NÚCLEO DE ESTUDOS AGRÁRIOS E DESENVOLVIMENTO (NEAD)
AVALIAÇÃO DO PROGRAMA CÉDULA DA TERRA
PROGRAMA CÉDULA DA TERRA
resultados preliminares, desafios e obstáculos
Equipe Técnica: Antônio Márcio Buainain (University of Campinas, Brazil)
José Maria da Silveira (University of Campinas, Brazil) Hildo Meireles Souza (Federal University of São Carlos, Brazil)
Marcelo M. Magalhães (Consultant IICA)
Campinas, 26 de Fevereiro de 1999
ÍNDICE ANALÍTICO
PROGRAMA CÉDULA DA TERRA: RESULTADOS PRELIMINARES, DESAFIOS E OBSTÁCULOS......................................................................................................................... 1
1. INTRODUÇÃO ................................................................................................................ 1
2. CONCEPÇÃO GERAL E ESTRUTURA DE GOVERNANÇA DO PROGRAMA CÉDULA DA TERRA ............................................................................................................. 2
3. CONDICIONANTES GERAIS ...................................................................................... 5
4. PROCESSO SELETIVO................................................................................................. 7 4.1 PERFIL SOCIOECONÔMICO DOS BENEFICIÁRIOS.......................................................... 12 4.2 PERFIL DA FAMÍLIA: ESTRUTURA, COMPOSIÇÃO, CONDIÇÕES DE VIDA E PATRIMÔNIO. ......................................................................................................................... 24 4.3 PERFIL PRODUTIVO DO BENEFICIÁRIO, ACESSO À INFORMAÇÃO E ONHECIMENTO DAS REGRAS DO PROGRAMA .......................................................................... 30 4.4 AVALIAÇÃO ANALÍTICA DO PROCESSO DE SELEÇÃO .................................................. 33
5. PROCESSO DE AQUISIÇÃO DAS PROPRIEDADES ............................................ 39 5.1 ALGUMAS CONSIDERAÇÕES DE NATUREZA CONCEITUAL SOBRE A SELEÇÃO E AQUISIÇÃO DA PROPRIEDADE.............................................................................................. 39 5.2 O PROCESSO DE AQUISIÇÃO DAS TERRAS................................................................... 43
Iniciativa do negócio .................................................................................................... 43 Seleção das propriedades ............................................................................................. 44 Processo de negociação................................................................................................ 44 Formação dos preços.................................................................................................... 47
6. CARACTERÍSTICAS DOS PROJETOS DO CÉDULA DA TERRA ..................... 49
6.1 DISTRIBUIÇÃO GEOGRÁFICA DOS PROJETOS E AS PRINCIPAIS CARACTERÍSTICAS DAS REGIÕES............................................................................................ 49 6.2 CARACTERÍSTICAS DAS PROPRIEDADES ADQUIRIDAS PELO CÉDULA DA TERRA 57
6.2.1 Uso anterior ..................................................................................................... 58 6.2.2 Benfeitorias e acesso à energia........................................................................ 60 6.2.3 Potencial de irrigação dos projetos ................................................................. 64
7. ANÁLISE DOS PROJETOS DE FINANCIAMENTO: PRINCIPAIS PONTOS... 68 7.1 ANÁLISE DOS SUBPROJETOS DE AQUISIÇÃO DE TERRAS............................................ 69 7.2 ANÁLISE DOS SUBPROJETOS DE INVESTIMENTO COMUNITÁRIO ................................ 75
8. FORMAÇÃO E PAPEL DAS ASSOCIAÇÕES ......................................................... 84
9. RESUMO EXECUTIVO E PRINCIPAIS CONCLUSÕES....................................... 93
Tabela 1: Informação Inicial sobre o Cédula da Terra – Amostra de Associações – _______________________9 Tabela 2: Caracterização do Beneficiário (Aspectos Demográficos) – População – ______________________13 Tabela 3: Nível Educacional do Beneficiário – População – ________________________________________14 Tabela 4: Ocupações do Beneficiário – População – ______________________________________________15 Tabela 5: Nível e Fontes de Renda do Beneficiário e Família – População –____________________________20 Tabela 6: Estrutura Familiar — População — ___________________________________________________25 Tabela 7: Perfil da Família dos Beneficiários (Residentes) – População –______________________________26 Tabela 8: Nível Educacional da Família dos Beneficiários – População – ______________________________27 Tabela 9: Local de Moradia da Família – População –_____________________________________________28 Tabela 10: Patrimônio do Beneficiário e da Família – População – ___________________________________29 Tabela 11: Crédito, regras etc ________________________________________________________________30 Tabela 12: Modelo Logit____________________________________________________________________36 Tabela 13: Critérios de Escolha da Propriedade __________________________________________________43 Tabela 14: Procurou Outra Propriedade? _______________________________________________________44 Tabela 15: Processo de Negociação ___________________________________________________________47 Tabela 16 . Ocorrência de projetos segundo meso e microrregiões, por estado __________________________50 Tabela 17: Uso Anterior do Imóvel Adquirido Segundo os Presidentes das Associações __________________58 Tabela 18: Utilização Anterior do Imóvel Adquirido ______________________________________________59 Tabela 19: Distribuição de Freqüência da Área por Família (AFAM) Segundo Estratos de Número de
Famílias (FAM) e Área Total (AT) — Amostra Geral — _________________________________71 Tabela 20: Valor da Terra Nua Efetivo por Área (VTNefarea) Distribuídos Segundo Estratos de Número de
Famílias por Projeto (FAM) ________________________________________________________74 Tabela 21: Parâmetros da Distribuição do SIC — Estados e Amostra Geral —__________________________76 Tabela 22: Parâmetros da Distribuição do SIC por Família — Estados e Amostra Geral — ________________77 Tabela 23: Parâmetros dos Gastos com “Manutenção” das Famílias __________________________________78 Tabela 24: Tipo de Associações Segundo as Razões da Criação _____________________________________85 Tabela 25: Criação das Associações: Natureza da Participação de Agentes Externos _____________________87 Tabela 26: Experiência Prévia dos Presidentes das Associações _____________________________________90
Figura 1. Distribuição dos Projetos PCT segundo o risco de seca das regiões ___________________________52 Figura 2. Ocorrência de projetos segundo o grau de dinamismo agropecuário das microrregiões ____________55 Figura 3. Condições de Escoamento do Produto Agrícola __________________________________________56 Figura 4. Animal Exploitation Facilities in PCTs _________________________________________________61 Figura 5. Propriedades com culturas permanentes e instalações agroindustriais. _________________________62 Figura 6. Disponibilidade/acesso à energia elétrica _______________________________________________63 Figura 7. Potencial de irrigação dos projetos do Cédula____________________________________________65 Figura 8. Irrigation Facilities on PCT __________________________________________________________66
Gráfico 1: Gastos do SIC com “Manutenção” por Família (INDMAN) – Bahia e Minas Gerais – ___________79 Gráfico 2: Gastos do SIC com “Manutenção” por Família (INDMAN) – Pernambuco e Ceará – ____________79
Quadro 1: Estrutura da Renda do Beneficiário e Família ___________________________________________19 Quadro 2: Definição das variáveis independentes ________________________________________________35
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Programa Cédula da Terra: resultados preliminares, desafios e obstáculos
1. INTRODUÇÃO O Programa Piloto de Reforma Agrária Cédula da Terra foi lançado em
dezembro de 1997, tendo como objetivo estratégico a redução da pobreza rural nas
regiões mais deprimidas do País através de ações de política fundiária e de
desenvolvimento comunitário. A meta imediata do Programa era beneficiar 15 000
famílias pobres durante sua primeira fase, com duração prevista para três anos.
O Núcleo de Desenvolvimento Agrário e Desenvolvimento (NEAD) e o Banco
Mundial contrataram uma equipe de consultores independentes para avaliar o
impacto sócio-econômico do Programa, acompanhar e monitorar sua
implementação, identificar obstáculos decorrentes tanto da concepção do Programa
como de sua implantação e avaliar sua efetividade e sustentabilidade, seja em
relação ao objetivo de redução da pobreza rural seja em relação à utilização de
recursos públicos em um contexto de fortes restrições fiscais e financeiras.1
No primeiro semestre de 1999 foi realizado um estudo preliminar sobre o
primeiro ano do Programa.2 Este documento apresenta uma síntese dos principais
1 A metodologia de avaliação dos impactos socioeconômicos e da eficácia do Programa foca alguns aspectos cruciais para o sucesso deste tipo de intervenção, entre os quais se destacavam as seguintes: analisar a eficiência do processo seletivo utilizado pelo Programa e identificar o perfil sócio-econômicas dos beneficiários a fim de evitar eventuais distorções no processo de seleção; eficiência e sustentabilidade do uso dos recursos por parte dos beneficiários; incentivos para emancipação e capacidade de pagamento da terra; preço e condições de acesso à terra; evolução do nível de bem-estar das famílias beneficiárias; sustentabilidade do Programa. 2 Este estudo foi realizado por professores das Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP) e Universidade São Paulo (USP), Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ), com a colaboração de professores, pesquisadores e estudantes de pós-graduação das Universidades Federais do Ceará (UFCE) e Maranhão (UFMA), além de técnicos de organizações não governamentais e dos governos estaduais. A avaliação preliminar, que teve início no dia 1 de dezembro de 1998 e foi concluída em 30 de julho de 1999, perseguiu os seguintes objetivos: gerar indicadores sócio-econômicos sobre a população beneficiária do Programa; comparar esses indicadores e os equivalentes obtidos a partir dos dados do último censo agropecuário do IBGE, a fim de localizar apropriadamente os beneficiários do Cédula da Terra na pirâmide social brasileira; analisar a transação fundiária e gerar indicadores sobre o preço, localização e qualidade da propriedade adquirida; analisar o papel das associações de beneficiários, em particular sua participação na aquisição da terra e sua capacidade para alavancar o desenvolvimento produtivo da propriedade adquirida em beneficio de seus membros. A Avaliação Preliminar baseou-se na análise de informações colhidas junto a amostras estatisticamente planejadas dos projetos implantados e/ou em fase de implementação até 31 de dezembro de 1998 nos cinco estados de abrangência do Programa, com cobertura geográfica de todas as mesorregiões nas quais o Programa tinha
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aspectos revelados pelo estudo de avaliação preliminar. Ao longo deste período a
equipe responsável pelo estudo produziu um conjunto de relatórios técnicos3 e
artigos de caráter mais acadêmico4, aos quais o leitor interessado deve referir para
uma discussão mais detalhada dos pontos tratados neste documento.
2. CONCEPÇÃO GERAL E ESTRUTURA DE GOVERNANÇA DO PROGRAMA CÉDULA DA TERRA A concepção geral do Programa Cédula da Terra assenta-se na idéia de que
a erradicação da pobreza requer a eliminação das suas causas estruturais. Neste
sentido, é necessário assegurar que a redistribuição de ativos e renda entre os mais
pobres crie condições para a elevação sustentável do nível de vida destas
populações, o que só será possível se os programas criarem as condições materiais
e institucionais adequadas para que seus beneficiários aproveitem o melhor possível
as oportunidades criadas e utilizem eficientemente os recursos disponíveis.
O desenho do Programa levou em conta não apenas alguns aspectos macros
relevantes, tais como.o tempo de demora, burocracia, elevado custo e conflitos para
a aquisição de terra, mas também aspectos relacionados aos fatores que mobilizam
as energias das famílias e comunidades e condicionam a alocação de esforços em
consistência com a construção de projetos viáveis e sustentáveis, seja do ponto de
vista econômico seja social.5
projetos em 31 de dezembro de 1998. Foram sorteados 116 projetos, e para cada projeto foram sorteadas as famílias às quais foram aplicados uns detalhados questionários. Também foi aplicado um questionário específico para os presidentes/diretoria das associações de beneficiários do Programa. O desenho da amostra levou em conta o controle da precisão de indicadores sócio-econômicos que caracterizam a população de beneficiários, assegurou a representatividade e o grau de precisão adequados para as análises das informações colhidas em campo e para sua extrapolação estatística ao universo dos projetos do Cédula da Terra. Isto significa que as informações colhidas pela pesquisa de campo e os indicadores gerados pela avaliação preliminar refletem, com precisão adequada, a efetiva situação dos beneficiários do Programa Cédula da Terra. A Avaliação Preliminar utilizou as informações sobre os beneficiários e sobre os projetos colhidas tanto pela pesquisa de campo realizada em fevereiro de 1999 como as informações fornecidas pelos órgãos responsáveis pela implementação do Programa em cada estado. 3 Listar os relatórios. 4 Listar os artigos. 5 O conjunto de regras, modalidades de funcionamento e instrumentos operacionais e financeiros que compõem o Programa formam sua estrutura de governança. Dadas as usuais restrições de natureza econômica e tecnológica, define-se uma estrutura de governança como um conjunto de formas organizacionais que condiciona o relacionamento entre agentes que estão empenhados em uma atividade, determinando os incentivos individuais e a alocação dos recursos (quanto, aonde, de que forma) disponíveis. As estruturas de governança incluem as formas específicas de direito de propriedade dos ativos, as regras básicas ―contratuais ou não― que regulam as relações entre os agentes, a utilização dos ativos comuns e individuais, a distribuição das rendas,
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As principais características do Programa são:
• Descentralização operacional em relação ao governo federal e aos
órgãos responsáveis pela sua implementação. O Programa estabelece
critérios gerais vigentes para o processo de redistribuição de ativos de
uma determinada região e provê fundos para o apoio das iniciativas
dos próprios beneficiários. Fixa um preço limite para a aquisição dos
lotes de terra e para o financiamento global e deixa aos próprios
beneficiários a decisão de escolher os lotes, negociar sua aquisição e
definir os projetos produtivos a serem implementados;
• É um programa que se funda na idéia de auto-seleção dos
beneficiários. O Programa não seleciona diretamente os participantes,
mas apenas define as características básicas da população de
possíveis beneficiários e as condições de acesso. A partir daí, são os
próprios interessados que buscam qualificar-se para participar do
Programa, sendo atendidos pelo critério da fila;
• A participação no Programa é associativa e não individual, pois apenas
associações de produtores podem receber créditos;
• O ativo não é "distribuído", mas vendido através de uma operação de
crédito fundiário (complementado por outras linhas de crédito)
contratada pela associação beneficiária e o agente financeiro do
Programa;
• As associações tem total autonomia para tomar as decisões sobre a
utilização dos recursos financiados e sobre a estratégia produtiva a ser
seguida, inclusive a distribuição de terras entre as famílias sócias e o
uso das terras comuns e das parcelas individuais. Os benefícios são
apropriados pelas famílias e os compromissos financeiros são da
associação, mas de responsabilidade solidárias dos sócios.
previstas em contrato ou residuais, os instrumentos de premiação e punição utilizados pelo grupo, e o arcabouço legal e institucional da economia que ampara as regras de convivência e os contratos estabelecidos entre os agentes. (Rabelo e Silveira, 1997)
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Supõem-se que estas características produziriam uma estrutura de
governança que levaria à seleção de ativos de qualidade e preço consistente com a
viabilidade dos projetos,6 boa seleção de beneficiários7, eficiência alocativa e
produtiva8.
Sabe-se que a maior debilidade das unidades familiares é seu fracionamento
e, devido às restrições de acesso e disponibilidade de recursos, uma escala de
produção que, na maioria dos casos, não chega a atingir o nível que permite
enfrentar individualmente o mercado (lato sensu) sem sofrer as conhecidas
desvantagens associadas ao fracionamento e escala. O Programa estimula o
associativismo como pré-condição para aceder ao ativo terra. À compra associativa
no mercado, por hipótese, deve corresponder um conjunto de ações coletivas na
condução do negócio, sem que isto represente a perda de estímulo individual (pela
má definição de direitos de propriedade, como no caso do arrendamento). Esta ação
coletiva emerge como um comportamento endógeno e como um resultado ex-post, e
não como uma exigência burocrática.
A forma associativa facilita o acesso aos mercados e o estabelecimento de
contratos, facilita o acesso a externalidades, reduz os custos de transação e de
gestão e eleva o esforço individual, em particular devido ao peer monitoring do
conjunto das atividades, tanto individuais como associativas, implementadas na área
6 Como a terra é comprada e deve ser paga pelos beneficiários, supõe-se que estes selecionarão áreas com condições de permitir geração de renda suficiente para seu pagamento e compatíveis com a sustentabilidade do processo. A forma associativa na própria aquisição reduziria erros de avaliação individual e permitiria compatibilizar as características da terra às aptidões dos compradores, à disponibilidade de recursos e ao projeto de desenvolvimento. 7 É impossível conhecer ex-ante qual é a verdadeira capacitação, interesse e disposição da pessoa para dedicar-se ao negócio. A experiência dos projetos de desenvolvimentos mostrou forte ineficiência seletiva mesmo quando foram utilizados critérios rigorosos e detalhados de escolha dos beneficiários, como nos casos de programas de colonização e irrigação. A literatura mostra que a dificuldade de operar seleção para determinados tipos de programas e a existência de um trade off entre custo inicial de seleção, de monitoramento e eficiência do processo. A hipótese na qual se baseia o processo de seleção do Cédula é que as comunidades são as instâncias melhor qualificadas para selecionar seus membros para participar do Programa. Mais ainda, os próprios membros das comunidades, tendo informação adequada sobre as alternativas existentes, podem tomar a decisão de aderir ou não Programa. Supõe-se que a aquisição da terra via mercado geraria um "conjunto de oportunidades" abertas a todos os indivíduos previamente definidos como público do programa, sujeitas a um "conjunto de restrições", como a de pagar os empréstimos tomados. Aqueles indivíduos com perfil adequado ao aproveitamento destas oportunidades e dispostos a cumprir as obrigações assumidas se associariam para adquirir a terra. 8 Supõe-se que a alocação eficiente e sustentável dos recursos resultaria da: (i) seleção de terras adequadas ao perfil e aptidões dos produtores e aos projetos a serem implementados reduziria os problemas de ineficiência associados à qualidade da terra e do seu entorno; (ii) seleção de beneficiários com características pessoais e
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do projeto. Um ponto importante é a possibilidade de redução de decisões
individuais incompatíveis com a sustentabilidade do projeto e a redução à aversão
ao risco através da distribuição do risco entre os sócios de empreendimento.
É possível hipotetizar que a forma associativa desenvolveria ações solidárias
que contribuiriam para reduzir ou minimizar as desigualdades no interior do grupo, e
para reduzir a insegurança alimentar que afeta as famílias de baixa renda,
especialmente em áreas sujeitas à secas como o Nordeste brasileiro.
Teoricamente esta estrutura de governança produziria uma alocação eficiente
dos recursos e estimularia atitudes positivas dos beneficiários que contribuiriam para
a superação da pobreza e a sustentabilidade dos empreendimentos individuais e
associativos.
3. CONDICIONANTES GERAIS Dois fatores impedem a realização de análises dos impactos sócio-
econômicos do Programa Cédula da Terra: o curto tempo transcorrido entre sua
criação e a realização da pesquisa de campo e a forte seca que assolou as
principais áreas de abrangência do Programa. No momento da pesquisa, um grande
número de projetos estava na fase inicial de instalação. A maioria dos beneficiários
atravessava a fase de transição entre a situação anterior de trabalhador rural sem
terra ou minifundiários ―condição da maioria dos beneficiários― para a de
proprietário de terra em regime de associação com seus pares. Por sua vez, os
efeitos da seca sobre a dinâmica do Programa tampouco podem ser minimizados,
uma vez que a estiagem impediu o início das atividades produtivas e exigiu ações
extraordinárias que absorveram parte dos recursos do setor público em detrimento
dos programas regulares. Neste contexto, qualquer avaliação peremptória sobre o
Programa e sua viabilidade deve refletir muito mais uma apreciação subjetiva sobre
sua concepção e desenho do que os resultados obtidos durante o primeiro ano.
Cientes desta limitação, os responsáveis pela Avaliação Preliminar buscaram
elementos para aperfeiçoar o Programa e orientar as ações do setor público. O
estudo procurou avaliar até que ponto a estrutura de governança do Programa está
respondendo a algumas questões fundamentais para sua viabilidade, em particular a
condições sócio-econômicas "adequadas" para explorar as oportunidades criadas pelo acesso à terra; (iii) papel das associações e (iv) suporte do setor público,
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seleção dos beneficiários, a localização dos projetos e características das
propriedades adquiridas, a constituição dos projetos produtivos e o papel das
associações de beneficiários. Esta abordagem, mesmo não sendo conclusiva, tem a
vantagem de chamar a atenção dos responsáveis pelo Programa para problemas
que inevitavelmente surgem na fase da implementação, permitindo desta forma a
ação de medidas corretivas e a redefinição dos fatores responsáveis pelos
problemas. Em outros casos, chama-se a atenção para obstáculos que os projetos
podem enfrentar no futuro ―alguns com potencial para comprometer a
sustentabilidade de muitos projetos― se ações preventivas não forem adotadas.
Nestes casos, trata-se sempre de análises que contém elevada dose de incerteza e
que revelam avaliações subjetivas e opiniões pessoais dos membros da equipe. Por
último, o estudo procurou identificar elementos que pudessem indicar o potencial
produtivo dos projetos em implantação.
Em termos mais gerais, procura-se avaliar se a estrutura de governança do
Programa Cédula da Terra gera projetos sustentáveis, seja do ponto de vista micro
seja do ponto de vista macroeconômico, e cria estruturas e incentivos que conduzem
ao uso eficiente dos recursos transferidos para as comunidades pobres através da
política fundiária.
Este documento foca alguns aspectos relevantes do primeiro ano de
implementação do Programa Cédula da Terra, principalmente aqueles relacionados
ao processo de seleção e o perfil sócio-econômico dos beneficiários, o processo de
seleção e aquisição do ativo terra, as principais características dos projetos
pioneiros do Cédula da Terra e a natureza das associações de beneficiários.9
9 Convém chamar a atenção para alguns aspectos da organização institucional. A concepção do Programa é que este se organize de forma descentralizada e seja gerido pelos Estados e comunidades locais de maneira autônoma. Teoricamente, tal concepção corresponde tanto às lições oriundas da implementação de projetos de desenvolvimento rural e combate à pobreza, que apontaram a centralização e o top down approach como principais responsáveis pelo relativo fracasso de muitas iniciativas desde os anos 70, como às recomendações derivadas dos debates teóricos sobre a necessidade de criar estruturas de governança que se adaptem às especificidades locais e liberem as energias produtivas das comunidades pobres e canalizem os esforços para objetivos e projetos sustentáveis. Uma hipótese central que vem orientando o estudo da avaliação é que a organização institucional latu sensu é um dos elementos formadores das estruturas de governança efetivas, e como tal influência direta e indiretamente a configuração do Programa, as características básicas dos projetos e sua dinâmica econômica e social. O estudo realizado não se deteve com profundidade nos aspectos institucionais. Em parte por ter subestimado sua real importância, e em parte por seja por assumir a hipótese errada de que a institucionalidade do Programa era única e que os Estados apenas implementavam as regras operacionais formuladas pelo Governo Federal e Banco Mundial. Observou-se que na prática o Programa vem sendo implementado com grande autonomia metodológica e operacional dos Estados em relação ao governo
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4. PROCESSO SELETIVO O Programa Cédula da Terra está baseado no processo de auto-seleção dos
beneficiários e na demanda de terras das próprias comunidades.10 O Programa, que
vem sendo implementado em 5 Estados do Nordeste do Brasil (Ceará, Pernambuco,
Bahia, Minas Gerais e Maranhão), tem como público-meta os trabalhadores rurais
sem terra (assalariados, parceiros, arrendatários) e produtores rurais (proprietários
ou não) que não possuem terra suficiente para assegurar a subsistência da família
(minifundistas). O Programa facilita os meios para viabilizar a aquisição de uma
propriedade, a instalação das famílias beneficiárias e os investimentos iniciais de
caráter comunitário para o início de atividades produtivas geradoras de renda. O
acesso ao Programa é descentralizado a partir da demanda de organizações
associativas legalmente constituídas.11
Uma avaliação definitiva do processo de seleção e do perfil sócio-econômico
dos beneficiários somente será possível a partir do segundo e terceiro ano de
implantação do Programa.12 No caso do Cédula da Terra, os beneficiários que se
federal. Observaram-se ainda variações de Estado para Estado na formulação de regras e nos procedimentos relacionadas à formação dos projetos, nos procedimentos para a compra da terra, nas relações entre o Estado e as associações, no processo de seleção dos beneficiários, na orientação sobre o uso dos recursos do Programa e no acompanhamento e apoio às atividades de implantação dos projetos. Registrou também que nem todos os órgãos envolvidos têm o mesmo grau de comprometimento e engajamento com o Programa. Algumas diferenças são desejáveis e inerentes ao caráter descentralizado do Programa e da exigência de flexibilidade para melhor adaptar-se às especificidades e necessidades locais. Outras podem refletir uma certa improvisação na etapa de implementação do Programa ―improvisação que não pode ser tomada como negativa a priori― e principalmente a deficiência de capacidade de planejamento e de coordenação do setor público brasileiro em todos os seus três níveis: federal, estadual e municipal. Obviamente que não se pode imputar ao Programa este tipo de deficiência, mas é mister chamar a atenção dos responsáveis para os possíveis efeitos negativos que podem advir da debilidade do setor público para gerenciar este tipo de programa. As diferenças observadas entre os Estados têm efeitos diretos sobre a estrutura de governança do Programa; neste estágio não é possível saber como e em que medida as diferentes orientações afetarão a eficiência do Programa. Qual das estruturas de governanças é mais eficiente não é uma questão que possa ser resolvida ex-ante, já que do ponto de vista conceptual seria possível arrolar argumentos em favor e contra aspectos das orientações adotadas em estado. Apenas o do Programa poderá resolver esta questão. 10 Ver xxxx para uma discussão mais detalhada sobre a questão de targeting e mecanismos de seleção em políticas públicas e xxx para uma apresentação detalhada do processo de seleção do Programa Cédula da Terra. 11 A partir desta definição geral do público-meta, o Manual de Operações considera elegíveis aqueles que atenderem, simultaneamente, aos seguintes requisitos: (a) serem produtores rurais sem terra ou proprietários de terra caracterizada como minifúndio; (b) serem chefe ou arrimos de famílias, inclusive mulher responsável pela família, serem maiores de idade ou emancipados; (c) terem tradição na atividade agropecuária; (d) manifestem intenção de adquirir, por compra, através de uma associação de produtores, propriedade rural que lhes permita desenvolver atividades produtivas sustentáveis; (e) possam apresentar um ou mais proprietários dispostos a vender-lhes o imóvel negociado previamente nas condições especificadas pelo Programa; (f) assumam o compromisso de reembolsar as quantias financiadas para a aquisição do imóvel. 12 Isto por que os processos de auto-seleção tendem a apresentar um certo viés na etapa inicial, e o perfil do dos beneficiários pode apresentar algumas mudanças com a ampliação do Programa. É difícil conhecer, ex-ante, o
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auto-selecionaram na primeira etapa foram aqueles que tiveram informação sobre o
Programa e que foram procurados para dele participar. Como será visto adiante, o
perfil sócio-econômico dos beneficiários corresponde, em termos gerais, à
população meta do Programa: pobres rurais, sem terra ou minifundistas, indicando o
bom funcionamento do processo de auto-seleção. Antes de apresentar o perfil dos
beneficiários e de avaliar o processo de seleção do Programa Cédula da Terra
através de um modelo específico, é conveniente indagar se há evidências de
distorções neste processo, tais como o uso de informação "privilegiada" em
benefício de determinado grupo ou comunidade.
Um elemento relevante para avaliar o processo de seleção é identificar a fonte
de informação sobre o Programa. O lançamento do Programa foi amplamente
divulgado pelos meios de comunicação de massa, reduzindo, desde logo, as
eventuais conseqüências negativas de falhas de informação. Com efeito, 37% dos
presidentes de associações entrevistados indicaram que tomaram conhecimento da
existência do Cédula através dos meios de comunicação em geral e 38% através
dos órgãos governamentais responsáveis pela sua implementação (ver Erro! Fonte de referência não encontrada.).13 A participação dos proprietários das terras
vendidas e de outros proprietários de terras foi ativa na divulgação do Programa: em
torno de 10% dos presidentes indicaram ter tomado conhecimento através dos
proprietários —os quais propuseram simultaneamente a venda do imóvel. Políticos,
principalmente vereadores e prefeitos, participaram ativamente na divulgação do
Programa (12%). 13% dos presidentes indicaram haver tomado conhecimento do
Programa através de sindicatos, igrejas, movimentos sociais e associações
comunitárias já existentes foram responsáveis pela informação que deu origem a
tipo de viés que caracteriza os primeiros da fila. Cada processo é único e o perfil associado à seleção reflete a especificidade de cada processo seletivo. Apenas a título de exemplo e para melhor clarificar o ponto em questão, pode-se mencionar os processos de seleção baseados em filas que se formam com muitas horas de antecedência. Qual o perfil dos primeiros da fila? Depende do objetivo da fila e de um conjunto de características e fatores de difícil apreensão a priori. Podem ser apenas os moradores da vizinhança, que contam com maiores facilidades para enfrentar as longas horas de espera. Podem ser os madrugadores, que despertaram mais cedo para pegar um bom lugar. Podem ser os que contam com melhores meios de locomoção, com mais saúde, os mais necessitados do serviço ao qual a fila dá acesso e assim por diante. 13 Deve-se notar que os entrevistados em geral indicaram que souberam do Cédula por mais de uma fonte, não sendo possível classificar a mais importante. A tabela consolida todas as fontes citadas e sua participação no total de ocorrências.
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13% dos projetos da amostra.14 A Avaliação Preliminar não colheu informações que
permitam avaliar em que medida a participação destes agentes é ou não virtuosa e
qual seu efeito sobre a dinâmica e sustentabilidade do Programa.
Dada a relevância e o contexto fortemente politizado que vem caracterizando
a implementação do Cédula, seria de todo recomendável a realização de estudos
mais aprofundados sobre este aspecto.
Tabela 1: Informação Inicial sobre o Cédula da Terra – Amostra de Associações –
Ocorrências Casos (%)
Meios de Comunicação em Geral 38 36,9 Órgãos governamentais e bancos 38 36,9 Ex- proprietário e outros proprietários 22 21,4 Polít icos 12 11,7 Igreja, sindicatos, associações 13 12,6
Nota: 1 valor ausente; 103 casos válidos.
Embora o acesso à informação sobre a existência do Programa tenha se dado
através de meios de comunicação de massa e pela divulgação massiva a cargo dos
órgãos responsáveis pela implantação em cada estado, segundo os presidentes
entrevistados, menos de 10% das associações tomaram a iniciativa de aderir ao
Cédula após tomar conhecimento de sua existência através dos meios de
comunicação de massa. Na prática, a adesão da grande maioria só se concretizou
devido à iniciativa de pessoas/instituições de fora, as quais tinham informação e
sabiam o que a associação deveria fazer para viabilizar a compra da terra. Esta
constatação revela a conhecida "passividade" e "subordinação" de muitas
comunidades pobres do meio rural, às quais nunca foi dado espaço para iniciativas
autônomas em benefício próprio, especialmente aquelas realizadas através da
comunidade organizada.
14 Estas informações certamente ensejam várias leituras. Alguns seguramente interpretarão a participação de vereadores e prefeitos como indicação de distorção e comprovação da apropriação do Programa pelas elites locais; outros têm visão oposta, e consideram que a participação das instâncias políticas locais não só é legítima como indispensável para o bom andamento do Programa. O melhor antídoto para as eventuais distorções associadas à participação negativa de políticos é a extensão da cidadania plena às comunidades carentes e da eliminação da tutela do Estado, que na maioria dos casos provê uma falsa proteção contra a dominação das oligarquias locais que justificam a ação tutelar.
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O processo típico foi o da informação pessoal (ou a um grupo de beneficiários
potenciais), feita diretamente pelos órgãos responsáveis pelo Programa, por órgãos
de assistência técnica e de extensão rural, por técnicos locais ou pessoas amigas.
Também foram observadas as presenças das prefeituras e da igreja, esta última em
menor número. A prática mais comum destes agentes/órgãos foi anunciar a
existência do Programa e estimular a adesão dos grupos.
Neste contexto inicial, é natural que as associações e grupos de beneficiários
em potencial que já estavam organizados contassem com vantagem em relação às
comunidades não organizadas, e que os órgãos do governo tenham procurado um
primeiro contato com aquelas comunidades nas quais já vinham atuando por meio
de outros programas. É neste sentido que se pode dizer que ocorreu uma "pré-
seleção" das primeiras comunidades que foram incentivadas a aderir ao Programa.15
Este processo de pré-seleção deve ter tido curta duração, pois a partir da
contratação dos primeiros projetos a existência efetiva do Programa afirmou-se entre
a população de beneficiários potenciais, os quais passaram a adotar uma postura
mais ativa em relação à participação no Programa. A fim de evitar possíveis
distorções no processo de seleção, recomenda-se a adoção de uma ampla
campanha de divulgação do Programa através de meios de comunicação de massa
e reuniões com todas as comunidades interessadas, convocadas com anterioridade
por meio adequado.16
O processo de seleção também foi condicionado pelas prioridades e por
diferenças de orientação operacional observadas em cada Estado. Em Minas Gerais
15 Esta "pré-seleção" respondeu principalmente ao critério da "proximidade" e do "conhecimento", e não a uma convocação ampla para participar do Programa. É natural que a igreja, sindicatos e ONGs tenham passado as informações sobre o Programa às famílias e associações que participam de suas atividades pastorais, sindicais etc. Ainda que compreensível, o mesmo não se pode dizer de uma prefeitura ou órgão do governo estadual, cujo papel diante da comunidade é diverso. No entanto, segundo os depoimentos colhidos durante o estudo, muitas prefeituras realizaram reuniões com apenas algumas comunidades, convocadas através de convite particular e não de uma convocação geral a todos os interessados. Parece, portanto, que tanto os técnicos governamentais como as prefeituras tenderam a estimular a adesão de associações e grupos de produtores com os quais já tinham algum tipo de relação. 16 A este respeito deve-se notar que os órgãos estaduais utilizaram materiais de divulgação escritos. Como parte significativa dos beneficiários potenciais são analfabetos, fica patente que cartazes e folhetos são impróprios para difundir o Programa e suas regras. Na prática acabam funcionando como instrumentos de contínua dependência, subordinação e alienação de parte dos beneficiários aos técnicos do governo e aos companheiros que sabem ler e escrever. É necessário, portanto, romper com este tipo de mecanismo que reproduz a dependência e subordinação. Um primeiro passo é utilizar meios e técnicas de comunicação e informação amplamente conhecidas e acessíveis aos órgãos governamentais, que alcancem o conjunto dos beneficiários potenciais e os incentivem a tomar diretamente a iniciativa de viabilizar sua adesão ao Programa.
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e na Bahia, por exemplo, os órgãos responsáveis parecem ter optado por um maior
grau de interferência no processo de seleção, arbitrando, quando necessário, em
favor das famílias mais pobres e necessitadas. Em Pernambuco, o PRORURAL,
órgão responsável pela execução do Programa, adotou uma postura mais formalista,
limitando-se a cortar os candidatos que não se adequavam às exigências definidas
no manual de operação do Programa e deixando às próprias associações a
responsabilidade de definir tanto as regras de seleção dos participantes como as de
exclusão.17 No Ceará, as informações colhidas indicam que os órgãos estaduais
adotaram uma postura de não interferência direta no processo de seleção, limitando-
se a prestar apoio e a orientar as comunidades interessadas sobre os requisitos
para participar e sobre o funcionamento do Programa.
Estas diferentes orientações e posturas adotadas pelos Estados frente ao
processo seletivo são consistentes com a natureza descentralizada do Programa. É
preciso apontar que o processo de seleção não é neutro em relação ao desempenho
dos projetos e do Programa como um todo. Ao contrário, toda a experiência de
programas públicos de desenvolvimento indica que a seleção dos beneficiários é
uma etapa fundamental para o sucesso ou insucesso do empreendimento.18 Por
exemplo, a opção de arbitrar em favor dos mais pobres é totalmente consistente e
justificável, uma vez que o Cédula é um programa de combate à pobreza rural. No
entanto, como os pobres não formam uma população homogênea, é necessário
levar em conta que esta opção influi diretamente no perfil do beneficiário. Resta
saber se os mais pobres dentre os pobres estão de fato capacitados para enfrentar
os desafios e aproveitar as oportunidades oferecidas por este tipo de programa.
Responder a este tipo de questão é relevante, não para negar aos mais pobres o
acesso ao Programa, mas sim para permitir, caso seja necessário, a adoção de
medidas pertinentes para remover os principais obstáculos que tais grupos podem
17 Como será mencionado adiante (ver Capítulo 8), as associações criam um conjunto de regras não escritas para selecionar os associados que tem prioridade para participar de um projeto que não tem capacidade para absorver a todo o grupo. Estas regras incluem desde ser casado, ter filhos, o número de filhos, ser trabalhador e honesto e não beber. Mais além do aspecto formal, estas e outras regras definem uma "sub-estrutura de governança" que pode modificar determinadas características da estrutura mais geral. A sub-estrutura de governança pode atuar no sentido positivo e ou negativo, reduzindo ou ampliando conflitos, melhorando ou não os incentivos individuais e comunitários e assim por diante. Sem dúvida é um aspecto importante, e que merece um melhor acompanhamento, uma vez que a subestrutura de governança afetará o desempenho de cada projeto. 18 Fazer alguma citação .
11
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vir a enfrentar, para apóia-los e qualificá-los para gerir sua própria unidade
produtiva.
Como será visto adiante, a análise do perfil sócio-econômico dos beneficiários
do Programa revelou que o processo seletivo está atingindo de maneira satisfatória
o público meta. Nos cinco estados predominam os trabalhadores rurais (diaristas) e
pequenos produtores (parceiros, meeiros e arrendatários) que vinham cultivando
ínfimas áreas com lavouras de subsistência. Trata-se de famílias rurais, gente “do
ramo”, com pouco ou nenhum patrimônio, e nível de renda que os coloca, sem
qualquer dúvida, na faixa da pobreza (parte inclusive na faixa da pobreza aguda),
seja pelo nível de renda seja pelo conceito das necessidades básicas.
Como indicado pela avaliação do processo seletivo por meio de um modelo
econométrico apropriado para este fim, o Programa está selecionando seus
beneficiários de forma adequada (ver Seção 4.4) entre a população rural pobre do
Nordeste. Não há como escapar do dilema colocado pelas características sócio-
econômicas desta população, em particular sua tradicional dependência e
subordinação funcional e política ao poder local e ao governo em geral, falta de
experiência em gestão de estabelecimentos e/ou negócios e baixo nível de
educação. A questão é saber até que ponto esta população está em condições de
assumir a gestão de sua propriedade e de gerar renda suficiente para cumprir com
os compromissos assumidos e para melhorar seu nível de vida. Esta constatação
coloca em tela a relevância do papel das associações e suas lideranças para o bom
desempenho do Programa. Indica também a necessidade de um acompanhamento
cuidadoso e do apoio do setor público.
4.1 Perfil socioeconômico dos beneficiários
Antes de avaliar o processo de seleção por meio de um modelo econométrico
apropriado para este fim, convém apresentar algumas das principais características
sócio-econômicas dos beneficiários, em particular os aspectos demográficos,
educação, saúde, ocupação e renda.
Tal como resumido na Tabela 2, a idade média da população de beneficiários
era de 39,4 anos (entre 37,6 e 41,2 anos, com confiança de 90%) e
aproximadamente 6000 beneficiários eram do sexo masculino (88,2% da
população). A maioria da população beneficiária (56,3%) é de pessoas jovens com
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idade entre 18 e 40 anos (2,7% com até 21 anos e 53,6% entre 22 e 40 anos);
39,9% da população tinha idade entre 41 e 60 anos e apenas 3,8% tinham mais de
61 anos. As famílias também eram jovens, fato confirmado pela elevada participação
de crianças com menos de 14 anos (37,8%) no total de membros da família,
percentual que subia para 51,8% com a inclusão de pessoas com idade entre 15 e
20 anos. Estes resultados indicam que a estrutura etária da população de
beneficiários é consistente com o perfil esperado para um programa do tipo do
Cédula, o qual exige tempo e dedicação para sua plena maturação.19
Tabela 2: Caracterização do Beneficiário (Aspectos Demográficos) – População –
Aspectos demográficosIdade média (anos) 39,4 1,1 37,6 41,2Homens (%) 88,2 2,9 83,3 93,0Mulheres (%) 11,8 2,9 7,0 16,7Doentes crônicos (%) 13,0 3,2 7,8 18,2
Faixa etáriaAté 21 anos (%) 2,7 (2) (2) (2)
22 a 40 anos (%) 53,6 4,5 46,3 60,941 a 60 anos (%) 39,9 4,3 32,8 47,061 anos ou mais (%) 3,8 (2) (2) (2)
Local de nascimentoZona rural (%) 92,0 2,0 88,6 95,3Zona urbana (%) 8,0 2,0 4,7 11,4
(1) Intervalo com coeficiente de confiança de 90%.(2) O número de observações não recomenda a determinação do intervalo de confiança.
Intervalo de
confiança(1)
Indicadores ValorErro
padrão Limite inferior
Limite superior
O nível educacional da população de beneficiários do Cédula é baixo
(Tabela 3). O contingente de analfabetos é de aproximadamente 2155 beneficiários,
representando aproximadamente 31,7% da população total de beneficiários.
Somando-se o contingente de aproximadamente 305 que apenas sabem ler e
escrever (4,5%), tem-se um primeiro grupo de 2460 pessoas, representando 36,2%
do total. O grupo mais numeroso (47,1%) freqüentou os primeiros anos (ciclo básico:
1ª a 4ª série). O terceiro grupo, minoritário, compõem-se dos que cursaram a
segunda parte do ensino fundamental (5ª a 8ª série). Poucos beneficiários (3,0)
concluíram o curso superior.
19 Estes resultados negam a hipótese levantada por Navarro (19xx) segundo a qual o Programa não selecionaria jovens agricultores.
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Tabela 3: Nível Educacional do Beneficiário – População –
Nível educacional do beneficiárioAnalfabeto (%) 31,7 4,0 25,2 38,2Lê e escreve (%) 4,5 (2) (2) (2)
Pré- escola (%) 0,7 (2) (2) (2)
1ª a 4ª série (%) 47,1 4,5 39,7 54,55ª a 8ª série (%) 13,1 3,4 7,5Ensino médio ou superior (%) 3,0 (2) (2) (2)
Nível educacional do paiAnalfabeto (%) 57,3 4,5 49,9 64,7Lê e escreve (%) 13,9 2,9 9,21ª a 4ª série (%) 26,3 3,9 19,9 32,65ª série ou melhor (%) 2,5 (2) (2) (2)
Nível educacional da mãeAnalfabeta (%) 62,6 4,3 55,5 69,7Lê e escreve (%) 13,9 3,2 8,71ª a 4ª série (%) 21,3 3,9 14,8 27,85ª série ou melhor (%) 2,2 (2) (2) (2)
(1) Intervalo com coeficiente de confiança de 90%.(2) O número de observações não recomenda a determinação do intervalo de confiança.
Indicadores
Intervalo de
confiança(1)
ValorErro
padrão Limite inferior
Limite superior
18,7
18,7
19,1
Em relação à saúde (Tabela 2), o único indicador colhido pela pesquisa de
campo foi a informação sobre ocorrência de doença crônica e as possíveis
implicações sobre a capacidade de trabalho (dias de trabalho perdidos devido à
doença crônica). Um número estatisticamente insignificante indicou ser portador de
doença crônica que tivesse afetado, ainda que minimamente, sua capacidade de
trabalho no ano anterior. Esta resposta deve ser analisada com cautela, já que os
entrevistados podem não ter tido confiança em declarar a existência de doenças, as
quais só parecem acometer os membros da família, particularmente as esposas e os
filhos menores. As principais doenças mencionadas foram associadas a problemas
de circulação, coluna, alergias e bronquites.
Um passo necessário para avaliar o processo de seleção é a análise da
história ocupacional e de migração dos beneficiários. De um lado, a análise da
história ocupacional possibilita julgar se e em que medida os beneficiários
correspondem de fato ao perfil da população meta do Programa; de outro lado,
permite uma melhor identificação e qualificação tanto da experiência e capacitação
profissional dos beneficiários como das suas carências. Nos dois casos a análise
provê informações relevantes para a atuação dos órgãos governamentais. Os
14
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principais resultados da pesquisa de campo são sumariados abaixo (ver Erro! Fonte de referência não encontrada.).20
Tabela 4: Ocupações do Beneficiário – População –
Local de trabalho do beneficiárioZona rural (%) 88,9 2,7 84,5 93,2Zona urbana (%) 8,5 2,3 4,7 12,3Zonal rural e urbana (%) 2,6 (2) (2) (2)
Proprietário (%) 7,1 2,2 3,5 10,8Não proprietário (%) 54,2 3,6 48,3 60,0Extrativismo (%) 7,1 1,8 4,2 10,0Atividades mais qualificadas (%) 6,7 2,0 3,3 10,0Diarista (%) 55,5 3,9 49,0 62,0Frente de emergência (%) 5,9 1,5 3,5Ocupações não agropecuárias (%) 11,9 3,4 6,4 17,5Comerciante (%) 3,9 (2) (2) (2)
Dona de casa (%) 2,0 (2) (2) (2)
Ocupações especiais (%) 2,5 (2) (2) (2)
Sem ocupação (%) 0,5 (2) (2) (2)
Proprietário e proprietário com atividade complementar (%)
7,1 2,2 3,5 10,8
Produtor não proprietário (%) 17,0 2,4 13,1 21,0Produtor não proprietário com atividade complementar (%)
35,5 3,9 29,1 41,9
Assalariado e extrativismo (%) 34,6 3,6 28,6 40,5Comerciante (%) 3,3 (2) (2) (2)
Outras ocupações (%) 2,5 (2) (2) (2)
(1) Intervalo com coeficiente de confiança de 90%.(2) O número de observações não recomenda a determinação do intervalo de confiança.(3) Pode ocorrer a sobreposição de atividades ocupacionais na contagem das observações.(4) Não há sobreposição de atividades ocupacionais na contagem das observações.
Perfil ocupacional(4)
Ocupações do beneficiário antes deentrar para o programa(3)
Intervalo de
confiança(1)Erro padrão Limite
8,4
superior
Indicadores ValorLimite
inferior
Para fins analíticos as ocupações dos beneficiários foram divididas em 5
grandes grupos: agricultores proprietários, agricultores não proprietários,
assalariados, comerciantes e outros. Dentre estes, a participação dos não
proprietários é amplamente majoritária, representando aproximadamente 87% da
população de beneficiários. Apenas 3,3% eram comerciantes e 2,5% foram
classificados tinham outras ocupações.
20 Explicar a metodologia adotada para agrupar as ocupações.
15
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A grande maioria dos beneficiários acusou mais de uma ocupação. As
ocupações mais freqüentes são a de trabalhador diarista, produtor rural em
pequenas parcelas de terra própria —muitas vezes em terra do pai, sogro ou
herdada sem legalização dos papéis—, tomadas em arrendamento ou algum tipo de
parceria. Os contratos mais comuns nas áreas mais secas são a cessão de terra em
troca da plantação do capim ou palma; o arrendamento por cota parte da produção
aparece em localidades mais úmidas. Os registros de arrendamento fixo em dinheiro
são estatisticamente desprezíveis (indicar o número absoluto).
Estima-se que 7,1% da população de beneficiários do Cédula,
correspondendo à aproximadamente 482 pessoas, são proprietários de terras.
Dentre os proprietários, a maioria é formada de pequenos proprietários e
minifundistas que desempenhavam atividades complementares em terras de
terceiros, seja como diaristas, parceiros, arrendatários e até mesmo em frentes de
emergência. Apenas 2,7% não tinham outra ocupação. A amostra registrou apenas
2 ocorrências de proprietários-comerciantes, um dono de bar e outro comerciante de
cereais.21
Estima-se que mais da metade da população de beneficiários compunha-se
de não proprietários (54,2%, correspondendo a 3684 pessoas) e diaristas (55,5%,
3772 pessoas), os quais percebiam remuneração que variava entre R$ 4,50 e
R$5,50 ao dia. Importante notar que nenhum entrevistado declarou ter trabalho
durante todos os dias da semana. A resposta modal foi três dias nos “meses bons”.
Aproximadamente 12% da população de beneficiários (815 pessoas) indicou
ocupações não agropecuárias, nas quais se incluíram atividades de carpinteiro,
costureiro, costureira, tapeceiro, pedreiro, funileiro, oleiro, barbeiro, vigia e vendedor.
Parte deste grupo trabalhava no meio rural, mas parte tinha mais vínculos com os
aglomerados urbanos próximos ao projeto do que com atividades rurais.
21 A constatação de que a participação de pequenos proprietários de terra entre os beneficiários é pequena (em torno de 7,1% da população de beneficiários) e que, dentre estes, a maioria esmagadora é obrigado a complementar sua subsistência trabalhando como parceiro, arrendatário e/ou diarista, confirma que os beneficiários proprietários possuem minifúndios, pequenas parcelas de terras de tamanho insuficiente para sustentar uma família. Na maioria dos casos os lotes perderam quase totalmente seu papel produtivo e passaram a ser apenas o local de moradia. As informações colhidas na pesquisa de campo não sustentam a suspeita de que o Programa estaria acolhendo proprietários de terras que não se enquadrariam no grupo meta.
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O grupo de “atividades mais qualificadas” (tratorista, motorista, vaqueiro e
serrador) representou em torno de 6,7% da população (455 pessoas), e também
aparece em combinação com a exploração de terras de terceiros (agricultor não
proprietário) e com o trabalho de diarista na zona rural.
O extrativismo absorvia aproximadamente 6,7% da população, sendo a
exploração de babaçu e lenha as atividades predominantes (fortemente
concentradas no Estado do Maranhão, como se verá a seguir).
A participação das categorias “dona de casa” e “ocupações especiais” é
pequena (2% para dona de casas e 2,5% para as ocupações especiais). O número
de observações é insuficiente para estimar o erro padrão e definir intervalos de
confiança para uma expansão confiável dos dados da amostra para a população. As
informações colhidas pelos pesquisadores permitem levantar a hipótese de que em
alguns casos a designação de beneficiárias do sexo feminino poderia estar sendo
usado como artifício para contornar problemas de elegibilidade do cônjuge.
Recomenda-se, portanto, que tanto o perfil de entrada (ficha de registro dos
beneficiários) como futuras pesquisas de campo colham os dados relevantes sobre
o cônjuge.22
As ocupações especiais incluem casos de diretor de escola primária,
estagiário em empresa publica, funcionário de prefeitura, estudante e comerciante
sem nenhuma renda (de comércio ou outra). Importante notar que esta constatação
não significa, necessariamente, uma distorção. Um diretor de escola primária em um
“sítio” (povoado rural) no interior do Nordeste brasileiro, filho de pequeno agricultor,
cujas terras se tornaram insuficientes para acolher os filhos como agricultores, pode
ter estreitos vínculos com as atividades rurais, perceber um salário de subsistência e
ser um forte candidato à pobreza caso não consiga meios adicionais para sustentar
sua família.23
22 A Avaliação Preliminar colheu informações detalhadas sobre os beneficiários, mas lamentavelmente não entrou em detalhes sobre a trajetória ocupacional/profissional do cônjuge, o que impede qualquer afirmação mais taxativa sobre este ponto. 23 O mesmo raciocínio é válido para as demais ocorrências incluídas nesta categoria. A exclusão deste beneficiário potencial com base no argumento comum de que são menos necessitados por ter outro vínculo ocupacional não leva em conta a motivação dos indivíduos e que muitas destas foram obrigadas, exatamente pela falta de terras, a buscar outras alternativas para sobreviver. Por outro lado, o fato de a pessoa estar desempregada no campo não assegura que ela tenha motivação ou competência para assumir a gestão de uma propriedade rural.
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Quase 90% da população de beneficiários trabalhavam na zona rural, 8,5%
na zona urbana e 2,6% tinham ocupações na zona rural e urbana. Como esta
informação refere-se à última ocupação antes de ingressar no Programa, não é
possível deduzir que os que declararam trabalhar na zona urbana não tenham
experiência em atividades agropecuárias. No entanto, é possível indicar que muitos
beneficiários foram forçados a buscar ocupações nas cidades devido à seca que
assolou a região durante o ano de 1998.
O local de trabalho de 80% dos membros da família em idade de trabalhar é a
zona rural e 20% é a zona urbana. Destes, os filhos jovens representam a maioria e
a participação das mulheres é superior à dos homens, confirmando a tendência a
uma maior migração de membros do sexo feminino. 60% dos membros residentes
trabalhavam e auferiram rendimentos fora do estabelecimento. Quase a totalidade
dos beneficiários mora no local há muitos anos, sendo que um número significativo
nasceu na própria área ou entorno próximo. Estas informações são inteiramente
consistentes com as demais características dos beneficiários: trabalhadores sem
terra e/ou proprietários minifundistas, com terra insuficiente para absorver a mão de
obra familiar.
Relativamente poucos migraram para outros locais, principalmente para as
cidades. Pouquíssimos tiveram experiência em algum tipo de empreendimento rural
(ou mesmo urbano) antes de engajar-se no Cédula. A maioria absoluta é oriunda do
meio rural, seus pais eram agricultores na própria localidade ou área próxima;
poucos registram outras experiências profissionais que não a de
trabalhador/produtor rural antes de ingressar no Cédula da Terra. Nestes casos, a
experiência é em ofícios de pedreiro, servente, vigia, funcionário público, ajudante
de mecânico e motorista de caminhão.
Os processos de seleção tradicionais, baseados em muitos critérios e controles administrativos, produzem uma grave distorção, uma vez que podem excluir as pessoas com maior motivação e dotação individual para ter um bom desempenho caso fosse escolhido em favor da inclusão de indivíduos que preenchem os critérios formais de elegibilidade. Este tipo de erro de seleção pode ser contornado através de processos que definem com precisão os grupo metas sem, no entanto detalhar suas características. A partir destes critérios os indivíduos interessados se selecionam para participar do Programa. A avaliação do processo seletivo deve precisamente indicar se os indivíduos que se selecionaram e conseguiram ingressar no Programa tem perfil correspondente ao desejável.
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Quadro 1: Estrutura da Renda do Beneficiário e Família
Itens Descrição
A. Renda do beneficiários
A1. Renda do beneficiários fora doestabelecimento
A2. Renda total das atividades agropecuárias
Produção do quintal
Produção animal
Arrendamento de animais
Produção vegetal
Renda de outras propriedades e terrasarrendadas
A3. Renda financeira
A4. Outras Rendas
A5. Aposentadoria do beneficiário
A renda do beneficiário foi composta a partir da soma das rendas obtidasem atividades sob responsabilidade do próprio beneficiário:
• Do trabalho fora do estabelecimento na zona rural ou urbana, comoassalariado, comerciante, etc. Também foram incluídos aqui osrendimentos obtidos do trabalho nas frentes de emergência.
• Das criações e cultivos de quintal.
• Da venda de animais e derivados da produção animal (leite, queijo,manteiga, etc.).
• Do arrendamento de animais.
• De outras propriedades e terras arrendadas, provenientes da venda daprodução ou do arrendamento propriamente dito.
• De poupança.
• Da aposentadoria do beneficiário.
B. Renda do cônjugeFoi considerada como renda exclusiva do cônjuge aquela obtida ematividades fora do estabelecimento.
C. Demais rendas da família
C1. Renda do trabalho fora dos membrosresidentes
C2. Aposentadoria dos membros da família
C3. Outros auxílios recebidos pela família
Contribuição de familiares não residentes
Doações recebidas pela família
Auxílios de programas sociais
Entre as demais rendas da família foram incluídas aquelas obtidas:
• Do trabalho dos membros residentes fora do estabelecimento, ou seja,fora das atividades sob responsabilidade direta do beneficiário.
• Da aposentadoria dos membros da família. Os casos mais comunsforam de filhos maiores de idade com deficiências físicas.
• De contribuições de familiares não residentes, sejam eles filhos, ouparentes de relação mais distante.
• De doações recebidas pela família.
• De auxílios e programas sociais. Este item inclui os valores recebidosde Cestas Básicas, a ajuda de instalação do Programa Cédula daTerra e outros.
D. Renda da família I [A + B]O principal objetivo desta totalização da renda foi separar a parceladiretamente ligada ao núcleo familiar, somando-se a renda do beneficiárioe do cônjuge.
E. Renda da família II [A + B + C1 + C2]Nesta totalização o objetivo foi agregar as contribuições dos demaisfamiliares que não dependem diretamente de programas sociais ou deeventuais doações.
F. Renda da família III [A + B + C]A totalização final corresponde à renda total auferida pela família, agoraincluindo as contribuições dos programas governamentais.
A reconstituição da renda dos beneficiários não é tarefa fácil de realizar em
um trabalho como o da Avaliação Preliminar, que realizou apenas uma única
entrevista por família amostrada no início de 1999 para colher informações sobre
todo o ano de 1998. As dificuldades são inúmeras: o público de beneficiários não faz
registos contábeis que possam ser utilizados para o cálculo da renda gerada pelo
estabelecimento agropecuário; a maioria das famílias encontrava-se em fase de
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transição entre a situação anterior e a de beneficiária do Cédula; engajamento em
múltiplas atividades, sem freqüência certa, seja durante o mês seja ao longo do ano;
a ocorrência da seca faz de 1998 um ano atípico, posto que a grande maioria dos
beneficiários, tanto proprietários como agricultores não proprietários, teve sua
produção e renda agropecuária fortemente prejudicados pela perda da colheita —ou
mesmo pela impossibilidade de plantar. Os assalariados também tiveram mais
dificuldades de encontrar ocupação, tendo que recorrer a trabalhos remunerados
nas frentes de emergência.
Tabela 5: Nível e Fontes de Renda do Beneficiário e Família – População –
A. Renda do beneficiário (R$) 958,64 118,14 764,89 1152,39
A1. Renda do trabalho fora do estabelecimento (R$) 478,10 74,65 355,67 600,52
A2. Renda total das atividades agropecuárias (R$) 340,17 78,03 212,20 468,13Produção do quintal (R$) 34,28 11,91 14,76 53,81Produção animal (R$) 9,94 4,81 2,06 17,83Arrendamento de animais (R$) (v.a.) (v.a.) (v.a.) (v.a.)
Produção vegetal (R$) 221,82 66,82 112,24 331,40Renda de outras propriedades e terras arrendadas (R$) 74,12 39,78 8,88 139,36
A3. Renda financeira (R$) 16,81 17,96 0,00 46,26
A4. Outras rendas (R$) 93,75 34,42 37,30 150,19
A5. Aposentadoria do beneficiário (R$) 29,82 15,96 3,64 55,99
B. Renda do cônjuge (R$) 207,38 48,91 127,17 287,59
C. Demais rendas da família (R$) 891,80 106,63 716,93 1066,67
C1. Renda do trabalho fora dos membros residentes (R$) 245,34 68,83 132,47 358,22
C2. Aposentadoria dos membros da família (R$) 145,40 56,93 52,04 238,76
C3. Outros auxílios recebidos pela família (R$) 501,06 61,67 399,92 602,19Contribuição de familiares não residentes (R$) 79,21 33,56 24,17 134,26Doações recebidas pela família (R$) 62,68 12,93 41,48 83,88Auxílios de programas sociais (R$) 359,16 47,26 281,65 436,68
D. Renda da família I [A + B] (R$) 1166,02 125,03 960,96 1371,08
E. Renda da família II [A + B + C1 + C2] (R$) 1556,76 156,33 1300,38 1813,14
F. Renda da família III [A + B + C] (R$) 2057,82 159,75 1795,82 2319,81(1) Intervalo com coeficiente de confiança de 90%.(v.a.) Valor ausente.
Intervalo de
confiança(1)Valor médio
Erro padrão Limite
inferiorLimite
superior
Indicadores
Foram calculadas apenas as rendas monetárias brutas, sem qualquer
desconto de gastos com insumos para a produção. A produção para subsistência e
ou sem declaração de venda e geração de receita monetária não foram computadas.
Apenas as cestas básicas recebidas pelos beneficiários foram transformadas em
valor e contabilizadas como parte da renda monetária. Este procedimento deveu-se
20
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à importância de identificar o papel das doações para a sobrevivência desta
população em anos de seca.
A renda média do beneficiário —rendas oriundas do trabalho fora do
estabelecimento, rendas oriundas das atividades agropecuárias, rendas financeiras,
aposentadoria do próprio beneficiário e outras rendas (rendas obtidas com venda de
produtos e serviços não agropecuários, em atividades comerciais e aluguel de
máquinas e equipamentos)— foi de R$ 958,64 durante o ano de 1998. O erro
padrão foi de R$ 118,14, e dado o intervalo de confiança com 90% de segurança, a
renda média está situada entre R$ 764,80 e R$ 1152,30. Tomando o limite superior
como referência —o que reduz e/ou elimina os efeitos da provável subestimação—,
tem-se uma renda média mensal para o beneficiário na R$ 92,00, equivalente a 73%
do salário mínimo nacional.
Praticamente metade (entre 43% e 52%) da renda do beneficiário é oriunda
de trabalho fora do estabelecimento, com valor variando entre R$ 355,00 e
R$ 600,00. A renda de atividades agropecuárias é o segundo componente em
ordem de importância, contribuindo com entre algo entre R$ 212,00 e R$ 468,00
(27% e 40%) por ano. Tomando mais uma vez o limite superior como base de
cálculo, ter-se-ia uma renda mensal de apenas R$ 39,00, ou menos de 1/3 do
salário mínimo. Esta contribuição não representa a renda anual típica oriunda das
atividades agropecuárias destas pessoas, principalmente nos estados do Ceará,
Pernambuco e parte da Bahia, fortemente atingidos pela seca. Dentro deste item, o
maior componente é a renda gerada pela produção vegetal. A presença de rendas
financeiras é baixa, assim como aquela proveniente de outras propriedades e de
terras arrendadas (esta última com intervalo de confiança entre R$ 8,80 e
R$ 139,00, muito elevado para permitir qualquer extrapolação analítica).
Considerando a renda total da família, a contribuição do cônjuge para a renda
da família é baixa (média de aproximadamente R$ 207,00) e participação em torno
de 10%. Nos casos dos agricultores não proprietários, as mulheres dedicam-se,
junto com os demais membros da família, às atividades agropecuárias, e a renda
gerada é computada na “renda total das atividades agropecuárias”. Isto indica que a
produtividade do trabalho é baixa, e que a renda mensal de R$ 39,00 proveniente
das atividades agropecuárias sequer pode ser considerada como renda per capita
21
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do beneficiário, uma vez que outros membros da família contribuem para sua
geração.
Ainda considerando a renda total da família, o componente “Outras Renda da
Família” é o segundo em importância, com valor médio por família de beneficiário de
quase R$ 900,00 reais para o conjunto da população de beneficiários (mínimo de
R$ 716,00 e máximo de R$ 1066,00). Dentro deste item destacam-se dois
componentes: “outros auxílios recebidos pela família” e “renda do trabalho fora dos
membros residentes”. Outros auxílios, que incluem a contribuição de familiares não
residentes, as doações recebidas pela família e os auxílios de programas sociais —
oficiais ou não— totalizou R$ 501,00 no ano de 1998, valor superior aos
proporcionado pelas atividades agropecuárias (R$ 478,00). Isto significa que 25% da
renda média total da família é oriunda de auxílios. Na medida em que tal
contribuição não é permanente, esta população fica em uma posição de forte
dependência de terceiros para sobreviver. Esta situação é tanto mais grave quando
se considera que dos R$ 501,00 quase 72% (R$ 359,00) correspondem a auxílios
oriundos de programas sociais de caráter transitório.
Considerando todas as fontes de renda indicadas acima, chega-se ao valor
total da renda média da família da população de beneficiários, estimada em
R$ 2057,00 para o ano de 1998. A renda mensal média da família foi de R$ 171,40.
Considerando que o número médio de pessoas residentes por família é de 5,2
pessoas, obtém-se a renda per capita de R$ 32,9. Considerando o limite superior do
intervalo de confiança, a renda média anual seria de R$ 2319,81, com renda mensal
familiar de RS 193,00 e renda mensal per capita de R$ 39,00. Mesmo considerando
a provável subestimação da renda, quando se leva em conta que os valores
apresentados acima referem-se à renda bruta, não há dúvida que a população de
beneficiários do Programa Cédula da Terra é pobre, encontrando-se abaixo da linha
de pobreza para estes estados.
A análise da distribuição das rendas segundo as várias fontes confirmou tanto
a grande concentração de beneficiários nas faixas mais baixas de renda (distribuição
fortemente assimétrica à esquerda) como a ocorrência isolada de alguns
beneficiários com nível de renda mais elevado e acima do patamar de pobreza.
Entre os estados, o nível de renda mais elevado foi registrado no Estado de
Pernambuco (R$ 3.851,57), seguido de Minas Gerais (R$ 2.375,15). Nos Estados do
22
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Maranhão e Ceará o nível de renda total ficou em torno de R$ 1.750,00, estando a
Bahia com o nível de renda mais baixo (R$ 1.339,23). No caso de Pernambuco, o
maior nível de renda é explicado, fundamentalmente, pela presença de dois
entrevistados cujo nível de renda era substancialmente superior à média.24 No caso
de Minas Gerais, a média também foi "puxada" por 2 entrevistados com emprego
urbano e nível de renda mais elevado que a média da população de beneficiários.
Note-se que o nível de renda mais elevada é de, respectivamente, R$ 3.800,00 e
R$ 2.375,00 em Pernambuco e Minas, equivalente a R$ 316,00 mensais (ou 2,3
salários mínimos) e R$ 198,00 mensais (ou 1,46 salários mínimos) brutos.
O nível de renda total registrado na Bahia poderia parecer inconsistente com
as demais informações, particularmente com a constatação de que o Estado do
Ceará é o mais atingido pela seca e que aí se registraram alguns dos mais baixos
indicadores sócio-econômicos. Esta informação é consistente com as observações
de campo registradas pela equipe da Avaliação Preliminar, que indicam a decisiva
arbitragem dos órgãos responsáveis em favor dos mais pobres dentre os pobres.
Além disso, enquanto na Bahia a contribuição de auxílios de programas sociais é de
aproximadamente R$ 273,00, no Ceará esta soma atinge R$ 553,00; uma
discrepância ainda mais elevada é observada na aposentadoria, cuja participação
média é de R$ 33,00 na Bahia e de R$ 143,00 no Ceará.
Em relação à composição da renda, ressalta-se a mais elevada participação
de outros auxílios no Estado do Ceará, seguido de Minas Gerais e Pernambuco. Na
Bahia, apesar da seca, a contribuição de outros auxílios é semelhante à registrada
no Maranhão (em torno de R$ 320,00). Isto se explica pela participação de inúmeros
projetos em regiões do Estado que não estão sujeitas às secas, reduzindo a
necessidade de ajuda de emergência. Também se destaca que a participação do
componente "renda de atividades agropecuárias" é mais elevada no Estado de
Pernambuco (pela razão apontada na nota de rodapé 24). Já no Estado da Bahia, a
participação das aposentadorias e de auxílios de programas sociais é a mais baixa,
indicando que os entrevistados estavam mais "abandonados" do que os incluídos
24 Um dos entrevistados é arrendatário de inhame irrigado, com nível de capitalização relativamente elevado devido a um empréstimo feito pelo BNB à associação de pequenos produtores local. O inhame irrigado é intensivo em insumos e o nível de renda bruta registrado pela pesquisa não reflete adequadamente a renda
23
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nas amostras dos demais estados. Esta constatação poderia ser uma indicação
adicional da arbitragem em favor dos mais marginalizados.
O resultado da análise preliminar do processo seletivo é positivo, já que os
beneficiários enquadram-se no perfil definido para o Programa: pobres rurais. Como
já foi indicado, a população beneficiária está composta majoritariamente de
minifundiários, arrendatários, parceiros, meeiros e trabalhadores rurais sem vínculo
empregatício, todos percebendo níveis de renda que os colocam sem qualquer
dúvida no grupo de pobres rurais. Ainda assim, é recomendável a aplicação de um
perfil de entrada detalhado no momento de adesão ao Programa. Não se trata de
voltar ao passado e restabelecer os processos seletivos dirigidos e sob o controle da
burocracia pública com base na justificativa de que é necessário controlar para evitar
distorções. A experiência revela a impossibilidade de evitar distorções por meio de
controles administrativos a cargo dos órgãos pela implementação do Programa.
Apenas o maior envolvimento no Programa dos próprios beneficiários em potencial e
de suas organizações constitui-se em antídoto eficaz contra eventuais distorções no
processo seletivo. Recomenda-se, portanto, que o Programa desenvolva
instrumentos para incentivar a ampla participação dos beneficiários na condução do
Programa e para apoiar a organização das comunidades rurais interessadas a
ingressar no Programa.
4.2 Perfil da família: estrutura, composição, condições de vida e patrimônio.
A família "típica" dos beneficiários é “jovem”, com idade média dos membros
em torno de 23 anos e tamanho médio de 5,3 membros. A participação dos homens
(53,4%) é ligeiramente superior à presença das mulheres (46,6%).
líquida do produtor, o qual tem ainda os encargos financeiros do empréstimo. No segundo caso a "distorção" é decorrente da remuneração do cônjuge, professora primária com salário fixo equivalente a 1 salário mínimo.
24
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Tabela 6: Estrutura Familiar — População —
Residentes permanentes (%) 91,4 1,4 89,1 93,7Residentes provisórios (%) 1,7 (2) (2) (2)
Não residentes (%) 6,9 1,2
Número médio de residentes por família 5,2 0,2 4,9 5,6Número médio de não residentes por família 0,6 0,1 0,4 0,8
Número médio de filhos 3,3 0,2 3,0 3,7Número médio de filhos residentes 2,8 0,2 2,5 3,0Número médio de outros parentes residentes 0,
5,0 8,8
5 0,2 0,3 0,8
Famílias com membros residentes (%) 76,6 3,6 70,7 82,6Famílias com membros não residentes (%) 23,4 3,6 17,4 29,3Índice médio de migração (número de migrantes em relação aos residentes) (%) 13,7 3,0 8,8 18,5
(1) Intervalo com coeficiente de confiança de 90%.(2) O número de observações não recomenda a determinação do intervalo de confiança.
Migração
Características dos membros quanto à residência (em relação ao número total de indivíduos)
Indicadores da residência dos membros da família (em relação ao total de membros da família)
Indicadores da estrutura familiar
Indicadores ValorErro
padrão
Intervalo de
confiança(1)
Limite inferior
Limite superior
É interessante notar a aparente coesão da estrutura familiar dos beneficiários
do Cédula da Terra: é relativamente pequeno o percentual de membros da família
não residentes: quase 92% dos membros da família residem em caráter permanente
com o beneficiário, e apenas 7% são não residentes (uma parte destes vivem no
mesmo município dos pais mas tem residência própria).
O registro migratório dos beneficiários é relativamente limitado: a análise
preliminar das informações indica que pouco mais da metade viveu em outros
estados. A maioria absoluta é oriunda do meio rural, seus pais eram agricultores na
própria localidade ou área próxima; poucos registram outras experiências
profissionais que não a de trabalhador/produtor rural antes de ingressar no Cédula
da Terra. Nestes casos, a experiência é em ofícios de pedreiro, servente, vigia,
funcionário público, ajudante de mecânico e motorista de caminhão.
A análise do nível educacional da família dos beneficiários revela que quase
38% dos membros da família dos beneficiários freqüentam a escola. Trata-se de
percentual adequado, já que 31% dos membros têm idade entre 7 e 20 anos, faixa
que concentra a maioria das pessoas em idade escolar no meio rural. 14% dos
membros da família são analfabetos e 1,9% apenas lê e escreve. 45% têm
25
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escolaridade entre a 1ª e 4ª série e 14% entre a 5ª e 8ª série. A participação dos que
tem ensino médio ou superior é de 3,5 % do total. Considerando apenas as crianças
em idade escolar (entre 7 e 14 anos), o resultado pode parecer surpreendente, já
que em torno de 96% destas freqüentam a escolar. O grande problema parece ser o
da evasão e baixo aproveitamento.
Tabela 7: Perfil da Família dos Beneficiários (Residentes) – População –
Aspectos demográficosIdade média da população (anos) 23,1 0,8 21,7 24,5Homens (%) 53,4 1,6 50,8 56,0Mulheres (%) 46,6 1,6 44,0 49,2Doentes crônicos (%) 8,4 1,8 5,4 11,4
Características dos membros residentesResidentes permanentes (%) 98,3 0,9 96,9 99,7Residentes provisórios (%) 1,7 (2) (2) (2)
Faixas etárias da população - Iaté 6 anos (%) 20,0 1,7 17,2 22,87 a 14 anos (%) 17,8 1,8 14,9 20,815 a 20 anos (%) 14,0 1,8 11,1 17,021 a 40 anos (%) 30,8 1,9 27,6 34,041 a 60 anos (%) 14,1 1,8 11,1 17,161 anos ou mais (%) 3,2 (2) (2) (2)
Faixas etárias da população - IIAté 21 anos (%) 54,5 1,7 51,6 57,322 a 40 anos (%) 28,2 1,9 25,1 31,341 a 60 anos (%) 14,1 1,8 11,1 17,161 anos ou mais (%) 3,2 (2) (2) (2)
População infanto-juvenilFamílias com menores de 10 anos (%) 68,1 4,1 61,4 74,8Famílias com menores de 14 anos (%) 79,8 3,8 73,7 86,0
Posição dos moradores na famíliaChefe (%) 21,5 1,1 19,7 23,3Conjuge (%) 18,7 1,1 16,9 20,5Filho (%) 51,7 2,0 48,4 55,0Parente (%) 7,7 1,9 4,6 10,9Outro (%) 0,4 (2) (2) (2)
(1) Intervalo com coeficiente de confiança de 90%.(2) O número de observações não recomenda a determinação do intervalo de confiança.
Intervalo de
confiança(1)
Indicadores ValorErro
padrão Limite inferior
Limite superior
A análise das condições de habitação indicou que 25% dos beneficiários já
estavam residindo nos estabelecimentos adquiridos através do Cédula da Terra;
aproximadamente 23% viviam em outros estabelecimentos rurais próximos, 21% em
26
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distritos ou povoados rurais (também próximos) e quase 31% em centros urbanos
próximos (sede do município).25
Tabela 8: Nível Educacional da Família dos Beneficiários – População –
Nível educacional da populaçãoFrequentam a escola (%) (3) 96,2 4,3 89,1 100,0Analfabeto (%) 14,9 2,1 11,5 18,4Lê e escreve (%) 1,9 (2) (2) (2)
Pré- escola (%) 2,0 (2) (2) (2)
1ª a 4ª série (%) 45,3 2,4 41,4 49,35ª a 8ª série (%) 13,9 1,6 11,3 16,6Ensino médio ou superior (%) 3,5 (2) (2) (2)
Idade não escolar (%) 18,4 1,9 15,2 21,6(1) Intervalo com coeficiente de confiança de 90%.(2) O número de observações não recomenda a determinação do intervalo de confiança.(3) População em idade escolar, entre 7 e 14 anos.
Intervalo de
confiança(1)
Indicadores ValorErro
padrão Limite inferior
Limite superior
Aproximadamente 3.874 famílias, correspondendo a 57% dos beneficiários,
habitavam em moradias de boa qualidade26 antes de ingressar no Cédula; 1.013
famílias (14,9%) viviam em habitações de qualidade regular e 1.971 famílias (29%)
viviam em moradias precárias.
O fato de quase 60% dos beneficiários viverem em casas de qualidade boa e
15% em casas de qualidade regular —em processo de construção—, é um indício
importante de enraizamento da população ao local. Isto pode explicar, pelo menos
parcialmente, a aparente preferência dos beneficiários por propriedades próximas ao
local de residência. Esta preferência pode estar introduzindo uma rigidez na escolha
das propriedades cujas conseqüências serão tratadas adiante. Por outro lado, pode
25 Deve-se registrar que a pesquisa tinha como objetivo captar as condições da habitação anteriores à adesão ao Programa. No entanto, a análise de consistência dos dados colhidos revelou que algumas equipes de campo aplicaram de maneira incorreta o questionário, colhendo informações sobre as condições de habitação no momento da pesquisa. Em muitos casos foi possível separar estas informações daquelas referentes às condições de habitação pré-ingresso. Ainda assim, é mister alertar para a possibilidade de persistência do erro, o qual introduz um viés na análise das condições de habitação. Apesar do problema, considerou-se relevante apresentar a análise, já que o viés "melhora" as condições da habitação do grupo de beneficiários. Caso o viés atuasse no sentido de "piorar" as condições de habitação o uso da informação poderia ser contra indicado, uma vez que correríamos o risco de estar transformando famílias com condições de vida superior em pobres rurais. 26 As habitações foram classificadas, grosseiramente, em três tipos, segundo os materiais utilizados na construção do piso, parede e teto. Foram consideradas "boas" as casas construídas com materiais definitivos; regulares as construções com apenas 1 dos componentes (teto, piso e parede) em material provisório, e precárias as casas com dois componentes em material provisório. Esta classificação sobrestima a qualidade da residência por não levar em conta o número de moradores e as condições sanitárias.
27
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indicar que, pelo menos para alguns grupos, a construção da casa na propriedade
no momento inicial do projeto não seja uma prioridade para os beneficiários. Revela,
ainda, que mesmo vivendo em condições de pobreza, parte dos beneficiários teve
condições de ir aos poucos melhorando suas condições de habitação.27
Tabela 9: Local de Moradia da Família – População –
Residentes no estabelecimento (%) 25,3 3,8 19,1 31,6Em outro estabelecimento rural próximo (%) 22,8 3,0 17,9 27,7Distrito ou povoado rural (%) 21,1 3,3 15,8 26,5Centro urbano próximo (%) 30,7 3,7 24,7 36,7
(1) Intervalo com coeficiente de confiança de 90%.
Intervalo de
confiança(1)
Indicadores ValorErro
padrão Limite inferior
Limite superior
Local de moradia da família
A análise do patrimônio dos beneficiários revela que aproximadamente 6%
(entre 3,8% e 8,2%) da população de beneficiários é proprietária de outro imóvel
rural além da quota-parte adquirida através do Programa Cédula da Terra. Tal como
já indicado anteriormente, trata-se de pequenas parcelas de terras, minifúndios
insuficientes até mesmo para assegurar a reprodução das famílias.
27 Na maioria dos projetos uma parte dos recursos disponibilizados pelo Programa vem sendo utilizada para a construção de casas (sob a rubrica de instalação das famílias). A pergunta que se coloca é até que ponto a construção da casa, no momento inicial do Programa, é de fato uma prioridade dos beneficiários ou decorre das regras do Programa. Neste caso, restaria saber se em muitos casos os recursos despendidos com moradia não seriam melhores aplicados em elevação da capacidade de produção e de geração de renda, o que permitiria à própria comunidade construir suas casas no futuro.
28
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Tabela 10: Patrimônio do Beneficiário e da Família – População –
É proprietário de outro imóvel rural (%) 6,0 1,3 3,8 8,2 É proprietário de casa, terreno urbano ou barracão (%) 52,6 3,7 46,6 58,6
32,6 3,9 26,2 38,9 Proprietário de animais de tração (%) 24,1 5,7 14,8 33,4 Proprietário de bovinos (%) 18,2 2,7 13,8 22,7 Proprietário de suínos (%) 18,6 3,5 12,9 24,3 Proprietário de caprinos (%) 5,3 1,5 2,8 7,9 Proprietário de ovinos (%) 2,5 (2) (2) (2)
76,0 4,0 69,5 82,5
Número médio de bovinos (cabeças) 0,9 0,2 0,7 1,2 Número médio de suínos (cabeças) 0,9 0,2 0,6 1,2 Número médio de caprinos (cabeças) 0,6 0,3 0,1 1,0 Número médio de ovinos (cabeças) 0,2 0,1 0,1 0,3
(1) Intervalo com coeficiente de confiança de 90%.(2) O número de observações não recomenda a determinação do intervalo de confiança.
Proprietário de imóveis
Proprietário de animais (%)
Proprietários de pelo menos um item de patrimônio, exceto ferramentas (%)
Efetivo dos animais
Indicadores ValorErro
padrão
Intervalo de
confiança(1)
Limite inferior
Limite superior
Mais da metade da população indicou ser proprietária de casa, terreno urbano
ou barracão. Não é possível avaliar o valor monetário deste patrimônio, já que a
maioria dos entrevistados não prestou tal informação por não saber quanto poderia
valer seus bens;28 dentre os que responderam, os valores indicados são de tal forma
díspares que deixam de fazer sentido. As casas são em sua maioria pequenas, com
2 e 3 cômodos, e área construída média de aproximadamente 42 m², localizadas em
povoados rurais e na periferia das sedes dos municípios. A extensão dos terrenos
variava entre 250 e 500 m².
O patrimônio produtivo dos beneficiários revela uma situação de extremada
penúria. Nenhum beneficiário indicou ser proprietário de máquina e implementos
agrícolas; tampouco foi registrada a propriedade de rebanho, mas apenas de
animais isolados, no máximo 3 cabeças entre os de grande porte. Aproximadamente
33% da população de beneficiários são proprietários de animais, aí incluídos os
28 A falta de informação sobre o preço dos bens duráveis e infra-estrutura pode ser explicada por dois motivos. Primeiro, uma parte dos bens não foi adquirida através do mercado; outros passaram apenas parcialmente pelo mercado. Neste caso os bens são apropriados via herança ou vão sendo lentamente construídos, como as moradias, com mão-de-obra própria e/ou com sobras de materiais de outras construções. Um segundo motivo é o longo tempo transcorrido entre a data da compra e a data da pesquisa, fazendo com que os bens tenham passado por uma longa história inflacionária e mudanças de moeda, tornando ainda mais difícil qualquer avaliação. A
29
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bovinos (18,2%), suínos (18,6%), caprinos (5,3%), ovinos (2,5%) e animais de tração
(24,1%). O número médio de bovinos é de 0,9 por beneficiário (menos de 3 cabeças
caso sejam computados apenas os que indicaram ser propriedade de animais).
4.3 Perfil produtivo do beneficiário, acesso à informação e onhecimento das regras do programa
A pesquisa procurou colher informações que indicassem, ainda que de forma
superficial, a experiência profissional dos beneficiários, o acesso à informação em
geral e o nível de conhecimento das regras do Programa.29 Trata-se de um conjunto
de informações relevantes para auxiliar a ação dos órgãos responsáveis pela
implementação do Programa.
Tabela 11: Crédito, regras etc
Como era de se esperar, a pesquisa revelou que os beneficiários têm um
perfil de produtor tradicional, seja em relação às “opções” de produção, seja em
relação às práticas produtivas; poucos beneficiários indicaram o domínio e
experiência de práticas tecnológicas mais sofisticadas.
No mesmo sentido, a pesquisa de campo constatou que a inserção dos
beneficiários nos mercados de produtos, insumos e serviços também é tradicional e
precária. Poucos indicaram haver solicitado e/ou tomado crédito e/ou terem tido
conta bancária nos últimos 5 anos; a grande maioria vende seus produtos no
mercado local, não participa de nenhuma cooperativa ou de qualquer arranjo
especial para a comercialização de seus produtos. Apenas 12,7% dos beneficiários
fraca inserção dos agricultores no mercado fecha o quadro, tornando difícil a referência a preços com mais de 5 anos de história e, praticamente impossível relembrar daqueles com mais de 10 anos. 29 Esta avaliação foi feita com base em perguntas diretas e de respostas fechadas feitas aos beneficiários incluídos na amostra e em base às entrevistas abertas realizadas com os presidentes das associações. A maioria destas entrevistas foi gravada e transcrita. As outras foram anotadas diretamente pelos entrevistadores. O conjunto de respostas foi transformado em categorias que foram utilizadas para construir as tabelas. Desde já é mister observar que este processo está mais sujeito a erros de interpretação do que a simples tabulação das respostas pré-codificadas. Dado a elevada controvérsia que o Programa vem suscitado, com interpretações as mais variadas dos resultados do trabalho de avaliação, convém esclarecer que o grupo responsável pela avaliação não pretende deter a verdade absoluta sobre a situação do Programa e que a tabulação das entrevistas foram feitas a partir de criteriosa análise de consistência dos dados. As conclusões foram exaustivamente discutidas pelo grupo e checadas a partir das observações feitas em campo pelos próprios coordenadores da avaliação, os quais participaram diretamente da pesquisa de campo e das entrevistas. O leitor de boa fé entenderá que neste tipo de análise o relevante é a consistência analítica e o sentido das conclusões apresentadas, e não a precisão absoluta de um ou outro percentual contido no documento.
30
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indicaram participação própria e/ou de membro residente da família em cursos de
capacitação técnica nos últimos cinco anos.30
Em poucos projetos (podemos quantificar com precisão esta informação ?)
foram registrados e/ou observados grupos com experiência em cultivos e/ou práticas
agropecuárias não tradicionais, assim como com experiência em negociar contratos
de comercialização, empréstimos bancários, projetos e com histórico que revela
maior grau de autonomia e capacidade empreendedora.
O estudo procurou identificar até que ponto os beneficiários têm
conhecimento das regras do Programa, particularmente daquelas referentes ao
pagamento da propriedade adquirida. Aproximadamente 64% dos beneficiários
associaram, sem indução, a compra da terra através do Programa a uma operação
de financiamento. Entre estes, 56% indicaram corretamente a fonte do crédito; 7,7%
mencionaram fontes erradas e 3,5% declararam não saber a origem dos recursos.
As respostas mais comuns para a fonte foram: Cédula da Terra, BNB, Banco
Mundial e Governo. Estima-se que em torno de 66% da população beneficiária
conheça a finalidade do crédito (terra, compra da terra, fundiário, terra e infra-
estrutura, terra e benfeitoria foram respostas comuns). Em torno de 30% declararam,
sem indução, que não haviam tomado nenhum crédito nos últimos anos.31
A situação muda quando se consideram as condições de pagamento do
empréstimo tomado para aderir ao Programa. Em torno de 60% da população de
beneficiários declararam não saber as taxa de juros que pagariam sobre o
empréstimo para adquirir a terra; 11% responderam incorretamente e apenas 0,2%
acertaram a resposta.32 De 35,9 a 49,6% dos beneficiários (intervalo de confiança de
90%) não declararam que a propriedade comprada é utilizada como garantia para o
crédito fundiário. Em torno de 19% da população de beneficiários, correspondendo a
30 Estas informações refletem a situação dos beneficiários antes de ingressar no Programa. 31 Esta resposta pode ser interpretada como um indicativo do desconhecimento destes beneficiários sobre a forma de aquisição da terra utilizada pelo Programa. Durante o seminário realizado em Fortaleza no qual o documento síntese do relatório preliminar do estudo foi debatido, vários participantes chamaram a atenção para a possibilidade de que os entrevistados tenham associado a pergunta a outras fontes de crédito, já que estes poderiam supor que os entrevistadores sabiam que eles tinham tomado crédito para comprar a terra. A revisão do questionário indicou que isto pode de fato ter ocorrido. 32 O parágrafo anterior refere-se ao percentual da população que associou, sem indução, o acesso ao Programa com uma operação de crédito. A pergunta sobre as taxas de juros foi feita ao conjunto dos entrevistados, inclusive àqueles que responderam que não haviam tomado crédito nos últimos anos.
31
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aproximadamente 1.270 pessoas, declarou que não havia sido pedida nenhuma
garantia pelo empréstimo.
A conclusão deve ser interpretada com o devido cuidado. De um lado, poderia
sustentar a alegação de que os beneficiários estão sendo enganados e que não tem
noção de que estão comprando uma propriedade que deverá ser paga. Na verdade,
apesar de não saberem com precisão as condições de pagamento, as entrevistas
realizadas revelam, não só uma clara consciência de que a terra deverá ser paga
como forte convicção de que poderão faze-lo.33 De outro lado, o sistema de
pagamento então vigente, com base na taxa de juros de longo prazo (TJLP), por ser
pós-fixado, dificulta a identificação precisa da taxa de juros a ser paga. Seria,
portanto, surpreendente que os beneficiários do Cédula respondessem com precisão
à pergunta sobre a taxa de juros incidente sobre o empréstimo para adquirir a terra.34
De qualquer maneira, estes dados indicam a necessidade de reavaliar e
reforçar o trabalho de divulgação que vem sendo feito pelos órgãos responsáveis no
sentido de esclarecer os beneficiários sobre a natureza, regras e condições
financiamento do Programa.35 O trabalho de divulgação pode ser um utilizado como
poderoso instrumento de conscientização, promoção da organização social e
mobilização das energias das comunidades para potencializar as possibilidades de
sucesso dos projetos e do Programa como um todo.
Este conjunto de dados sobre acesso a informações, cruzado com as
referências sobre o nível educacional dos beneficiários, permite concluir que o
“beneficiário padrão”, além de auferir baixo nível de renda, ter baixa escolaridade,
não tem prática com tecnologias mais modernas, tem acesso limitado às
informações gerais e técnicas e pouca experiência na gestão de negócios. Tais
33 Nenhum presidente de associação colocou dúvidas sobre a possibilidade da pagar a terra, mas muitos condicionaram o pagamento a um conjunto de fatores que incluem desde "se chover" até "se o governo ajudar". Poucos entrevistados apresentaram a análise mais estruturada sobre a viabilidade dos projetos, apontando como principais fatores o clima, acesso ao crédito e disponibilidade de assistência técnica. 34 Este desconhecimento das condições financeiras não é particular a este grupo populacional. Há amplas evidências de que a maioria dos consumidores urbanos que fazer crediário não sabem com clareza a taxa de juros embutida no empréstimo, assim como a maioria dos correntistas não conhecem as taxas que incidem sobre o cheque especial. 35 Os meios de divulgação devem ser adequados ao público do Programa. Uma "estória" de campo ilustra que nem sempre isto ocorre. Ao final de longa entrevista com o presidente de uma associação, este solicitou um favor a pesquisadora que o entrevistara. Saiu da sala, retornou com um cartaz e pediu-lhe: "dona, dá para a
32
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conclusões não são surpreendentes, pelo menos para os que conhecem a situação
da pobreza rural no Nordeste do Brasil. Esta situação é decorrente e reveladora da
"inserção excludente" dos beneficiários ao sistema produtivo e à sociedade local. De
um lado, a inserção como diaristas ou produtores precários nem induzia nem
permitia o desenvolvimento de nível tecnológico, muito menos a “opção” por cultivos
e/ou atividades mais dinâmicas. De outro lado, aqueles que tinham acesso a terras
próprias e/ou da família dificilmente dispunham de recursos e de estabilidade
suficientes para implementar qualquer projeto significativo de melhoramento da
produção. O Programa Cédula da Terra, ao facilitar o acesso à terra a esta
população carente, tem como objetivo romper com o círculo vicioso do atraso:
insegurança e falta de terra, baixa produtividade, baixa renda, pobreza, baixa
capacidade de acumulação, baixa produtividade, baixa renda, etc. O objetivo do
estudo de avaliação de impactos do Programa é exatamente identificar se e até que
ponto tal objetivo está sendo alcançado.
O perfil socioeconômico e produtivo dos beneficiários recomenda a
necessidade de um acompanhamento próximo dos projetos por parte dos
organismos responsáveis pela implementação do Programa, especialmente nos
primeiros meses, quando se configuram os projetos e a estruturação produtiva da
propriedade adquirida. O desafio é acompanhar e apoiar sem inibir e tutelar.36
4.4 Avaliação analítica do processo de seleção
As informações das seções anteriores permitem desenhar com certa precisão
o perfil sócio-econômico dos beneficiários do Programa Cédula da Terra. As
características dos beneficiários podem ser avaliadas por meio de um modelo
binário logit. Tal modelo permite identificar se os beneficiários do Cédula de fato
compõem uma sub-população específica dentre a população geral de beneficiários
em potencial, e quais as características que diferenciam os dois grupos
(beneficiários efetivos e população de beneficiários em potencial). Trata-se de
senhora ler pra gente. O pessoal passou por aqui e deixou quando a gente estava fora. Mas nenhum de nós sabe ler e ..." Tratava-se de um cartaz com orientações higiênicas e sanitárias básicas. 36 É preciso que se tenha claro que a qualificação técnica e experiência em gestão são atributos desejáveis e necessários, mas não suficientes para assegurar a evolução sustentada dos projetos. Como outras experiências de desenvolvimento rural demonstram, o desempenho de produtores familiares pobres depende da convergência de um conjunto de fatores, desde crédito, assistência técnica, acesso a mercados etc. Tais serviços dependem de outras instituições, mas sua ausência pode levar ao comprometimento do sucesso do Programa.
33
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análise relevante e útil, especialmente para a gestão de programas públicos. De um
lado, permite não apenas avaliar a consistência entre o targeting declarado e efetivo,
como também em que medida a estrutura de governança do programa afeta o
processo de seleção e seu foco (targeting). De outro lado, a análise das
características da população de beneficiários vis a vis as do grupo populacional de
beneficiários potenciais revela com maior precisão o perfil sócio-econômico do
subgrupo que o programa está atraindo. Esta informação é peça fundamental para
uma boa gestão do programas, já que permitem aos responsáveis tanto atuar para
melhorar o foco dos programas ―se desejável― como para cobrir eventuais
problemas associados a algumas características do público metas e, portanto, dos
beneficiários.37
A avaliação do processo seletivo foi realizada com base em dois conjuntos de
dados de fontes distintas. As informações referentes à população de beneficiários do
Cédula foram geradas pela pesquisa de campo já mencionada anteriormente; as
informações sobre a população de beneficiários em potencial (doravante não
beneficiários) foram extraídas da PNAD, ano 1997. Desta amostra foram separados
3,383 domicílios cujos chefes de família enquadram-se nos critérios de elegibilidade
do Cédula.38
A variável dependente do modelo é uma dummy que indica a que grupo
populacional pertence os domicílios analisados.39 As variáveis independentes
refletem um conjunto de hipóteses sobre o processo de seleção.40 O Quadro 2
resume as variáveis independentes utilizadas no modelo e a Tabela 12 os resultados
de sua aplicação.41
37 Ver xxx para um resumo da questão do targeting e sua relevância para a gestão de políticas públicas. 38 Para os detalhes metodológicos remete-se o leitor ao documento "Community-based land reform implementation in Brazil: a new way of reaching out the marginalized?", o qual contém a apresentação completa do modelo e da análise do processo de seleção. O documento está disponível na página web xxxxx. O mesmo tema é também tratado no documento "Community-based land reform implementation in Brazil: assessing the selection process", cuja versão eletrônica pode ser obtida junto ao NEAD. 39 A variável assume o valor "1" para os beneficiários do Cédula da Terra e o valor "0" se o domicílio pertence ao grupo da PNAD. 40 As hipóteses incorporadas ao modelo foram restringidas pela disponibilidade de informações comparáveis referentes aos dois grupos: amostra de beneficiários do Cédula e amostra da PNAD. Todas as informações do grupo do Cédula referem-se à situação dos beneficiários antes de aderir ao Programa. 41 Ver o Buainain et. al. (1999) para maiores detalhes sobre o modelo e sua aplicação.
34
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Quadro 2: Definição das variáveis independentes
Definitions of independent variables
GENDER Dummy variable indicating gender. It assumes a value of 1 if the head of the household is a woman and 0 otherwise.
MIGRATION1 Dummy variable indicating how long the head of the household has continuously lived in the municipality. It assumes a value of 1 if he/she has continuously lived in the municipality for up 4 years, 2 for up 9 years, 3 for up 10 years or more, and 4 since he/she was born.
MIGRATION2 Dummy variable indicating how long the head of the household has continuously lived in the State. It assumes a value of 1 if he/she has continuously lived in the State for up 4 years, 2 for up 9 years, 3 for up 10 years or more, and 4 since he/she was born.
INCOME Household total income (PCT income benefits were taken out).
ADULTS Number of members of the household aged between 14 and 60 years old.
CHILDREN Variable indicating the proportion of school age children in the total number of household members. It is the number of children up to 14 years divided by the total number of household members.
GOODS Dummy variable indicating stock of durable household goods. It assumes a value of 1 if the household was supplied with a set of durable goods (television, fridge and oven) and 0 otherwise.
ASSETS Dummy variable indicating stock of assets. It assumes a value of 1 if the household possessed a house, a real state, or land; and 0 otherwise.
EDUCATION Dummy variable indicating schooling. It assumes a value of 1 if the head of the household is illiterate; 2 if he/she has 1 to 3 years of schooling; 3 if he/she has 4 to 7 years of schooling; 4 if he/she has 8 to 10 years of schooling; and 5 if he/she has 11 years or more of schooling.
VILLAGE Dummy variable indicating whether household is located in a rural village. It assumes a value of 1 if it is located in a rural village and 0 otherwise.
Os resultados obtidos confirmam a coerência e consistência do processo
seletivo. Ao situar os beneficiários no conjunto da população meta, o modelo
comprovou que as características sócio-econômicas dos beneficiários do Cédula
refletem aquelas da população como todo. Mais ainda, comprova que o Programa
está atraindo um subgrupo bem definido e que apresenta alguns traços particulares
considerados desejáveis a priori. A seguir apresenta-se uma brevíssima síntese
analítica destes resultados.
35
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Tabela 12: Modelo Logit
Variables(1) Coefficients P[ Z >= z]Marginal Effects
P[ Z >= z]
CONSTANT - 3.8989 0.00000 - 0.12795 0.00000MIGRATION1 - 0.51246 0.00000 - 0.16818E- 01 0.00000MIGRATION2 0 .18019 0.08884 0.59135E- 02 0.08870VILLAGE 1.3850 0.00000 0.45454E- 01 0.00000INCOME - 0.93341E- 04 0.25616 - 0.30633E- 05 0.25732CHILDREN 1.3871 0.00022 0.45523E- 01 0.00016ADULTS 0 .47304 0.00000 0.15524E- 01 0.00000GOODS 0 .88225 0.00003 0.28954E- 01 0.00004ASSETS - 1.0393 0.00000 - 0.34107E- 01 0.00000EDUCATION 0 .36885 0.00005 0.12105E- 01 0.00005GENDER 0 .88639E- 01 0.75665 0.29090E- 02 0.75697
Log- Likelihood Restr. (slopes=0) Log- L - 650.0815 - 771.4389
(1) Marginal effects are computed at the means of the variables.
As variáveis MIGRAÇÃO1. MIGRAÇÃO2 E POVOADO foram utilizadas para
indicar algumas características consideradas relevantes.42 O sinal negativo do
coeficiente de MIGRAÇÃO1 indica que a probabilidade de um indivíduo participar do
grupo de beneficiários diminui com o aumento de tempo de moradia no município. Já
o sinal positivo do coeficiente de MIGRAÇÃO2 indica que a probabilidade de
pertencer ao grupo de beneficiários é maior entre os indivíduos que têm mais
experiência migratória. A interpretação é inequívoca: o Programa está selecionando
prioritariamente pessoas com raízes locais43 e com certa "experiência de vida"
adquirida através da migração,44 ambas características desejáveis.
O sinal positivo da variável POVOADO indica que a probabilidade de
pertencer ao Programa é significativamente maior entre os moradores dos povoados
rurais. Este resultado confirma informações anteriores, em particular a forte
presença de beneficiários sem terra e que sobrevivem como trabalhadores rurais.
42 Pesquisa realizada por Menezes (1997) revelou que a população pobre do Nordeste rural adquiria experiência profissional ao migrar para o Sudeste. Revelou ainda que muitos se tornavam líderes sindicais e comunitários ao retornar para suas regiões de origem. Iniciativa, liderança e experiência de vida são atributos pelo menos desejáveis para beneficiários de programas como o Cédula da Terra. A história de migração resumida nas variáveis MIGRAÇÃO1 e MIGRAÇÃO2 procura captar em que medida o Programa está atraindo pessoas com mais experiência de vida adquirida ao longo dos anos na luta pela sobrevivência. 43 Pode indicar melhor conhecimento das terras e dos sistemas de produção locais. 44 Esta constatação reflete a conhecida necessidade da população pobre do Nordeste buscar trabalho sazonal em outras áreas ou regiões. O resultado indica que, do conjunto da população meta, o Programa está atraindo pessoas mais inseridas neste processo, o que é consistente com alguns dados do perfil ocupacional traçado anteriormente, o qual indicava forte presença de minifundiários e trabalhadores diaristas.
36
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Revela, além disso, que o Programa está atraindo o segmento da população de
beneficiários potenciais que tem melhor acesso à informação e serviços públicos.
Em resumo, apesar de o perfil sócio-econômico traçado na Seção 4.3 apontar
para a precariedade do aceso e baixo nível de informação dos beneficiários, este
resultado indica que o Programa está atraindo o subgrupo de pobres com melhor
acesso à informação e mais experiência de vida do que o conjunto da população de
beneficiários em potencial.
O modelo revelou que a renda (variável RENDA) não é uma variável relevante
para distinguir beneficiários de não beneficiários. Este resultado era previsível
devido à própria restrição de acesso ao Programa de famílias com renda mais alta,
mas pode lido como uma confirmação adicional da ausência de beneficiários com
nível de renda mais elevado.
As variáveis CRIANÇAS e ADULTOS foram utilizadas para colocar em
evidência um aspecto central do processo de seleção de beneficiários do Programa:
em que medida o perfil destes corresponde ao duplo objetivo de redução da pobreza
e geração de projetos sustentáveis. Assume-se que a inclusão de famílias
numerosas e com grande número de crianças alarga o alcance do Programa em
relação à meta de reduzir a pobreza. Por outro lado, dado o nível de renda, uma
taxa de dependência mais elevada reduz a capacidade de acumulação no curto
prazo, já que indicar que uma parte maior da renda deve ser destinada à reprodução
da família. O número de adultos revela a disponibilidade de força de trabalho. Todos
os demais fatores constantes, quanto maior for o número de adultos maior será a
capacidade de geração de renda e de acumulação da unidade familiar.
Os coeficientes de ambas as variáveis são positivos e significantes. Isto indica
que, comparadas ao público alvo, as famílias beneficiárias são grandes, têm número
alto de adultos ―fato positivo para o bom desempenho da unidade familiar e dos
projetos associativos― e elevada proporção de crianças ―fato positivo em relação
ao alcance social do Programa mas que restringe a capacidade de investimento
imediata dos beneficiários. Esta constatação indica que a consolidação dos projetos
pode ser mais lenta do que inicialmente esperado e deve ser levada em conta pelo
setor público ―o qual deve desenhar ações para compensar a baixa capacidade de
auto investimento das famílias. A vantagem deste perfil é que um maior número de
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pessoas está sendo beneficiado pelo Programa e que um número maior de crianças
crescerá em um ambiente favorável para a superação da pobreza.
O resultado da variável ATIVOS revela que, dentre os pobres rurais, o
Programa está atraindo famílias com menor estoque de ativos reais (casa e terra
foram os dois considerados), resultado consistente com o perfil traçado na
Seção 4.2. Por outro lado, o sinal positivo do coeficiente da variável GOODS
significa uma maior participação de famílias possuidoras de bens de consumo
durável, o que pode ser tomado como um indicador de que os beneficiários não
integram o sub-grupo dos mais pobres dentre os pobres. Ou seja, este resultado
revela que o Programa está atraindo famílias pobres, com baixa capacidade de
acumulação de estoques de bens raízes, mas que foram capazes de gerar renda
suficiente para possuir alguns bens de consumo durável.45
O nível de educação vem sendo apontado pela literatura especializada como
relevante para explicar a adoção tecnológica e nível de produtividade diferenciado
entre grupos de produtores familiares que detém recursos de terra e capital
semelhante. Há ainda evidências indicando que o nível educacional é positivamente
correlacionado com o acesso à informação e à integração social (ver Souza Filho,
1997). Isto significa que, todo o mais constante, famílias com nível mais elevado de
educação têm probabilidade mais elevada de aproveitar oportunidades e evoluir
ascender econômica e socialmente do que aquelas com nível mais baixo. O
coeficiente estimado da variável EDUCAÇÃO confirma que o número de anos de
educação tem elevada significância para diferenciar os beneficiários do Programa do
seu público-meta em geral. Isto comprova que a estrutura de governança do
Programa está de fato atraindo famílias com mais anos de educação, constatação
consistente com os demais dados já apresentados anteriormente.46
45 O local de moradia, o nível de educação e a distância das cidades ajudam a explicar este resultado, já que as famílias que habitam em povoados rurais têm mais fácil acesso à eletricidade e à educação do que aquelas que moram em fazendas. Estes três fatores facilitam e induzem à aquisição de bens duráveis. 46 É preciso chamar a atenção para o seguinte fato. Apesar da significativa diferença do número de anos de educação entre os dois grupos, o nível educacional é extremamente baixo entre os pobres rurais que compõem o público-meta do Programa. 54,6% dos chefes de domicílios da sub-amostra da PNAD tem menos de 1 ano de escola ou é analfabet, percentual que baixa para 36,9% quando se considera a amostra de beneficiários do Cédula.
38
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Por último, os resultados do modelo indicam que o gênero (variável GÊNERO)
não é relevante para caracterizar os beneficiários do Programa.
Em seu conjunto, a avaliação do processo de seleção através do modelo
econométrico confirma que a estrutura de governança do Programa vem atraindo
um grupo de famílias que apresenta algumas características que as diferenciam da
população que compõem o público-meta. As famílias do subgrupo de beneficiários
são pobres, mas não se encontram no nível mais baixo de pobreza; são numerosas,
com uma taxa de dependência mais elevada, mais anos de educação e maior
experiência de vida do que a da população de beneficiários em potencial. Moram em
povoados rurais e trabalham principalmente como diaristas e pequenos agricultores
sem terra. Têm raízes locais, são marginalizados mas ainda não foram totalmente
excluídos da economia e sociedade local. A coerência dos resultados apresentados
é uma evidência inicial de que a estrutura de governança do Programa parece estar
respondendo às expectativas de que a descentralização e a transferência do
processo de seleção para as próprias comunidades resultariam em uma auto-
seleção adequada de beneficiários.
5. PROCESSO DE AQUISIÇÃO DAS PROPRIEDADES Por esta razão o estudo realizado concentrou-se em alguns aspectos
relevantes do processo de seleção e aquisição de terras, entre os quais a
localização geográfica, características das regiões (infra-estrutura, acesso aos
mercados, densidade populacional e risco de seca), benfeitorias das propriedades,
disponibilidade/acesso à energia elétrica e potencial para irrigacação.
5.1 Algumas considerações de natureza conceitual sobre a seleção e aquisição da propriedade
Uma hipótese básica do Programa é que os beneficiários selecionem
propriedades que ofereçam condições para a geração de renda suficiente para
permitir melhoria sustentável em suas condições de vida assim como o pagamento
do crédito fundiário.47
47 Tal hipótese funda-se na racionalidade de cada indivíduo e na forma de aquisição da propriedade: compra através e pelas associações. O compromisso de pagar a terra ―condição para sua titulação― estimularia os compradores a selecionar ativos adequados. O caráter associativo contribuiria para reduzir eventuais erros de
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A experiência de outros programas de assentamento e de projetos
empresariais indica que o preço48 e a qualidade da propriedade estão entre os
fatores que mais fortemente condicionam as possibilidades de êxito de projetos
deste tipo.49 Em certa medida, a viabilidade do Programa e o seu bom
funcionamento dependem da oferta de propriedade rurais que possam ser
adquiridas por preços compatíveis com a potencialidade das terras e a capacidade
empresarial dos beneficiários.
Apesar de inúmeros estudos recentes que ampliaram o conhecimento sobre o
funcionamento do mercado de terra no Brasil (Reydon & Ramos, 1996 e Reydon e
Plata, 1998), praticamente não existem estudos sobre sua dinâmica no nível local.
Apesar da importância atribuída por Reydon e Ramos (1996) aos fatores macro e
gerais na determinação dos preços das terras, fatores locais também desempenham
papel relevante na oferta e demanda de terras, e, por conseguinte, na formação dos
preços. Evidências informais e não sistemáticas indicariam que o mercado fundiário,
pelo menos no interior do país e em regiões com agropecuária de baixo dinamismo,
é incompleto e pouco transparente.50
A baixa liquidez do mercado fundiário, o pequeno número de negócios e a
estrutura fundiária muito concentrada favorecem um processo de formação de
“preços cartorizados”, pouco transparente e fortemente influenciado por fatores
extra-mercado. Tais preços refletem a conjuntura macro e dos mercados
agropecuários relevantes de cada região, as características da propriedade
negociada, as particularidades de cada negócio, as condições de
pagamento ―principalmente os prazos concedidos e as características e valor de
eventuais ativos envolvidos― , o risco da operação, as garantias oferecidas, a
situação financeira do vendedor e muitos outros fatores. A presença da infra-
avaliação individual e para adequar mais plenamente as características da terra adquirida tanto às aptidões do conjunto de compradores como à disponibilidade de recursos. 48 A literatura que trata de contratos incompletos demonstra que o preço muito elevado de um ativo pode motivar uma seleção adversa dos agentes. O risco é particularmente elevado em um caso como o do Cédula, no qual o ativo terra assume um valor que transcende o econômico e que pode anular os esperados efeitos positivos da presença de fatores indutores de uma escolha eficiente. Sendo a propriedade o ativo de base dos projetos, uma opção de compra inadequada, ainda que não os condene ex-ante, certamente afetará de forma significativa a trajetória e desempenho dos projetos. 49 Ver FAO/INCRA (1999). 50 De fato, Reydon & Plata (1998:66) concordam com este argumento e indicam que no interior do país o número de negócios é bem menor que os registrados em São Paulo.
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estrutura e demais externalidades dificulta ulteriormente a formação do preço dos
imóveis. Por isso que dificilmente os preços de negócios isolados servem como
referência direta para outras transações em todo o município.51
Mesmo quando tais preços são tomados como ponto de partida, o processo
de negociação introduz tantas modificações que o preço final contratado termina por
guardar pouca relação com a referência inicial.52 Em mercados com esta
estruturação, o processo de negociação é fundamental na determinação do preço do
ativo.
Para o Cédula da Terra esta é uma etapa fundamental e com forte influência
sobre o desempenho futuro dos projetos e do próprio Programa. De uma boa
negociação dependerá a adequação das propriedades às necessidades das
associações, a qualidade das terras e o preço pago. Estas três variáveis, por sua
vez, condicionam fortemente o futuro dos projetos.
A partir destas considerações, várias hipótese tem sido lançadas acerca dos
possíveis efeitos negativos do funcionamento do mercado fundiário sobre o Cédula.
A primeira refere-se à possibilidade de que os preços sejam “inflacionados” pelo
crédito fundiário e a segunda sustenta que os proprietários somente estariam
dispostos a vender terras de má qualidade e com baixo potencial produtivo.
Nenhuma destas hipóteses deriva das teorias sobre os temas, o que não significa
que possam ser desprezadas.
A definição institucional de um preço teto para a terra ―o valor máximo do
beneficio por família é de US$ 11.200― reduz as possibilidades de distorções
provocadas pela “inflação de demanda”, mas não as elimina, já que não garante que
o preço pago seja compatível com a sustentabilidade do projeto. Tampouco é
possível evitar, ex-ante, que os proprietários coloquem no mercado suas piores
terras.53 A questão central é a relação entre o preço, a qualidade e a adequação do
ativo aos custos e objetivos dos projetos. Neste sentido, a estrutura de governança
51 A própria natureza do ativo terra (fertilidade e localização) dificulta a formação de preços gerais, especialmente em regiões com características pouco homogêneas. 52 Diante da carência de estudos sobre este tópico, é inevitável que as considerações acima assumam certa dose de especulação, o que antes de invalidá-las reforça a necessidade de mais estudos. 53 Os mercados modernos são segmentados, e um “mesmo" produto é desdobrado em vários, com qualidades diferenciadas, e vendido a consumidores de diferentes perfis de renda e de preferência.
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do Cédula da Terra, em particular a atribuição às comunidades de um papel central
no processo de aquisição das terras, seu caráter associativo e mercantil e a
presença do setor público como assessor técnico financeiro das comunidades em
todo o processo de negociação, instância de apoio e retaguarda de aquisição da
terra, deveria assegurar uma seleção adequada das propriedades e evitar as
possíveis distorções provocadas tanto pelas falhas do mercado fundiário como
aquelas que poderiam surgir devido à situação sócio-econômica dos beneficiários e
o papel atribuído ao acesso à terra.54
A pesquisa de campo não incluiu um estudo específico sobre o funcionamento
do mercado de terra nas áreas em que o Programa vem sendo implementado. Ainda
assim colheu informações suficientes para permitir alguns comentários sobre o tema.
Há indicações de que os mercados locais de terra são incipientes e não definem
parâmetros (preços de mercado) confiáveis que sirvam de referência para os
negócios realizados através do Cédula.55 Neste contexto, em grande medida o preço
pago depende da capacidade de barganha dos beneficiários ―pequena, como será
argumentado abaixo― e da negociação entre as partes. A seguir são analisados
alguns aspectos do processo de aquisição das terras pelos beneficiários do Cédula.
54 Teoricamente não há qualquer razão para sustentar que os compradores, responsáveis pelo pagamento da dívida contraída, aceitem pagar pelos ativos mais do que estes valem de fato; ou que estes adquiriram ativos cujo potencial produtivo seja incompatível com a geração do fluxo de renda necessário para pagá-lo. Estas distorções poderiam resultar de problema de informação, como o desconhecimento das terras e da região, possibilidade minimizada pelo caráter associativo e pela exigência de que os beneficiários tenham familiaridade com o mundo rural; poderiam decorrer ainda de outras falhas do mercado, cujas ocorrências são indiretamente associadas ao nível de desenvolvimento do próprio mercado, sendo portando mais provável no caso do mercado de terras em regiões menos dinâmicas do país; também poderiam resultar do significado que a terra tem para as populações pobres, que não tem nada a perder e que sempre “sonharam” com a propriedade de um “palmo de terra”. Neste caso, a “ansiedade” para ter a terra poderia justificar a aceitação de imposições extra-mercado e de escolhas de propriedade pouco adequadas para fundear o processo de desenvolvimento humano dos beneficiários. 55 Esta afirmação não está baseada em pesquisa junto aos cartórios locais para quantificar e analisar os negócios fundiários. Os pesquisadores da equipe responsável pela avaliação preliminar realizaram entrevistas abertas (conversas informais) com os presidentes das associações e outras pessoas por todos os locais visitados. Nestas conversas perguntaram sistematicamente sobre a realização de negócios recentes, e a resposta sistemática foi que os mesmos não tinham conhecimento de operações de compra e venda de terras ou, de forma mais peremptória, que nos "últimos tempos o mercado estava meio parado." A análise da evolução do preço da terra do banco de dados da Fundação Getúlio Vargas ―no qual em um grande número de municípios com projetos do Cédula não dispõem de preços de terra atualizados― é um indício adicional da não realização de transações com imóveis rurais.
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5.2 O processo de aquisição das terras
A metodologia adotada segmentou o processo de aquisição em várias etapas:
iniciativa do negócio, seleção/escolha da propriedade e negociação e formação dos
preços.56
Iniciativa do negócio
Em relação à iniciativa do negócio, de um total de 103 casos estudados, em
60% foram as associações que deram início ao processo de negociação; em 34,6%,
foi o vendedor quem procurou a associação para oferecer sua propriedade.57 Em 2
projetos, os órgãos responsáveis pela implementação do Programa deram início ao
processo de negociação e procuraram a associação para propor a aquisição de uma
propriedade já pré-identificada. Apenas 1 negócio foi realizado por iniciativa de
políticos locais e 1 de políticos com a participação do proprietário interessado na
venda da terra.58
Tabela 13: Critérios de Escolha da Propriedade
Critérios Observações(1) %
Qualidade da propriedade 84 80,8 Preço da propriedade 14 13,5 Morador, parceiro, etc. 16 15,4 Única disponível 4 3,8
(1) São 104 casos válidos.
56 Esta segmentação foi criticada por vários participantes do seminário de Fortaleza com o argumento de que é artificial e não reflete a dinâmica real do processo de aquisição das propriedades. Argumentou-se que na maioria dos negócios estas fases não são lineares, mas se entrelaçam de tal maneira que a análise isolada tem pouco valor. Por último, alguns participantes chamaram a atenção que as respostas dependiam de como os entrevistados entendiam as perguntas, e que este entendimento pode ter variado substancialmente de caso para caso. Este último ponto da crítica baseou-se na ausência de critérios únicos para definir, por exemplo, o que deveria ser entendido como "iniciativa do negócio" e como "participação na negociação". Os autores reconhecem a complexidade dos temas envolvidos e os eventuais problemas associados à metodologia da pesquisa. Consideram, no entanto, válido e verdadeiro o sentido geral da análise apresentada nos documentos anteriores, e não a precisão absoluta de um ou de outro percentual apresentados como sínteses de longas entrevistas realizadas com os presidentes das associações. 57 O fato de que alguns proprietários tenham tomado a iniciativa do negócio não pode ser associado, de forma automática, a uma distorção, como vem sendo apontado por alguns críticos do Cédula. 58 A análise por estado revela diferenças significativas entre eles. Em Minas Gerais e na Bahia, 91,7% e 84% dos projetos, respectivamente, resultaram de iniciativa da própria associação; nos demais estados este percentual foi muito mais baixo, ficando em 55,6% em Pernambuco, 46,9% no Ceará e 37,5% no Maranhão. A participação dos órgãos responsáveis pelo Programa na identificação inicial da propriedade que viria a ser adquirida foi nula nos estados da Bahia, Ceará e Maranhão. Os dois casos de iniciativa do órgão foram registrados em Minas Gerais e em Pernambuco.
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Seleção das propriedades
Em relação aos critérios adotados pela associação para escolher a
propriedade, as informações da Tabela 13 revelam que a principal preocupação das
associações foi com a “qualidade da propriedade”: 80,8% (84 ocorrências) dos
presidentes de associações entrevistados (104 casos válidos) afirmou que o fator
determinante da escolha foi a “qualidade”.59 Outro critério relevante foi o
conhecimento da propriedade: 15% dos presidentes indicou que a escolha deveu-se
ao fato de que parte dos beneficiários era ou tinha sido morador, parceiro, diarista no
imóvel escolhido, e que isto “facilitava as coisas”. 13,5% das associações
consideraram o preço como relevante no momento de escolher a propriedade.60
Estas informações devem ser qualificadas à luz da constatação (Tabela 14 )
de que 52% das associações adquiriu a propriedade sem procurar por outra.
Questionados sobre este comportamento, as respostas mais comuns dos
entrevistados foram: “esta era a única disponível”, ou a “única que atendia as
necessidades”, ou ainda “que é uma terra muito boa e que servia para a gente”.
Tabela 14: Procurou Outra Propriedade?
Procurou outra propriedade? Observações %
Sim 54 51,9 Não 49 47,1
Sem informação 1 (*)
Total 104 -
(*) Não se recomenda o cálculo em proporção devido à baixa freqüência.
Processo de negociação
Em relação ao processo de negociação (Tabela 15), em 45% dos casos (98
casos válidos) foi indicado que a negociação deu-se “entre as partes”, ou seja, entre
59 A pergunta admitia resposta múltipla. É preciso notar que a qualidade não se refere unicamente à fertilidade do solo, mas a um conjunto mais amplo de fatores, tais como a topografia, localização em relação às estradas e aos centros urbanos e benfeitorias. De qualquer maneira, a apreciação da qualidade foi feita pelos membros da comunidade a partir de seus conhecimentos e experiência. A intervenção de técnicos do governo e/ou do pessoal contratado para fazer o laudo técnico ocorre na fase final do processo de aquisição da propriedade. 60 Tal informação necessita análise e discussão mais detalhada, mas há indicações de que muitos beneficiários estavam dispostos a pagar pela terra até o limite máximo permitido pelo Programa. Neste particular, foram registrados casos de associações que pressionaram os órgãos responsáveis para aceitar a oferta do proprietário, pois “tinham medo do homem desistir e a gente perder a maior chance da nossa vida prá sair dessa miséria toda”.
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a associação e o proprietário. Em 23,5% dos casos, deu-se entre as partes com a
participação do governo (órgão responsável). Em 23,5% dos casos (23 entre 98), a
negociação foi na prática feita entre o proprietário e o governo.61 Foram ainda
indicados alguns casos de participação de políticos (4 casos) e de outras instituições
(sindicato, igreja) no processo de negociação.
A análise qualitativa do processo de negociação da propriedade revelou que a
maioria das associações não parece estar preparada para liderar o processo de
negociação e que o papel desempenhado por grande número delas é apenas
formal. No modelo mais comum de negociação as associações procuravam o
proprietário, manifestavam o interesse em adquirir a terra através do Programa,
recebiam a oferta, levavam ao órgão responsável e/ou discutiam com os técnicos do
governo, voltavam com uma contraproposta e assim por diante. As variantes deste
processo são duas: em alguns casos o próprio órgão indicava um valor para a
contraproposta e em outros apenas indicava que o proprietário estava pedindo muito
e que era necessário baixar o preço. Foram registrados poucos casos de
associações que contaram com o apoio de sindicatos, igrejas e ONGs no processo
de negociação.62
61 O documento preliminar do relatório síntese qualificava que a negociação havia sido feita sem qualquer participação das associações. A palavra qualquer foi objeto de intensa polêmica no seminário de Fortaleza. Mesmo reconhecendo que a procedência dos argumentos que apontaram para a imprecisão do significado da participação, os autores do documento consideram que o sentido da análise não se modifica com as observações, já que, nestes projetos a participação das associações nas negociações, caso tenha ocorrido, foi na melhor das hipóteses muito reduzida. Por outro lado, conhecendo a realidade do Nordeste rural tal fato não nos surpreende. Ao contrário, o surpreendente é o elevado número de associações com iniciativa e capacidade ―ainda que frágeis― de negociar com os proprietários de terra. 62 A polêmica em torno a este ponto parece estar produzindo visões distorcidas em ambos os lados da contenda. De uma parte, pelo menos do ponto de vista dos autores deste documento, é inegável a fragilidade das comunidades de pobres rurais do Nordeste para sentar à mesa de negociação, de igual para igual, com os proprietários de terras. As razões podem ser facilmente encontradas em qualquer livro de história e geografia econômica utilizado em cursos secundários. Seria surpreendente que o simples lançamento de um programa de combate à pobreza que busca superar as razões estruturais que mantém milhões de famílias em uma posição de marginalidade social, os transformasse, do dia para a noite, em cidadãos plenos, iguais perante a Lei e a sociedade que os vem excluindo desde sempre. Esta transformação requer tempo e será o resultado do programa caso este tenha sucesso. De outra parte, também é surpreendente a idéia de que a fragilidade das associações e a forte participação do governo no processo de negociação invalida a concepção do Cédula da Terra. Esta idéia é levantada pelos críticos como crítica e pelos defensores na forma de receio de que seja de fato verdadeira. O intrigante é que as grandes empresas e produtores recorrem a serviços especializados de assessoria e muitas vezes ao próprio governo para cobrir suas deficiências em processos de negociação sem qualquer problema, e que no caso do Cédula da Terra os pobres rurais sejam considerados "incapacitados" por receberem o apoio dos órgãos estaduais responsáveis pela implementação e supervisão do Programa. Se os responsáveis pelo Programa consideravam de fato que os beneficiários negociariam de igual para igual com os proprietários, o mínimo que se pode dizer é que foram naives e ou desconheciam a realidade local. Por outro lado, a crítica só se sustenta como crítica se a participação e o apoio do governo às comunidades pobres no processo de negociação fosse
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O peso do governo é inegável e fundamental na negociação das propriedades
que vem sendo adquiridas pelos beneficiários do Cédula. Os órgãos governamentais
são responsáveis pelo laudo técnico, estabelecem o patamar do valor da terra,
vetam a venda da propriedade devido a irregularidades existentes e, muitas vezes,
atuam no sentido de “convencer” as partes. Em última análise, o negócio somente é
fechado após o aval do governo.
Para os entrevistados, a negociação não se refere, exclusiva e
principalmente, a valores e de preços da propriedade, e sim a possibilidade real de
realizar o "sonho da terra própria”. Em decorrência disso, algumas associações
tendem a "aceitar” com mais facilidade as exigências dos proprietários, chegando
até a uma "aliança" com os vendedores para negociar com o governo.63
Nenhum caso revelou indicações de que a associação estivesse de alguma
maneira mancomunada com o proprietário para beneficiá-lo. Mas é inegável que
para as associações o processo de negociação ocorre em um contexto que reflete
um misto de ansiedade para adquirir a terra e de medo de perder a oportunidade.
Independente da motivação, o comportamento das associações confirma a hipótese
de que os compradores sempre buscam realizar o melhor negócio possível. No caso
dos beneficiários do Cédula da Terra, o melhor negócio parece ser adquirir a
propriedade já, sem qualquer demora. De livre e espontânea vontade, nenhuma
associação queria perder o negócio disponível, procurar outra propriedade melhor e
correr o risco de ficar de fora.64 Reconhece-se a plena idoneidade das associações
para defender com força os interesses estratégicos de seus membros. Em se
tratando de uma população que sempre sonhou em ter “um pedaço de chão”, o
incompatível com a concepção do Programa. Este não é nosso ponto de vista. No relatório completo da avaliação preliminar, de junho de 1999, sustentamos a virtuosidade da atuação dos órgãos dos governos estaduais e argumentamos que, de imediato, o relevante é acompanhar o Programa para identificar se e em que medida o "processo de negociação tutelado" afeta negativamente a estruturação dos projetos, revela sinais de distorções, ilegalidades e ou improbidades de quaisquer natureza. Argumentamos ainda que o desafio é apoiar as associações sem substituí-las, em um processo de aprendizado social que deveria culminar na plena capacitação dos beneficiários para integrar-se à sociedade de forma autônoma e igual. 63 Foi reportado um caso de uma associação no Ceará que pagou "por fora" por um poço cacimbão não incluído no laudo técnico devido ao mal estado de conservação. Também foram relatados 4 casos em Pernambuco nos quais as associações, diante da ameaça do proprietário de desistir do negócio, pressionaram o Prorural para aceitar a proposta argüindo, contra o próprio laudo técnico de avaliação, que o preço pedido refletia as qualidades excepcionais da propriedade. 64 Muitas negociações relatadas não foram concretizadas devido ao veto dos órgãos responsáveis (preço muito elevado, terras impróprias e propriedade irregular foram as principais causas mencionadas) ou à falta de interesse dos proprietários.
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interesse estratégico é ter a terra, fato que pode afetar negativamente o processo de
negociação para adquirir a propriedade. Neste sentido, é surpreendente que a
participação dos órgãos governamentais no processo venha sendo objeto de críticas
e ansiedades e não de elogios e evidência de robustez da concepção do Programa.
Tabela 15: Processo de Negociação
Ocorrências Casos (%)
Entre a associação e o ex- proprietário (entre as partes) 44 44,9 Associação e/ ou Federação, o ex- proprietário e o Governo 23 23,5 Governo e proprietário diretamente 23 23,5 Governo e proprietário com intervenção de polít icos 1 1,0 Entre as partes com intervenção de polít icos 3 3,1 Entre as partes com a participação de entidades de representação dos associados (Sindicatos, Federações e Confederação das Associações) 3 3,1 Entre as partes com a participação da Igreja 1 1,0
Nota: 6 valores ausentes; 98 casos válidos.
A falta de experiência e a fragilidade de muitas associações tornam imperativo
o suporte e a arbitragem que até o momento vem sendo feita pelos órgãos
estaduais, assim como o acompanhamento cuidadoso do processo de negociação,
pautado em critérios técnicos e claros. O acompanhamento deveria identificar se, e
em que medida: (a) a aquisição das terras está sendo condicionada, em termos de
preço e qualidade, pela iniciativa do proprietário, ou, em termos mais gerais, pela
oferta; (b) os preços da terra estão sendo afetados por fatores extra mercado; (c) as
propriedades adquiridas correspondem ou não às necessidades dos beneficiários;
(d) a qualidade e extensão das terras são compatíveis com a geração de renda para
permitir a superação da pobreza e para pagar o empréstimo fundiário.
No entanto, é preciso ter claro que a intervenção direta dos órgãos gestores
do Programa tanto pode ser “corretiva” como provocadora de distorções, cabendo à
análise dos casos concretos a resposta sobre a natureza desta intervenção. Apenas
o efetivo e amplo engajamento das várias organizações da sociedade e dos
potenciais beneficiários é capaz de exercer um controle eficaz sobre o Programa e
evitar eventuais distorções na aquisição das terras.
Formação dos preços
Como já se mencionou anteriormente, os mercados fundiários locais são
pouco desenvolvidos. A inexistência de preços de mercado que sirvam como
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parâmetros dificultam tanto a negociação como a avaliação do resultado final. Diante
desta ausência, as aquisições de terras pelo Cédula tendem a utilizar os métodos
praticados pelos bancos ou pelo INCRA para avaliar as propriedades. Análise
realizada por Reydon e Plata (1999) indica que os preços pagos pelos beneficiários
do Cédula da Terra são inferiores aos preços de referência da Fundação Getúlio
Vargas.65 A pergunta é até que ponto tais procedimentos, sem dúvida nenhuma
adequados para as desapropriações e as avaliações patrimoniais feitas pelos
agentes financeiros, são adequadas para guiar uma operação de compra e venda
entre privados, realizada à vista.
A análise do processo de negociação e dos preços pagos revelou que o laudo
técnico vem assumindo um papel relevante na formação do preço das propriedades
adquiridas pelo Programa.66 Observou-se grande discrepância entre o valor inicial
pedido pelos proprietários, o valor definido pelos laudos técnicos e o valor final
contratado. Em alguns casos os preços de fechamento foram inferiores a 1/4 do
preço pedido pelo proprietário. A substancial redução do preço final não pode ser
tomada, por si só, como evidência da realização de um bom negócio, posto que o
preço inicial de oferta pode não ter qualquer relação com a realidade. Na verdade, a
redução é tão grande que revela que os proprietários claramente sobreestimaram o
valor de suas terras.
O papel que o laudo técnico vem desempenhando nesta primeira fase do
Programa recomenda a necessidade da definição e adoção de critérios rigorosos
para a sua elaboração. Fica clara, ainda, a necessidade de realizar estudos
adicionais sobre o funcionamento dos mercados de terras com o objetivo de colher
informações de âmbito local que permitam, de maneira rápida e objetiva, avaliar, ao
final do processo de negociação, se o preço acordado entre as partes corresponde
ou não ao que o mercado atribuiria à propriedade em questão.
65 Estes mesmos autores também sustentam que os preços praticados pelo Cédula são inferiores aos utilizados pelo INCRA para realizar desapropriações. Este mesmo argumento é levantado por técnicos do Banco Mundial, cujas estimativas apontam substancial diferença em favor do Cédula. Buainain et. al. (1999b) apresenta um resumo destas estimativas. 66 Ver o relatório completo (Buainain et. al., 1999) para evidência quantitativa desta afirmação.
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6. CARACTERÍSTICAS DOS PROJETOS DO CÉDULA DA TERRA As diferenças nas dotações naturais e das características das microrregiões
em que os projetos ocorrem interferem em variáveis relevantes para o desempenho
e sustentabilidade dos projetos. Este capítulo analisa algumas características
relevantes dos projetos do Programa Cédula da Terra, as quais podem condicionar
de maneira decisiva o desempenho e a sustentabilidade dos mesmos. Trata-se de
uma tentativa de avançar evidências preliminares sobre alguns parâmetros
estruturais dos projetos, tais como a localização geográfica dos projetos, o preço da
terra, a área por família, a dotação de recursos naturais e de infra-estrutura. Em
particular, a análise procura indicar em que medida algumas características dos
projetos podem ser atribuídas à estrutura de governança do Programa e ou refletem
as condições dominantes nos estados. Esta análise preliminar considera a
distribuição geográfica dos projetos, algumas características das propriedades
adquiridas e finalmente os parâmetros dos próprios projetos.
6.1 Distribuição geográfica dos projetos e as principais características das regiões
Como mencionado anteriormente, a questão da localização dos projetos do
Cédula da Terra não é irrelevante para a análise preliminar do desempenho e
potencialidade do Programa.67 Mesmo em caráter preliminar, é relevante apresentar
algumas indicações da distribuição de projetos em regiões com diferentes
características e potencialidades.
A caracterização da distribuição geográfica dos projetos leva em conta quatro
fatores básicos que influem na localização e devem afetar o desempenho dos
projetos: (i) risco de seca, fator que restringe a exploração agrícola e pecuária na
região semi-árida; (ii) desempenho do setor agropecuário; (iii) nível de
desenvolvimento local e, por último, (iv) densidade populacional.68
67 Além da constatação sobre a importância da localização e qualidade da terra para o desempenho dos assentamentos de reforma agrária (Convênio FAO/INCRA, 1999), esta análise oferece subsídios para o avaliar com base empírica estatisticamente representativa o argumento de que as fazendas adquiridas pelo Programa são de má qualidade e localizam-se em áreas inadequadas para a agricultura. 68 Ver Buainain et.al. (1999b) para detalhes da metodologia utilizada para construir os indicadores de risco de seca, desempenho do setor agropecuário e de nível de desenvolvimento local.
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Deve-se levar em conta que o ambiente institucional particular de cada
Estado69 e a própria estrutura de governança do Programa condicionam a
distribuição geográfica dos projetos. De um lado, o limite de US$ 11,300 por família
e o incentivo embutido nas regras do Programa para reduzir o gasto com a terra
restringe (e até mesmo impede) a expansão de projetos em algumas zonas onde os
preços das terras são muito elevados. Por outro lado, como já se comentou antes,
pelo menos no estágio inicial a exigência de legalização das associações introduz
viés em favor das comunidades que já estavam organizadas e com alguma
experiência e contato com o setor público.
Apesar de ser novo, observa-se que o Programa tem uma boa geográfica na
maioria dos estados. Além disso, como indica a Tabela 16, os projetos estão bem
distribuídos pelas mesorregiões dos estados.70 Nota-se um certo grau de
concentração espacial por mesorregião, cujas razões (uma delas institucional, no
caso de Minas Gerais), serão detalhadas adiante. Apenas esta informação é
suficiente para confirmar que em geral os projetos estão distribuídos com certa
homogeneidade pelo espaço econômico das meso/microregiões dos estados, e
refutar a crítica de que estes estariam concentrados nas piores áreas.71
Tabela 16 . Ocorrência de projetos segundo meso e microrregiões, por estado
ESTADOS %Meso comprojetos
%Micro comprojetos
Participação relativa doEstado no total de PCT
da amostra
Ceará 86% 55% 32%Bahia 71% 38% 22%Pernambuco 100% 58% 16%Maranháo 100% 48% 13%Minas 60% 43% 12%
69 Por exemplo, o Estado de Minas Gerais definiu áreas prioritárias para a implantação de projetos do Cédula. A simples atuação mais ativa dos órgãos de assistência técnica, extensão rural e reforma agrária em determinadas áreas dos estados pode, pelo menos neste estágio inicial, pode, pelo menos neste estágio, "favorecer" a localização de projetos nestas regiões em detrimento de outras. 70 O índice de redundância de Thiel mostra um baixo nível de concentração dos projetos quando se considera sua distribuição entre as meso-regiões e micro-regiões dos Estados. Ver Hoffman (1998) para o cálculo do índice. 71 As informações da permitem afirmar que há considerável potencial para a difusão dos projetos em praticamente todos os estados. Apesar da boa distribuição geográfica, a cobertura ainda é limitada quando se consideram as microregiões e municípios. Observa-se como exemplo que apenas 38% das microrregiões baianas receberam projetos.
Tabela 16
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Durante o primeiro ano de vida do Programa, os projetos não emergiram em
algumas mesorregiões de maior incidência de agricultura capitalista
moderna ―como o Oeste Baiano― e em algumas microrregiões com melhor
dotação de recursos e menor risco de seca, como a Serra de Ibiapaba e o Cariri, no
Ceará.72
Tendo visto a distribuição geográfica dos projetos, é interessante apresentar
uma rápida caracterização das regiões a partir dos quatro indicadores mencionados
acima.
A variável densidade populacional73 é fortemente correlacionada com a
dotação de recursos naturais, disponibilidade de infra-estrutura e nível de
desenvolvimento econômico. A maioria dos projetos localiza-se em municípios com
densidade populacional baixa, entre 15 a 30 habitantes/Km2. No Maranhão e em
Minas Gerais a maioria dos projetos está localizada em municípios com densidade
inferior a 20 habitantes/Km2, enquanto em Pernambuco a densidade é superior a 50
habitantes/km2.
É interessante notar que os projetos do Maranhão localizam-se em municípios
com densidade populacional superior à média do estado, por si só um indicador de
que o Programa não está selecionando as regiões mais remotas e desabitadas do
estado. Por outro lado, também se nota a ausência de projetos nas regiões dos
estados com densidade populacional mais elevada, como a Zona da Mata em
Pernambuco e as áreas mais próximas do litoral no Ceará.
Uma conclusão preliminar que se pode tirar é que a estrutura de governança
do Programa, pelo menos nesta primeira fase, restringiu a criação de projetos em
regiões muito distantes e em regiões com densidade populacional muito elevada.
72 Essas micro-regiões, com regime hídrico melhor distribuído ao longo do ano, são consideradas de menor risco de seca. Além disso, dispõem de topoclimas favoráveis para a exploração de frutas e outras culturas permanentes de ciclo mais longo. É bom lembrar que uma mesorregião homogênea como a dos Sertões Cearenses é bastante ampla e pode incluir microrregiões com topoclimas mais favoráveis ou municípios próximos a grandes mananciais de água, que reduzem significativamente as restrições impostas pelas características de maior risco de seca e mesmo do tipo de solo (litólicos) predominantes nas áreas de sertão. Desconsiderar este aspecto pode levar a conclusões apressadas sobre as razões benéficas ou não da concentração dos projetos em certas meso/microrregiões. Esta observação indica os limites da análise apresentadas neste capítulo, por isto mesmo considerada preliminar pelos autores. 73 Foi considerada a densidade dos municípios que têm projetos e não o das meso-regiões.
51
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Em ambos os casos este resultado parece consistente com o objetivo geral do
Programa e com a sustentabilidade dos projetos.74
O próximo passo é apresentar a localização dos projetos em relação ao risco
da seca.75 A apresentação dos dados segundo os estados facilita a associação
dessas características com a situação particular de cada estado.
Figura 1. Distribuição dos Projetos PCT segundo o risco de seca das regiões
0%
20%
40%
60%
80%
100%
Perc
enta
ge o
f Far
ms
MA CE PE BA MGStates
drought risk
0 a 20%21 a 40%41 a 60%61 a 80%81 a 100%Missing values
74 É certo que o preço das terras restringe e/ou até mesmo inviabiliza a implantação de projetos nas áreas de maior densidade populacional dos estados. Mas é também possível que a proximidade dos grandes centros urbanos regionais, ao criar alternativas para a população meta, reduza a própria atratividade do Programa. Trata-se de uma hipótese interessante a ser testada com vistas a um eventual afinamento do foco de programas de combate à pobreza como o Cédula. Deve-se notar que a exclusão das áreas de maior densidade populacional poderia ser considerada positiva, já que indica que o Programa está mais presente nas regiões onde a população carente tem menos oportunidades. Outros fatores podem explicar a ausência ou baixa ocorrência de projetos nas áreas mais densamente povoadas. Em algumas áreas as propriedades que poderiam ser adquiridas através do Programa são de tamanho médio, e mesmo a formação de grupos com poucas famílias resultaria em.projetos com áreas por família pequenas. Dada as regras do Programa, a redução do número de famílias restringe tanto o valor máximo do crédito fundiário como o volume de recursos disponível para investimentos comunitários, reduzindo o incentivo para aderir ao Programa (ver Buainain et. al., 1999, para explicação detalhada das relações entre tamanho da fazenda, área por família, número de famílias do projeto, preço da terra e a capacidade inicial de investimento e possível sustentabilidade dos projetos do Cédula). Em relação às áreas mais distantes, várias hipóteses podem ser levantadas, entre as quais o acesso mais precário à informação (relevante no primeiro momento), menor nível de organização das comunidades nestas áreas, maior distância da capital e elevado custo inicial de adesão (viagens à capital sendo o principal item). 75 Ver Buainain et. al. (1999b) para detalhes metológicos.
52
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A Figura 1 mostra que os projetos do estado do Ceará estão inseridos em
regiões de elevado risco de seca.76 Deve-se levar em conta esta é a situação de
90% do território cearense, o que por si só torna sem sentido a crítica de que o
Programa está comprando terras apenas no semi-árido. A questão relevante é
avaliar em que medida e quais as condições necessárias para assegurar a
viabilidade dos projetos nestas regiões.77 Em Pernambuco, estado que tem muitas
micro-regiões em zonas de elevado risco, observa-se que os projetos estão
distribuídos de forma equilibrada em relação ao risco de seca. Isto é uma indicação
de que nesse estado os projetos não estão sendo implementados nas regiões de
pior dotação natural. Na Bahia, que também conta com várias microrregiões em área
de elevado risco de seca, a porcentagem de projetos com risco de seca superior a
60% e inferior a 80% é de apenas 11%, não existindo nenhum projeto em área de
elevadíssimo risco, como ocorre no Ceará e em Pernambuco. Ainda que a área
ocupada pelos projetos seja irrisória em relação ao potencial de sua instalação, a
análise da distribuição geográfica dos primeiros projetos permite refutar a crítica de
que a estrutura de governança descentralizada compromete a qualidade locacional
dos projetos.
Outro indicador considerado na análise da distribuição geográfica dos projetos
é o grau de dinamismo agrícola das regiões nas quais estes vêm sendo
implantados.78
Observa-se o predomínio de projetos em regiões caracterizadas como
estacionária e em contração (65% contra cerca de 45% nos 5 estados). A presença
de projetos nas regiões mais "dinâmicas" é quase nula em todos os estados. No
Ceará os projetos estão mais fortemente agrupados nas microrregiões consideradas
76 Este cálculo não se refere especificamente à severa seca ocorrida nos últimos 5 anos, mas a uma estimativa com base em séries longas. Ver França (1997). 77 Obviamente esta é uma tarefa que transcende os objetivos e o alcance do Programa Cédula da Terra, requerendo a ação coordenada de vários programas e órgãos do governos estadual e federal. O máximo que se poderia esperar de um programa como o Cédula é que funcione como detonador de demandas e reivindicações das populações carentes e de catalizador de intervenções sustentáveis e consistentes por parte do setor público. 78 O estudo de França (1997) apresenta o resultado do cálculo de um indicador de desempenho agrícola das micro-regiões do Nordeste. Ver o esquema da composição do índice em França (1997:213). Em resumo, a classificação que utilizamos sintetiza de forma hierarquizada três itens: a variação do valor bruto da produção (VBP) entre dois períodos de referência (em torno de 12 anos); a posição relativa da intensidade espacial do VBP e uma medida do grau de ocupação médio dos estabelecimentos da região, em relação à media da região nordeste.
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em contração e estacionárias do que nas em expansão. Ainda assim, há que
considerar que apenas 21,2% das micro-regiões do estado foram classificadas como
em expansão e nenhuma como emergente ou dinâmica, e que aproximadamente
20% dos projetos estão nestas áreas. As informações da Figura 2 evidenciam que
os projetos não emergem apenas em regiões mais desfavorecidas e menos
dinâmicas.
Embora não se possa negar que a situação econômica das regiões afete o
desempenho dos projetos, não é possível deduzir, a priori, que a localização de
projetos em regiões estagnadas ou decadentes seja um fato negativo ou sinal de
uma má alocação de recursos. Ao contrário, pode refletir inclusive a capacidade de
aproveitar virtuosamente as oportunidades criadas pela decadência e ou estagnação
de segmentos da produção local, as quais enfrentam dificuldades sob o regime de
exploração anterior mas podem ser viáveis baixo outras formas organizacionais e
produtivas ao alcance dos beneficiários do Cédula. O caso do cacau na Bahia ilustra
esta possibilidade.79
A análise detalhada dos dados apresentados acima (ver Buainain et.
al., 1999b) sustenta a hipótese de que as condições de localização dos projetos do
Cédula refletem as condições de dotação natural e as limitações edafo-climáticas
impostas à agricultura de cada estado. Os casos "destoantes" são positivos, como a
concentração de projetos nos Agrestes Pernambucanos e a exclusão das áreas
mais distantes e despovoadas do Maranhão.
79 Existem inúmeros exemplos do impacto positivo que os projetos de assentamento podem provocar em localidades decadentes e estagnadas. Ver xxx para uma discussão mais abrangente das possibilidades criadas pela reorganização da produção em bases associativas.
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Figura 2. Ocorrência de projetos segundo o grau de dinamismo agropecuário das microrregiões
0%
20%
40%
60%
80%
100%
PercentageofFarms
MA CE PE BA MGStates
DinâmicaEmergenteExpansãoEstacionáriaContraçãoMissing values
Para analisar a localização e a disponibilidade de infra-estrutura construiu-se
um índice que compõe dois fatores básicos: a distância dos projetos aos mercados
(principal = regional e secundário = local) e as condições de tráfego. Este indicador
dá uma idéia, ainda que apenas aproximativa, do acesso aos mercados e da
capacidade de escoamento da produção dos projetos. Permite responder à
pergunta: estariam os projetos localizados em regiões de pior acesso aos mercados
e pior dotação de infra-estrutura? Os resultados são apresentados a seguir.
55
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Figura 3. Condições de Escoamento do Produto Agrícola
0%
20%
40%
60%
80%
100%
PercentageofFarm s
M A CE PE BA M GStates
good conditionsadequaterestrictedbad conditionsM issing values
Os dados da Figura 3 confirma a hipótese de que a densidade populacional
encontrada está correlacionada à melhor dotação de infra-estrutura. Em
Pernambuco observa-se elevada concentração de projetos em áreas bem dotadas
em infra-estrutura e fácil acesso aos mercados regionais.80 Em um outro extremo,
Minas Gerais e Maranhão apresentam as piores condições de acesso, o que
também coincide com a baixa densidade populacional que caracteriza as regiões de
estagnação e de fronteira nas quais os projetos vêm sendo implementados. Os
estados da Bahia e do Ceará apresentam uma maior variabilidade de situações, fato
que reflete muito mais as condições gerais de infra-estrutura e de acesso aos
mercados que o efeito do processo seletivo de propriedades pelas comunidades
participantes do Cédula.
Com base nos elementos apresentados acima sobre a distribuição geográfica
dos projetos, é possível tecer e resumir as seguintes conclusões:
a) Em termos gerais, a distribuição dos projetos em regiões com
características ambientais, dotação de infra-estrutura, localização em
80 Esta constatação ajuda a explicar o valor mais elevado da terra em Pernambuco.
56
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relação aos mercados regionais e potencialidades diferentes reflete
principalmente as condições e características predominantes em cada
estado. Desta forma, não se pode dizer que a estrutura de governança
do Programa está levando a uma má seleção das regiões;
b) Também é possível afirmar que em alguns estados o Programa não vem
se desenvolvendo nas melhores regiões, fato que pode ser atribuído
principalmente ao elevado preço das terras nestas áreas;
c) O risco de seca representa uma restrição para um número considerável
de projetos nos estados do Ceará, Pernambuco e em áreas da Bahia.
Embora isto não pode ser atribuído ao Programa, é óbvio que requer
atenção especial e que pode afetar os resultados esperados;
d) A situação de estagnação é predominante na agricultura dos 5 estados,
fato que se reflete nas características das microrregiões em que os
projetos vêm emergindo. Parece claro que a estrutura de governança do
Programa limita o acesso a propriedades em regiões mais dinâmicas e
de elevada densidade populacional, como a Zona da Mata
Pernambucana. Ainda assim, um conjunto relevante de projetos está
instalado em microrregiões com bom potencial agrícola;
e) As condições de acesso aos mercados estão diretamente relacionadas a
áreas mais densamente povoadas e com preços de terras mais altos. O
trade off entre condições de acesso/disponibilidade de infra-estrutura e o
preço da terra é evidente. Neste sentido o Programa parece estar
distribuindo os projetos em regiões com condições superiores à média
dos estados, fato que possivelmente se deve à arbitragem operado pelos
órgãos governamentais.
6.2 Características das propriedades adquiridas pelo Cédula da Terra
A análise de algumas características das propriedades adquiridas pelos
beneficiários do Programa é um componente relevante de sua avaliação preliminar e
oferece subsídios úteis para sua gestão e eventual aperfeiçoamento. Mais do que
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checar a hipótese de que apenas as piores propriedades são colocadas à venda,81 o
foco principal é avaliar até que ponto algumas das limitações impostas pelas
condições ambientais e sócio-econômicas apresentadas na Seção 6.1 são
contornadas, atenuadas ou agravadas pelas características da propriedades
adquiridas.82
Esta seção apresenta algumas evidências sobre este tema com base em
informações fornecidas pelos presidentes das associações incluídas na amostra,
nos dados técnicos disponíveis nos laudos de avaliação e em informações gerais
coletadas junto aos órgãos estaduais.
6.2.1 Uso anterior
Como mostra a Tabela 17, quase 60% das propriedades adquiridas eram
utilizadas apenas parcialmente, 22,3% encontravam-se em estado caracterizado
como de abandono pelos entrevistados e 18,4% foram classificadas com exploradas
de forma intensa.83 Esta constatação não é surpreendente quando se considera a
persistência e severidade da seca que atingiu a região nos últimos anos.84
Tabela 17: Uso Anterior do Imóvel Adquirido Segundo os Presidentes das Associações
Obs. % Obs. % Obs. % Obs. % Obs. % Obs. %
Abandonado 6 24,0 7 21,9 3 18,8 3 25,0 4 22,2 23 22,3 Pouco Utilizado 13 52,0 19 59,4 10 62,5 8,0 66,7 11 61,1 61 59,2 Bem Utilizado 6 24,0 6 18,8 3 18,8 1 8,3 3 16,7 19 18,4
TOTAL 25 100,0 32 100,0 16 100,0 12 100,0 18 100,0 103 100,0
Condições produtivas antes da aquisição
Bahia Ceará MaranhãoMinas Gerais
Pernambuco Total
81 Este ponto foi tratado, ainda que de maneira superficial, nas Seções 5 e 5.1. 82 Do ponto de vista metodológico, o objetivo final da análise é avaliar a viabilidade econômica dos projetos que serão implantados nas propriedades. Trata-se, portanto, de construir uma metodologia que permita averiguar questões como as seguintes: se e até que ponto as características ambientais podem ser potencializadas por equipamentos, pastagens, culturas perenes e condições de irrigação já presentes nas propriedades. Ou quanto as benfeitorias (em termos gerais) facultam uma rápida exploração dos recursos da propriedade, criando o mais cedo possível capacidade de pagamento e renda aos beneficiários. A apresentação acima é apenas uma primeiríssima etapa deste trabalho. 83 Esta classificação, apenas indicativa, foi construída a partir da avaliação pessoal dos presidentes das associações. Poucos laudos apresentavam uma descrição da ocupação anterior do imóvel. Quando tal descrição era contraditória com a impressão do presidente das associações, optou-se pela informação do laudo. 84 Pode-se levantar a hipótese de que situações de crise criam alternativas para reestruturações, e que o Programa Cédula da Terra capacita comunidades pobres a aproveitarem oportunidades que antes não estavam ao seu alcance.
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A maioria das propriedades era explorada de forma extensiva, com a
presença em quase todas de algum item referente a pastagens ou criação de
animais.85 O levantamento feito nos locais indicou que parte das atividades era
realizada por moradores locais, engajados pelos proprietários como diaristas,
parceiros, arrendatários e até mesmo como moradores. Muitos destes trabalhadores
fazem parte das associações de beneficiários que adquiriram a propriedade.86
Tabela 18: Utilização Anterior do Imóvel Adquirido
Obs. % Obs. % Obs. % Obs. % Obs. % Obs. %
Pasto/ Subsistência 4 16,0 1 3,1 2 12,5 2 16,7 3 16,7 12 11,7 Pasto/ Subsistência/ Salada/ Frutas 6 24,0 17 53,1 7 43,8 - - 9,0 50,0 39 37,9 Pasto 4 16,0 4 12,5 2 12,5 2 16,7 2 11,1 14 13,6 Pecuária Bovino (corte e leite) 6 24,0 4 12,5 1 6,3 6 50,0 3 16,7 20 19,4 Ovino/ Caprino 1 4,0 5 15,6 - - 1 8,3 1 5,6 8 7,8 Extrativismo (babaçu, etc) - - 1 3,1 3 18,8 1 8,3 - - 5 4,9 Reflorestamento 4 16,0 - - - - - - - - 4 3,9 Sem Produção - - - - 1 6,3 - - - - 1 1,0
TOTAL 25 100,0 32 100,0 16 100,0 12 100,0 18 100,0 103 100,0
PernambucoMinas Gerais
TotalCeará MaranhãoBahiaUtilização anterior do imóvel adquirido
Apesar da predominância de propriedades voltadas para a pecuária
extensiva, nota-se que 37,9% dos imóveis amostrados contavam com culturas
permanentes, áreas de horticultura (salada) e/ou de frutas. A exceção de Minas
Gerais,87 nos demais estados observa-se esta "miscelânea" de atividades, indicando
um potencial diversificado que pode ser explorado pelos novos proprietários.88 A
presença do item subsistência confirma que a exploração dava-se com base na
articulação do proprietário com os minifundiários, moradores, diaristas e parceiros. O
Programa Cédula da Terra, nesses casos, seria uma forma de alocar direitos de
85 Em regiões do semi-árido com elevado risco de seca, a criação extensiva de caprinos e ovinos exige menores investimentos e reduz os riscos produtivo e econômico. 86 É pelo menos curioso que este fato seja objeto de críticas, uma vez que pela primeira vez o financiamento favorece aos trabalhadores e não a outros proprietários ou empresários. Trabalhadores urbanos vem utilizando com sucesso a estratégia de assumir o controle de empresas falidas ou em crise, e os resultados só não são melhores justamente por falta do financiamento e apoio do setor público. 87 este item não tem registro, evidenciando o que mostramos em 5.1, de que as condições de baixa densidade populacional e certo isolado das microrregiões em que os PCT lá estão instalados condicionam o uso extensivo das propriedades. 88 Por exemplo, no caso de Pernambuco, a presença de saladas e frutas em certas microrregiões do Agreste indica possibilidades de exploração localizada da fruticultura, como abacaxi e de horticultura irrigada; no Maranhão espera-se a exploração de culturas agrícolas também extensivas, como o caso do arroz. Na Bahia há indicações de viabilidade para o coco, laranja, cacau e café, além de hortaliças. No Ceará as alternativas ex ante são menores devido ao risco de seca mais elevado e à escassez de recursos hídricos.
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propriedade e direitos sobre os ativos residuais que estavam bloqueadas pelas
relações anteriores.
Esta fotografia superficial da situação e uso do solo anterior da propriedade
revela que a maioria não está "pronta" para exploração rentável imediata pelos
beneficiários. Tal constatação enseja duas avaliações opostas e relevantes. De um
lado, significa que os novos donos terão que investir para construir capacidade de
geração sustentável de renda. Isto requer tempo, recursos financeiros, coordenação
de esforços, paciência, disciplina e perseverança, seja da dos beneficiários seja do
setor público. De outro lado, tal situação reduz o preço de aquisição da terra,
favorecendo a construção de novas alternativas produtivas e reduzindo o risco de
que os novos proprietários reproduzam seja sua situação anterior de
minifundiários/parceiros com explorações de subsistência seja alguns sistemas
produtivos de fazendas aparentemente bem sucedidas da região que são
exploradas e conduzidas de forma capitalista.
6.2.2 Benfeitorias e acesso à energia
A dotação de capital fixo (infra-estrutura em geral, culturas permanentes,
pastos e forrageiras e reservas extrativas) das propriedades assim como a
disponibilidade e o acesso à energia elétrica (e estradas) são fatores relevantes para
caracterizar os projetos, sua potencialidade e futuro desempenho. De um lado, a
disponibilidade de certos itens de infra-estrutura pode indicar a existência de fontes
de geração imediata de renda, tal como o cacau na Bahia, a palma em Pernambuco
e a madeira/babaçu no Maranhão. De outro lado, a dotação de capital fixo das
fazendas (e seu estado de conservação) em conjunto com o acesso à energia e à
rede de transportes constituem-se em condicionantes relevantes para a definição
das estratégias de longo prazo que os projetos começam a adotar e implementar
com base no financiamento comunitário. Dão ainda uma idéia da magnitude de
investimentos requeridos para a implantação inicial dos projetos produtivos definidos
pelas associações.
Nesta análise preliminar as benfeitorias foram agrupadas em três itens
segundo sua vinculação com as atividades produtivas: i) infra-estrutura e cultivos
permanentes utilizados para exploração pecuária; ii) infra-estrutura e cultivos
permanentes utilizados para exploração agrícola e agroindustrial; iii) infra-estrutura
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de uso geral e disponibilidade/grau de dificuldade para obtenção de energia
elétrica.89
Figura 4. Animal Exploitation Facilities in PCTs
MA CE PE BA MG
SheepfoldPalm/extrativism
CorralPasture
Fences
0
10
20
30
40
50
60
70
80
90
100
Perc
enta
ge o
f Far
ms
with
:
States
A Figura 4 indica que a maioria das propriedades adquiridas apresenta os três
itens básicos para a exploração pecuária: cercas, pastagens e currais. A
configuração diferenciada dos projetos da Bahia reflete a menor importância da
pecuária na região cacaueira e a presença de propriedades com vocação para a
fruticultura.90 No caso Maranhão, a falta de instalações como currais revela a
característica de região "emergente", típica da agricultura do estado. A pequena
participação de propriedades com cultivos de palma, exigente em mão de obra, é
89 Ver Buainain et. al. (1999b) para os detalhes da metodologia utilizada para construir os indicadores. 90 Ainda assim é importante ressaltar que a análise da situação das propriedades adquiridas pelo Programa na Bahia foi prejudicada pela falta de informações dos laudos técnicos e pela deficiência das entrevistas realizadas com as associações localizadas na Mesoregião Norte.
61
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explicada pelo sistema de pecuária extensiva praticado pela maioria das fazendas
adquiridas.91
Figura 5. Propriedades com culturas permanentes e instalações agroindustriais.
MA CE PE BA MG
Permanent culture
Agroindustrial installations0
10
20
30
40
50
60
Perc
enta
ge o
f Far
ms
with
:
States
A análise dos laudos e as informações obtidas no local indicam que o estado
de conservação das benfeitorias e cultivos permanentes é de relativo abandono, e
que sua plena utilização requererá trabalho de recuperação. Em muitos projetos
visitados tal esforço já estava em andamento. Muitas associações condicionavam o
acesso aos recursos disponibilizados pelo Programa à participação dos beneficiários
nas tarefas de recuperação de cercas, pastagens, plantações e instalações
hidráulicas e construções. A disponibilidade de mão de obra da própria associação
torna viável, com um pouco mais de investimento, a habilitação da maioria das
propriedades para iniciar explorações pecuária de caráter extensivas e a plantação
imediata de roças e até mesmo a introdução de alguma nova cultura, como o
abacaxi em Pernambuco e o café na Bahia.
A participação de propriedades que dispõem de culturas perenes e de infra-
estrutura vinculada à exploração agroindustrial é bem menor (Figura 5). Maranhão e
Minas Gerais são os estados com menor grau de ocorrência dos dois itens,
91 O cultivo da palma pelos beneficiários, utilizando a disponibilidade de trabalho da associação, pode representar um fator extremamente relevante para viabilizar a exploração pecuária, reduzir o risco de perda do rebanho e elevar o rendimento em relação à média local.
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refletindo a condição das próprias regiões (fronteira em expansão, baixa densidade
populacional e isolamento relativo). No outro extremo, localizam-se os estados de
Ceará e Pernambuco, este último com o maior número de registros de instalações
agroindustriais (casas de farinha e instalações para o fabrico de queijo e manteiga).
Tal fato, que pode ser atribuído ao posicionamento geográfico das propriedades e às
melhores condições de acesso aos mercados, revela que os novos proprietários
poderão explorar as oportunidades associadas à proximidade e facilidade de acesso
aos mercados locais. A ocorrência de culturas permanentes na Bahia reflete a
implantação de projetos em certas microrregiões com condições propícias para a
fruticultura e a cultura do cacau. Os beneficiários poderão explorar as vantagens
potenciais associadas à disponibilidade de mão de obra e ao menor custo de
monitoramento para alavancar estas atividades.
Figura 6. Disponibilidade/acesso à energia elétrica
MA CE PE BA MG
0
10
20
30
40
50
60
70
Perc
enta
ge o
f Far
ms
States
Without possibility of energysupply in the mid runWith possible instalation in themid runWith energy supply
A disponibilidade e/ou acesso potencial à energia elétrica é relevante, não
apenas devido ao conhecido impacto sobre a qualidade de vida das populações
como também por se tratar de um insumo essencial tanto para remover algumas
restrições como para explorar potencialidades associadas ao meio ambiente. A
Figura 6 mostra que as propriedades adquiridas em Pernambuco têm melhor
dotação de energia elétrica, confirmando as demais informações associadas à
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concentração de projetos na região dos agrestes.92 Refletindo as condições de
região de fronteira, o Maranhão registra o maior número de propriedades com
dificuldades para ter acesso à eletrificação rural, uma vez que as linhas estão
distantes ou não existem.93
Em Minas Gerais, a proporção de propriedades que contam com energia
elétrica é superior a 50%. Tal fato parece ser resultado da intervenção da
SUDENOR, que priorizou/orientou a aquisição de aquisição de propriedades com
disponibilidade de água e energia elétrica, reduzindo, desta forma, as restrições
associadas ao meio ambiente.
A situação do Ceará é reveladora da importância dos recursos disponíveis
para investimento comunitário. Como indicado na Figura 6, um grande número de
propriedades tem possibilidade de obter energia elétrica, insumo fundamental para a
obtenção de água. Análise realizada por Silveira et alii (1999) mostra que várias
associações alocaram parte destes recursos para ligar as propriedades à rede de
energia elétrica. Esta constatação revela que, mesmo no Estado onde as condições
ambientais impõem severas restrições ao desenvolvimento da agricultura em geral,
tais restrições podem ser aliviadas por outros fatores, como a localização,
disponibilidade de infra-estrutura e decisão de investimento consistente com as
restrições e as potencialidades locais.
6.2.3 Potencial de irrigação dos projetos
O risco de seca que em maior ou menor grau está presente em 4 dos 5
estados aonde o Programa vem sendo implementado justifica a preocupação
especial em avaliar, ainda que de maneira superficial, as condições potenciais e
efetivas de irrigação dos projetos. A fim de obter maior precisão analítica, os projetos
(propriedades) foram classificados segundo a disponibilidade de recursos hídricos e
suas possíveis utilizações: a) disponibilidade/potencial de água para consumo
humano e animal ―permite às propriedades resistir a períodos de seca mais
prolongados sem uma sensível descapitalização por perda ou venda compulsória de
animais: b) recursos hídricos que permite praticar uma irrigação localizada, inclusive
92 Deve-se indicar que a melhor qualidade das informações disponíveis para Pernambuco podem ter contribuído para ressaltar a diferença em relação aos demais estados. 93 O nível de informação sobre este item é menor, mas menos incompleto do que no estado da Bahia.
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o plantio de várzea; c) fonte de água suficiente (rios, poços artesianos e poços
profundos com vazões superiores a 15000 l/hora) para sustentar projetos de
irrigação permanente.
Figura 7. Potencial de irrigação dos projetos do Cédula
0%10%20%30%40%50%60%70%80%90%
100%
Perc
enta
ge o
f Far
ms
with
:
MA CE PE BA MG
States
With irrigation
With potential forirrigation
With potential foranimalconsumption andcultivation of smalltract of vegetableWithout potential
Os projetos em Minas Gerais apresentam maior potencial de irrigação. Como
mostra a Figura 7, quase 80% dos projetos já tem irrigação ou tem recursos hídricos
adequados para tal. Os estados do Ceará e Maranhão apresentam as maiores
ocorrências de propriedades que não oferecem meios para irrigação. Tal fato não
chega a ser um problema no Maranhão, onde o tamanho das propriedades e as
condições ambientais permitem a implantação de sistemas de produção extensivos,
sustentáveis e que não dependem de irrigação.94 Já no Ceará tal situação restringe
as alternativas de sistemas de produção viáveis e eleva consideravelmente os riscos
envolvidos e a vulnerabilidade diante da seca. Em Pernambuco praticamente 70%
dos projetos dispõem/potencial de recursos hídricos compatíveis com a exploração
de pequenas áreas de cultivo de baixada em áreas úmidas, pequena irrigação
94 As simulações sobre alguns sistemas de produção que poderiam ser implantados por projetos do Cédula no Maranhão indicaram que o tamanho da propriedade (ou a área disponível por família associada) é de fato uma variável determinante da sustentabilidade dos sistemas dominantes. Ver Buainain et. al. (1999b) e FAO/INCRA (1998).
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localizada e com o consumo animal da propriedade. Dada a concentração dos
projetos nos Agrestes, a proximidade e fácil acesso aos centros consumidores e a
disponibilidade de energia elétrica, a exploração da pequena irrigação em
combinação com a pecuária poderia assegurar a viabilidade e sustentabilidade da
maioria dos projetos.
Figura 8. Irrigation Facilities on PCT
0%
20%
40%
60%
80%
100%
PercentageofFarms
MA CE PE BA MG
States
With irrigation
Without irrigation
Non Information
Deve-se chamar a atenção para o fato de que a maioria das propriedades
adquiridas pelos beneficiários não dispõe de instalações para irrigação (Figura 8).
Isto significa que a exploração do potencial mencionado acima dependerá da
coordenação de esforços envolvendo não apenas os beneficiários e órgãos
diretamente responsáveis pelo Programa como também entre vários órgãos do
governo e a própria sociedade civil95 e de investimentos. Não se trata de tarefa
simples, pois como mostraram Silveira et alii (1999), estes investimentos apresentam
95 Em alguns estados já se podia notar um embrião deste tipo de cooperação. Em Minas Gerais a complementação da eletrificação vinha sendo feita pela empresa estadual de energia elétrica, sem ônus para os beneficiários. Algumas prefeituras estavam engajadas em várias atividades necessárias para viabilizar/potencializar os projetos. No Ceará algumas associações já operavam em estreita consulta entre elas, e uma federação de associações vinha desempenhando papel ativo na implantação de novos projetos. Também se observou que, após um período inicial de falta de coordenação entre a Secretaria de Planejamento, o Instituto de Terras e a Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural, estes órgãos já estavam atuando em conjunto na implementação do Programa.
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certo grau de indivisibilidade, restringindo sua viabilidade para os pequenos projetos
(pequena área e poucas famílias) com baixa capacidade de endividamento.
É possível apresentar as seguintes conclusões resumidas sobre as
características das propriedades adquiridas pelos beneficiários do Programa:
a) As condições de exploração econômica e uso do solo das propriedades
parecem refletir de perto as condições gerais prevalecentes nas regiões
e a situação da agricultura dos estados;
b) As propriedades vinham sendo exploradas de forma tradicional, sendo a
maioria fazendas de pecuária extensiva com plantações de subsistência
e pequena área de cultivos mais intensivos a cargo de arrendatários e/ou
parceiros. Cada estado apresenta certas particularidades, como a
presença de fazendas de cacau na Bahia;
c) A dotação de infra-estrutura das fazendas reflete sua utilização prévia.
Embora um número elevado de propriedades disponha da infra-estrutura
básica associada à pecuária extensiva, o estado de conservação parece
precário e exigirá esforço de recuperação por parte dos novos
proprietários. É limitada a ocorrência de pastos plantados, capinzeiras e
palma forrageira, confirmando o caráter extensivo do sistema de
exploração anterior. Da mesma forma, são poucos os registros de
propriedades com boa dotação de infra-estrutura associada à produção
agrícola e ao processamento primários dos produtos;
d) A participação de propriedades com disponibilidade e acesso à energia
elétrica reflete a situação particular de cada estado e a
orientação/intervenção dos órgãos do governo no processo de seleção
das fazendas. Embora o número de projetos sem possibilidade de
acesso à energia elétrica seja grande, especialmente no Maranhão e
algumas regiões da Bahia, a disponibilidade de energia não se coloca
como um obstáculo absoluto nas áreas aonde sua utilização é de fato
crucial para viabilizar sistemas de produção viáveis e sustentáveis, como
nos Agrestes de Pernambuco, Sertões Cearenses e Norte de Minas;
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e) Poucas propriedades dispõem de capacidade instalada de irrigação, mas
existe amplo potencial para irrigação, pelo menos em pequena escala, e
manutenção dos rebanhos;
f) Ao contrário do que o exemplo dos primeiros projetos sugeria, a maioria
das propriedades nem se encontra pronta para ser explorada de forma
rentável pelos novos donos nem dispõem de fonte de geração de renda
imediata. A exploração da maioria delas requer um conjunto de
investimentos e um esforço continuado dos beneficiários, e os resultados
e consolidação econômica demandarão tempo para materializar-se.
7. ANÁLISE DOS PROJETOS DE FINANCIAMENTO: PRINCIPAIS PONTOS O Programa Cédula da Terra opera através de dois componentes: o
Subprojeto de Aquisição de Terra (SAT) e o Subprojeto de Investimento Comunitário
(SIC). Como já foi indicado atrás, as características da propriedade adquirida por
meio do SAT ―particularmente a localização, tamanho, fertilidade natural e aptidão
dos solos e benfeitorias― condicionam fortemente as alternativas e potencialidades
dos projetos. Os investimentos iniciais realizados através do SIC também assumem
posição estratégica para a viabilidade dos projetos, especialmente em um ambiente
caracterizado pela escassez de linhas de financiamento adequadas às necessidades
dos beneficiários do Programa. A análise do SAT e SIC é um componente da
Avaliação Preliminar, e os resultados e conclusões são reveladoras tanto do
potencial como de obstáculos que muitos projetos do Cédula deverão enfrentar.
A análise do SAT96 procurou ressaltar os elementos estruturais de cada
projeto (valor do financiamento, características e valor das benfeitorias, tamanho da
propriedade e número de famílias participantes); a análise do SIC focou o conteúdo
dos projetos de investimentos aprovados, procurando associar os vários
componentes às características do ambiente local e da propriedade.
96 As informações utilizadas são aquelas disponíveis nos projetos SAT e SIC, incluindo os laudos de avaliações e as recolhidas em questionários aplicados aos presidentes das associações.
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7.1 Análise dos Subprojetos de Aquisição de Terras
A área total média dos projetos amostrados nos 5 Estados é de 815,3 ha; a
classe modal encontra-se entre 300 e 400 ha e a distribuição concentra-se entre 300
e 800 ha, abaixo do valor médio (a mediana é de 703ha). Há poucos casos de
projetos superiores a 2000 ha, assim como são raros os projetos com área muito
reduzida (o menor projeto tem área de 68ha). Ainda assim, existem mais de 20
projetos com área maior que 1200 ha, normalmente localizados nas áreas de menor
densidade populacional e de explorações extensivas. Em resumo, 31,86% dos
projetos têm até 500 ha e 71,7% até 1000 ha.
Teoricamente é possível adequar o tamanho do projeto ao número de
associados, seja adquirindo mais de uma propriedade seja selecionando apenas
parte dos membros da comunidade para participar aderir ao projeto do Cédula. Pelo
menos nesta fase inicial, a primeira opção não tem sido utilizada: o tamanho das
propriedades reflete a estrutura fundiária local e a oferta de terras para vender.
Poucos projetos resultaram da fusão ou divisão de propriedades já existentes. A
questão relevante é identificar em que medida o número de famílias ajusta-se à
disponibilidade de terras, sem prejuízo da sustentabilidade dos projetos, ou, ao
contrário, dada a pressão populacional e o tamanho das associações pré-existentes,
o número de famílias é definido apenas (ou principalmente) pelos limites impostos
pela própria regra do Programa.
Em relação ao número de famílias por projeto, observou-se que a maioria dos
projetos está dividida em dois grupos: aqueles com entre 15 a 20 famílias e aqueles
com número média de famílias variando entre 35 a 40 famílias por projeto (ver
Tabela 19). A pesquisa de campo encontrou indicações de que poucas associações
ajustaram o número de famílias às características da propriedade e que, na prática,
o número de famílias por projeto reflete, de um lado, a oferta de terras ―e a
restrição imposta pela dificuldade em encontrar grandes propriedades ou várias
propriedades contíguas― e de outro, a pressão para incluir o maior número de
famílias que cada propriedade pode suportar sem ferir os limites máximos impostos
definidos pelas regras do Programa. Nestas condições, é possível que o tamanho de
algumas propriedades e o número de famílias participante não seja compatível com
as exigências agronômicas. Naturalmente que este ajuste depende dos sistemas
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produtivos que serão implementados, da tecnologia adotada e dos recursos
disponíveis.
É possível afirmar que as regras do Programa são desvantajosas para os
projetos/associações muito pequenas, e que a maioria destes terão maior
dificuldade para viabilizar-se do que associações mais numerosas e área por família
adequada para os padrões locais. O ponto de estrangulamento é o limite de
US$ 11.200 por família. Mesmo considerando que a terra seja bem negociada e
absorva apenas metade deste total, o restante, caso multiplicado por poucas
famílias, não atingirá a soma mínima necessária para permitir a realização de
investimentos necessários para a adequada consecução de projetos viáveis. A
menor associação pesquisada tem 8 associados e certamente sofrerá estas
limitações impostas pela forma de governança adotada pelo Programa.
Por outro lado, associações muito grandes também deverão enfrentar
dificuldades associadas à gestão da propriedade associativa. Embora os projetos
ainda estejam engatinhando, a Avaliação Preliminar encontrou situações de conflitos
latentes (e de insatisfações) entre beneficiários de vários projetos de médio e grande
porte. As dificuldades que podem surgir no processo de gestão de propriedades
adquiridas por associações muito grandes podem contrabalançar as eventuais
vantagens decorrentes do acesso a vários tipos de capital que são indivisíveis, como
os tratores e determinadas instalações de pré-processamento.
As grandes associações estão relacionadas à existência prévia de
comunidades antigas, muitas delas voltadas para projetos assistenciais, e que
encontram dificuldades para selecionar candidatos e reduzir o número de
beneficiários. A maioria está relacionada a uma queda na área média por família e à
aquisição de grandes propriedades. Considerando que as propriedades muito
grandes estão em geral associadas a terras de menor qualidade e a regiões mais
secas e distantes, a área média por família indica que a absorção de grupos
numerosos pode comprometer a estruturação “equilibrada” e sustentável destes
projetos. Esta distorção não é expressiva em termos quantitativos, uma vez que foi
em geral coibida pelos órgãos responsáveis: apenas 12,39% dos projetos têm mais
de 60 associados, sendo o maior com 130 famílias.
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[0, 500) [500, 1000) [1000, 1500) [1500, 2000) [2000, 2500) [2500, 3000) Todos
Média 29,00 40,95 62,18 NA NA NA 34,04Desvio Padrão 10,29 8,03 NA NA NA NA 11,95Observações 22 12 1 0 0 0 35
Média 11,64 27,22 38,88 45,90 NA NA 26,14Desvio Padrão 3,96 8,16 12,15 5,48 NA NA 12,10Observações 9 25 5 2 0 0 41
Média 8,59 14,38 27,48 34,07 35,09 53,12 21,98Desvio Padrão 1,95 4,56 2,86 4,85 NA NA 11,91Observações 5 6 8 2 1 1 23
Média NA 14,64 17,21 24,58 40,00 NA 22,18Desvio Padrão NA 1,15 17,45 0,00 NA NA 8,48Observações 0 2 2 3 1 0 8
Média NA NA NA 16,88 25,16 29,40 22,08Desvio Padrão NA NA NA 1,06 NA NA 6,28Observações 0 0 0 2 1 1 4
Média NA NA 12,00 NA NA NA 12,00Desvio Padrão NA NA NA NA NA NA NA Observações 0 0 1 0 0 0 1
Média NA NA 9,14 NA NA NA 9,14Desvio Padrão NA NA NA NA NA NA NA Observações 0 0 1 0 0 0 1
Média 21,83 28,61 29,56 29,72 33,42 41,26 27,04Desvio Padrão 12,31 11,57 13,75 11,33 7,56 16,77 12,54Observações 36 45 18 9 3 2 113
[80, 100)
[100, 120)
[120, 140)
[0, 20)
[20, 40)
[40, 60)
[60, 80)
NÚMERO DE FAMÍLIAS
ÁREA TOTAL
All
Tabela 19: Distribuição de Freqüência da Área por Família (AFAM) Segundo Estratos de Número de Famílias (FAM) e Área Total (AT) — Amostra Geral —
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A Área por Família em cada projeto é importante, pois está associada à idéia
de módulo produtivo.97 Todavia, áreas por família que estejam, por exemplo, abaixo
do módulo da região, não devem conduzir a um veredicto apressado sobre a
viabilidade dos projetos. Há sempre a possibilidade de ocorrer um tipo de exploração
intensiva em mão-de-obra, que, potencializada pela combinação de capital físico e
humano que estão fora do alcance de um agricultor isolado, mas não de uma
associação, leve a um resultado economicamente positivo.
O valor médio encontrado é de 27 ha e o valor mediano 25,2 ha, o que mostra
que a área por família dos projetos não está distante das áreas detidas por
pequenos produtores em regiões do interior do Nordeste. 85,2% dos projetos tem
área de 10 a 40 ha por famílias; 8 projetos têm área por família menor que 10 ha e
20 têm acima de 40 ha.
Poucos fogem deste padrão: duas ocorrências de mais de 100 famílias em
estratos entre 1000 e 1500 ha resultam em áreas médias bastante baixas, de 12 e
9,13 ha. Também neste mesmo estrato de área, um número reduzido de famílias
ficou com 62,17 ha por família. Os casos de elevadas áreas por família (mais de
50ha) são bastante raros e devem estar relacionados às condições de exploração
extensiva no semi-árido.
A relação entre o valor do SAT,98 o número de famílias e a área média por
família é fundamental para definir o perfil produtivo e a viabilidade dos projetos. A
parcela mais importante dos SAT é o valor da terra nua, variável entre as regiões de
acordo a um conjunto de fatores que incluem deste as condições edafo-climáticas
até as externalidades gerados pela presença de bens públicos, especialmente as
97 Projetos pequenos com área por família também pequena é um sinal de alerta para a possível reprodução de minifúndios sem viabilidade econômica. Na amostra estudada, é pouco expressiva a participação de pequenos projetos com área por família reduzida. Na maioria das vezes a ocorrência desta situação parece refletir restrições pelo lado da oferta da terra. 98 Uma análise ideal dos SAT deveria considerar o valor pago pela propriedade e examinar a adequação deste valor ao potencial de geração de renda pelos compradores. A separação entre valor da terra nua e benfeitorias, amplamente utilizada em desapropriações é, de certa forma, um artificio, uma vez que o mercado valora a propriedade como um todo, e não cada um de seus componentes. A Avaliação Preliminar incorporou tal artifício por duas razões: primeiro, para permitir comparações entre o preço pago pela terras adquiridas através do Programa e as séries de preços de terra disponíveis (FGV, INCRA e BNB); em segundo lugar, para analisar as benfeitorias presentes na propriedade e sua compatibilidade/interesse com os projetos produtivos das associações.
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estradas, as linhas de transmissão de energia elétrica e as facilidades para irrigação.
Reflete também a organização do mercado de terras e a arbitragem operada pelos
órgãos responsáveis pelo Programa no processo de negociação entre as
associações e proprietários.
O Valor da Terra Nua (VTN) é o componente mais importante dos SAT. Os
valores médios verificados foram, respectivamente, para VTNLaudo e VTNefetivo de
R$ 124.366,20 e R$ 102.498,40 e as medianas R$ 94.125,00 e R$ 69.462,00. Os
contratos com valor da terra nua até R$ 100.000,00 representam 57,9% dos casos e
a freqüência acumulada até contratos de R$ 200.000,00 somam 84,2%. Em todos os
estratos de área total foi identificada uma grande variabilidade nos preços da terra
(VTNef/ha). Cabe notar que em Minas Gerais e no Maranhão o valor da terra nua foi
consideravelmente inferior ao registrado nos demais estados, redundando em maior
disponibilidade de recursos para investimento comunitário.
O valor médio das benfeitorias é de R$ 63.925,90, confirmando a constatação
apresentada nas Seções 6.2.1 e 6.2.2 de que as propriedades não são
particularmente bem dotadas de benfeitorias e que o estado destas é de relativo
abandono. Se de um lado o fato de as propriedades não estarem prontas para
exploração pode vir a criar dificuldades no momento inicial dos projetos, em termos
gerais a economia com benfeitorias é avaliada como um dado positivo. A razão é
que não apenas sobram mais recursos para investimento como também diminui o
risco de ocorrência de problemas associados à adequação das benfeitorias aos
projetos de exploração formulados pelas associações.99
A análise dos preços estimados para a terra nua revelou significativa variação
entre os vários Estados e as regiões.100 Esta diferenciação poderia sugerir a
existência de diferenciais de produtividade esperada para o uso agrícola da terra
(incluindo a capitalização de rendas diferenciais associadas à localização e à
99 Trata-se de um risco elevado, uma vez que mesmo benfeitorias de boa qualidade e conservação podem não ser de utilidade para os novos proprietários. 100 A separação entre terra nua e benfeitorias é uma "herança" da metodologia adotada pelo INCRA para indenizar as desapropriações. A realidade do mercado é o valor total pago pela propriedade. A distribuição deste valor entre as partes que compõem a propriedade é uma imputação operada com base em cálculos que podem não guardar qualquer relação com os preços efetivamente praticados pelo mercado.
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presença de externalidades).101 No entanto, independente de sua validade, pode-se
afirmar que pelo menos em parte as diferenças de preços refletem também a
diferenças na atuação dos órgãos governamentais no processo de negociação das
propriedades.
A análise encontrou correlação altamente positiva entre a variável do preço da
terra e o número de famílias por projeto (Tabela 20), o que poderia sugerir o menor
poder de barganha de grandes associações para negociar grandes propriedades,
cuja oferta é limitada.102 A validade desta hipótese justificaria a necessidade do apoio
e supervisão que os órgãos estaduais vêm prestando às comunidades durante o
processo de negociação da terra.
Tabela 20: Valor da Terra Nua Efetivo por Área (VTNefarea) Distribuídos Segundo Estratos de Número de Famílias por Projeto (FAM)
(em R$/ha) de 1998
Número de Famílias Ocorrências Média Mediana Desvio Padrão Coeficiente deVariação
[0, 20) 35 74,40 49,77 107,65 1,45
[20, 40) 41 157,43 121,16 146,16 0,92
[40, 60) 23 185,11 151,11 155,00 0,84
[60, 80) 8 165,38 137,42 94,00 0,57
[80, 100) 5 168,34 120,38 114,46 0,68
[100, 120) 1 116,29 116,29 NA NA
[120, 140) 1 328,67 328,66 NA NA
Total 114 139,70 109,71 137,82 0,99
A análise dos SAT indicou que, em linhas gerais, o valor de aquisição das
terras da maioria dos projetos não pressionou ou reduziu em demasia a
disponibilidade do crédito (SIC) para a “alavancagem” produtiva. No entanto, o
importante é avaliar até que ponto a utilização de um limite único de crédito total
(SAT+SIC) para todos os Estados não está introduzindo incentivos diferenciais para
a expansão do Programa e a consolidação dos projetos naqueles estados onde as
terras são mais baratas.
101 Esta hipótese será testada sem maior dificuldade à medida que os projetos comecem a apresentar resultados produtivos e econômicos. Nesta mesma direção, será possível testar se o desempenho dos projetos está associado ao preço da terra nua, localização, disponibilidade de infra-estrutura e assim por diante. 102 Ver Buainain et. al. (1999) para os detalhes do modelo econométrico utilizado para avaliar as relações entre alguns parâmetros dos projetos e o preço da terra.
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É importante ressaltar que a análise apresentada na Seção 6.1 confirmou a
hipótese de que o limite restringe a expansão do Programa em algumas áreas mais
valorizadas dos estados, mas refutou a hipótese de que estavam sendo excluídas as
áreas com boa dotação de infra-estrutura, bem localizadas e com acesso adequado
aos mercados relevantes. Também rechaçou a crítica de que o limite único estaria
empurrando os projetos para áreas de menor potencial, com preço mais baixo e sem
dotação de infra-estrutura.103
Os resultados acima questões importantes sobre a estrutura de governança
do Programa, particularmente em relação a seu desenho institucional. Projetos com
áreas totais pequenas104 tendem a levar a áreas por família muito reduzidas e/ou a
um número reduzido de famílias por projeto, com implicações negativas sobre o
montante de recursos disponível para aquisição de certos itens de capital que
apresentam indivisibilidades e são necessários para a consolidação dos projetos
definidos pelas associações. Áreas totais muito grandes estão correlacionadas com
terras de pior qualidade, mais distantes e localizadas em regiões com dotação mais
baixa de infra-estrutura. O uso extensivo destes recursos pode comprometer a
viabilidade produtiva dos projetos e a capacidade de pagamento das associações.
Em alguns casos estão presentes ainda associações com grande número de
famílias e baixa área média por família, fatores que podem dificultar desde o
planejamento até a gestão do projeto. Em conjunto a análise destes parâmetros
revela uma estruturação equilibrada da maioria dos projetos, e que tanto o caso dos
projetos muito grandes com número de famílias excessivo como o de projetos muito
pequenos com baixa área por família são ocorrências que podem ser classificadas
como outliers.
7.2 Análise dos Subprojetos de Investimento Comunitário
O Subprojeto de Investimento Comunitário (SIC) é um elemento central para
viabilizar a base produtiva dos projetos do Cédula. A maioria das associações não
103 Estas hipóteses foram levantadas no documento "Avaliação Preliminar do Cédula da Terra", de junho de 1999. 104 O "pequeno" varia de estado para estado. Neste estágio da pesquisa ainda não é possível definir com precisão valores que indiquem com maior precisão os limites relevantes para número de famílias, tamanho das propriedades, área disponível por família, investimento por família etc. Neste contexto, a análise assume um caráter indicativo de possibilidades.
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tem mais que 2 anos de vida e, no momento da pesquisa, a grande maioria não
havia completado um ano de posse da terra. Estes dois fatos, associados à seca,
dificultam a análise mais completa dos projetos produtivos e de sua viabilidade. A
existência de um “saldo” de recursos para investimento, cuja utilização ainda não
havia sido definida (situação que ocorre principalmente em Pernambuco e parte de
Minas Gerais) pode ser um indicativo de problemas de implementação nestes
estados. De qualquer forma, reflete, antes de tudo, a etapa inicial do Programa e o
fato de muitas associações ainda não terem definido os projetos para a exploração
da propriedade.
Tabela 21: Parâmetros da Distribuição do SIC — Estados e Amostra Geral —
Inferior Superior
Pernambuco 19 169674,50 148661,40 97839,74 0,58 97839,74 369248,00Bahia 24 151785,00 132257,00 60666,22 0,40 50750,00 259496,60Minas Gerais 14 227292,00 212279,50 65152,34 0,29 164487,00 423755,00Ceará 39 96709,71 82722,54 53625,37 0,55 36249,94 265587,00Maranhão 8 153357,60 151977,90 62233,74 0,41 52565,83 258804,70
Amostra Geral 104 144685,50 114599,90 79297,00 0,55 36249,94 423775,00
Desvio Padrão
(R$)
Coeficiente de Variação
Limite (R$)Estados e
Amostra GeralNúmero de projetos
Média (R$)
Mediana (R$)
Desde já convém explicitar que a utilização dos recursos disponíveis para
investimento vem sendo fortemente condicionada pela atuação dos órgãos
governamentais responsáveis pelo Programa. Inicialmente levantou-se a hipótese de
que tal intervenção poderia comprometer, pelo menos parcialmente, a consistência
conceptual do Programa, reduzindo a autonomia dos beneficiários para tomar suas
decisões e gerenciar a nova propriedade.105 A análise posterior da situação de parte
das associações indicou que em muitos casos este apoio é necessário devido à
inexperiência das comunidades e beneficiários para operar, de imediato, a gestão
totalmente autônoma da propriedade. A atuação dos órgãos estaduais em muitos
casos tirou “graus de liberdade” das decisões das associações quanto a seu
desenvolvimento futuro, seja induzindo determinado padrão de utilização dos
recursos seja devido ao próprio atraso na formulação dos projetos e liberação dos
recursos financeiros. Por outro lado, a análise dos dados da amostra indicam que
alguns dos parâmetros estruturais dos projetos parecem estar melhor ajustados nos
105 Ver Buainain et. al. (1999).
76
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Estados em que ocorreu um maior grau de intervenção governamental.106 A
inexperiência dos beneficiários não significa que os mesmos sejam incapacitados
para assumir total responsabilidade sobre o projeto, mas apenas que necessitam
apoio inicial para evitar e reduzir os inevitáveis erros de aprendizado. Portanto, é
necessário cautela para evitar a reprodução, em formato aparentemente inovador,
das velhas distorções observadas em muitos programas públicos de natureza tutelar
e paternalista, nos quais o Estado assume tarefas e funções que de fato são de
responsabilidade dos beneficiários e toma decisões relevantes em nome dos
beneficiários, muitas vezes sem sequer consultar aqueles que depois deverão pagar
a conta.
Tabela 22: Parâmetros da Distribuição do SIC por Família — Estados e Amostra Geral —
Superior Inferior
Pernambuco 19 4746,84 4422,04 1741,75 0,37 399,58 2865,50 9231,20Bahia 24 3184,34 2945,11 1438,23 0,45 293,58 879,77 6436,01Minas Gerais 14 5456,50 5611,05 509,67 0,09 136,21 4488,20 6156,07Ceará 39 5765,62 5564,35 1234,94 0,21 194,64 4146,61 10192,48Maranhão 8 6607,24 6910,92 1266,19 0,19 NA 6910,92 6607,24
Amostra Geral 104 5018,20 5058,80 1714,00 0,34 NA 879,77 10192,48
Desvio Padrão
(R$)
Coeficiente de Variação
Limite (R$)Estados e
Amostra GeralNúmero de projetos
Média (R$)
Mediana (R$)
Erro padrão da média (R$)
O valor médio por família (Tabela 22) encontrado no conjunto de projetos da
amostra é de R$ 5.018,20. Trata-se de um valor muito inferior ao limite de crédito
definido pelo PROCERA para a pequena produção (R$ 2.000,00 para custeio e
R$ 11.000,00 para investimento). Foram observadas diferenças significativas entre o
maior e o menor valor do SIC por família, o que pode indicar que muitas associações
terão problemas de financiamento e terão que buscar fontes complementares.107
Parcela dos recursos do SIC foram alocados para gastos com manutenção
das famílias e para o financiamento da transição para o projeto produtivo da
106 Mais uma vez é necessário deixar claro que neste estágio a avaliação do ajuste dos parâmetros é realizada com base nos parâmetros médios para a região. Por exemplo, o módulo rural do INCRA revela o tamanho mínimo de um imóvel necessário para assegurar a reprodução da família baixo sistema de exploração dominante na área. Ou ainda, pressupõe-se que um número muito grande de famílias pode dificultar a gestão da associação, mas não se tem um corte preciso para definir o grande. Apenas a análise do desempenho efetivo poderá confirmar se e até que ponto estes parâmetros são de fato os mais adequados, 107 Pode-se argumentar que o SIC reduzido reflete o maior preço pago pela propriedade, e que um preço mais elevado indicaria menor necessidade de investimento por parte dos beneficiários. Esta hipótese deverá ser acompanhada ao longo da avaliação, mas a pesquisa de campo e os demais dados revelam que as propriedades não estão prontas e que serão necessários investimentos para sua "reestruturação".
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associação (Tabela 23). Uma questão relevante a ser acompanhada é avaliar se, e
em que medida, a alocação de recursos visando a elevação imediata do bem estar
das famílias beneficiárias compromete a alavancagem do empreendimento produtivo
e a sustentabilidade da própria melhoria de vida.
Tabela 23: Parâmetros dos Gastos com “Manutenção” das Famílias Estratos de SIC-
Manutenção (R$)
Número de projetos
Média (R$)
Mediana (R$)
Desvio Padrão
(R$)
Coeficiente de Variação
Freqüência Acumulada
(%)
[ 0, 50000) 35 34450,16 35057,20 9464,55 0,27 33,98[ 50000, 100000) 42 66053,00 62866,46 13152,10 0,20 74,76[ 100000, 150000) 20 120229,10 115084,30 13580,50 0,11 94,17[ 150000, 200000) 4 183920,20 183559,50 7735,90 0,04 98,06[ 200000, 250000) 1 214774,10 214774,10 NA NA 99,03[ 250000, 300000) 1 263185,00 263185,00 NA NA 100,00
Todos 103 73768,98 60237,25 46219,41 0,62 -
Como pode ser obseervado nos gráficos abaixo, ocorrem diferenças entre os
Estados na gestão do SIC. Na Bahia o CORA explicitamente estimula a utilização
associativa e produtiva da verba destinada à sobrevivência, transformando-a em um
fundo de remuneração do trabalho dos beneficiários em atividades decididas pela
associação.108 Já no Estado do Ceará, libera-se um recurso mensal de
R$ 130,00/família para sobrevivência, independente da participação coletiva, o que
não impede que algumas associações decidam vincular o recebimento ao trabalho
coletivo. Em muitos projetos do Estado de Pernambuco o pagamento era feito em
espécie e em outros foi utilizado para a compra de animais.
108 Nos projetos visitados estas tarefas eram principalmente de recuperação/expansão de pastos, plantações, cercas etc. Encontrou-se também casos de construção das casas pelos próprios beneficiários remunerados pela associação. Este tipo de procedimento parece ser o mais "virtuoso", uma vez que compatibiliza a necessidade da apoiar a sobrevivência dos beneficiários com a construção do patrimônio produtivo e pessoal das famílias.
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Gráfico 1: Gastos do SIC com “Manutenção” por Família (INDMAN) – Bahia e Minas Gerais –
1 2 3 4 5 6 7 8 9 1 0 1 1 1 2 1 3 1 4 1 5 1 6 1 7 1 8 1 9 2 0 2 1 2 2 2 3 2 4
0
5 0 0
1 0 0 0
1 5 0 0
2 0 0 0
2 5 0 0
3 0 0 0
3 5 0 0
4 0 0 0
Gas
tos
com
Man
uten
ção
por F
amíli
a(R
$ de
199
8)
P C T s
B a h iaM in a s G e ra is
Gráfico 2: Gastos do SIC com “Manutenção” por Família (INDMAN) – Pernambuco e Ceará –
1 3 5 7 9 1 1 1 3 1 5 1 7 1 9 2 1 2 3 2 5 2 7 2 9 3 1 3 3 3 5 3 7 3 9
0
1 0 0 0
2 0 0 0
3 0 0 0
4 0 0 0
5 0 0 0
6 0 0 0
7 0 0 0
8 0 0 0
9 0 0 0
Gas
tos
com
Man
uten
ção
por F
amíli
a
(R$
de 1
998)
P C T s
P e r n a m b u c oC e a r á
Foi constatado que 94,17% dos projetos amostrados gastaram até
R$ 150.000,00 com os itens que compõe os gastos com manutenção das famílias e
que a maior parte deles está na faixa entre R$ 50.000,00 e R$ 100.000,00.
Utilizando o valor médio desse estrato e um projeto fictício com o número médio de
34 famílias chega-se ao gasto familiar de R$ 2.100,00 em manutenção durante o
período de transição e para a construção e reforma das habitações. Visto por este
prisma, estes valores são até modestos. No entanto, o impacto destes gastos sobre
a capacidade de construção da base produtiva varia significativamente segundo o
tamanho dos projetos (número de família), qualidade e localização da propriedade e
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o próprio custo inicial de implantação dos projetos produtivos. Para muitos projetos a
subtração de R$ 2.100,00 para gastos em manutenção pode de fato comprometer
seriamente sua viabilidade.
O gasto por família em manutenção variou de estado para estado. Enquanto
na Bahia apenas 2 associações gastaram mais de R$ 2.000,00 por família com
sobrevivência e habitação, em Minas Gerais, Ceará e Pernambuco 76,3% das
associações superaram este nível. Na Bahia, por seu turno, 70,7% gastaram entre
R$ 1.000,00 e R$ 2.000,00, principalmente na construção das habitações.
É preciso notar a ocorrência de atrasos na formulação dos projetos para
obtenção do SIC e na própria liberação dos recursos, repetindo a conhecida
experiência do PROCERA e programas similares. O atraso parece estar relacionado
a dois pontos básicos: a ocorrência das secas e as dificuldades das associações em
obterem uma assistência técnica regular que permita “afunilar” a percepção das
comunidades sobre qual o projeto mais adequado às suas condições. Como a
experiência de outros programas já demonstrou, estes atrasos comprometem
seriamente o desempenho dos produtores e a eficiência da própria utilização dos
recursos, recaindo sobre os produtores a responsabilidade pelo mal resultado. Em
janeiro de 1999 a maioria das associações já havia montado subprojetos que
absorviam cerca de 60% do valor máximo disponível para investimento.
Ressalta-se, mais uma vez, que a forma de governança dos gastos das
associações é distinta entre os Estados, afetando não somente a interpretação dos
dados, mas também a forma de condução dos projetos. A forma conduzida na Bahia
vincula a sobrevivência à condução de projetos comunitários, o que funciona, de
certa forma, como um desincentivo à divisão de uma grande parcela dos imóveis em
lotes individuais.
Os gastos com produção foram definidos como a soma dos gastos projetados
ou efetivados com a aquisição de animais, plantios/reformas de pastos; culturas
perenes e temporárias. Para os 50 projetos que solicitaram SIC para este item, o
valor médio por família é de R$ 1.283,85, refletindo a baixa prioridade atribuída à
produção naquele momento. Isto pode estar relacionado tanto à seca como ao
estágio inicial dos projetos, ainda não preparados para absorver recursos destinados
diretamente à produção.
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Mesmo considerando a disponibilidade de “saldo” significativo para o uso
pelas associações e os fatores restritivos mencionados acima, preocupa o fato de
que as atividades com potencial para gerar retorno não tenham sido privilegiadas em
muitos projetos, os quais parecem apenas repetir mecanicamente o mesmo modelo
com pequenas variações. Diante da precariedade da base de acumulação da
maioria das associações, da falta de liquidez e da dificuldade de acesso a novos
financiamentos, o custo de corrigir os eventuais erros cometidos na etapa inicial
pode estar acima da capacidade da maioria das associações e comprometer a
viabilidade de muitos projetos com bom potencial. Esta constatação reforça a
necessidade de equacionar de maneira adequada a preparação dos projetos e o
apoio técnico necessário para sua implementação. O primeiro passo seria a
avaliação fina do conteúdo e adequação dos projetos já aprovados e da análise
comparativa dos dois modelos que vem sendo utilizados: preparação por órgão do
estado e por empresas privadas previamente credenciadas.
Outro componente importante dos SIC refere-se aos gastos com infra-
estrutura, que englobam os gastos com recursos hídricos (instalações hidráulicas
para uso doméstico e consumo animal), energia elétrica e estradas. O gasto médio
por família com infra-estrutura é de apenas R$ 1.019,00. A maioria dos projetos
gastou entre R$ 250,00 e R$ 750,00 por família, e o valor máximo encontrado foi de
R$ 26.665,50. Logo, gasta-se menos com infra-estrutura do que com produção e os
projetos que mais se comprometem com este item são os que apararentemente
apresentaram menor empenho no esforço produtivo.
Os projetos de Minas Gerais foram os que mais alocaram recursos para infra-
estrutura, embora a participação no total seja baixa devido ao elevado valor dos SIC
e o número elevado de famílias por projeto. Cerca de 75% das associações em
Pernambuco “projetaram” gastos com infra-estrutura (85,7% em Minas),
comprometendo cerca de 10,4% do total de recursos disponível para investimento.
Os projetos do Ceará foram os que registraram o maior percentual de gastos em
infra-estrutura em relação ao total disponível. No Estado do Maranhão a participação
dos gastos em infra-estrutura é relevante e tende a crescer à medida em que mais
projetos SIC sejam definidos.
Em alguns casos (principalmente Maranhão e Ceará) os recursos do SIC
estão sendo alocados para suprir deficiências e financiar as ações do próprio
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governo estadual. Embora a abertura/reparação de estradas vicinais e a instalação
de redes elétricas sejam indispensáveis para viabilizar os projetos do Cédula em
zonas mais distantes e com infra-estrutura deficitária, é legítimo questionar se a
utilização dos recursos do SIC para estes fins não constitui uma distorção de sua
finalidade e não compromete a possibilidade de as associações estabelecerem uma
base produtiva inicial para a exploração da propriedade. Convém notar que em
Minas Gerais este tipo de investimento está sendo realizado por outros órgãos do
Estado, e que o Programa tem funcionado para catalisar ações do setor público e
potencializar os investimentos no desenvolvimento da comunidade, e não para
substituir/financiar gastos que deveriam ser bancados pelo governo estadual.
O item benfeitorias compreende currais, cercas, galpões e outras instalações
(casas de farinha e instalações para cura de produtos como queijo), sendo muito
raras as referências a instalações agro-industriais. Também foram incluídas as
construções de centros comunitárias e de escolas, itens que têm um peso muito
pequeno. A utilização do SIC para aquisição de benfeitorias está concentrada no
Estado do Ceará. Apenas 24 projetos registraram este tipo de demanda e quase
metade deles corresponde a um gasto por família de até R$ 500,00. Apenas 8 casos
apresentam valores acima de R$ 1.000,00 por família e somente 2 associações no
Ceará apresentam um gasto superior a R$ 2.000,00/família em benfeitorias. Os
valores médios alocados para benfeitorias nos Estados da Bahia e Minas Gerais
foram baixos, correspondendo, respectivamente, a 3,5% e 2,6% do total de recursos
disponíveis.
A compra de equipamentos é um componente importante do SIC, incluindo a
aquisição de tratores, implementos (grade, arado, subsolador), distribuidoras de
calcário (principalmente nas regiões de Cerrado da Bahia) e carretas. Embora não
se disponha de dados para avaliar a viabilidade e custo-benefício destes gastos para
cada projeto, colheu-se elementos que legitimam o levantamento de algumas
questões a este respeito. Em primeiro lugar, chama a atenção o fato de que não se
encontrou um projeto seque que tenha adquirido uma máquina usada. Em segundo
lugar, muitos presidentes de associações identificam o equipamento como um
símbolo do novo status e como fonte de renda por meio do aluguel, independente da
sua relevância como componente do projeto produtivo da associação. O principal
argumento crítico refere-se ao fato de que muitos projetos centrados na criação de
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caprinos (coletivo) e em culturas de subsistência nos lotes individuais não
necessitariam, pelo menos nesta fase inicial, este tipo de equipamento, e que sua
aquisição reduz de forma considerável o montante disponível para outros itens e
para a “alavancagem” inicial da capacidade produtiva e de geração de renda dos
projetos. Por último, foram registrados alguns casos de conflitos associados não
apenas à aquisição das máquinas como também às condições de uso e gestão. Os
projetos da Bahia e Pernambuco registraram maior participação nestes gastos.
O número de projetos que planejaram gastos com irrigação é pequeno,
malgrado o interesse evidente da agricultura irrigada no semi-árido. Um ponto
importante é o relativo à indivisibilidade dos projetos de irrigação: aqueles que
dispõe de infra-estrutura para tanto (energia elétrica e recursos hídricos), ainda
enfrentam a necessidade de um gasto em média de R$ 42.678,67, o que faz com
que a parcela comprometida do valor total do SIC seja superior a 10% em muitos
casos e o gasto por família ultrapasse R$ 1.000,00, valor superior à media do gasto
destinado à produção agrícola e pecuária, incluindo a aquisição de animais.
A fim de "testar" a coerência entre os componentes do SAT e a alocação dos
recursos do SIC, realizou-se uma análise de correspondência múltipla do conjunto
de fatores (modalidades) que integram os dois subprojetos. Os resultados obtidos
podem ser considerados razoáveis, uma vez que os clusters formados revelam uma
certa consistência. Iniciando pelo nível mais baixo de variabilidade, formariam um
cluster: (i) o uso do SIC para aquisição de tratores e implementos; para produção
agrícola; os projetos de irrigação e o SIC para aquisição de benfeitorias, envolvendo
os gastos para reforma e construção de cercas; (ii) a combinação da infra-estrutura
adquirida junto com o imóvel por meio do SAT, a infra-estrutura a ser instalada no
local do projeto —rede elétrica, recursos hídricos e estradas—, financiados pelo SIC
e os gastos com manutenção das famílias (sobrevivência na transição e construção
de habitações); (iii) em um terceiro cluster estariam, mais distantes, os gastos para
aquisição de animais e criação de condições para a exploração pecuária; e os
recursos adquiridos junto com os imóveis envolvendo culturas perenes e
equipamentos; (iv) à parte apareceram os gastos financiados pelo SIC para
sobrevivência e habitação e os recursos “herdados” na aquisição de imóveis com
benfeitorias voltadas para atividade pecuária, principalmente pecuária bovina, que
nem sempre são aproveitáveis em outras modalidades de pecuária.
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Os clusters apresentados mostram uma certa coerência, exceto nos que
concerne aos projetos de pecuária. É difícil afirmar que isto se deve à presença de
diferenças significativas entre os objetivos da exploração de bovinos e outras
explorações pecuárias, principalmente caprinos e ovinos, ou ao fato de que os
projetos ainda estão bastante indefinidos em sua fase inicial.
Finalmente, as marcadas diferenças entre Estados e regiões (principalmente
nos Estados de Pernambuco e Bahia), assim como as diferenças na composição de
cada projeto quanto ao mix de componentes dos gastos financiados pelo SIC e itens
do SAT, sugerem que as condições iniciais, somadas às distintas formas de
intervenção dos órgãos estaduais, podem conduzir à uma grande variedade de
resultados no futuro. Isto é um indicador favorável de que realmente o sistema tem
um caráter decentralizado. Todavia, aponta para custos elevados de monitoramento
caso não sejam pensadas formas de incentivar os investimentos produtivos para
evitar a alocação dos recursos para fins imediatos. Uma possibilidade, já sendo
usada em vários projetos (por iniciativa do Estado, como em Minas, ou das próprias
associações, como no Ceará), é estabelecer parcerias com outros órgãos do
governo e com a própria sociedade civil para cobrir parte dos investimentos
necessários para a instalação e a construção de uma infra-estrutura básica para os
associados.
8. FORMAÇÃO E PAPEL DAS ASSOCIAÇÕES São relativamente escassas as análises até hoje produzidas no Brasil sobre o
perfil e a dinâmica das associações comunitárias de pequenos produtores familiares,
em especial no Nordeste. Apesar do tema estar presente na maioria dos estudos
sobre os movimentos sociais no campo, a questão agrária e as políticas públicas,
poucas análises elegem a dinâmica associativista dos pequenos produtores
familiares como objeto de reflexão. Do que é possível apreender, observa-se que, de
um modo geral, as associações expressam a tentativa de construção de redes de
sociabilidade comunitárias com o intuito de suprir as carências e as necessidades
básicas das populações que vivem no campo e nas pequenas comunidades rurais.
Alguns estudos têm m enfatizado que as associações funcionam também como um
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canal de encaminhamento das demandas e de intermediação das relações entre as
comunidades e o Estado.109
No Programa Cédula da Terra as associações assumem um papel de
protagonista. As associações não são apenas beneficiárias do Programa, mas uma
peça fundamental tanto de sua concepção geral, estratégia de implementação e
estrutura de governança. Depois do acesso à terra propriamente dito, é provável que
o caráter associativo do Programa constitua na principal alavanca para viabilizar o
desenvolvimento das comunidades pobres beneficiadas pelo Cédula. O papel
destinado às associações determinou a incluí-las como parte do estudo inicial sobre
o primeiro ano do Programa.
O objetivo foi caracterizar das associações em relação a sua formação,
dinâmica, processo decisório, iniciativas e experiências em projetos. Também se
buscou analisar sua participação no Programa e a capacitação geral para
desempenhar as tarefas esperadas de gestão da propriedade. A seguir apresenta-se
um resumo dos principais pontos suscitados pela pesquisa realizada em fevereiro de
1999, focando sobre a origem, as relações com as instâncias locais de poder e a
experiência organizacional das comunidades. Recomenda-se a leitura do documento
original (Buainain et. al., 1999) para maiores detalhes sobre o tema.
Tabela 24: Tipo de Associações Segundo as Razões da Criação
Tipos Observações %
Exclusiva para o PCT 52 50,0
Acesso a recursos governamentais 19 18,3
Organização comunitária 13 12,5
Serviços sociais básicos 10 9,6
Acesso à terra 9 8,7
Comerc. da produção e aquisição de insumos(*) 1 -
TOTAL 104 100,0
(*) Não se recomenda o cálculo em proporção devido à baixa freqüência.
As associações que já aderiram ao Programa têm origem e objetivos diversos,
que vão desde aquelas criadas exclusivamente para participar do Programa até as
constituídas para receber benefício de programas governamentais e não
109 Para uma caracterização geral do associativismo ver, em especial: Esterci (1984); Novaes, R. (1984) e Carvalho, Horácio (1998).
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governamentais, para lutar pelo acesso à terra; comercializar a produção e adquirir
insumos; reivindicar melhorias para a comunidade em geral. As informações da
Tabela 24 indicam que as associações são bastante diversificadas e heterogêneas.
Seu perfil depende de inúmeros fatores, tais como a natureza do grupo e a trajetória
de cada um dos interessados, o modo como se dá a relação com os técnicos das
instituições governamentais; a presença ou não de mediadores e órgãos de
representação de classe; as particularidades regionais e as relações com o poder
político institucional local, as relações com outros movimentos sociais reivindicativos
e/ou de representação política, da experiência "política" e sindical dos associados
(ou de parte deles), etc. O traço comum é reconhecimento de que a organização em
associações é fundamental para obter melhores condições de vida e de trabalho.
Praticamente 50% das associações foram criadas para participar do
Programa (Tabela 24). Aproximadamente 18% das associações foram criadas
anteriormente para participar de outros programas governamentais e não
governamentais, como o Programa de Apoio ao Pequeno Produtor (PAPP),
Polonordeste, Projeto Sertanejo, etc. Em torno de 12,5% das associações foram
constituídas nos anos 80 e início dos 90 e configuram-se como associações
"comunitárias", representantes dos habitantes de aglomerados rurais, distritos rurais
urbanos e até mesmo de todo o município. Muitas destas associações são nunca se
legalizaram e têm atuação irregular. Pelo menos metade das associações criadas
para participar do Programa originaram-se destes grupos. Em torno de 10% das
associações foram criadas a partir de objetivos específicos, em geral obter acesso a
serviços sociais básicos (principalmente escola e posto de saúde). O quinto
processo relacionado a constituição de associações (8,7% da amostra) refere-se às
diversas formas de luta pela terra própria. Por último, foi identificado apenas 1 caso,
sem representatividade estatística, de associação criada para comercializar a
produção dos associados e vender insumos. Trata-se de uma cooperativa de médio
porte, cujos vínculos parecem ser mais com grupos de produtores comerciais,
médios e grandes proprietários, do que com os pequenos produtores e
trabalhadores rurais beneficiários do Programa Cédula da Terra.
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A maioria das associações mantém vínculos de natureza diversa com os
atores políticos locais (vereadores, prefeitos, deputados), os quais atuam como
intermediários entre as reivindicações da comunidade e o governo.110 Estes vínculos
são particularmente fortes em períodos de campanha eleitorais, e as conquistas das
associações passam em geral por estes canais.
Tentar identificar a natureza dos vínculos e da participação de atores e de
instituições pode oferecer indicações relevantes para o acompanhamento do papel
das associações no Programa. Para efeito de análise, foram arroladas três situações
mais gerais. Na primeira situação, o agente externo limita-se a informar as regras e a
orientar como proceder. Na segunda, ao contrário, há uma presença mais efetiva na
organização da associação que se traduz na participação de reuniões, na ajuda para
obter documentos e, às vezes, na contribuição financeira. Finalmente, ocorre uma
terceira situação, caracterizada pelo controle explícito, intromissão e manipulação
das decisões.
Tabela 25: Criação das Associações: Natureza da Participação de Agentes Externos
Obs. % Obs. % Obs. % Obs. % Obs. % Obs. %
Órgãos Governamentais e instituições bancárias 9 40,9 8 40,0 1 - 9 42,9 1 - 1 -
Políticos e prefeituras 12 54,5 12 60,0 2 - 8 38,1 5 41,7 - -
Sindicatos, associações e movimentos sociais e Igrejas 6 27,3 4 20,0 1 - 11 52,4 3 25,0 - -
Ex-proprietário 2 - 4 20,0 1 - - - 2 - - -
Outros 3 13,6 2 10,0 1 - 2 9,5 2 - - -
TOTAL 22 - 20 - 2 - 21 - 12 - 1 -
Orientação(2) Organização(3) Controle(4)
Exclusivo PCT Outras Situações
Agentes/Instituições(1) Orientação(2) Organização(3) Controle(4)
(3) Refere- se ao apoio dado por outros agentes na fase da organização da associação, tal como: providência de documentos, pagamentos de taxas, preparação de documentos legais, etc.
(2) Quando a participação dos demais agentes limita- se a orientar os membros da associação, sem intervenção em suas decisões e ações.
(1) Dentre as 104 associações pesquisadas, só foram consideradas as que responderam sobre a natureza da participação dos agentes externos.
(4) Quando a participação inclui interferência direta nas decisões e na condução da associação.
Situações de apoio e de orientação são, segundo os entrevistados, as mais
freqüentes. (Tabela 25), concentrando-se nos órgãos governamentais. Contudo, há
um maior empenho desses órgãos junto às associações criadas exclusivamente
para participar do Programa. Nesses casos, a presença das instituições
governamentais não se limita ao apoio. Elas também participam da organização dos
110 Observa-se, por exemplo, a presença destes e de outros atores no próprio processo de criação das associações, seja estimulando seja apoiando concretamente (com recursos financeiros, agilizando a burocracia etc.).
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associados e aparentemente exercem um maior controle sobre a dinâmica
associativa. Observou-se uma certa relação ou atitude de subordinação de alguns
presidentes entrevistados em relação aos responsáveis pelo Programa, como se
estes fossem as "autoridades" a quem deviam obediência. Trata-se de um problema
que só será resolvido com o próprio amadurecimento das associações, mas uma
divulgação adequada do Programa e um trabalho de conscientização/organização
comunitária podem contribuir para acelerar a autonomia das associações. Observou-
se uma certa relação ou atitude de subordinação de alguns presidentes
entrevistados em relação aos responsáveis pelo Programa, como se estes fossem
as "autoridades" a quem deviam obediência. Trata-se de um problema que só será
resolvido com o próprio amadurecimento das associações, mas uma divulgação
adequada do Programa e um trabalho de conscientização/organização comunitária
pode contribuir para acelerar sua autonomia e emancipação efetiva.
Já a presença dos políticos e das prefeituras locais caracteriza-se, sobretudo,
pela organização e o controle das associações, em especial naquelas criadas
exclusivamente para o aderir ao Cédula. Em inúmeros casos, e em grande parte no
Maranhão, vereadores, prefeitos, deputados, funcionários da prefeitura, ou então os
parentes de políticos pagaram as despesas de legalização da associação e a
documentação dos beneficiários; “mandaram buscar” funcionários dos Institutos de
Identificação para “tirar carteira de identidade e CPF” dos beneficiários e, em
algumas situações, informaram as associações sobre proprietários da região
interessados em vender suas terras ao Programa ou apresentaram corretores de
terra. É preciso deixar claro que a pesquisa de campo não registrou evidências de
quaisquer ilegalidades em tais vínculos, e que os dados analisados não revelam
distorções nos parâmetros dos projetos que possam ser associadas a este tipo de
atuação. Ainda assim, dado o conhecido quadro de submissão das populações
pobres e a enraizada prática clientelista ainda vigente nos meios rurais, é de todo
conveniente que tal análise seja aprofundada e que este tema seja levado em conta
caso se decida promover ações de conscientização e desenvolvimento comunitário.
A conclusão que se pode tirar da análise conjunta das informações é que
poucas associações demonstraram ter autonomia em relação ao setor público e às
instituições privadas de assistência e iniciativa própria para "ir atrás de seus direitos
e necessidades", nas palavras de um dos entrevistados. Poucas associações (9
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sobre o total de 98) constituíram-se sem a participação, ainda que informal, de uma
ou mais entidades ou agentes. A maioria das associações foi constituída a partir da
iniciativa de órgãos governamentais responsáveis pela implementação do Cédula
nos estados. Merece destaque a participação de prefeituras e políticos locais no
processo de criação destas associações. A colaboração de políticos e prefeituras
locais foi mencionada em 39,8% dos casos. Esta participação assume formas e
conteúdo variado. Em Minas Gerais (10 dentre as 18 associações) e Maranhão (10
dentre as 16 associações) as prefeituras e os políticos locais estão mais presentes
que nos demais. Mas enquanto em Minas Gerais a presença das prefeituras é mais
institucional, no Maranhão é quase sempre informal, através da figura do prefeito ou
membro do executivo.
Dada a natureza do Programa, procurou-se indagar sobre a participação dos
proprietários das terras na formação/organização das associações beneficiárias.
Como pode ser visto na Tabela 25, a participação dos ex-proprietários das terras na
criação das associações é pequena. Registrou-se a presença de ex-proprietários em
apenas 8 associações dentre as 98 arroladas. A participação raramente é direta, e
na maioria dos casos é mediada por terceiros (políticos, prefeitos, técnicos de
instituições governamentais, associados, lideranças comunitárias, cabos eleitorais,
administradores das fazendas e até mesmo as Federações das associações
comunitárias). Tampouco é possível associar tal participação a distorções de preço
e/ou características das propriedades.
A experiência prévia das associações em projetos comunitários é
diversificada, irregular e dependente da disponibilidade de recursos dos programas
públicos e ações assistencialistas. Algumas recebem doações, como cadeiras de
rodas, óculos e remédios, e têm acesso a recursos governamentais e não
governamentais, destinados (em geral a fundo perdido) à construção de armazéns e
creches comunitárias. Também funcionam como mediadoras para o ingresso nos
cursos profissionalizantes do Serviço Nacional de Aprendizagem Rural (SENAR), no
de alfabetização de adultos do Movimento de Educação de Base (MEB) e em
diversos programas e ações assistenciais do setor público e privado. Recebem
financiamento de apoio de várias instituições, entre as quais a Cruzada de Ação
Social, Legião Brasileira de Assistência (LBA), Caritas Brasileira, SENAR, MEB,
Pastoral Rural, Federação das Associações Comunitárias e Sindicatos dos
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Trabalhadores Rurais. As associações também funcionam como espaço para
arregimentação de cabos eleitorais e lideranças locais, que freqüentemente se
transformam em presidentes, participam da distribuição das cestas básicas e
indicam pessoas para as frentes de emergência. Observou-se maior presença de
associação com este perfil nos estados do Ceará e Pernambuco.
Assume-se que nestes processos o papel da liderança é muito mais
importante que em situações nas quais as instituições estão bem definidas. O
presidente, em particular, assume um papel chave, às vezes equivalente ao de
verdadeiro comandante do batalhão. O perfil dos presidentes de associações de
beneficiários é distinto do “beneficiário padrão”.111 Enquanto muitos beneficiários
apresentaram evidente dificuldade para responder às perguntas do questionário, a
maioria dos presidentes parecia “articulada”, apresentando relativo desembaraço
durante as entrevistas. Ainda assim, sabatinados sobre as condições específicas de
funcionamento e regras de financiamento do Programa, muitos não souberam e/ou
errou algumas respostas.
A participação do conjunto dos associados em organizações sociais é baixa. 112O mesmo ocorre com os presidentes das associações beneficiárias do Programa.
A Tabela 26 informa que 47 dentre os 104 entrevistados afirmaram não ter tido
qualquer experiência de participação e de liderança antes de assumirem a
presidência da associação do Cédula.
Tabela 26: Experiência Prévia dos Presidentes das Associações
Experiência Observações %
Nenhuma 47 45,2
Alguma Experiência 53 51,0
Sem Informação 4 3,8
Total 104 100,0
111 A pesquisa de campo não colheu informações para traçar um perfil sócio-econômico dos presidentes das associações. Esta conclusão é baseada no contato direto dos pesquisadores com os presidentes entrevistados. 112 52% declararam não ter experiência prévia de participação em associações comunitárias, sindicatos etc., e 38% revelaram que tinham experiência (9% sem informação).
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A noção de liderança é bastante diversificada e muitas vezes foge à
compreensão dos pesquisadores. Ser líder, para os entrevistados, significa,
prioritariamente, ser “aquele que consegue juntar as pessoas em torno de uma idéia
e de um projeto”. Significa também, ser “indicado para participar de um curso de
formação” ou chamado para “apontar” os trabalhadores para as frentes de
emergência. Nestes casos, o que parece contar como critério, é o “capital social”113
dos associados: aquele que sabe falar, ler e escrever.
A função de presidente é vista pelos entrevistados, como “um trabalho árduo
em busca de recursos e de meios de negociação”. Dele se espera que esteja apto a
tomar todas as decisões, consiga o maior número de projetos e de benefícios para o
grupo e assuma os riscos decorrentes de sua atividade.
Mas, apesar da delegação de responsabilidades ao presidente ―principio
estruturador das relações entre os associados e a presidência― observa-se, cada
vez mais, e sobretudo nas atividades relacionadas ao Programa, um
questionamento desse princípio, fato positivo e que aponta para a possibilidade do
estabelecimento de maior participação efetiva dos membros na gestão dos projetos.
A função de gerente é considerada, pelos entrevistados, um aprendizado
desgastante e difícil, sobretudo porque não faz parte de suas experiências de vida.
Além de, muitas vezes, não ser reconhecida pela maioria dos técnicos dos órgãos
governamentais e pelas elites econômicas e políticas locais. Esta constatação
reforça a validade da recomendação de desenvolvimento de ações visando
capacitar o conjunto dos participantes ―e não apenas os presidentes― em gestão
de negócios.
Curiosamente, segundo os entrevistados, o pessoal técnico responsável pela
implementação do Programa, que mais deveria incentivar as atividades de gestão, é
quem mais os desqualifica, ao considerá-los incapazes de assumir, por conta
própria, determinadas práticas gerenciais. É, sobretudo no contato com as
instituições bancárias que a relação é particularmente difícil e discriminadora, apesar
de já estar ocorrendo alguma mudança e uma maior aceitação por parte de gerentes
113 Sobre o assunto ver, particularmente: ABRAMOVAY (1998).
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e funcionários.114 Durante as entrevistas foram mencionados casos de beneficiários
impedidos de entrar no banco por não se encontrarem “devidamente vestidos”. Sem
falar na dificuldade de entendimento entre as partes quanto às regras para abertura
e movimentação de contas e o desrespeito do banco ao não explicar o porquê do
atraso na liberação dos créditos. Trata-se, mais uma vez, de tema que merece
intervenção de conscientização mais ampla, mas que nada impede seja detonada a
partir do Programa.
A maioria dos presidentes teve dificuldades para explicar de maneira correta
as regras de atualização monetária do empréstimo, o valor das parcelas e as
eventuais penalidades decorrentes do não pagamento. Na Bahia, Pernambuco e
Ceará, aproximadamente 16% dos entrevistados conheciam as condições de
financiamento; no Maranhão, apenas 12,5% responderam corretamente e em Minas
Gerais este percentual foi de 25%. A proporção de respostas erradas variou de 25%
em Minas Gerais a 68% no Ceará. Mais de 50% declararam não conhecer as regras
nos Estados de Pernambuco e Minas Gerais, entre 40 e 50% nos Estados do
Maranhão e Bahia e 16% no Ceará. As confusões podem ser atribuídas, pelo menos
em parte, à própria indefinição dos valores, os quais só serão conhecidos ex- post.
Ainda assim, reforça a necessidade de aprimoramento dos meios de difusão do
Programa e a necessidade de um trabalho continuado de informação.
Deve-se destacar a grande preocupação dos presidentes e beneficiários com
a viabilidade da atividade produtiva e com o pagamento da propriedade. Esta
preocupação reflete-se inclusive na definição de critérios específicos para que o
membro da associação possa aderir ao Cédula: “ser trabalhador, ter família, ser
direito, não beber, não fazer arruaça”. Como já mencionado atrás, a maioria dos
beneficiários apresentava segurança de que seria possível pagar “certinho” a terra e
melhor de vida. O elevado número de respostas, tanto dos presidentes como dos
beneficiários, garantindo ter condições de pagar a dívida contraída com o Estado
reflete o desejo e determinação de cumprir o estabelecido na negociação,
independente do conhecimento preciso sobre as condições financeiras e valor
114 Uma informação colhida em todos os estados, reveladora inclusive do potencial do Programa como instrumento de promoção de cidadania, é que depois de ingressarem no Cédula da Terra os presidentes são bem tratados pelos gerentes dos bancos. Resta saber se o bom tratamento continuará depois que as associações tiverem gasto o dinheiro do SIC e necessitarem de apoio para consolidar-se.
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estimado das prestações. Todos têm interesse em pagar porque sabem que a
condição de proprietário passa pelo pagamento da terra. Contudo, a grande maioria
estabelece inúmeras condições para viabilizar o pagamento, as quais retratam uma
percepção acurada tanto das limitações e como dos principais problemas que
deverão ser enfrentados como das medidas necessárias para a viabilização do uso
econômico da propriedade. Elas dizem respeito às limitações climáticas, à garantia
de acesso aos sub-projetos e ao acompanhamento técnico. Mas muitas respostas
refletem também a relação de dependência em relação ao governo e a impotência
diante da seca: se chover e o governo ajudar a gente paga apareceram com
freqüência entre as condições para o pagamento da terra.
9. RESUMO EXECUTIVO E PRINCIPAIS CONCLUSÕES A seguir apresenta-se um resumo de alguns dos principais pontos levantados
ao longo deste documento.
Papel da seca. O primeiro ano de implantação do Programa foi marcado por
forte seca nas áreas semi-áridas dos Estados do Ceará, Pernambuco, Bahia e
Minas Gerais. O fator climático vem condicionando a configuração dos projetos, o
uso dos recursos disponíveis e as decisões de organização produtiva, o que deverá
ter efeitos relevantes nos resultados futuros. A própria motivação para aderir ao
Programa assim como a intervenção dos órgãos governamentais no processo de
seleção foi afetada pela seca. Ainda que de forma informal o Programa acabou
assumindo tarefas semelhantes ao dos programas de emergência contra a seca.
A ocorrência da seca também facilitou a adesão ao Programa. Como se sabe,
um dos principais efeitos da seca no semi-árido é reduzir drasticamente as
oportunidades de trabalho, o que afeta parte substancial da população de pequenos
agricultores e trabalhadores rurais das áreas atingidas. Parte desta população,
tradicional clientela dos programas de emergência, procurou respaldo no Cédula.
Desenho institucional. Os desenhos institucionais que marcaram a
intervenção dos órgãos públicos no processo de implantação do Programa
apresentaram variações de estado para estado. As principais variações dizem
respeito aos seguintes aspectos:
a natureza e vínculos institucionais dos órgãos responsáveis pelo
Programa;
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os mecanismos de coordenação entre os vários agentes e órgãos
envolvidos, assim a efetividade da participação de cada um nas várias
etapas do processo;
diferenças na formulação das regras e procedimentos relacionadas à
formação dos projetos do Cédula da Terra a partir das diretrizes gerais do
Programa;
instrumentos e estratégia de divulgação do Programa utilizados em cada
estado;
a delimitação de áreas prioritárias para a atuação do Programa;
os mecanismos e critérios de seleção (escolha) dos beneficiários.
A rapidez com que o Programa foi lançado e implantado dificultou o trabalho
de refinamento das normas e procedimentos operacionais, montagem de
mecanismos de acompanhamento, estabelecimento de acordos interinstitucionais
necessários para implementar e apoiar um programa desta natureza e assim por
diante. Diante desta velocidade, foi inevitável a adoção, por parte dos órgãos do
governo federal e das instituições estaduais responsáveis pelo Programa, de certo
grau de improvisação e procedimentos informais no processo de implantação dos
projetos. Esta autonomia e capacidade de improvisar e responder aos problemas
locais é positiva mas exige cautela e acompanhamento a fim de evitar a conhecida
descaracterização operacional ou burocrática, comum tanto na administração
pública como nas grandes empresas privadas.
Importante ressaltar as diferenças na intervenção dos órgãos estaduais
responsáveis pelo Programa. Minas Gerais enquadra o projeto dentro de um
esquema de planejamento mais rígido, reduzindo, aparentemente, o espaço para
decisões ad hoc e a autonomia dos beneficiários. Na Bahia a intervenção é mais
concentrada nos seguintes pontos: eleição e composição das associações,
fechamento do processo de negociação e na seleção dos vendedores potenciais da
terra. Em Pernambuco, o grau de intervenção direta na formação das associações e
seleção de beneficiários parece ser mais reduzido, concentrando-se mais na
negociação das propriedades e atuando como árbitro/orientador das “decisões”
sobre os projetos produtivos, utilização dos recursos disponíveis e aquisição de
alguns itens de equipamentos incluídos nos projetos.
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Apesar das diferenças notáveis observadas, não se pode falar em padrões
claros diferenciados de intervenção entre os estados, já que mesmo dentro de cada
estado observam-se diferenças marcantes de projeto para projeto. A pesquisa não
encontrou evidências para qualificar os resultados e indicar que um tipo de
procedimento seja superior a outro. No entanto, é possível afirmar que a
configuração dos projetos nesta primeira fase está sendo fortemente influenciada
pelo direcionamento dado ao Programa em cada estado. Recomenda-se a definição
de mecanismos permanentes, ágeis e efetivos de informação e experiência entre os
estados. Também se recomenda a realização de reuniões periódicas de avaliação e
discussão entre os estados, as instâncias federais envolvidas no Programa e o
Banco Mundial, portador da experiência internacional em programas deste tipo.
Divulgação e adesão ao Programa. Os principais veículos de divulgação do
Programa foram os meios de comunicação em geral, os órgãos governamentais e
bancos, proprietários das terras vendidas, políticos e outras instituições como a
igreja e sindicatos. Embora os meios de comunicação tenham desempenhado papel
relevante na difusão da informação sobre a existência do Programa, a decisão de
aderir foi em geral tomada após contato direto e pessoal feito pelos demais agentes
mencionados acima;
Processo de Seleção. Um ponto relevante e que merece ser destacado é
que a intervenção dos órgãos responsáveis nos três momentos chaves do processo
de constituição do Programa ―abordagem das comunidades para informar sobre o
Programa e estimulá-las a aderir; orientação dada às associações sobre o perfil do
beneficiário candidato adequado e arbitragem sobre os que entram e os que ficam
fora― não é neutra em relação ao perfil dos beneficiários. Em relação à abordagem,
nesta fase inicial do Programa prevaleceu o conhecimento prévio das comunidades
e associações; em relação à orientação para a seleção, o critério utilizado foi
favorecer as famílias em condições mais críticas e as mais desprovidas de ativos
(terra e capital) e alternativas de sobrevivência. Esta intervenção é positiva no
sentido de assegurar a presença dos mais pobres, mas pode introduzir um viés de
seleção que exigirá ações complementares do setor público para apoiar os grupos
mais débeis e menos preparados para enfrentar os desafios e aproveitar as
oportunidades abertas pelo Programa.
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Perfil sócio-econômico dos beneficiários. Os principais pontos a serem
ressaltados são os seguintes:
• A idade média dos beneficiários é de aproximadamente 40 anos, sendo
quase 90% do sexo masculino e em torno de 12% do sexo feminino;
• Aproximadamente 92% dos beneficiários são oriundos da zona rural,
estando o restante vinculados à área urbana no momento de adesão ao
Programa;
• O nível de escolaridade da população de beneficiários é baixo.
Aproximadamente 32% são analfabetos, 4,5% apenas sabem ler e
escrever e 47% freqüentaram, sem ter concluído, o ciclo básico. Em torno
de 3% indicaram haver cursado alguma faculdade;
• Em relação à ocupação, aproximadamente 90% da população de
beneficiários tinham como local de trabalho a zona rural no momento de
aderir ao Programa, e em torno de 8,5% a zona urbana;
• A grande maioria acusou mais de uma ocupação. As combinações mais
comuns são as de produtor rural (em terra de terceiros) com a de
trabalhador rural (diaristas e tarefas “especializadas”, como a de vaqueiro
e de tratorista);
• Aproximadamente 55% são “não proprietários” e 7% são “proprietários”
de pequenos lotes com tamanho insuficiente para manter sua família. A
comprovação é que praticamente a totalidade dos proprietários tem
atividades complementares além da exploração de sua propriedade;
• Aproximadamente 60% desenvolviam atividades de produtores rurais,
enquanto em torno de 35% eram trabalhadores rurais e dedicavam-se ao
extrativismo;
• A renda monetária anual total (incluindo todas as fontes) dos beneficiários
e sua famílias foi de aproximadamente R$ 2.057,00. Levando em conta
que o tamanho médio das famílias é de 5.2 membros, chega-se a uma
renda per capita de R$ 32,90 por mês, inferior a 1/3 do salário mínimo;
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• Auxílios provenientes de programas sociais transitórios representaram em
torno de 25% da renda total das famílias, o que ilustra a precariedade da
inserção destas famílias no processo produtivo;
• O tamanho médio das famílias (membros residentes) é de
aproximadamente 5,2 pessoas e a taxa de migração é relativamente
baixa, já que o índice de migração (membros que migraram em relação
aos residentes) está em torno de 13,7;
• As habitações foram classificadas em três tipos: “boas”, “regulares” e
“precárias”. Aproximadamente 57% dos beneficiários viviam em
habitações construídas com materiais permanentes (critério utilizado para
classificá-las como “boas”), 15% em habitações regulares e 29% em
habitações precárias. O número médio de cômodos é de 4,2 por casa,
incluindo cozinha, lavatório e depósito;
• Apenas em torno de 6% das moradias estão ligadas à rede pública de
esgoto, 32% utilizam fossa simples ―na maioria das vezes um buraco
sem qualquer proteção― e 40% não dispõem de qualquer instalação
sanitária, jogando os dejetos ao céu aberto;
• Aproximadamente 55% das casas estão ligadas à rede pública de energia
elétrica, e as demais não contam com energia de nenhuma fonte. É
ilustrativo que não se tenha encontrado nenhuma casa (ou grupo de
casas) com gerador próprio, utilizado para algumas operações produtivas
ou para refrigeração;
• Em torno de 6% dos beneficiários é proprietária de outro imóvel rural,115
pequenos lotes com tamanho insuficiente para manter a família;
• O patrimônio produtivo é de penúria. Não foram identificados beneficiários
proprietários de máquinas, ainda que de pequeno porte;
aproximadamente 33% são proprietários de animais, incluindo bovinos,
caprinos, ovinos e animais de tração;
115 Este percentual é consistente com a informação sobre propriedade colhida na parte referente à ocupação.
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• O perfil produtivo dos beneficiários não os distingue dos pequenos
agricultores nordestinos, plantadores de pequenas roças utilizando
poucos insumos e baixo nível tecnológico;116
• Os meios de acesso à informação refletem a presença de um grande
número de beneficiários analfabetos e com nível baixo de escolaridade:
aproximadamente 47% escutam rádio ou assistem TV diariamente, e o
mesmo percentual não tem acesso a jornais.
Em seu conjunto, a avaliação do processo de seleção através de modelo
econométrico confirma que a estrutura de governança do Programa vem atraindo
um grupo de famílias que apresenta algumas características que as diferenciam da
população que compõem o público-meta. As famílias do subgrupo de beneficiários
são pobres, mas não se encontram no nível mais baixo de pobreza; são numerosas,
com uma taxa de dependência mais elevada, mais anos de educação e maior
experiência de vida do que a da população de beneficiários em potencial. Moram em
povoados rurais e trabalham principalmente como diaristas e pequenos agricultores
sem terra. Têm raízes locais, são marginalizados, mas ainda não foram totalmente
excluídos da economia e sociedade local. A coerência dos resultados apresentados
é uma evidência inicial de que a estrutura de governança do Programa parece estar
respondendo às expectativas de que a descentralização e a transferência do
processo de seleção para as próprias comunidades resultariam em uma auto-
seleção adequada de beneficiários.
Diferenciação entre os beneficiários. As informações da pesquisa
permitiram caracterizar com precisão o universo de beneficiários do Programa. É
importante destacar a presença de beneficiários que se diferenciam do perfil acima
traçado. A diferenciação, por si só, não pode ser automaticamente traduzida e
equiparada à existência de uma distorção. As diferenças não apenas são inevitáveis
em Programas desta natureza, operados de forma descentralizada e baseados no
mecanismo de auto-seleção, como em muitos casos pode introduzir experiências e
energias necessárias para estimular e melhorar o funcionamento do grupo como um
116 Uma falha da pesquisa foi não colher informações sistemáticas sobre a visão dos beneficiários em relação às formas de utilização da propriedade e os projetos produtivos do grupo, limitando-se às entrevistas com os presidentes das associações. Desta forma não é possível avaliar até que ponto as “queixas” de muitos entrevistados, colhidas informalmente, sobre a “imposição” das formas coletivas é ou não representativa.
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todo. Em outros casos pode de fato ser resultado de distorções, cabendo aos
responsáveis pelo projeto analisar a situação à luz das informações colhidas pela
Avaliação Preliminar. As principais diferenciações observadas foram:
• Nível educacional: poucos beneficiários com nível médio de ensino e
menos ainda com nível superior;
• Condições de moradia: parte com casa própria na cidade, construída em
tijolo, com teto de telha, piso de cimento, acesso à rede publica de água,
esgoto e energia elétrica;
• Ocupação: a presença de alguns beneficiários que declararam ocupações
urbanas, como funcionário da prefeitura, guarda noturno, tapeceiro;
• Experiência prévia: poucos beneficiários indicaram ter experiência prévia
em outros “empreendimentos” ou gestão de negócios;
• Constatou-se alguns casos de beneficiários sem terra, mas que não
parecem ter vínculo profissional e ocupacional com a agropecuária:
alguns são filhos de presidentes da associação, ou o próprio presidente
da associação; alguns beneficiários são funcionários públicos de baixa
renda, estando aparentemente afastados das atividades agropecuárias há
já alguns anos;
• Perfil das famílias. A análise do perfil das famílias e informações colhidas
em conversas com beneficiários revelou que pode estar ocorrendo alguns
casos de “beneficiários testas de ferro”. As duas modalidades
aparentemente mais freqüentes são: (a) a de filhos, irmãos etc. que
aparecem como beneficiários em substituição ao parente que é o
verdadeiro “dono” da terra adquirida; (b) o cônjuge toma o lugar do
parceiro, que ou é aposentado ou tem uma “terrinha” e por isto estaria
impedido de participar do Programa;
Conhecimento das regras do Programa. Em relação ao conhecimento das
condições de pagamento da propriedade adquirida através do Programa,
aproximadamente 60% não sabia a taxa de juros, 11% respondeu errado e apenas
em torno de 0,2% conheciam as condições financeiras do negócio. No entanto, os
beneficiários apresentaram consciência da natureza do Programa e de que teriam
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que pagar pela terra. O elevado número de respostas, tanto dos presidentes como
dos beneficiários, garantindo ter condições de pagar a dívida contraída com o
Estado "desde que chova e o governo ajude" reflete o desejo e determinação de
cumprir o estabelecido na negociação, independente do conhecimento preciso sobre
as condições financeiras e valor estimado das prestações. Todos têm interesse em
pagar porque sabem que a condição de proprietário passa pelo pagamento da terra.
Contudo, a grande maioria estabelece inúmeras condições para viabilizar o
pagamento, as quais retratam uma percepção acurada tanto das limitações e como
dos principais problemas que deverão ser enfrentados como das medidas
necessárias para a viabilização do uso econômico da propriedade. Elas dizem
respeito às limitações climáticas, à garantia de acesso aos sub-projetos e ao
acompanhamento técnico. Mas muitas respostas refletem também a relação de
dependência em relação ao governo e a impotência diante da seca: se chover e o
governo ajudar a gente paga apareceram com freqüência entre as condições para o
pagamento da terra. Deve-se acrescentar, ainda, que era visível o esforço realizado
pelos órgãos responsáveis para explicar como funcionava o Programa e quais as
regras e condições de financiamento. O desconhecimento indica que os métodos e
instrumentos de difusão utilizados podem não ser apropriados para o público meta
do Programa.
Processo de seleção e negociação das propriedades. Em relação à
iniciativa do negócio, 63% dos presidentes entrevistados indicaram que a
associação havia tomado a decisão de procurar o proprietário para realizar uma
oferta de compra da terra; 36% indicaram que foram procurados pelos proprietários
com os quais acabaram realizando o negócio. Foi registrado apenas 1 caso de
negócio realizado a partir da iniciativa de políticos, 1 caso em que a associação foi
procurada pelo proprietário acompanhado de um político e 2 casos de iniciativa a
partir do órgão responsável pelo Programa.
A qualidade da propriedade foi apontada como o principal critério de escolha
mencionado pelos entrevistados (80% das respostas), sendo o preço considerado o
mais relevante em 13,5% dos negócios realizados. No entanto, a maioria das
associações (52%) não procurou outra propriedade e fechou negócio para adquirir a
primeira e única identificada. Vários fatores parecem contribuir para esta atitude:
restrição do lado da oferta; medo de perder a oportunidade e ficar fora do Programa;
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pressões da própria comunidade (e em alguns casos uma certa pressa dos órgãos e
instituições envolvidas) para fechar logo o negócio; rigidez do lado da demanda
devido aos fortes vínculos dos beneficiários com o local.
A análise do processo de negociação revelou que a negociação entre os
proprietários e as associações é desigual: de um lado está o "doutor", figura que
encarna o poder e de outro se sentam os despossuídos que sonharam toda a vida
em ter um "chão de terra". Neste contexto não é surpreendente o desnível entre as
partes.
A análise também revelou que na maioria dos casos o papel desempenhado
pelas associações foi secundário, limitando-se a colher a oferta, levá-la ao órgão
responsável, voltar com contraproposta e assim por diante. As variantes deste
processo são duas: em alguns casos o próprio órgão indicava um valor para a
contraproposta e em outros apenas indicava que o proprietário estava pedindo muito
e que era necessário baixar o preço. A participação dos órgão públicos deu-se no
sentido de estabelecer o equilíbrio de poder entre as associações e os proprietários.
Os beneficiários não têm como preocupação central pagar o menor preço,
mas sim assegurar o acesso à terra a “qualquer preço”.117 Para eles a negociação
não se dá exclusivamente em torno do preço ou das condições de pagamento, mas
sim em torno do acesso à terra e do que isto representa. Registraram-se alguns
casos de associações que pressionaram o órgão governamental para que este
aceitasse a proposta do proprietário. Em nenhum destes casos foi possível
identificar qualquer indicação de que a associação estivesse de alguma maneira
mancomunada com o proprietário para beneficiá-lo. Tudo indica que estas atitudes
extremas, isoladas, mas significativas das condições desiguais de negociação e do
significado que tem o acesso à terra para estas populações, refletem um misto de
ansiedade para adquirir a terra e de medo de perder a oportunidade. É forçoso
reconhecer que esta atitude compromete a capacidade de muitas associações
realizarem uma boa negociação para adquirir a propriedade, justificando a estratégia
da "negociação tutelada" adotada pela maioria dos estados.
117 A declaração "pinçada" de uma entrevista é aqui utilizada no sentido comumente utilizado para indicar a relevância da coisa em questão, e não no sentido econômico de que os beneficiários pagariam um preço excessivamente elevado e irreal pelas terras.
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O exame detalhado do processo de negociação permite ressaltar os seguintes
pontos:
• Os mercados locais de terra são incipientes e não definem parâmetros
confiáveis para os negócios realizados. Em muitos municípios não havia
informações sobre negócios recentes cujos preços pudessem ser
tomados como referência para o valor da terra no local e para os negócios
realizados através do Cédula. A conclusão é óbvia: em grande medida o
preço pago depende da capacidade de barganha dos
beneficiários ―pequena― e da capacidade de negociação entre as
partes;
• Na ausência de referências de mercado, os laudos de avaliação têm
assumido um papel relevante na formação de preços, funcionando
inclusive para respaldar e validar os negócios aprovados. A Avaliação
Preliminar não tem informações que possibilite qualquer inferência sobre
a qualidade dos laudos;
• A maioria das associações não está preparada para liderar o processo de
negociação, sendo fundamental uma arbitragem (que até o momento vem
sendo executada pelo órgão estadual). As evidências apontam que
muitas das associações não estão em condições de negociar de igual
para igual com os proprietários; apontam, também, para a rigidez da
oferta diante da baixa disposição dos beneficiários em procurar terras em
outras áreas. Indica, ainda, que o “sonho” da terra própria pode de fato
contaminar o processo de negociação e levar os beneficiários a aceitar
preços mais elevados do que o simples cálculo econômico recomendaria;
• A análise dos Subprojetos de Aquisição de Terras (número de famílias,
preço, tamanho, benfeitorias e potencial produtivo das propriedades) não
indicou que o preço pago pela maioria dos projetos possa comprometer
os parâmetros estruturais que condicionam a viabilidade e
sustentabilidade dos projetos.
Estas considerações ressaltam o papel positivo que os órgãos estaduais vem
desempenhando no processo de negociação da terra e reforçam as recomendações
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quanto à necessidade de fortalecer as associações de beneficiários e à necessidade
de realização de estudos sobre o funcionamento do mercado de terra em nível local.
Localização e características das propriedades. Os componentes do
subprojeto de aquisição da terra em grande medida definem a estrutura dos
projetos, e neste sentido têm influência determinante sobre seu desempenho e
viabilidade. Uma vez estruturados, será difícil ou impossível corrigir decisões iniciais
equivocadas, o que pode inviabilizar muitos projetos que melhor ajustados teriam
bom potencial. O caso mais crítico de rigidez é representado pela própria aquisição
da propriedade. Que fazer para corrigir um erro de seleção que tenha resultado na
compra de terras de qualidade ou tamanho inadequado para o grupo de sócios? A
pesquisa não possui dados técnicos para avaliar a qualidade das propriedades
adquiridas. Os laudos técnicos, bastante desiguais entre os estados, indicam que
áreas são adequadas para os fins propostos, com potencial para utilização
agropecuária equivalente às condições dominantes no município. Em geral os
laudos apenas indicam a aptidão das terras; pouquíssimos avaliam, de maneira mais
sistemática, a capacidade das propriedades absorverem as famílias de beneficiários
e suportar sistemas de produção capazes de gerar um fluxo de renda sustentável e
compatível com a melhoria das condições de vida dos beneficiários e com o
pagamento do empréstimo. Ainda assim, foi possível analisar vários aspectos sobre
a localização geográfica e algumas características das propriedades:
• Em termos gerais, a distribuição dos projetos em regiões com
características ambientais, dotação de infra-estrutura, localização em
relação aos mercados regionais e potencialidades diferentes reflete
principalmente as condições e características predominantes em cada
estado. Desta forma, não se pode dizer que a estrutura de governança do
Programa está levando a uma má seleção das regiões;
• Também é possível afirmar que a estrutura de governança do Programa
limita o acesso a propriedades em regiões mais dinâmicas e de elevada
densidade populacional, como a Zona da Mata Pernambucana. Ainda
assim, um conjunto relevante de projetos está instalado em microrregiões
com bom potencial agrícola;
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• O risco de seca representa uma restrição para um número considerável
de projetos nos estados do Ceará, Pernambuco e em áreas da Bahia.
Embora isto não pode ser atribuído ao Programa, é óbvio que requer
atenção especial e que pode afetar os resultados esperados;
• As condições de acesso aos mercados por parte dos projetos estão
diretamente relacionadas a áreas mais densamente povoadas e com
preços de terras mais altos. O trade off entre condições de
acesso/disponibilidade de infra-estrutura e o preço da terra é evidente.
Neste sentido o Programa parece estar distribuindo os projetos em
regiões com condições superiores à média dos estados, fato que
possivelmente se deve à arbitragem operado pelos órgãos
governamentais;
• As condições de exploração econômica e uso do solo das propriedades
adquiridas parecem refletir de perto as condições gerais prevalecentes
nas regiões e a situação da agricultura dos estados;
• As propriedades vinham sendo exploradas de forma tradicional, sendo a
maioria fazendas de pecuária extensiva com plantações de subsistência e
pequena área de cultivos mais intensivos a cargo de arrendatários e/ou
parceiros. Cada estado apresenta certas particularidades, como a
presença de fazendas de cacau na Bahia;
• A dotação de infra-estrutura das fazendas reflete sua utilização prévia.
Embora um número elevado de propriedades disponha da infra-estrutura
básica associada à pecuária extensiva, o estado de conservação parece
precário e exigirá esforço de recuperação por parte dos novos
proprietários. É limitada a ocorrência de pastos plantados, capinzeiras e
palma forrageira, confirmando o caráter extensivo do sistema de
exploração anterior. Da mesma forma, são poucos os registros de
propriedades com boa dotação de infra-estrutura associada à produção
agrícola e ao processamento primários dos produtos;
• A participação de propriedades com disponibilidade e acesso à energia
elétrica reflete a situação particular de cada estado e a
orientação/intervenção dos órgãos do governo no processo de seleção
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das fazendas. Embora o número de projetos sem possibilidade de acesso
à energia elétrica seja grande, especialmente no Maranhão e algumas
regiões da Bahia, a disponibilidade de energia não se coloca como um
obstáculo absoluto nas áreas aonde sua utilização é de fato crucial para
viabilizar sistemas de produção viáveis e sustentáveis, como nos
Agrestes de Pernambuco, Sertões Cearenses e Norte de Minas;
• Poucas propriedades dispõem de capacidade instalada de irrigação, mas
existe amplo potencial para irrigação, pelo menos em pequena escala, e
manutenção dos rebanhos;
• Ao contrário do que o exemplo dos primeiros projetos sugeria, a maioria
das propriedades nem se encontra pronta para ser explorada de forma
rentável pelos novos donos nem dispõem de fonte de geração de renda
imediata. A exploração da maioria delas requer um conjunto de
investimentos e um esforço continuado dos beneficiários, e os resultados
e consolidação econômica demandarão tempo para materializar-se.
A análise dos parâmetros básicos dos subprojetos de aquisição de terras
revela os seguintes resultados:
• A área total, o número de famílias por projeto e a área por família são
afetados por vários fatores, dentre os quais cabe destacar os seguintes:
(i) características da distribuição fundiária das microrregiões em que estão
inseridos os projetos; (ii) aptidão agrícola e pecuária da região; (iii)
diferentes graus de intervenção dos órgãos estaduais executores dos
programas; (iv) pressão das Associações: associações maiores tendem a
aceitar mais facilmente as condições propostas pelo proprietário e/ou pelo
árbitro no processo de barganha; (v) necessidade de “ajustar” o imóvel às
dimensões das associações;
• Em relação à área total, contatou-se que existe grande variabilidade entre
os projetos, o que reflete o caráter descentralizado e flexível do Programa
para ajustar-se às especificidades locais;
• O valor médio da área por família é em torno de 27 ha. Foi observada
grande variabilidade entre os Estados e regiões, o que indica que esta
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variável está se adequando às condições locais que afetam a oferta e
preço das propriedades;
• O número de famílias também varia muito de projeto para projeto; a
presença de projetos pequenos (menos que 15 famílias) e grandes (mais
de 60 famílias) é minoritária, o que corresponde às hipóteses teóricas que
indicam possíveis desvantagens para projetos muito pequenos e muito
grandes.
É possível indicar, com base nos sistemas dominantes na região, que em
média os tamanhos dos projetos e as áreas médias por família são compatíveis com
a exploração sustentável da maioria das propriedades adquiridas através do Cédula.
De toda maneira, a viabilidade destes empreendimentos é criticamente dependente
das opções de uso do solo a serem adotadas pelas associações, mesmo naqueles
casos em que os valores dos parâmetros área total e área por família são bem
comportados. Em grande medida esta viabilidade dependerá da capacidade das
associações criarem oportunidades a partir de certos elementos de sua dotação de
recursos (como por exemplo a mão de obra abundante) e explorarem as vantagens
potenciais implícitas na forma associativa de organização da produção (por exemplo,
custo de gestão mais baixo, organização de múltiplas atividade dentro da
propriedade, sistemas produtivos diversificados, criação de redes de redução de
risco e segurança social entre os membros e vários outros).
Há diferenças significativas nos parâmetros dessas variáveis observadas para
cada Estado analisado. A intervenção dos Órgãos Estaduais é uma variável de vital
importância para que essas distinções ocorram. Estados com maior intervenção
atuam no sentido de “normalizar” estes parâmetros, principalmente o número e a
área por família, e o preço/qualidade das terras adquiridas.
Em resumo, a análise dos Subprojetos de Aquisição das Terras confirma a
flexibilidade dos projetos quanto ao tamanho das propriedades, número de famílias e
área por família, os quais tendem a ajustar-se às características microrregionais de e
às necessidades e possibilidades das associações que criam os projetos. Em que
medida este ajuste é eficaz ou compromete a potencialidade dos projetos é uma das
questões a ser acompanhada pelo estudo de avaliação de impactos sócio-
econômicos do Programa. Neste estágio do estudo é possível apenas apontar que o
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tamanho das propriedades ofertadas e a intervenção dos órgãos responsáveis pelo
Programa nos estados são os dois principais fatores que estão moldando a primeira
geração de projetos.
A análise realizada também permite identificar claramente os projetos em que
ocorreram problemas: associações com muitas famílias, áreas por família reduzidas
em regiões sem recursos, a necessidade de adquirir vários imóveis para compor um
único projeto.
Em relação ao valor dos Subprojetos de Aquisição de Terras, as principais
conclusões são:
• Há grande variabilidade no valor dos subprojetos de aquisição de terras,
mas poucos valores superam R$ 400.000,00. Os casos “destoantes”
requerem uma análise das razões para tal (projetos muito grandes, custo
elevado das benfeitorias, preço elevado da terra em áreas muito elevadas
e até mesmo eventuais distorções no processo de negociação;
• Há grandes diferenças nos valores dos SAT entre os Estados, refletindo,
aparentemente, diferenças no preço das terras e, seguramente, o
processo de negociação das propriedades mediado pelos órgãos
governamentais; também foram observadas diferenças marcantes entre
as regiões de cada estado, notadamente em Pernambuco (projetos mais
caros na Mata e algumas áreas do Agreste) e Bahia (região sul);
• Áreas maiores tendem a ser mais baratas. Mesmo estando mais distantes
(Maranhão) ou sendo menos férteis (semi-árido), há alguma racionalidade
no processo, pois o menor preço pode compensar a pior fertilidade e as
condições mais agrestes, especialmente se disponibiliza maior volume de
recursos para investimento da associação a fundo perdido e estes forem
adequados em volume e bem programados para superar as deficiências
de localização e qualidade;
• Outro ponto a ser ressaltado para análise futura é que as associações
maiores tendem a pagar um valor mais elevado para as propriedades
adquiridas. Que fatores poderiam responder por esta constatação? O
estudo sugere, como hipótese a ser investigada, que a partir de um certo
limite, é menor o poder de barganha das associações para adquirir a
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propriedade. Esta hipótese vem acompanhada de duas outras hipóteses:
menor disponibilidade de propriedade de tamanho adequado para
absorver grandes associações e maior pressão pelo acesso à terra dentro
da própria associação combinam-se para reduzir seu poder de barganha
diante dos proprietários. A pressão da associação transmitir-se-ia para o
órgão governamental responsável pelo Programa, na medida em que do
“custo político” da recusa, especialmente em conjunturas eleitorais, seria
mais elevado.
A análise da participação do valor da terra nua e das benfeitorias permite
ressaltar que o valor total da propriedade e a maior ou menor participação das
benfeitorias são associados ao estado e à região dentro dos estados (efeito
localização e seca). O pagamento das benfeitorias representa 30% em média do
valor pago pelas propriedades. Este percentual é mais elevado no Ceará, onde o
valor da terra nua é muito baixo. Neste estado, as benfeitorias referem-se
principalmente à exploração de recursos hídricos de pequeno porte, destinados à
manutenção de animais e não à irrigação. O efeito seca deve ter criado este viés de
seleção (nobre, diga-se de passagem) na escolha das propriedades. No sul da
Bahia, existem projetos com valor mais elevado que a média em função das
benfeitorias (em sua grande maioria instalações das fazendas da região cacaueira);
no Maranhão e em Minas Gerais a importância das benfeitorias é pequena. Em
Pernambuco, a maioria dos projetos está no Agreste, onde as terras são mais caras
e as fazendas de pecuária não dispõem de muitas benfeitorias.
Subprojetos de Investimento. A disponibilidade e alocação dos recursos do
SIC são fundamentais para o desempenho dos projetos. Erros iniciais podem
comprometer em maior ou menor grau os resultados futuros. Embora alguns ativos,
como trator, possam ser revendidos com perda de dinheiro, outros gastos realizados
em função de um projeto equivocado poderão ficar inúteis após a revisão do projeto
e serem irrecuperáveis através da venda. Para uma comunidade pobre, com
dificuldade de acesso a recursos a capital, um resultado deste tipo pode fazer a
diferença entre um projeto bem sucedido e um fracassado.
A análise dos Subprojetos de Investimento (SIC) indicou que em geral há uma
complementaridade entre o SAT (terra nua e benfeitorias) e os investimentos
programados. Convém destacar os seguintes pontos: merecem ser destacados:
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• Metade dos recursos disponibilizados através do SIC é gasto com
manutenção. Em alguns locais, como Bahia, este montante remunera
atividades coletivas e funciona como uma espécie de “incentivo” à
atividade coletiva, bloqueando a tentativa de criar lotes isolados, mesmo
em projetos em que lotes individuais têm peso elevado no total. Em outros
estados, como no Ceará e a maioria dos projetos em Pernambuco, o
dinheiro (R$130) é pago sem vínculo com o trabalho; em alguns casos é
destinado à aquisição de animais;
• Também são relevantes os gastos com infra-estrutura, compreendendo
estradas, energia elétrica e recursos hídricos, a grande maioria para
consumo das pessoas e animais. A alocação de recursos para este tipo
de investimento parece uma distorção importante: de um lado, tais gastos
poderiam e deveriam ser cobertos por outros programas e órgãos do
governo; de outro, dificilmente o volume disponível é suficiente para
instalar infra-estrutura suficiente para permitir um up grading das
condições de produção dos projetos. Há casos de energia elétrica
monofásica, mais apropriada para uso residencial que para instalações
produtivas; estradas “perecíveis”, segundo o dizer de um entrevistado e
obras hídricas mal dimensionadas ou apressadas; também foram
observadas muitas obras de recuperação de equipamentos hídricos. Seria
interessante analisar até que ponto os laudos técnicos indicaram a
necessidade de realizar tais gastos para recuperar as benfeitorias.
Metade dos projetos, grande parte no Ceará, gastam os recursos do SIC
nesses dois itens;
• 33 projetos, dispersos em todos os estados, destinaram parte importante
do SIC à compra de animais, basicamente de pequenos animais. Trata-se
de um item divisível, mas com valor médio elevado para as famílias
beneficiárias, o que indica uma orientação produtiva destes projetos,
localizados principalmente em Pernambuco, Bahia e Minas Gerais, para a
pecuária. Na maioria dos casos a viabilidade destes projetos dependerá
do arranjo para a exploração da pecuária e das pequenas áreas de
lavoura. O risco é a reprodução, em terra própria, da grande fazenda
extensiva do semi-árido;
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• A compra de equipamentos é um item caro (próximo a R$ 40.000,00) que
pode aparecer como um custo fixo importante para comunidades
menores. A irrigação, que no atual estágio está mais localizada em Minas
Gerais, também é cara e localizada, diferenciando do investimento em
poços e açudes, etc.;
• O destaque é a pequena importância de itens de benfeitoria (incluindo
cercas, currais, etc), especialmente aqueles diretamente vinculados à
produção. Estes itens praticamente não aparecem no Ceará, ocorrendo
mais em Pernambuco e Bahia, ainda que concentrada em poucos
projetos;
• A conclusão mais importante é que os recursos para investimento,
significando em média R$ 5.000,00 por família, estão pulverizados em
diversos itens, não sendo suficientes complementar/adaptar as
benfeitorias existentes às novas condições de utilização da propriedade
nem para estabelecer uma base produtiva sólida a partir da qual os
beneficiários poderão gerar renda suficiente para melhorar de vida e
pagar a dívida contraída;
A flexibilidade é um dos atributos importantes dos projetos associativos
descentralizados, mas fica evidente que, na maioria dos projetos com menor número
de famílias, haverá necessidade de créditos complementares para viabilizá-los,
criando uma nova fonte de endividamento e de diferenciação entre projetos.
A análise dos projetos detectou uma certa complementaridade entre os itens
dos Subprojetos de Investimentos Coletivos com a composição dos Subprojetos de
Aquisição de Terras (tamanho da propriedade e benfeitorias). Encontrou-se, por
exemplo, correlação entre a presença de alguns itens de benfeitorias (instalações
voltadas para a criação) e aquisição de animais com recursos do SIC. Também é
coerente a forte correlação positiva entre a presença de benfeitorias e cercas e a
aquisição de animais.
Em relação ao uso dos recursos, deve-se destacar que a maioria das
associações está tratando os recursos do SIC com uma abordagem de projetos
fechados e que devem ser implementados o mais rapidamente possível. Em alguns
casos foi possível perceber que esta abordagem encontra eco nos órgãos estaduais,
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para os quais o “atraso” na implantação dos projetos é sinônimo de ineficiência. Esta
abordagem significa um maior risco de erro na fase inicial associado à definição
inadequada de prioridades, cuja correção pode ser impossível ou com custo muito
elevado para comunidades pobres como a dos beneficiários do Cédula da Terra.
Pode também implicar em uso menos eficiente dos recursos. O exemplo mais claro
é a aquisição do trator novo, consumindo percentual elevado dos recursos
disponíveis. É possível que um trator usado, adquirido com calma, representasse um
melhor investimento para os produtores.
Formação e papel da associações. A análise do processo de formação das
associações permite indicar alguns pontos para reflexão. É relevante e
extremamente diversificado o papel que vários atores, órgãos, programas e políticas
públicas desempenham no processo de criação das associações. Essa diversidade
e a atuação de cada um reforçam a idéia de que o bom desempenho das
associações e sua postura face às políticas governamentais não dependem apenas
dos associados. As condições externas sob as quais os beneficiários vivem e se
orientam têm um peso não desprezível nesse processo. Em todos os estados, e
particularmente na BA e em MG, há uma clara intervenção de atores e instituições
externas ao grupo, tais como prefeituras, políticos locais, pessoas “bem
intencionadas”, proprietários de terra, técnicos ligados às instituições
governamentais, etc.
Os órgãos responsáveis pela execução do Programa não são apenas
coadjuvantes na criação das associações comunitárias e na condução dos projetos.
Sua atuação começa com a divulgação do Programa, o incentivo à adesão e o apoio
para criação da associação, na seleção dos candidatos, nos procedimentos de
legalização das associações, no laudo técnico de avaliação da propriedade, na
abertura de contas correntes para o recebimento dos recursos e assim por diante.
Devido ao baixo nível de organização e de “institucionalidade” dos beneficiários,
para além da orientação propriamente ‘técnica e de apoio”, assumindo um caráter de
dependência e subordinação dos beneficiários em relação ao governo e seus
técnicos.
A maioria das associações teve origem no contexto da tradição populista, que
define um campo de representação baseado na cooptação, subordinação e controle
social e político das populações pobres. Mesmo muitas das associações que estão
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sendo criadas exclusivamente para participar do Programa não parecem escapar a
este contexto. No entanto, é necessário chamar a atenção para o fato de que, pelo
menos teoricamente, programas com a concepção do Cédula da Terra pressupõem
associações autônomas, com capacidade para tomar e implementar decisões
estratégicas sobre o uso dos ativos sob seu controle, assim como para gerenciar a
propriedade da terra em uma trajetória sustentável, seja do ponto de vista financeiro
seja do ponto de vista da melhoria de bem-estar das famílias envolvidas.
É importante destacar também que a principal especificidade das associações
beneficiárias do Cédula da Terra é a propriedade comum e permanente de um ativo
relevante, inicialmente indivisível, como a terra, cuja exploração exige a manutenção
da associação. Há uma crescente preocupação com os assuntos do projeto, em
contraposição à prática anterior, mais abrangente e voltada para questões da
comunidade.
Foi constatado também que, apesar do empenho institucional e do interesse
dos beneficiários, as associações não estão se constituindo em atores
independentes, com real capacidade de interlocução junto ao Estado, frente às elites
políticas locais e os proprietários de terra. Seus associados estão percebendo a
complexidade das tarefas sob à sua responsabilidade mas não estão conseguindo
realizá-las. Ou seja, não estão dando conta de “gerenciar essa transição”, como por
exemplo, harmonizar os interesses e coordenar as atividades produtivas, gerir os
recursos que o Programa disponibiliza e negociar e implementar a inserção
econômica e social de todos, para superar a pobreza e a precariedade de suas
condições.
Apesar das dificuldades e dos limites estruturais, constatou-se que há um
imenso potencial dos pequenos produtores familiares e das populações carentes do
Nordeste, em se constituírem em atores efetivos do desenvolvimento. O Cédula da
Terra representa uma experiência associativa nova para os beneficiários, os quais
até o momento utilizaram as associações como instrumento para obter recursos
públicos e de reivindicação de vários tipos. Na tradição paternalista/populista que
orientou boa parte das políticas públicas de desenvolvimento regional e rural, as
ações e recursos públicos eram caracterizados como “concessão”, “doação”, “favor”
etc., reforçando a natureza subordinada das associações (e das reivindicações) e o
controle social e político sobre as populações rurais carentes. Não é por acaso que a
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história da maioria das associações confirma que existe uma relação estreita entre a
força, nível de participação e vitalidade das associações e o acesso às “benesses”
concedidas pelo governo por meio dos programas especiais.
O Cédula abre possibilidade para um rompimento com este tipo de
associação, pedinte e subordinada, na medida que a propriedade da terra e o
acesso aos recursos do Programa transformam os beneficiários em agentes com
certo poder local, correntistas dos bancos, contratantes de serviços e assim por
diante. Em que medida as associações de beneficiários do Cédula estão preparadas
para dar este salto rumo à autonomia e autogestão não está ainda totalmente claro.
A Avaliação Preliminar considera, com base nas evidências colhidas durante o
trabalho, que dificilmente isto poderá ocorrer sem uma intervenção direta dos órgãos
responsáveis pelo Programa através de instrumentos especialmente desenhados
para este fim. O desafio não é pequeno, mas parece crucial para o bom
desenvolvimento do Cédula.
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