfort, honra e orgulho deste edifício! Rindo, Brigitte chamou o elevador que comunicava com

a garagem do “Crystal Building”. O elevador chegou, mas não entrou nele ainda. Apenas dez segundos mais tarde aparecia a bonita Peggy, procedente da rua. Entraram ambas no elevador da garagem e Brigitte apertou o botão de descida.

— Ele já foi? — perguntou. — Já. — Bem, Você deve ter mais cuidado, Peggy. Quase que

a vi colocar o emissor magnético em seu carro. E também quando você se afastava, tão... sorrateiramente. Essas coisas não se fazem assim, querida.

— Miss Montfort, nem todas nascemos para espiãs.

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— Isso é verdade — sorriu Brigitte. — De qualquer modo, Minoru Murayama não reparou em você. Só tinha olhos para mim. Está preparado o carro pequeno? E a maletinha com o equipamento do “Follow-321”?

— Sim, sim... Tudo está pronto. Quem é esso japonês, miss Montfort?

— Um novo sócio de minha academia de judô — o ascensor chegou embaixo e ambas saíram para a garagem; Peggy indicou o caro pequeno de Brigitte, para o qual se encaminharam. — Sabe o que me aconteceu hoje. Peggy?

— Que foi, miss Montfort? — Tentaram matar-me duas vezes. — Oh, meu Deus! — Peggy levou ambas as mãos à

boca. — Não se assuste, Estou viva, como vê. Estaria de

qualquer forma, apesar daquela víbora e da bomba em meu carro.

— Oh! Oh, meus Deus! Uma víbora! E uma bomba...! — Que coisas, bem? Mas vou lhe contar um grande

segredo. Um... segredo secretíssimo, Peggy. Em primeiro lugar, a víbora não tinha as presas com as quais introduz o veneno no sangue da pessoa a quem morde; ou seja, ainda que me tivesse mordido, não me aconteceria nada. Em segundo lugar, a bomba que puseram em meu carro não só fazia um tique-taque muito forte e fácil de ouvir, inclusive por alguém com um ouvido menos apurado que o meu, como estava desligada; funcionou, claro, mas foi para expelir uma nuvem de fumaça; a ligação com os cartuchos de dinamite não estava feita. Quer vê-la?

— Não! — Pois verá de qualquer maneira — riu Brigitte

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— Já que vai levá-la para o apartamento, até que eu a envie ao tio Charlie. Não tenha medo: não explodirá. Bem... Vejamos como você me supriu para esse pequeno trabalho... Entre também.

Entraram no carrinho, cada uma por uma porta. e Brigitte colocou no colo a pequena maleta vermelha com flores azuis, após apanhá-la sob o assento. Esteve um instante examinando seu conteúdo, aprovando de quando em quando com a cabeça. Deixou de fora um dos aparelhos e fechou a maleta. Este aparelho era uma caixa de baquelita, coberta do veludo negro, e que tinha um mostrador de vidro com ponteiro. Ela comprimiu o botão vermelho e, em seguida, o ponteiro se moveu, ao mesmo tempo em que brotava da caixa um levíssimo bip-bip-bip-bip, muito rápido. Sobrancelhas contraídas, ficou olham do o ponteiro,

Se meu sentido de orientação, é bom, e creio que muito, Minoru Murayama não, está se dirigindo para a Terceira Avenida, onde fica o seu hotel, mas sim em sentido totalmente oposto. Será interessante saber aonde vai. Bom... — abriu sua bolsa.

— Aqui está o pacote de cartuchos de dinamite. Guarde-o bem, até que lhe de novas instruções. Mas não vá guardá-lo no forno, querida.

— Não sei como pode brincar com estas coisas, miss Montfort...

— Vou lhe dizer porque. A dinamite é como eu: se a deixam tranqüila e a tratam bem, não explode. Okay, ajudante de espiã?

— Okay... Quer que eu chame mister Pitzer pelo rádio direto, ou o Johnny, e diga que.

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— Nada disso. Continuaremos sob o regime do segredo secretíssimo. Por enquanto, pelo menos. Se alguém me telefonar, diga que fui para o trabalho, simplesmente. Nada mais.

— Agora que falou nisso... Mister Grogan chamou-a pela telefone. Estava afobadíssimo, porque esta noite.

— Já sei. já sei... Se tomar a chamar, diga-lhe que parti para... a Malásia.

— Para a Malásia? — Ou a China, ou a Austrália. Para onde você quiser. E

se começar com os desaforos, como de costume nele, desligue. Como vai o meu pequeno “Cícero”?

— Estava dormindo, mas acordou quando eu saía. Acho que se zangou comigo porque não o trouxe para passear.

— Pobre querido... — sorriu Brigitte. — Dê-lhe um pouco de creme de leite, de minha parte. Bem, que está você esperando para ir embora?

— Oh, sim... Adeus — Peggy saiu precipitadamente do carro, debruçando-se em seguida sobre a porta. — Tome todo o cuidado, miss Montfort!

— Sim, Peggy, sim... Ciao? Levantou o vidro, colocou o receptor de sinais no

assento contíguo e rodou para a rampa de saída. Estava certa de que, sem muita demora, saberia aonde Minoru Murayama se mandava. A menos que o aparelho deixasse de funcionar, coisa que nunca lhe tinha acontecido.

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CINCO

Quando dois e dois são cinco E tampouco aconteceu esta vez. Teve que atravessar

Manhattam, passou a Nova Jérsei pelo Holland Tunnel e, finalmente, quando o sinal de Decepção do aparelho já era demasiado fone, deteve o carro sob es plátanos de uma avenida. O ponteiro desviava-se um pouco para a esquerda e, dada a intensidade do sinal, tinha que compreender que o carro do japonês, no qual Peggy havia colocado o emissor magnético, estava muito perto. Muito.

Tão perto, que só podia ter entrado no recinto daquele motel de nome “West Wind”. Após hesitar uns segundos, saiu do carro e caminhou para a entrada. Deteve-se ali, olhando o caminho de terra que levava à cabana da gerência, sobre a qual, um letreiro luminoso fazia destacar a palavra Vocancy. E talvez fosse interessante que houvesse cabana vagas... Era um lugar bonito, sem dúvida. Havia altíssimos choupos e eucaliptos. Arbustos floridos bordeavam o caminho que conduzia à cabana da gerência. Mais além, a ambos os lados, viam-se algumas cabanas, como sombras regulares emoldurando as luzes dos pórticos. Havia muito poucas às escuras. Era cedo. Nem sequer dez horas.

Resolveu penetrar nos terrenos do “West Wind Motel”, mas seguindo por fora do caminho, por entre as árvores. Súbito, ouviu o motor de um carro, junto a uma das cabanas próximas. Olhou para lá e viu uma mulher que saía ao pórtico. A mulher apagou a luz, fechou a porta e dirigiu-se ao carro. Ouviu o ruído da porta deste, depois o ronco mais

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forte do motor,., Escondeu-se rapidamente atrás de um dos eucaliptos próximos ao caminho e, segundos depois, via passar o veículo, a cujo volante distinguiu com alguma dificuldade Minoru Murayama. Mas de qualquer forma teria sabido que era ele, simplesmente ao ver a pessoa que o acompanhava, sentada a seu lado. E pode vê-la bastante bem, dadas as circunstâncias: era uma jovem nipônica. E isto, certamente, não podia causar assombro a ninguém: um japonês e uma japonesa. Não se estaria equivocando? Talvez estivesse perdendo seu tempo...

Voltou ao carrinho quando teve certeza de que o Ford de Murayama já estava a distância conveniente. Sentou-se ao volante, esfregando as mãos com força; o frio era intenso lá fora; por sorte, Peggy cuidava-a muito bem e pusera no carro um de seus abrigos de pele e, assim, se tivesse que sair novamente para a noite, o faria agasalhada... E as luvas. Olhou o receptor de sinais, cujo ponteiro ia-d’cava agora sua retaguarda, quer dizer, de volta a Manhattam. Não estaria se enganando? Certamente tudo era demasiada casualidade: o novo sócio, a víbora, a carga de dinamite com a pequena bomba de fumaça... Nunca tivera o menor incidente na academia de judô. Mas, logo após o aparecimento de Minoru Murayama, começaram a acontecer coisas. O japonês poderia ter tido acesso ao vestiário feminino cm algum momento e, mais facilmente ainda, ao seu carro, na garagem da academia. Tal como os outros sócios, mas ele era o novo.

Pos o carrinho em marcha, manobrou e fez-se de regresso a Manhattam, disposta a ir até ao fim. Se estava enganada, isso não linha maior importância.

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Pensou na víbora. Podia ter-se livrado dela sozinha, naturalmente, mas seu sangue-frio, sua coragem e talvez mais ainda sua pontaria teriam surpreendido a muita gente. E isso não lhe interessava. Tampouco lhe interessava ter eliminado a cobra e ocultar o fato, levando-a tranqüilamente em sua blusa para desfazer-se dela depois. Se tivesse feito tal coisa, a pessoa que colocara a víbora em seu armário teria suspeitado dela. E... que teria suspeitado? Quem quer que fosse, que pretendia com aquilo? Uma víbora sem veneno e uma bomba que não podia explodir. Simples brincadeira?

Descartou em seguida esta possibilidade, sentindo-se cada vez mais satisfeita de sua atuação. Tinha sido perfeita: a atuação de uma mulher razoávelmente corajosa e serena, mas que grita diante de uma víbora e foge às carreiras, e que se assusta quando descobre uma bomba em seu carro. Tudo razoável e lógico, normal. Um excesso de sangue-frio; uma capacidade auditiva suficientemente aguda para perceber uma bomba no carro e impedir que explodisse, isso podia ser coisa da agente “Baby”, mas não de miss Brigitte Montfort ... “Baby” teria de imediato rebentado a cabeça da cobra com um balaço e descoberto a bomba, impedindo a explosão pelo simples processo de cortar o fio que a ligava à ignição do carro. Não. Não era uma brincadeira, mas algo estavam tramando a seu respeito. Quando vira a cobra morta, com a boca aberta, logo se dera conta de que lhe haviam extraído as presas venenosas... e isso a fizera intuir que a bomba do carro também teria uma falha. Tinha acertado.

A idéia foi-se concretizando pouco a pouco no cérebro de Brigitte. Sim... Talvez fosse iss-: estavam recorrendo a

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alguns truques para saber como se comportaria uma Montfort em momentos de perigo que a agente “Baby” teria resolvido em poucos segundos, sem hesitar. E ela, por instinto, graças à sua astúcia inata, havia reagido todo o tempo como uma Montfort, jovem muito esportiva, mas tranqüila e normal.

E súbito, Brigitte compreendeu que tinha sabido aquela verdade desde que vira a cobra sem suas venenosas presas: estavam procurando a agente “Baby”. E por isso, tinham-lhe preparado armadilhas que, sem prejudicar miss Brigitte Montfort, a teriam delatado se ela liquidasse a víbora com um tiro certeiro e desligasse a bomba, ou então tivesse resolvido ambos os casos sem o menor comentário.

Quem a procurava? Minoru Murayama? E como teria podido o japonês obter uma pista da agente “Baby”? Que queria de “Baby” o amável Murayama San?

— Estou complicando minha vida... — pensou ela. — O mais provável é que tudo isto não tenha menor importância e seja obra de algum maluco.

Dirigiu um olhar ao receptor de sinais, que continuava emitindo seu rápido bip-bip-hip-bip, enquanto o ponteiro indicava a frente, o rumo de Manhattam.

Afinal, só se tratava de seguir aquele varro em que viajavam um japonês e uma japonesa. O que certamente era coisa das mais simples para uma espiã da categoria de “Baby”. E o único prejudicado naquele jogo ia ser Miky Grogan, o redator-chefe e diretor do “Morning News”, que aquela noite teria que se arranjar sem a valiosíssima ajuda de sua principal colaboradora.

— Ele que se dane — sorriu Brigitte, dirigindo outro olhar ao receptor de sinais.

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Uma hora mais tarde, freava o carrinho numa avenida, suspirando profundamente. Se algo havia que detestasse de verdade, era guiar por Nova Iorque. E esta fora atravessada completamente, de Nova Jérsei a Coney Island, passando por uma das pontes de Manhattam. Tinham cruzado todo o bairro de Brooklyn, saindo na Rodovia 27, depois de deixar atrás Rockville, descido para ornar transposto a ponte e virado para Long Beach, na franja arenosa de Great South Beach. Uma volta desnecessária, o que despertou o interesse da agente internacional. No fundo, estava se aborrecendo, pois aquilo de seguir outro carro era algo demasiado elementar para ela. Coisa de principiantes.

Mas tinha que aceitar os fatos. Estava em Long Island, justamente nas cercanias de Long Beach, muito perto do mar. E a pouca distância via o carro de Minoru Murayama, outra vez próximo ao dela, numa avenida. Exatamente diante de uma pequena vila, na qual só se via luz numa janela, que devia ser a do living. Não sabia quem morava ali, nem tinha visto se Murayama e sua acompanhante haviam entrado na casa, mas as matemáticas da espionagem tinham deixado de ser um segredo para “Baby” muito tempo antes. Como ela costumava dizer: dois e dois são quatro, e não adianta dar voltas ao assunto.

Pouco menos que bocejando de puro aborrecimento, apanhou sua maletinha, saiu do carro, esta vez bem abrigada com um casaco de pele, e deslizou para o pequeno jardim da vila. Nele entrou sem a menor dificuldade, sentou-se junto a uns arbustos diante da única Janela iluminada e abriu a maletinha. Sentia um pouco de sono, tão entediada estava.

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Retirou da maleta o tripé para câmara fotográfica, feito de tubos de alumínio, e, enroscando uns aos outros, montou seu fuzil especial. Acrescentou a culatra, que a qualquer pessoa teria parecido um simples e vulgar secador de cabelos, depois meteu pelo cano um dos pequenos microfones-dardos. Colocou o fuzil em posição contra o ombro, apontou a moldura da janela e apertou o gatilho. Ouviu-se apenas um suave zumbido. Depois, convencida da impossibilidade de que sua pontaria tivesse falhado, muniu-se do receptor daquele diminuto microfone, adaptando um dos pequenos fones à orelha. Imediatamente quase lançou uma exclamação, dedicando-se rapidamente a colocar no aparelho uma fita magnética. Ouvia perfeitamente três vozes por meio do microfone, mas não entendia nem uma só palavra: Minoru Murayama, a jovem que com ele viera e o ocupante daquela vila estavam falando em japonês.

Aborrecida consigo mesma por nunca se haver decidido a estudar essa língua, Brigitte continuou absorta na escuta da conversa. Nada compreendia, mas tinha que escutar. Mais adiante, se assim conviesse, aquela fita seria traduzida por especialistas em lingüística da Central da CIA. Mas no momento, para ela, nenhuma palavra formava sentido... Sim... Sim; compreendeu algo, de súbito. Parecia existir uma palavra que não tinha seu equivalente em japonês. E essa palavra era “Baby”. Sim... Estavam mencionando “Baby”. De quando em quando, este nome chegava claramente aos ouvidos da mais sagaz espiã do mundo. E também o de Brigitte Montfort... “Baby”, Brigitte Montfort, “Baby”, Brigitte Montfort, “Baby”, Brigitte Montfort... Estavam falando dela, não entendia absolutamente nada, mas ouvia seu nome e o carinhoso apelido com o qual a

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CIA desde sempre a identificara em qualquer lugar do mundo.

Naturalmente, deixou de sentir-se entediada e sonolenta. Deixou de lado o aparelho receptor-gravador e tirou da

maleta a pequena câmara fotográfica, assim como o tubo suplementar de ampliação, uma excelente teleobjetiva. Adaptou-a à câmara e começou a deslizar para a casinha. Chegou sem novidade à janela e, durante uns segundos, permaneceu abaixo de seu nível. Depois, lentamente, foi-se endireitando, até que pode olhar para o interior, Certo: um living room. Por entro as barras da veneziana viu em primeiro lugar a jovem japonesa, que estava sentada numa poltrona, pernas cruzadas, fumando. Umas bonitas pernas, esbeltas, elegantes. Também ela era muito bonita o muito jovem. Possuía um doce encanto exótico, delicado... naturalmente estava vestida à européia, de maneira impecável e moderna. Brigitte ergueu a câmara e fez com que a objetiva captasse a cena por entre duas barras da veneziana. Clic... Um som que ela mesma mal pode ouvir. Primeira foto.

Murayama estava de costas naquele momento, mas seu interlocutor acabava de colocar-se de frente para a janela, junto à jovem nipônica, falando muito sossegadamente, embora parecesse bastante preocupado o até um pouco irritado.

Clic... Era um japonês de idade avançada. Talvez sessenta

anos. Tinha os cabelos brancos, os negríssimos olhos como que afundados nas pálpebras oblíquas, brilhando de um modo febril. Miúdo, magérrimo, quase esquelético. Suas

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mãos pareciam de puro osso e ele as movia um tanto agitado, como aborrecido por alguma coisa.

Clic... Bruscamente, o velho japonês sentou-se, de costas para

Minoru Murayama, e este, com visível excitação, rodeou sua poltrona e colocou-se diante dele, fazendo gessos de impotência. Parecia dar a entender que não tinha podido conseguir nada mais.

Clic... Durante três ou quatro minutos, ainda, Brigitte esteve

batendo lotos, em quantidade e qualidade suficientes para sentir-se satisfeita. E, sem dúvida, já não se tratava de trabalho para principiantes. Bater aquelas fotos exigia a experiência e a serenidade de uns nervos bem controlados de espiã profissional, capaz de resolver qualquer dificuldade, inclusive a muito simples e corriqueira constituída pelas barras de uma veneziana.

Conseguidas fotos suficientes para seus propósitos, ela dedicou-se a regressar para onde havia deixado funcionando o receptor-gravador, mas retirando antes o microfone-dardo. Era muito pouco provável que ali se falasse algo diferente do que já estava gravado na fita magnética. Tudo devia versar sobre o mesmo tema.

Chegou aos arbustos, estendeu a mão para o aparelho e deteve sua marcha. Ia abrir a maletinha e guardar o equipamento que utilizara, quando uma coisa fria, pequena, dura, apoiou-se em sua nuca.

— Quer morrer? — ouviu. Ficou completamente imóvel. Depois, devagarzinho,

começou a erguer as mãos, para detê-las à altura das orelhas

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delicadas, nas quais sentia o intenso frio da noite, embora tivesse parcialmente levantado a gola do seu casaco de pele.

— Deite-se de bruços — ordenaram-lhe. Estendeu-se de bruços, a cabeça virada para um lado.

Pode ver as mãos de um homem recolhendo todas as suas coisas. Por fim, a maletinha foi fechada. Ouviu junto a ela um pequeno rumor. Dois homens... Eram dois homens.

— Ponha-se de pé, sem olhar para nós, e saia do jardim. Se tentar alguma coisa, morrerá.

— Vou para meu carro? — perguntou ela. — Sim. Levantou-se, lentamente, olhando para a avenida. Não

passava ninguém por lá, nem era provável que isto acontecesse. Já era um pouco tarde e o frio não convidava ninguém a permanecer na rua. Começou a caminhar para a saída do jardim da pequena vila. Às suas costas ouvia claramente as pisadas dos dois homens. Sim... Apenas dois.

Estavam atravessando a avenida quando novamente ouviu a voz:

— Coloque-se no centro do assento. Meu amigo irá ao volante o eu ficarei do outro lado. Seria estúpido de sua parte qualquer tentativa do resistir, Só conseguiria morrer.

Chegaram ao outro lado da avenida. Foi aberta a porta do carro.

— Entre. Inclinou-se, ouvindo as pisadas de um dos dois homens,

rodeando o pequeno veículo pela frente. Ia entrar pela outra porta. Isso queria dizer que atrás dela só ficara um. Inclinou-se mais, começou a entrar e... súbito, ergueu a perna direita, num violento golpe de caratê. Todo o seu corpo estremeceu quando o pé foi freado em seco por

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alguma coisa, um impacto tremendo. Ouviu o grito às suas costas, a exclamação procedente do outro lado do carro, quase ao mesmo tempo, o baque de um corpo contra o chão.

Endireitou-se, voltando-se e deixando-se cair. O homem que recebera o pontapé estava estendido de costas, fazendo torpes esforços para levantar-se. Em sua mão, a pistola, que Brigitte arrebatou freneticamente, virando-se agora para o lugar por onde teria que vir o outro inimigo.

Viu-o surgir, precipitadamente, arma empunhada, olhando meio atrapalhado para baixo, movendo demasiado a mão, como se não soubesse bem o que fazer. Brigitte apoiou o índex no gatilho e comprimiu-o, suavemente...

Plop. O homem que viera do outro lado do carro soltou um

gemido, levou ambas as mãos ao peito e caiu de joelhos. Em seguida, tombou de bruços batendo fortemente com o rosto contra o asfalto. Ficou imóvel.

A toda a pressa, Brigitte virou-se para o que tinha derrubado com o pontapé... e recebeu em cima todo o peso do homem, que, esmagando-a contra o chão, dedicou todos os seus esforços a arrebatar-lhe a pistola com a canhota, enquanto com a direita calcava seu pescoço, brutalmente, numa furiosa tentativa de estrangulá-la. Em menos de três segundos, ela começou a sentir um princípio de vertigem. Afrouxou os dedos que seguravam a pistola e pode mover a mão, fazendo a arma deslizar para longe dela e de seu antagonista, que caiu em cheio na armadilha: deixou de apertar-lhe o pescoço e inclinou-se para frente, estendendo mais a mão esquerda para a pistola.

Ela afastou o braço esquerdo do homem com uma cotovelada sina, de tal modo que o infeliz, perdendo

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bruscamente o equilíbrio, caiu-lhe em cima... tal como um inocente passarinho poderia cair entre as garras de um gato em decúbito dorsal, disposto a tudo. As duas mãos de Brigitte seguraram-lhe as lapelas do paletó, em cruz: a mão direita a lapela esquerda e a mão esquerda a lapela direita, puxando ambas para dentro, com força terrível.

Plop. O homem tinha conseguido agarrar a pistola e acabava

de disparar, se bem que contra o céu. Preocupada, compreendendo que o próximo disparo podia ser fatal para ela, Brigitte fez outro esforço, projetando o inimigo para cima. Ele girou no ar, ficando deitado de costas no chão, ela por cima, Estava movendo a mão armada, além de novamente apertar-lhe o pescoço com a canhota. Decidindo que aquele inimigo merecia algo mais, ela puxou-lhe a cabeça para cima e, depois para baixo, bruscamente, batendo-a contra o asfalto.

Ouviu-se um estalido seco e o individuo ficou inerte. A pistola escapou de sua mão, todo o seu corpo relaxou-se. Sem soltá-lo, Brigitte se levantou, ofegando, e arrastou o desconhecido para a calçada, do outro lado do carro. Deixou-o estendido lá, de qualquer maneira, e voltou para buscar o outro, que arrastou por um pé, com absoluta desconsideração. Ao subir à calçada, a cabeça do cadáver chocou-se contra o meio-fio, com um som mole, arrepiante.

Encontrou-se agachada junto ao carrinho, com dois cadáveres a seus pés, olhando para todos os lados... Nada. Tudo era paz e silêncio.

A primeira coisa que fez foi apanhar sua maletinha e as armas dos dois homens, atirando-as para dentro do carro, por sobre o encosto do assento. Depois colocou os dois

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cadáveres sobre o assento, tirou o casaco de pele c cobriu-os. Por fim, entrou no carro, sentou-se ao volante e soltou um suspiro.

E então? Levantou a ponta do casaco e olhou, atenta, o rosto de

um daqueles homens, que apenas lhe deixavam o espaço imprescindível para poder guiar... Era chinês. Inclinou-se e, com esforço, colocou em posição mais visível o resto do outro. Também era chinês. Não branco, nem japonês... Chinês; Os dois eram chineses. Deixou novamente cair a ponta do casaco e olhou para a pequena vila, absolutamente perplexa. Que estava acontecendo? Que assunto era aquele, no qual se pretendia identificar “Baby” e no qual intervinham chineses e japoneses? Olhou novamente o volume formado pelos dois cadáveres retorcidos a seu lado, como um estranho spaguetti. Para uma pessoa comum, aquela situação seria pelo menos macabra. Para a agente “Baby” era tão natural como assistir a uma sessão de cinema ou teatro. Na realidade, era seu ambiente...

A porta da vila se abriu e apareceram no pórtico as três figuras, durante um momento. O velho japonês despedia seus visitantes. Brigitte viu Minoru Murayama e a linda japonesinha descerem do pórtico, atravessarem o jardim e entrarem no Ford. Pouco depois, encolhia-se para evitar que a vissem quando passaram por perto dela, em direção inversa à anterior. Regressavam.

Regressavam... para onde? Cada um para seu alojamento, isto é, Murayama para o hotel e a jovem para o motel? Ou os dois para o motel? Esta última hipótese fez Brigitte sorrir divertida. Por que não? Um japonês e uma japonesa... Dois e dois, quatro.

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Mas não. Como lhe havia sucedido em outras ocasiões, aquela

soma de dois e dois deu cinco. Coisa que não a surpreendeu. Esteve seguindo-os bem de perto, pelo que pode ver sua manobra. Apenas chegaram a Manhattam, a jovem japonesa desceu do carro de Murayama e tomou um táxi. Depois Murayama regressou ao seu hotel, efetivamente o “Bristol”, na Terceira Avenida.

Picou pensativa, olhando seu casaco que cobria os cadáveres. Felizmente, os chineses, tanto quanto os japoneses, não costumam ser muito altos e corpulentos... Entretanto, levar dois defuntos num carro por Nova Iorque era algo que podia resultar incomodo, até mesmo para ela. Caía uma chuvinha fria e quase ninguém estava nas ruas, mas passavam alguns carros. Qualquer pequeno acidente de trânsito podia colocá-la em situação difícil...

Sacou o radinho e acionou-o. — Miss Montfort... — ouviu a voz de Peggy, num tom

do alivio. — Está bom? — Estou. Dentro de dez minutos, passarei pela frente do

edifício. Desça com o pacote dos cartuchos de dinamite. — Está certo, miss Montfort Fechou o rádio e subiu por Manhattam. Nove minutos

mais tarde, detinha-se diante do prédio onde tinha seu apartamento. Peggy saiu do vestíbulo, entregou-lhe o pacote e ficou olhando o casaco de pele, surpreendida. Brigitte não lhe deu a menor explicação a respeito.

— Chame a floricultura pelo rádio direto e diga ao tio Charlie que abra a porta da garagem. Que tire as camionetas, se acha que meu carro não vai caber lá.

— Entendido. O casaco parece... Que há embaixo dele?

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— Uma lembrança que trouxe da China... — sorriu Brigitte. — Volte para casa. E meta-se na cama: está fazendo frio. Mister Grogan telefonou?

— Oh, sim... Pôs-se a gritar quando disse que tinha ido para a Austrália.

— E você desligou? — Claro — riu Peggy. — Assim que eu gosto: obediência cega — disse

Brigitte, rindo. — Adeus.

SEIS Informações à Central

A porta da garagem da floricultura, que servia de

camuflagem ao posto de comando da CIA em Nova Iorque, estava levantada quando ela chegou, e uma das duas camionetas do serviço de entrega tinha sido retirada, de modo que pode entrar com o carro. Em seguida, baixou-se a porta e Só então se acendeu a luz da garagem. Brigitte saiu rapidamente do carro e encontrou-se diante de Johnny, que estava de pijama e roupão, esfregando as mãos de frio.

— Só mesmo porque a adoro não lhe aperto o pescoço agora mesmo — disse alegremente o simpático ajudante de Pitzer. — Que está acontecendo. “Baby”?

— Diversas coisas. Vamos lá dentro. Não quero que sinta frio.

— O lugar onde sinto menos frio é na cama — insinuou o espião.

— Oh... A sugestão foi feita com muita finura — sorriu Brigitte —, mas parece-me que esta noite não há tempo para

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aperfeiçoar nenhum sistema de aquecimento. E o tio Charlie?

— Voou. — Voou? — Está na Central. Parece que estão preparando algo

para você, querida minha. — Oh, não! — Pois creio que sim... Diabo, vamos entrar de uma

vez’ Saíram da garagem pela porta dos fundos, caminharam

pelo corredor e entraram no living da residência particular de Charles Pitzer. A calefação estava em marcha e Brigitte soltou um suspiro de alivio. Johnny acendeu dois cigarros, entregou-lhe um o olhou-a de cima a baixo, quase divertido.

— Vivam as mulheres quentes! — exclamou. — Querida, não lhe ocorreu por um agasalho para passear numa noite como esta?

— Deixei-o no carro... — Brigitte colocou a maleta sobre a mesinha redonda e sentou-se diante desta, no sofá. — Você pode enviar umas fotos pelo rádio, Johnny?

— Agora? — quase gritou ele. — O quanto antes. É preciso revelá-las e enviá-las à

Central com a máxima urgência. — Ma-mas... terei que ir ao Bronx, ao Centro Técnico,

para poder enviar essas fotos pelo rádio... — Sinto muito, Johnny — murmurou ela. — Sim, eu sei... Está bem, não se preocupe. Se algo me

agrada nesta asquerosa vida é espião é deixar você satisfeita.

— Eu sei... — sorriu Brigitte. — Tem à mão uma câmara com um bom flash?

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— Claro. — Pois vá buscá-la. Temos que ir com ela à garagem. — Pensa fotografar corbelhas e caixas de celofane? — Não. É que tenho uns chineses mortos em meu carro

e quero mandar suas fotos também. Johnny ficou estupefato durante uns segundos. Depois

resmungou algo como “não sei como ainda me surpreendo com você” e abandonou o living. Ao regressar, pouco depois, estava adaptando um flash a uma câmara. Foram os dois à garagem e, sem o menor comentário, o próprio Johnny fotografou os chineses enquanto Brigitte mantinha suas cabeças voltadas para a câmara. Depois tornou a cobri-los e ambos voltaram ao living. Ela retirou o filme da câmara, meteu-o numa cápsula de plástico e entregou-a a Johnny, junto com o outro pacote.

— E isto que é? — Cartuchos de dinamite. — Ca-cartuchos de...? Com todos os diabos, não posso

agüentar mais! Que está acontecendo? — Você conhece alguém, aqui em Nova Iorque, que

saiba o japonês e seja de absoluta confiança? — Japonês... ou chinês? — Japonês. — Irra... Não são chineses esses caras que...? Não. Não

sei de ninguém de confiança, sinto muito — ficou olhando a diminuta fita magnética que Brigitte havia tirado do receptor-gravador. — Ah, você gravou algo em japonês?

— Assim é. — Bom... Posso mandar a fita à Central amanhã de

manhã. Pelas nove. Calculo que até as doze tenhamos a resposta, pelo rádio.

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— Não. — Não? — Prefiro ficar com a fita, por enquanto. Não me

interessa enviá-la à Central. — Está brincando? — Naturalmente que não. Johnny, tenho urgência em

saber algo a respeito das pessoas que fotografamos. Urgência, compreende? Quando tiver noticias, chame-me por todos os meios, até localizar-me. Do acordo?

— Quem se atreve a dizer que não? E que faço com estes cartuchos de dinamite?

— O que quiser. Constaram das peças que me quiseram pregar hoje.

— Quiseram lhe pregar peças? — indagou Johnny. — Duas. Em minha academia de judô. A primeira foi

colocarem uma víbora venenosa em meu armário. A segunda, esses cartuchos de dinamite, no meu carro.

— Puxa vida! — Johnny empalideceu. — Quem terá...? — Tranqüilize-se. Creio que sei quem foi, mas não

vamos fazer nada, por enquanto. Além disso, a víbora venenosa não tinha presas, de modo que não podia me inocular seu veneno; e os cartuchos de dinamite eram só para causar impressão: tudo o que explodiu, embora com estrondo, foi uma pequena bomba de fumaça.

— Não Compreendo... — Explicarei em outra ocasião. Dispomos de dois

Johnnies que se possam mobilizar agora mesmo? — Sim. — Mande-os à garagem da minha academia de judô,

como se fossem policiais. Que interroguem o porteiro da garagem; chama-se Richard e é um bom homem. O diretor

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da academia chama-se Bower, mas não creio que ainda esteja lá, a estas horas. Embora talvez ainda estejam os dois, já que eu disse que ia mandar a Polícia. Compreendo?

— Claro. — Que apanhem meu carro e levem-no para onde

possam obter impressões digitais. Bom, não preciso explicar o que eles devem fazer, suponho.

— Não, não precisa. Que fazemos com os chinas? — Pode fitar com eles, de presente. — Eu? — Passaremos os dois a uma das camionetas — disse

Brigitte, rindo — e depois que você tiver posto em marcha tudo o que lhe pedi, leve-os embora. Também não preciso dizer que destino deve ser dado a esses dois corpos, bem?

— Não... — resmungou Johnny. — Você me arranjou uma bonita noite, sem dúvida, com o frio que está fazendo! Mas tudo será providenciado, claro. Que explicação devo dar à Central?

— Diga que o japonês jovem chama-se Minoru Murayama.

— Bem. E que mais? — Nada. — Nada? — Que tem a Central a ver com o que fazemos aqui?

Você pede uns informes, eles os fornecem... e pronto. Ou não?

— Não sei... Talvez. Mas você está mobilizando todo o mundo em Nova Iorque. Penso que deverá ser dada alguma explicação!

— Quem manda no Setor Nova Iorque? — Charles Pitzer, naturalmente.

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— Pois ele não está. Quem o substitui na chefia? — Hã...? Eu, é lógico. — E você vai me exigir explicações, Johnny? — Mmm... Bom... Eu... Brigitte levantou-se e rodeou com os braços o pescoço

do colega, sorrindo docemente. — Você está formidável com esse roupão, querido... Já

lhe disseram que é um homem e tanto? — Oh... — enrubesceu ele. — Não, nunca me disseram

isso... — Pois eu lhe digo: você é simplesmente fascinante,

Johnny. — Acha mesmo que sou, “Baby”? — Se acho? Estou positivamente segura! Elevou-se

sobre as pontas dos pés e beijou o espião nos lábios, intensamente... e brevemente.

— Você é muito gostoso, Johnny... — suspirou. — Que tal se tirarmos os chineses do meu carro?

— Agora mesmo! — exclamou Johnny. — Diga-me o que mais posso fazer por você... Qualquer coisa! Tudo o que me pedir, ‘Baby”.

— É só isso. Depois irei embora, Estou com um sono terrível, querido.

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SETE

Despertou-a a campainha do telefone. As nove e poucos

minutos manhã. Resmungou um pouco e virou-se na cama. Naturalmente Peggy atenderia da cozinha. O telefone deixou de tocar, com efeito. Mas pouco depois tocava outra vez e, após olhar o relógio de sua mesinha de cabeceira, Brigitte concluiu que, realmente, era hora de levantar. Sentou-se na cama e olhou através da grande janela o céu de um cinza esbranquiçado. Mais dia menos dia, Nova Iorque estaria coberta de neve, era fatal. Pena que faltassem tantos dias para o Natal...

Novamente a campainha. Levantou o fone e levou-o ao ouvido.

— Alô? Buuummm...! Foi como uma autentica explosão o que

chegou a seu ouvido. Afastou o fone, sobressaltada, e, súbito, sorriu.

— Miky... Acalme-se, Miky! — pediu. — Não é necessário que grito tanto, querido...

A voz de Miky Grogan tornou a ribombar como uma tempestade, misturada com gritos. “Cicero”, o diminuto cãozinho chihuahua, apareceu no quarto, ladrando agudamente, todo ele estremecendo de alegria par ter ouvido afinal a voz de sua dona, que era, definitivamente, a permissão para ele poder entrar no quarto. Enquanto Miky Grogan continuava aos berros, Brigitte chamou o cachorrinho, estalando os dedos e ele, com surpreendente agilidade, conseguiu saltar para a cama. Ela o apanhou com uma das mãos e colocou-o diante do fone.

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— Mais forte, queridinho! — incitou o “Cícero”, rindo. — Ladre com mais força!

Tremendo ridiculamente, o chihuahua reencetou seus agudos ladridos, com uma violência inusitada nele, sem descanso, sem trégua... Por fim, os gritos de Mike Grogan deixaram de ser ouvidos e, então, a um sinal do Brigitte, o cãozinho calou-se. Foi seguida, ouviu-se novamente a voz de Grogan, pausada e quase tímida:

— Brigitte? — Bom-dia, querido chefe. — Que está acontecendo aí? — Nada. Mas, tendo em vista seus maus modos, achei

que o “Cicero” era quem devia responder-lhe. Não sei se o entendeu bem... ele estava dizendo que você é um mal-educado.

— Brigitte, já estou farto de...! — Baixe a voz... Ou deixo-o novamente conversando

com o “Cicero”. — Escute, filhota: ontem à noite estive esperando-a

para... — Eu sei, eu sei, querido. Perdoe-me, mas tive algo que

fazer. Seja amável. Vejamos... São nove e dez. Que tal se nos virmos às dez? Estarei aí a essa hora e o ajudarei a terminar o que seja, justificando o alto salário que me paga e que, a propósito, já começa a me parecer mesquinho...

— Mesquinho o salário que lhe pago? — bramiu Grogan. — Isso é uma brincadeira?

— As meias estão cada vez mais caras querido. — Pois não use meias! E escute bem isto...! — Às dez horas escutarei. — disse Brigitte. E desligou.

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Quinze minutos mais tarde, já se havendo banhado e perfumado discretamente, estava nua diante do grande armário embutido, que ocupava toda uma parede, passando em revista seu conteúdo: dúzias de vestidos, quinze abrigos diversos, alguns impermeáveis, centenas de peças de roupa íntima, mais de cem pares de sapatos, dezenas de blusas de jérsei.

Zum-zum-zum-zum-zum... Imediatamente, ela esqueceu suas dúvidas a respeito do

que ia vestir aquela manhã cinzenta e fria. Abriu o esconderijo onde estava o rádio que a comunicava diretamente com a floricultura o recebeu a chamada.

— Johnny? — Bom-dia. Dormiu bem a Rainha da Espionagem? — Maravilhosamente. E você? — Duas horas escassas. Bem... Tenho notícias. — Diga, diga! — Começaremos pelos chinas. São dois chinas e isto é

tudo. A Central nada sabe a respeito deles. Tampouco a respeito da japonesinha... Você desconhece seu nome?

— Desconheço. Aliás, não lhe atribui muita importância. Pensei que, se fosse alguém interessante, naturalmente seria encontrada nos arquivos fotográficos da Central.

— Não consta. Mas há o registro do japonês velho. Chama-se Saburo Ono Kuroki. Há trinta e cinco anos reside nos Estados Unidos. Tem sessenta e seis. Pouco antes da Segunda Guerra Mundial, deixou este país, regressando quando isto lhe foi permitido, há uns doze anos.

— Bem... Não é grande coisa. — Foi um espião japonês. — Como? — exclamou Brigitte.

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— Isso não se pode provar. Na verdade, houve apenas suspeitas, pois ele foi visto em diversos pontos do palco da guerra no Pacífico. Entretanto, houve detalhes que fizeram nossos serviços secretos pensar que estava trabalhando para a Tokko japonesa.

— Essa gente da Imigração está maluca? — perguntou “Baby”. — Por que deixou que voltasse aos Estados Unidos?

— Justamente porque se suspeitava dele. E era necessário dar-lhe corda, para ver se ele próprio se enforcava, com uns quantos espiões japoneses mais. Porém, não fez nada. Pouco depois de seu regresso, adquiriu uma casinha em Long Beach, porto do mar... e dedicou-se à pintura.

— À pintura? — Sim, é pintor. E bastante bom. Durante algum anos a

CIA esteve de olho nele. Por fim, foi deixado em paz, limitando-se a coisa a inspeções periódicas rotineiras de suas atividades. Não há a menor dúvida de que, atualmente, Saburo Ono Kuroki vive sossegado, sem conexão alguma com possíveis pontos de espionagem.

— E você acredita nisso? — Bom... Passaram-se muitos anos, “Baby”. E hoje em

dia eu me pergunto o que os japoneses poderão querer espionar neste país.

— Você me assombra, na verdade. E a respeito de Minoru Murayama?

— Nada. Entretanto, este nome consta de nossos arquivos.

— Em que sentido?

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— Houve um Murayama da Tokko japonesa, nos anos quarenta... Em quarenta e um. exatamente. Desapareceu de Honolulu pouco antes de Pearl Harbor. A última notícia sobre ele, e não merecedora de muito crédito, foi que estava em Hiroxima.

— Em Hiroxima... — murmurou Brigitte. — Quando foi isso?

— Parece que no princípio de quarenta e cinco. Mas já lhe disse que...

— Está bem. Meu carro? — Fez-se o que se pode e está à sua disposição. — Se precisar dele, irei buscá-lo, ou pedirei que o

mandem. — De acordo. Quanto aos chineses mortos, vou levá-los — Isso não me interessa, Johnny. O tio Charlie já

voltou? — Não. — Ótimo. Adeus, querido. E obrigada. Cortou a comunicação, tornou a esconder o rádio e saiu

do vasto armário. Ficou diante dele, olhando pensativamente seus vestidos. Mas na realidade nem os via. Por outro lado, que Brigitte Montfort pusesse um vestido ou outro, isso não tinha maior importância, pois com qualquer um deles apresentava-se maravilhosa.

Au! Voltou-se para a pequena poltrona de onde “Cicero”,

sempre estremecido de aletria, parecia devorá-la com seus olhos salientes, à espera de um carinho.

— Ssssttt... — fez Brigitte. — Sua doninha está pensando, querido.

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Acendeu um cigarro e sentou-se na beira da cama, para a qual logo saltou, mas discreto e caladinho, o fiel chihuahua, que ficou a contemplá-la, entortando a cabeça. Bem.. Pelo menos, tinha o privilégio de poder ver sua linda dona.

Mas por pouco tempo. Brigitte apagou o cigarro contra o cinzeiro e outra vez se colocou diante do armário, pensativa. Só que agora sabia muito bem que equipamento devia escolher.

OITO

Às dez e um quarto, estava perto da casa do velho

japonês de cabelos brancos, que agora sabia chamar-se Saburo Ono Kuroki. Dentro do carro colocou a peruca loura, as lentes de contato de tom escuro e as diminutas almofadas de espuma que lhe avultavam os pômulos e as bochechas. Olhou-se no espelho retrovisor e encolheu os ombros Afinal de contas, pelo menos em teoria, Saburo ignorava quem ela fosse. Prendeu depois a pistolinha à coxa esquerda com duas tiras de esparadrapo cor de carne.

Hesitou um instante e resolveu pintar os lábios de maneira mais ostensiva, de modo que vendo-a ninguém pensasse no róseo e suave sorriso de miss Montfort. Por fim, fechou a maleta, segurou-a com a mão esquerda e saiu do pequeno carro esportivo.

Atravessou a rua, até à calçada diante da casa que conhecia da noite anterior. Passou pela frente desta, aparentando não a olhar mas reparando bem em todos os detalhes. Parecia não haver ninguém lá. Tudo atava como na véspera. Afastou-se mais alguns passos e, súbito, entrou no jardim, cruzando rapidamente a pequena zona granada.

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Com toda a naturalidade, mas depressa, passou junto à casa e chegou à parte traseira. Havia ali duas janelas e uma porta. Esta certamente dava para a cozinha. Aplicou-lhe o ouvido e esteve escutando algum tempo. Não pode perceber o menor som. E ela sabia que, se houvesse alguém na casa, poderia detectar sua presença. A menos que estivesse dormindo... Isso seria possível? O japonês era um homem idoso, fazia muito frio e talvez preferisse levantar-se tarde. Se era este o fato, ele ia ter uma surpresa.

Com toda a facilidade, abriu a porta da cozinha, Utilizando uma gazua. Empurrou-a cautelosamente, entrou, tornou a fechar e voltou-se para a janela. cuja veneziana estava cerrada. Abriu-a o suficiente para obter uma visibilidade aceitável e virou-se para a porta que devia dar ao living.

Esteve a ponto de cair de bruços quando seus pés tropeçaram em algo que havia no chão. Recuperou rapidamente o equilíbrio e afastou-se, olhando... aquela coisa. Um estremecimento percorreu-lhe o corpo. Desculpável. Qualquer outra teria começado a gritar com toda a alma.

Saburo Ono Kuroki ali estava. Quer dizer, o que dele havia sobrado. Estendido no chão, em decúbito dorsal, tinha: os olhos.. Não. Simplesmente, não tinha olhos. Eram dois espantosos orifícios cheios de sangue seco, formando impressionantes coágulos. Seu corpo miúdo e magro, completamente nu, era um complexo de queimaduras, cortes e contusões.

O rosto e a cabeça pareciam uma posta de carne macerada, sob um tufo de cabelos besuntados de vermelho. Junto a ele, no chão, viam-se tenazes que deviam ter sido

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apanhadas na lareira. Estavam retorcidas, enegrecidas e manchadas de sangue... A revelação de seu significado fez Brigitte novamente estremecer: tinham-nas aquecido ao rubro e com elas torturado o velho japonês. Também havia duas facas, que tinham sido submetidas ao mesmo processo e com uma das quais, evidentemente, o nipônico Saburo Ono Kuroki fora degolado.

— Santo Deus... Pensou em Minoro Murayama, porém logo repelir, a

idéia. Não acreditava que tivesse sido ele quem fizera aquilo. Alguém havia chegado àquela noite para tirar o velho da cama. Inclinou-se e, com todo cuidado, tocou-lhe a nuca. Estava fria, rígida... A coisa ocorrera muitas horas antes. Não menos de seis.

Bem... Todo o seu plano desmoronava. Havia pensado em apertar as cravelhas do japonês, passando à ação direta, mas estava claro que alguém se adiantara. E de um modo bestial.

Endireitou-se e saiu da cozinha. Deu uma volta pela casa. Era pequena e, com exceção de uma peça orientada para o sul, cheia de quadros e todo o necessário para pintar, não encontrou nada de interesse. No cavalete estava uma tela, ainda não concluída, representando uma bocólica, deliciosa granja tipicamente japonesa. Havia muitos quadros daquele estilo. Sem dúvida, Saburo fora dotado de uma notável memória visual o pintava aqueles bonitos quadros, que deviam ter boa acolhida no mercado americano. A qualidade de seu trabalho era indiscutível. Também havia quadros mostrando aspectos estadunidenses: casas, ruas, paisagens...

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Brigitte suspirou e voltou ao living. O melhor seria chamar Johnny e atacar seriamente aquele assunto. Tirou o radinho da maleta e, como estava regulado para seus contatos com Peggy, recorreu a uma pinça para colocá-lo na onda utilizada pela floricultura do tio Charlie. Não terminou esta meticulosa tarefa. Ouviu, diante da casa, a freada de um carro. Como um raio, correu a uma das janelas que davam para frente e olhou através das barras da veneziana. Não se surpreendeu em absoluto. Voltou-se, atravessou o living e meteu-se no estúdio de Saburo Ono.

Em seguida, ouviu que batiam na poda. Tomaram a bater. Seu finíssimo ouvido captou o som metálico, que a fez sorrir ironicamente: estavam abrindo a porta por fora. E como antes tinham batido, não dispunham de chave. Mas sim de uma gazua, que tinham resolvido utilizar. Ouviu abrir-se a porta e já não teve que se fazer mais perguntas sobro como aquela víbora entrara em seu armário na academia de judô; a mesma pessoa tinha aberto o armário, tão habilmente como aquela porta... que ouviu fechar-se. E, em seguida, a voz de Minoru Murayama:

— Kuroki San! Silêncio, naturalmente. Pouco depois, a voz tranqüila da

jovem japonesa, murmurando algo em sua língua. Minoro respondeu e em seguida ouviram-se seus passo, para o quarto, acompanhados pelo bater dos saltos da garota. Ouviu-se uma porta. Depois outra. Brigitte abriu um pouco a do estúdio; viu Murayama e sua companheira entrarem na cozinha.

Imediatamente saiu do estúdio, atravessou o living e, com a mesma mão que segurava a maletinha, empurrou a porta, enquanto com a direita empunhava a pistola de

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coronha de madrepérola. Minoru Murayama e a jovem estavam agachados junto ao corpo martirizado do velho japonês, em silêncio. Aquele estoicismo, certamente, era muito próprio da raça nipônica.

— Coloquem as mãos na cabeça — disse Brigitte. — E saiam de costas para o living. Os dois tinham estremecido ao ouvir sua voz, mas isso

foi tudo. Obedeceram docilmente e dirigiram-se, caminhando de costas, para onde ela mandara. Brigitte aproximou-se de uma janela e abriu a veneziana, deixando entrar completamente a luz daquele dia cinzento, úmido, frio.

— Se têm armas, dou-lhes o conselho de atirá-las agora para um canto, antes de se virarem para mim.

— Não estamos armados — murmurou Murayama. — Então, virem-se. Viraram-se os dois, devagar, ainda com as mãos na

cabeça. A japonesinha era na verdade bonita e formava um par sensacional com o elegante Murayama, que, ao ver a loura empunhando uma pistola pareceu decepcionado.

— Quem é você? — perguntou. — Sejamos inteligentes, Minoru Murayama. Nada de

tolices; você bem pode imaginar quem sou. — Não... Não imagino. Sua voz lembra a de uma pessoa,

mas... — Que pessoa? — Mis. Brigitte Montfort. — Uma excelente amiga minha... — sorriu “Baby’. — A

qual, ontem, foi vitima de dois atentados. De inicio, ela recorreu à Policia, mas depois resolveu avisar-me, pois suspeitou de algo especial. Sua amizade comigo já lhe valeu

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alguns pequenos problemas. Quem é sua amiguinha, Murayama?

— Noriko Yamagani. É minha enfermeira, em Quioto. Quis acompanhar-me aos Estados Unidos, a despeito de minhas objeções... Não tem nada a ver com isso.

— E o que é “isto”? — Se você é a pessoa que estou procurando — replicou

o japonês — diga-o. Se não é, será inútil que me faça perguntas.

— Ainda que o ameace com o mesmo destino de Saburo Ono Kuroki?

— Ainda assim. Mas não creio que me faça isso. — Como pode saber? — Sei. — Murayama, estamos perdendo tempo com uma

conversa estúpida, não lhe parece? — Lamento. — Se sou a pessoa que lhe interessa encontrar, será

sincero comigo... e loquaz? — Absolutamente. — De acordo. Sou “Baby”. Satisfeito? — Muito — suspirou o nipônico, baixando as mãos. — Pois eu o invejo. Não estou satisfeita ainda. Sentem-

se es dois no sofá. Assim... Diga-me, Murayama: que significam os dois atentados contra miss Montfort?

— Ela não corre perigo. A víbora não possuía presas venenosas e a bomba do carro estava preparada para não causar o menor dano. Apenas queríamos saber se Saburo Ono estava certo em suas suspeitas.

— Que suspeitas?

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— Ele estava há quase três anos tentando localizar a agente “Baby”. Finalmente, chamou-me de Quioto e disse-me que tinha que ser miss Brigitte Montfort, mas que precisávamos certificar-nos. Se miss Montfort fosse “Baby”, teria eliminado a víbora, de um ou de outro modo, sem incomodar ninguém. E se teria dado conta de que havia uma bomba em seu carro, Parece que nas equivocamos...

— Sim, parece. Lamento que, por culpa minha, Brigitte lenha levado dois sustos tão tremendos, mas não daremos a isso mais importância que a que tem realmente. Agora, diga-me por que e para que Saburo Ono estava há três anos tentando localizar-me e o que faz exatamente você nos Estados Unidos.

— Saburo Ono era feliz aqui, simplesmente. Eu cheguei faz pouco mais que um mês para preparar tudo.

— E miss Yamagani? — Brigitte indicou a japonesa. — Ela veio dois dias depois... — Por que, se você lhe disse para não vir? — Noriko e eu nos gostamos. Ela quis... estar perto de

mim. — Deliciosamente romântico. Muito bem. Mas continuo

sem saber por que vocês procuram “Baby” e por que desejavam certificar-se tanto de que estavam tratando com ela. Por que, Murayama?

— Precisamos de “Baby”. E sabemos que ela nos ajudará a conseguir nossos propósitos. Você nos ajudará, tenho certeza.

— Talvez. Ajudá-los em quê? — Temos...

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Noriko Yamagani, subitamente, começou a falar em sua língua, com grande vivacidade, mas Brigitte avançou um passo, apontando-lhe a pistola, o que a fez emudecer.

— Não sabe falar inglês, miss Yamagani? — perguntou secamente.

— Sei... — Pois se tem algo a dizer, que seja nessa língua. Não

me obrigue a ser brusca. Segundo entendo, seu noivo e Saburo Ono chegaram a conhecer bem, depois de três anos de... investigação, a personalidade de “Baby”. Se assim é, saberão, entre outras coisas, que se ameaço quebrar-me a cabeça se pronunciar mais alguma palavra em japonês, não estou bravateando nem fazendo teatro. De acordo? Está de acordo também com isto, Murayama?

— Estou. Sabemos bastantes coisas a seu respeito. Se Noriko tornar a falar japonês, você lhe quebrará a cabeça, eu sei. Também sei que vai me ajudar.

— Discutiremos isso de um modo judicioso. Que devo fazer?

— Temos três milhões de dólares, em barras de ouro, escondidas num lugar dos Estados Unidos. Quero que você me ajude a levar esse ouro para o Japão.

— Fantástico... Em que se baseia para supor que farei semelhante coisa?

— Se você é “Baby”, certamente o fará, quando eu lhe tiver exposto minhas razões. Eis no que me baseio. Sabemos que “Baby” é, antes de tudo, humana. E um ser humano de alta qualidade. Ficará do meu lado.

— É possível. Onde está o ouro? — Não lhe diga! — exclamou Noriko. — Ela vai ajudar-nos — murmurou Murayama.

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— Devo dizer-lhe, Noriko. — Por que você há de confiar nela? Em mim não quis

confiar, não quis me dizer onde está esse ouro... E devia ter dito. Se além de matarem Saburo Ono tivessem eliminado você também, esse ouro estaria perdido para sempre. Você negou-se a me dizer e vai dizer a ela...! Acaso está seguro de que é mesmo “Baby”?

— Ela tem razão... — sorriu Brigitte. — Talvez eu não seja “Baby”, afinal.

— Tem que ser. Do contrário, não estaria aqui. — Esse é um raciocínio um tanto discutível — tornou a

sorrir Brigitte. — Mas vamos por partes, sem desgostar sua noiva. De quem é esse ouro?

— Do Japão. — Poda provar? — Posso dizer-lhe o que Saburo Ono me explicou faz

tempo. E você julgará aonde devem ir parar esses três milhões de dólares.

— De acordo. Que lhe explicou Saturo Ono? — Durante o ano de 1940, o Japão esteve enviando ouro

em barras para os Estados Unidos. Esse ouro destinava-se a ser utilizado como conviesse a meu país, depois de iniciada a guerra contra os Estados Unidos, que se começava a considerar inevitável. Um grupo de agentes da Tokko esteve introduzindo o ouro aqui. Com ele, pretendia-se, no momento oportuno, comprar serviços especiais de alguns americanos... pouco escrupulosos: informes sobre fabricação de armamentos, aviões, barcos, adestramento efetivo de tropas...

— Sim, sim, compreendo essa fase informativa. Vocês queriam esse ouro para comprar traidores quando a guerra,

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que consideravam inevitável, já tivesse deflagrado. Que mais?

— Em meados de quarenta e um, tinham sido introduzidos três milhões de dólares nos Estados Unidos. Tudo esse ouro ia sendo recolhido por um chefe de grupo especial das mãos dos agentes que o traziam. Esse chefe de grupo especial, ia escondendo o ouro. Por fim, as coisas se tornaram demasiado difíceis e ele leve que sair a toda a pressa deste país. Foi ajudado por três agentes japoneses, um dos quais era Saburo Ono Kuroki. finalmente, a caminho do México, os quatro foram encurralados...

— Não me diga mais: e só pode escapar Saburo Ono com o segredo do local onde estava escondido o ouro.

— Sim. E como ninguém sabia, nem sequer a Tokko, que três agentes tinham ajudado o chefe de grupo especial, foram os quatro dados por mortos e nunca se suspeitou que um deles tinha sido Ono, de modo que não lhe pediram contas. Saburo Ono resolveu que não era o momento de dizer nada da que sabia e, assim, ficou com o segredo. Depois pode voltar aos Estados Unidos e começou a pensai em recuperar o ouro.

— Então, lembrou-se de você, — Exato. — Por quê? Acaso você trabalhava para a Tokko, ou...? — Não, não. Eu sou médico, simplesmente. Mas meu

pai, Ujiro Murayama, foi um grande amigo de Saburo Ono. Meu pai faleceu em Hiroxima, quando... lançaram a primeira bomba atômica. E talvez por isso, resolvi depois ser médico, para dedicar-me a meus semelhantes. Especialmente aos que sofriam as conseqüências das bombas atômicas que caíram sobre meu país. Atualmente,

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sou especializado nesse tratamento. Ainda há japoneses sofrendo os males que lhes foram causados pela radioatividade, “Baby”. E alguns filhos dos filhos dos que morreram ainda transmitem a seus descendentes as chagas e deformações... Ainda nascem crianças, no Japão, que trazem em seu corpo o efeito das bombas atômicas. Eu cuido delas. Tenho um pequeno hospital perto de Quioto, a cidade mais bela do Japão. É a única coisa que realmente me importa na vida.

— E quer esses três milhões de dólares para dedicá-los a esse fim, a essa missão, a esse esforço científico e pessoal?

— Quero. Brigitte esteve uns segundos olhando fixamente o

japonês, que sustentou com firmeza seu olhar. Por fim, deu um suspiro.

— Como posso ajudá-lo? — perguntou. — Ou deveria perguntar: precisa realmente de mim?

— O ouro está debaixo de uma casa, habitada, naturalmente. Além disso, retirar dos Estados Unidos mais de duas toneladas de lingotes de ouro não será coisa fácil... para mim. Para você, será.

— Está pensando, Murayama, que posso convencer a CIA no sentido de que lhe permita retirar esse ouro do país?

— Não... sorriu o nipônico. — Mas sei que conseguirá, do um ou de outro modo, que esses três milhões cheguem a seu destino: meu hospital.

— Não está confiando demasiado em mim? — Não. E não se dê ao trabalho de ameaçar-me ou

advertir-me. Sei que se a enganasse, não viveria nem sequer um mês. Estou lhe dizendo toda a verdade, “Baby”. Quero esse ouro, não por ambição pessoal, mas para maior

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eficiência de meu trabalho. Praticamente. já consumi todos os meus bens realizando a tarefa que me propus: a de salvar essas crianças e socorrer esses velhos que ainda padecem. Às vezes de um modo horrível, os efeitos da radioatividade. Sei que se tivesse dito isto ao serviço secreto de meu país, não obteria esse ouro, tampouco quis confiar em ninguém, nem o fez Saburo Ono. Esse dinheiro merece um destino como o que lhe tenciono dar. Não está de acordo?

— Em suma, você está me pedindo que lhe entregue três milhões do dólares, que poderiam muito bem... ir parar nos subterrâneos de Fort Knox.

— É o que estou lhe pedindo. Tenha em conta que nem o Japão nem os Estados Unidos necessitam verdadeiramente desse ouro. Eu sim. Qual a sua resposta, “Baby”?

— Na verdade, você nunca realizou trabalhos de espionagem, Murayama?

— Na verdade, nunca. Por quê? — Porque tem uma serenidade e um... caradurismo

assombrosos. Ele riu. — Alguém disse: descubra uma necessidade, que no

momento seguinte encontrará o necessário para resolvê-la. — Esse é um pensamento demasiado profundo para ser

enunciado sem aviso prévio, Murayama. Está bem: vou ajudá-lo. Onde esconderam o ouro?

— Num lugar da Califórnia. — Já o imaginava. Acertaremos isso mais adiante.

Antes, será preciso desimpedir o caminho. — Como? — Eu disse “desimpedir o caminho”. Não

compreendeu? Alguém matou Saburo Ono, depois do

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torturá-lo. Isso quer dizer, obviamente, que temos outras pessoas atrás dos três milhões de dólares.

— Mas... Que pessoas? — Os chineses. Ontem à noite tive que matar dois. Não

sabia? — Claro que não! — Pois já sabe agora. Depois de pensar, cheguei à

conclusão de que estavam vigiando Saburo Ono. Viram-me rondar a casa e no momento oportuno, quiseram deter-me. Como conseqüência disso, vocês também ficaram livres de vigilância, por algum tempo. Entretanto, alguém veio aqui, matou o velho japonês depois de tentar ou mesmo conseguir que ele revelasse onde está o ouro, e, logicamente aborrecidos com a morte do dois deles, não creio que esses chineses tenham-se dedicado a dormir em vez de vigiar vocês. Pressinto que eles o consideram culpado da morte dos dois companheiros. Murayama.

— Eu não sou capaz de matar ninguém! — Você é admirável... — riu Brigitte. — Quem espera

que acredite nisso? Talvez eu. E ninguém mais. Quando há três milhões de dólares de permeio, ninguém se fia em ninguém. A morte é... barata, Murayama. Em todo caso, logo saberemos se conseguiram que Saburo Ono revelasse ó lugar onde está o ouro. Tenha a bondade de olhar por uma janela, para a avenida.

— Para quê? — Se vir alguém mais ou menos pendente desta casa, é

que Saburo Ono não disse nada e, então, estiveram vigiando vocês dois. Se houver mais chineses a espreita lá fora, alegremo-nos: é sinal certo de que ainda estão procurando

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alguém que lhes diga onde está o ouro. ou que os teve até ele. Compreende?

— Creio que sim. — Pois olhe pela janela. E não se ponha nervoso. Isto é

um jogo. Minoru Murayama foi até à janela e olhou, com uma

série de precauções que fizeram Brigitte sorrir, enquanto acendia um cigarro. Quando acabava de acendê-lo, com muito sossego, o japonês virou-se, rosto bastante alterado.

— Há... há um carro grande, um pouco para acima. Um homem branco está junto a ele, fumando. E... e mais perto está um chinês, que parece esperar alguma coisa. Mais abaixo, outro chinês...

— Esplêndido! Isso significa que não sabem onde está o ouro. Minha admiração por Saburo Ono! Soube resistir a todas as torturas... Agora, eles querem apanhar vocês.

— Estiveram seguindo-nos? — Naturalmente. Esta madrugada vieram aqui, mataram

o pobre velho sem nada conseguir e agora vigiam vocês dois. ,Muito bem: vamos preparar uma armadilha para o chinês da porta de trás.

— O... chinês da... da...? — Da porta de trás. Tem que haver um chinês vigiando

essa porta. Não havia nenhum quando eu cheguei, mas isso porque não têm noção de meu paradeiro ou existência. Eles só se dedicam a vocês. Portanto, não sabem que cheguei antes. Assim, prepararemos uma armadilha, aproveitando a que eles prepararam.

— Eles prepararam uma armadilha? Brigitte suspirou, como carregando suas baterias

destinadas ao fator Paciência.

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— Sim! Murayama: eles nos prepararam uma armadilha. Mas, justamente graças a ela, poderemos sair daqui. Temos apenas que enganar o chinês ou chineses dos fundos e sair por lá, enquanto os da frente pensam que ainda estamos aqui. É muito simples, mas costuma dar resultado. Eu lhes direi o que têm a fazer.

NOVE

Um pouco de tortura chinesa Minutos depois: Minoru Murayama abria

cautelosamente a porta traseira da casa, olhava rapidamente para todos os lados e saía, fazendo sinais para alguém as suas costas. Noriko reuniu-se a ele e começaram a afastar-se... Poucos passos, porque, efetivamente, um chinês abandonou seu esconderijo atrás de uma árvore do jardim, apontando-lhes seu revólver. Não disse nada. Apontou-lhes seu revólver e isso foi tudo. Imediatamente, apareceu outro chinês, também armado de revólver, fazendo-lhes sinais peremptórios para que retrocedessem.

Minoru e Noriko obedeceram, levantando as mãos. Era um curioso quarteto aquele: se os chineses pareciam impassíveis, não menos impassíveis mostravam-se os japoneses.

A porta havia ficado apenas encostada, de modo que só tiveram que empurrá-la para entrar, os japoneses de costas e os chineses sempre os vigiando.

Quando a porta foi fechada por um destes ficaram todos na cozinha, com o cadáver de Saburo Ono como imperturbável testemunha.

— Vá chamá-los — disse um dos chinês, em inglês.

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O outro assentiu e caminhou para o living. Fez isso com absoluta tranqüilidade, sem tomar a mínima precaução... E nem sequer teve tempo de gritar. Um braço coberto de pele de vison passou por diante de sua garganta e cravou-se ferreamente nesta, com um só movimento preciso, exato, inexorável. Não se produziu estrangulamento algum. Simplesmente. Brigitte fez alavanca com o braço dobrado, para dentro, enquanto com o ombro empurrava para frente. Ouviu-se um estalido, como o de um galho seco ao partir-se. E a cabeça do chinês pendeu inerte. Fratura do pescoço; morte instantânea... voilá!

Em silêncio, “Baby” depositou o cadáver do homem no chão, arrastando-o antes por dois metros ainda sujeito pelo pescoço. Depois sacou a pistolinha do bolso do casaco, foi até à porta da cozinha, empurrou-a tranqüilamente com a mão esquerda e entrou, disparando de imediato contra o outro chinês, que não teve absolutamente tempo de surpreender-se. Recebeu o silencioso balaço no ombro direito, deixou cair o revólver, girou, bateu com o peito contra a porta dós fundos, emitindo um gemido, e tombou de costas.

Em menos de um segundo, saltando com uma agilidade de pantera, Brigitte lançou-se sobre ele, apontando-lhe a pistolinha.

— Quieto... — sussurrou. — De acordo? O chinês pestanejou. E foi só. — Que fazemos com ele? — perguntou Murayama. —

Vamos deixá-lo aqui?. — Não tão facilmente — sorriu “Baby”. — Noriko, vá

ao living e traga minha maletinha, por favor.

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— Que pensa fazer? — tornou a interessar-se Murayama.

— Vamos perguntar-lhe algumas coisas. E utilizaremos o mesmo sistema que eles empregaram com Saburo Ono. Arranje algumas tenazes e facas, Minora. Não precisa se dar ao trabalho de aquecê-las ao rubro. Que está esperando, Noriko?

— Oh, já vou... A jovem nipônica dirigiu-se ao living. Minoru encontrou

facas no armário da cozinha e estendeu várias a Brigitte, que indicou o chão junto a ela.

— Apanhe o revólver deste cavalheiro. Sabe manejá-lo? — Claro. — Nesse caso, mantenha-o sob sua mira, enquanto me

ocupo de alguns pequenos detalhes. E não se incomode com as tenazes. Servem essas que eles usaram com Saburo Ono — indicou-as, perto do cadáver do velho japonês.

— Não posso imaginar que perguntas você vai fazer a este homem...

— Não? Pois lhe direi apenas uma. Vejamos: quem meteu vocês nisto? E mais: quem são vocês, para quem trabalham, como souberam da existência das barras de ouro, que sabem exatamente e onde obtiveram a informação...? — olhou com indiferença o japonês, que parecia atônito, enquanto recolhia uma das tenazes enegrecidas que tinham sonido na noite anterior. — Não lhe havia ocorrido formular estas perguntas, Minora?

— Não... Confesso que não... — Pois estão no ar, meu amigo. Se este fosse um caso

de espionagem comum, nada me surpreenderia. Mas nem você nem Noriko são espiões, nem o era mais Saburo há

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muito tempo. Como puderam estes chineses saber que havia um assunto interessante? Mas que há? — virou a cabeça para a porta.

— Por que sua noiva demora em me trazer a maleta? Naquele mesmo instante apareceu Noriko na cozinha,

com a maleta, que entregou a Brigitte. — Pensei que tinha ido buscá-la no Japão — observou

esta. — Eu não sabia onde estava... — Que faz ai? Afaste-se. Não se interponha entre o

chinês e seu noivo! A japonesinha engoliu em seco e colocou-se junto à

cabeça do chinês, que olhava impassível para Brigitte. Impassível na aparência, mas com uma centelha de interesse nas negras e oblíquas pupilas. Ela se deu conta e sorriu-lhe com uma “amabilidade” arrepiante.

— Efetivamente, Chang — disse: — você está contemplando a agente “Baby”. Não sei se compreende o que isso significa. Mas se quer poupar-se um mau bocado, já sabe que coisas desejo ouvir. Vai me dizê-las por bem ou daremos início à função? Não quer falar? Já o esperava. Mas verá que logo muda de idéia. Num minuto apenas, você vai me dizer até o dia e o ano chinês em que nasceu. Não são vocês, os chineses, os únicos que sabem arrancar olhos com uma tenaz...

Rasgou, com um puxão, um pedaço de esparadrapo cor de carne, do rolo que retirara da maleta. e, bruscamente, colocou-o sobro a boca do chinês, que agora olhava para todos os lados, evidentemente sobressaltado.

— Não lhe posso dedicar mais de um minuto, Chang, pelo que você deverá perdoar minha pressa nestas pequenas

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torturas. Se resolver falar, faça-me um sinal com a cabeça. Primeira pergunta: para quem trabalha?

O chinês piscou. Isso foi tudo. Brigitte ergueu a tenaz e baixou-a sobre seu flanco direito. As porfias cravaram-se na carne e o homem estremeceu, quase se sufocando quando o grilo foi relido pelo esparadrapo que lhe cerrava a boca. Tentou soerguer-se, mas Noriko pos uma das mãos em sua cabeça, empurrando-a novamente para baixo.

— Assim que eu gosto — sorriu-lhe Brigitte: — deve colaborar, adaptar-se às circunstâncias, Noriko. E então, Chang? Continuo? Fica prevenido: segue-se agora seu olho direito; depois, o esquerdo... Não estou para perder tempo, já lhe disse. Para quem trabalha?

O chinês parecia aterrorizado o fazia grandes esforços para falar, ao mesmo tempo que movia afirmativamente a cabeça.

— Vai responder minhas perguntas? Novamente ele assentiu, desesperado. Seus olhos

pareciam a ponto de sair das órbitas. Brigitte arrancou-lhe o esparadrapo da boca e olhou-o nos olhos, que tornavam a ficar imóveis. Todo ele estava imóvel, embora cm suas pupilas parecesse latejar aquela expressão de terror.

— Chang... — murmurou ela. — Chang! Certamente, não sabia se seu nome era Chang ou Fu

Man Chu. Mas logo em seguida soube que o chinês estava morto. Ficou atônita. Morto? Por quê? Como?

— Que há? — perguntou Noriko. — Está morto... — disse Murayama. — Não é assim,

“Baby”? — É... Mas, não entendo... Tinha apenas uma balinha no

ombro e dei-lhe com a tenaz uma fisgadela que não mataria

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ninguém... Parecia apavorado, mas... Ora vamos, não é possível que tenha morrido de medo...

— Poderia ser — disse Murayama. — Pois digo que não este homem.. Está bem, Isso não

importa! Temos que abandonar esta casa o quanto antes! Sairemos por...

Ouviu-se um ruído de vidros quebrados e a janela da cozinha rebentou para dentro, sobressaltando os três. Brigitte levantou-se de um salto, tornando a sacar a pistola

— Descobriram-nos! — exclamou. — Noriko, vá buscar o revólver do outro chinês! Vamos ter que... Noriko! Que há com você? Acaso vai desmaiar... agora...?

Após hesitar, calou-se, olhando para a jovem japonesa, que deslizava para o chão, como se dobrando sobre si mesma, olhos virados para dentro, mostrando todo o branco da córnea. Murayama apressou-se a segurá-la, mas ele mesmo caiu de joelhos, enquanto Brigitte, demasiado tarde, compreendia a verdade. A cabeça lhe dava voltas, pesava-lhe como se fosse de chumbo... Suas pálpebras fechavam-se...

Caiu de joelhos, com a impressão de que tudo girava com uma velocidade vertiginosa ao seu redor. Sua cabeça pendeu para frente. Como uma indistinta mancha vermelha e azul, viu sua maleta e abriu-a com dedos torpes, que logo se deslocaram para dentro, em busca da máscara especial antigás...

Demasiado tarde. Quando a porta da cozinha se abriu mais uma vez, dando

passagem a outros dois chineses e a. um homem branco, a agente “Baby” estava adormecida, tendo por travesseiro sua maletinha vermelha com flores azuis.

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DEZ

Quando acordou, viu em primeiro lugar Noriko,

estendida junto a ela, no chão, ainda dormindo sol, o efeito do gás. E a primeira coisa que ouviu foi um profundo suspiro. Virou a cabeça e avistou Minoro Murayama, estendido do outro lado, cara para o teto. Estava se movendo, suas pálpebras se agitavam...

Brigitte quis erguer-se, mas sua cabeça deu cem mil voltas numa fração de segundo, pelo menos. Deixou-se cair novamente no chão, fechando os olhos. Como se fosse a lembrança de uma fotografia, em sua mente latejava aquela visão. Umas paredes de tijolos, uma lâmpada, uma porta... Um porão. Claro que não era a primeira vez que se encontrava em situação semelhante. Esteve assim alguns minutos, dizendo a si mesma que estava se recuperando. Tornou a abrir os olhos, sentou-se e olhou para Minoru Murayama, que tinha em seus braços Noriko, mantendo-a sentada no chão. A japonesinha continuava adormecida.

Em seguida, Brigitte captou a estranha expressão nos olhos do japonês, que a olhava fixamente.

— Sinto por você, Brigitte — disse ele. Brigitte pestanejou. Levou as mãos à cabeça e constatou

que não trazia mais a peruca loura, Apalpou as faces, sentindo a ausência das almofadas de espuma que faziam sobressair seus pômulos e bochechas. Um piscar especial, finalmente, convenceu-a de que também lhe haviam tirado as lentes de contato que davam a seus olhos um tom mais escuro. Estava, pois, exposta ao nipônico em seu aspecto e personalidade autênticos.

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— Não se preocupe muito por isso — sorriu ela. — É um pequeno incidente sem importância.

— Devia tê-lo compreendido há mais tempo... Saburo Ono era um homem muito meticuloso e, se disso

que Brigitte Montfort era “Baby”, eu não devia ter a menor dúvida. Quando sua voz me pareceu conhecida...

— Deixemos isso, Minoru: não vai nos adiantar nada discutir a respeito. Sou Brigitte Montfort, sou “Baby”... e pronto. Ela está bem? — indicou Noriko.

— Está. Não demora a despertar. Brigitte assentiu com a cabeça e levantou-se,

caminhando para a porta. Também lhe tinham tirado o casaco de pele e isto não era agradável, pois fazia um frio intenso naquele porão. Durante uns minutos, esteve examinando a porta, depois se dedicou a procurar um arame, ou algo que lhe pudesse ajudar a abri-lo. Mas ali dentro não havia nada. Somente eles três.

Enquanto isso, Noriko Yamagani tinha-se recuperado também dos efeitos do gás e encolhia-se nos braços do noivo, que a acariciava ternamente, o que fez sorrir a espiã internacional. Mas, afinal de contas, como deviam estar pensando que os iam matar, os dois nipônicos tinham o direito de se fazer carícias.

— Não se pode abrir a porta? — perguntou Minoru. — Não. Temos que esperar até ver alguém. Certamente

nos matarão. Mas primeiro quererão saber onde está o ouro, é lógico.

— Não direi a ninguém. Brigitte riu divertida. — Oh, dirá, sim... Até eu teria que dizê-lo, em

circunstâncias como esta, eles saberão como agir para que

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você lhes diga tudo, garanto-lhe. Pena... Para falar a verdade, eu já tinha resolvido o caso desde o primeiro momento.

— Resolvido? A que se refere? — O seu ouro, é claro. Tinha tudo solucionado. — Como? De que modo? — exclamou Murayama. — Bem... Ia comprá-lo, simplesmente. Você me disse

que está debaixo de uma casa habitada... Entendi que não se trataria de um edifício de apartamentos, mas de uma casa pequena... É isso?

— É... É isso. Perto do mar, na Califórnia. Em Malibu Beach, exatamente.

— Sempre desejei ter uma casa em Malibu Beach, suspirou “Baby”. — O clima da Califórnia é sensacional, não sabe?

— Tinha pensado em comprar essa casa? — Exato. De modo que o ouro estaria à minha

disposição, permanentemente. Poderia retirá-lo no momento oportuno. Já então você estaria em Quioto, com seus três milhões de dólares. Tenho dinheiro num banco da Suíça. Minoru. Bastante. Digamos que é o fruto de... pequenos empreendimentos pessoais. Meus banqueiros têm ordem de pagar sem hesitação qualquer cheque meu, seja qual for seu montante. Você me teria dito onde está a casa, eu a compraria e lhe daria um cheque no valor de três milhões de dólares contra meu banco na Suíça. Tudo muito simples. É mais fácil transportar um cheque que duas toneladas de lingotes de ouro, não lhe parece?

— E que faria você com o ouro? — Isso só a mim diz respeito... Ou não? — Sim, sim. Claro.

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— Era uma boa solução — murmurou Noriko. — Assim penso eu — assentiu Brigitte. — Mas... parece

que não seremos nós quem tomará a última decisão. — Você... não parece assustada — disse Noriko. — Pois estou, amiguinha. E muito, embora não pareça. — Ainda estou surpreendida... Não parece a mesma

pessoa. Na verdade você é “Baby”? — E agora, ao natural — sorriu Brigitte. Súbito, franziu a tosta, aproximou-se novamente da

porta e ficou olhando um pequeno retângulo de madeira que parecia acrescentado. Passou a língua pelos lábios e, lentamente, aproximou um dedo daquele pedaço de madeira. Apertou-o e... não aconteceu nada. Desiludida, ela voltou ao centro da pequena cela, olhando sempre para todos os lados. Por fim, desistiu do qualquer iniciativa e sentou-se, apoiando as costas à parede e cruzando os braços sare o peito. O frio se fazia sentir cada vez mais intensamente. Na verdade, tinham-no já como infiltrado nos ossos, dado o tempo em que ali estavam. Quantas horas durava aquela reclusão? Olhou para Murayama e, pelo crescimento da barba deste, calculou que se tinham passado umas oito ou dez horas. Quando o vira em casa de Saburo Ono, Me estava recém-escanhoado. Agora seu queixo começava a escurecer...

A porta abriu-se de repente, um instante depois de Brigitte dirigir o olhar para ela. Ficou aberta do todo, mas não apareceu ninguém. Apenas ouviram uma voz, em inglês:

— Coloquem-se junto à parede fronteira à porta, para que possamos vê-los bem.

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A primeira a obedecer foi Brigitte. Quando também os dois japoneses a ela se juntaram, surgiram dois chineses, revólver na mão, colocando-se a ambos os lados da entrada. Depois entrou outro chinês e, finalmente, um homem branco, também empunhando um revólver.

Por instinto, Brigitte olhou o terceiro chinês, que não trazia arma alguma. Era um tipo alto para sua raça, elegante, sóbrio, bem penteado, com um inexpressivo e correto rosto oriental. Devia ter uns quarenta anos. Sua forte personalidade fazia-o destacar-se dos outros dois chineses e do homem branco, que devia ser um simples assalariado, um aventureiro de pouca importância.

Por seu lado, o chinês elegante também olhava Brigitte. E um fino sorriso distendia seus lábios.

— Asseguro-lhe que é uma honra ter entre nós a agente “Baby”, miss Montfort.

— Muito obrigada. — Naturalmente, foi quem encontrou a mola de

chamada. — A...? Oh, se se refere a esse pedaço de madeira que

apertei... — Sim — continuou sorrindo o chinês. — Ao ser

apertado, acende-se uma luz vermelha em outro lugar. Uma pequena instalação que será útil a todos nós. Tenho seus pertences em meu poder, miss Montfort. Refiro-me à sua curiosa maleta, contendo coisas tão especiais... Quem seria capaz de fazer-me acreditar que durante todo este tempo tive a meu alcance a agente “Baby”, aqui, em plena Nova Iorque? É fantástico! Quando meus homens a trouxeram, vi sua peruca fora do lugar, mas isso não chegou a me surpreender. Mas surpreendi-me, e muitíssimo, quando a

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reconheci ao tirar-lhe a peruca e as outras coisas. É muito famosa em Nova Iorque, miss Montfort.

— Perdão — corrigiu Brigitte: — sou famosa no mundo inteiro.

— É verdade. Uma famosa jornalista... Mas eu creio que ainda é mais famosa como “Baby” que como Brigitte Montfort. Pelo menos, entre nós que nos dedicamos à espionagem.

— Ah! O senhor é um espião? Deveras? Emocionante! Não me diga que é um espião sino-comunista!

— Lao Wo, para serví-la. Em Nova Iorque e fácil para um chinês dedicar-se à espionagem. São tantos os meus conterrâneos...

— Espero que nem todos sejam espiões. — Não — tornou a sorrir Lao Wo. — Só uns poucos. E

agora, menos ainda, pois entendo que me privou de quatro homens. Entretanto, poderei substituí-los imediatamente. Tenho uma rede bem montada neste Estado e, enquanto as coisas correrem bem, pretendo mantê-la.

— Devem ter estado trabalhando muito bem, Lao Wo, pata que eu não os... farejasse.

— Somos muito discretos. Tanto, que quando eu enviar sua cabeça para a China, ninguém suspeitará do conteúdo do pacote.

— Tenciona enviar minha cabeça para a China? Tem um gosto esquisito para fazer presentes, Lao Wo.

— Não será nenhum presente. Sabe muito bem que cobrarei; pelo simples envio, nada menos que dois milhões de dólares. É o que oferecem em Pequim pela agente “Baby”. Mas, enfim, esse é um assunto que não vamos discutir. Entre dois bons espiões, tudo está dito, sem

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palavras. De modo que vamos ocupar-nos de... mais dinheiro. Três milhões de dólares em barras de ouro, simplesmente... — olhou para Minoru Murayama. — Não é isso, amigo?

— É. — Bem... Onde está o ouro? — Não lhe ditei. — Não? Vejo que é de uma sinceridade e lisura

admiráveis. Penso que é inclusive um bom médico... Um excelente médico, ao que dizem. Mas por melhor que seja um médico, não pode ressuscitar a si mesmo.

— Não me importa isso. — Espere... Não me deixou terminar, Murayama. Ia

dizer que tampouco pode ressuscitar outras pessoas. A ninguém. Embora tenha muito amor a essas pessoas, não pode ressuscitá-las. De acordo! Então, falemos seriamente e sem perder tempo: se não me disser onde está o ouro, temo que sua linda Noriko Yamagani passe muito mal. Ah... observo que isso lhe afeta. Que esperava? Que eu fosse perder tempo torturando-o, como perdi torturando Saburo Ono? Não, não... Nós, orientais, somos resistentes a essas coisas, pelo que já antevi a possibilidade de que você, tal como Ono, prefira morrer a se mostrar explícito comigo. Por isso, variei a direção de meu ataque. Venha cá, Noriko!

Murayama lançou um grito de raiva e precipitou-se para o chinês, as mãos prontas para aplicar-lhe um golpe de caratê.. Mas o homem branco que assistia à reunião moveu-se velozmente, desferindo-lhe uma coronhada na têmpora, derrubando-o de joelhos e atirando-o imediatamente contra a parede dos fundos com violentíssimo pontapé no queixo. O japonês era muito forte e levantou incontinenti, rosto

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transfigurado pela cólera, decidido a passar de novo ao ataque.

Só que um dos chineses havia agarrado Noriko pelos cabelos, colocando-a à sua frente e apoiando-lhe a pistola na nuca. Minoru Murayama deteve-se em seco e o branco aproximou-se com o cenho carregado, tornando a golpear-lhe a cabeça com o revólver e atirando-o novamente contra a parede. quase aturdido. Brigitte reteve-o por um braço.

— Não seja tolo... — murmurou. — Nossos conhecimentos de judô e caratê nada valem contra armas de fogo, Minoru, nestas circunstâncias. Acalme-se.

— Isso. Será melhor que o convença — disse friamente Lao Wo. — E se tiverem algo a dizer, chamem. Já conhece o truque, “Baby”.

Saíram os quatro do porão, levando Noriko. Murayama deu dois passos para a porta, mas suas pernas dobraram e ele teria caído se Brigitte não o amparasse. Fê-lo sentar-se, levantou a saia e rasgou rapidamente um pedaço de sua roupa interior. O japonês tinha o parietal esquerdo quase a descoberto, devido aos dois tremendos golpes, e o sangue escorria por sua cara. Crispou-se quando Brigitte começou a limpá-la e quis levantar-se.

— Calma... — ela o reteve. — Não vai conseguir nada. A única coisa que pode fazer é dizer-lhe onde está o ouro. Então, seremos todos eliminados, simplesmente, sem sofrimentos... Embora, se fosse você, eu preferisse não dizer nada,

— Eles estão com ela... — Noriko é muito bonita — sorriu Brigitte. — E os

chineses admiram isso. Como os japoneses, ou os brancos... É algo que você não pode evitar, Minoru. Comigo eles

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fariam o mesmo. Depois nos matarão. É inevitável... a menos que ocorra um milagre.

— Não podem fazer isso com ela... Não! — Só há um modo de evitá-lo. — Eu direi.. — Não, não. Espere. Nós os chamaremos pelo sistema

que eles instalaram. E quando vierem, você lhes dirá que quer ver Noriko morta antes de falar. Ela está destinada a morrer de qualquer maneira e, se eles a matarem do imediato. você evitará que a humilhem. Depois você se negará a falar, façam eles o que fizerem. Será um modo de vingar-se desse Lao Wo.

— Você... não está falando sério. — Estou, sinceramente. Chame-os e exija-lhes que a

matem antes que você diga onde está o ouro. É o seu único recurso, Minora.

— Não farei semelhante coisa! — o japonês afastou-a com um repelão. — Você está louca se pensa que lhes pedirei para matar Noriko! Vou dizer-lhes onde está o ouro, faremos um trato... Isso é o que vou fazer!

Precipitou-se para a porta e apertou o pequeno retângulo de madeira... ao mesmo tempo em que, através daquela porta, chegava um grilo agudo, fortíssimo, prolongado. Murayama lançou uma exclamação de horror e tornou a apertar o retângulo do madeira, enquanto Com a outra mão esmurrava a porta.

— Estou chamando! — gritou. — Estou chamando para dizer onde está o ouro!

Ouviu-se ainda outro grito, que só podia ter sido dado por Noriko. Foi um grito mais breve, menos intenso.

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Depois, o silêncio... com exceção das pancadas que Murayama dava na porta.

— Está bem... — ouviu-se poucos segundos depois a voz de Lao Wo. — Deixe de bater. E coloquem-se ambos tal como antes, diante da porta.

Minora retrocedeu rapidamente, enxugando com a manga o sangue que escorria de seu rosto. A porta se abriu e o homem branco entrou no porão, revólver à frente, muito atento. Atrás dele entrou Lao Wo, que ficou olhando para o japonês.

— Muito bem! — disse: — estou ouvindo Murayama. — Não... Primeiro quero ver Noriko. Quero que a

tragam aqui para ver se não lhe fizeram nada grave... Do contrário, não haverá acordo.

— Acordo? — sorriu friamente Lao Wo. — Vejo que não entende. Nada de acordos. Será feito o que eu disser, simplesmente. E agora... onde está o ouro?

— Não lhe direi nada se não vir Noriko aqui, sã e salva! — Murayama, você está complicando muito as coisas.

Vou mandar Brooks — indicou o branco — meter-lhe um par de balas no corpo, que assim ficará mais calmo. Depois continuaremos com os interrogatórios à minha maneira, não à sua. É isso o que quer? Ou prefere comportar-se sensatamente de uma vez? Diga-lhe, “Baby”. Você sabe dessas coisas melhor que ele. Quem manda agora sou eu.

— É verdade... — murmurou Brigitte. — Mas Murayama não pede demasiado, Lao Wo. Sabemos que vamos morrer. E ele só quer evitar que façam mal a Noriko. Morrer, está bem. Mas nada além disso. Que lhe custa satisfazê-lo?

— Sim... Por que não? Brooks, aperte o...

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Mas tudo o que Brooks fez, de repente, foi emitir um grito e cair de bruços, soltando o revólver.

ONZE Houve um brevíssimo instante de estupefação por parte

de todos, que olharam para o homem caído e viram a mancha de sangue em suas costas, à altura do coração. A primeira a reagir foi Brigitte, que saltou de imediato sobre Lao Wo, enquanto este levava a mão à axila esquerda... Abraçou-o antes que ele pudesse retirar a mio de sob o paletó e, simultaneamente, levantou o joelho direito, golpeando o chinês no baixo-ventre, fazendo-o gritar e relaxar-se uma fração do segundo.

As mãos de Minora Murayama pareceram cravar-se nos ombros de Lao Wo. De um puxão, arrancou-o dos braços de Brigitte, girou até à parede dos fundos e atirou-o contra ela, com tal força que o fez repicar como se fosse uma bola de borracha... para novamente cair-lhe nas mãos. Passou a esquerda sob a axila do chinês, agarrou sua lapela direita e, ao mesmo tempo, com a mão direita apoiada em seu occipital, apertou com fúria para frente.

Crak! Lao Wo ainda pode lançar um grito entrecortado, para

cair em seguida, morto, aos pés do japonês, que se virou para a porta, flectindo as pernas, estendendo as mãos, crispando o rosto cheio de Sangue. Minora Murayama, 2º. Dan de judô. estava disposto a continuar a luta a qualquer risco...

— Noriko! — chamou. Ela apareceu na porta, cambaleando. Na mão trazia um

revolver, mas parecia incapaz de usá-lo novamente. Ficou

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apoiada ao portal, olhos arregalados. Em seu insto alterado viam-se sinais de golpes. Tinha os cabelos revoltos, as roupas em desalinho e faltava-lhe um sapato. Minem correu a ela e abraçou-a, dizendo-lhe coisas em japonês, ternamente. Brigitte olhou-os sim Instante, já empunhando o revólver de Brooks. Tirou também a pistola do defunto Lao Wo e reuniu-se aos japoneses na porta.

— Temos que sair daqui — disse. — E já. Se bem compreendi a situação, estamos em qualquer parte de Chinatown. Não é um lugar para efusões.

— Noriko... — murmurou Murayama. — Que aconteceu? Que lhe fizeram...? -

— Eu... eu... — Você está bem? — Eles me bateram... Queriam... queriam... Brigitte deixou-os com suas confidências e saiu do

porão. Havia um curto corredor, com uma porta de cada lado, lima delas estava aborta. No chão daquele pequeno aposento viu os dois chineses, um estendido de bruços, outro com os olhos abertos fixos no teto, expressando um infinito assombro. Entrou e examinou-os brevemente, Estavam mortos, claro. Um tinha uma bala na nuca e o outro no coração.

Endireitando-se, ela saiu dali e entrou no aposento fronteiro, após abrir a porta com três silenciosos disparos da arma de Brooks. Encontrou o interruptor, acendeu a luz e olhou em torno. Parecia uma adega em desuso. Havia prateleiras, alguns barris, garrafas quebradas no chão, tudo cheio de pó. Sem hesitar, dirigiu-se a um dos barris. Havia dois, ressecados, carcomidos. Um a um, foi golpeando-os com a coronha do revólver, muito atenta ao som que

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produziam. No quinto, deteve-se. Agachou-se diante do barril e começou a apalpá-lo, detidamente. Às suas castas, notou a presença de Noriko e Minoru, mas não fez o menor caso. Por fim, para assombro do par de japoneses, a parte da frente do barril abriu-se. A primeira coisa que apareceu foi um pequeno transmissor do rádio, que Brigitte retirou. Depois meteu meio corpo dentro do barril e, ao sair, tinha nas mãos uma caixa metálica, sólida. mente fechada. Com o pé, destruiu o mais possível o pequeno transmissor. Depois indicou a porta.

— Vamos. — Que... que há nessa caixa? — Pouca coisa: papéis, foros, informes... O de sempre.

Ninguém possui tão boa memória que possa prescindir de anotar certos detalhes. Este vai ser um grande contratempo para o serviço secreto chineses em Nova Iorque. Eu irei na frente... Você está bem, Noriko?

— Sim, estou bem... — Ela mostrou muita coragem — disse Murayama. —

Contou-me que os chineses se descuidaram ao ficarem sozinhos os três. Assim, conseguiu tirar o revólver de um deles e...

— Matou-os, saiu ao corredor, viu o tal Brooks e meteu-lhe uma bala no coração, pelas costas — terminou Brigitte. — Isso eu já tinha compreendido, Minoru. Foi admirável a atuação de Noriko, reconheço. E agora vamos.

Saiu rapidamente e acabou de percorrer o corredor, rumo ao lanço de escada do fundo. Subiu os degraus a toda a pressa, mas silenciosamente, e deteve-se diante da porta, aplicando o ouvido à madeira. Silêncio absoluto. A porta estava fechada por dentro, mas a chave ficara na fechadura.

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Abriu, puxou a porta para si e saiu... num escritório. Grande, moderno, decididamente ocidental, com bonitos tapetes, bons quadros, um magnífico lustre de cristal pendente do teto, aceso... Atrás dela entraram os dois japoneses, olhando estupefatos a seu redor. Brigitte estampou um delicioso sorriso ao avistar sobre uma poltrona seu casaco de vison, a maleta, a peruca... A primeira coisa que pôs foi a peruca, sem grande cuidado; depois, o casaco. Abriu a maletinha, certificou-as rapidamente de que todas as suas coisas ali estavam e fechou-a. Indicou a porta e os três aproximaram-se desta. Também estava trancada, mas não teve a menor dificuldade em abri-la.

Saíram a um corredor e, à direita, viram uma Porta de vidro, coloridos, pela qual chegava-lhes um abafado rumor de vozes. A esquerda havia outra porta e a ela se dirigiram. Estava fechada não somente a chave, mas com sólidas barras de ferro presas por correntes e cadeados. Além disso, era revestida de uma chapa metálica.

Plop... Plop... Plop... Plop... Os dois cadeados saltaram, despedaçados pelas balas e

Brigitte olhou a fechadura, impaciente. Colocou o revólver na vertical, junto à montagem do fecho e disparou mais duas vezes. Murayama ajudou-a a tirar as correntes e levantar as barras de feno. A porta se abriu apenas algumas polegadas, para dentro, com um leve ranger.

Ela tirou o casaco, após olhar as roupas rasgadas de Noriko.

— Vista-o. Vamos sair à rua. E vocês dois tratem de agir com toda a naturalidade.

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Acabou de abrir a porta. Efetivamente, saíram a uma ruela que só pedia pertencer ao bairro chinês de Nova Iorque. Percorreram a ruela e, segundos depois, passavam diante da porta principal de um restaurante em cuja fachada havia um letreiro luminoso: Lao Wo — Cozinha chinesa autêntica.

— É um restaurante... — murmurou Murayama. — Sss! Tranqüilamente, deixaram aquele estabelecimento para

trás. Pouco depois surgiram em Canal Street. Já era noite fechada e Brigitte, depois de tirar seu relógio

da maleta e dar-lhe uma olhadela, disse: — Vamos nos separar. — Mas... — Escutem-me bem. Você Minoru, vai cobrir com um

lenço esse ferimento que tem na têmpora, depois que Noriko o tenha limpado bem. Tomem um táxi e dirijam-se em primeiro lugar ao “West Wind Motel”...

— Como sabe isso? — exclamou Noriko. — Deixemos de tolices. Dirijam-se ao motel, façam um

curativo adequado na ferida do Minoru e você, Noriko, apanhe suas coisas e despeça-se. Paguem a conta, naturalmente. Nada de pequenas falhas. Depois, sigam para o hotel de Minoru e façam o mesmo. Ao sair de lá, caminhem para a esquerda. Um minuto mais tarde, um carro se deterá junto a vocês, o motorista saltará e vocês entrarão nele. Encontrarão no carro um mapa do Estado de Nova Iorque, o qual lhes será muito útil, pois têm que chegar a White Plains, ao norte. Atravessem White Plains, prossigam pela rodovia 22 sempre para o norte e parem quando tiverem percorrido dez quilômetros... Não vão esquecer?

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— Não, não — garantiu Noriko. — Bem. Uma vez chegados a esse ponto distante dez

quilômetros de White Plains, só têm que esperar. Pouco depois, se as coisas não se complicarem, aparecerei com um helicóptero. Quando vocês ouvirem o helicóptero, façam com que as luzes do carro pisquem três vezes. Eu saberei que é o carro de vocês e pousarei fora da estrada. Saiam do carro e aproximem-se do helicóptero. Eu lhes entregarei um cheque no valor de três milhões de dólares e você, Minoru, me entregará um plano bem desenhado com a localização exata da casa, bem como suas características. De acordo?

— Não tenha receio — sorriu o japonês. — A casa é inconfundível. Além disso, eu lhe farei um plano perfeito. E o endereço em Malibu Beach é...

— Depois. Especifique tudo bem numa folha de papel. — Confia em mim a esse extremo? Eu poderia enganá-la

e entregar-lhe um plano falso... — E morrer dentro de duas semanas, no máximo. Até

logo. E Brigitte Montfort, tremendo de frio, afastou-se em

busca de um táxi. Ainda restavam muitas coisas a fazer antes do encontro marcado acima de White Plains.

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DOZE

— Que horas suo? — perguntou Noriko. — Duas e meia. Tranqüilize-se, ela não falhará. Teve

que cuidar do muitas coisas: conseguir o carro, o helicóptero... Aí vem!

Os dois inclinaram-se para frente ao ouvir o som inconfundível do aparelho E em seguida, através do pára-brisa, puderam distingui-lo, recortando-se no céu agora estrelado, com suas luzes de posição acesas. Minoru Murayama fez os sinais combinados com os faróis do carro e, ato continuo, o helicóptero começou a baixar, passando muito perto deles e saindo da linha da estrada. Pousou bastante perto do carro, entre um grupo de árvores. O motor emudeceu mas as luzes continuaram acesas de modo que os dois japoneses o localizaram em seguida, com toda a facilidade.

Quando lá chegaram, Brigitte esperava-os fora do aparelho, bem agasalhada com outro casaco de vison, todo branco e perfeitamente visível na escuridão.

— Como é? — sorriu, erguendo com as mãos enluvadas a gola do casaco. — Foi tudo bem?

— Tudo bem... — respondeu Murayama. — Mas que frio!

— Trouxe o cheque? — perguntou Noriko. — Claro, O helicóptero foi alugado em seu nome,

Minore. Tem as instruções sobre a rota e os aeroportos Onde deve ser reabastecido no painel de controle. Você o deixará em São Francisco e lá, por avião, regressará a seu país. De acordo?

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— Sim. Mas não compreendo por que tudo isto. Podíamos ter partido, Noriko e eu, sem nenhuma Complicação...

— Em espionagem sempre surgem complicações. Uma delas podia ser que um remanescente do grupo de Lao Wo insistisse em incomodá-los. Por isso, prefiro que viajem por este meio, enquanto meus amigos da CIA, com o material que lhes forneci. acabem de desmantelar esta pequena rede de espionagem chinesa em Nova Iorque. Quando vocês chegarem a São Francisco, tudo estará terminado e poderão voar para Tóquio sem maiores problemas.

— Mas, uma vez no Japão, como eles sabem dos três milhões de dólares, talvez ainda nos persigam...

— Não creio — sorriu novamente Brigitte. — Acaso você falou com alguém a respeito desse dinheiro?

— Eu? Claro que não! Mas Lao Wo sabia... — Porque ele estava em Nova Iorque. Mas os outros

chineses estão na China... graças a Deus. Para eles, tudo começou quando chegaram a saber que você e Saburo Ono andavam à procura de “Baby”. Queriam capturar-me, porém ignoravam tudo a respeito do ouro... ainda. Os outros nada saberão. pois morreram Lao Wo e Saburo Ono, e nem vocês nem eu o diremos. Tudo o que saberá o serviço secreto chinês é que, uma vez mais, seu desejo de caçar “Baby” fracassou, e que, como conseqüência, alguns dos seus foram mortos e outros detidos. Só isso. Portanto, não o incomodarão mais, Minoru. Para quê?

— Bem... Se você o diz, assim será. Aqui tem o plano que lhe preparei. Tudo meticulosamente explicado, inclusive sob que parte da casa estão as barras do ouro. Pode confiar em mim, “Baby”.

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— Eu sei. E já que me agradam seus projetos, Minora, aqui esta meu cheque. O banco suíço o pagará, ou o transferirá à sua conta em Quioto, sem a menor objeção.

— Não sei se já lhe disse que você é um ser muito humano, Brigitte. Se alguma vez...

— Conheço milhares de palavras de agradecimento — riu ela — E só me convencem quando um agradecimento fica demonstrado. Se alguma vez eu for à bela Quioto, lhe farei uma visita. E. se estiver sendo acossada pelos chineses, ou algo parecido, espero que você me ajude. Certo?

— Certo — sorriu Murayama. — Adeus, “Baby”. Estendeu a mão e Brigitte aceitou-a, sorrindo suavemente. Seu rosto parecia iluminado de luz própria à luz vermelha do helicóptero, enquanto os de Murayama e Noriko mal se viam, pois estavam de costas. A japonesinha também estendeu a mão.

— Adeus, miss Montfort. — Meus agradecimentos. — Ai! — exclamou Brigitte. — Que foi? — alarmou-se Murayama. — Não sei... Senti uma espetadela na mão... — Oh... — Noriko estava consternada. — Deve ter sido

meu anel. Noto que estava com a safira virada pata a palma... — acrescentou, endireitando-o. — Desculpe...

— Não tem importância. Pode-se até considerar uma honra ser espetada por uma preciosa safira.

Pôs-se a rir e os dois japoneses a imitaram. Murayama voltou-se para o helicóptero, estendendo a mão a Noriko.

— Vamos. Esta noite não viajaremos muito, pois não me atrevo...

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— Meu Deus... — gemeu Brigitte. — Que... que tenho...? Sinto-me mal...

Murayama virou-se rapidamente, mas já ela havia caído, primeiro de joelhos, depois de lado, para finalmente ficar estendida de costas, com os olhos abertos, refletindo o brilho das estrelas...

— Brigitte! — assustou-se o japonês. — Noriko, ajude-me...!

— Não se incomode: ela está morta. Murayama olhou para sua noiva, entre perplexo e

sobressaltado. E ainda mais perplexo ficou ao ver o brilho da pistola na mão da jovem.

— Noriko... Que faz? Que...? — Ponha-a no helicóptero: sua cabeça vale dois milhões

de dólares americanos. — Noriko... que está dizendo...? — Digo-lhe que a coloque no helicóptero, apenas isto!

Você não é capaz de compreender uma coisa tão simples? — Isto não é tão simples... — murmurou o japonês. —

Para mim, ao menos. Como sabe você que ela está morta? — Porque eu a matei, com meu anel. Ao apertá-lo, uma

fina agulha de platina, envenenada, crava-se na mão da pessoa que confiou em nós. É um veneno rapidíssimo. O mesmo que utilizei para matar o chinês que ela eslava interrogando, em casa na Saburo Ono.

— Você... matou aquele homem. .? — Naturalmente. Compreendi que ela o obrigaria a falar

e não me interessava o que poderia dizer: que eu pertencia ao grupo deles.

— Noriko, você... você está louca...

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— Talvez. Mas você é... um pobre imbecil. Faz tempo que trabalho para os chineses. Quando me apresentei em seu hospital, não fiz mais que seguir instruções deles. Você nunca deu importância ao fato de ser filho de um agente da Tokko japonesa? Eu fui encarregada de vigiá-lo, pois suas viagens aos Estados Unidos e suas entrevistas com Saburo Ono, do qual se sabia ter sido também agente da Tokko, despertaram o interesse de meus chefes. Sobretudo quando souberam que, muito discretamente, Saburo Ono estava se interessando pela famosíssima “Baby”. De modo que me incumbiram de vigiar você, por dois motivos. Primeiro, para verificar se você também era um agente da Tokko. Segundo, na previsão de que Saburo Ono e você nos levassem até à agente “Baby”. E assim foi. Evidentemente, o serviço secreto chinês nada sabe dos milhões de dólares em barras de ouro. Lo Wo sabia-o porque, quando cheguei a Nova Iorque, pedi-lhe ajuda para consegui-los. Nosso plano era ficarmos Com o ouro, ele e eu, e entregar a cabeça de “Baby” ao serviço secreto chinês. Com isso, ficariam satisfeitos. Acha você que eu seria idiota a ponto de dizer aos chineses que você sabia onde estavam esses três milhões? Quando você me falou a tal respeito, dizendo que o hospital disporia de recursos dentro de pouco tempo, comecei a sondá-lo, mas não consegui que me dissesse onde estava o ouro.

— Nem eu mesmo o sabia antes de minha última vinda a Nova Iorque.

— Mas quando soube, você não me quis dizer, pelo que recorri a Lao Wo. Nosso trato secreto era repartirmos o ouro. Depois repartiríamos também o prêmio de dois milhões de dólares pela cabeça de “Baby”. Quando você

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ouviu meus gritos no porão, ninguém estava me fazendo nada. Todos eram meus colegas e por isso pude surpreendê-los: tirei o revólver de um, matei os dois e, em seguida, Brooks... Sabia que você e “Baby” venceriam Lo Wo.

— Ou seja: você o traiu também. — Exato. E sabe por quê? Porque “Baby” me deu uma

idéia estupenda. Quando eu regressar, entregarei sua cabeça e direi que Lao Wo e os outros tombaram na luta. Ninguém suspeitará de mim. Pelo contrário, receberei o prêmio. Depois terei também os três milhões do cheque de “Baby”. E, finalmente, es três milhões em barras de ouro, já que para encontrá-los só precisarei utilizar o plano que você entregou a “Baby”. Oito milhões, ao todo... Justamente o que estive procurando desde que me dediquei à espionagem!

— Dinheiro? — murmurou Murayama. — Dinheiro, sim! — E por isso trabalhou para os chineses. Podia ter

trabalhado para a Tokko, para nossa pátria... — Ah, não! Os chineses pagam muito melhor, pois

precisam mais de informações para seus projetos de expansão política. Bem... Ainda alguma dúvida?

— Só a meu respeito. Vai me matar? — Claro, querido Minoru. E deixarei seu cadáver aqui

mesmo. Irei com o helicóptero até perto de Chicago, depois o abandonarei e voltarei ao Japão por meus próprios meios, tendo antes entregue a cabeça de “Baby” a quem...

— Tenciona... decapitá-la? — Naturalmente. Não seria fácil levar todo o corpo.

Agora, ponha-a no helicóptero. A conversa terminou.

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— Sim... — o japonês respirou profundamente. — Não creio que você e eu tenhamos mais alguma coisa a dizer-nos, Noriko.

Minoru Murayama ajoelhou-se ao lado de Brigitte e, erguendo-a do solo, colocou-a com facilidade em posição vertical, depois sobre o ombro. Levou-a para o helicóptero, enquanto Noriko se afastava um pouco, sempre apontando-lhe a pistola.

As vezes, convém prestar mais atenção aos cadáveres... Quando passava junto a ela, a mão direita de Brigitte,

que pendia inerte, ergueu-se de pronto e caiu velozmente, com um movimento seguro, preciso, exato. A pistola foi arrebatada com toda a limpeza dos dedos de Noriko, que lançou uma exclamação aguda e pareceu ficar petrificada. Ao mesmo tempo, no auge do espanto, Murayama depositava “Baby” no chão... ainda a tempo de ver entre seus lábios aquela piteira sem cigarro e o gesto do Noriko, que rapidamente levava a mão ao rosto. No segundo seguinte, a japonesa caía no chão, como fulminada.

Murayama pode reagir, por tini, embora tartamudeando, sem compreender...

— Ma-mas... “Baby”, que...? — Tranqüilize-se, Minoru — sorriu deliciosamente ela.

— Tudo terminou. Você pode ir. — Ir...? Mas... — Olhe, não entendi nem uma só palavra do que vocês

estiveram dizendo, mas compreendi que ela se explicou. Não foi?

O japonês pestanejou. Súbito, precipitou-se para Noriko e examinou-a rapidamente.

— Está morta...

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— E bem morta. Como vê, meu veneno é mais poderoso do que o dela. E meus pequenos dardos, infalíveis.

— Mas se ela a espetou... — Eu disse isso, mas tal não aconteceu. Estou usando

umas luvas especiais. Era lógico que ela quisesse levar a cabeça de “Baby”, o dinheiro, o ouro... Por que acha que lhe dei aquele palpite, no porão? Para que ela fizesse suas contas e compreendesse que ela mais conveniente trair Lao Wo e ajudar-nos. Assim, teria meu cheque, o prêmio por minha cabeça e o ouro. Não foi o que ela lhe disse?

— Foi... Mas como pode você... suspeitar...? — Aquele chinês morreu de um modo estranho, não? E

somente Noriko e eu tínhamos tocado nele. Depois reparei em seu anel. E havia mais: por que os

homens que estavam diante da casa dispararam uma bala de gás na parte traseira? Por que foram até lá? Porque ela, quando saiu para buscar minha maleta, aproximou-se de uma janela e fez-lhes sinais. Finalmente, a morte dos dois chineses... Com que facilidade sabia fazer as coisas uma jovem que era apenas enfermeira! E como atirava: três tiros, três mortes. Além disso, alguém devia ter metido Lao Wo e seus homens no assunto. Além disso, não atacaram você porque ela confiava em que lhe revelasse o esconderijo do ouro, mas como se impacientava, quis que torturassem Saburo Ono, para enfim poder prescindir de você. Além disso...

— Já chega... — sussurrou Murayama. — Não é preciso mais.

Ele olhou o cadáver de Noriko, rosto impassível. Levantou-se o caminhou para o helicóptero. Antes do subir, virou-se para Brigitte.

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— Que fará com... com ela? — Não se preocupe com isso. Algo deve ficar bem

claro, Minoru: você não conhece “Baby”. — Compreendo. Fique tranqüila. Sou um pobre imbecil,

como ela disse, porém nunca a trairei. — Você não é um imbecil, mas um homem normal e um

bom homem. Se alguma vez precisar do mais dinheiro para seu nobre trabalho, diga-me. Não quero que lhe falte nem um centavo.

— Obrigado, “Baby”. Oh... A respeito da academia de judô, de minha inscrição...

— Darei um jeito nisso. Na verdade, prefiro que essa revanche se atraso um pouco: você é um adversário temível.

— No judô, talvez. Mas também nisso você me ganha... — olhou-a intensamente, depois juntou as mãos diante do peito e inclinou-se numa profunda saudação japonesa.

— Sayonara — murmurou. Um minuto mais tarde, as luzes do helicóptero tinham-se

perdido na distância, entre as estrelas. Brigitte voltou-se, dirigiu-se ao cadáver de Noriko e tirou-lhe o casaco de pele.

— Você não vai precisar dele... Há quem pense o contrário, mas custa-me muito trabalho ter casacos de vison.

Lançou-os sobre o ombro e caminhou para a estrada. Quando chegou junto ao carro que os japoneses haviam usado, lá encontrou Johnny, fumando.

— Muito frio, querido? — Brrr... Tenho meu carro mais adiante. E agora? — Há um trabalhinho para você: vá buscar o cadáver da

japonesa, ponha-o em seu carro e... faça com ele o que melhor lhe parecer. Como está o assunto do restaurante de Lo Wo?

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— Sendo resolvido. Tenho uma idéia: que tal se eu levo a japonesinha para aquele porão?

— Ótima idéia. Deixo tudo em suas mãos, querido... Mas que tem você?

— Sinto um frio espantoso! Brrr... — Tome — Brigitte entregou-lhe o casaco que trazia

sobre o ombro, rindo. — Vison legitimo, naturalmente. Você sabe que fio gosto de falsificações. E não se esqueça de devolvê-lo antes do verão...

TODOS TÊM SEUS SEGREDOS

Mister Cavanagh, chefe supremo de todos os espiões de

ação da CIA, entrou em sua sala, sempre pausado, imperturbável. Sentou-se à sua mesa e olhou para Brigitte, que estivera quase adormecendo numa poltrona.

— Magnífico... — disse ele. — Magnífico, “Baby”! Você sempre tem uma surpresa para nós. A redada final em Chinatown foi muito boa, graças aos dados que encontramos naquela caixa metálica... Assombroso! Uma rede de espiões chineses em Manhattam. O Conselho opina...

— Pouco me importa o que opine o Conselho a esse respeito, chefe — interrompeu ela. — Que há sobre o assunto do ouro?

— O ouro? Bem... Claro que vamos comprá-lo. Amanhã mesmo, de uma conta especial da CIA, sairão três milhões de dólares para a sua conta bancária particular em Nova Iorque. Assunto resolvido. A propósito, ignorávamos que você tivesse tanto dinheiro e que...

— A CIA ignora muitas coisas a meu respeito.

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— É verdade... Esse ouro irá parar em Fort Knox, naturalmente, para reforçar nossas reservas nacionais. Bem... De qualquer modo, o Conselho quer saber de onde você tirou essas barras de ouro que nos vendeu. Claro que não serio pedidas demasiadas explicações à nossa melhor agente, mas... Vejamos: eu creio que uma explicação, por pequena que seja...

— Não há explicações, mister Cavanagh. Fiz um trabalho extra em Nova Iorque e, além disso, outro trabalho superextra, sem ligação com coisa ou pessoa alguma. Entreguei-lhes o cadáver do uma japonesa que era agente da China, toda uma rede de espionagem chinesa, um transmissor, microfotos...

— Sim, sim, está bem. Mas o ouro... de onde o tirou? — De uma mina que tenho na Califórnia. — Como?! Ainda há minas de ouro na Califórnia? — Evidentemente. Mas, afinal, compram-me ou não

essas barras de ouro por três milhões de dólares? — Já disse que sim. Mas, francamente, você vem aos

oferecer uma mercadoria dessa espécie, obrigando-nos a acionar molas secretas, entender-nos com a Casa Branca etc... e não quer responder uma pergunta? De acordo. Fazemos a compra assim mesmo. Nosso maior interesse é conservar você.

— Pois não faz muito tempo que me despediram, por causa daquele assunto do “Projétil Caribe”.8

— Isso está esquecido! Você demonstrou que só há uma “Baby” no mundo. E demonstra-o cada dia, praticamente. Mmm... Sabe que ainda tenho aquele esconderijo?

8 ver aventura com este nome

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— Com a garrafa de “Perignon 55”? — exclamou Brigitte.

— E com as cerejas! — Maravilha! Cavanagh levantou-se e. claudicando um pouco,

aproximou-se de seu segredo dentro da CIA, em pleno quartel-general. Apertou um determinado ponto da parede e nesta se abriu um pequeno painel, sob o qual surgiu como que um escaninho metálico, refrigerado. Retirou dali uma garrafa de champanha, um recipiente de cristal onde havia cerejas e duas taças.

Segundos depois, quando ambos saboreavam a bebida, disse ele em tom confidencial:

— Somos velhos amigos, Brigitte. Tenho champanha escondido só para as ocasiões em que você vem aqui. Na verdade, quero-lhe tanto bem quanto a admiro... Diga-me, apenas para satisfazer minha curiosidade: onde foi que você arranjou Esse ouro?

— Johnny — murmurou a mais linda espiã do mundo —, peça-me o que quiser, mas não que lhe explique isso. Aqui na Central da CIA, onde tudo é segredo, permita-me que também guardo o meu. Um... segredo secretíssimo.

A seguir: AS TARTARUGAS CANTAM

© 1970 – LOU CARRIGAN

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