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NÚCLEO DE ESTUDOS AGRÁRIOS E DESENVOLVIMENTO (NEAD) AVALIAÇÃO DO PROGRAMA CÉDULA DA TERRA PROGRAMA CÉDULA DA TERRA resultados preliminares, desafios e obstáculos Equipe Técnica: Antônio Márcio Buainain (University of Campinas, Brazil) José Maria da Silveira (University of Campinas, Brazil) Hildo Meireles Souza (Federal University of São Carlos, Brazil) Marcelo M. Magalhães (Consultant IICA) Campinas, 26 de Fevereiro de 1999

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NÚCLEO DE ESTUDOS AGRÁRIOS E DESENVOLVIMENTO (NEAD)

AVALIAÇÃO DO PROGRAMA CÉDULA DA TERRA

PROGRAMA CÉDULA DA TERRA

resultados preliminares, desafios e obstáculos

Equipe Técnica: Antônio Márcio Buainain (University of Campinas, Brazil)

José Maria da Silveira (University of Campinas, Brazil) Hildo Meireles Souza (Federal University of São Carlos, Brazil)

Marcelo M. Magalhães (Consultant IICA)

Campinas, 26 de Fevereiro de 1999

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ÍNDICE ANALÍTICO

PROGRAMA CÉDULA DA TERRA: RESULTADOS PRELIMINARES, DESAFIOS E OBSTÁCULOS......................................................................................................................... 1

1. INTRODUÇÃO ................................................................................................................ 1

2. CONCEPÇÃO GERAL E ESTRUTURA DE GOVERNANÇA DO PROGRAMA CÉDULA DA TERRA ............................................................................................................. 2

3. CONDICIONANTES GERAIS ...................................................................................... 5

4. PROCESSO SELETIVO................................................................................................. 7 4.1 PERFIL SOCIOECONÔMICO DOS BENEFICIÁRIOS.......................................................... 12 4.2 PERFIL DA FAMÍLIA: ESTRUTURA, COMPOSIÇÃO, CONDIÇÕES DE VIDA E PATRIMÔNIO. ......................................................................................................................... 24 4.3 PERFIL PRODUTIVO DO BENEFICIÁRIO, ACESSO À INFORMAÇÃO E ONHECIMENTO DAS REGRAS DO PROGRAMA .......................................................................... 30 4.4 AVALIAÇÃO ANALÍTICA DO PROCESSO DE SELEÇÃO .................................................. 33

5. PROCESSO DE AQUISIÇÃO DAS PROPRIEDADES ............................................ 39 5.1 ALGUMAS CONSIDERAÇÕES DE NATUREZA CONCEITUAL SOBRE A SELEÇÃO E AQUISIÇÃO DA PROPRIEDADE.............................................................................................. 39 5.2 O PROCESSO DE AQUISIÇÃO DAS TERRAS................................................................... 43

Iniciativa do negócio .................................................................................................... 43 Seleção das propriedades ............................................................................................. 44 Processo de negociação................................................................................................ 44 Formação dos preços.................................................................................................... 47

6. CARACTERÍSTICAS DOS PROJETOS DO CÉDULA DA TERRA ..................... 49

6.1 DISTRIBUIÇÃO GEOGRÁFICA DOS PROJETOS E AS PRINCIPAIS CARACTERÍSTICAS DAS REGIÕES............................................................................................ 49 6.2 CARACTERÍSTICAS DAS PROPRIEDADES ADQUIRIDAS PELO CÉDULA DA TERRA 57

6.2.1 Uso anterior ..................................................................................................... 58 6.2.2 Benfeitorias e acesso à energia........................................................................ 60 6.2.3 Potencial de irrigação dos projetos ................................................................. 64

7. ANÁLISE DOS PROJETOS DE FINANCIAMENTO: PRINCIPAIS PONTOS... 68 7.1 ANÁLISE DOS SUBPROJETOS DE AQUISIÇÃO DE TERRAS............................................ 69 7.2 ANÁLISE DOS SUBPROJETOS DE INVESTIMENTO COMUNITÁRIO ................................ 75

8. FORMAÇÃO E PAPEL DAS ASSOCIAÇÕES ......................................................... 84

9. RESUMO EXECUTIVO E PRINCIPAIS CONCLUSÕES....................................... 93

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Tabela 1: Informação Inicial sobre o Cédula da Terra – Amostra de Associações – _______________________9 Tabela 2: Caracterização do Beneficiário (Aspectos Demográficos) – População – ______________________13 Tabela 3: Nível Educacional do Beneficiário – População – ________________________________________14 Tabela 4: Ocupações do Beneficiário – População – ______________________________________________15 Tabela 5: Nível e Fontes de Renda do Beneficiário e Família – População –____________________________20 Tabela 6: Estrutura Familiar — População — ___________________________________________________25 Tabela 7: Perfil da Família dos Beneficiários (Residentes) – População –______________________________26 Tabela 8: Nível Educacional da Família dos Beneficiários – População – ______________________________27 Tabela 9: Local de Moradia da Família – População –_____________________________________________28 Tabela 10: Patrimônio do Beneficiário e da Família – População – ___________________________________29 Tabela 11: Crédito, regras etc ________________________________________________________________30 Tabela 12: Modelo Logit____________________________________________________________________36 Tabela 13: Critérios de Escolha da Propriedade __________________________________________________43 Tabela 14: Procurou Outra Propriedade? _______________________________________________________44 Tabela 15: Processo de Negociação ___________________________________________________________47 Tabela 16 . Ocorrência de projetos segundo meso e microrregiões, por estado __________________________50 Tabela 17: Uso Anterior do Imóvel Adquirido Segundo os Presidentes das Associações __________________58 Tabela 18: Utilização Anterior do Imóvel Adquirido ______________________________________________59 Tabela 19: Distribuição de Freqüência da Área por Família (AFAM) Segundo Estratos de Número de

Famílias (FAM) e Área Total (AT) — Amostra Geral — _________________________________71 Tabela 20: Valor da Terra Nua Efetivo por Área (VTNefarea) Distribuídos Segundo Estratos de Número de

Famílias por Projeto (FAM) ________________________________________________________74 Tabela 21: Parâmetros da Distribuição do SIC — Estados e Amostra Geral —__________________________76 Tabela 22: Parâmetros da Distribuição do SIC por Família — Estados e Amostra Geral — ________________77 Tabela 23: Parâmetros dos Gastos com “Manutenção” das Famílias __________________________________78 Tabela 24: Tipo de Associações Segundo as Razões da Criação _____________________________________85 Tabela 25: Criação das Associações: Natureza da Participação de Agentes Externos _____________________87 Tabela 26: Experiência Prévia dos Presidentes das Associações _____________________________________90

Figura 1. Distribuição dos Projetos PCT segundo o risco de seca das regiões ___________________________52 Figura 2. Ocorrência de projetos segundo o grau de dinamismo agropecuário das microrregiões ____________55 Figura 3. Condições de Escoamento do Produto Agrícola __________________________________________56 Figura 4. Animal Exploitation Facilities in PCTs _________________________________________________61 Figura 5. Propriedades com culturas permanentes e instalações agroindustriais. _________________________62 Figura 6. Disponibilidade/acesso à energia elétrica _______________________________________________63 Figura 7. Potencial de irrigação dos projetos do Cédula____________________________________________65 Figura 8. Irrigation Facilities on PCT __________________________________________________________66

Gráfico 1: Gastos do SIC com “Manutenção” por Família (INDMAN) – Bahia e Minas Gerais – ___________79 Gráfico 2: Gastos do SIC com “Manutenção” por Família (INDMAN) – Pernambuco e Ceará – ____________79

Quadro 1: Estrutura da Renda do Beneficiário e Família ___________________________________________19 Quadro 2: Definição das variáveis independentes ________________________________________________35

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Programa Cédula da Terra: resultados preliminares, desafios e obstáculos

1. INTRODUÇÃO O Programa Piloto de Reforma Agrária Cédula da Terra foi lançado em

dezembro de 1997, tendo como objetivo estratégico a redução da pobreza rural nas

regiões mais deprimidas do País através de ações de política fundiária e de

desenvolvimento comunitário. A meta imediata do Programa era beneficiar 15 000

famílias pobres durante sua primeira fase, com duração prevista para três anos.

O Núcleo de Desenvolvimento Agrário e Desenvolvimento (NEAD) e o Banco

Mundial contrataram uma equipe de consultores independentes para avaliar o

impacto sócio-econômico do Programa, acompanhar e monitorar sua

implementação, identificar obstáculos decorrentes tanto da concepção do Programa

como de sua implantação e avaliar sua efetividade e sustentabilidade, seja em

relação ao objetivo de redução da pobreza rural seja em relação à utilização de

recursos públicos em um contexto de fortes restrições fiscais e financeiras.1

No primeiro semestre de 1999 foi realizado um estudo preliminar sobre o

primeiro ano do Programa.2 Este documento apresenta uma síntese dos principais

1 A metodologia de avaliação dos impactos socioeconômicos e da eficácia do Programa foca alguns aspectos cruciais para o sucesso deste tipo de intervenção, entre os quais se destacavam as seguintes: analisar a eficiência do processo seletivo utilizado pelo Programa e identificar o perfil sócio-econômicas dos beneficiários a fim de evitar eventuais distorções no processo de seleção; eficiência e sustentabilidade do uso dos recursos por parte dos beneficiários; incentivos para emancipação e capacidade de pagamento da terra; preço e condições de acesso à terra; evolução do nível de bem-estar das famílias beneficiárias; sustentabilidade do Programa. 2 Este estudo foi realizado por professores das Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP) e Universidade São Paulo (USP), Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ), com a colaboração de professores, pesquisadores e estudantes de pós-graduação das Universidades Federais do Ceará (UFCE) e Maranhão (UFMA), além de técnicos de organizações não governamentais e dos governos estaduais. A avaliação preliminar, que teve início no dia 1 de dezembro de 1998 e foi concluída em 30 de julho de 1999, perseguiu os seguintes objetivos: gerar indicadores sócio-econômicos sobre a população beneficiária do Programa; comparar esses indicadores e os equivalentes obtidos a partir dos dados do último censo agropecuário do IBGE, a fim de localizar apropriadamente os beneficiários do Cédula da Terra na pirâmide social brasileira; analisar a transação fundiária e gerar indicadores sobre o preço, localização e qualidade da propriedade adquirida; analisar o papel das associações de beneficiários, em particular sua participação na aquisição da terra e sua capacidade para alavancar o desenvolvimento produtivo da propriedade adquirida em beneficio de seus membros. A Avaliação Preliminar baseou-se na análise de informações colhidas junto a amostras estatisticamente planejadas dos projetos implantados e/ou em fase de implementação até 31 de dezembro de 1998 nos cinco estados de abrangência do Programa, com cobertura geográfica de todas as mesorregiões nas quais o Programa tinha

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aspectos revelados pelo estudo de avaliação preliminar. Ao longo deste período a

equipe responsável pelo estudo produziu um conjunto de relatórios técnicos3 e

artigos de caráter mais acadêmico4, aos quais o leitor interessado deve referir para

uma discussão mais detalhada dos pontos tratados neste documento.

2. CONCEPÇÃO GERAL E ESTRUTURA DE GOVERNANÇA DO PROGRAMA CÉDULA DA TERRA A concepção geral do Programa Cédula da Terra assenta-se na idéia de que

a erradicação da pobreza requer a eliminação das suas causas estruturais. Neste

sentido, é necessário assegurar que a redistribuição de ativos e renda entre os mais

pobres crie condições para a elevação sustentável do nível de vida destas

populações, o que só será possível se os programas criarem as condições materiais

e institucionais adequadas para que seus beneficiários aproveitem o melhor possível

as oportunidades criadas e utilizem eficientemente os recursos disponíveis.

O desenho do Programa levou em conta não apenas alguns aspectos macros

relevantes, tais como.o tempo de demora, burocracia, elevado custo e conflitos para

a aquisição de terra, mas também aspectos relacionados aos fatores que mobilizam

as energias das famílias e comunidades e condicionam a alocação de esforços em

consistência com a construção de projetos viáveis e sustentáveis, seja do ponto de

vista econômico seja social.5

projetos em 31 de dezembro de 1998. Foram sorteados 116 projetos, e para cada projeto foram sorteadas as famílias às quais foram aplicados uns detalhados questionários. Também foi aplicado um questionário específico para os presidentes/diretoria das associações de beneficiários do Programa. O desenho da amostra levou em conta o controle da precisão de indicadores sócio-econômicos que caracterizam a população de beneficiários, assegurou a representatividade e o grau de precisão adequados para as análises das informações colhidas em campo e para sua extrapolação estatística ao universo dos projetos do Cédula da Terra. Isto significa que as informações colhidas pela pesquisa de campo e os indicadores gerados pela avaliação preliminar refletem, com precisão adequada, a efetiva situação dos beneficiários do Programa Cédula da Terra. A Avaliação Preliminar utilizou as informações sobre os beneficiários e sobre os projetos colhidas tanto pela pesquisa de campo realizada em fevereiro de 1999 como as informações fornecidas pelos órgãos responsáveis pela implementação do Programa em cada estado. 3 Listar os relatórios. 4 Listar os artigos. 5 O conjunto de regras, modalidades de funcionamento e instrumentos operacionais e financeiros que compõem o Programa formam sua estrutura de governança. Dadas as usuais restrições de natureza econômica e tecnológica, define-se uma estrutura de governança como um conjunto de formas organizacionais que condiciona o relacionamento entre agentes que estão empenhados em uma atividade, determinando os incentivos individuais e a alocação dos recursos (quanto, aonde, de que forma) disponíveis. As estruturas de governança incluem as formas específicas de direito de propriedade dos ativos, as regras básicas ―contratuais ou não― que regulam as relações entre os agentes, a utilização dos ativos comuns e individuais, a distribuição das rendas,

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As principais características do Programa são:

• Descentralização operacional em relação ao governo federal e aos

órgãos responsáveis pela sua implementação. O Programa estabelece

critérios gerais vigentes para o processo de redistribuição de ativos de

uma determinada região e provê fundos para o apoio das iniciativas

dos próprios beneficiários. Fixa um preço limite para a aquisição dos

lotes de terra e para o financiamento global e deixa aos próprios

beneficiários a decisão de escolher os lotes, negociar sua aquisição e

definir os projetos produtivos a serem implementados;

• É um programa que se funda na idéia de auto-seleção dos

beneficiários. O Programa não seleciona diretamente os participantes,

mas apenas define as características básicas da população de

possíveis beneficiários e as condições de acesso. A partir daí, são os

próprios interessados que buscam qualificar-se para participar do

Programa, sendo atendidos pelo critério da fila;

• A participação no Programa é associativa e não individual, pois apenas

associações de produtores podem receber créditos;

• O ativo não é "distribuído", mas vendido através de uma operação de

crédito fundiário (complementado por outras linhas de crédito)

contratada pela associação beneficiária e o agente financeiro do

Programa;

• As associações tem total autonomia para tomar as decisões sobre a

utilização dos recursos financiados e sobre a estratégia produtiva a ser

seguida, inclusive a distribuição de terras entre as famílias sócias e o

uso das terras comuns e das parcelas individuais. Os benefícios são

apropriados pelas famílias e os compromissos financeiros são da

associação, mas de responsabilidade solidárias dos sócios.

previstas em contrato ou residuais, os instrumentos de premiação e punição utilizados pelo grupo, e o arcabouço legal e institucional da economia que ampara as regras de convivência e os contratos estabelecidos entre os agentes. (Rabelo e Silveira, 1997)

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Supõem-se que estas características produziriam uma estrutura de

governança que levaria à seleção de ativos de qualidade e preço consistente com a

viabilidade dos projetos,6 boa seleção de beneficiários7, eficiência alocativa e

produtiva8.

Sabe-se que a maior debilidade das unidades familiares é seu fracionamento

e, devido às restrições de acesso e disponibilidade de recursos, uma escala de

produção que, na maioria dos casos, não chega a atingir o nível que permite

enfrentar individualmente o mercado (lato sensu) sem sofrer as conhecidas

desvantagens associadas ao fracionamento e escala. O Programa estimula o

associativismo como pré-condição para aceder ao ativo terra. À compra associativa

no mercado, por hipótese, deve corresponder um conjunto de ações coletivas na

condução do negócio, sem que isto represente a perda de estímulo individual (pela

má definição de direitos de propriedade, como no caso do arrendamento). Esta ação

coletiva emerge como um comportamento endógeno e como um resultado ex-post, e

não como uma exigência burocrática.

A forma associativa facilita o acesso aos mercados e o estabelecimento de

contratos, facilita o acesso a externalidades, reduz os custos de transação e de

gestão e eleva o esforço individual, em particular devido ao peer monitoring do

conjunto das atividades, tanto individuais como associativas, implementadas na área

6 Como a terra é comprada e deve ser paga pelos beneficiários, supõe-se que estes selecionarão áreas com condições de permitir geração de renda suficiente para seu pagamento e compatíveis com a sustentabilidade do processo. A forma associativa na própria aquisição reduziria erros de avaliação individual e permitiria compatibilizar as características da terra às aptidões dos compradores, à disponibilidade de recursos e ao projeto de desenvolvimento. 7 É impossível conhecer ex-ante qual é a verdadeira capacitação, interesse e disposição da pessoa para dedicar-se ao negócio. A experiência dos projetos de desenvolvimentos mostrou forte ineficiência seletiva mesmo quando foram utilizados critérios rigorosos e detalhados de escolha dos beneficiários, como nos casos de programas de colonização e irrigação. A literatura mostra que a dificuldade de operar seleção para determinados tipos de programas e a existência de um trade off entre custo inicial de seleção, de monitoramento e eficiência do processo. A hipótese na qual se baseia o processo de seleção do Cédula é que as comunidades são as instâncias melhor qualificadas para selecionar seus membros para participar do Programa. Mais ainda, os próprios membros das comunidades, tendo informação adequada sobre as alternativas existentes, podem tomar a decisão de aderir ou não Programa. Supõe-se que a aquisição da terra via mercado geraria um "conjunto de oportunidades" abertas a todos os indivíduos previamente definidos como público do programa, sujeitas a um "conjunto de restrições", como a de pagar os empréstimos tomados. Aqueles indivíduos com perfil adequado ao aproveitamento destas oportunidades e dispostos a cumprir as obrigações assumidas se associariam para adquirir a terra. 8 Supõe-se que a alocação eficiente e sustentável dos recursos resultaria da: (i) seleção de terras adequadas ao perfil e aptidões dos produtores e aos projetos a serem implementados reduziria os problemas de ineficiência associados à qualidade da terra e do seu entorno; (ii) seleção de beneficiários com características pessoais e

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do projeto. Um ponto importante é a possibilidade de redução de decisões

individuais incompatíveis com a sustentabilidade do projeto e a redução à aversão

ao risco através da distribuição do risco entre os sócios de empreendimento.

É possível hipotetizar que a forma associativa desenvolveria ações solidárias

que contribuiriam para reduzir ou minimizar as desigualdades no interior do grupo, e

para reduzir a insegurança alimentar que afeta as famílias de baixa renda,

especialmente em áreas sujeitas à secas como o Nordeste brasileiro.

Teoricamente esta estrutura de governança produziria uma alocação eficiente

dos recursos e estimularia atitudes positivas dos beneficiários que contribuiriam para

a superação da pobreza e a sustentabilidade dos empreendimentos individuais e

associativos.

3. CONDICIONANTES GERAIS Dois fatores impedem a realização de análises dos impactos sócio-

econômicos do Programa Cédula da Terra: o curto tempo transcorrido entre sua

criação e a realização da pesquisa de campo e a forte seca que assolou as

principais áreas de abrangência do Programa. No momento da pesquisa, um grande

número de projetos estava na fase inicial de instalação. A maioria dos beneficiários

atravessava a fase de transição entre a situação anterior de trabalhador rural sem

terra ou minifundiários ―condição da maioria dos beneficiários― para a de

proprietário de terra em regime de associação com seus pares. Por sua vez, os

efeitos da seca sobre a dinâmica do Programa tampouco podem ser minimizados,

uma vez que a estiagem impediu o início das atividades produtivas e exigiu ações

extraordinárias que absorveram parte dos recursos do setor público em detrimento

dos programas regulares. Neste contexto, qualquer avaliação peremptória sobre o

Programa e sua viabilidade deve refletir muito mais uma apreciação subjetiva sobre

sua concepção e desenho do que os resultados obtidos durante o primeiro ano.

Cientes desta limitação, os responsáveis pela Avaliação Preliminar buscaram

elementos para aperfeiçoar o Programa e orientar as ações do setor público. O

estudo procurou avaliar até que ponto a estrutura de governança do Programa está

respondendo a algumas questões fundamentais para sua viabilidade, em particular a

condições sócio-econômicas "adequadas" para explorar as oportunidades criadas pelo acesso à terra; (iii) papel das associações e (iv) suporte do setor público,

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seleção dos beneficiários, a localização dos projetos e características das

propriedades adquiridas, a constituição dos projetos produtivos e o papel das

associações de beneficiários. Esta abordagem, mesmo não sendo conclusiva, tem a

vantagem de chamar a atenção dos responsáveis pelo Programa para problemas

que inevitavelmente surgem na fase da implementação, permitindo desta forma a

ação de medidas corretivas e a redefinição dos fatores responsáveis pelos

problemas. Em outros casos, chama-se a atenção para obstáculos que os projetos

podem enfrentar no futuro ―alguns com potencial para comprometer a

sustentabilidade de muitos projetos― se ações preventivas não forem adotadas.

Nestes casos, trata-se sempre de análises que contém elevada dose de incerteza e

que revelam avaliações subjetivas e opiniões pessoais dos membros da equipe. Por

último, o estudo procurou identificar elementos que pudessem indicar o potencial

produtivo dos projetos em implantação.

Em termos mais gerais, procura-se avaliar se a estrutura de governança do

Programa Cédula da Terra gera projetos sustentáveis, seja do ponto de vista micro

seja do ponto de vista macroeconômico, e cria estruturas e incentivos que conduzem

ao uso eficiente dos recursos transferidos para as comunidades pobres através da

política fundiária.

Este documento foca alguns aspectos relevantes do primeiro ano de

implementação do Programa Cédula da Terra, principalmente aqueles relacionados

ao processo de seleção e o perfil sócio-econômico dos beneficiários, o processo de

seleção e aquisição do ativo terra, as principais características dos projetos

pioneiros do Cédula da Terra e a natureza das associações de beneficiários.9

9 Convém chamar a atenção para alguns aspectos da organização institucional. A concepção do Programa é que este se organize de forma descentralizada e seja gerido pelos Estados e comunidades locais de maneira autônoma. Teoricamente, tal concepção corresponde tanto às lições oriundas da implementação de projetos de desenvolvimento rural e combate à pobreza, que apontaram a centralização e o top down approach como principais responsáveis pelo relativo fracasso de muitas iniciativas desde os anos 70, como às recomendações derivadas dos debates teóricos sobre a necessidade de criar estruturas de governança que se adaptem às especificidades locais e liberem as energias produtivas das comunidades pobres e canalizem os esforços para objetivos e projetos sustentáveis. Uma hipótese central que vem orientando o estudo da avaliação é que a organização institucional latu sensu é um dos elementos formadores das estruturas de governança efetivas, e como tal influência direta e indiretamente a configuração do Programa, as características básicas dos projetos e sua dinâmica econômica e social. O estudo realizado não se deteve com profundidade nos aspectos institucionais. Em parte por ter subestimado sua real importância, e em parte por seja por assumir a hipótese errada de que a institucionalidade do Programa era única e que os Estados apenas implementavam as regras operacionais formuladas pelo Governo Federal e Banco Mundial. Observou-se que na prática o Programa vem sendo implementado com grande autonomia metodológica e operacional dos Estados em relação ao governo

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4. PROCESSO SELETIVO O Programa Cédula da Terra está baseado no processo de auto-seleção dos

beneficiários e na demanda de terras das próprias comunidades.10 O Programa, que

vem sendo implementado em 5 Estados do Nordeste do Brasil (Ceará, Pernambuco,

Bahia, Minas Gerais e Maranhão), tem como público-meta os trabalhadores rurais

sem terra (assalariados, parceiros, arrendatários) e produtores rurais (proprietários

ou não) que não possuem terra suficiente para assegurar a subsistência da família

(minifundistas). O Programa facilita os meios para viabilizar a aquisição de uma

propriedade, a instalação das famílias beneficiárias e os investimentos iniciais de

caráter comunitário para o início de atividades produtivas geradoras de renda. O

acesso ao Programa é descentralizado a partir da demanda de organizações

associativas legalmente constituídas.11

Uma avaliação definitiva do processo de seleção e do perfil sócio-econômico

dos beneficiários somente será possível a partir do segundo e terceiro ano de

implantação do Programa.12 No caso do Cédula da Terra, os beneficiários que se

federal. Observaram-se ainda variações de Estado para Estado na formulação de regras e nos procedimentos relacionadas à formação dos projetos, nos procedimentos para a compra da terra, nas relações entre o Estado e as associações, no processo de seleção dos beneficiários, na orientação sobre o uso dos recursos do Programa e no acompanhamento e apoio às atividades de implantação dos projetos. Registrou também que nem todos os órgãos envolvidos têm o mesmo grau de comprometimento e engajamento com o Programa. Algumas diferenças são desejáveis e inerentes ao caráter descentralizado do Programa e da exigência de flexibilidade para melhor adaptar-se às especificidades e necessidades locais. Outras podem refletir uma certa improvisação na etapa de implementação do Programa ―improvisação que não pode ser tomada como negativa a priori― e principalmente a deficiência de capacidade de planejamento e de coordenação do setor público brasileiro em todos os seus três níveis: federal, estadual e municipal. Obviamente que não se pode imputar ao Programa este tipo de deficiência, mas é mister chamar a atenção dos responsáveis para os possíveis efeitos negativos que podem advir da debilidade do setor público para gerenciar este tipo de programa. As diferenças observadas entre os Estados têm efeitos diretos sobre a estrutura de governança do Programa; neste estágio não é possível saber como e em que medida as diferentes orientações afetarão a eficiência do Programa. Qual das estruturas de governanças é mais eficiente não é uma questão que possa ser resolvida ex-ante, já que do ponto de vista conceptual seria possível arrolar argumentos em favor e contra aspectos das orientações adotadas em estado. Apenas o do Programa poderá resolver esta questão. 10 Ver xxxx para uma discussão mais detalhada sobre a questão de targeting e mecanismos de seleção em políticas públicas e xxx para uma apresentação detalhada do processo de seleção do Programa Cédula da Terra. 11 A partir desta definição geral do público-meta, o Manual de Operações considera elegíveis aqueles que atenderem, simultaneamente, aos seguintes requisitos: (a) serem produtores rurais sem terra ou proprietários de terra caracterizada como minifúndio; (b) serem chefe ou arrimos de famílias, inclusive mulher responsável pela família, serem maiores de idade ou emancipados; (c) terem tradição na atividade agropecuária; (d) manifestem intenção de adquirir, por compra, através de uma associação de produtores, propriedade rural que lhes permita desenvolver atividades produtivas sustentáveis; (e) possam apresentar um ou mais proprietários dispostos a vender-lhes o imóvel negociado previamente nas condições especificadas pelo Programa; (f) assumam o compromisso de reembolsar as quantias financiadas para a aquisição do imóvel. 12 Isto por que os processos de auto-seleção tendem a apresentar um certo viés na etapa inicial, e o perfil do dos beneficiários pode apresentar algumas mudanças com a ampliação do Programa. É difícil conhecer, ex-ante, o

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auto-selecionaram na primeira etapa foram aqueles que tiveram informação sobre o

Programa e que foram procurados para dele participar. Como será visto adiante, o

perfil sócio-econômico dos beneficiários corresponde, em termos gerais, à

população meta do Programa: pobres rurais, sem terra ou minifundistas, indicando o

bom funcionamento do processo de auto-seleção. Antes de apresentar o perfil dos

beneficiários e de avaliar o processo de seleção do Programa Cédula da Terra

através de um modelo específico, é conveniente indagar se há evidências de

distorções neste processo, tais como o uso de informação "privilegiada" em

benefício de determinado grupo ou comunidade.

Um elemento relevante para avaliar o processo de seleção é identificar a fonte

de informação sobre o Programa. O lançamento do Programa foi amplamente

divulgado pelos meios de comunicação de massa, reduzindo, desde logo, as

eventuais conseqüências negativas de falhas de informação. Com efeito, 37% dos

presidentes de associações entrevistados indicaram que tomaram conhecimento da

existência do Cédula através dos meios de comunicação em geral e 38% através

dos órgãos governamentais responsáveis pela sua implementação (ver Erro! Fonte de referência não encontrada.).13 A participação dos proprietários das terras

vendidas e de outros proprietários de terras foi ativa na divulgação do Programa: em

torno de 10% dos presidentes indicaram ter tomado conhecimento através dos

proprietários —os quais propuseram simultaneamente a venda do imóvel. Políticos,

principalmente vereadores e prefeitos, participaram ativamente na divulgação do

Programa (12%). 13% dos presidentes indicaram haver tomado conhecimento do

Programa através de sindicatos, igrejas, movimentos sociais e associações

comunitárias já existentes foram responsáveis pela informação que deu origem a

tipo de viés que caracteriza os primeiros da fila. Cada processo é único e o perfil associado à seleção reflete a especificidade de cada processo seletivo. Apenas a título de exemplo e para melhor clarificar o ponto em questão, pode-se mencionar os processos de seleção baseados em filas que se formam com muitas horas de antecedência. Qual o perfil dos primeiros da fila? Depende do objetivo da fila e de um conjunto de características e fatores de difícil apreensão a priori. Podem ser apenas os moradores da vizinhança, que contam com maiores facilidades para enfrentar as longas horas de espera. Podem ser os madrugadores, que despertaram mais cedo para pegar um bom lugar. Podem ser os que contam com melhores meios de locomoção, com mais saúde, os mais necessitados do serviço ao qual a fila dá acesso e assim por diante. 13 Deve-se notar que os entrevistados em geral indicaram que souberam do Cédula por mais de uma fonte, não sendo possível classificar a mais importante. A tabela consolida todas as fontes citadas e sua participação no total de ocorrências.

8

Antônio Márcio Buainain
O percentual não bate com o da tabela
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13% dos projetos da amostra.14 A Avaliação Preliminar não colheu informações que

permitam avaliar em que medida a participação destes agentes é ou não virtuosa e

qual seu efeito sobre a dinâmica e sustentabilidade do Programa.

Dada a relevância e o contexto fortemente politizado que vem caracterizando

a implementação do Cédula, seria de todo recomendável a realização de estudos

mais aprofundados sobre este aspecto.

Tabela 1: Informação Inicial sobre o Cédula da Terra – Amostra de Associações –

Ocorrências Casos (%)

Meios de Comunicação em Geral 38 36,9 Órgãos governamentais e bancos 38 36,9 Ex- proprietário e outros proprietários 22 21,4 Polít icos 12 11,7 Igreja, sindicatos, associações 13 12,6

Nota: 1 valor ausente; 103 casos válidos.

Embora o acesso à informação sobre a existência do Programa tenha se dado

através de meios de comunicação de massa e pela divulgação massiva a cargo dos

órgãos responsáveis pela implantação em cada estado, segundo os presidentes

entrevistados, menos de 10% das associações tomaram a iniciativa de aderir ao

Cédula após tomar conhecimento de sua existência através dos meios de

comunicação de massa. Na prática, a adesão da grande maioria só se concretizou

devido à iniciativa de pessoas/instituições de fora, as quais tinham informação e

sabiam o que a associação deveria fazer para viabilizar a compra da terra. Esta

constatação revela a conhecida "passividade" e "subordinação" de muitas

comunidades pobres do meio rural, às quais nunca foi dado espaço para iniciativas

autônomas em benefício próprio, especialmente aquelas realizadas através da

comunidade organizada.

14 Estas informações certamente ensejam várias leituras. Alguns seguramente interpretarão a participação de vereadores e prefeitos como indicação de distorção e comprovação da apropriação do Programa pelas elites locais; outros têm visão oposta, e consideram que a participação das instâncias políticas locais não só é legítima como indispensável para o bom andamento do Programa. O melhor antídoto para as eventuais distorções associadas à participação negativa de políticos é a extensão da cidadania plena às comunidades carentes e da eliminação da tutela do Estado, que na maioria dos casos provê uma falsa proteção contra a dominação das oligarquias locais que justificam a ação tutelar.

9

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O processo típico foi o da informação pessoal (ou a um grupo de beneficiários

potenciais), feita diretamente pelos órgãos responsáveis pelo Programa, por órgãos

de assistência técnica e de extensão rural, por técnicos locais ou pessoas amigas.

Também foram observadas as presenças das prefeituras e da igreja, esta última em

menor número. A prática mais comum destes agentes/órgãos foi anunciar a

existência do Programa e estimular a adesão dos grupos.

Neste contexto inicial, é natural que as associações e grupos de beneficiários

em potencial que já estavam organizados contassem com vantagem em relação às

comunidades não organizadas, e que os órgãos do governo tenham procurado um

primeiro contato com aquelas comunidades nas quais já vinham atuando por meio

de outros programas. É neste sentido que se pode dizer que ocorreu uma "pré-

seleção" das primeiras comunidades que foram incentivadas a aderir ao Programa.15

Este processo de pré-seleção deve ter tido curta duração, pois a partir da

contratação dos primeiros projetos a existência efetiva do Programa afirmou-se entre

a população de beneficiários potenciais, os quais passaram a adotar uma postura

mais ativa em relação à participação no Programa. A fim de evitar possíveis

distorções no processo de seleção, recomenda-se a adoção de uma ampla

campanha de divulgação do Programa através de meios de comunicação de massa

e reuniões com todas as comunidades interessadas, convocadas com anterioridade

por meio adequado.16

O processo de seleção também foi condicionado pelas prioridades e por

diferenças de orientação operacional observadas em cada Estado. Em Minas Gerais

15 Esta "pré-seleção" respondeu principalmente ao critério da "proximidade" e do "conhecimento", e não a uma convocação ampla para participar do Programa. É natural que a igreja, sindicatos e ONGs tenham passado as informações sobre o Programa às famílias e associações que participam de suas atividades pastorais, sindicais etc. Ainda que compreensível, o mesmo não se pode dizer de uma prefeitura ou órgão do governo estadual, cujo papel diante da comunidade é diverso. No entanto, segundo os depoimentos colhidos durante o estudo, muitas prefeituras realizaram reuniões com apenas algumas comunidades, convocadas através de convite particular e não de uma convocação geral a todos os interessados. Parece, portanto, que tanto os técnicos governamentais como as prefeituras tenderam a estimular a adesão de associações e grupos de produtores com os quais já tinham algum tipo de relação. 16 A este respeito deve-se notar que os órgãos estaduais utilizaram materiais de divulgação escritos. Como parte significativa dos beneficiários potenciais são analfabetos, fica patente que cartazes e folhetos são impróprios para difundir o Programa e suas regras. Na prática acabam funcionando como instrumentos de contínua dependência, subordinação e alienação de parte dos beneficiários aos técnicos do governo e aos companheiros que sabem ler e escrever. É necessário, portanto, romper com este tipo de mecanismo que reproduz a dependência e subordinação. Um primeiro passo é utilizar meios e técnicas de comunicação e informação amplamente conhecidas e acessíveis aos órgãos governamentais, que alcancem o conjunto dos beneficiários potenciais e os incentivem a tomar diretamente a iniciativa de viabilizar sua adesão ao Programa.

10

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e na Bahia, por exemplo, os órgãos responsáveis parecem ter optado por um maior

grau de interferência no processo de seleção, arbitrando, quando necessário, em

favor das famílias mais pobres e necessitadas. Em Pernambuco, o PRORURAL,

órgão responsável pela execução do Programa, adotou uma postura mais formalista,

limitando-se a cortar os candidatos que não se adequavam às exigências definidas

no manual de operação do Programa e deixando às próprias associações a

responsabilidade de definir tanto as regras de seleção dos participantes como as de

exclusão.17 No Ceará, as informações colhidas indicam que os órgãos estaduais

adotaram uma postura de não interferência direta no processo de seleção, limitando-

se a prestar apoio e a orientar as comunidades interessadas sobre os requisitos

para participar e sobre o funcionamento do Programa.

Estas diferentes orientações e posturas adotadas pelos Estados frente ao

processo seletivo são consistentes com a natureza descentralizada do Programa. É

preciso apontar que o processo de seleção não é neutro em relação ao desempenho

dos projetos e do Programa como um todo. Ao contrário, toda a experiência de

programas públicos de desenvolvimento indica que a seleção dos beneficiários é

uma etapa fundamental para o sucesso ou insucesso do empreendimento.18 Por

exemplo, a opção de arbitrar em favor dos mais pobres é totalmente consistente e

justificável, uma vez que o Cédula é um programa de combate à pobreza rural. No

entanto, como os pobres não formam uma população homogênea, é necessário

levar em conta que esta opção influi diretamente no perfil do beneficiário. Resta

saber se os mais pobres dentre os pobres estão de fato capacitados para enfrentar

os desafios e aproveitar as oportunidades oferecidas por este tipo de programa.

Responder a este tipo de questão é relevante, não para negar aos mais pobres o

acesso ao Programa, mas sim para permitir, caso seja necessário, a adoção de

medidas pertinentes para remover os principais obstáculos que tais grupos podem

17 Como será mencionado adiante (ver Capítulo 8), as associações criam um conjunto de regras não escritas para selecionar os associados que tem prioridade para participar de um projeto que não tem capacidade para absorver a todo o grupo. Estas regras incluem desde ser casado, ter filhos, o número de filhos, ser trabalhador e honesto e não beber. Mais além do aspecto formal, estas e outras regras definem uma "sub-estrutura de governança" que pode modificar determinadas características da estrutura mais geral. A sub-estrutura de governança pode atuar no sentido positivo e ou negativo, reduzindo ou ampliando conflitos, melhorando ou não os incentivos individuais e comunitários e assim por diante. Sem dúvida é um aspecto importante, e que merece um melhor acompanhamento, uma vez que a subestrutura de governança afetará o desempenho de cada projeto. 18 Fazer alguma citação .

11

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vir a enfrentar, para apóia-los e qualificá-los para gerir sua própria unidade

produtiva.

Como será visto adiante, a análise do perfil sócio-econômico dos beneficiários

do Programa revelou que o processo seletivo está atingindo de maneira satisfatória

o público meta. Nos cinco estados predominam os trabalhadores rurais (diaristas) e

pequenos produtores (parceiros, meeiros e arrendatários) que vinham cultivando

ínfimas áreas com lavouras de subsistência. Trata-se de famílias rurais, gente “do

ramo”, com pouco ou nenhum patrimônio, e nível de renda que os coloca, sem

qualquer dúvida, na faixa da pobreza (parte inclusive na faixa da pobreza aguda),

seja pelo nível de renda seja pelo conceito das necessidades básicas.

Como indicado pela avaliação do processo seletivo por meio de um modelo

econométrico apropriado para este fim, o Programa está selecionando seus

beneficiários de forma adequada (ver Seção 4.4) entre a população rural pobre do

Nordeste. Não há como escapar do dilema colocado pelas características sócio-

econômicas desta população, em particular sua tradicional dependência e

subordinação funcional e política ao poder local e ao governo em geral, falta de

experiência em gestão de estabelecimentos e/ou negócios e baixo nível de

educação. A questão é saber até que ponto esta população está em condições de

assumir a gestão de sua propriedade e de gerar renda suficiente para cumprir com

os compromissos assumidos e para melhorar seu nível de vida. Esta constatação

coloca em tela a relevância do papel das associações e suas lideranças para o bom

desempenho do Programa. Indica também a necessidade de um acompanhamento

cuidadoso e do apoio do setor público.

4.1 Perfil socioeconômico dos beneficiários

Antes de avaliar o processo de seleção por meio de um modelo econométrico

apropriado para este fim, convém apresentar algumas das principais características

sócio-econômicas dos beneficiários, em particular os aspectos demográficos,

educação, saúde, ocupação e renda.

Tal como resumido na Tabela 2, a idade média da população de beneficiários

era de 39,4 anos (entre 37,6 e 41,2 anos, com confiança de 90%) e

aproximadamente 6000 beneficiários eram do sexo masculino (88,2% da

população). A maioria da população beneficiária (56,3%) é de pessoas jovens com

12

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idade entre 18 e 40 anos (2,7% com até 21 anos e 53,6% entre 22 e 40 anos);

39,9% da população tinha idade entre 41 e 60 anos e apenas 3,8% tinham mais de

61 anos. As famílias também eram jovens, fato confirmado pela elevada participação

de crianças com menos de 14 anos (37,8%) no total de membros da família,

percentual que subia para 51,8% com a inclusão de pessoas com idade entre 15 e

20 anos. Estes resultados indicam que a estrutura etária da população de

beneficiários é consistente com o perfil esperado para um programa do tipo do

Cédula, o qual exige tempo e dedicação para sua plena maturação.19

Tabela 2: Caracterização do Beneficiário (Aspectos Demográficos) – População –

Aspectos demográficosIdade média (anos) 39,4 1,1 37,6 41,2Homens (%) 88,2 2,9 83,3 93,0Mulheres (%) 11,8 2,9 7,0 16,7Doentes crônicos (%) 13,0 3,2 7,8 18,2

Faixa etáriaAté 21 anos (%) 2,7 (2) (2) (2)

22 a 40 anos (%) 53,6 4,5 46,3 60,941 a 60 anos (%) 39,9 4,3 32,8 47,061 anos ou mais (%) 3,8 (2) (2) (2)

Local de nascimentoZona rural (%) 92,0 2,0 88,6 95,3Zona urbana (%) 8,0 2,0 4,7 11,4

(1) Intervalo com coeficiente de confiança de 90%.(2) O número de observações não recomenda a determinação do intervalo de confiança.

Intervalo de

confiança(1)

Indicadores ValorErro

padrão Limite inferior

Limite superior

O nível educacional da população de beneficiários do Cédula é baixo

(Tabela 3). O contingente de analfabetos é de aproximadamente 2155 beneficiários,

representando aproximadamente 31,7% da população total de beneficiários.

Somando-se o contingente de aproximadamente 305 que apenas sabem ler e

escrever (4,5%), tem-se um primeiro grupo de 2460 pessoas, representando 36,2%

do total. O grupo mais numeroso (47,1%) freqüentou os primeiros anos (ciclo básico:

1ª a 4ª série). O terceiro grupo, minoritário, compõem-se dos que cursaram a

segunda parte do ensino fundamental (5ª a 8ª série). Poucos beneficiários (3,0)

concluíram o curso superior.

19 Estes resultados negam a hipótese levantada por Navarro (19xx) segundo a qual o Programa não selecionaria jovens agricultores.

13

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Tabela 3: Nível Educacional do Beneficiário – População –

Nível educacional do beneficiárioAnalfabeto (%) 31,7 4,0 25,2 38,2Lê e escreve (%) 4,5 (2) (2) (2)

Pré- escola (%) 0,7 (2) (2) (2)

1ª a 4ª série (%) 47,1 4,5 39,7 54,55ª a 8ª série (%) 13,1 3,4 7,5Ensino médio ou superior (%) 3,0 (2) (2) (2)

Nível educacional do paiAnalfabeto (%) 57,3 4,5 49,9 64,7Lê e escreve (%) 13,9 2,9 9,21ª a 4ª série (%) 26,3 3,9 19,9 32,65ª série ou melhor (%) 2,5 (2) (2) (2)

Nível educacional da mãeAnalfabeta (%) 62,6 4,3 55,5 69,7Lê e escreve (%) 13,9 3,2 8,71ª a 4ª série (%) 21,3 3,9 14,8 27,85ª série ou melhor (%) 2,2 (2) (2) (2)

(1) Intervalo com coeficiente de confiança de 90%.(2) O número de observações não recomenda a determinação do intervalo de confiança.

Indicadores

Intervalo de

confiança(1)

ValorErro

padrão Limite inferior

Limite superior

18,7

18,7

19,1

Em relação à saúde (Tabela 2), o único indicador colhido pela pesquisa de

campo foi a informação sobre ocorrência de doença crônica e as possíveis

implicações sobre a capacidade de trabalho (dias de trabalho perdidos devido à

doença crônica). Um número estatisticamente insignificante indicou ser portador de

doença crônica que tivesse afetado, ainda que minimamente, sua capacidade de

trabalho no ano anterior. Esta resposta deve ser analisada com cautela, já que os

entrevistados podem não ter tido confiança em declarar a existência de doenças, as

quais só parecem acometer os membros da família, particularmente as esposas e os

filhos menores. As principais doenças mencionadas foram associadas a problemas

de circulação, coluna, alergias e bronquites.

Um passo necessário para avaliar o processo de seleção é a análise da

história ocupacional e de migração dos beneficiários. De um lado, a análise da

história ocupacional possibilita julgar se e em que medida os beneficiários

correspondem de fato ao perfil da população meta do Programa; de outro lado,

permite uma melhor identificação e qualificação tanto da experiência e capacitação

profissional dos beneficiários como das suas carências. Nos dois casos a análise

provê informações relevantes para a atuação dos órgãos governamentais. Os

14

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principais resultados da pesquisa de campo são sumariados abaixo (ver Erro! Fonte de referência não encontrada.).20

Tabela 4: Ocupações do Beneficiário – População –

Local de trabalho do beneficiárioZona rural (%) 88,9 2,7 84,5 93,2Zona urbana (%) 8,5 2,3 4,7 12,3Zonal rural e urbana (%) 2,6 (2) (2) (2)

Proprietário (%) 7,1 2,2 3,5 10,8Não proprietário (%) 54,2 3,6 48,3 60,0Extrativismo (%) 7,1 1,8 4,2 10,0Atividades mais qualificadas (%) 6,7 2,0 3,3 10,0Diarista (%) 55,5 3,9 49,0 62,0Frente de emergência (%) 5,9 1,5 3,5Ocupações não agropecuárias (%) 11,9 3,4 6,4 17,5Comerciante (%) 3,9 (2) (2) (2)

Dona de casa (%) 2,0 (2) (2) (2)

Ocupações especiais (%) 2,5 (2) (2) (2)

Sem ocupação (%) 0,5 (2) (2) (2)

Proprietário e proprietário com atividade complementar (%)

7,1 2,2 3,5 10,8

Produtor não proprietário (%) 17,0 2,4 13,1 21,0Produtor não proprietário com atividade complementar (%)

35,5 3,9 29,1 41,9

Assalariado e extrativismo (%) 34,6 3,6 28,6 40,5Comerciante (%) 3,3 (2) (2) (2)

Outras ocupações (%) 2,5 (2) (2) (2)

(1) Intervalo com coeficiente de confiança de 90%.(2) O número de observações não recomenda a determinação do intervalo de confiança.(3) Pode ocorrer a sobreposição de atividades ocupacionais na contagem das observações.(4) Não há sobreposição de atividades ocupacionais na contagem das observações.

Perfil ocupacional(4)

Ocupações do beneficiário antes deentrar para o programa(3)

Intervalo de

confiança(1)Erro padrão Limite

8,4

superior

Indicadores ValorLimite

inferior

Para fins analíticos as ocupações dos beneficiários foram divididas em 5

grandes grupos: agricultores proprietários, agricultores não proprietários,

assalariados, comerciantes e outros. Dentre estes, a participação dos não

proprietários é amplamente majoritária, representando aproximadamente 87% da

população de beneficiários. Apenas 3,3% eram comerciantes e 2,5% foram

classificados tinham outras ocupações.

20 Explicar a metodologia adotada para agrupar as ocupações.

15

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A grande maioria dos beneficiários acusou mais de uma ocupação. As

ocupações mais freqüentes são a de trabalhador diarista, produtor rural em

pequenas parcelas de terra própria —muitas vezes em terra do pai, sogro ou

herdada sem legalização dos papéis—, tomadas em arrendamento ou algum tipo de

parceria. Os contratos mais comuns nas áreas mais secas são a cessão de terra em

troca da plantação do capim ou palma; o arrendamento por cota parte da produção

aparece em localidades mais úmidas. Os registros de arrendamento fixo em dinheiro

são estatisticamente desprezíveis (indicar o número absoluto).

Estima-se que 7,1% da população de beneficiários do Cédula,

correspondendo à aproximadamente 482 pessoas, são proprietários de terras.

Dentre os proprietários, a maioria é formada de pequenos proprietários e

minifundistas que desempenhavam atividades complementares em terras de

terceiros, seja como diaristas, parceiros, arrendatários e até mesmo em frentes de

emergência. Apenas 2,7% não tinham outra ocupação. A amostra registrou apenas

2 ocorrências de proprietários-comerciantes, um dono de bar e outro comerciante de

cereais.21

Estima-se que mais da metade da população de beneficiários compunha-se

de não proprietários (54,2%, correspondendo a 3684 pessoas) e diaristas (55,5%,

3772 pessoas), os quais percebiam remuneração que variava entre R$ 4,50 e

R$5,50 ao dia. Importante notar que nenhum entrevistado declarou ter trabalho

durante todos os dias da semana. A resposta modal foi três dias nos “meses bons”.

Aproximadamente 12% da população de beneficiários (815 pessoas) indicou

ocupações não agropecuárias, nas quais se incluíram atividades de carpinteiro,

costureiro, costureira, tapeceiro, pedreiro, funileiro, oleiro, barbeiro, vigia e vendedor.

Parte deste grupo trabalhava no meio rural, mas parte tinha mais vínculos com os

aglomerados urbanos próximos ao projeto do que com atividades rurais.

21 A constatação de que a participação de pequenos proprietários de terra entre os beneficiários é pequena (em torno de 7,1% da população de beneficiários) e que, dentre estes, a maioria esmagadora é obrigado a complementar sua subsistência trabalhando como parceiro, arrendatário e/ou diarista, confirma que os beneficiários proprietários possuem minifúndios, pequenas parcelas de terras de tamanho insuficiente para sustentar uma família. Na maioria dos casos os lotes perderam quase totalmente seu papel produtivo e passaram a ser apenas o local de moradia. As informações colhidas na pesquisa de campo não sustentam a suspeita de que o Programa estaria acolhendo proprietários de terras que não se enquadrariam no grupo meta.

16

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O grupo de “atividades mais qualificadas” (tratorista, motorista, vaqueiro e

serrador) representou em torno de 6,7% da população (455 pessoas), e também

aparece em combinação com a exploração de terras de terceiros (agricultor não

proprietário) e com o trabalho de diarista na zona rural.

O extrativismo absorvia aproximadamente 6,7% da população, sendo a

exploração de babaçu e lenha as atividades predominantes (fortemente

concentradas no Estado do Maranhão, como se verá a seguir).

A participação das categorias “dona de casa” e “ocupações especiais” é

pequena (2% para dona de casas e 2,5% para as ocupações especiais). O número

de observações é insuficiente para estimar o erro padrão e definir intervalos de

confiança para uma expansão confiável dos dados da amostra para a população. As

informações colhidas pelos pesquisadores permitem levantar a hipótese de que em

alguns casos a designação de beneficiárias do sexo feminino poderia estar sendo

usado como artifício para contornar problemas de elegibilidade do cônjuge.

Recomenda-se, portanto, que tanto o perfil de entrada (ficha de registro dos

beneficiários) como futuras pesquisas de campo colham os dados relevantes sobre

o cônjuge.22

As ocupações especiais incluem casos de diretor de escola primária,

estagiário em empresa publica, funcionário de prefeitura, estudante e comerciante

sem nenhuma renda (de comércio ou outra). Importante notar que esta constatação

não significa, necessariamente, uma distorção. Um diretor de escola primária em um

“sítio” (povoado rural) no interior do Nordeste brasileiro, filho de pequeno agricultor,

cujas terras se tornaram insuficientes para acolher os filhos como agricultores, pode

ter estreitos vínculos com as atividades rurais, perceber um salário de subsistência e

ser um forte candidato à pobreza caso não consiga meios adicionais para sustentar

sua família.23

22 A Avaliação Preliminar colheu informações detalhadas sobre os beneficiários, mas lamentavelmente não entrou em detalhes sobre a trajetória ocupacional/profissional do cônjuge, o que impede qualquer afirmação mais taxativa sobre este ponto. 23 O mesmo raciocínio é válido para as demais ocorrências incluídas nesta categoria. A exclusão deste beneficiário potencial com base no argumento comum de que são menos necessitados por ter outro vínculo ocupacional não leva em conta a motivação dos indivíduos e que muitas destas foram obrigadas, exatamente pela falta de terras, a buscar outras alternativas para sobreviver. Por outro lado, o fato de a pessoa estar desempregada no campo não assegura que ela tenha motivação ou competência para assumir a gestão de uma propriedade rural.

17

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Quase 90% da população de beneficiários trabalhavam na zona rural, 8,5%

na zona urbana e 2,6% tinham ocupações na zona rural e urbana. Como esta

informação refere-se à última ocupação antes de ingressar no Programa, não é

possível deduzir que os que declararam trabalhar na zona urbana não tenham

experiência em atividades agropecuárias. No entanto, é possível indicar que muitos

beneficiários foram forçados a buscar ocupações nas cidades devido à seca que

assolou a região durante o ano de 1998.

O local de trabalho de 80% dos membros da família em idade de trabalhar é a

zona rural e 20% é a zona urbana. Destes, os filhos jovens representam a maioria e

a participação das mulheres é superior à dos homens, confirmando a tendência a

uma maior migração de membros do sexo feminino. 60% dos membros residentes

trabalhavam e auferiram rendimentos fora do estabelecimento. Quase a totalidade

dos beneficiários mora no local há muitos anos, sendo que um número significativo

nasceu na própria área ou entorno próximo. Estas informações são inteiramente

consistentes com as demais características dos beneficiários: trabalhadores sem

terra e/ou proprietários minifundistas, com terra insuficiente para absorver a mão de

obra familiar.

Relativamente poucos migraram para outros locais, principalmente para as

cidades. Pouquíssimos tiveram experiência em algum tipo de empreendimento rural

(ou mesmo urbano) antes de engajar-se no Cédula. A maioria absoluta é oriunda do

meio rural, seus pais eram agricultores na própria localidade ou área próxima;

poucos registram outras experiências profissionais que não a de

trabalhador/produtor rural antes de ingressar no Cédula da Terra. Nestes casos, a

experiência é em ofícios de pedreiro, servente, vigia, funcionário público, ajudante

de mecânico e motorista de caminhão.

Os processos de seleção tradicionais, baseados em muitos critérios e controles administrativos, produzem uma grave distorção, uma vez que podem excluir as pessoas com maior motivação e dotação individual para ter um bom desempenho caso fosse escolhido em favor da inclusão de indivíduos que preenchem os critérios formais de elegibilidade. Este tipo de erro de seleção pode ser contornado através de processos que definem com precisão os grupo metas sem, no entanto detalhar suas características. A partir destes critérios os indivíduos interessados se selecionam para participar do Programa. A avaliação do processo seletivo deve precisamente indicar se os indivíduos que se selecionaram e conseguiram ingressar no Programa tem perfil correspondente ao desejável.

18

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Quadro 1: Estrutura da Renda do Beneficiário e Família

Itens Descrição

A. Renda do beneficiários

A1. Renda do beneficiários fora doestabelecimento

A2. Renda total das atividades agropecuárias

Produção do quintal

Produção animal

Arrendamento de animais

Produção vegetal

Renda de outras propriedades e terrasarrendadas

A3. Renda financeira

A4. Outras Rendas

A5. Aposentadoria do beneficiário

A renda do beneficiário foi composta a partir da soma das rendas obtidasem atividades sob responsabilidade do próprio beneficiário:

• Do trabalho fora do estabelecimento na zona rural ou urbana, comoassalariado, comerciante, etc. Também foram incluídos aqui osrendimentos obtidos do trabalho nas frentes de emergência.

• Das criações e cultivos de quintal.

• Da venda de animais e derivados da produção animal (leite, queijo,manteiga, etc.).

• Do arrendamento de animais.

• De outras propriedades e terras arrendadas, provenientes da venda daprodução ou do arrendamento propriamente dito.

• De poupança.

• Da aposentadoria do beneficiário.

B. Renda do cônjugeFoi considerada como renda exclusiva do cônjuge aquela obtida ematividades fora do estabelecimento.

C. Demais rendas da família

C1. Renda do trabalho fora dos membrosresidentes

C2. Aposentadoria dos membros da família

C3. Outros auxílios recebidos pela família

Contribuição de familiares não residentes

Doações recebidas pela família

Auxílios de programas sociais

Entre as demais rendas da família foram incluídas aquelas obtidas:

• Do trabalho dos membros residentes fora do estabelecimento, ou seja,fora das atividades sob responsabilidade direta do beneficiário.

• Da aposentadoria dos membros da família. Os casos mais comunsforam de filhos maiores de idade com deficiências físicas.

• De contribuições de familiares não residentes, sejam eles filhos, ouparentes de relação mais distante.

• De doações recebidas pela família.

• De auxílios e programas sociais. Este item inclui os valores recebidosde Cestas Básicas, a ajuda de instalação do Programa Cédula daTerra e outros.

D. Renda da família I [A + B]O principal objetivo desta totalização da renda foi separar a parceladiretamente ligada ao núcleo familiar, somando-se a renda do beneficiárioe do cônjuge.

E. Renda da família II [A + B + C1 + C2]Nesta totalização o objetivo foi agregar as contribuições dos demaisfamiliares que não dependem diretamente de programas sociais ou deeventuais doações.

F. Renda da família III [A + B + C]A totalização final corresponde à renda total auferida pela família, agoraincluindo as contribuições dos programas governamentais.

A reconstituição da renda dos beneficiários não é tarefa fácil de realizar em

um trabalho como o da Avaliação Preliminar, que realizou apenas uma única

entrevista por família amostrada no início de 1999 para colher informações sobre

todo o ano de 1998. As dificuldades são inúmeras: o público de beneficiários não faz

registos contábeis que possam ser utilizados para o cálculo da renda gerada pelo

estabelecimento agropecuário; a maioria das famílias encontrava-se em fase de

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transição entre a situação anterior e a de beneficiária do Cédula; engajamento em

múltiplas atividades, sem freqüência certa, seja durante o mês seja ao longo do ano;

a ocorrência da seca faz de 1998 um ano atípico, posto que a grande maioria dos

beneficiários, tanto proprietários como agricultores não proprietários, teve sua

produção e renda agropecuária fortemente prejudicados pela perda da colheita —ou

mesmo pela impossibilidade de plantar. Os assalariados também tiveram mais

dificuldades de encontrar ocupação, tendo que recorrer a trabalhos remunerados

nas frentes de emergência.

Tabela 5: Nível e Fontes de Renda do Beneficiário e Família – População –

A. Renda do beneficiário (R$) 958,64 118,14 764,89 1152,39

A1. Renda do trabalho fora do estabelecimento (R$) 478,10 74,65 355,67 600,52

A2. Renda total das atividades agropecuárias (R$) 340,17 78,03 212,20 468,13Produção do quintal (R$) 34,28 11,91 14,76 53,81Produção animal (R$) 9,94 4,81 2,06 17,83Arrendamento de animais (R$) (v.a.) (v.a.) (v.a.) (v.a.)

Produção vegetal (R$) 221,82 66,82 112,24 331,40Renda de outras propriedades e terras arrendadas (R$) 74,12 39,78 8,88 139,36

A3. Renda financeira (R$) 16,81 17,96 0,00 46,26

A4. Outras rendas (R$) 93,75 34,42 37,30 150,19

A5. Aposentadoria do beneficiário (R$) 29,82 15,96 3,64 55,99

B. Renda do cônjuge (R$) 207,38 48,91 127,17 287,59

C. Demais rendas da família (R$) 891,80 106,63 716,93 1066,67

C1. Renda do trabalho fora dos membros residentes (R$) 245,34 68,83 132,47 358,22

C2. Aposentadoria dos membros da família (R$) 145,40 56,93 52,04 238,76

C3. Outros auxílios recebidos pela família (R$) 501,06 61,67 399,92 602,19Contribuição de familiares não residentes (R$) 79,21 33,56 24,17 134,26Doações recebidas pela família (R$) 62,68 12,93 41,48 83,88Auxílios de programas sociais (R$) 359,16 47,26 281,65 436,68

D. Renda da família I [A + B] (R$) 1166,02 125,03 960,96 1371,08

E. Renda da família II [A + B + C1 + C2] (R$) 1556,76 156,33 1300,38 1813,14

F. Renda da família III [A + B + C] (R$) 2057,82 159,75 1795,82 2319,81(1) Intervalo com coeficiente de confiança de 90%.(v.a.) Valor ausente.

Intervalo de

confiança(1)Valor médio

Erro padrão Limite

inferiorLimite

superior

Indicadores

Foram calculadas apenas as rendas monetárias brutas, sem qualquer

desconto de gastos com insumos para a produção. A produção para subsistência e

ou sem declaração de venda e geração de receita monetária não foram computadas.

Apenas as cestas básicas recebidas pelos beneficiários foram transformadas em

valor e contabilizadas como parte da renda monetária. Este procedimento deveu-se

20

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à importância de identificar o papel das doações para a sobrevivência desta

população em anos de seca.

A renda média do beneficiário —rendas oriundas do trabalho fora do

estabelecimento, rendas oriundas das atividades agropecuárias, rendas financeiras,

aposentadoria do próprio beneficiário e outras rendas (rendas obtidas com venda de

produtos e serviços não agropecuários, em atividades comerciais e aluguel de

máquinas e equipamentos)— foi de R$ 958,64 durante o ano de 1998. O erro

padrão foi de R$ 118,14, e dado o intervalo de confiança com 90% de segurança, a

renda média está situada entre R$ 764,80 e R$ 1152,30. Tomando o limite superior

como referência —o que reduz e/ou elimina os efeitos da provável subestimação—,

tem-se uma renda média mensal para o beneficiário na R$ 92,00, equivalente a 73%

do salário mínimo nacional.

Praticamente metade (entre 43% e 52%) da renda do beneficiário é oriunda

de trabalho fora do estabelecimento, com valor variando entre R$ 355,00 e

R$ 600,00. A renda de atividades agropecuárias é o segundo componente em

ordem de importância, contribuindo com entre algo entre R$ 212,00 e R$ 468,00

(27% e 40%) por ano. Tomando mais uma vez o limite superior como base de

cálculo, ter-se-ia uma renda mensal de apenas R$ 39,00, ou menos de 1/3 do

salário mínimo. Esta contribuição não representa a renda anual típica oriunda das

atividades agropecuárias destas pessoas, principalmente nos estados do Ceará,

Pernambuco e parte da Bahia, fortemente atingidos pela seca. Dentro deste item, o

maior componente é a renda gerada pela produção vegetal. A presença de rendas

financeiras é baixa, assim como aquela proveniente de outras propriedades e de

terras arrendadas (esta última com intervalo de confiança entre R$ 8,80 e

R$ 139,00, muito elevado para permitir qualquer extrapolação analítica).

Considerando a renda total da família, a contribuição do cônjuge para a renda

da família é baixa (média de aproximadamente R$ 207,00) e participação em torno

de 10%. Nos casos dos agricultores não proprietários, as mulheres dedicam-se,

junto com os demais membros da família, às atividades agropecuárias, e a renda

gerada é computada na “renda total das atividades agropecuárias”. Isto indica que a

produtividade do trabalho é baixa, e que a renda mensal de R$ 39,00 proveniente

das atividades agropecuárias sequer pode ser considerada como renda per capita

21

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do beneficiário, uma vez que outros membros da família contribuem para sua

geração.

Ainda considerando a renda total da família, o componente “Outras Renda da

Família” é o segundo em importância, com valor médio por família de beneficiário de

quase R$ 900,00 reais para o conjunto da população de beneficiários (mínimo de

R$ 716,00 e máximo de R$ 1066,00). Dentro deste item destacam-se dois

componentes: “outros auxílios recebidos pela família” e “renda do trabalho fora dos

membros residentes”. Outros auxílios, que incluem a contribuição de familiares não

residentes, as doações recebidas pela família e os auxílios de programas sociais —

oficiais ou não— totalizou R$ 501,00 no ano de 1998, valor superior aos

proporcionado pelas atividades agropecuárias (R$ 478,00). Isto significa que 25% da

renda média total da família é oriunda de auxílios. Na medida em que tal

contribuição não é permanente, esta população fica em uma posição de forte

dependência de terceiros para sobreviver. Esta situação é tanto mais grave quando

se considera que dos R$ 501,00 quase 72% (R$ 359,00) correspondem a auxílios

oriundos de programas sociais de caráter transitório.

Considerando todas as fontes de renda indicadas acima, chega-se ao valor

total da renda média da família da população de beneficiários, estimada em

R$ 2057,00 para o ano de 1998. A renda mensal média da família foi de R$ 171,40.

Considerando que o número médio de pessoas residentes por família é de 5,2

pessoas, obtém-se a renda per capita de R$ 32,9. Considerando o limite superior do

intervalo de confiança, a renda média anual seria de R$ 2319,81, com renda mensal

familiar de RS 193,00 e renda mensal per capita de R$ 39,00. Mesmo considerando

a provável subestimação da renda, quando se leva em conta que os valores

apresentados acima referem-se à renda bruta, não há dúvida que a população de

beneficiários do Programa Cédula da Terra é pobre, encontrando-se abaixo da linha

de pobreza para estes estados.

A análise da distribuição das rendas segundo as várias fontes confirmou tanto

a grande concentração de beneficiários nas faixas mais baixas de renda (distribuição

fortemente assimétrica à esquerda) como a ocorrência isolada de alguns

beneficiários com nível de renda mais elevado e acima do patamar de pobreza.

Entre os estados, o nível de renda mais elevado foi registrado no Estado de

Pernambuco (R$ 3.851,57), seguido de Minas Gerais (R$ 2.375,15). Nos Estados do

22

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Maranhão e Ceará o nível de renda total ficou em torno de R$ 1.750,00, estando a

Bahia com o nível de renda mais baixo (R$ 1.339,23). No caso de Pernambuco, o

maior nível de renda é explicado, fundamentalmente, pela presença de dois

entrevistados cujo nível de renda era substancialmente superior à média.24 No caso

de Minas Gerais, a média também foi "puxada" por 2 entrevistados com emprego

urbano e nível de renda mais elevado que a média da população de beneficiários.

Note-se que o nível de renda mais elevada é de, respectivamente, R$ 3.800,00 e

R$ 2.375,00 em Pernambuco e Minas, equivalente a R$ 316,00 mensais (ou 2,3

salários mínimos) e R$ 198,00 mensais (ou 1,46 salários mínimos) brutos.

O nível de renda total registrado na Bahia poderia parecer inconsistente com

as demais informações, particularmente com a constatação de que o Estado do

Ceará é o mais atingido pela seca e que aí se registraram alguns dos mais baixos

indicadores sócio-econômicos. Esta informação é consistente com as observações

de campo registradas pela equipe da Avaliação Preliminar, que indicam a decisiva

arbitragem dos órgãos responsáveis em favor dos mais pobres dentre os pobres.

Além disso, enquanto na Bahia a contribuição de auxílios de programas sociais é de

aproximadamente R$ 273,00, no Ceará esta soma atinge R$ 553,00; uma

discrepância ainda mais elevada é observada na aposentadoria, cuja participação

média é de R$ 33,00 na Bahia e de R$ 143,00 no Ceará.

Em relação à composição da renda, ressalta-se a mais elevada participação

de outros auxílios no Estado do Ceará, seguido de Minas Gerais e Pernambuco. Na

Bahia, apesar da seca, a contribuição de outros auxílios é semelhante à registrada

no Maranhão (em torno de R$ 320,00). Isto se explica pela participação de inúmeros

projetos em regiões do Estado que não estão sujeitas às secas, reduzindo a

necessidade de ajuda de emergência. Também se destaca que a participação do

componente "renda de atividades agropecuárias" é mais elevada no Estado de

Pernambuco (pela razão apontada na nota de rodapé 24). Já no Estado da Bahia, a

participação das aposentadorias e de auxílios de programas sociais é a mais baixa,

indicando que os entrevistados estavam mais "abandonados" do que os incluídos

24 Um dos entrevistados é arrendatário de inhame irrigado, com nível de capitalização relativamente elevado devido a um empréstimo feito pelo BNB à associação de pequenos produtores local. O inhame irrigado é intensivo em insumos e o nível de renda bruta registrado pela pesquisa não reflete adequadamente a renda

23

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nas amostras dos demais estados. Esta constatação poderia ser uma indicação

adicional da arbitragem em favor dos mais marginalizados.

O resultado da análise preliminar do processo seletivo é positivo, já que os

beneficiários enquadram-se no perfil definido para o Programa: pobres rurais. Como

já foi indicado, a população beneficiária está composta majoritariamente de

minifundiários, arrendatários, parceiros, meeiros e trabalhadores rurais sem vínculo

empregatício, todos percebendo níveis de renda que os colocam sem qualquer

dúvida no grupo de pobres rurais. Ainda assim, é recomendável a aplicação de um

perfil de entrada detalhado no momento de adesão ao Programa. Não se trata de

voltar ao passado e restabelecer os processos seletivos dirigidos e sob o controle da

burocracia pública com base na justificativa de que é necessário controlar para evitar

distorções. A experiência revela a impossibilidade de evitar distorções por meio de

controles administrativos a cargo dos órgãos pela implementação do Programa.

Apenas o maior envolvimento no Programa dos próprios beneficiários em potencial e

de suas organizações constitui-se em antídoto eficaz contra eventuais distorções no

processo seletivo. Recomenda-se, portanto, que o Programa desenvolva

instrumentos para incentivar a ampla participação dos beneficiários na condução do

Programa e para apoiar a organização das comunidades rurais interessadas a

ingressar no Programa.

4.2 Perfil da família: estrutura, composição, condições de vida e patrimônio.

A família "típica" dos beneficiários é “jovem”, com idade média dos membros

em torno de 23 anos e tamanho médio de 5,3 membros. A participação dos homens

(53,4%) é ligeiramente superior à presença das mulheres (46,6%).

líquida do produtor, o qual tem ainda os encargos financeiros do empréstimo. No segundo caso a "distorção" é decorrente da remuneração do cônjuge, professora primária com salário fixo equivalente a 1 salário mínimo.

24

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Tabela 6: Estrutura Familiar — População —

Residentes permanentes (%) 91,4 1,4 89,1 93,7Residentes provisórios (%) 1,7 (2) (2) (2)

Não residentes (%) 6,9 1,2

Número médio de residentes por família 5,2 0,2 4,9 5,6Número médio de não residentes por família 0,6 0,1 0,4 0,8

Número médio de filhos 3,3 0,2 3,0 3,7Número médio de filhos residentes 2,8 0,2 2,5 3,0Número médio de outros parentes residentes 0,

5,0 8,8

5 0,2 0,3 0,8

Famílias com membros residentes (%) 76,6 3,6 70,7 82,6Famílias com membros não residentes (%) 23,4 3,6 17,4 29,3Índice médio de migração (número de migrantes em relação aos residentes) (%) 13,7 3,0 8,8 18,5

(1) Intervalo com coeficiente de confiança de 90%.(2) O número de observações não recomenda a determinação do intervalo de confiança.

Migração

Características dos membros quanto à residência (em relação ao número total de indivíduos)

Indicadores da residência dos membros da família (em relação ao total de membros da família)

Indicadores da estrutura familiar

Indicadores ValorErro

padrão

Intervalo de

confiança(1)

Limite inferior

Limite superior

É interessante notar a aparente coesão da estrutura familiar dos beneficiários

do Cédula da Terra: é relativamente pequeno o percentual de membros da família

não residentes: quase 92% dos membros da família residem em caráter permanente

com o beneficiário, e apenas 7% são não residentes (uma parte destes vivem no

mesmo município dos pais mas tem residência própria).

O registro migratório dos beneficiários é relativamente limitado: a análise

preliminar das informações indica que pouco mais da metade viveu em outros

estados. A maioria absoluta é oriunda do meio rural, seus pais eram agricultores na

própria localidade ou área próxima; poucos registram outras experiências

profissionais que não a de trabalhador/produtor rural antes de ingressar no Cédula

da Terra. Nestes casos, a experiência é em ofícios de pedreiro, servente, vigia,

funcionário público, ajudante de mecânico e motorista de caminhão.

A análise do nível educacional da família dos beneficiários revela que quase

38% dos membros da família dos beneficiários freqüentam a escola. Trata-se de

percentual adequado, já que 31% dos membros têm idade entre 7 e 20 anos, faixa

que concentra a maioria das pessoas em idade escolar no meio rural. 14% dos

membros da família são analfabetos e 1,9% apenas lê e escreve. 45% têm

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escolaridade entre a 1ª e 4ª série e 14% entre a 5ª e 8ª série. A participação dos que

tem ensino médio ou superior é de 3,5 % do total. Considerando apenas as crianças

em idade escolar (entre 7 e 14 anos), o resultado pode parecer surpreendente, já

que em torno de 96% destas freqüentam a escolar. O grande problema parece ser o

da evasão e baixo aproveitamento.

Tabela 7: Perfil da Família dos Beneficiários (Residentes) – População –

Aspectos demográficosIdade média da população (anos) 23,1 0,8 21,7 24,5Homens (%) 53,4 1,6 50,8 56,0Mulheres (%) 46,6 1,6 44,0 49,2Doentes crônicos (%) 8,4 1,8 5,4 11,4

Características dos membros residentesResidentes permanentes (%) 98,3 0,9 96,9 99,7Residentes provisórios (%) 1,7 (2) (2) (2)

Faixas etárias da população - Iaté 6 anos (%) 20,0 1,7 17,2 22,87 a 14 anos (%) 17,8 1,8 14,9 20,815 a 20 anos (%) 14,0 1,8 11,1 17,021 a 40 anos (%) 30,8 1,9 27,6 34,041 a 60 anos (%) 14,1 1,8 11,1 17,161 anos ou mais (%) 3,2 (2) (2) (2)

Faixas etárias da população - IIAté 21 anos (%) 54,5 1,7 51,6 57,322 a 40 anos (%) 28,2 1,9 25,1 31,341 a 60 anos (%) 14,1 1,8 11,1 17,161 anos ou mais (%) 3,2 (2) (2) (2)

População infanto-juvenilFamílias com menores de 10 anos (%) 68,1 4,1 61,4 74,8Famílias com menores de 14 anos (%) 79,8 3,8 73,7 86,0

Posição dos moradores na famíliaChefe (%) 21,5 1,1 19,7 23,3Conjuge (%) 18,7 1,1 16,9 20,5Filho (%) 51,7 2,0 48,4 55,0Parente (%) 7,7 1,9 4,6 10,9Outro (%) 0,4 (2) (2) (2)

(1) Intervalo com coeficiente de confiança de 90%.(2) O número de observações não recomenda a determinação do intervalo de confiança.

Intervalo de

confiança(1)

Indicadores ValorErro

padrão Limite inferior

Limite superior

A análise das condições de habitação indicou que 25% dos beneficiários já

estavam residindo nos estabelecimentos adquiridos através do Cédula da Terra;

aproximadamente 23% viviam em outros estabelecimentos rurais próximos, 21% em

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distritos ou povoados rurais (também próximos) e quase 31% em centros urbanos

próximos (sede do município).25

Tabela 8: Nível Educacional da Família dos Beneficiários – População –

Nível educacional da populaçãoFrequentam a escola (%) (3) 96,2 4,3 89,1 100,0Analfabeto (%) 14,9 2,1 11,5 18,4Lê e escreve (%) 1,9 (2) (2) (2)

Pré- escola (%) 2,0 (2) (2) (2)

1ª a 4ª série (%) 45,3 2,4 41,4 49,35ª a 8ª série (%) 13,9 1,6 11,3 16,6Ensino médio ou superior (%) 3,5 (2) (2) (2)

Idade não escolar (%) 18,4 1,9 15,2 21,6(1) Intervalo com coeficiente de confiança de 90%.(2) O número de observações não recomenda a determinação do intervalo de confiança.(3) População em idade escolar, entre 7 e 14 anos.

Intervalo de

confiança(1)

Indicadores ValorErro

padrão Limite inferior

Limite superior

Aproximadamente 3.874 famílias, correspondendo a 57% dos beneficiários,

habitavam em moradias de boa qualidade26 antes de ingressar no Cédula; 1.013

famílias (14,9%) viviam em habitações de qualidade regular e 1.971 famílias (29%)

viviam em moradias precárias.

O fato de quase 60% dos beneficiários viverem em casas de qualidade boa e

15% em casas de qualidade regular —em processo de construção—, é um indício

importante de enraizamento da população ao local. Isto pode explicar, pelo menos

parcialmente, a aparente preferência dos beneficiários por propriedades próximas ao

local de residência. Esta preferência pode estar introduzindo uma rigidez na escolha

das propriedades cujas conseqüências serão tratadas adiante. Por outro lado, pode

25 Deve-se registrar que a pesquisa tinha como objetivo captar as condições da habitação anteriores à adesão ao Programa. No entanto, a análise de consistência dos dados colhidos revelou que algumas equipes de campo aplicaram de maneira incorreta o questionário, colhendo informações sobre as condições de habitação no momento da pesquisa. Em muitos casos foi possível separar estas informações daquelas referentes às condições de habitação pré-ingresso. Ainda assim, é mister alertar para a possibilidade de persistência do erro, o qual introduz um viés na análise das condições de habitação. Apesar do problema, considerou-se relevante apresentar a análise, já que o viés "melhora" as condições da habitação do grupo de beneficiários. Caso o viés atuasse no sentido de "piorar" as condições de habitação o uso da informação poderia ser contra indicado, uma vez que correríamos o risco de estar transformando famílias com condições de vida superior em pobres rurais. 26 As habitações foram classificadas, grosseiramente, em três tipos, segundo os materiais utilizados na construção do piso, parede e teto. Foram consideradas "boas" as casas construídas com materiais definitivos; regulares as construções com apenas 1 dos componentes (teto, piso e parede) em material provisório, e precárias as casas com dois componentes em material provisório. Esta classificação sobrestima a qualidade da residência por não levar em conta o número de moradores e as condições sanitárias.

27

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indicar que, pelo menos para alguns grupos, a construção da casa na propriedade

no momento inicial do projeto não seja uma prioridade para os beneficiários. Revela,

ainda, que mesmo vivendo em condições de pobreza, parte dos beneficiários teve

condições de ir aos poucos melhorando suas condições de habitação.27

Tabela 9: Local de Moradia da Família – População –

Residentes no estabelecimento (%) 25,3 3,8 19,1 31,6Em outro estabelecimento rural próximo (%) 22,8 3,0 17,9 27,7Distrito ou povoado rural (%) 21,1 3,3 15,8 26,5Centro urbano próximo (%) 30,7 3,7 24,7 36,7

(1) Intervalo com coeficiente de confiança de 90%.

Intervalo de

confiança(1)

Indicadores ValorErro

padrão Limite inferior

Limite superior

Local de moradia da família

A análise do patrimônio dos beneficiários revela que aproximadamente 6%

(entre 3,8% e 8,2%) da população de beneficiários é proprietária de outro imóvel

rural além da quota-parte adquirida através do Programa Cédula da Terra. Tal como

já indicado anteriormente, trata-se de pequenas parcelas de terras, minifúndios

insuficientes até mesmo para assegurar a reprodução das famílias.

27 Na maioria dos projetos uma parte dos recursos disponibilizados pelo Programa vem sendo utilizada para a construção de casas (sob a rubrica de instalação das famílias). A pergunta que se coloca é até que ponto a construção da casa, no momento inicial do Programa, é de fato uma prioridade dos beneficiários ou decorre das regras do Programa. Neste caso, restaria saber se em muitos casos os recursos despendidos com moradia não seriam melhores aplicados em elevação da capacidade de produção e de geração de renda, o que permitiria à própria comunidade construir suas casas no futuro.

28

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Tabela 10: Patrimônio do Beneficiário e da Família – População –

É proprietário de outro imóvel rural (%) 6,0 1,3 3,8 8,2 É proprietário de casa, terreno urbano ou barracão (%) 52,6 3,7 46,6 58,6

32,6 3,9 26,2 38,9 Proprietário de animais de tração (%) 24,1 5,7 14,8 33,4 Proprietário de bovinos (%) 18,2 2,7 13,8 22,7 Proprietário de suínos (%) 18,6 3,5 12,9 24,3 Proprietário de caprinos (%) 5,3 1,5 2,8 7,9 Proprietário de ovinos (%) 2,5 (2) (2) (2)

76,0 4,0 69,5 82,5

Número médio de bovinos (cabeças) 0,9 0,2 0,7 1,2 Número médio de suínos (cabeças) 0,9 0,2 0,6 1,2 Número médio de caprinos (cabeças) 0,6 0,3 0,1 1,0 Número médio de ovinos (cabeças) 0,2 0,1 0,1 0,3

(1) Intervalo com coeficiente de confiança de 90%.(2) O número de observações não recomenda a determinação do intervalo de confiança.

Proprietário de imóveis

Proprietário de animais (%)

Proprietários de pelo menos um item de patrimônio, exceto ferramentas (%)

Efetivo dos animais

Indicadores ValorErro

padrão

Intervalo de

confiança(1)

Limite inferior

Limite superior

Mais da metade da população indicou ser proprietária de casa, terreno urbano

ou barracão. Não é possível avaliar o valor monetário deste patrimônio, já que a

maioria dos entrevistados não prestou tal informação por não saber quanto poderia

valer seus bens;28 dentre os que responderam, os valores indicados são de tal forma

díspares que deixam de fazer sentido. As casas são em sua maioria pequenas, com

2 e 3 cômodos, e área construída média de aproximadamente 42 m², localizadas em

povoados rurais e na periferia das sedes dos municípios. A extensão dos terrenos

variava entre 250 e 500 m².

O patrimônio produtivo dos beneficiários revela uma situação de extremada

penúria. Nenhum beneficiário indicou ser proprietário de máquina e implementos

agrícolas; tampouco foi registrada a propriedade de rebanho, mas apenas de

animais isolados, no máximo 3 cabeças entre os de grande porte. Aproximadamente

33% da população de beneficiários são proprietários de animais, aí incluídos os

28 A falta de informação sobre o preço dos bens duráveis e infra-estrutura pode ser explicada por dois motivos. Primeiro, uma parte dos bens não foi adquirida através do mercado; outros passaram apenas parcialmente pelo mercado. Neste caso os bens são apropriados via herança ou vão sendo lentamente construídos, como as moradias, com mão-de-obra própria e/ou com sobras de materiais de outras construções. Um segundo motivo é o longo tempo transcorrido entre a data da compra e a data da pesquisa, fazendo com que os bens tenham passado por uma longa história inflacionária e mudanças de moeda, tornando ainda mais difícil qualquer avaliação. A

29

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bovinos (18,2%), suínos (18,6%), caprinos (5,3%), ovinos (2,5%) e animais de tração

(24,1%). O número médio de bovinos é de 0,9 por beneficiário (menos de 3 cabeças

caso sejam computados apenas os que indicaram ser propriedade de animais).

4.3 Perfil produtivo do beneficiário, acesso à informação e onhecimento das regras do programa

A pesquisa procurou colher informações que indicassem, ainda que de forma

superficial, a experiência profissional dos beneficiários, o acesso à informação em

geral e o nível de conhecimento das regras do Programa.29 Trata-se de um conjunto

de informações relevantes para auxiliar a ação dos órgãos responsáveis pela

implementação do Programa.

Tabela 11: Crédito, regras etc

Como era de se esperar, a pesquisa revelou que os beneficiários têm um

perfil de produtor tradicional, seja em relação às “opções” de produção, seja em

relação às práticas produtivas; poucos beneficiários indicaram o domínio e

experiência de práticas tecnológicas mais sofisticadas.

No mesmo sentido, a pesquisa de campo constatou que a inserção dos

beneficiários nos mercados de produtos, insumos e serviços também é tradicional e

precária. Poucos indicaram haver solicitado e/ou tomado crédito e/ou terem tido

conta bancária nos últimos 5 anos; a grande maioria vende seus produtos no

mercado local, não participa de nenhuma cooperativa ou de qualquer arranjo

especial para a comercialização de seus produtos. Apenas 12,7% dos beneficiários

fraca inserção dos agricultores no mercado fecha o quadro, tornando difícil a referência a preços com mais de 5 anos de história e, praticamente impossível relembrar daqueles com mais de 10 anos. 29 Esta avaliação foi feita com base em perguntas diretas e de respostas fechadas feitas aos beneficiários incluídos na amostra e em base às entrevistas abertas realizadas com os presidentes das associações. A maioria destas entrevistas foi gravada e transcrita. As outras foram anotadas diretamente pelos entrevistadores. O conjunto de respostas foi transformado em categorias que foram utilizadas para construir as tabelas. Desde já é mister observar que este processo está mais sujeito a erros de interpretação do que a simples tabulação das respostas pré-codificadas. Dado a elevada controvérsia que o Programa vem suscitado, com interpretações as mais variadas dos resultados do trabalho de avaliação, convém esclarecer que o grupo responsável pela avaliação não pretende deter a verdade absoluta sobre a situação do Programa e que a tabulação das entrevistas foram feitas a partir de criteriosa análise de consistência dos dados. As conclusões foram exaustivamente discutidas pelo grupo e checadas a partir das observações feitas em campo pelos próprios coordenadores da avaliação, os quais participaram diretamente da pesquisa de campo e das entrevistas. O leitor de boa fé entenderá que neste tipo de análise o relevante é a consistência analítica e o sentido das conclusões apresentadas, e não a precisão absoluta de um ou outro percentual contido no documento.

30

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indicaram participação própria e/ou de membro residente da família em cursos de

capacitação técnica nos últimos cinco anos.30

Em poucos projetos (podemos quantificar com precisão esta informação ?)

foram registrados e/ou observados grupos com experiência em cultivos e/ou práticas

agropecuárias não tradicionais, assim como com experiência em negociar contratos

de comercialização, empréstimos bancários, projetos e com histórico que revela

maior grau de autonomia e capacidade empreendedora.

O estudo procurou identificar até que ponto os beneficiários têm

conhecimento das regras do Programa, particularmente daquelas referentes ao

pagamento da propriedade adquirida. Aproximadamente 64% dos beneficiários

associaram, sem indução, a compra da terra através do Programa a uma operação

de financiamento. Entre estes, 56% indicaram corretamente a fonte do crédito; 7,7%

mencionaram fontes erradas e 3,5% declararam não saber a origem dos recursos.

As respostas mais comuns para a fonte foram: Cédula da Terra, BNB, Banco

Mundial e Governo. Estima-se que em torno de 66% da população beneficiária

conheça a finalidade do crédito (terra, compra da terra, fundiário, terra e infra-

estrutura, terra e benfeitoria foram respostas comuns). Em torno de 30% declararam,

sem indução, que não haviam tomado nenhum crédito nos últimos anos.31

A situação muda quando se consideram as condições de pagamento do

empréstimo tomado para aderir ao Programa. Em torno de 60% da população de

beneficiários declararam não saber as taxa de juros que pagariam sobre o

empréstimo para adquirir a terra; 11% responderam incorretamente e apenas 0,2%

acertaram a resposta.32 De 35,9 a 49,6% dos beneficiários (intervalo de confiança de

90%) não declararam que a propriedade comprada é utilizada como garantia para o

crédito fundiário. Em torno de 19% da população de beneficiários, correspondendo a

30 Estas informações refletem a situação dos beneficiários antes de ingressar no Programa. 31 Esta resposta pode ser interpretada como um indicativo do desconhecimento destes beneficiários sobre a forma de aquisição da terra utilizada pelo Programa. Durante o seminário realizado em Fortaleza no qual o documento síntese do relatório preliminar do estudo foi debatido, vários participantes chamaram a atenção para a possibilidade de que os entrevistados tenham associado a pergunta a outras fontes de crédito, já que estes poderiam supor que os entrevistadores sabiam que eles tinham tomado crédito para comprar a terra. A revisão do questionário indicou que isto pode de fato ter ocorrido. 32 O parágrafo anterior refere-se ao percentual da população que associou, sem indução, o acesso ao Programa com uma operação de crédito. A pergunta sobre as taxas de juros foi feita ao conjunto dos entrevistados, inclusive àqueles que responderam que não haviam tomado crédito nos últimos anos.

31

Antônio Márcio Buainain
Marecelo, Zé e Regina: podemos quantificar com precisão?
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aproximadamente 1.270 pessoas, declarou que não havia sido pedida nenhuma

garantia pelo empréstimo.

A conclusão deve ser interpretada com o devido cuidado. De um lado, poderia

sustentar a alegação de que os beneficiários estão sendo enganados e que não tem

noção de que estão comprando uma propriedade que deverá ser paga. Na verdade,

apesar de não saberem com precisão as condições de pagamento, as entrevistas

realizadas revelam, não só uma clara consciência de que a terra deverá ser paga

como forte convicção de que poderão faze-lo.33 De outro lado, o sistema de

pagamento então vigente, com base na taxa de juros de longo prazo (TJLP), por ser

pós-fixado, dificulta a identificação precisa da taxa de juros a ser paga. Seria,

portanto, surpreendente que os beneficiários do Cédula respondessem com precisão

à pergunta sobre a taxa de juros incidente sobre o empréstimo para adquirir a terra.34

De qualquer maneira, estes dados indicam a necessidade de reavaliar e

reforçar o trabalho de divulgação que vem sendo feito pelos órgãos responsáveis no

sentido de esclarecer os beneficiários sobre a natureza, regras e condições

financiamento do Programa.35 O trabalho de divulgação pode ser um utilizado como

poderoso instrumento de conscientização, promoção da organização social e

mobilização das energias das comunidades para potencializar as possibilidades de

sucesso dos projetos e do Programa como um todo.

Este conjunto de dados sobre acesso a informações, cruzado com as

referências sobre o nível educacional dos beneficiários, permite concluir que o

“beneficiário padrão”, além de auferir baixo nível de renda, ter baixa escolaridade,

não tem prática com tecnologias mais modernas, tem acesso limitado às

informações gerais e técnicas e pouca experiência na gestão de negócios. Tais

33 Nenhum presidente de associação colocou dúvidas sobre a possibilidade da pagar a terra, mas muitos condicionaram o pagamento a um conjunto de fatores que incluem desde "se chover" até "se o governo ajudar". Poucos entrevistados apresentaram a análise mais estruturada sobre a viabilidade dos projetos, apontando como principais fatores o clima, acesso ao crédito e disponibilidade de assistência técnica. 34 Este desconhecimento das condições financeiras não é particular a este grupo populacional. Há amplas evidências de que a maioria dos consumidores urbanos que fazer crediário não sabem com clareza a taxa de juros embutida no empréstimo, assim como a maioria dos correntistas não conhecem as taxas que incidem sobre o cheque especial. 35 Os meios de divulgação devem ser adequados ao público do Programa. Uma "estória" de campo ilustra que nem sempre isto ocorre. Ao final de longa entrevista com o presidente de uma associação, este solicitou um favor a pesquisadora que o entrevistara. Saiu da sala, retornou com um cartaz e pediu-lhe: "dona, dá para a

32

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conclusões não são surpreendentes, pelo menos para os que conhecem a situação

da pobreza rural no Nordeste do Brasil. Esta situação é decorrente e reveladora da

"inserção excludente" dos beneficiários ao sistema produtivo e à sociedade local. De

um lado, a inserção como diaristas ou produtores precários nem induzia nem

permitia o desenvolvimento de nível tecnológico, muito menos a “opção” por cultivos

e/ou atividades mais dinâmicas. De outro lado, aqueles que tinham acesso a terras

próprias e/ou da família dificilmente dispunham de recursos e de estabilidade

suficientes para implementar qualquer projeto significativo de melhoramento da

produção. O Programa Cédula da Terra, ao facilitar o acesso à terra a esta

população carente, tem como objetivo romper com o círculo vicioso do atraso:

insegurança e falta de terra, baixa produtividade, baixa renda, pobreza, baixa

capacidade de acumulação, baixa produtividade, baixa renda, etc. O objetivo do

estudo de avaliação de impactos do Programa é exatamente identificar se e até que

ponto tal objetivo está sendo alcançado.

O perfil socioeconômico e produtivo dos beneficiários recomenda a

necessidade de um acompanhamento próximo dos projetos por parte dos

organismos responsáveis pela implementação do Programa, especialmente nos

primeiros meses, quando se configuram os projetos e a estruturação produtiva da

propriedade adquirida. O desafio é acompanhar e apoiar sem inibir e tutelar.36

4.4 Avaliação analítica do processo de seleção

As informações das seções anteriores permitem desenhar com certa precisão

o perfil sócio-econômico dos beneficiários do Programa Cédula da Terra. As

características dos beneficiários podem ser avaliadas por meio de um modelo

binário logit. Tal modelo permite identificar se os beneficiários do Cédula de fato

compõem uma sub-população específica dentre a população geral de beneficiários

em potencial, e quais as características que diferenciam os dois grupos

(beneficiários efetivos e população de beneficiários em potencial). Trata-se de

senhora ler pra gente. O pessoal passou por aqui e deixou quando a gente estava fora. Mas nenhum de nós sabe ler e ..." Tratava-se de um cartaz com orientações higiênicas e sanitárias básicas. 36 É preciso que se tenha claro que a qualificação técnica e experiência em gestão são atributos desejáveis e necessários, mas não suficientes para assegurar a evolução sustentada dos projetos. Como outras experiências de desenvolvimento rural demonstram, o desempenho de produtores familiares pobres depende da convergência de um conjunto de fatores, desde crédito, assistência técnica, acesso a mercados etc. Tais serviços dependem de outras instituições, mas sua ausência pode levar ao comprometimento do sucesso do Programa.

33

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análise relevante e útil, especialmente para a gestão de programas públicos. De um

lado, permite não apenas avaliar a consistência entre o targeting declarado e efetivo,

como também em que medida a estrutura de governança do programa afeta o

processo de seleção e seu foco (targeting). De outro lado, a análise das

características da população de beneficiários vis a vis as do grupo populacional de

beneficiários potenciais revela com maior precisão o perfil sócio-econômico do

subgrupo que o programa está atraindo. Esta informação é peça fundamental para

uma boa gestão do programas, já que permitem aos responsáveis tanto atuar para

melhorar o foco dos programas ―se desejável― como para cobrir eventuais

problemas associados a algumas características do público metas e, portanto, dos

beneficiários.37

A avaliação do processo seletivo foi realizada com base em dois conjuntos de

dados de fontes distintas. As informações referentes à população de beneficiários do

Cédula foram geradas pela pesquisa de campo já mencionada anteriormente; as

informações sobre a população de beneficiários em potencial (doravante não

beneficiários) foram extraídas da PNAD, ano 1997. Desta amostra foram separados

3,383 domicílios cujos chefes de família enquadram-se nos critérios de elegibilidade

do Cédula.38

A variável dependente do modelo é uma dummy que indica a que grupo

populacional pertence os domicílios analisados.39 As variáveis independentes

refletem um conjunto de hipóteses sobre o processo de seleção.40 O Quadro 2

resume as variáveis independentes utilizadas no modelo e a Tabela 12 os resultados

de sua aplicação.41

37 Ver xxx para um resumo da questão do targeting e sua relevância para a gestão de políticas públicas. 38 Para os detalhes metodológicos remete-se o leitor ao documento "Community-based land reform implementation in Brazil: a new way of reaching out the marginalized?", o qual contém a apresentação completa do modelo e da análise do processo de seleção. O documento está disponível na página web xxxxx. O mesmo tema é também tratado no documento "Community-based land reform implementation in Brazil: assessing the selection process", cuja versão eletrônica pode ser obtida junto ao NEAD. 39 A variável assume o valor "1" para os beneficiários do Cédula da Terra e o valor "0" se o domicílio pertence ao grupo da PNAD. 40 As hipóteses incorporadas ao modelo foram restringidas pela disponibilidade de informações comparáveis referentes aos dois grupos: amostra de beneficiários do Cédula e amostra da PNAD. Todas as informações do grupo do Cédula referem-se à situação dos beneficiários antes de aderir ao Programa. 41 Ver o Buainain et. al. (1999) para maiores detalhes sobre o modelo e sua aplicação.

34

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Quadro 2: Definição das variáveis independentes

Definitions of independent variables

GENDER Dummy variable indicating gender. It assumes a value of 1 if the head of the household is a woman and 0 otherwise.

MIGRATION1 Dummy variable indicating how long the head of the household has continuously lived in the municipality. It assumes a value of 1 if he/she has continuously lived in the municipality for up 4 years, 2 for up 9 years, 3 for up 10 years or more, and 4 since he/she was born.

MIGRATION2 Dummy variable indicating how long the head of the household has continuously lived in the State. It assumes a value of 1 if he/she has continuously lived in the State for up 4 years, 2 for up 9 years, 3 for up 10 years or more, and 4 since he/she was born.

INCOME Household total income (PCT income benefits were taken out).

ADULTS Number of members of the household aged between 14 and 60 years old.

CHILDREN Variable indicating the proportion of school age children in the total number of household members. It is the number of children up to 14 years divided by the total number of household members.

GOODS Dummy variable indicating stock of durable household goods. It assumes a value of 1 if the household was supplied with a set of durable goods (television, fridge and oven) and 0 otherwise.

ASSETS Dummy variable indicating stock of assets. It assumes a value of 1 if the household possessed a house, a real state, or land; and 0 otherwise.

EDUCATION Dummy variable indicating schooling. It assumes a value of 1 if the head of the household is illiterate; 2 if he/she has 1 to 3 years of schooling; 3 if he/she has 4 to 7 years of schooling; 4 if he/she has 8 to 10 years of schooling; and 5 if he/she has 11 years or more of schooling.

VILLAGE Dummy variable indicating whether household is located in a rural village. It assumes a value of 1 if it is located in a rural village and 0 otherwise.

Os resultados obtidos confirmam a coerência e consistência do processo

seletivo. Ao situar os beneficiários no conjunto da população meta, o modelo

comprovou que as características sócio-econômicas dos beneficiários do Cédula

refletem aquelas da população como todo. Mais ainda, comprova que o Programa

está atraindo um subgrupo bem definido e que apresenta alguns traços particulares

considerados desejáveis a priori. A seguir apresenta-se uma brevíssima síntese

analítica destes resultados.

35

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Tabela 12: Modelo Logit

Variables(1) Coefficients P[ Z >= z]Marginal Effects

P[ Z >= z]

CONSTANT - 3.8989 0.00000 - 0.12795 0.00000MIGRATION1 - 0.51246 0.00000 - 0.16818E- 01 0.00000MIGRATION2 0 .18019 0.08884 0.59135E- 02 0.08870VILLAGE 1.3850 0.00000 0.45454E- 01 0.00000INCOME - 0.93341E- 04 0.25616 - 0.30633E- 05 0.25732CHILDREN 1.3871 0.00022 0.45523E- 01 0.00016ADULTS 0 .47304 0.00000 0.15524E- 01 0.00000GOODS 0 .88225 0.00003 0.28954E- 01 0.00004ASSETS - 1.0393 0.00000 - 0.34107E- 01 0.00000EDUCATION 0 .36885 0.00005 0.12105E- 01 0.00005GENDER 0 .88639E- 01 0.75665 0.29090E- 02 0.75697

Log- Likelihood Restr. (slopes=0) Log- L - 650.0815 - 771.4389

(1) Marginal effects are computed at the means of the variables.

As variáveis MIGRAÇÃO1. MIGRAÇÃO2 E POVOADO foram utilizadas para

indicar algumas características consideradas relevantes.42 O sinal negativo do

coeficiente de MIGRAÇÃO1 indica que a probabilidade de um indivíduo participar do

grupo de beneficiários diminui com o aumento de tempo de moradia no município. Já

o sinal positivo do coeficiente de MIGRAÇÃO2 indica que a probabilidade de

pertencer ao grupo de beneficiários é maior entre os indivíduos que têm mais

experiência migratória. A interpretação é inequívoca: o Programa está selecionando

prioritariamente pessoas com raízes locais43 e com certa "experiência de vida"

adquirida através da migração,44 ambas características desejáveis.

O sinal positivo da variável POVOADO indica que a probabilidade de

pertencer ao Programa é significativamente maior entre os moradores dos povoados

rurais. Este resultado confirma informações anteriores, em particular a forte

presença de beneficiários sem terra e que sobrevivem como trabalhadores rurais.

42 Pesquisa realizada por Menezes (1997) revelou que a população pobre do Nordeste rural adquiria experiência profissional ao migrar para o Sudeste. Revelou ainda que muitos se tornavam líderes sindicais e comunitários ao retornar para suas regiões de origem. Iniciativa, liderança e experiência de vida são atributos pelo menos desejáveis para beneficiários de programas como o Cédula da Terra. A história de migração resumida nas variáveis MIGRAÇÃO1 e MIGRAÇÃO2 procura captar em que medida o Programa está atraindo pessoas com mais experiência de vida adquirida ao longo dos anos na luta pela sobrevivência. 43 Pode indicar melhor conhecimento das terras e dos sistemas de produção locais. 44 Esta constatação reflete a conhecida necessidade da população pobre do Nordeste buscar trabalho sazonal em outras áreas ou regiões. O resultado indica que, do conjunto da população meta, o Programa está atraindo pessoas mais inseridas neste processo, o que é consistente com alguns dados do perfil ocupacional traçado anteriormente, o qual indicava forte presença de minifundiários e trabalhadores diaristas.

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Revela, além disso, que o Programa está atraindo o segmento da população de

beneficiários potenciais que tem melhor acesso à informação e serviços públicos.

Em resumo, apesar de o perfil sócio-econômico traçado na Seção 4.3 apontar

para a precariedade do aceso e baixo nível de informação dos beneficiários, este

resultado indica que o Programa está atraindo o subgrupo de pobres com melhor

acesso à informação e mais experiência de vida do que o conjunto da população de

beneficiários em potencial.

O modelo revelou que a renda (variável RENDA) não é uma variável relevante

para distinguir beneficiários de não beneficiários. Este resultado era previsível

devido à própria restrição de acesso ao Programa de famílias com renda mais alta,

mas pode lido como uma confirmação adicional da ausência de beneficiários com

nível de renda mais elevado.

As variáveis CRIANÇAS e ADULTOS foram utilizadas para colocar em

evidência um aspecto central do processo de seleção de beneficiários do Programa:

em que medida o perfil destes corresponde ao duplo objetivo de redução da pobreza

e geração de projetos sustentáveis. Assume-se que a inclusão de famílias

numerosas e com grande número de crianças alarga o alcance do Programa em

relação à meta de reduzir a pobreza. Por outro lado, dado o nível de renda, uma

taxa de dependência mais elevada reduz a capacidade de acumulação no curto

prazo, já que indicar que uma parte maior da renda deve ser destinada à reprodução

da família. O número de adultos revela a disponibilidade de força de trabalho. Todos

os demais fatores constantes, quanto maior for o número de adultos maior será a

capacidade de geração de renda e de acumulação da unidade familiar.

Os coeficientes de ambas as variáveis são positivos e significantes. Isto indica

que, comparadas ao público alvo, as famílias beneficiárias são grandes, têm número

alto de adultos ―fato positivo para o bom desempenho da unidade familiar e dos

projetos associativos― e elevada proporção de crianças ―fato positivo em relação

ao alcance social do Programa mas que restringe a capacidade de investimento

imediata dos beneficiários. Esta constatação indica que a consolidação dos projetos

pode ser mais lenta do que inicialmente esperado e deve ser levada em conta pelo

setor público ―o qual deve desenhar ações para compensar a baixa capacidade de

auto investimento das famílias. A vantagem deste perfil é que um maior número de

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pessoas está sendo beneficiado pelo Programa e que um número maior de crianças

crescerá em um ambiente favorável para a superação da pobreza.

O resultado da variável ATIVOS revela que, dentre os pobres rurais, o

Programa está atraindo famílias com menor estoque de ativos reais (casa e terra

foram os dois considerados), resultado consistente com o perfil traçado na

Seção 4.2. Por outro lado, o sinal positivo do coeficiente da variável GOODS

significa uma maior participação de famílias possuidoras de bens de consumo

durável, o que pode ser tomado como um indicador de que os beneficiários não

integram o sub-grupo dos mais pobres dentre os pobres. Ou seja, este resultado

revela que o Programa está atraindo famílias pobres, com baixa capacidade de

acumulação de estoques de bens raízes, mas que foram capazes de gerar renda

suficiente para possuir alguns bens de consumo durável.45

O nível de educação vem sendo apontado pela literatura especializada como

relevante para explicar a adoção tecnológica e nível de produtividade diferenciado

entre grupos de produtores familiares que detém recursos de terra e capital

semelhante. Há ainda evidências indicando que o nível educacional é positivamente

correlacionado com o acesso à informação e à integração social (ver Souza Filho,

1997). Isto significa que, todo o mais constante, famílias com nível mais elevado de

educação têm probabilidade mais elevada de aproveitar oportunidades e evoluir

ascender econômica e socialmente do que aquelas com nível mais baixo. O

coeficiente estimado da variável EDUCAÇÃO confirma que o número de anos de

educação tem elevada significância para diferenciar os beneficiários do Programa do

seu público-meta em geral. Isto comprova que a estrutura de governança do

Programa está de fato atraindo famílias com mais anos de educação, constatação

consistente com os demais dados já apresentados anteriormente.46

45 O local de moradia, o nível de educação e a distância das cidades ajudam a explicar este resultado, já que as famílias que habitam em povoados rurais têm mais fácil acesso à eletricidade e à educação do que aquelas que moram em fazendas. Estes três fatores facilitam e induzem à aquisição de bens duráveis. 46 É preciso chamar a atenção para o seguinte fato. Apesar da significativa diferença do número de anos de educação entre os dois grupos, o nível educacional é extremamente baixo entre os pobres rurais que compõem o público-meta do Programa. 54,6% dos chefes de domicílios da sub-amostra da PNAD tem menos de 1 ano de escola ou é analfabet, percentual que baixa para 36,9% quando se considera a amostra de beneficiários do Cédula.

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Por último, os resultados do modelo indicam que o gênero (variável GÊNERO)

não é relevante para caracterizar os beneficiários do Programa.

Em seu conjunto, a avaliação do processo de seleção através do modelo

econométrico confirma que a estrutura de governança do Programa vem atraindo

um grupo de famílias que apresenta algumas características que as diferenciam da

população que compõem o público-meta. As famílias do subgrupo de beneficiários

são pobres, mas não se encontram no nível mais baixo de pobreza; são numerosas,

com uma taxa de dependência mais elevada, mais anos de educação e maior

experiência de vida do que a da população de beneficiários em potencial. Moram em

povoados rurais e trabalham principalmente como diaristas e pequenos agricultores

sem terra. Têm raízes locais, são marginalizados mas ainda não foram totalmente

excluídos da economia e sociedade local. A coerência dos resultados apresentados

é uma evidência inicial de que a estrutura de governança do Programa parece estar

respondendo às expectativas de que a descentralização e a transferência do

processo de seleção para as próprias comunidades resultariam em uma auto-

seleção adequada de beneficiários.

5. PROCESSO DE AQUISIÇÃO DAS PROPRIEDADES Por esta razão o estudo realizado concentrou-se em alguns aspectos

relevantes do processo de seleção e aquisição de terras, entre os quais a

localização geográfica, características das regiões (infra-estrutura, acesso aos

mercados, densidade populacional e risco de seca), benfeitorias das propriedades,

disponibilidade/acesso à energia elétrica e potencial para irrigacação.

5.1 Algumas considerações de natureza conceitual sobre a seleção e aquisição da propriedade

Uma hipótese básica do Programa é que os beneficiários selecionem

propriedades que ofereçam condições para a geração de renda suficiente para

permitir melhoria sustentável em suas condições de vida assim como o pagamento

do crédito fundiário.47

47 Tal hipótese funda-se na racionalidade de cada indivíduo e na forma de aquisição da propriedade: compra através e pelas associações. O compromisso de pagar a terra ―condição para sua titulação― estimularia os compradores a selecionar ativos adequados. O caráter associativo contribuiria para reduzir eventuais erros de

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A experiência de outros programas de assentamento e de projetos

empresariais indica que o preço48 e a qualidade da propriedade estão entre os

fatores que mais fortemente condicionam as possibilidades de êxito de projetos

deste tipo.49 Em certa medida, a viabilidade do Programa e o seu bom

funcionamento dependem da oferta de propriedade rurais que possam ser

adquiridas por preços compatíveis com a potencialidade das terras e a capacidade

empresarial dos beneficiários.

Apesar de inúmeros estudos recentes que ampliaram o conhecimento sobre o

funcionamento do mercado de terra no Brasil (Reydon & Ramos, 1996 e Reydon e

Plata, 1998), praticamente não existem estudos sobre sua dinâmica no nível local.

Apesar da importância atribuída por Reydon e Ramos (1996) aos fatores macro e

gerais na determinação dos preços das terras, fatores locais também desempenham

papel relevante na oferta e demanda de terras, e, por conseguinte, na formação dos

preços. Evidências informais e não sistemáticas indicariam que o mercado fundiário,

pelo menos no interior do país e em regiões com agropecuária de baixo dinamismo,

é incompleto e pouco transparente.50

A baixa liquidez do mercado fundiário, o pequeno número de negócios e a

estrutura fundiária muito concentrada favorecem um processo de formação de

“preços cartorizados”, pouco transparente e fortemente influenciado por fatores

extra-mercado. Tais preços refletem a conjuntura macro e dos mercados

agropecuários relevantes de cada região, as características da propriedade

negociada, as particularidades de cada negócio, as condições de

pagamento ―principalmente os prazos concedidos e as características e valor de

eventuais ativos envolvidos― , o risco da operação, as garantias oferecidas, a

situação financeira do vendedor e muitos outros fatores. A presença da infra-

avaliação individual e para adequar mais plenamente as características da terra adquirida tanto às aptidões do conjunto de compradores como à disponibilidade de recursos. 48 A literatura que trata de contratos incompletos demonstra que o preço muito elevado de um ativo pode motivar uma seleção adversa dos agentes. O risco é particularmente elevado em um caso como o do Cédula, no qual o ativo terra assume um valor que transcende o econômico e que pode anular os esperados efeitos positivos da presença de fatores indutores de uma escolha eficiente. Sendo a propriedade o ativo de base dos projetos, uma opção de compra inadequada, ainda que não os condene ex-ante, certamente afetará de forma significativa a trajetória e desempenho dos projetos. 49 Ver FAO/INCRA (1999). 50 De fato, Reydon & Plata (1998:66) concordam com este argumento e indicam que no interior do país o número de negócios é bem menor que os registrados em São Paulo.

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estrutura e demais externalidades dificulta ulteriormente a formação do preço dos

imóveis. Por isso que dificilmente os preços de negócios isolados servem como

referência direta para outras transações em todo o município.51

Mesmo quando tais preços são tomados como ponto de partida, o processo

de negociação introduz tantas modificações que o preço final contratado termina por

guardar pouca relação com a referência inicial.52 Em mercados com esta

estruturação, o processo de negociação é fundamental na determinação do preço do

ativo.

Para o Cédula da Terra esta é uma etapa fundamental e com forte influência

sobre o desempenho futuro dos projetos e do próprio Programa. De uma boa

negociação dependerá a adequação das propriedades às necessidades das

associações, a qualidade das terras e o preço pago. Estas três variáveis, por sua

vez, condicionam fortemente o futuro dos projetos.

A partir destas considerações, várias hipótese tem sido lançadas acerca dos

possíveis efeitos negativos do funcionamento do mercado fundiário sobre o Cédula.

A primeira refere-se à possibilidade de que os preços sejam “inflacionados” pelo

crédito fundiário e a segunda sustenta que os proprietários somente estariam

dispostos a vender terras de má qualidade e com baixo potencial produtivo.

Nenhuma destas hipóteses deriva das teorias sobre os temas, o que não significa

que possam ser desprezadas.

A definição institucional de um preço teto para a terra ―o valor máximo do

beneficio por família é de US$ 11.200― reduz as possibilidades de distorções

provocadas pela “inflação de demanda”, mas não as elimina, já que não garante que

o preço pago seja compatível com a sustentabilidade do projeto. Tampouco é

possível evitar, ex-ante, que os proprietários coloquem no mercado suas piores

terras.53 A questão central é a relação entre o preço, a qualidade e a adequação do

ativo aos custos e objetivos dos projetos. Neste sentido, a estrutura de governança

51 A própria natureza do ativo terra (fertilidade e localização) dificulta a formação de preços gerais, especialmente em regiões com características pouco homogêneas. 52 Diante da carência de estudos sobre este tópico, é inevitável que as considerações acima assumam certa dose de especulação, o que antes de invalidá-las reforça a necessidade de mais estudos. 53 Os mercados modernos são segmentados, e um “mesmo" produto é desdobrado em vários, com qualidades diferenciadas, e vendido a consumidores de diferentes perfis de renda e de preferência.

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do Cédula da Terra, em particular a atribuição às comunidades de um papel central

no processo de aquisição das terras, seu caráter associativo e mercantil e a

presença do setor público como assessor técnico financeiro das comunidades em

todo o processo de negociação, instância de apoio e retaguarda de aquisição da

terra, deveria assegurar uma seleção adequada das propriedades e evitar as

possíveis distorções provocadas tanto pelas falhas do mercado fundiário como

aquelas que poderiam surgir devido à situação sócio-econômica dos beneficiários e

o papel atribuído ao acesso à terra.54

A pesquisa de campo não incluiu um estudo específico sobre o funcionamento

do mercado de terra nas áreas em que o Programa vem sendo implementado. Ainda

assim colheu informações suficientes para permitir alguns comentários sobre o tema.

Há indicações de que os mercados locais de terra são incipientes e não definem

parâmetros (preços de mercado) confiáveis que sirvam de referência para os

negócios realizados através do Cédula.55 Neste contexto, em grande medida o preço

pago depende da capacidade de barganha dos beneficiários ―pequena, como será

argumentado abaixo― e da negociação entre as partes. A seguir são analisados

alguns aspectos do processo de aquisição das terras pelos beneficiários do Cédula.

54 Teoricamente não há qualquer razão para sustentar que os compradores, responsáveis pelo pagamento da dívida contraída, aceitem pagar pelos ativos mais do que estes valem de fato; ou que estes adquiriram ativos cujo potencial produtivo seja incompatível com a geração do fluxo de renda necessário para pagá-lo. Estas distorções poderiam resultar de problema de informação, como o desconhecimento das terras e da região, possibilidade minimizada pelo caráter associativo e pela exigência de que os beneficiários tenham familiaridade com o mundo rural; poderiam decorrer ainda de outras falhas do mercado, cujas ocorrências são indiretamente associadas ao nível de desenvolvimento do próprio mercado, sendo portando mais provável no caso do mercado de terras em regiões menos dinâmicas do país; também poderiam resultar do significado que a terra tem para as populações pobres, que não tem nada a perder e que sempre “sonharam” com a propriedade de um “palmo de terra”. Neste caso, a “ansiedade” para ter a terra poderia justificar a aceitação de imposições extra-mercado e de escolhas de propriedade pouco adequadas para fundear o processo de desenvolvimento humano dos beneficiários. 55 Esta afirmação não está baseada em pesquisa junto aos cartórios locais para quantificar e analisar os negócios fundiários. Os pesquisadores da equipe responsável pela avaliação preliminar realizaram entrevistas abertas (conversas informais) com os presidentes das associações e outras pessoas por todos os locais visitados. Nestas conversas perguntaram sistematicamente sobre a realização de negócios recentes, e a resposta sistemática foi que os mesmos não tinham conhecimento de operações de compra e venda de terras ou, de forma mais peremptória, que nos "últimos tempos o mercado estava meio parado." A análise da evolução do preço da terra do banco de dados da Fundação Getúlio Vargas ―no qual em um grande número de municípios com projetos do Cédula não dispõem de preços de terra atualizados― é um indício adicional da não realização de transações com imóveis rurais.

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5.2 O processo de aquisição das terras

A metodologia adotada segmentou o processo de aquisição em várias etapas:

iniciativa do negócio, seleção/escolha da propriedade e negociação e formação dos

preços.56

Iniciativa do negócio

Em relação à iniciativa do negócio, de um total de 103 casos estudados, em

60% foram as associações que deram início ao processo de negociação; em 34,6%,

foi o vendedor quem procurou a associação para oferecer sua propriedade.57 Em 2

projetos, os órgãos responsáveis pela implementação do Programa deram início ao

processo de negociação e procuraram a associação para propor a aquisição de uma

propriedade já pré-identificada. Apenas 1 negócio foi realizado por iniciativa de

políticos locais e 1 de políticos com a participação do proprietário interessado na

venda da terra.58

Tabela 13: Critérios de Escolha da Propriedade

Critérios Observações(1) %

Qualidade da propriedade 84 80,8 Preço da propriedade 14 13,5 Morador, parceiro, etc. 16 15,4 Única disponível 4 3,8

(1) São 104 casos válidos.

56 Esta segmentação foi criticada por vários participantes do seminário de Fortaleza com o argumento de que é artificial e não reflete a dinâmica real do processo de aquisição das propriedades. Argumentou-se que na maioria dos negócios estas fases não são lineares, mas se entrelaçam de tal maneira que a análise isolada tem pouco valor. Por último, alguns participantes chamaram a atenção que as respostas dependiam de como os entrevistados entendiam as perguntas, e que este entendimento pode ter variado substancialmente de caso para caso. Este último ponto da crítica baseou-se na ausência de critérios únicos para definir, por exemplo, o que deveria ser entendido como "iniciativa do negócio" e como "participação na negociação". Os autores reconhecem a complexidade dos temas envolvidos e os eventuais problemas associados à metodologia da pesquisa. Consideram, no entanto, válido e verdadeiro o sentido geral da análise apresentada nos documentos anteriores, e não a precisão absoluta de um ou de outro percentual apresentados como sínteses de longas entrevistas realizadas com os presidentes das associações. 57 O fato de que alguns proprietários tenham tomado a iniciativa do negócio não pode ser associado, de forma automática, a uma distorção, como vem sendo apontado por alguns críticos do Cédula. 58 A análise por estado revela diferenças significativas entre eles. Em Minas Gerais e na Bahia, 91,7% e 84% dos projetos, respectivamente, resultaram de iniciativa da própria associação; nos demais estados este percentual foi muito mais baixo, ficando em 55,6% em Pernambuco, 46,9% no Ceará e 37,5% no Maranhão. A participação dos órgãos responsáveis pelo Programa na identificação inicial da propriedade que viria a ser adquirida foi nula nos estados da Bahia, Ceará e Maranhão. Os dois casos de iniciativa do órgão foram registrados em Minas Gerais e em Pernambuco.

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Antônio Márcio Buainain
Marcelo, conferir a apresentação da tabela. O Rinaldo parece preferir a indicação de ocorrências e casos no lugar de observações e percentuais.
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Seleção das propriedades

Em relação aos critérios adotados pela associação para escolher a

propriedade, as informações da Tabela 13 revelam que a principal preocupação das

associações foi com a “qualidade da propriedade”: 80,8% (84 ocorrências) dos

presidentes de associações entrevistados (104 casos válidos) afirmou que o fator

determinante da escolha foi a “qualidade”.59 Outro critério relevante foi o

conhecimento da propriedade: 15% dos presidentes indicou que a escolha deveu-se

ao fato de que parte dos beneficiários era ou tinha sido morador, parceiro, diarista no

imóvel escolhido, e que isto “facilitava as coisas”. 13,5% das associações

consideraram o preço como relevante no momento de escolher a propriedade.60

Estas informações devem ser qualificadas à luz da constatação (Tabela 14 )

de que 52% das associações adquiriu a propriedade sem procurar por outra.

Questionados sobre este comportamento, as respostas mais comuns dos

entrevistados foram: “esta era a única disponível”, ou a “única que atendia as

necessidades”, ou ainda “que é uma terra muito boa e que servia para a gente”.

Tabela 14: Procurou Outra Propriedade?

Procurou outra propriedade? Observações %

Sim 54 51,9 Não 49 47,1

Sem informação 1 (*)

Total 104 -

(*) Não se recomenda o cálculo em proporção devido à baixa freqüência.

Processo de negociação

Em relação ao processo de negociação (Tabela 15), em 45% dos casos (98

casos válidos) foi indicado que a negociação deu-se “entre as partes”, ou seja, entre

59 A pergunta admitia resposta múltipla. É preciso notar que a qualidade não se refere unicamente à fertilidade do solo, mas a um conjunto mais amplo de fatores, tais como a topografia, localização em relação às estradas e aos centros urbanos e benfeitorias. De qualquer maneira, a apreciação da qualidade foi feita pelos membros da comunidade a partir de seus conhecimentos e experiência. A intervenção de técnicos do governo e/ou do pessoal contratado para fazer o laudo técnico ocorre na fase final do processo de aquisição da propriedade. 60 Tal informação necessita análise e discussão mais detalhada, mas há indicações de que muitos beneficiários estavam dispostos a pagar pela terra até o limite máximo permitido pelo Programa. Neste particular, foram registrados casos de associações que pressionaram os órgãos responsáveis para aceitar a oferta do proprietário, pois “tinham medo do homem desistir e a gente perder a maior chance da nossa vida prá sair dessa miséria toda”.

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a associação e o proprietário. Em 23,5% dos casos, deu-se entre as partes com a

participação do governo (órgão responsável). Em 23,5% dos casos (23 entre 98), a

negociação foi na prática feita entre o proprietário e o governo.61 Foram ainda

indicados alguns casos de participação de políticos (4 casos) e de outras instituições

(sindicato, igreja) no processo de negociação.

A análise qualitativa do processo de negociação da propriedade revelou que a

maioria das associações não parece estar preparada para liderar o processo de

negociação e que o papel desempenhado por grande número delas é apenas

formal. No modelo mais comum de negociação as associações procuravam o

proprietário, manifestavam o interesse em adquirir a terra através do Programa,

recebiam a oferta, levavam ao órgão responsável e/ou discutiam com os técnicos do

governo, voltavam com uma contraproposta e assim por diante. As variantes deste

processo são duas: em alguns casos o próprio órgão indicava um valor para a

contraproposta e em outros apenas indicava que o proprietário estava pedindo muito

e que era necessário baixar o preço. Foram registrados poucos casos de

associações que contaram com o apoio de sindicatos, igrejas e ONGs no processo

de negociação.62

61 O documento preliminar do relatório síntese qualificava que a negociação havia sido feita sem qualquer participação das associações. A palavra qualquer foi objeto de intensa polêmica no seminário de Fortaleza. Mesmo reconhecendo que a procedência dos argumentos que apontaram para a imprecisão do significado da participação, os autores do documento consideram que o sentido da análise não se modifica com as observações, já que, nestes projetos a participação das associações nas negociações, caso tenha ocorrido, foi na melhor das hipóteses muito reduzida. Por outro lado, conhecendo a realidade do Nordeste rural tal fato não nos surpreende. Ao contrário, o surpreendente é o elevado número de associações com iniciativa e capacidade ―ainda que frágeis― de negociar com os proprietários de terra. 62 A polêmica em torno a este ponto parece estar produzindo visões distorcidas em ambos os lados da contenda. De uma parte, pelo menos do ponto de vista dos autores deste documento, é inegável a fragilidade das comunidades de pobres rurais do Nordeste para sentar à mesa de negociação, de igual para igual, com os proprietários de terras. As razões podem ser facilmente encontradas em qualquer livro de história e geografia econômica utilizado em cursos secundários. Seria surpreendente que o simples lançamento de um programa de combate à pobreza que busca superar as razões estruturais que mantém milhões de famílias em uma posição de marginalidade social, os transformasse, do dia para a noite, em cidadãos plenos, iguais perante a Lei e a sociedade que os vem excluindo desde sempre. Esta transformação requer tempo e será o resultado do programa caso este tenha sucesso. De outra parte, também é surpreendente a idéia de que a fragilidade das associações e a forte participação do governo no processo de negociação invalida a concepção do Cédula da Terra. Esta idéia é levantada pelos críticos como crítica e pelos defensores na forma de receio de que seja de fato verdadeira. O intrigante é que as grandes empresas e produtores recorrem a serviços especializados de assessoria e muitas vezes ao próprio governo para cobrir suas deficiências em processos de negociação sem qualquer problema, e que no caso do Cédula da Terra os pobres rurais sejam considerados "incapacitados" por receberem o apoio dos órgãos estaduais responsáveis pela implementação e supervisão do Programa. Se os responsáveis pelo Programa consideravam de fato que os beneficiários negociariam de igual para igual com os proprietários, o mínimo que se pode dizer é que foram naives e ou desconheciam a realidade local. Por outro lado, a crítica só se sustenta como crítica se a participação e o apoio do governo às comunidades pobres no processo de negociação fosse

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O peso do governo é inegável e fundamental na negociação das propriedades

que vem sendo adquiridas pelos beneficiários do Cédula. Os órgãos governamentais

são responsáveis pelo laudo técnico, estabelecem o patamar do valor da terra,

vetam a venda da propriedade devido a irregularidades existentes e, muitas vezes,

atuam no sentido de “convencer” as partes. Em última análise, o negócio somente é

fechado após o aval do governo.

Para os entrevistados, a negociação não se refere, exclusiva e

principalmente, a valores e de preços da propriedade, e sim a possibilidade real de

realizar o "sonho da terra própria”. Em decorrência disso, algumas associações

tendem a "aceitar” com mais facilidade as exigências dos proprietários, chegando

até a uma "aliança" com os vendedores para negociar com o governo.63

Nenhum caso revelou indicações de que a associação estivesse de alguma

maneira mancomunada com o proprietário para beneficiá-lo. Mas é inegável que

para as associações o processo de negociação ocorre em um contexto que reflete

um misto de ansiedade para adquirir a terra e de medo de perder a oportunidade.

Independente da motivação, o comportamento das associações confirma a hipótese

de que os compradores sempre buscam realizar o melhor negócio possível. No caso

dos beneficiários do Cédula da Terra, o melhor negócio parece ser adquirir a

propriedade já, sem qualquer demora. De livre e espontânea vontade, nenhuma

associação queria perder o negócio disponível, procurar outra propriedade melhor e

correr o risco de ficar de fora.64 Reconhece-se a plena idoneidade das associações

para defender com força os interesses estratégicos de seus membros. Em se

tratando de uma população que sempre sonhou em ter “um pedaço de chão”, o

incompatível com a concepção do Programa. Este não é nosso ponto de vista. No relatório completo da avaliação preliminar, de junho de 1999, sustentamos a virtuosidade da atuação dos órgãos dos governos estaduais e argumentamos que, de imediato, o relevante é acompanhar o Programa para identificar se e em que medida o "processo de negociação tutelado" afeta negativamente a estruturação dos projetos, revela sinais de distorções, ilegalidades e ou improbidades de quaisquer natureza. Argumentamos ainda que o desafio é apoiar as associações sem substituí-las, em um processo de aprendizado social que deveria culminar na plena capacitação dos beneficiários para integrar-se à sociedade de forma autônoma e igual. 63 Foi reportado um caso de uma associação no Ceará que pagou "por fora" por um poço cacimbão não incluído no laudo técnico devido ao mal estado de conservação. Também foram relatados 4 casos em Pernambuco nos quais as associações, diante da ameaça do proprietário de desistir do negócio, pressionaram o Prorural para aceitar a proposta argüindo, contra o próprio laudo técnico de avaliação, que o preço pedido refletia as qualidades excepcionais da propriedade. 64 Muitas negociações relatadas não foram concretizadas devido ao veto dos órgãos responsáveis (preço muito elevado, terras impróprias e propriedade irregular foram as principais causas mencionadas) ou à falta de interesse dos proprietários.

46

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interesse estratégico é ter a terra, fato que pode afetar negativamente o processo de

negociação para adquirir a propriedade. Neste sentido, é surpreendente que a

participação dos órgãos governamentais no processo venha sendo objeto de críticas

e ansiedades e não de elogios e evidência de robustez da concepção do Programa.

Tabela 15: Processo de Negociação

Ocorrências Casos (%)

Entre a associação e o ex- proprietário (entre as partes) 44 44,9 Associação e/ ou Federação, o ex- proprietário e o Governo 23 23,5 Governo e proprietário diretamente 23 23,5 Governo e proprietário com intervenção de polít icos 1 1,0 Entre as partes com intervenção de polít icos 3 3,1 Entre as partes com a participação de entidades de representação dos associados (Sindicatos, Federações e Confederação das Associações) 3 3,1 Entre as partes com a participação da Igreja 1 1,0

Nota: 6 valores ausentes; 98 casos válidos.

A falta de experiência e a fragilidade de muitas associações tornam imperativo

o suporte e a arbitragem que até o momento vem sendo feita pelos órgãos

estaduais, assim como o acompanhamento cuidadoso do processo de negociação,

pautado em critérios técnicos e claros. O acompanhamento deveria identificar se, e

em que medida: (a) a aquisição das terras está sendo condicionada, em termos de

preço e qualidade, pela iniciativa do proprietário, ou, em termos mais gerais, pela

oferta; (b) os preços da terra estão sendo afetados por fatores extra mercado; (c) as

propriedades adquiridas correspondem ou não às necessidades dos beneficiários;

(d) a qualidade e extensão das terras são compatíveis com a geração de renda para

permitir a superação da pobreza e para pagar o empréstimo fundiário.

No entanto, é preciso ter claro que a intervenção direta dos órgãos gestores

do Programa tanto pode ser “corretiva” como provocadora de distorções, cabendo à

análise dos casos concretos a resposta sobre a natureza desta intervenção. Apenas

o efetivo e amplo engajamento das várias organizações da sociedade e dos

potenciais beneficiários é capaz de exercer um controle eficaz sobre o Programa e

evitar eventuais distorções na aquisição das terras.

Formação dos preços

Como já se mencionou anteriormente, os mercados fundiários locais são

pouco desenvolvidos. A inexistência de preços de mercado que sirvam como

47

Antônio Márcio Buainain
Checar nomenclatura das colunas.
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parâmetros dificultam tanto a negociação como a avaliação do resultado final. Diante

desta ausência, as aquisições de terras pelo Cédula tendem a utilizar os métodos

praticados pelos bancos ou pelo INCRA para avaliar as propriedades. Análise

realizada por Reydon e Plata (1999) indica que os preços pagos pelos beneficiários

do Cédula da Terra são inferiores aos preços de referência da Fundação Getúlio

Vargas.65 A pergunta é até que ponto tais procedimentos, sem dúvida nenhuma

adequados para as desapropriações e as avaliações patrimoniais feitas pelos

agentes financeiros, são adequadas para guiar uma operação de compra e venda

entre privados, realizada à vista.

A análise do processo de negociação e dos preços pagos revelou que o laudo

técnico vem assumindo um papel relevante na formação do preço das propriedades

adquiridas pelo Programa.66 Observou-se grande discrepância entre o valor inicial

pedido pelos proprietários, o valor definido pelos laudos técnicos e o valor final

contratado. Em alguns casos os preços de fechamento foram inferiores a 1/4 do

preço pedido pelo proprietário. A substancial redução do preço final não pode ser

tomada, por si só, como evidência da realização de um bom negócio, posto que o

preço inicial de oferta pode não ter qualquer relação com a realidade. Na verdade, a

redução é tão grande que revela que os proprietários claramente sobreestimaram o

valor de suas terras.

O papel que o laudo técnico vem desempenhando nesta primeira fase do

Programa recomenda a necessidade da definição e adoção de critérios rigorosos

para a sua elaboração. Fica clara, ainda, a necessidade de realizar estudos

adicionais sobre o funcionamento dos mercados de terras com o objetivo de colher

informações de âmbito local que permitam, de maneira rápida e objetiva, avaliar, ao

final do processo de negociação, se o preço acordado entre as partes corresponde

ou não ao que o mercado atribuiria à propriedade em questão.

65 Estes mesmos autores também sustentam que os preços praticados pelo Cédula são inferiores aos utilizados pelo INCRA para realizar desapropriações. Este mesmo argumento é levantado por técnicos do Banco Mundial, cujas estimativas apontam substancial diferença em favor do Cédula. Buainain et. al. (1999b) apresenta um resumo destas estimativas. 66 Ver o relatório completo (Buainain et. al., 1999) para evidência quantitativa desta afirmação.

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6. CARACTERÍSTICAS DOS PROJETOS DO CÉDULA DA TERRA As diferenças nas dotações naturais e das características das microrregiões

em que os projetos ocorrem interferem em variáveis relevantes para o desempenho

e sustentabilidade dos projetos. Este capítulo analisa algumas características

relevantes dos projetos do Programa Cédula da Terra, as quais podem condicionar

de maneira decisiva o desempenho e a sustentabilidade dos mesmos. Trata-se de

uma tentativa de avançar evidências preliminares sobre alguns parâmetros

estruturais dos projetos, tais como a localização geográfica dos projetos, o preço da

terra, a área por família, a dotação de recursos naturais e de infra-estrutura. Em

particular, a análise procura indicar em que medida algumas características dos

projetos podem ser atribuídas à estrutura de governança do Programa e ou refletem

as condições dominantes nos estados. Esta análise preliminar considera a

distribuição geográfica dos projetos, algumas características das propriedades

adquiridas e finalmente os parâmetros dos próprios projetos.

6.1 Distribuição geográfica dos projetos e as principais características das regiões

Como mencionado anteriormente, a questão da localização dos projetos do

Cédula da Terra não é irrelevante para a análise preliminar do desempenho e

potencialidade do Programa.67 Mesmo em caráter preliminar, é relevante apresentar

algumas indicações da distribuição de projetos em regiões com diferentes

características e potencialidades.

A caracterização da distribuição geográfica dos projetos leva em conta quatro

fatores básicos que influem na localização e devem afetar o desempenho dos

projetos: (i) risco de seca, fator que restringe a exploração agrícola e pecuária na

região semi-árida; (ii) desempenho do setor agropecuário; (iii) nível de

desenvolvimento local e, por último, (iv) densidade populacional.68

67 Além da constatação sobre a importância da localização e qualidade da terra para o desempenho dos assentamentos de reforma agrária (Convênio FAO/INCRA, 1999), esta análise oferece subsídios para o avaliar com base empírica estatisticamente representativa o argumento de que as fazendas adquiridas pelo Programa são de má qualidade e localizam-se em áreas inadequadas para a agricultura. 68 Ver Buainain et.al. (1999b) para detalhes da metodologia utilizada para construir os indicadores de risco de seca, desempenho do setor agropecuário e de nível de desenvolvimento local.

49

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Deve-se levar em conta que o ambiente institucional particular de cada

Estado69 e a própria estrutura de governança do Programa condicionam a

distribuição geográfica dos projetos. De um lado, o limite de US$ 11,300 por família

e o incentivo embutido nas regras do Programa para reduzir o gasto com a terra

restringe (e até mesmo impede) a expansão de projetos em algumas zonas onde os

preços das terras são muito elevados. Por outro lado, como já se comentou antes,

pelo menos no estágio inicial a exigência de legalização das associações introduz

viés em favor das comunidades que já estavam organizadas e com alguma

experiência e contato com o setor público.

Apesar de ser novo, observa-se que o Programa tem uma boa geográfica na

maioria dos estados. Além disso, como indica a Tabela 16, os projetos estão bem

distribuídos pelas mesorregiões dos estados.70 Nota-se um certo grau de

concentração espacial por mesorregião, cujas razões (uma delas institucional, no

caso de Minas Gerais), serão detalhadas adiante. Apenas esta informação é

suficiente para confirmar que em geral os projetos estão distribuídos com certa

homogeneidade pelo espaço econômico das meso/microregiões dos estados, e

refutar a crítica de que estes estariam concentrados nas piores áreas.71

Tabela 16 . Ocorrência de projetos segundo meso e microrregiões, por estado

ESTADOS %Meso comprojetos

%Micro comprojetos

Participação relativa doEstado no total de PCT

da amostra

Ceará 86% 55% 32%Bahia 71% 38% 22%Pernambuco 100% 58% 16%Maranháo 100% 48% 13%Minas 60% 43% 12%

69 Por exemplo, o Estado de Minas Gerais definiu áreas prioritárias para a implantação de projetos do Cédula. A simples atuação mais ativa dos órgãos de assistência técnica, extensão rural e reforma agrária em determinadas áreas dos estados pode, pelo menos neste estágio inicial, pode, pelo menos neste estágio, "favorecer" a localização de projetos nestas regiões em detrimento de outras. 70 O índice de redundância de Thiel mostra um baixo nível de concentração dos projetos quando se considera sua distribuição entre as meso-regiões e micro-regiões dos Estados. Ver Hoffman (1998) para o cálculo do índice. 71 As informações da permitem afirmar que há considerável potencial para a difusão dos projetos em praticamente todos os estados. Apesar da boa distribuição geográfica, a cobertura ainda é limitada quando se consideram as microregiões e municípios. Observa-se como exemplo que apenas 38% das microrregiões baianas receberam projetos.

Tabela 16

50

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Durante o primeiro ano de vida do Programa, os projetos não emergiram em

algumas mesorregiões de maior incidência de agricultura capitalista

moderna ―como o Oeste Baiano― e em algumas microrregiões com melhor

dotação de recursos e menor risco de seca, como a Serra de Ibiapaba e o Cariri, no

Ceará.72

Tendo visto a distribuição geográfica dos projetos, é interessante apresentar

uma rápida caracterização das regiões a partir dos quatro indicadores mencionados

acima.

A variável densidade populacional73 é fortemente correlacionada com a

dotação de recursos naturais, disponibilidade de infra-estrutura e nível de

desenvolvimento econômico. A maioria dos projetos localiza-se em municípios com

densidade populacional baixa, entre 15 a 30 habitantes/Km2. No Maranhão e em

Minas Gerais a maioria dos projetos está localizada em municípios com densidade

inferior a 20 habitantes/Km2, enquanto em Pernambuco a densidade é superior a 50

habitantes/km2.

É interessante notar que os projetos do Maranhão localizam-se em municípios

com densidade populacional superior à média do estado, por si só um indicador de

que o Programa não está selecionando as regiões mais remotas e desabitadas do

estado. Por outro lado, também se nota a ausência de projetos nas regiões dos

estados com densidade populacional mais elevada, como a Zona da Mata em

Pernambuco e as áreas mais próximas do litoral no Ceará.

Uma conclusão preliminar que se pode tirar é que a estrutura de governança

do Programa, pelo menos nesta primeira fase, restringiu a criação de projetos em

regiões muito distantes e em regiões com densidade populacional muito elevada.

72 Essas micro-regiões, com regime hídrico melhor distribuído ao longo do ano, são consideradas de menor risco de seca. Além disso, dispõem de topoclimas favoráveis para a exploração de frutas e outras culturas permanentes de ciclo mais longo. É bom lembrar que uma mesorregião homogênea como a dos Sertões Cearenses é bastante ampla e pode incluir microrregiões com topoclimas mais favoráveis ou municípios próximos a grandes mananciais de água, que reduzem significativamente as restrições impostas pelas características de maior risco de seca e mesmo do tipo de solo (litólicos) predominantes nas áreas de sertão. Desconsiderar este aspecto pode levar a conclusões apressadas sobre as razões benéficas ou não da concentração dos projetos em certas meso/microrregiões. Esta observação indica os limites da análise apresentadas neste capítulo, por isto mesmo considerada preliminar pelos autores. 73 Foi considerada a densidade dos municípios que têm projetos e não o das meso-regiões.

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Em ambos os casos este resultado parece consistente com o objetivo geral do

Programa e com a sustentabilidade dos projetos.74

O próximo passo é apresentar a localização dos projetos em relação ao risco

da seca.75 A apresentação dos dados segundo os estados facilita a associação

dessas características com a situação particular de cada estado.

Figura 1. Distribuição dos Projetos PCT segundo o risco de seca das regiões

0%

20%

40%

60%

80%

100%

Perc

enta

ge o

f Far

ms

MA CE PE BA MGStates

drought risk

0 a 20%21 a 40%41 a 60%61 a 80%81 a 100%Missing values

74 É certo que o preço das terras restringe e/ou até mesmo inviabiliza a implantação de projetos nas áreas de maior densidade populacional dos estados. Mas é também possível que a proximidade dos grandes centros urbanos regionais, ao criar alternativas para a população meta, reduza a própria atratividade do Programa. Trata-se de uma hipótese interessante a ser testada com vistas a um eventual afinamento do foco de programas de combate à pobreza como o Cédula. Deve-se notar que a exclusão das áreas de maior densidade populacional poderia ser considerada positiva, já que indica que o Programa está mais presente nas regiões onde a população carente tem menos oportunidades. Outros fatores podem explicar a ausência ou baixa ocorrência de projetos nas áreas mais densamente povoadas. Em algumas áreas as propriedades que poderiam ser adquiridas através do Programa são de tamanho médio, e mesmo a formação de grupos com poucas famílias resultaria em.projetos com áreas por família pequenas. Dada as regras do Programa, a redução do número de famílias restringe tanto o valor máximo do crédito fundiário como o volume de recursos disponível para investimentos comunitários, reduzindo o incentivo para aderir ao Programa (ver Buainain et. al., 1999, para explicação detalhada das relações entre tamanho da fazenda, área por família, número de famílias do projeto, preço da terra e a capacidade inicial de investimento e possível sustentabilidade dos projetos do Cédula). Em relação às áreas mais distantes, várias hipóteses podem ser levantadas, entre as quais o acesso mais precário à informação (relevante no primeiro momento), menor nível de organização das comunidades nestas áreas, maior distância da capital e elevado custo inicial de adesão (viagens à capital sendo o principal item). 75 Ver Buainain et. al. (1999b) para detalhes metológicos.

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A Figura 1 mostra que os projetos do estado do Ceará estão inseridos em

regiões de elevado risco de seca.76 Deve-se levar em conta esta é a situação de

90% do território cearense, o que por si só torna sem sentido a crítica de que o

Programa está comprando terras apenas no semi-árido. A questão relevante é

avaliar em que medida e quais as condições necessárias para assegurar a

viabilidade dos projetos nestas regiões.77 Em Pernambuco, estado que tem muitas

micro-regiões em zonas de elevado risco, observa-se que os projetos estão

distribuídos de forma equilibrada em relação ao risco de seca. Isto é uma indicação

de que nesse estado os projetos não estão sendo implementados nas regiões de

pior dotação natural. Na Bahia, que também conta com várias microrregiões em área

de elevado risco de seca, a porcentagem de projetos com risco de seca superior a

60% e inferior a 80% é de apenas 11%, não existindo nenhum projeto em área de

elevadíssimo risco, como ocorre no Ceará e em Pernambuco. Ainda que a área

ocupada pelos projetos seja irrisória em relação ao potencial de sua instalação, a

análise da distribuição geográfica dos primeiros projetos permite refutar a crítica de

que a estrutura de governança descentralizada compromete a qualidade locacional

dos projetos.

Outro indicador considerado na análise da distribuição geográfica dos projetos

é o grau de dinamismo agrícola das regiões nas quais estes vêm sendo

implantados.78

Observa-se o predomínio de projetos em regiões caracterizadas como

estacionária e em contração (65% contra cerca de 45% nos 5 estados). A presença

de projetos nas regiões mais "dinâmicas" é quase nula em todos os estados. No

Ceará os projetos estão mais fortemente agrupados nas microrregiões consideradas

76 Este cálculo não se refere especificamente à severa seca ocorrida nos últimos 5 anos, mas a uma estimativa com base em séries longas. Ver França (1997). 77 Obviamente esta é uma tarefa que transcende os objetivos e o alcance do Programa Cédula da Terra, requerendo a ação coordenada de vários programas e órgãos do governos estadual e federal. O máximo que se poderia esperar de um programa como o Cédula é que funcione como detonador de demandas e reivindicações das populações carentes e de catalizador de intervenções sustentáveis e consistentes por parte do setor público. 78 O estudo de França (1997) apresenta o resultado do cálculo de um indicador de desempenho agrícola das micro-regiões do Nordeste. Ver o esquema da composição do índice em França (1997:213). Em resumo, a classificação que utilizamos sintetiza de forma hierarquizada três itens: a variação do valor bruto da produção (VBP) entre dois períodos de referência (em torno de 12 anos); a posição relativa da intensidade espacial do VBP e uma medida do grau de ocupação médio dos estabelecimentos da região, em relação à media da região nordeste.

53

Antônio Márcio Buainain
Zé, esta informação está confusa no gráfico. Como não tenho comigo a tabela original, é bom checar se é praticamente nula ou quase nula. Em Pernambuco tem os dois da Zona da Mata, mas não me lembro como as duas micro foram classificadas quanto ao dinamismo.
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em contração e estacionárias do que nas em expansão. Ainda assim, há que

considerar que apenas 21,2% das micro-regiões do estado foram classificadas como

em expansão e nenhuma como emergente ou dinâmica, e que aproximadamente

20% dos projetos estão nestas áreas. As informações da Figura 2 evidenciam que

os projetos não emergem apenas em regiões mais desfavorecidas e menos

dinâmicas.

Embora não se possa negar que a situação econômica das regiões afete o

desempenho dos projetos, não é possível deduzir, a priori, que a localização de

projetos em regiões estagnadas ou decadentes seja um fato negativo ou sinal de

uma má alocação de recursos. Ao contrário, pode refletir inclusive a capacidade de

aproveitar virtuosamente as oportunidades criadas pela decadência e ou estagnação

de segmentos da produção local, as quais enfrentam dificuldades sob o regime de

exploração anterior mas podem ser viáveis baixo outras formas organizacionais e

produtivas ao alcance dos beneficiários do Cédula. O caso do cacau na Bahia ilustra

esta possibilidade.79

A análise detalhada dos dados apresentados acima (ver Buainain et.

al., 1999b) sustenta a hipótese de que as condições de localização dos projetos do

Cédula refletem as condições de dotação natural e as limitações edafo-climáticas

impostas à agricultura de cada estado. Os casos "destoantes" são positivos, como a

concentração de projetos nos Agrestes Pernambucanos e a exclusão das áreas

mais distantes e despovoadas do Maranhão.

79 Existem inúmeros exemplos do impacto positivo que os projetos de assentamento podem provocar em localidades decadentes e estagnadas. Ver xxx para uma discussão mais abrangente das possibilidades criadas pela reorganização da produção em bases associativas.

54

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Figura 2. Ocorrência de projetos segundo o grau de dinamismo agropecuário das microrregiões

0%

20%

40%

60%

80%

100%

PercentageofFarms

MA CE PE BA MGStates

DinâmicaEmergenteExpansãoEstacionáriaContraçãoMissing values

Para analisar a localização e a disponibilidade de infra-estrutura construiu-se

um índice que compõe dois fatores básicos: a distância dos projetos aos mercados

(principal = regional e secundário = local) e as condições de tráfego. Este indicador

dá uma idéia, ainda que apenas aproximativa, do acesso aos mercados e da

capacidade de escoamento da produção dos projetos. Permite responder à

pergunta: estariam os projetos localizados em regiões de pior acesso aos mercados

e pior dotação de infra-estrutura? Os resultados são apresentados a seguir.

55

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Figura 3. Condições de Escoamento do Produto Agrícola

0%

20%

40%

60%

80%

100%

PercentageofFarm s

M A CE PE BA M GStates

good conditionsadequaterestrictedbad conditionsM issing values

Os dados da Figura 3 confirma a hipótese de que a densidade populacional

encontrada está correlacionada à melhor dotação de infra-estrutura. Em

Pernambuco observa-se elevada concentração de projetos em áreas bem dotadas

em infra-estrutura e fácil acesso aos mercados regionais.80 Em um outro extremo,

Minas Gerais e Maranhão apresentam as piores condições de acesso, o que

também coincide com a baixa densidade populacional que caracteriza as regiões de

estagnação e de fronteira nas quais os projetos vêm sendo implementados. Os

estados da Bahia e do Ceará apresentam uma maior variabilidade de situações, fato

que reflete muito mais as condições gerais de infra-estrutura e de acesso aos

mercados que o efeito do processo seletivo de propriedades pelas comunidades

participantes do Cédula.

Com base nos elementos apresentados acima sobre a distribuição geográfica

dos projetos, é possível tecer e resumir as seguintes conclusões:

a) Em termos gerais, a distribuição dos projetos em regiões com

características ambientais, dotação de infra-estrutura, localização em

80 Esta constatação ajuda a explicar o valor mais elevado da terra em Pernambuco.

56

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relação aos mercados regionais e potencialidades diferentes reflete

principalmente as condições e características predominantes em cada

estado. Desta forma, não se pode dizer que a estrutura de governança

do Programa está levando a uma má seleção das regiões;

b) Também é possível afirmar que em alguns estados o Programa não vem

se desenvolvendo nas melhores regiões, fato que pode ser atribuído

principalmente ao elevado preço das terras nestas áreas;

c) O risco de seca representa uma restrição para um número considerável

de projetos nos estados do Ceará, Pernambuco e em áreas da Bahia.

Embora isto não pode ser atribuído ao Programa, é óbvio que requer

atenção especial e que pode afetar os resultados esperados;

d) A situação de estagnação é predominante na agricultura dos 5 estados,

fato que se reflete nas características das microrregiões em que os

projetos vêm emergindo. Parece claro que a estrutura de governança do

Programa limita o acesso a propriedades em regiões mais dinâmicas e

de elevada densidade populacional, como a Zona da Mata

Pernambucana. Ainda assim, um conjunto relevante de projetos está

instalado em microrregiões com bom potencial agrícola;

e) As condições de acesso aos mercados estão diretamente relacionadas a

áreas mais densamente povoadas e com preços de terras mais altos. O

trade off entre condições de acesso/disponibilidade de infra-estrutura e o

preço da terra é evidente. Neste sentido o Programa parece estar

distribuindo os projetos em regiões com condições superiores à média

dos estados, fato que possivelmente se deve à arbitragem operado pelos

órgãos governamentais.

6.2 Características das propriedades adquiridas pelo Cédula da Terra

A análise de algumas características das propriedades adquiridas pelos

beneficiários do Programa é um componente relevante de sua avaliação preliminar e

oferece subsídios úteis para sua gestão e eventual aperfeiçoamento. Mais do que

57

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checar a hipótese de que apenas as piores propriedades são colocadas à venda,81 o

foco principal é avaliar até que ponto algumas das limitações impostas pelas

condições ambientais e sócio-econômicas apresentadas na Seção 6.1 são

contornadas, atenuadas ou agravadas pelas características da propriedades

adquiridas.82

Esta seção apresenta algumas evidências sobre este tema com base em

informações fornecidas pelos presidentes das associações incluídas na amostra,

nos dados técnicos disponíveis nos laudos de avaliação e em informações gerais

coletadas junto aos órgãos estaduais.

6.2.1 Uso anterior

Como mostra a Tabela 17, quase 60% das propriedades adquiridas eram

utilizadas apenas parcialmente, 22,3% encontravam-se em estado caracterizado

como de abandono pelos entrevistados e 18,4% foram classificadas com exploradas

de forma intensa.83 Esta constatação não é surpreendente quando se considera a

persistência e severidade da seca que atingiu a região nos últimos anos.84

Tabela 17: Uso Anterior do Imóvel Adquirido Segundo os Presidentes das Associações

Obs. % Obs. % Obs. % Obs. % Obs. % Obs. %

Abandonado 6 24,0 7 21,9 3 18,8 3 25,0 4 22,2 23 22,3 Pouco Utilizado 13 52,0 19 59,4 10 62,5 8,0 66,7 11 61,1 61 59,2 Bem Utilizado 6 24,0 6 18,8 3 18,8 1 8,3 3 16,7 19 18,4

TOTAL 25 100,0 32 100,0 16 100,0 12 100,0 18 100,0 103 100,0

Condições produtivas antes da aquisição

Bahia Ceará MaranhãoMinas Gerais

Pernambuco Total

81 Este ponto foi tratado, ainda que de maneira superficial, nas Seções 5 e 5.1. 82 Do ponto de vista metodológico, o objetivo final da análise é avaliar a viabilidade econômica dos projetos que serão implantados nas propriedades. Trata-se, portanto, de construir uma metodologia que permita averiguar questões como as seguintes: se e até que ponto as características ambientais podem ser potencializadas por equipamentos, pastagens, culturas perenes e condições de irrigação já presentes nas propriedades. Ou quanto as benfeitorias (em termos gerais) facultam uma rápida exploração dos recursos da propriedade, criando o mais cedo possível capacidade de pagamento e renda aos beneficiários. A apresentação acima é apenas uma primeiríssima etapa deste trabalho. 83 Esta classificação, apenas indicativa, foi construída a partir da avaliação pessoal dos presidentes das associações. Poucos laudos apresentavam uma descrição da ocupação anterior do imóvel. Quando tal descrição era contraditória com a impressão do presidente das associações, optou-se pela informação do laudo. 84 Pode-se levantar a hipótese de que situações de crise criam alternativas para reestruturações, e que o Programa Cédula da Terra capacita comunidades pobres a aproveitarem oportunidades que antes não estavam ao seu alcance.

58

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A maioria das propriedades era explorada de forma extensiva, com a

presença em quase todas de algum item referente a pastagens ou criação de

animais.85 O levantamento feito nos locais indicou que parte das atividades era

realizada por moradores locais, engajados pelos proprietários como diaristas,

parceiros, arrendatários e até mesmo como moradores. Muitos destes trabalhadores

fazem parte das associações de beneficiários que adquiriram a propriedade.86

Tabela 18: Utilização Anterior do Imóvel Adquirido

Obs. % Obs. % Obs. % Obs. % Obs. % Obs. %

Pasto/ Subsistência 4 16,0 1 3,1 2 12,5 2 16,7 3 16,7 12 11,7 Pasto/ Subsistência/ Salada/ Frutas 6 24,0 17 53,1 7 43,8 - - 9,0 50,0 39 37,9 Pasto 4 16,0 4 12,5 2 12,5 2 16,7 2 11,1 14 13,6 Pecuária Bovino (corte e leite) 6 24,0 4 12,5 1 6,3 6 50,0 3 16,7 20 19,4 Ovino/ Caprino 1 4,0 5 15,6 - - 1 8,3 1 5,6 8 7,8 Extrativismo (babaçu, etc) - - 1 3,1 3 18,8 1 8,3 - - 5 4,9 Reflorestamento 4 16,0 - - - - - - - - 4 3,9 Sem Produção - - - - 1 6,3 - - - - 1 1,0

TOTAL 25 100,0 32 100,0 16 100,0 12 100,0 18 100,0 103 100,0

PernambucoMinas Gerais

TotalCeará MaranhãoBahiaUtilização anterior do imóvel adquirido

Apesar da predominância de propriedades voltadas para a pecuária

extensiva, nota-se que 37,9% dos imóveis amostrados contavam com culturas

permanentes, áreas de horticultura (salada) e/ou de frutas. A exceção de Minas

Gerais,87 nos demais estados observa-se esta "miscelânea" de atividades, indicando

um potencial diversificado que pode ser explorado pelos novos proprietários.88 A

presença do item subsistência confirma que a exploração dava-se com base na

articulação do proprietário com os minifundiários, moradores, diaristas e parceiros. O

Programa Cédula da Terra, nesses casos, seria uma forma de alocar direitos de

85 Em regiões do semi-árido com elevado risco de seca, a criação extensiva de caprinos e ovinos exige menores investimentos e reduz os riscos produtivo e econômico. 86 É pelo menos curioso que este fato seja objeto de críticas, uma vez que pela primeira vez o financiamento favorece aos trabalhadores e não a outros proprietários ou empresários. Trabalhadores urbanos vem utilizando com sucesso a estratégia de assumir o controle de empresas falidas ou em crise, e os resultados só não são melhores justamente por falta do financiamento e apoio do setor público. 87 este item não tem registro, evidenciando o que mostramos em 5.1, de que as condições de baixa densidade populacional e certo isolado das microrregiões em que os PCT lá estão instalados condicionam o uso extensivo das propriedades. 88 Por exemplo, no caso de Pernambuco, a presença de saladas e frutas em certas microrregiões do Agreste indica possibilidades de exploração localizada da fruticultura, como abacaxi e de horticultura irrigada; no Maranhão espera-se a exploração de culturas agrícolas também extensivas, como o caso do arroz. Na Bahia há indicações de viabilidade para o coco, laranja, cacau e café, além de hortaliças. No Ceará as alternativas ex ante são menores devido ao risco de seca mais elevado e à escassez de recursos hídricos.

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propriedade e direitos sobre os ativos residuais que estavam bloqueadas pelas

relações anteriores.

Esta fotografia superficial da situação e uso do solo anterior da propriedade

revela que a maioria não está "pronta" para exploração rentável imediata pelos

beneficiários. Tal constatação enseja duas avaliações opostas e relevantes. De um

lado, significa que os novos donos terão que investir para construir capacidade de

geração sustentável de renda. Isto requer tempo, recursos financeiros, coordenação

de esforços, paciência, disciplina e perseverança, seja da dos beneficiários seja do

setor público. De outro lado, tal situação reduz o preço de aquisição da terra,

favorecendo a construção de novas alternativas produtivas e reduzindo o risco de

que os novos proprietários reproduzam seja sua situação anterior de

minifundiários/parceiros com explorações de subsistência seja alguns sistemas

produtivos de fazendas aparentemente bem sucedidas da região que são

exploradas e conduzidas de forma capitalista.

6.2.2 Benfeitorias e acesso à energia

A dotação de capital fixo (infra-estrutura em geral, culturas permanentes,

pastos e forrageiras e reservas extrativas) das propriedades assim como a

disponibilidade e o acesso à energia elétrica (e estradas) são fatores relevantes para

caracterizar os projetos, sua potencialidade e futuro desempenho. De um lado, a

disponibilidade de certos itens de infra-estrutura pode indicar a existência de fontes

de geração imediata de renda, tal como o cacau na Bahia, a palma em Pernambuco

e a madeira/babaçu no Maranhão. De outro lado, a dotação de capital fixo das

fazendas (e seu estado de conservação) em conjunto com o acesso à energia e à

rede de transportes constituem-se em condicionantes relevantes para a definição

das estratégias de longo prazo que os projetos começam a adotar e implementar

com base no financiamento comunitário. Dão ainda uma idéia da magnitude de

investimentos requeridos para a implantação inicial dos projetos produtivos definidos

pelas associações.

Nesta análise preliminar as benfeitorias foram agrupadas em três itens

segundo sua vinculação com as atividades produtivas: i) infra-estrutura e cultivos

permanentes utilizados para exploração pecuária; ii) infra-estrutura e cultivos

permanentes utilizados para exploração agrícola e agroindustrial; iii) infra-estrutura

60

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de uso geral e disponibilidade/grau de dificuldade para obtenção de energia

elétrica.89

Figura 4. Animal Exploitation Facilities in PCTs

MA CE PE BA MG

SheepfoldPalm/extrativism

CorralPasture

Fences

0

10

20

30

40

50

60

70

80

90

100

Perc

enta

ge o

f Far

ms

with

:

States

A Figura 4 indica que a maioria das propriedades adquiridas apresenta os três

itens básicos para a exploração pecuária: cercas, pastagens e currais. A

configuração diferenciada dos projetos da Bahia reflete a menor importância da

pecuária na região cacaueira e a presença de propriedades com vocação para a

fruticultura.90 No caso Maranhão, a falta de instalações como currais revela a

característica de região "emergente", típica da agricultura do estado. A pequena

participação de propriedades com cultivos de palma, exigente em mão de obra, é

89 Ver Buainain et. al. (1999b) para os detalhes da metodologia utilizada para construir os indicadores. 90 Ainda assim é importante ressaltar que a análise da situação das propriedades adquiridas pelo Programa na Bahia foi prejudicada pela falta de informações dos laudos técnicos e pela deficiência das entrevistas realizadas com as associações localizadas na Mesoregião Norte.

61

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explicada pelo sistema de pecuária extensiva praticado pela maioria das fazendas

adquiridas.91

Figura 5. Propriedades com culturas permanentes e instalações agroindustriais.

MA CE PE BA MG

Permanent culture

Agroindustrial installations0

10

20

30

40

50

60

Perc

enta

ge o

f Far

ms

with

:

States

A análise dos laudos e as informações obtidas no local indicam que o estado

de conservação das benfeitorias e cultivos permanentes é de relativo abandono, e

que sua plena utilização requererá trabalho de recuperação. Em muitos projetos

visitados tal esforço já estava em andamento. Muitas associações condicionavam o

acesso aos recursos disponibilizados pelo Programa à participação dos beneficiários

nas tarefas de recuperação de cercas, pastagens, plantações e instalações

hidráulicas e construções. A disponibilidade de mão de obra da própria associação

torna viável, com um pouco mais de investimento, a habilitação da maioria das

propriedades para iniciar explorações pecuária de caráter extensivas e a plantação

imediata de roças e até mesmo a introdução de alguma nova cultura, como o

abacaxi em Pernambuco e o café na Bahia.

A participação de propriedades que dispõem de culturas perenes e de infra-

estrutura vinculada à exploração agroindustrial é bem menor (Figura 5). Maranhão e

Minas Gerais são os estados com menor grau de ocorrência dos dois itens,

91 O cultivo da palma pelos beneficiários, utilizando a disponibilidade de trabalho da associação, pode representar um fator extremamente relevante para viabilizar a exploração pecuária, reduzir o risco de perda do rebanho e elevar o rendimento em relação à média local.

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refletindo a condição das próprias regiões (fronteira em expansão, baixa densidade

populacional e isolamento relativo). No outro extremo, localizam-se os estados de

Ceará e Pernambuco, este último com o maior número de registros de instalações

agroindustriais (casas de farinha e instalações para o fabrico de queijo e manteiga).

Tal fato, que pode ser atribuído ao posicionamento geográfico das propriedades e às

melhores condições de acesso aos mercados, revela que os novos proprietários

poderão explorar as oportunidades associadas à proximidade e facilidade de acesso

aos mercados locais. A ocorrência de culturas permanentes na Bahia reflete a

implantação de projetos em certas microrregiões com condições propícias para a

fruticultura e a cultura do cacau. Os beneficiários poderão explorar as vantagens

potenciais associadas à disponibilidade de mão de obra e ao menor custo de

monitoramento para alavancar estas atividades.

Figura 6. Disponibilidade/acesso à energia elétrica

MA CE PE BA MG

0

10

20

30

40

50

60

70

Perc

enta

ge o

f Far

ms

States

Without possibility of energysupply in the mid runWith possible instalation in themid runWith energy supply

A disponibilidade e/ou acesso potencial à energia elétrica é relevante, não

apenas devido ao conhecido impacto sobre a qualidade de vida das populações

como também por se tratar de um insumo essencial tanto para remover algumas

restrições como para explorar potencialidades associadas ao meio ambiente. A

Figura 6 mostra que as propriedades adquiridas em Pernambuco têm melhor

dotação de energia elétrica, confirmando as demais informações associadas à

63

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concentração de projetos na região dos agrestes.92 Refletindo as condições de

região de fronteira, o Maranhão registra o maior número de propriedades com

dificuldades para ter acesso à eletrificação rural, uma vez que as linhas estão

distantes ou não existem.93

Em Minas Gerais, a proporção de propriedades que contam com energia

elétrica é superior a 50%. Tal fato parece ser resultado da intervenção da

SUDENOR, que priorizou/orientou a aquisição de aquisição de propriedades com

disponibilidade de água e energia elétrica, reduzindo, desta forma, as restrições

associadas ao meio ambiente.

A situação do Ceará é reveladora da importância dos recursos disponíveis

para investimento comunitário. Como indicado na Figura 6, um grande número de

propriedades tem possibilidade de obter energia elétrica, insumo fundamental para a

obtenção de água. Análise realizada por Silveira et alii (1999) mostra que várias

associações alocaram parte destes recursos para ligar as propriedades à rede de

energia elétrica. Esta constatação revela que, mesmo no Estado onde as condições

ambientais impõem severas restrições ao desenvolvimento da agricultura em geral,

tais restrições podem ser aliviadas por outros fatores, como a localização,

disponibilidade de infra-estrutura e decisão de investimento consistente com as

restrições e as potencialidades locais.

6.2.3 Potencial de irrigação dos projetos

O risco de seca que em maior ou menor grau está presente em 4 dos 5

estados aonde o Programa vem sendo implementado justifica a preocupação

especial em avaliar, ainda que de maneira superficial, as condições potenciais e

efetivas de irrigação dos projetos. A fim de obter maior precisão analítica, os projetos

(propriedades) foram classificados segundo a disponibilidade de recursos hídricos e

suas possíveis utilizações: a) disponibilidade/potencial de água para consumo

humano e animal ―permite às propriedades resistir a períodos de seca mais

prolongados sem uma sensível descapitalização por perda ou venda compulsória de

animais: b) recursos hídricos que permite praticar uma irrigação localizada, inclusive

92 Deve-se indicar que a melhor qualidade das informações disponíveis para Pernambuco podem ter contribuído para ressaltar a diferença em relação aos demais estados. 93 O nível de informação sobre este item é menor, mas menos incompleto do que no estado da Bahia.

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o plantio de várzea; c) fonte de água suficiente (rios, poços artesianos e poços

profundos com vazões superiores a 15000 l/hora) para sustentar projetos de

irrigação permanente.

Figura 7. Potencial de irrigação dos projetos do Cédula

0%10%20%30%40%50%60%70%80%90%

100%

Perc

enta

ge o

f Far

ms

with

:

MA CE PE BA MG

States

With irrigation

With potential forirrigation

With potential foranimalconsumption andcultivation of smalltract of vegetableWithout potential

Os projetos em Minas Gerais apresentam maior potencial de irrigação. Como

mostra a Figura 7, quase 80% dos projetos já tem irrigação ou tem recursos hídricos

adequados para tal. Os estados do Ceará e Maranhão apresentam as maiores

ocorrências de propriedades que não oferecem meios para irrigação. Tal fato não

chega a ser um problema no Maranhão, onde o tamanho das propriedades e as

condições ambientais permitem a implantação de sistemas de produção extensivos,

sustentáveis e que não dependem de irrigação.94 Já no Ceará tal situação restringe

as alternativas de sistemas de produção viáveis e eleva consideravelmente os riscos

envolvidos e a vulnerabilidade diante da seca. Em Pernambuco praticamente 70%

dos projetos dispõem/potencial de recursos hídricos compatíveis com a exploração

de pequenas áreas de cultivo de baixada em áreas úmidas, pequena irrigação

94 As simulações sobre alguns sistemas de produção que poderiam ser implantados por projetos do Cédula no Maranhão indicaram que o tamanho da propriedade (ou a área disponível por família associada) é de fato uma variável determinante da sustentabilidade dos sistemas dominantes. Ver Buainain et. al. (1999b) e FAO/INCRA (1998).

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localizada e com o consumo animal da propriedade. Dada a concentração dos

projetos nos Agrestes, a proximidade e fácil acesso aos centros consumidores e a

disponibilidade de energia elétrica, a exploração da pequena irrigação em

combinação com a pecuária poderia assegurar a viabilidade e sustentabilidade da

maioria dos projetos.

Figura 8. Irrigation Facilities on PCT

0%

20%

40%

60%

80%

100%

PercentageofFarms

MA CE PE BA MG

States

With irrigation

Without irrigation

Non Information

Deve-se chamar a atenção para o fato de que a maioria das propriedades

adquiridas pelos beneficiários não dispõe de instalações para irrigação (Figura 8).

Isto significa que a exploração do potencial mencionado acima dependerá da

coordenação de esforços envolvendo não apenas os beneficiários e órgãos

diretamente responsáveis pelo Programa como também entre vários órgãos do

governo e a própria sociedade civil95 e de investimentos. Não se trata de tarefa

simples, pois como mostraram Silveira et alii (1999), estes investimentos apresentam

95 Em alguns estados já se podia notar um embrião deste tipo de cooperação. Em Minas Gerais a complementação da eletrificação vinha sendo feita pela empresa estadual de energia elétrica, sem ônus para os beneficiários. Algumas prefeituras estavam engajadas em várias atividades necessárias para viabilizar/potencializar os projetos. No Ceará algumas associações já operavam em estreita consulta entre elas, e uma federação de associações vinha desempenhando papel ativo na implantação de novos projetos. Também se observou que, após um período inicial de falta de coordenação entre a Secretaria de Planejamento, o Instituto de Terras e a Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural, estes órgãos já estavam atuando em conjunto na implementação do Programa.

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certo grau de indivisibilidade, restringindo sua viabilidade para os pequenos projetos

(pequena área e poucas famílias) com baixa capacidade de endividamento.

É possível apresentar as seguintes conclusões resumidas sobre as

características das propriedades adquiridas pelos beneficiários do Programa:

a) As condições de exploração econômica e uso do solo das propriedades

parecem refletir de perto as condições gerais prevalecentes nas regiões

e a situação da agricultura dos estados;

b) As propriedades vinham sendo exploradas de forma tradicional, sendo a

maioria fazendas de pecuária extensiva com plantações de subsistência

e pequena área de cultivos mais intensivos a cargo de arrendatários e/ou

parceiros. Cada estado apresenta certas particularidades, como a

presença de fazendas de cacau na Bahia;

c) A dotação de infra-estrutura das fazendas reflete sua utilização prévia.

Embora um número elevado de propriedades disponha da infra-estrutura

básica associada à pecuária extensiva, o estado de conservação parece

precário e exigirá esforço de recuperação por parte dos novos

proprietários. É limitada a ocorrência de pastos plantados, capinzeiras e

palma forrageira, confirmando o caráter extensivo do sistema de

exploração anterior. Da mesma forma, são poucos os registros de

propriedades com boa dotação de infra-estrutura associada à produção

agrícola e ao processamento primários dos produtos;

d) A participação de propriedades com disponibilidade e acesso à energia

elétrica reflete a situação particular de cada estado e a

orientação/intervenção dos órgãos do governo no processo de seleção

das fazendas. Embora o número de projetos sem possibilidade de

acesso à energia elétrica seja grande, especialmente no Maranhão e

algumas regiões da Bahia, a disponibilidade de energia não se coloca

como um obstáculo absoluto nas áreas aonde sua utilização é de fato

crucial para viabilizar sistemas de produção viáveis e sustentáveis, como

nos Agrestes de Pernambuco, Sertões Cearenses e Norte de Minas;

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e) Poucas propriedades dispõem de capacidade instalada de irrigação, mas

existe amplo potencial para irrigação, pelo menos em pequena escala, e

manutenção dos rebanhos;

f) Ao contrário do que o exemplo dos primeiros projetos sugeria, a maioria

das propriedades nem se encontra pronta para ser explorada de forma

rentável pelos novos donos nem dispõem de fonte de geração de renda

imediata. A exploração da maioria delas requer um conjunto de

investimentos e um esforço continuado dos beneficiários, e os resultados

e consolidação econômica demandarão tempo para materializar-se.

7. ANÁLISE DOS PROJETOS DE FINANCIAMENTO: PRINCIPAIS PONTOS O Programa Cédula da Terra opera através de dois componentes: o

Subprojeto de Aquisição de Terra (SAT) e o Subprojeto de Investimento Comunitário

(SIC). Como já foi indicado atrás, as características da propriedade adquirida por

meio do SAT ―particularmente a localização, tamanho, fertilidade natural e aptidão

dos solos e benfeitorias― condicionam fortemente as alternativas e potencialidades

dos projetos. Os investimentos iniciais realizados através do SIC também assumem

posição estratégica para a viabilidade dos projetos, especialmente em um ambiente

caracterizado pela escassez de linhas de financiamento adequadas às necessidades

dos beneficiários do Programa. A análise do SAT e SIC é um componente da

Avaliação Preliminar, e os resultados e conclusões são reveladoras tanto do

potencial como de obstáculos que muitos projetos do Cédula deverão enfrentar.

A análise do SAT96 procurou ressaltar os elementos estruturais de cada

projeto (valor do financiamento, características e valor das benfeitorias, tamanho da

propriedade e número de famílias participantes); a análise do SIC focou o conteúdo

dos projetos de investimentos aprovados, procurando associar os vários

componentes às características do ambiente local e da propriedade.

96 As informações utilizadas são aquelas disponíveis nos projetos SAT e SIC, incluindo os laudos de avaliações e as recolhidas em questionários aplicados aos presidentes das associações.

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7.1 Análise dos Subprojetos de Aquisição de Terras

A área total média dos projetos amostrados nos 5 Estados é de 815,3 ha; a

classe modal encontra-se entre 300 e 400 ha e a distribuição concentra-se entre 300

e 800 ha, abaixo do valor médio (a mediana é de 703ha). Há poucos casos de

projetos superiores a 2000 ha, assim como são raros os projetos com área muito

reduzida (o menor projeto tem área de 68ha). Ainda assim, existem mais de 20

projetos com área maior que 1200 ha, normalmente localizados nas áreas de menor

densidade populacional e de explorações extensivas. Em resumo, 31,86% dos

projetos têm até 500 ha e 71,7% até 1000 ha.

Teoricamente é possível adequar o tamanho do projeto ao número de

associados, seja adquirindo mais de uma propriedade seja selecionando apenas

parte dos membros da comunidade para participar aderir ao projeto do Cédula. Pelo

menos nesta fase inicial, a primeira opção não tem sido utilizada: o tamanho das

propriedades reflete a estrutura fundiária local e a oferta de terras para vender.

Poucos projetos resultaram da fusão ou divisão de propriedades já existentes. A

questão relevante é identificar em que medida o número de famílias ajusta-se à

disponibilidade de terras, sem prejuízo da sustentabilidade dos projetos, ou, ao

contrário, dada a pressão populacional e o tamanho das associações pré-existentes,

o número de famílias é definido apenas (ou principalmente) pelos limites impostos

pela própria regra do Programa.

Em relação ao número de famílias por projeto, observou-se que a maioria dos

projetos está dividida em dois grupos: aqueles com entre 15 a 20 famílias e aqueles

com número média de famílias variando entre 35 a 40 famílias por projeto (ver

Tabela 19). A pesquisa de campo encontrou indicações de que poucas associações

ajustaram o número de famílias às características da propriedade e que, na prática,

o número de famílias por projeto reflete, de um lado, a oferta de terras ―e a

restrição imposta pela dificuldade em encontrar grandes propriedades ou várias

propriedades contíguas― e de outro, a pressão para incluir o maior número de

famílias que cada propriedade pode suportar sem ferir os limites máximos impostos

definidos pelas regras do Programa. Nestas condições, é possível que o tamanho de

algumas propriedades e o número de famílias participante não seja compatível com

as exigências agronômicas. Naturalmente que este ajuste depende dos sistemas

69

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70

produtivos que serão implementados, da tecnologia adotada e dos recursos

disponíveis.

É possível afirmar que as regras do Programa são desvantajosas para os

projetos/associações muito pequenas, e que a maioria destes terão maior

dificuldade para viabilizar-se do que associações mais numerosas e área por família

adequada para os padrões locais. O ponto de estrangulamento é o limite de

US$ 11.200 por família. Mesmo considerando que a terra seja bem negociada e

absorva apenas metade deste total, o restante, caso multiplicado por poucas

famílias, não atingirá a soma mínima necessária para permitir a realização de

investimentos necessários para a adequada consecução de projetos viáveis. A

menor associação pesquisada tem 8 associados e certamente sofrerá estas

limitações impostas pela forma de governança adotada pelo Programa.

Por outro lado, associações muito grandes também deverão enfrentar

dificuldades associadas à gestão da propriedade associativa. Embora os projetos

ainda estejam engatinhando, a Avaliação Preliminar encontrou situações de conflitos

latentes (e de insatisfações) entre beneficiários de vários projetos de médio e grande

porte. As dificuldades que podem surgir no processo de gestão de propriedades

adquiridas por associações muito grandes podem contrabalançar as eventuais

vantagens decorrentes do acesso a vários tipos de capital que são indivisíveis, como

os tratores e determinadas instalações de pré-processamento.

As grandes associações estão relacionadas à existência prévia de

comunidades antigas, muitas delas voltadas para projetos assistenciais, e que

encontram dificuldades para selecionar candidatos e reduzir o número de

beneficiários. A maioria está relacionada a uma queda na área média por família e à

aquisição de grandes propriedades. Considerando que as propriedades muito

grandes estão em geral associadas a terras de menor qualidade e a regiões mais

secas e distantes, a área média por família indica que a absorção de grupos

numerosos pode comprometer a estruturação “equilibrada” e sustentável destes

projetos. Esta distorção não é expressiva em termos quantitativos, uma vez que foi

em geral coibida pelos órgãos responsáveis: apenas 12,39% dos projetos têm mais

de 60 associados, sendo o maior com 130 famílias.

Page 74: AVALIAÇÃO DO PROGRAMA CÉDULA DA TERRA · Tabela 23: Parâmetros dos Gastos com “Manutenção” das Famílias _____78 Tabela 24: Tipo de Associações Segundo as Razões da Criação

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[0, 500) [500, 1000) [1000, 1500) [1500, 2000) [2000, 2500) [2500, 3000) Todos

Média 29,00 40,95 62,18 NA NA NA 34,04Desvio Padrão 10,29 8,03 NA NA NA NA 11,95Observações 22 12 1 0 0 0 35

Média 11,64 27,22 38,88 45,90 NA NA 26,14Desvio Padrão 3,96 8,16 12,15 5,48 NA NA 12,10Observações 9 25 5 2 0 0 41

Média 8,59 14,38 27,48 34,07 35,09 53,12 21,98Desvio Padrão 1,95 4,56 2,86 4,85 NA NA 11,91Observações 5 6 8 2 1 1 23

Média NA 14,64 17,21 24,58 40,00 NA 22,18Desvio Padrão NA 1,15 17,45 0,00 NA NA 8,48Observações 0 2 2 3 1 0 8

Média NA NA NA 16,88 25,16 29,40 22,08Desvio Padrão NA NA NA 1,06 NA NA 6,28Observações 0 0 0 2 1 1 4

Média NA NA 12,00 NA NA NA 12,00Desvio Padrão NA NA NA NA NA NA NA Observações 0 0 1 0 0 0 1

Média NA NA 9,14 NA NA NA 9,14Desvio Padrão NA NA NA NA NA NA NA Observações 0 0 1 0 0 0 1

Média 21,83 28,61 29,56 29,72 33,42 41,26 27,04Desvio Padrão 12,31 11,57 13,75 11,33 7,56 16,77 12,54Observações 36 45 18 9 3 2 113

[80, 100)

[100, 120)

[120, 140)

[0, 20)

[20, 40)

[40, 60)

[60, 80)

NÚMERO DE FAMÍLIAS

ÁREA TOTAL

All

Tabela 19: Distribuição de Freqüência da Área por Família (AFAM) Segundo Estratos de Número de Famílias (FAM) e Área Total (AT) — Amostra Geral —

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A Área por Família em cada projeto é importante, pois está associada à idéia

de módulo produtivo.97 Todavia, áreas por família que estejam, por exemplo, abaixo

do módulo da região, não devem conduzir a um veredicto apressado sobre a

viabilidade dos projetos. Há sempre a possibilidade de ocorrer um tipo de exploração

intensiva em mão-de-obra, que, potencializada pela combinação de capital físico e

humano que estão fora do alcance de um agricultor isolado, mas não de uma

associação, leve a um resultado economicamente positivo.

O valor médio encontrado é de 27 ha e o valor mediano 25,2 ha, o que mostra

que a área por família dos projetos não está distante das áreas detidas por

pequenos produtores em regiões do interior do Nordeste. 85,2% dos projetos tem

área de 10 a 40 ha por famílias; 8 projetos têm área por família menor que 10 ha e

20 têm acima de 40 ha.

Poucos fogem deste padrão: duas ocorrências de mais de 100 famílias em

estratos entre 1000 e 1500 ha resultam em áreas médias bastante baixas, de 12 e

9,13 ha. Também neste mesmo estrato de área, um número reduzido de famílias

ficou com 62,17 ha por família. Os casos de elevadas áreas por família (mais de

50ha) são bastante raros e devem estar relacionados às condições de exploração

extensiva no semi-árido.

A relação entre o valor do SAT,98 o número de famílias e a área média por

família é fundamental para definir o perfil produtivo e a viabilidade dos projetos. A

parcela mais importante dos SAT é o valor da terra nua, variável entre as regiões de

acordo a um conjunto de fatores que incluem deste as condições edafo-climáticas

até as externalidades gerados pela presença de bens públicos, especialmente as

97 Projetos pequenos com área por família também pequena é um sinal de alerta para a possível reprodução de minifúndios sem viabilidade econômica. Na amostra estudada, é pouco expressiva a participação de pequenos projetos com área por família reduzida. Na maioria das vezes a ocorrência desta situação parece refletir restrições pelo lado da oferta da terra. 98 Uma análise ideal dos SAT deveria considerar o valor pago pela propriedade e examinar a adequação deste valor ao potencial de geração de renda pelos compradores. A separação entre valor da terra nua e benfeitorias, amplamente utilizada em desapropriações é, de certa forma, um artificio, uma vez que o mercado valora a propriedade como um todo, e não cada um de seus componentes. A Avaliação Preliminar incorporou tal artifício por duas razões: primeiro, para permitir comparações entre o preço pago pela terras adquiridas através do Programa e as séries de preços de terra disponíveis (FGV, INCRA e BNB); em segundo lugar, para analisar as benfeitorias presentes na propriedade e sua compatibilidade/interesse com os projetos produtivos das associações.

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estradas, as linhas de transmissão de energia elétrica e as facilidades para irrigação.

Reflete também a organização do mercado de terras e a arbitragem operada pelos

órgãos responsáveis pelo Programa no processo de negociação entre as

associações e proprietários.

O Valor da Terra Nua (VTN) é o componente mais importante dos SAT. Os

valores médios verificados foram, respectivamente, para VTNLaudo e VTNefetivo de

R$ 124.366,20 e R$ 102.498,40 e as medianas R$ 94.125,00 e R$ 69.462,00. Os

contratos com valor da terra nua até R$ 100.000,00 representam 57,9% dos casos e

a freqüência acumulada até contratos de R$ 200.000,00 somam 84,2%. Em todos os

estratos de área total foi identificada uma grande variabilidade nos preços da terra

(VTNef/ha). Cabe notar que em Minas Gerais e no Maranhão o valor da terra nua foi

consideravelmente inferior ao registrado nos demais estados, redundando em maior

disponibilidade de recursos para investimento comunitário.

O valor médio das benfeitorias é de R$ 63.925,90, confirmando a constatação

apresentada nas Seções 6.2.1 e 6.2.2 de que as propriedades não são

particularmente bem dotadas de benfeitorias e que o estado destas é de relativo

abandono. Se de um lado o fato de as propriedades não estarem prontas para

exploração pode vir a criar dificuldades no momento inicial dos projetos, em termos

gerais a economia com benfeitorias é avaliada como um dado positivo. A razão é

que não apenas sobram mais recursos para investimento como também diminui o

risco de ocorrência de problemas associados à adequação das benfeitorias aos

projetos de exploração formulados pelas associações.99

A análise dos preços estimados para a terra nua revelou significativa variação

entre os vários Estados e as regiões.100 Esta diferenciação poderia sugerir a

existência de diferenciais de produtividade esperada para o uso agrícola da terra

(incluindo a capitalização de rendas diferenciais associadas à localização e à

99 Trata-se de um risco elevado, uma vez que mesmo benfeitorias de boa qualidade e conservação podem não ser de utilidade para os novos proprietários. 100 A separação entre terra nua e benfeitorias é uma "herança" da metodologia adotada pelo INCRA para indenizar as desapropriações. A realidade do mercado é o valor total pago pela propriedade. A distribuição deste valor entre as partes que compõem a propriedade é uma imputação operada com base em cálculos que podem não guardar qualquer relação com os preços efetivamente praticados pelo mercado.

73

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presença de externalidades).101 No entanto, independente de sua validade, pode-se

afirmar que pelo menos em parte as diferenças de preços refletem também a

diferenças na atuação dos órgãos governamentais no processo de negociação das

propriedades.

A análise encontrou correlação altamente positiva entre a variável do preço da

terra e o número de famílias por projeto (Tabela 20), o que poderia sugerir o menor

poder de barganha de grandes associações para negociar grandes propriedades,

cuja oferta é limitada.102 A validade desta hipótese justificaria a necessidade do apoio

e supervisão que os órgãos estaduais vêm prestando às comunidades durante o

processo de negociação da terra.

Tabela 20: Valor da Terra Nua Efetivo por Área (VTNefarea) Distribuídos Segundo Estratos de Número de Famílias por Projeto (FAM)

(em R$/ha) de 1998

Número de Famílias Ocorrências Média Mediana Desvio Padrão Coeficiente deVariação

[0, 20) 35 74,40 49,77 107,65 1,45

[20, 40) 41 157,43 121,16 146,16 0,92

[40, 60) 23 185,11 151,11 155,00 0,84

[60, 80) 8 165,38 137,42 94,00 0,57

[80, 100) 5 168,34 120,38 114,46 0,68

[100, 120) 1 116,29 116,29 NA NA

[120, 140) 1 328,67 328,66 NA NA

Total 114 139,70 109,71 137,82 0,99

A análise dos SAT indicou que, em linhas gerais, o valor de aquisição das

terras da maioria dos projetos não pressionou ou reduziu em demasia a

disponibilidade do crédito (SIC) para a “alavancagem” produtiva. No entanto, o

importante é avaliar até que ponto a utilização de um limite único de crédito total

(SAT+SIC) para todos os Estados não está introduzindo incentivos diferenciais para

a expansão do Programa e a consolidação dos projetos naqueles estados onde as

terras são mais baratas.

101 Esta hipótese será testada sem maior dificuldade à medida que os projetos comecem a apresentar resultados produtivos e econômicos. Nesta mesma direção, será possível testar se o desempenho dos projetos está associado ao preço da terra nua, localização, disponibilidade de infra-estrutura e assim por diante. 102 Ver Buainain et. al. (1999) para os detalhes do modelo econométrico utilizado para avaliar as relações entre alguns parâmetros dos projetos e o preço da terra.

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É importante ressaltar que a análise apresentada na Seção 6.1 confirmou a

hipótese de que o limite restringe a expansão do Programa em algumas áreas mais

valorizadas dos estados, mas refutou a hipótese de que estavam sendo excluídas as

áreas com boa dotação de infra-estrutura, bem localizadas e com acesso adequado

aos mercados relevantes. Também rechaçou a crítica de que o limite único estaria

empurrando os projetos para áreas de menor potencial, com preço mais baixo e sem

dotação de infra-estrutura.103

Os resultados acima questões importantes sobre a estrutura de governança

do Programa, particularmente em relação a seu desenho institucional. Projetos com

áreas totais pequenas104 tendem a levar a áreas por família muito reduzidas e/ou a

um número reduzido de famílias por projeto, com implicações negativas sobre o

montante de recursos disponível para aquisição de certos itens de capital que

apresentam indivisibilidades e são necessários para a consolidação dos projetos

definidos pelas associações. Áreas totais muito grandes estão correlacionadas com

terras de pior qualidade, mais distantes e localizadas em regiões com dotação mais

baixa de infra-estrutura. O uso extensivo destes recursos pode comprometer a

viabilidade produtiva dos projetos e a capacidade de pagamento das associações.

Em alguns casos estão presentes ainda associações com grande número de

famílias e baixa área média por família, fatores que podem dificultar desde o

planejamento até a gestão do projeto. Em conjunto a análise destes parâmetros

revela uma estruturação equilibrada da maioria dos projetos, e que tanto o caso dos

projetos muito grandes com número de famílias excessivo como o de projetos muito

pequenos com baixa área por família são ocorrências que podem ser classificadas

como outliers.

7.2 Análise dos Subprojetos de Investimento Comunitário

O Subprojeto de Investimento Comunitário (SIC) é um elemento central para

viabilizar a base produtiva dos projetos do Cédula. A maioria das associações não

103 Estas hipóteses foram levantadas no documento "Avaliação Preliminar do Cédula da Terra", de junho de 1999. 104 O "pequeno" varia de estado para estado. Neste estágio da pesquisa ainda não é possível definir com precisão valores que indiquem com maior precisão os limites relevantes para número de famílias, tamanho das propriedades, área disponível por família, investimento por família etc. Neste contexto, a análise assume um caráter indicativo de possibilidades.

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tem mais que 2 anos de vida e, no momento da pesquisa, a grande maioria não

havia completado um ano de posse da terra. Estes dois fatos, associados à seca,

dificultam a análise mais completa dos projetos produtivos e de sua viabilidade. A

existência de um “saldo” de recursos para investimento, cuja utilização ainda não

havia sido definida (situação que ocorre principalmente em Pernambuco e parte de

Minas Gerais) pode ser um indicativo de problemas de implementação nestes

estados. De qualquer forma, reflete, antes de tudo, a etapa inicial do Programa e o

fato de muitas associações ainda não terem definido os projetos para a exploração

da propriedade.

Tabela 21: Parâmetros da Distribuição do SIC — Estados e Amostra Geral —

Inferior Superior

Pernambuco 19 169674,50 148661,40 97839,74 0,58 97839,74 369248,00Bahia 24 151785,00 132257,00 60666,22 0,40 50750,00 259496,60Minas Gerais 14 227292,00 212279,50 65152,34 0,29 164487,00 423755,00Ceará 39 96709,71 82722,54 53625,37 0,55 36249,94 265587,00Maranhão 8 153357,60 151977,90 62233,74 0,41 52565,83 258804,70

Amostra Geral 104 144685,50 114599,90 79297,00 0,55 36249,94 423775,00

Desvio Padrão

(R$)

Coeficiente de Variação

Limite (R$)Estados e

Amostra GeralNúmero de projetos

Média (R$)

Mediana (R$)

Desde já convém explicitar que a utilização dos recursos disponíveis para

investimento vem sendo fortemente condicionada pela atuação dos órgãos

governamentais responsáveis pelo Programa. Inicialmente levantou-se a hipótese de

que tal intervenção poderia comprometer, pelo menos parcialmente, a consistência

conceptual do Programa, reduzindo a autonomia dos beneficiários para tomar suas

decisões e gerenciar a nova propriedade.105 A análise posterior da situação de parte

das associações indicou que em muitos casos este apoio é necessário devido à

inexperiência das comunidades e beneficiários para operar, de imediato, a gestão

totalmente autônoma da propriedade. A atuação dos órgãos estaduais em muitos

casos tirou “graus de liberdade” das decisões das associações quanto a seu

desenvolvimento futuro, seja induzindo determinado padrão de utilização dos

recursos seja devido ao próprio atraso na formulação dos projetos e liberação dos

recursos financeiros. Por outro lado, a análise dos dados da amostra indicam que

alguns dos parâmetros estruturais dos projetos parecem estar melhor ajustados nos

105 Ver Buainain et. al. (1999).

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Estados em que ocorreu um maior grau de intervenção governamental.106 A

inexperiência dos beneficiários não significa que os mesmos sejam incapacitados

para assumir total responsabilidade sobre o projeto, mas apenas que necessitam

apoio inicial para evitar e reduzir os inevitáveis erros de aprendizado. Portanto, é

necessário cautela para evitar a reprodução, em formato aparentemente inovador,

das velhas distorções observadas em muitos programas públicos de natureza tutelar

e paternalista, nos quais o Estado assume tarefas e funções que de fato são de

responsabilidade dos beneficiários e toma decisões relevantes em nome dos

beneficiários, muitas vezes sem sequer consultar aqueles que depois deverão pagar

a conta.

Tabela 22: Parâmetros da Distribuição do SIC por Família — Estados e Amostra Geral —

Superior Inferior

Pernambuco 19 4746,84 4422,04 1741,75 0,37 399,58 2865,50 9231,20Bahia 24 3184,34 2945,11 1438,23 0,45 293,58 879,77 6436,01Minas Gerais 14 5456,50 5611,05 509,67 0,09 136,21 4488,20 6156,07Ceará 39 5765,62 5564,35 1234,94 0,21 194,64 4146,61 10192,48Maranhão 8 6607,24 6910,92 1266,19 0,19 NA 6910,92 6607,24

Amostra Geral 104 5018,20 5058,80 1714,00 0,34 NA 879,77 10192,48

Desvio Padrão

(R$)

Coeficiente de Variação

Limite (R$)Estados e

Amostra GeralNúmero de projetos

Média (R$)

Mediana (R$)

Erro padrão da média (R$)

O valor médio por família (Tabela 22) encontrado no conjunto de projetos da

amostra é de R$ 5.018,20. Trata-se de um valor muito inferior ao limite de crédito

definido pelo PROCERA para a pequena produção (R$ 2.000,00 para custeio e

R$ 11.000,00 para investimento). Foram observadas diferenças significativas entre o

maior e o menor valor do SIC por família, o que pode indicar que muitas associações

terão problemas de financiamento e terão que buscar fontes complementares.107

Parcela dos recursos do SIC foram alocados para gastos com manutenção

das famílias e para o financiamento da transição para o projeto produtivo da

106 Mais uma vez é necessário deixar claro que neste estágio a avaliação do ajuste dos parâmetros é realizada com base nos parâmetros médios para a região. Por exemplo, o módulo rural do INCRA revela o tamanho mínimo de um imóvel necessário para assegurar a reprodução da família baixo sistema de exploração dominante na área. Ou ainda, pressupõe-se que um número muito grande de famílias pode dificultar a gestão da associação, mas não se tem um corte preciso para definir o grande. Apenas a análise do desempenho efetivo poderá confirmar se e até que ponto estes parâmetros são de fato os mais adequados, 107 Pode-se argumentar que o SIC reduzido reflete o maior preço pago pela propriedade, e que um preço mais elevado indicaria menor necessidade de investimento por parte dos beneficiários. Esta hipótese deverá ser acompanhada ao longo da avaliação, mas a pesquisa de campo e os demais dados revelam que as propriedades não estão prontas e que serão necessários investimentos para sua "reestruturação".

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associação (Tabela 23). Uma questão relevante a ser acompanhada é avaliar se, e

em que medida, a alocação de recursos visando a elevação imediata do bem estar

das famílias beneficiárias compromete a alavancagem do empreendimento produtivo

e a sustentabilidade da própria melhoria de vida.

Tabela 23: Parâmetros dos Gastos com “Manutenção” das Famílias Estratos de SIC-

Manutenção (R$)

Número de projetos

Média (R$)

Mediana (R$)

Desvio Padrão

(R$)

Coeficiente de Variação

Freqüência Acumulada

(%)

[ 0, 50000) 35 34450,16 35057,20 9464,55 0,27 33,98[ 50000, 100000) 42 66053,00 62866,46 13152,10 0,20 74,76[ 100000, 150000) 20 120229,10 115084,30 13580,50 0,11 94,17[ 150000, 200000) 4 183920,20 183559,50 7735,90 0,04 98,06[ 200000, 250000) 1 214774,10 214774,10 NA NA 99,03[ 250000, 300000) 1 263185,00 263185,00 NA NA 100,00

Todos 103 73768,98 60237,25 46219,41 0,62 -

Como pode ser obseervado nos gráficos abaixo, ocorrem diferenças entre os

Estados na gestão do SIC. Na Bahia o CORA explicitamente estimula a utilização

associativa e produtiva da verba destinada à sobrevivência, transformando-a em um

fundo de remuneração do trabalho dos beneficiários em atividades decididas pela

associação.108 Já no Estado do Ceará, libera-se um recurso mensal de

R$ 130,00/família para sobrevivência, independente da participação coletiva, o que

não impede que algumas associações decidam vincular o recebimento ao trabalho

coletivo. Em muitos projetos do Estado de Pernambuco o pagamento era feito em

espécie e em outros foi utilizado para a compra de animais.

108 Nos projetos visitados estas tarefas eram principalmente de recuperação/expansão de pastos, plantações, cercas etc. Encontrou-se também casos de construção das casas pelos próprios beneficiários remunerados pela associação. Este tipo de procedimento parece ser o mais "virtuoso", uma vez que compatibiliza a necessidade da apoiar a sobrevivência dos beneficiários com a construção do patrimônio produtivo e pessoal das famílias.

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Gráfico 1: Gastos do SIC com “Manutenção” por Família (INDMAN) – Bahia e Minas Gerais –

1 2 3 4 5 6 7 8 9 1 0 1 1 1 2 1 3 1 4 1 5 1 6 1 7 1 8 1 9 2 0 2 1 2 2 2 3 2 4

0

5 0 0

1 0 0 0

1 5 0 0

2 0 0 0

2 5 0 0

3 0 0 0

3 5 0 0

4 0 0 0

Gas

tos

com

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P C T s

B a h iaM in a s G e ra is

Gráfico 2: Gastos do SIC com “Manutenção” por Família (INDMAN) – Pernambuco e Ceará –

1 3 5 7 9 1 1 1 3 1 5 1 7 1 9 2 1 2 3 2 5 2 7 2 9 3 1 3 3 3 5 3 7 3 9

0

1 0 0 0

2 0 0 0

3 0 0 0

4 0 0 0

5 0 0 0

6 0 0 0

7 0 0 0

8 0 0 0

9 0 0 0

Gas

tos

com

Man

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ção

por F

amíli

a

(R$

de 1

998)

P C T s

P e r n a m b u c oC e a r á

Foi constatado que 94,17% dos projetos amostrados gastaram até

R$ 150.000,00 com os itens que compõe os gastos com manutenção das famílias e

que a maior parte deles está na faixa entre R$ 50.000,00 e R$ 100.000,00.

Utilizando o valor médio desse estrato e um projeto fictício com o número médio de

34 famílias chega-se ao gasto familiar de R$ 2.100,00 em manutenção durante o

período de transição e para a construção e reforma das habitações. Visto por este

prisma, estes valores são até modestos. No entanto, o impacto destes gastos sobre

a capacidade de construção da base produtiva varia significativamente segundo o

tamanho dos projetos (número de família), qualidade e localização da propriedade e

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o próprio custo inicial de implantação dos projetos produtivos. Para muitos projetos a

subtração de R$ 2.100,00 para gastos em manutenção pode de fato comprometer

seriamente sua viabilidade.

O gasto por família em manutenção variou de estado para estado. Enquanto

na Bahia apenas 2 associações gastaram mais de R$ 2.000,00 por família com

sobrevivência e habitação, em Minas Gerais, Ceará e Pernambuco 76,3% das

associações superaram este nível. Na Bahia, por seu turno, 70,7% gastaram entre

R$ 1.000,00 e R$ 2.000,00, principalmente na construção das habitações.

É preciso notar a ocorrência de atrasos na formulação dos projetos para

obtenção do SIC e na própria liberação dos recursos, repetindo a conhecida

experiência do PROCERA e programas similares. O atraso parece estar relacionado

a dois pontos básicos: a ocorrência das secas e as dificuldades das associações em

obterem uma assistência técnica regular que permita “afunilar” a percepção das

comunidades sobre qual o projeto mais adequado às suas condições. Como a

experiência de outros programas já demonstrou, estes atrasos comprometem

seriamente o desempenho dos produtores e a eficiência da própria utilização dos

recursos, recaindo sobre os produtores a responsabilidade pelo mal resultado. Em

janeiro de 1999 a maioria das associações já havia montado subprojetos que

absorviam cerca de 60% do valor máximo disponível para investimento.

Ressalta-se, mais uma vez, que a forma de governança dos gastos das

associações é distinta entre os Estados, afetando não somente a interpretação dos

dados, mas também a forma de condução dos projetos. A forma conduzida na Bahia

vincula a sobrevivência à condução de projetos comunitários, o que funciona, de

certa forma, como um desincentivo à divisão de uma grande parcela dos imóveis em

lotes individuais.

Os gastos com produção foram definidos como a soma dos gastos projetados

ou efetivados com a aquisição de animais, plantios/reformas de pastos; culturas

perenes e temporárias. Para os 50 projetos que solicitaram SIC para este item, o

valor médio por família é de R$ 1.283,85, refletindo a baixa prioridade atribuída à

produção naquele momento. Isto pode estar relacionado tanto à seca como ao

estágio inicial dos projetos, ainda não preparados para absorver recursos destinados

diretamente à produção.

80

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Mesmo considerando a disponibilidade de “saldo” significativo para o uso

pelas associações e os fatores restritivos mencionados acima, preocupa o fato de

que as atividades com potencial para gerar retorno não tenham sido privilegiadas em

muitos projetos, os quais parecem apenas repetir mecanicamente o mesmo modelo

com pequenas variações. Diante da precariedade da base de acumulação da

maioria das associações, da falta de liquidez e da dificuldade de acesso a novos

financiamentos, o custo de corrigir os eventuais erros cometidos na etapa inicial

pode estar acima da capacidade da maioria das associações e comprometer a

viabilidade de muitos projetos com bom potencial. Esta constatação reforça a

necessidade de equacionar de maneira adequada a preparação dos projetos e o

apoio técnico necessário para sua implementação. O primeiro passo seria a

avaliação fina do conteúdo e adequação dos projetos já aprovados e da análise

comparativa dos dois modelos que vem sendo utilizados: preparação por órgão do

estado e por empresas privadas previamente credenciadas.

Outro componente importante dos SIC refere-se aos gastos com infra-

estrutura, que englobam os gastos com recursos hídricos (instalações hidráulicas

para uso doméstico e consumo animal), energia elétrica e estradas. O gasto médio

por família com infra-estrutura é de apenas R$ 1.019,00. A maioria dos projetos

gastou entre R$ 250,00 e R$ 750,00 por família, e o valor máximo encontrado foi de

R$ 26.665,50. Logo, gasta-se menos com infra-estrutura do que com produção e os

projetos que mais se comprometem com este item são os que apararentemente

apresentaram menor empenho no esforço produtivo.

Os projetos de Minas Gerais foram os que mais alocaram recursos para infra-

estrutura, embora a participação no total seja baixa devido ao elevado valor dos SIC

e o número elevado de famílias por projeto. Cerca de 75% das associações em

Pernambuco “projetaram” gastos com infra-estrutura (85,7% em Minas),

comprometendo cerca de 10,4% do total de recursos disponível para investimento.

Os projetos do Ceará foram os que registraram o maior percentual de gastos em

infra-estrutura em relação ao total disponível. No Estado do Maranhão a participação

dos gastos em infra-estrutura é relevante e tende a crescer à medida em que mais

projetos SIC sejam definidos.

Em alguns casos (principalmente Maranhão e Ceará) os recursos do SIC

estão sendo alocados para suprir deficiências e financiar as ações do próprio

81

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governo estadual. Embora a abertura/reparação de estradas vicinais e a instalação

de redes elétricas sejam indispensáveis para viabilizar os projetos do Cédula em

zonas mais distantes e com infra-estrutura deficitária, é legítimo questionar se a

utilização dos recursos do SIC para estes fins não constitui uma distorção de sua

finalidade e não compromete a possibilidade de as associações estabelecerem uma

base produtiva inicial para a exploração da propriedade. Convém notar que em

Minas Gerais este tipo de investimento está sendo realizado por outros órgãos do

Estado, e que o Programa tem funcionado para catalisar ações do setor público e

potencializar os investimentos no desenvolvimento da comunidade, e não para

substituir/financiar gastos que deveriam ser bancados pelo governo estadual.

O item benfeitorias compreende currais, cercas, galpões e outras instalações

(casas de farinha e instalações para cura de produtos como queijo), sendo muito

raras as referências a instalações agro-industriais. Também foram incluídas as

construções de centros comunitárias e de escolas, itens que têm um peso muito

pequeno. A utilização do SIC para aquisição de benfeitorias está concentrada no

Estado do Ceará. Apenas 24 projetos registraram este tipo de demanda e quase

metade deles corresponde a um gasto por família de até R$ 500,00. Apenas 8 casos

apresentam valores acima de R$ 1.000,00 por família e somente 2 associações no

Ceará apresentam um gasto superior a R$ 2.000,00/família em benfeitorias. Os

valores médios alocados para benfeitorias nos Estados da Bahia e Minas Gerais

foram baixos, correspondendo, respectivamente, a 3,5% e 2,6% do total de recursos

disponíveis.

A compra de equipamentos é um componente importante do SIC, incluindo a

aquisição de tratores, implementos (grade, arado, subsolador), distribuidoras de

calcário (principalmente nas regiões de Cerrado da Bahia) e carretas. Embora não

se disponha de dados para avaliar a viabilidade e custo-benefício destes gastos para

cada projeto, colheu-se elementos que legitimam o levantamento de algumas

questões a este respeito. Em primeiro lugar, chama a atenção o fato de que não se

encontrou um projeto seque que tenha adquirido uma máquina usada. Em segundo

lugar, muitos presidentes de associações identificam o equipamento como um

símbolo do novo status e como fonte de renda por meio do aluguel, independente da

sua relevância como componente do projeto produtivo da associação. O principal

argumento crítico refere-se ao fato de que muitos projetos centrados na criação de

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caprinos (coletivo) e em culturas de subsistência nos lotes individuais não

necessitariam, pelo menos nesta fase inicial, este tipo de equipamento, e que sua

aquisição reduz de forma considerável o montante disponível para outros itens e

para a “alavancagem” inicial da capacidade produtiva e de geração de renda dos

projetos. Por último, foram registrados alguns casos de conflitos associados não

apenas à aquisição das máquinas como também às condições de uso e gestão. Os

projetos da Bahia e Pernambuco registraram maior participação nestes gastos.

O número de projetos que planejaram gastos com irrigação é pequeno,

malgrado o interesse evidente da agricultura irrigada no semi-árido. Um ponto

importante é o relativo à indivisibilidade dos projetos de irrigação: aqueles que

dispõe de infra-estrutura para tanto (energia elétrica e recursos hídricos), ainda

enfrentam a necessidade de um gasto em média de R$ 42.678,67, o que faz com

que a parcela comprometida do valor total do SIC seja superior a 10% em muitos

casos e o gasto por família ultrapasse R$ 1.000,00, valor superior à media do gasto

destinado à produção agrícola e pecuária, incluindo a aquisição de animais.

A fim de "testar" a coerência entre os componentes do SAT e a alocação dos

recursos do SIC, realizou-se uma análise de correspondência múltipla do conjunto

de fatores (modalidades) que integram os dois subprojetos. Os resultados obtidos

podem ser considerados razoáveis, uma vez que os clusters formados revelam uma

certa consistência. Iniciando pelo nível mais baixo de variabilidade, formariam um

cluster: (i) o uso do SIC para aquisição de tratores e implementos; para produção

agrícola; os projetos de irrigação e o SIC para aquisição de benfeitorias, envolvendo

os gastos para reforma e construção de cercas; (ii) a combinação da infra-estrutura

adquirida junto com o imóvel por meio do SAT, a infra-estrutura a ser instalada no

local do projeto —rede elétrica, recursos hídricos e estradas—, financiados pelo SIC

e os gastos com manutenção das famílias (sobrevivência na transição e construção

de habitações); (iii) em um terceiro cluster estariam, mais distantes, os gastos para

aquisição de animais e criação de condições para a exploração pecuária; e os

recursos adquiridos junto com os imóveis envolvendo culturas perenes e

equipamentos; (iv) à parte apareceram os gastos financiados pelo SIC para

sobrevivência e habitação e os recursos “herdados” na aquisição de imóveis com

benfeitorias voltadas para atividade pecuária, principalmente pecuária bovina, que

nem sempre são aproveitáveis em outras modalidades de pecuária.

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Os clusters apresentados mostram uma certa coerência, exceto nos que

concerne aos projetos de pecuária. É difícil afirmar que isto se deve à presença de

diferenças significativas entre os objetivos da exploração de bovinos e outras

explorações pecuárias, principalmente caprinos e ovinos, ou ao fato de que os

projetos ainda estão bastante indefinidos em sua fase inicial.

Finalmente, as marcadas diferenças entre Estados e regiões (principalmente

nos Estados de Pernambuco e Bahia), assim como as diferenças na composição de

cada projeto quanto ao mix de componentes dos gastos financiados pelo SIC e itens

do SAT, sugerem que as condições iniciais, somadas às distintas formas de

intervenção dos órgãos estaduais, podem conduzir à uma grande variedade de

resultados no futuro. Isto é um indicador favorável de que realmente o sistema tem

um caráter decentralizado. Todavia, aponta para custos elevados de monitoramento

caso não sejam pensadas formas de incentivar os investimentos produtivos para

evitar a alocação dos recursos para fins imediatos. Uma possibilidade, já sendo

usada em vários projetos (por iniciativa do Estado, como em Minas, ou das próprias

associações, como no Ceará), é estabelecer parcerias com outros órgãos do

governo e com a própria sociedade civil para cobrir parte dos investimentos

necessários para a instalação e a construção de uma infra-estrutura básica para os

associados.

8. FORMAÇÃO E PAPEL DAS ASSOCIAÇÕES São relativamente escassas as análises até hoje produzidas no Brasil sobre o

perfil e a dinâmica das associações comunitárias de pequenos produtores familiares,

em especial no Nordeste. Apesar do tema estar presente na maioria dos estudos

sobre os movimentos sociais no campo, a questão agrária e as políticas públicas,

poucas análises elegem a dinâmica associativista dos pequenos produtores

familiares como objeto de reflexão. Do que é possível apreender, observa-se que, de

um modo geral, as associações expressam a tentativa de construção de redes de

sociabilidade comunitárias com o intuito de suprir as carências e as necessidades

básicas das populações que vivem no campo e nas pequenas comunidades rurais.

Alguns estudos têm m enfatizado que as associações funcionam também como um

84

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canal de encaminhamento das demandas e de intermediação das relações entre as

comunidades e o Estado.109

No Programa Cédula da Terra as associações assumem um papel de

protagonista. As associações não são apenas beneficiárias do Programa, mas uma

peça fundamental tanto de sua concepção geral, estratégia de implementação e

estrutura de governança. Depois do acesso à terra propriamente dito, é provável que

o caráter associativo do Programa constitua na principal alavanca para viabilizar o

desenvolvimento das comunidades pobres beneficiadas pelo Cédula. O papel

destinado às associações determinou a incluí-las como parte do estudo inicial sobre

o primeiro ano do Programa.

O objetivo foi caracterizar das associações em relação a sua formação,

dinâmica, processo decisório, iniciativas e experiências em projetos. Também se

buscou analisar sua participação no Programa e a capacitação geral para

desempenhar as tarefas esperadas de gestão da propriedade. A seguir apresenta-se

um resumo dos principais pontos suscitados pela pesquisa realizada em fevereiro de

1999, focando sobre a origem, as relações com as instâncias locais de poder e a

experiência organizacional das comunidades. Recomenda-se a leitura do documento

original (Buainain et. al., 1999) para maiores detalhes sobre o tema.

Tabela 24: Tipo de Associações Segundo as Razões da Criação

Tipos Observações %

Exclusiva para o PCT 52 50,0

Acesso a recursos governamentais 19 18,3

Organização comunitária 13 12,5

Serviços sociais básicos 10 9,6

Acesso à terra 9 8,7

Comerc. da produção e aquisição de insumos(*) 1 -

TOTAL 104 100,0

(*) Não se recomenda o cálculo em proporção devido à baixa freqüência.

As associações que já aderiram ao Programa têm origem e objetivos diversos,

que vão desde aquelas criadas exclusivamente para participar do Programa até as

constituídas para receber benefício de programas governamentais e não

109 Para uma caracterização geral do associativismo ver, em especial: Esterci (1984); Novaes, R. (1984) e Carvalho, Horácio (1998).

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governamentais, para lutar pelo acesso à terra; comercializar a produção e adquirir

insumos; reivindicar melhorias para a comunidade em geral. As informações da

Tabela 24 indicam que as associações são bastante diversificadas e heterogêneas.

Seu perfil depende de inúmeros fatores, tais como a natureza do grupo e a trajetória

de cada um dos interessados, o modo como se dá a relação com os técnicos das

instituições governamentais; a presença ou não de mediadores e órgãos de

representação de classe; as particularidades regionais e as relações com o poder

político institucional local, as relações com outros movimentos sociais reivindicativos

e/ou de representação política, da experiência "política" e sindical dos associados

(ou de parte deles), etc. O traço comum é reconhecimento de que a organização em

associações é fundamental para obter melhores condições de vida e de trabalho.

Praticamente 50% das associações foram criadas para participar do

Programa (Tabela 24). Aproximadamente 18% das associações foram criadas

anteriormente para participar de outros programas governamentais e não

governamentais, como o Programa de Apoio ao Pequeno Produtor (PAPP),

Polonordeste, Projeto Sertanejo, etc. Em torno de 12,5% das associações foram

constituídas nos anos 80 e início dos 90 e configuram-se como associações

"comunitárias", representantes dos habitantes de aglomerados rurais, distritos rurais

urbanos e até mesmo de todo o município. Muitas destas associações são nunca se

legalizaram e têm atuação irregular. Pelo menos metade das associações criadas

para participar do Programa originaram-se destes grupos. Em torno de 10% das

associações foram criadas a partir de objetivos específicos, em geral obter acesso a

serviços sociais básicos (principalmente escola e posto de saúde). O quinto

processo relacionado a constituição de associações (8,7% da amostra) refere-se às

diversas formas de luta pela terra própria. Por último, foi identificado apenas 1 caso,

sem representatividade estatística, de associação criada para comercializar a

produção dos associados e vender insumos. Trata-se de uma cooperativa de médio

porte, cujos vínculos parecem ser mais com grupos de produtores comerciais,

médios e grandes proprietários, do que com os pequenos produtores e

trabalhadores rurais beneficiários do Programa Cédula da Terra.

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A maioria das associações mantém vínculos de natureza diversa com os

atores políticos locais (vereadores, prefeitos, deputados), os quais atuam como

intermediários entre as reivindicações da comunidade e o governo.110 Estes vínculos

são particularmente fortes em períodos de campanha eleitorais, e as conquistas das

associações passam em geral por estes canais.

Tentar identificar a natureza dos vínculos e da participação de atores e de

instituições pode oferecer indicações relevantes para o acompanhamento do papel

das associações no Programa. Para efeito de análise, foram arroladas três situações

mais gerais. Na primeira situação, o agente externo limita-se a informar as regras e a

orientar como proceder. Na segunda, ao contrário, há uma presença mais efetiva na

organização da associação que se traduz na participação de reuniões, na ajuda para

obter documentos e, às vezes, na contribuição financeira. Finalmente, ocorre uma

terceira situação, caracterizada pelo controle explícito, intromissão e manipulação

das decisões.

Tabela 25: Criação das Associações: Natureza da Participação de Agentes Externos

Obs. % Obs. % Obs. % Obs. % Obs. % Obs. %

Órgãos Governamentais e instituições bancárias 9 40,9 8 40,0 1 - 9 42,9 1 - 1 -

Políticos e prefeituras 12 54,5 12 60,0 2 - 8 38,1 5 41,7 - -

Sindicatos, associações e movimentos sociais e Igrejas 6 27,3 4 20,0 1 - 11 52,4 3 25,0 - -

Ex-proprietário 2 - 4 20,0 1 - - - 2 - - -

Outros 3 13,6 2 10,0 1 - 2 9,5 2 - - -

TOTAL 22 - 20 - 2 - 21 - 12 - 1 -

Orientação(2) Organização(3) Controle(4)

Exclusivo PCT Outras Situações

Agentes/Instituições(1) Orientação(2) Organização(3) Controle(4)

(3) Refere- se ao apoio dado por outros agentes na fase da organização da associação, tal como: providência de documentos, pagamentos de taxas, preparação de documentos legais, etc.

(2) Quando a participação dos demais agentes limita- se a orientar os membros da associação, sem intervenção em suas decisões e ações.

(1) Dentre as 104 associações pesquisadas, só foram consideradas as que responderam sobre a natureza da participação dos agentes externos.

(4) Quando a participação inclui interferência direta nas decisões e na condução da associação.

Situações de apoio e de orientação são, segundo os entrevistados, as mais

freqüentes. (Tabela 25), concentrando-se nos órgãos governamentais. Contudo, há

um maior empenho desses órgãos junto às associações criadas exclusivamente

para participar do Programa. Nesses casos, a presença das instituições

governamentais não se limita ao apoio. Elas também participam da organização dos

110 Observa-se, por exemplo, a presença destes e de outros atores no próprio processo de criação das associações, seja estimulando seja apoiando concretamente (com recursos financeiros, agilizando a burocracia etc.).

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associados e aparentemente exercem um maior controle sobre a dinâmica

associativa. Observou-se uma certa relação ou atitude de subordinação de alguns

presidentes entrevistados em relação aos responsáveis pelo Programa, como se

estes fossem as "autoridades" a quem deviam obediência. Trata-se de um problema

que só será resolvido com o próprio amadurecimento das associações, mas uma

divulgação adequada do Programa e um trabalho de conscientização/organização

comunitária podem contribuir para acelerar a autonomia das associações. Observou-

se uma certa relação ou atitude de subordinação de alguns presidentes

entrevistados em relação aos responsáveis pelo Programa, como se estes fossem

as "autoridades" a quem deviam obediência. Trata-se de um problema que só será

resolvido com o próprio amadurecimento das associações, mas uma divulgação

adequada do Programa e um trabalho de conscientização/organização comunitária

pode contribuir para acelerar sua autonomia e emancipação efetiva.

Já a presença dos políticos e das prefeituras locais caracteriza-se, sobretudo,

pela organização e o controle das associações, em especial naquelas criadas

exclusivamente para o aderir ao Cédula. Em inúmeros casos, e em grande parte no

Maranhão, vereadores, prefeitos, deputados, funcionários da prefeitura, ou então os

parentes de políticos pagaram as despesas de legalização da associação e a

documentação dos beneficiários; “mandaram buscar” funcionários dos Institutos de

Identificação para “tirar carteira de identidade e CPF” dos beneficiários e, em

algumas situações, informaram as associações sobre proprietários da região

interessados em vender suas terras ao Programa ou apresentaram corretores de

terra. É preciso deixar claro que a pesquisa de campo não registrou evidências de

quaisquer ilegalidades em tais vínculos, e que os dados analisados não revelam

distorções nos parâmetros dos projetos que possam ser associadas a este tipo de

atuação. Ainda assim, dado o conhecido quadro de submissão das populações

pobres e a enraizada prática clientelista ainda vigente nos meios rurais, é de todo

conveniente que tal análise seja aprofundada e que este tema seja levado em conta

caso se decida promover ações de conscientização e desenvolvimento comunitário.

A conclusão que se pode tirar da análise conjunta das informações é que

poucas associações demonstraram ter autonomia em relação ao setor público e às

instituições privadas de assistência e iniciativa própria para "ir atrás de seus direitos

e necessidades", nas palavras de um dos entrevistados. Poucas associações (9

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sobre o total de 98) constituíram-se sem a participação, ainda que informal, de uma

ou mais entidades ou agentes. A maioria das associações foi constituída a partir da

iniciativa de órgãos governamentais responsáveis pela implementação do Cédula

nos estados. Merece destaque a participação de prefeituras e políticos locais no

processo de criação destas associações. A colaboração de políticos e prefeituras

locais foi mencionada em 39,8% dos casos. Esta participação assume formas e

conteúdo variado. Em Minas Gerais (10 dentre as 18 associações) e Maranhão (10

dentre as 16 associações) as prefeituras e os políticos locais estão mais presentes

que nos demais. Mas enquanto em Minas Gerais a presença das prefeituras é mais

institucional, no Maranhão é quase sempre informal, através da figura do prefeito ou

membro do executivo.

Dada a natureza do Programa, procurou-se indagar sobre a participação dos

proprietários das terras na formação/organização das associações beneficiárias.

Como pode ser visto na Tabela 25, a participação dos ex-proprietários das terras na

criação das associações é pequena. Registrou-se a presença de ex-proprietários em

apenas 8 associações dentre as 98 arroladas. A participação raramente é direta, e

na maioria dos casos é mediada por terceiros (políticos, prefeitos, técnicos de

instituições governamentais, associados, lideranças comunitárias, cabos eleitorais,

administradores das fazendas e até mesmo as Federações das associações

comunitárias). Tampouco é possível associar tal participação a distorções de preço

e/ou características das propriedades.

A experiência prévia das associações em projetos comunitários é

diversificada, irregular e dependente da disponibilidade de recursos dos programas

públicos e ações assistencialistas. Algumas recebem doações, como cadeiras de

rodas, óculos e remédios, e têm acesso a recursos governamentais e não

governamentais, destinados (em geral a fundo perdido) à construção de armazéns e

creches comunitárias. Também funcionam como mediadoras para o ingresso nos

cursos profissionalizantes do Serviço Nacional de Aprendizagem Rural (SENAR), no

de alfabetização de adultos do Movimento de Educação de Base (MEB) e em

diversos programas e ações assistenciais do setor público e privado. Recebem

financiamento de apoio de várias instituições, entre as quais a Cruzada de Ação

Social, Legião Brasileira de Assistência (LBA), Caritas Brasileira, SENAR, MEB,

Pastoral Rural, Federação das Associações Comunitárias e Sindicatos dos

89

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Trabalhadores Rurais. As associações também funcionam como espaço para

arregimentação de cabos eleitorais e lideranças locais, que freqüentemente se

transformam em presidentes, participam da distribuição das cestas básicas e

indicam pessoas para as frentes de emergência. Observou-se maior presença de

associação com este perfil nos estados do Ceará e Pernambuco.

Assume-se que nestes processos o papel da liderança é muito mais

importante que em situações nas quais as instituições estão bem definidas. O

presidente, em particular, assume um papel chave, às vezes equivalente ao de

verdadeiro comandante do batalhão. O perfil dos presidentes de associações de

beneficiários é distinto do “beneficiário padrão”.111 Enquanto muitos beneficiários

apresentaram evidente dificuldade para responder às perguntas do questionário, a

maioria dos presidentes parecia “articulada”, apresentando relativo desembaraço

durante as entrevistas. Ainda assim, sabatinados sobre as condições específicas de

funcionamento e regras de financiamento do Programa, muitos não souberam e/ou

errou algumas respostas.

A participação do conjunto dos associados em organizações sociais é baixa. 112O mesmo ocorre com os presidentes das associações beneficiárias do Programa.

A Tabela 26 informa que 47 dentre os 104 entrevistados afirmaram não ter tido

qualquer experiência de participação e de liderança antes de assumirem a

presidência da associação do Cédula.

Tabela 26: Experiência Prévia dos Presidentes das Associações

Experiência Observações %

Nenhuma 47 45,2

Alguma Experiência 53 51,0

Sem Informação 4 3,8

Total 104 100,0

111 A pesquisa de campo não colheu informações para traçar um perfil sócio-econômico dos presidentes das associações. Esta conclusão é baseada no contato direto dos pesquisadores com os presidentes entrevistados. 112 52% declararam não ter experiência prévia de participação em associações comunitárias, sindicatos etc., e 38% revelaram que tinham experiência (9% sem informação).

90

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A noção de liderança é bastante diversificada e muitas vezes foge à

compreensão dos pesquisadores. Ser líder, para os entrevistados, significa,

prioritariamente, ser “aquele que consegue juntar as pessoas em torno de uma idéia

e de um projeto”. Significa também, ser “indicado para participar de um curso de

formação” ou chamado para “apontar” os trabalhadores para as frentes de

emergência. Nestes casos, o que parece contar como critério, é o “capital social”113

dos associados: aquele que sabe falar, ler e escrever.

A função de presidente é vista pelos entrevistados, como “um trabalho árduo

em busca de recursos e de meios de negociação”. Dele se espera que esteja apto a

tomar todas as decisões, consiga o maior número de projetos e de benefícios para o

grupo e assuma os riscos decorrentes de sua atividade.

Mas, apesar da delegação de responsabilidades ao presidente ―principio

estruturador das relações entre os associados e a presidência― observa-se, cada

vez mais, e sobretudo nas atividades relacionadas ao Programa, um

questionamento desse princípio, fato positivo e que aponta para a possibilidade do

estabelecimento de maior participação efetiva dos membros na gestão dos projetos.

A função de gerente é considerada, pelos entrevistados, um aprendizado

desgastante e difícil, sobretudo porque não faz parte de suas experiências de vida.

Além de, muitas vezes, não ser reconhecida pela maioria dos técnicos dos órgãos

governamentais e pelas elites econômicas e políticas locais. Esta constatação

reforça a validade da recomendação de desenvolvimento de ações visando

capacitar o conjunto dos participantes ―e não apenas os presidentes― em gestão

de negócios.

Curiosamente, segundo os entrevistados, o pessoal técnico responsável pela

implementação do Programa, que mais deveria incentivar as atividades de gestão, é

quem mais os desqualifica, ao considerá-los incapazes de assumir, por conta

própria, determinadas práticas gerenciais. É, sobretudo no contato com as

instituições bancárias que a relação é particularmente difícil e discriminadora, apesar

de já estar ocorrendo alguma mudança e uma maior aceitação por parte de gerentes

113 Sobre o assunto ver, particularmente: ABRAMOVAY (1998).

91

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e funcionários.114 Durante as entrevistas foram mencionados casos de beneficiários

impedidos de entrar no banco por não se encontrarem “devidamente vestidos”. Sem

falar na dificuldade de entendimento entre as partes quanto às regras para abertura

e movimentação de contas e o desrespeito do banco ao não explicar o porquê do

atraso na liberação dos créditos. Trata-se, mais uma vez, de tema que merece

intervenção de conscientização mais ampla, mas que nada impede seja detonada a

partir do Programa.

A maioria dos presidentes teve dificuldades para explicar de maneira correta

as regras de atualização monetária do empréstimo, o valor das parcelas e as

eventuais penalidades decorrentes do não pagamento. Na Bahia, Pernambuco e

Ceará, aproximadamente 16% dos entrevistados conheciam as condições de

financiamento; no Maranhão, apenas 12,5% responderam corretamente e em Minas

Gerais este percentual foi de 25%. A proporção de respostas erradas variou de 25%

em Minas Gerais a 68% no Ceará. Mais de 50% declararam não conhecer as regras

nos Estados de Pernambuco e Minas Gerais, entre 40 e 50% nos Estados do

Maranhão e Bahia e 16% no Ceará. As confusões podem ser atribuídas, pelo menos

em parte, à própria indefinição dos valores, os quais só serão conhecidos ex- post.

Ainda assim, reforça a necessidade de aprimoramento dos meios de difusão do

Programa e a necessidade de um trabalho continuado de informação.

Deve-se destacar a grande preocupação dos presidentes e beneficiários com

a viabilidade da atividade produtiva e com o pagamento da propriedade. Esta

preocupação reflete-se inclusive na definição de critérios específicos para que o

membro da associação possa aderir ao Cédula: “ser trabalhador, ter família, ser

direito, não beber, não fazer arruaça”. Como já mencionado atrás, a maioria dos

beneficiários apresentava segurança de que seria possível pagar “certinho” a terra e

melhor de vida. O elevado número de respostas, tanto dos presidentes como dos

beneficiários, garantindo ter condições de pagar a dívida contraída com o Estado

reflete o desejo e determinação de cumprir o estabelecido na negociação,

independente do conhecimento preciso sobre as condições financeiras e valor

114 Uma informação colhida em todos os estados, reveladora inclusive do potencial do Programa como instrumento de promoção de cidadania, é que depois de ingressarem no Cédula da Terra os presidentes são bem tratados pelos gerentes dos bancos. Resta saber se o bom tratamento continuará depois que as associações tiverem gasto o dinheiro do SIC e necessitarem de apoio para consolidar-se.

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estimado das prestações. Todos têm interesse em pagar porque sabem que a

condição de proprietário passa pelo pagamento da terra. Contudo, a grande maioria

estabelece inúmeras condições para viabilizar o pagamento, as quais retratam uma

percepção acurada tanto das limitações e como dos principais problemas que

deverão ser enfrentados como das medidas necessárias para a viabilização do uso

econômico da propriedade. Elas dizem respeito às limitações climáticas, à garantia

de acesso aos sub-projetos e ao acompanhamento técnico. Mas muitas respostas

refletem também a relação de dependência em relação ao governo e a impotência

diante da seca: se chover e o governo ajudar a gente paga apareceram com

freqüência entre as condições para o pagamento da terra.

9. RESUMO EXECUTIVO E PRINCIPAIS CONCLUSÕES A seguir apresenta-se um resumo de alguns dos principais pontos levantados

ao longo deste documento.

Papel da seca. O primeiro ano de implantação do Programa foi marcado por

forte seca nas áreas semi-áridas dos Estados do Ceará, Pernambuco, Bahia e

Minas Gerais. O fator climático vem condicionando a configuração dos projetos, o

uso dos recursos disponíveis e as decisões de organização produtiva, o que deverá

ter efeitos relevantes nos resultados futuros. A própria motivação para aderir ao

Programa assim como a intervenção dos órgãos governamentais no processo de

seleção foi afetada pela seca. Ainda que de forma informal o Programa acabou

assumindo tarefas semelhantes ao dos programas de emergência contra a seca.

A ocorrência da seca também facilitou a adesão ao Programa. Como se sabe,

um dos principais efeitos da seca no semi-árido é reduzir drasticamente as

oportunidades de trabalho, o que afeta parte substancial da população de pequenos

agricultores e trabalhadores rurais das áreas atingidas. Parte desta população,

tradicional clientela dos programas de emergência, procurou respaldo no Cédula.

Desenho institucional. Os desenhos institucionais que marcaram a

intervenção dos órgãos públicos no processo de implantação do Programa

apresentaram variações de estado para estado. As principais variações dizem

respeito aos seguintes aspectos:

a natureza e vínculos institucionais dos órgãos responsáveis pelo

Programa;

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os mecanismos de coordenação entre os vários agentes e órgãos

envolvidos, assim a efetividade da participação de cada um nas várias

etapas do processo;

diferenças na formulação das regras e procedimentos relacionadas à

formação dos projetos do Cédula da Terra a partir das diretrizes gerais do

Programa;

instrumentos e estratégia de divulgação do Programa utilizados em cada

estado;

a delimitação de áreas prioritárias para a atuação do Programa;

os mecanismos e critérios de seleção (escolha) dos beneficiários.

A rapidez com que o Programa foi lançado e implantado dificultou o trabalho

de refinamento das normas e procedimentos operacionais, montagem de

mecanismos de acompanhamento, estabelecimento de acordos interinstitucionais

necessários para implementar e apoiar um programa desta natureza e assim por

diante. Diante desta velocidade, foi inevitável a adoção, por parte dos órgãos do

governo federal e das instituições estaduais responsáveis pelo Programa, de certo

grau de improvisação e procedimentos informais no processo de implantação dos

projetos. Esta autonomia e capacidade de improvisar e responder aos problemas

locais é positiva mas exige cautela e acompanhamento a fim de evitar a conhecida

descaracterização operacional ou burocrática, comum tanto na administração

pública como nas grandes empresas privadas.

Importante ressaltar as diferenças na intervenção dos órgãos estaduais

responsáveis pelo Programa. Minas Gerais enquadra o projeto dentro de um

esquema de planejamento mais rígido, reduzindo, aparentemente, o espaço para

decisões ad hoc e a autonomia dos beneficiários. Na Bahia a intervenção é mais

concentrada nos seguintes pontos: eleição e composição das associações,

fechamento do processo de negociação e na seleção dos vendedores potenciais da

terra. Em Pernambuco, o grau de intervenção direta na formação das associações e

seleção de beneficiários parece ser mais reduzido, concentrando-se mais na

negociação das propriedades e atuando como árbitro/orientador das “decisões”

sobre os projetos produtivos, utilização dos recursos disponíveis e aquisição de

alguns itens de equipamentos incluídos nos projetos.

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Apesar das diferenças notáveis observadas, não se pode falar em padrões

claros diferenciados de intervenção entre os estados, já que mesmo dentro de cada

estado observam-se diferenças marcantes de projeto para projeto. A pesquisa não

encontrou evidências para qualificar os resultados e indicar que um tipo de

procedimento seja superior a outro. No entanto, é possível afirmar que a

configuração dos projetos nesta primeira fase está sendo fortemente influenciada

pelo direcionamento dado ao Programa em cada estado. Recomenda-se a definição

de mecanismos permanentes, ágeis e efetivos de informação e experiência entre os

estados. Também se recomenda a realização de reuniões periódicas de avaliação e

discussão entre os estados, as instâncias federais envolvidas no Programa e o

Banco Mundial, portador da experiência internacional em programas deste tipo.

Divulgação e adesão ao Programa. Os principais veículos de divulgação do

Programa foram os meios de comunicação em geral, os órgãos governamentais e

bancos, proprietários das terras vendidas, políticos e outras instituições como a

igreja e sindicatos. Embora os meios de comunicação tenham desempenhado papel

relevante na difusão da informação sobre a existência do Programa, a decisão de

aderir foi em geral tomada após contato direto e pessoal feito pelos demais agentes

mencionados acima;

Processo de Seleção. Um ponto relevante e que merece ser destacado é

que a intervenção dos órgãos responsáveis nos três momentos chaves do processo

de constituição do Programa ―abordagem das comunidades para informar sobre o

Programa e estimulá-las a aderir; orientação dada às associações sobre o perfil do

beneficiário candidato adequado e arbitragem sobre os que entram e os que ficam

fora― não é neutra em relação ao perfil dos beneficiários. Em relação à abordagem,

nesta fase inicial do Programa prevaleceu o conhecimento prévio das comunidades

e associações; em relação à orientação para a seleção, o critério utilizado foi

favorecer as famílias em condições mais críticas e as mais desprovidas de ativos

(terra e capital) e alternativas de sobrevivência. Esta intervenção é positiva no

sentido de assegurar a presença dos mais pobres, mas pode introduzir um viés de

seleção que exigirá ações complementares do setor público para apoiar os grupos

mais débeis e menos preparados para enfrentar os desafios e aproveitar as

oportunidades abertas pelo Programa.

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Perfil sócio-econômico dos beneficiários. Os principais pontos a serem

ressaltados são os seguintes:

• A idade média dos beneficiários é de aproximadamente 40 anos, sendo

quase 90% do sexo masculino e em torno de 12% do sexo feminino;

• Aproximadamente 92% dos beneficiários são oriundos da zona rural,

estando o restante vinculados à área urbana no momento de adesão ao

Programa;

• O nível de escolaridade da população de beneficiários é baixo.

Aproximadamente 32% são analfabetos, 4,5% apenas sabem ler e

escrever e 47% freqüentaram, sem ter concluído, o ciclo básico. Em torno

de 3% indicaram haver cursado alguma faculdade;

• Em relação à ocupação, aproximadamente 90% da população de

beneficiários tinham como local de trabalho a zona rural no momento de

aderir ao Programa, e em torno de 8,5% a zona urbana;

• A grande maioria acusou mais de uma ocupação. As combinações mais

comuns são as de produtor rural (em terra de terceiros) com a de

trabalhador rural (diaristas e tarefas “especializadas”, como a de vaqueiro

e de tratorista);

• Aproximadamente 55% são “não proprietários” e 7% são “proprietários”

de pequenos lotes com tamanho insuficiente para manter sua família. A

comprovação é que praticamente a totalidade dos proprietários tem

atividades complementares além da exploração de sua propriedade;

• Aproximadamente 60% desenvolviam atividades de produtores rurais,

enquanto em torno de 35% eram trabalhadores rurais e dedicavam-se ao

extrativismo;

• A renda monetária anual total (incluindo todas as fontes) dos beneficiários

e sua famílias foi de aproximadamente R$ 2.057,00. Levando em conta

que o tamanho médio das famílias é de 5.2 membros, chega-se a uma

renda per capita de R$ 32,90 por mês, inferior a 1/3 do salário mínimo;

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• Auxílios provenientes de programas sociais transitórios representaram em

torno de 25% da renda total das famílias, o que ilustra a precariedade da

inserção destas famílias no processo produtivo;

• O tamanho médio das famílias (membros residentes) é de

aproximadamente 5,2 pessoas e a taxa de migração é relativamente

baixa, já que o índice de migração (membros que migraram em relação

aos residentes) está em torno de 13,7;

• As habitações foram classificadas em três tipos: “boas”, “regulares” e

“precárias”. Aproximadamente 57% dos beneficiários viviam em

habitações construídas com materiais permanentes (critério utilizado para

classificá-las como “boas”), 15% em habitações regulares e 29% em

habitações precárias. O número médio de cômodos é de 4,2 por casa,

incluindo cozinha, lavatório e depósito;

• Apenas em torno de 6% das moradias estão ligadas à rede pública de

esgoto, 32% utilizam fossa simples ―na maioria das vezes um buraco

sem qualquer proteção― e 40% não dispõem de qualquer instalação

sanitária, jogando os dejetos ao céu aberto;

• Aproximadamente 55% das casas estão ligadas à rede pública de energia

elétrica, e as demais não contam com energia de nenhuma fonte. É

ilustrativo que não se tenha encontrado nenhuma casa (ou grupo de

casas) com gerador próprio, utilizado para algumas operações produtivas

ou para refrigeração;

• Em torno de 6% dos beneficiários é proprietária de outro imóvel rural,115

pequenos lotes com tamanho insuficiente para manter a família;

• O patrimônio produtivo é de penúria. Não foram identificados beneficiários

proprietários de máquinas, ainda que de pequeno porte;

aproximadamente 33% são proprietários de animais, incluindo bovinos,

caprinos, ovinos e animais de tração;

115 Este percentual é consistente com a informação sobre propriedade colhida na parte referente à ocupação.

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• O perfil produtivo dos beneficiários não os distingue dos pequenos

agricultores nordestinos, plantadores de pequenas roças utilizando

poucos insumos e baixo nível tecnológico;116

• Os meios de acesso à informação refletem a presença de um grande

número de beneficiários analfabetos e com nível baixo de escolaridade:

aproximadamente 47% escutam rádio ou assistem TV diariamente, e o

mesmo percentual não tem acesso a jornais.

Em seu conjunto, a avaliação do processo de seleção através de modelo

econométrico confirma que a estrutura de governança do Programa vem atraindo

um grupo de famílias que apresenta algumas características que as diferenciam da

população que compõem o público-meta. As famílias do subgrupo de beneficiários

são pobres, mas não se encontram no nível mais baixo de pobreza; são numerosas,

com uma taxa de dependência mais elevada, mais anos de educação e maior

experiência de vida do que a da população de beneficiários em potencial. Moram em

povoados rurais e trabalham principalmente como diaristas e pequenos agricultores

sem terra. Têm raízes locais, são marginalizados, mas ainda não foram totalmente

excluídos da economia e sociedade local. A coerência dos resultados apresentados

é uma evidência inicial de que a estrutura de governança do Programa parece estar

respondendo às expectativas de que a descentralização e a transferência do

processo de seleção para as próprias comunidades resultariam em uma auto-

seleção adequada de beneficiários.

Diferenciação entre os beneficiários. As informações da pesquisa

permitiram caracterizar com precisão o universo de beneficiários do Programa. É

importante destacar a presença de beneficiários que se diferenciam do perfil acima

traçado. A diferenciação, por si só, não pode ser automaticamente traduzida e

equiparada à existência de uma distorção. As diferenças não apenas são inevitáveis

em Programas desta natureza, operados de forma descentralizada e baseados no

mecanismo de auto-seleção, como em muitos casos pode introduzir experiências e

energias necessárias para estimular e melhorar o funcionamento do grupo como um

116 Uma falha da pesquisa foi não colher informações sistemáticas sobre a visão dos beneficiários em relação às formas de utilização da propriedade e os projetos produtivos do grupo, limitando-se às entrevistas com os presidentes das associações. Desta forma não é possível avaliar até que ponto as “queixas” de muitos entrevistados, colhidas informalmente, sobre a “imposição” das formas coletivas é ou não representativa.

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todo. Em outros casos pode de fato ser resultado de distorções, cabendo aos

responsáveis pelo projeto analisar a situação à luz das informações colhidas pela

Avaliação Preliminar. As principais diferenciações observadas foram:

• Nível educacional: poucos beneficiários com nível médio de ensino e

menos ainda com nível superior;

• Condições de moradia: parte com casa própria na cidade, construída em

tijolo, com teto de telha, piso de cimento, acesso à rede publica de água,

esgoto e energia elétrica;

• Ocupação: a presença de alguns beneficiários que declararam ocupações

urbanas, como funcionário da prefeitura, guarda noturno, tapeceiro;

• Experiência prévia: poucos beneficiários indicaram ter experiência prévia

em outros “empreendimentos” ou gestão de negócios;

• Constatou-se alguns casos de beneficiários sem terra, mas que não

parecem ter vínculo profissional e ocupacional com a agropecuária:

alguns são filhos de presidentes da associação, ou o próprio presidente

da associação; alguns beneficiários são funcionários públicos de baixa

renda, estando aparentemente afastados das atividades agropecuárias há

já alguns anos;

• Perfil das famílias. A análise do perfil das famílias e informações colhidas

em conversas com beneficiários revelou que pode estar ocorrendo alguns

casos de “beneficiários testas de ferro”. As duas modalidades

aparentemente mais freqüentes são: (a) a de filhos, irmãos etc. que

aparecem como beneficiários em substituição ao parente que é o

verdadeiro “dono” da terra adquirida; (b) o cônjuge toma o lugar do

parceiro, que ou é aposentado ou tem uma “terrinha” e por isto estaria

impedido de participar do Programa;

Conhecimento das regras do Programa. Em relação ao conhecimento das

condições de pagamento da propriedade adquirida através do Programa,

aproximadamente 60% não sabia a taxa de juros, 11% respondeu errado e apenas

em torno de 0,2% conheciam as condições financeiras do negócio. No entanto, os

beneficiários apresentaram consciência da natureza do Programa e de que teriam

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que pagar pela terra. O elevado número de respostas, tanto dos presidentes como

dos beneficiários, garantindo ter condições de pagar a dívida contraída com o

Estado "desde que chova e o governo ajude" reflete o desejo e determinação de

cumprir o estabelecido na negociação, independente do conhecimento preciso sobre

as condições financeiras e valor estimado das prestações. Todos têm interesse em

pagar porque sabem que a condição de proprietário passa pelo pagamento da terra.

Contudo, a grande maioria estabelece inúmeras condições para viabilizar o

pagamento, as quais retratam uma percepção acurada tanto das limitações e como

dos principais problemas que deverão ser enfrentados como das medidas

necessárias para a viabilização do uso econômico da propriedade. Elas dizem

respeito às limitações climáticas, à garantia de acesso aos sub-projetos e ao

acompanhamento técnico. Mas muitas respostas refletem também a relação de

dependência em relação ao governo e a impotência diante da seca: se chover e o

governo ajudar a gente paga apareceram com freqüência entre as condições para o

pagamento da terra. Deve-se acrescentar, ainda, que era visível o esforço realizado

pelos órgãos responsáveis para explicar como funcionava o Programa e quais as

regras e condições de financiamento. O desconhecimento indica que os métodos e

instrumentos de difusão utilizados podem não ser apropriados para o público meta

do Programa.

Processo de seleção e negociação das propriedades. Em relação à

iniciativa do negócio, 63% dos presidentes entrevistados indicaram que a

associação havia tomado a decisão de procurar o proprietário para realizar uma

oferta de compra da terra; 36% indicaram que foram procurados pelos proprietários

com os quais acabaram realizando o negócio. Foi registrado apenas 1 caso de

negócio realizado a partir da iniciativa de políticos, 1 caso em que a associação foi

procurada pelo proprietário acompanhado de um político e 2 casos de iniciativa a

partir do órgão responsável pelo Programa.

A qualidade da propriedade foi apontada como o principal critério de escolha

mencionado pelos entrevistados (80% das respostas), sendo o preço considerado o

mais relevante em 13,5% dos negócios realizados. No entanto, a maioria das

associações (52%) não procurou outra propriedade e fechou negócio para adquirir a

primeira e única identificada. Vários fatores parecem contribuir para esta atitude:

restrição do lado da oferta; medo de perder a oportunidade e ficar fora do Programa;

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pressões da própria comunidade (e em alguns casos uma certa pressa dos órgãos e

instituições envolvidas) para fechar logo o negócio; rigidez do lado da demanda

devido aos fortes vínculos dos beneficiários com o local.

A análise do processo de negociação revelou que a negociação entre os

proprietários e as associações é desigual: de um lado está o "doutor", figura que

encarna o poder e de outro se sentam os despossuídos que sonharam toda a vida

em ter um "chão de terra". Neste contexto não é surpreendente o desnível entre as

partes.

A análise também revelou que na maioria dos casos o papel desempenhado

pelas associações foi secundário, limitando-se a colher a oferta, levá-la ao órgão

responsável, voltar com contraproposta e assim por diante. As variantes deste

processo são duas: em alguns casos o próprio órgão indicava um valor para a

contraproposta e em outros apenas indicava que o proprietário estava pedindo muito

e que era necessário baixar o preço. A participação dos órgão públicos deu-se no

sentido de estabelecer o equilíbrio de poder entre as associações e os proprietários.

Os beneficiários não têm como preocupação central pagar o menor preço,

mas sim assegurar o acesso à terra a “qualquer preço”.117 Para eles a negociação

não se dá exclusivamente em torno do preço ou das condições de pagamento, mas

sim em torno do acesso à terra e do que isto representa. Registraram-se alguns

casos de associações que pressionaram o órgão governamental para que este

aceitasse a proposta do proprietário. Em nenhum destes casos foi possível

identificar qualquer indicação de que a associação estivesse de alguma maneira

mancomunada com o proprietário para beneficiá-lo. Tudo indica que estas atitudes

extremas, isoladas, mas significativas das condições desiguais de negociação e do

significado que tem o acesso à terra para estas populações, refletem um misto de

ansiedade para adquirir a terra e de medo de perder a oportunidade. É forçoso

reconhecer que esta atitude compromete a capacidade de muitas associações

realizarem uma boa negociação para adquirir a propriedade, justificando a estratégia

da "negociação tutelada" adotada pela maioria dos estados.

117 A declaração "pinçada" de uma entrevista é aqui utilizada no sentido comumente utilizado para indicar a relevância da coisa em questão, e não no sentido econômico de que os beneficiários pagariam um preço excessivamente elevado e irreal pelas terras.

101

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O exame detalhado do processo de negociação permite ressaltar os seguintes

pontos:

• Os mercados locais de terra são incipientes e não definem parâmetros

confiáveis para os negócios realizados. Em muitos municípios não havia

informações sobre negócios recentes cujos preços pudessem ser

tomados como referência para o valor da terra no local e para os negócios

realizados através do Cédula. A conclusão é óbvia: em grande medida o

preço pago depende da capacidade de barganha dos

beneficiários ―pequena― e da capacidade de negociação entre as

partes;

• Na ausência de referências de mercado, os laudos de avaliação têm

assumido um papel relevante na formação de preços, funcionando

inclusive para respaldar e validar os negócios aprovados. A Avaliação

Preliminar não tem informações que possibilite qualquer inferência sobre

a qualidade dos laudos;

• A maioria das associações não está preparada para liderar o processo de

negociação, sendo fundamental uma arbitragem (que até o momento vem

sendo executada pelo órgão estadual). As evidências apontam que

muitas das associações não estão em condições de negociar de igual

para igual com os proprietários; apontam, também, para a rigidez da

oferta diante da baixa disposição dos beneficiários em procurar terras em

outras áreas. Indica, ainda, que o “sonho” da terra própria pode de fato

contaminar o processo de negociação e levar os beneficiários a aceitar

preços mais elevados do que o simples cálculo econômico recomendaria;

• A análise dos Subprojetos de Aquisição de Terras (número de famílias,

preço, tamanho, benfeitorias e potencial produtivo das propriedades) não

indicou que o preço pago pela maioria dos projetos possa comprometer

os parâmetros estruturais que condicionam a viabilidade e

sustentabilidade dos projetos.

Estas considerações ressaltam o papel positivo que os órgãos estaduais vem

desempenhando no processo de negociação da terra e reforçam as recomendações

102

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quanto à necessidade de fortalecer as associações de beneficiários e à necessidade

de realização de estudos sobre o funcionamento do mercado de terra em nível local.

Localização e características das propriedades. Os componentes do

subprojeto de aquisição da terra em grande medida definem a estrutura dos

projetos, e neste sentido têm influência determinante sobre seu desempenho e

viabilidade. Uma vez estruturados, será difícil ou impossível corrigir decisões iniciais

equivocadas, o que pode inviabilizar muitos projetos que melhor ajustados teriam

bom potencial. O caso mais crítico de rigidez é representado pela própria aquisição

da propriedade. Que fazer para corrigir um erro de seleção que tenha resultado na

compra de terras de qualidade ou tamanho inadequado para o grupo de sócios? A

pesquisa não possui dados técnicos para avaliar a qualidade das propriedades

adquiridas. Os laudos técnicos, bastante desiguais entre os estados, indicam que

áreas são adequadas para os fins propostos, com potencial para utilização

agropecuária equivalente às condições dominantes no município. Em geral os

laudos apenas indicam a aptidão das terras; pouquíssimos avaliam, de maneira mais

sistemática, a capacidade das propriedades absorverem as famílias de beneficiários

e suportar sistemas de produção capazes de gerar um fluxo de renda sustentável e

compatível com a melhoria das condições de vida dos beneficiários e com o

pagamento do empréstimo. Ainda assim, foi possível analisar vários aspectos sobre

a localização geográfica e algumas características das propriedades:

• Em termos gerais, a distribuição dos projetos em regiões com

características ambientais, dotação de infra-estrutura, localização em

relação aos mercados regionais e potencialidades diferentes reflete

principalmente as condições e características predominantes em cada

estado. Desta forma, não se pode dizer que a estrutura de governança do

Programa está levando a uma má seleção das regiões;

• Também é possível afirmar que a estrutura de governança do Programa

limita o acesso a propriedades em regiões mais dinâmicas e de elevada

densidade populacional, como a Zona da Mata Pernambucana. Ainda

assim, um conjunto relevante de projetos está instalado em microrregiões

com bom potencial agrícola;

103

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• O risco de seca representa uma restrição para um número considerável

de projetos nos estados do Ceará, Pernambuco e em áreas da Bahia.

Embora isto não pode ser atribuído ao Programa, é óbvio que requer

atenção especial e que pode afetar os resultados esperados;

• As condições de acesso aos mercados por parte dos projetos estão

diretamente relacionadas a áreas mais densamente povoadas e com

preços de terras mais altos. O trade off entre condições de

acesso/disponibilidade de infra-estrutura e o preço da terra é evidente.

Neste sentido o Programa parece estar distribuindo os projetos em

regiões com condições superiores à média dos estados, fato que

possivelmente se deve à arbitragem operado pelos órgãos

governamentais;

• As condições de exploração econômica e uso do solo das propriedades

adquiridas parecem refletir de perto as condições gerais prevalecentes

nas regiões e a situação da agricultura dos estados;

• As propriedades vinham sendo exploradas de forma tradicional, sendo a

maioria fazendas de pecuária extensiva com plantações de subsistência e

pequena área de cultivos mais intensivos a cargo de arrendatários e/ou

parceiros. Cada estado apresenta certas particularidades, como a

presença de fazendas de cacau na Bahia;

• A dotação de infra-estrutura das fazendas reflete sua utilização prévia.

Embora um número elevado de propriedades disponha da infra-estrutura

básica associada à pecuária extensiva, o estado de conservação parece

precário e exigirá esforço de recuperação por parte dos novos

proprietários. É limitada a ocorrência de pastos plantados, capinzeiras e

palma forrageira, confirmando o caráter extensivo do sistema de

exploração anterior. Da mesma forma, são poucos os registros de

propriedades com boa dotação de infra-estrutura associada à produção

agrícola e ao processamento primários dos produtos;

• A participação de propriedades com disponibilidade e acesso à energia

elétrica reflete a situação particular de cada estado e a

orientação/intervenção dos órgãos do governo no processo de seleção

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das fazendas. Embora o número de projetos sem possibilidade de acesso

à energia elétrica seja grande, especialmente no Maranhão e algumas

regiões da Bahia, a disponibilidade de energia não se coloca como um

obstáculo absoluto nas áreas aonde sua utilização é de fato crucial para

viabilizar sistemas de produção viáveis e sustentáveis, como nos

Agrestes de Pernambuco, Sertões Cearenses e Norte de Minas;

• Poucas propriedades dispõem de capacidade instalada de irrigação, mas

existe amplo potencial para irrigação, pelo menos em pequena escala, e

manutenção dos rebanhos;

• Ao contrário do que o exemplo dos primeiros projetos sugeria, a maioria

das propriedades nem se encontra pronta para ser explorada de forma

rentável pelos novos donos nem dispõem de fonte de geração de renda

imediata. A exploração da maioria delas requer um conjunto de

investimentos e um esforço continuado dos beneficiários, e os resultados

e consolidação econômica demandarão tempo para materializar-se.

A análise dos parâmetros básicos dos subprojetos de aquisição de terras

revela os seguintes resultados:

• A área total, o número de famílias por projeto e a área por família são

afetados por vários fatores, dentre os quais cabe destacar os seguintes:

(i) características da distribuição fundiária das microrregiões em que estão

inseridos os projetos; (ii) aptidão agrícola e pecuária da região; (iii)

diferentes graus de intervenção dos órgãos estaduais executores dos

programas; (iv) pressão das Associações: associações maiores tendem a

aceitar mais facilmente as condições propostas pelo proprietário e/ou pelo

árbitro no processo de barganha; (v) necessidade de “ajustar” o imóvel às

dimensões das associações;

• Em relação à área total, contatou-se que existe grande variabilidade entre

os projetos, o que reflete o caráter descentralizado e flexível do Programa

para ajustar-se às especificidades locais;

• O valor médio da área por família é em torno de 27 ha. Foi observada

grande variabilidade entre os Estados e regiões, o que indica que esta

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variável está se adequando às condições locais que afetam a oferta e

preço das propriedades;

• O número de famílias também varia muito de projeto para projeto; a

presença de projetos pequenos (menos que 15 famílias) e grandes (mais

de 60 famílias) é minoritária, o que corresponde às hipóteses teóricas que

indicam possíveis desvantagens para projetos muito pequenos e muito

grandes.

É possível indicar, com base nos sistemas dominantes na região, que em

média os tamanhos dos projetos e as áreas médias por família são compatíveis com

a exploração sustentável da maioria das propriedades adquiridas através do Cédula.

De toda maneira, a viabilidade destes empreendimentos é criticamente dependente

das opções de uso do solo a serem adotadas pelas associações, mesmo naqueles

casos em que os valores dos parâmetros área total e área por família são bem

comportados. Em grande medida esta viabilidade dependerá da capacidade das

associações criarem oportunidades a partir de certos elementos de sua dotação de

recursos (como por exemplo a mão de obra abundante) e explorarem as vantagens

potenciais implícitas na forma associativa de organização da produção (por exemplo,

custo de gestão mais baixo, organização de múltiplas atividade dentro da

propriedade, sistemas produtivos diversificados, criação de redes de redução de

risco e segurança social entre os membros e vários outros).

Há diferenças significativas nos parâmetros dessas variáveis observadas para

cada Estado analisado. A intervenção dos Órgãos Estaduais é uma variável de vital

importância para que essas distinções ocorram. Estados com maior intervenção

atuam no sentido de “normalizar” estes parâmetros, principalmente o número e a

área por família, e o preço/qualidade das terras adquiridas.

Em resumo, a análise dos Subprojetos de Aquisição das Terras confirma a

flexibilidade dos projetos quanto ao tamanho das propriedades, número de famílias e

área por família, os quais tendem a ajustar-se às características microrregionais de e

às necessidades e possibilidades das associações que criam os projetos. Em que

medida este ajuste é eficaz ou compromete a potencialidade dos projetos é uma das

questões a ser acompanhada pelo estudo de avaliação de impactos sócio-

econômicos do Programa. Neste estágio do estudo é possível apenas apontar que o

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tamanho das propriedades ofertadas e a intervenção dos órgãos responsáveis pelo

Programa nos estados são os dois principais fatores que estão moldando a primeira

geração de projetos.

A análise realizada também permite identificar claramente os projetos em que

ocorreram problemas: associações com muitas famílias, áreas por família reduzidas

em regiões sem recursos, a necessidade de adquirir vários imóveis para compor um

único projeto.

Em relação ao valor dos Subprojetos de Aquisição de Terras, as principais

conclusões são:

• Há grande variabilidade no valor dos subprojetos de aquisição de terras,

mas poucos valores superam R$ 400.000,00. Os casos “destoantes”

requerem uma análise das razões para tal (projetos muito grandes, custo

elevado das benfeitorias, preço elevado da terra em áreas muito elevadas

e até mesmo eventuais distorções no processo de negociação;

• Há grandes diferenças nos valores dos SAT entre os Estados, refletindo,

aparentemente, diferenças no preço das terras e, seguramente, o

processo de negociação das propriedades mediado pelos órgãos

governamentais; também foram observadas diferenças marcantes entre

as regiões de cada estado, notadamente em Pernambuco (projetos mais

caros na Mata e algumas áreas do Agreste) e Bahia (região sul);

• Áreas maiores tendem a ser mais baratas. Mesmo estando mais distantes

(Maranhão) ou sendo menos férteis (semi-árido), há alguma racionalidade

no processo, pois o menor preço pode compensar a pior fertilidade e as

condições mais agrestes, especialmente se disponibiliza maior volume de

recursos para investimento da associação a fundo perdido e estes forem

adequados em volume e bem programados para superar as deficiências

de localização e qualidade;

• Outro ponto a ser ressaltado para análise futura é que as associações

maiores tendem a pagar um valor mais elevado para as propriedades

adquiridas. Que fatores poderiam responder por esta constatação? O

estudo sugere, como hipótese a ser investigada, que a partir de um certo

limite, é menor o poder de barganha das associações para adquirir a

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propriedade. Esta hipótese vem acompanhada de duas outras hipóteses:

menor disponibilidade de propriedade de tamanho adequado para

absorver grandes associações e maior pressão pelo acesso à terra dentro

da própria associação combinam-se para reduzir seu poder de barganha

diante dos proprietários. A pressão da associação transmitir-se-ia para o

órgão governamental responsável pelo Programa, na medida em que do

“custo político” da recusa, especialmente em conjunturas eleitorais, seria

mais elevado.

A análise da participação do valor da terra nua e das benfeitorias permite

ressaltar que o valor total da propriedade e a maior ou menor participação das

benfeitorias são associados ao estado e à região dentro dos estados (efeito

localização e seca). O pagamento das benfeitorias representa 30% em média do

valor pago pelas propriedades. Este percentual é mais elevado no Ceará, onde o

valor da terra nua é muito baixo. Neste estado, as benfeitorias referem-se

principalmente à exploração de recursos hídricos de pequeno porte, destinados à

manutenção de animais e não à irrigação. O efeito seca deve ter criado este viés de

seleção (nobre, diga-se de passagem) na escolha das propriedades. No sul da

Bahia, existem projetos com valor mais elevado que a média em função das

benfeitorias (em sua grande maioria instalações das fazendas da região cacaueira);

no Maranhão e em Minas Gerais a importância das benfeitorias é pequena. Em

Pernambuco, a maioria dos projetos está no Agreste, onde as terras são mais caras

e as fazendas de pecuária não dispõem de muitas benfeitorias.

Subprojetos de Investimento. A disponibilidade e alocação dos recursos do

SIC são fundamentais para o desempenho dos projetos. Erros iniciais podem

comprometer em maior ou menor grau os resultados futuros. Embora alguns ativos,

como trator, possam ser revendidos com perda de dinheiro, outros gastos realizados

em função de um projeto equivocado poderão ficar inúteis após a revisão do projeto

e serem irrecuperáveis através da venda. Para uma comunidade pobre, com

dificuldade de acesso a recursos a capital, um resultado deste tipo pode fazer a

diferença entre um projeto bem sucedido e um fracassado.

A análise dos Subprojetos de Investimento (SIC) indicou que em geral há uma

complementaridade entre o SAT (terra nua e benfeitorias) e os investimentos

programados. Convém destacar os seguintes pontos: merecem ser destacados:

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• Metade dos recursos disponibilizados através do SIC é gasto com

manutenção. Em alguns locais, como Bahia, este montante remunera

atividades coletivas e funciona como uma espécie de “incentivo” à

atividade coletiva, bloqueando a tentativa de criar lotes isolados, mesmo

em projetos em que lotes individuais têm peso elevado no total. Em outros

estados, como no Ceará e a maioria dos projetos em Pernambuco, o

dinheiro (R$130) é pago sem vínculo com o trabalho; em alguns casos é

destinado à aquisição de animais;

• Também são relevantes os gastos com infra-estrutura, compreendendo

estradas, energia elétrica e recursos hídricos, a grande maioria para

consumo das pessoas e animais. A alocação de recursos para este tipo

de investimento parece uma distorção importante: de um lado, tais gastos

poderiam e deveriam ser cobertos por outros programas e órgãos do

governo; de outro, dificilmente o volume disponível é suficiente para

instalar infra-estrutura suficiente para permitir um up grading das

condições de produção dos projetos. Há casos de energia elétrica

monofásica, mais apropriada para uso residencial que para instalações

produtivas; estradas “perecíveis”, segundo o dizer de um entrevistado e

obras hídricas mal dimensionadas ou apressadas; também foram

observadas muitas obras de recuperação de equipamentos hídricos. Seria

interessante analisar até que ponto os laudos técnicos indicaram a

necessidade de realizar tais gastos para recuperar as benfeitorias.

Metade dos projetos, grande parte no Ceará, gastam os recursos do SIC

nesses dois itens;

• 33 projetos, dispersos em todos os estados, destinaram parte importante

do SIC à compra de animais, basicamente de pequenos animais. Trata-se

de um item divisível, mas com valor médio elevado para as famílias

beneficiárias, o que indica uma orientação produtiva destes projetos,

localizados principalmente em Pernambuco, Bahia e Minas Gerais, para a

pecuária. Na maioria dos casos a viabilidade destes projetos dependerá

do arranjo para a exploração da pecuária e das pequenas áreas de

lavoura. O risco é a reprodução, em terra própria, da grande fazenda

extensiva do semi-árido;

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• A compra de equipamentos é um item caro (próximo a R$ 40.000,00) que

pode aparecer como um custo fixo importante para comunidades

menores. A irrigação, que no atual estágio está mais localizada em Minas

Gerais, também é cara e localizada, diferenciando do investimento em

poços e açudes, etc.;

• O destaque é a pequena importância de itens de benfeitoria (incluindo

cercas, currais, etc), especialmente aqueles diretamente vinculados à

produção. Estes itens praticamente não aparecem no Ceará, ocorrendo

mais em Pernambuco e Bahia, ainda que concentrada em poucos

projetos;

• A conclusão mais importante é que os recursos para investimento,

significando em média R$ 5.000,00 por família, estão pulverizados em

diversos itens, não sendo suficientes complementar/adaptar as

benfeitorias existentes às novas condições de utilização da propriedade

nem para estabelecer uma base produtiva sólida a partir da qual os

beneficiários poderão gerar renda suficiente para melhorar de vida e

pagar a dívida contraída;

A flexibilidade é um dos atributos importantes dos projetos associativos

descentralizados, mas fica evidente que, na maioria dos projetos com menor número

de famílias, haverá necessidade de créditos complementares para viabilizá-los,

criando uma nova fonte de endividamento e de diferenciação entre projetos.

A análise dos projetos detectou uma certa complementaridade entre os itens

dos Subprojetos de Investimentos Coletivos com a composição dos Subprojetos de

Aquisição de Terras (tamanho da propriedade e benfeitorias). Encontrou-se, por

exemplo, correlação entre a presença de alguns itens de benfeitorias (instalações

voltadas para a criação) e aquisição de animais com recursos do SIC. Também é

coerente a forte correlação positiva entre a presença de benfeitorias e cercas e a

aquisição de animais.

Em relação ao uso dos recursos, deve-se destacar que a maioria das

associações está tratando os recursos do SIC com uma abordagem de projetos

fechados e que devem ser implementados o mais rapidamente possível. Em alguns

casos foi possível perceber que esta abordagem encontra eco nos órgãos estaduais,

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para os quais o “atraso” na implantação dos projetos é sinônimo de ineficiência. Esta

abordagem significa um maior risco de erro na fase inicial associado à definição

inadequada de prioridades, cuja correção pode ser impossível ou com custo muito

elevado para comunidades pobres como a dos beneficiários do Cédula da Terra.

Pode também implicar em uso menos eficiente dos recursos. O exemplo mais claro

é a aquisição do trator novo, consumindo percentual elevado dos recursos

disponíveis. É possível que um trator usado, adquirido com calma, representasse um

melhor investimento para os produtores.

Formação e papel da associações. A análise do processo de formação das

associações permite indicar alguns pontos para reflexão. É relevante e

extremamente diversificado o papel que vários atores, órgãos, programas e políticas

públicas desempenham no processo de criação das associações. Essa diversidade

e a atuação de cada um reforçam a idéia de que o bom desempenho das

associações e sua postura face às políticas governamentais não dependem apenas

dos associados. As condições externas sob as quais os beneficiários vivem e se

orientam têm um peso não desprezível nesse processo. Em todos os estados, e

particularmente na BA e em MG, há uma clara intervenção de atores e instituições

externas ao grupo, tais como prefeituras, políticos locais, pessoas “bem

intencionadas”, proprietários de terra, técnicos ligados às instituições

governamentais, etc.

Os órgãos responsáveis pela execução do Programa não são apenas

coadjuvantes na criação das associações comunitárias e na condução dos projetos.

Sua atuação começa com a divulgação do Programa, o incentivo à adesão e o apoio

para criação da associação, na seleção dos candidatos, nos procedimentos de

legalização das associações, no laudo técnico de avaliação da propriedade, na

abertura de contas correntes para o recebimento dos recursos e assim por diante.

Devido ao baixo nível de organização e de “institucionalidade” dos beneficiários,

para além da orientação propriamente ‘técnica e de apoio”, assumindo um caráter de

dependência e subordinação dos beneficiários em relação ao governo e seus

técnicos.

A maioria das associações teve origem no contexto da tradição populista, que

define um campo de representação baseado na cooptação, subordinação e controle

social e político das populações pobres. Mesmo muitas das associações que estão

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sendo criadas exclusivamente para participar do Programa não parecem escapar a

este contexto. No entanto, é necessário chamar a atenção para o fato de que, pelo

menos teoricamente, programas com a concepção do Cédula da Terra pressupõem

associações autônomas, com capacidade para tomar e implementar decisões

estratégicas sobre o uso dos ativos sob seu controle, assim como para gerenciar a

propriedade da terra em uma trajetória sustentável, seja do ponto de vista financeiro

seja do ponto de vista da melhoria de bem-estar das famílias envolvidas.

É importante destacar também que a principal especificidade das associações

beneficiárias do Cédula da Terra é a propriedade comum e permanente de um ativo

relevante, inicialmente indivisível, como a terra, cuja exploração exige a manutenção

da associação. Há uma crescente preocupação com os assuntos do projeto, em

contraposição à prática anterior, mais abrangente e voltada para questões da

comunidade.

Foi constatado também que, apesar do empenho institucional e do interesse

dos beneficiários, as associações não estão se constituindo em atores

independentes, com real capacidade de interlocução junto ao Estado, frente às elites

políticas locais e os proprietários de terra. Seus associados estão percebendo a

complexidade das tarefas sob à sua responsabilidade mas não estão conseguindo

realizá-las. Ou seja, não estão dando conta de “gerenciar essa transição”, como por

exemplo, harmonizar os interesses e coordenar as atividades produtivas, gerir os

recursos que o Programa disponibiliza e negociar e implementar a inserção

econômica e social de todos, para superar a pobreza e a precariedade de suas

condições.

Apesar das dificuldades e dos limites estruturais, constatou-se que há um

imenso potencial dos pequenos produtores familiares e das populações carentes do

Nordeste, em se constituírem em atores efetivos do desenvolvimento. O Cédula da

Terra representa uma experiência associativa nova para os beneficiários, os quais

até o momento utilizaram as associações como instrumento para obter recursos

públicos e de reivindicação de vários tipos. Na tradição paternalista/populista que

orientou boa parte das políticas públicas de desenvolvimento regional e rural, as

ações e recursos públicos eram caracterizados como “concessão”, “doação”, “favor”

etc., reforçando a natureza subordinada das associações (e das reivindicações) e o

controle social e político sobre as populações rurais carentes. Não é por acaso que a

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história da maioria das associações confirma que existe uma relação estreita entre a

força, nível de participação e vitalidade das associações e o acesso às “benesses”

concedidas pelo governo por meio dos programas especiais.

O Cédula abre possibilidade para um rompimento com este tipo de

associação, pedinte e subordinada, na medida que a propriedade da terra e o

acesso aos recursos do Programa transformam os beneficiários em agentes com

certo poder local, correntistas dos bancos, contratantes de serviços e assim por

diante. Em que medida as associações de beneficiários do Cédula estão preparadas

para dar este salto rumo à autonomia e autogestão não está ainda totalmente claro.

A Avaliação Preliminar considera, com base nas evidências colhidas durante o

trabalho, que dificilmente isto poderá ocorrer sem uma intervenção direta dos órgãos

responsáveis pelo Programa através de instrumentos especialmente desenhados

para este fim. O desafio não é pequeno, mas parece crucial para o bom

desenvolvimento do Cédula.

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