avaliação do potencial como combustível das principais ... · m metro mm milímetro m2 metro...

68
Avaliação do potencial como combustível das principais espécies florestais existentes na ilha de São Miguel nos Açores Filipe Pimentel Carreiro Simas Dissertação para a obtenção do Grau de Mestre em Engenharia Mecânica Orientador: Prof. Mário Manuel Gonçalves da Costa Júri Presidente: Prof. João Rogério Caldas Pinto Orientador: Prof. Mário Manuel Gonçalves da Costa Vogal: Prof. Cláudia Sofia Séneca da Luz Casaca novembro 2016

Upload: dangcong

Post on 24-Jan-2019

221 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

Page 1: Avaliação do potencial como combustível das principais ... · m Metro mm Milímetro m2 Metro quadrado m3 Metro cúbico mg/kg Miligrama por quilograma mg/kWh Miligrama por quilowatt

Avaliação do potencial como combustível das principais

espécies florestais existentes na ilha de São Miguel nos

Açores

Filipe Pimentel Carreiro Simas

Dissertação para a obtenção do Grau de Mestre em

Engenharia Mecânica

Orientador: Prof. Mário Manuel Gonçalves da Costa

Júri

Presidente: Prof. João Rogério Caldas Pinto

Orientador: Prof. Mário Manuel Gonçalves da Costa

Vogal: Prof. Cláudia Sofia Séneca da Luz Casaca

novembro 2016

Page 2: Avaliação do potencial como combustível das principais ... · m Metro mm Milímetro m2 Metro quadrado m3 Metro cúbico mg/kg Miligrama por quilograma mg/kWh Miligrama por quilowatt
Page 3: Avaliação do potencial como combustível das principais ... · m Metro mm Milímetro m2 Metro quadrado m3 Metro cúbico mg/kg Miligrama por quilograma mg/kWh Miligrama por quilowatt

I

Agradecimentos

Este trabalho representa não só o resultado de vastas horas de empenho, reflexão e dedicação durante

as diversas fases que o compõem, mas também o término de um objetivo académico a que me propus

e que não seria possível sem a ajuda e apoio de algumas pessoas a quem dedico os seguintes

parágrafos.

Em primeiro aos que me proporcionaram o presente grau académico, Pai, Mãe e Irmão. O seu amor,

esforço, apoio e dedicação foram cruciais nesta longa caminhada académica.

À Carolina, namorada e grande amiga. Pela sua presença e apoio, incansáveis, nos bons e maus

momentos. Um verdadeiro ombro amigo, repleto de amor e carinho.

Aos meus camaradas inquilinos, Manuel Rego, Tiago Gomes, Ivo Couto, Nuno Pacheco, Luis Duarte e

Pedro Melo, pelo seu grande espírito de camaradagem e por todos os grandes momentos que

proporcionaram na minha vida privada e académica. Ao colega de turma e grande amigo José Albano,

pela sua amizade e apoio. Um apreço a todos os meus amigos e colegas que de certa forma

participaram neste percurso.

A todos os colaboradores, a quem agradeço o seu auxílio e suporte durante a elaboração do presente

trabalho. A título especial agradeço ao Professor Mário Costa pela sua orientação, ao Ulisses

Fernandes pela sua atenção e disponibilidade, ao Engenheiro João Luís Pacheco da Direção dos

Recursos Florestais e ao Professor Luís Silva da Universidade dos Açores pelo suporte informativo

prestado. A todos os responsáveis das unidades de serração, hoteleiras e fabris pela sua atenção e

apoio. Por último aos Diretores Administrativos e de Produção Leonardo Amaral e Rafael Arruda, pela

sua especial atenção e apoio ao longo de todo o trabalho de campo efetuado no presente trabalho.

Page 4: Avaliação do potencial como combustível das principais ... · m Metro mm Milímetro m2 Metro quadrado m3 Metro cúbico mg/kg Miligrama por quilograma mg/kWh Miligrama por quilowatt
Page 5: Avaliação do potencial como combustível das principais ... · m Metro mm Milímetro m2 Metro quadrado m3 Metro cúbico mg/kg Miligrama por quilograma mg/kWh Miligrama por quilowatt

III

Resumo

O presente trabalho incide sobre a avaliação do potencial como combustível das principais espécies

florestais existentes na ilha de São Miguel, nos Açores. Esta avaliação consistiu no levantamento das

principais espécies florestais existentes na ilha, assim como na recolha de informação acerca das

quantidades de resíduos/subprodutos madeireiros provenientes da indústria de primeira transformação

madeireira. A estimativa da produção anual de biomassa na ilha foi calculada com base nos

povoamentos florestais de três espécies dominantes, a Cryptomeria Japonica, o Pittosporum

Undulatum e a Acacia Melanoxylon, enquanto os subprodutos foram avaliados de acordo com os

mapas de resíduos das entidades produtoras locais. A estimativa da biomassa figurou dois cenários

distintos, o P1 e o P2, assim como o potencial energético dos mesmos, PEP1 e PEP2. O cenário 1

abordou os subprodutos da indústria madeireira local em conjunto com a biomassa florestal proveniente

do Incenso e da Acácia, enquanto que o cenário 2 abordou a totalidade da biomassa florestal relativa

às três espécies florestais dominantes. A ilha de São Miguel revelou uma capacidade produtiva de

biomassa de 12489,56 t/ano e 37461,85 t/ano de acordo com os cenários P1 e P2. O potencial

energético associado a estas quantidades foi de 166810,33 GJ/ano e 532854,08 GJ/ano,

respetivamente (PEP1 e PEP2). Por forma a valorizar e gerar uma cadeia de valor acrescentado para

este recurso energético endógeno, foi efetuado o levantamento das principais indústrias consumidoras

de energia térmica na ilha. O setor dos laticínios, da conserveira e da hotelaria apresentam consumos

energéticos satisfatórios, passíveis de serem satisfeitos pela biomassa estimada.

Palavras Chave:

Biomassa; Potencial energético; Região ultraperiférica; Resíduos de madeira; Combustíveis

alternativos; Energias renováveis; Açores; São Miguel.

Page 6: Avaliação do potencial como combustível das principais ... · m Metro mm Milímetro m2 Metro quadrado m3 Metro cúbico mg/kg Miligrama por quilograma mg/kWh Miligrama por quilowatt
Page 7: Avaliação do potencial como combustível das principais ... · m Metro mm Milímetro m2 Metro quadrado m3 Metro cúbico mg/kg Miligrama por quilograma mg/kWh Miligrama por quilowatt

V

Abstract

This study focuses on the assessment of the potential as fuel of the main forest species in Sao Miguel

island, Azores. The assessment included the collection of data on the main existing forest species on

the island and also on the quantity of wood sub products and residues resulting from the first

transformation industry (sawmills). The annual estimate of biomass production was obtained

considering the population of three dominant species, Cryptomeria Japonica, Pittosporum Undulatum

and Acacia Melanoxylon, while the by-products were evaluated according to the maps of the residue

producing entities. Biomass estimates was made according for two distinct scenarios (P1 and P2), and

their respective energetic potential (PEP1 and PEP2). Scenario 1 covered the by-products of the local

timber industry together with forest biomass from the Pittosporum Undulatum and Acacia Melanoxylon,

while the scenario 2 addressed the forest’s total biomass of the three dominant forest species. S. Miguel

island revealed to have a biomass production capacity of 12489.56 t/year and 37461.85 t/year according

to scenarios P1 and P2. The energetic potential associated with those figures is 166810.33 GJ/year and

532854.08 GJ/year, respectively (PEP1 and PEP2). In order to value this endogenous energetic

resource, the main industrial energy consumers on the island were surveyed. Dairy, canning and hotel

industries revealed to have energy consumptions, capable of being supported by the estimated biomass.

Keywords:

Biomass; Energetic potential; Ultraperiferic regions; Wood residues; Alternative fuels; Renewable

energy; Azores; São Miguel.

Page 8: Avaliação do potencial como combustível das principais ... · m Metro mm Milímetro m2 Metro quadrado m3 Metro cúbico mg/kg Miligrama por quilograma mg/kWh Miligrama por quilowatt
Page 9: Avaliação do potencial como combustível das principais ... · m Metro mm Milímetro m2 Metro quadrado m3 Metro cúbico mg/kg Miligrama por quilograma mg/kWh Miligrama por quilowatt

VII

Índice

Agradecimentos ........................................................................................................................................ I

Resumo .................................................................................................................................................. III

Abstract.................................................................................................................................................... V

Índice ..................................................................................................................................................... VII

Índice de figuras ..................................................................................................................................... IX

Índice de quadros ................................................................................................................................... XI

Índice de fotografias ............................................................................................................................. XIII

Nomenclatura ........................................................................................................................................XV

Caracteres romanos ..........................................................................................................................XV

Caracteres gregos ............................................................................................................................XVI

Acrónimos .........................................................................................................................................XVI

1 Introdução ........................................................................................................................................ 1

1.1 Motivação ................................................................................................................................ 1

1.2 Objetivos .................................................................................................................................. 2

1.3 Caraterização da região .......................................................................................................... 3

1.3.1 Arquipélago dos Açores ...................................................................................................... 3

1.3.2 Ilha de São Miguel ............................................................................................................... 3

1.4 Revisão bibliográfica ............................................................................................................... 8

1.4.1 Conceitos básicos................................................................................................................ 8

1.4.2 Estudos antecedentes ....................................................................................................... 12

1.5 Estrutura da tese ................................................................................................................... 14

2 Recursos endógenos ..................................................................................................................... 15

2.1 Caraterização florestal da ilha de São Miguel ....................................................................... 15

2.2 Espécies dominantes ............................................................................................................ 17

2.2.1 Cryptomeria Japonica ........................................................................................................ 17

2.2.2 Pittosporum Undulatum ..................................................................................................... 18

2.2.3 Acacia Melanoxylon ........................................................................................................... 19

3 Avaliação do potencial energético ................................................................................................. 21

Page 10: Avaliação do potencial como combustível das principais ... · m Metro mm Milímetro m2 Metro quadrado m3 Metro cúbico mg/kg Miligrama por quilograma mg/kWh Miligrama por quilowatt

VIII

3.1 Metodologia ........................................................................................................................... 21

3.2 Potencial de biomassa .......................................................................................................... 24

3.3 Potencial energético .............................................................................................................. 32

4 Potencial de aplicação ................................................................................................................... 35

4.1 Caraterização energética da ilha de São Miguel................................................................... 35

4.1.1 Produção ........................................................................................................................... 35

4.1.2 Consumo ........................................................................................................................... 36

4.2 Potenciais consumidores ....................................................................................................... 37

4.2.1 Indústria dos laticínios ....................................................................................................... 37

4.2.2 Indústria conserveira ......................................................................................................... 40

4.2.3 Indústria hoteleira .............................................................................................................. 42

5 Fecho ............................................................................................................................................. 45

5.1 Conclusões ............................................................................................................................ 45

5.2 Sugestões para trabalhos futuros ......................................................................................... 45

Referências ........................................................................................................................................... 47

Page 11: Avaliação do potencial como combustível das principais ... · m Metro mm Milímetro m2 Metro quadrado m3 Metro cúbico mg/kg Miligrama por quilograma mg/kWh Miligrama por quilowatt

IX

Índice de figuras

Figura 1.1 – Divisão administrativa da ilha de São Miguel [9]. ............................................................... 4

Figura 1.2 – Procura global de energia primária (cenário INDC) [11]. .................................................... 5

Figura 1.3 – Quotas globais de biomassa [12]. ....................................................................................... 5

Figura 1.4 – Evolução nacional do consumo total de energia primária [15]. .......................................... 6

Figura 1.5 – Mix nacional de produção de eletricidade em 2014 [15]. ................................................... 6

Figura 1.6 – Contributo da ER no consumo nacional de energia primária 2014 [16]. ............................ 7

Figura 1.7 – Evolução nacional da produção anual de ER [16]. ............................................................. 7

Figura 1.8 – Produção regional de eletricidade 2015 [18]. ..................................................................... 8

Figura 1.9 – Composição geral da madeira [22]. .................................................................................... 9

Figura 1.10 – Poder calorífico [23] e [24]. ............................................................................................. 10

Figura 1.11 – Armazenamento para 10MWh [23]. ................................................................................ 10

Figura 1.12 – Processo de combustão [26]........................................................................................... 12

Figura 2.1 – Estrutura florestal na RAA [34]. ......................................................................................... 15

Figura 2.2 – Espécies dominantes na ilha de São Miguel [35]. ............................................................ 16

Figura 3.1 – Distribuição de povoamentos puros de Criptoméria, com mais de 30 anos [47]. ............ 25

Figura 3.2 – Distribuição de povoamentos puros de Incenso [35]. ....................................................... 27

Figura 3.3 – Distribuição de povoamento puros de Acácia [35]............................................................ 28

Figura 4.1 – Evolução mensal da produção por recurso em 2015 [18]. ............................................... 35

Figura 4.2 – Evolução mensal da produção em 2014 e 2015 [18]. ...................................................... 36

Figura 4.3 – Flutuações no custo unitário do combustível nos anos de 2014 e 2015. ......................... 39

Page 12: Avaliação do potencial como combustível das principais ... · m Metro mm Milímetro m2 Metro quadrado m3 Metro cúbico mg/kg Miligrama por quilograma mg/kWh Miligrama por quilowatt
Page 13: Avaliação do potencial como combustível das principais ... · m Metro mm Milímetro m2 Metro quadrado m3 Metro cúbico mg/kg Miligrama por quilograma mg/kWh Miligrama por quilowatt

XI

Índice de quadros

Quadro 1.1 – Principais biocombustíveis [21] ......................................................................................... 9

Quadro 1.2 – Emissões por tipo de combustível em caldeiras atuais [mg/kWh] [25]. .......................... 10

Quadro 2.1 – Ocupação e estrutura do setor florestal na RAA [32]. .................................................... 15

Quadro 2.2 – Principais espécies na RAA [35]. .................................................................................... 16

Quadro 2.3 – Áreas de ocupação por espécie na ilha de São Miguel [3]. ............................................ 16

Quadro 3.1 – Mapa de disponibilidade da Criptoméria [3] e [35]. ......................................................... 25

Quadro 3.2 – Biomassa predominante na exploração/serração de Criptoméria. ................................. 25

Quadro 3.3 – Mapa de subprodutos de primeira transformação madeireira. ....................................... 26

Quadro 3.4 – Mapa de disponibilidade do Incenso [3] e [35]. ............................................................... 27

Quadro 3.5 – Disponibilidade de povoamentos puros de Acácia [35]. ................................................. 28

Quadro 3.6 – Resumo disponibilidade de povoamentos puros. ........................................................... 29

Quadro 3.7 – Parâmetros de análise. ................................................................................................... 29

Quadro 3.8 – Potencial de biomassa P1. .............................................................................................. 30

Quadro 3.9 – Potencial de biomassa P2. .............................................................................................. 31

Quadro 3.10 – Valores base da estimativa energética. ........................................................................ 32

Quadro 3.11 – Estimativa o cenário PEP1. ........................................................................................... 32

Quadro 3.12 – Estimativa para o cenário PEP2. .................................................................................. 33

Quadro 4.1 – Consumo elétrico por setor [18]. ..................................................................................... 37

Page 14: Avaliação do potencial como combustível das principais ... · m Metro mm Milímetro m2 Metro quadrado m3 Metro cúbico mg/kg Miligrama por quilograma mg/kWh Miligrama por quilowatt
Page 15: Avaliação do potencial como combustível das principais ... · m Metro mm Milímetro m2 Metro quadrado m3 Metro cúbico mg/kg Miligrama por quilograma mg/kWh Miligrama por quilowatt

XIII

Índice de fotografias

Fotografia 2.1 – Corte transversal de um toro de Criptoméria. ............................................................. 17

Fotografia 2.2 – Sebes de Incenso para proteção de bananais. .......................................................... 18

Fotografia 2.3 – Corte transversal de um toro de Incenso. ................................................................... 19

Fotografia 2.4 – Fruto do Incenso. ........................................................................................................ 19

Fotografia 2.5 – Corte transversal de um toro de Acácia ...................................................................... 20

Fotografia 3.1 – Armazenamento de toros Criptoméria. ....................................................................... 21

Fotografia 3.2 – Unidade de serragem (primeira transformação). ........................................................ 21

Fotografia 3.3 – Armazenamento de subprodutos madeireiros (costaneiros). ..................................... 22

Fotografia 3.4 – Estilhador de Criptoméria do tipo garlopa. .................................................................. 22

Fotografia 3.5 – Encaminhamento de estilha para Portugal Continental (contentor open top). ........... 22

Fotografia 3.6 – Caldeiras e queimadores a pellets (unidade hoteleira). ............................................. 23

Page 16: Avaliação do potencial como combustível das principais ... · m Metro mm Milímetro m2 Metro quadrado m3 Metro cúbico mg/kg Miligrama por quilograma mg/kWh Miligrama por quilowatt
Page 17: Avaliação do potencial como combustível das principais ... · m Metro mm Milímetro m2 Metro quadrado m3 Metro cúbico mg/kg Miligrama por quilograma mg/kWh Miligrama por quilowatt

XV

Nomenclatura

Caracteres romanos

Formulas químicas CO Monóxido de carbono

CO2 Dióxido de carbono

NOX Óxidos de azoto

SO2 Dióxido de enxofre

Unidades

ºC Graus centigrados

cm Centímetro

EJ Exa joule

GWh Giga watt hora

ha Hectare

L Litro

m Metro

mm Milímetro

m2 Metro quadrado

m3 Metro cúbico

mg/kg Miligrama por quilograma

mg/kWh Miligrama por quilowatt hora

M€ Milhões de euros

MJ/kg Megajoule por quilograma

MJ/Nm3Seco Megajoule por metro cúbico normal seco

Mtep Mega tonelada equivalente de petróleo

MW Mega watt

MWh Mega watt hora

kg/m3 Quilograma por metro cúbico

km2 Quilometro quadrado

kWe Quilo watt elétrico

t Tonelada métrica

tseca Tonelada métrica de material lenhoso seco

tvapor/h Tonelada de vapor por hora

tep Tonelada equivalente de petróleo

Page 18: Avaliação do potencial como combustível das principais ... · m Metro mm Milímetro m2 Metro quadrado m3 Metro cúbico mg/kg Miligrama por quilograma mg/kWh Miligrama por quilowatt

XVI

Caracteres gregos

η Eficiência térmica de conversão de energia

ηtrans Rendimento transformação madeireira

Acrónimos

BS Base seca

CE Conformidade europeia

COV Composto orgânico volátil

DRRF Direção Regional dos Recursos Florestais

ER Energias renováveis

ISO Organização Internacional para Padronização

GPS Global positioning system

P1 Potencial de biomassa segundo o cenário 1

P2 Potencial de biomassa segundo o cenário 2

PEP1 Potencial energético segundo o cenário 1

PEP2 Potencial energético segundo o cenário 2

PCI Poder calorífico inferior

RAA Região Autónoma dos Açores

RAM Região Autónoma da Madeira

RSU Resíduos sólidos urbanos

SIG Sistema de informação geográfica

SWOT Strengths, Weaknesses, Opportunities and

Threats

Page 19: Avaliação do potencial como combustível das principais ... · m Metro mm Milímetro m2 Metro quadrado m3 Metro cúbico mg/kg Miligrama por quilograma mg/kWh Miligrama por quilowatt

1

1 Introdução

A redução de consumos e a supressão de desperdícios energéticos têm sido alvos de grande discussão

e interesse no mundo atual. A incessante procura de alternativas energéticas tem colocado as energias

renováveis (ER) como parâmetros preponderantes das equações económicas e ambientais.

O paradigma mundial mudou substancialmente nos últimos anos. A tecnologia de informação tornou-

se um dos principais motores de desenvolvimento da sociedade atual. A nossa forma de pensar e agir

moldou-se de forma progressiva a todo este aparato tecnológico. O célere avanço destas tecnologias

revolucionou determinados aspetos da vida humana, sendo a internet um grande impulsionador desta.

Grande parte desta tecnologia é totalmente dependente de recursos energéticos, aumentando assim,

a quota energética mundial. Acresce que o crescimento desta é mais rápido do que a oferta de energia

primária [1].

1.1 Motivação

O abastecimento, a eficiência, o meio ambiente e os elevados custos associados à gestão dos sistemas

de energia constituem desafios marcantes na Região Autónoma dos Açores (RAA). Este estudo foi

impulsionado por vários fatores, a saber: a existência de uma área territorial considerável de espécies

invasoras, a ineficiente gestão e valorização dos resíduos madeireiros por parte das entidades locais,

a atividade de serração constituir um setor importante na economia da RAA, a existência de potenciais

entidades locais consumidoras deste tipo de recurso e o fato da ilha de São Miguel pertencer a uma

região ultraperiférica, altamente dependente de recursos energéticos, impossibilitada, desta forma, de

aceder às redes transeuropeias de energia.

As políticas ambientais apontam para uma melhor gestão e valorização dos resíduos. Neste sentido, a

valorização dos resíduos de biomassa têm sido alvo de intensa investigação e tem alcançado o

mercado das energias, através do seu potencial químico na forma de combustível. Os combustíveis

derivados de biomassa têm demonstrado bons resultados quanto à sustentabilidade desta cadeia de

reaproveitamento e valorização, promovendo a competitividade e desenvolvimento dos setores

económicos locais, bem como em toda a comunidade europeia, no aprovisionamento de energia

sustentável, na redução de emissões de gases com efeito de estufa, na redução dos custos energéticos

e na diminuição da dependência energética dos combustíveis fósseis [2].

A produção de energia a partir de fontes de energia renováveis é essencial para que Portugal possa

atingir os compromissos assumidos no âmbito do protocolo de Quioto através do Plano Nacional de

Ação para as Energias Renováveis (PNAER 2020) integrado na estratégia europeia para 2020. Neste

contexto, a biomassa proveniente das espécies florestais invasoras e os resíduos madeireiros da ilha

de São Miguel, juntamente com a biomassa das restantes ilhas do arquipélago, podem desempenhar

um papel fundamental na demanda energética e ambiental da região. Sendo esta uma região

ultraperiférica e com grande dependência do comportamento dos mercados internacionais, no que diz

respeito à importação de combustíveis fósseis, as alternativas renováveis constituem uma mais-valia

Page 20: Avaliação do potencial como combustível das principais ... · m Metro mm Milímetro m2 Metro quadrado m3 Metro cúbico mg/kg Miligrama por quilograma mg/kWh Miligrama por quilowatt

2

em várias frentes: na diminuição da sua dependência face aos recursos fósseis, na diminuição das

emissões de gases com efeito de estufa e no aumento da eficiência energética e económica da região,

através da transformação deste resíduo (matéria sem valor) numa fonte de matéria-prima, cujo valor e

potencial energético podem ser explorados de forma extremamente rentável através da sua combustão.

A floresta é uma componente relevante da paisagem açoriana. A revitalização e conservação dos

ecossistemas florestais autóctones, o controlo das espécies invasoras e a melhoria das condições

técnicas e ambientais das explorações florestais são constantes preocupações para os órgãos

governamentais responsáveis [3]. A gestão e tratamento desta área florestal origina um potencial de

biomassa que poderá ser aproveitado para fins energéticos. O correto aproveitamento desta biomassa,

em conjunto com um plano diretor florestal e energético, poderá constituir uma mais-valia para a gestão,

tratamento e valorização destes excedentes florestais.

A madeira de Criptoméria foi recentemente marcada como produto CE. Esta certificação de qualidade

irá projetar este produto no mercado nacional e internacional, sendo esperado um aumento no seu

consumo. Inerente a este aumento está uma maior produção de resíduos madeireiros. Esta fonte de

biomassa/resíduo tem constituído um problema para algumas entidades do sector madeireiro na ilha

de São Miguel. A sua deposição em aterro ou apenas a queima controlada em fornalhas, sem qualquer

tipo de aproveitamento, tem sido o destino final deste recurso.

1.2 Objetivos

A presente dissertação centra-se na avaliação do potencial de biomassa para energia na ilha de São

Miguel, no arquipélago dos Açores. As espécies florestais de maior abundância, espécies invasoras e

os resíduos de primeira transformação da madeira são o foco do presente estudo. Esta matéria-prima

constitui o principal objeto das quatro fases do estudo: análise dos recursos endógenos, avaliação do

potencial de biomassa, avaliação energética do potencial de biomassa e as suas potenciais aplicações

na ilha de São Miguel.

A caraterização e quantificação das espécies florestais disponíveis para biomassa são os tópicos das

primeiras fases do estudo. O potencial energético da ilha é o objeto da terceira fase do estudo.

A quarta e última fase do estudo tem como objetivo identificar um conjunto de aplicações para suportar

e orientar a utilização do potencial energético desta matéria-prima. Esta fase inclui o levantamento dos

principais setores industriais na ilha que comportam requisitos energéticos compatíveis com o consumo

de biomassa.

Page 21: Avaliação do potencial como combustível das principais ... · m Metro mm Milímetro m2 Metro quadrado m3 Metro cúbico mg/kg Miligrama por quilograma mg/kWh Miligrama por quilowatt

3

1.3 Caraterização da região

1.3.1 Arquipélago dos Açores

O Arquipélago dos Açores, denominado por Região Autónoma dos Açores (Lei n.º 39/80, de 22 de

agosto), é um território autónomo da República Portuguesa com o estatuto de região ultraperiférica da

União Europeia. De origem vulcânica, situa-se a distâncias de 1500 e 3900 km do continente europeu

e americano (norte), respetivamente. Sobre a dorsal médio-atlântica, este arquipélago dispõe de uma

orientação noroeste-sudeste enquadrado entre o 24º49’ e 31º15’ de longitude Oeste e 36º55’ e 39º45’

de latitude Norte (Atlântico Norte) [4].

O arquipélago estende-se ao longo de 2322 km2 (2,5% do território nacional), sujeito a um clima

temperado oceânico variando entre temperaturas médias de 14,5ºC no inverno e 22ºC no verão e numa

atmosfera com 80% de humidade (média anual) [5]. Estas são condições necessárias para a existência

do valioso património natural do arquipélago, caraterizado por um relevo acidentado na generalidade

das ilhas.

O arquipélago é composto por 9 ilhas e alguns ilhéus, que se dividem geograficamente por 3 grandes

grupos: oriental (ilhas de São Miguel e Santa Maria); central (ilhas da Terceira, Graciosa, São Jorge,

Pico e Faial) e ocidental (ilha das Flores e Corvo), com uma população total de 246772 habitantes, [6],

distribuídos por 19 concelhos e 156 freguesias, salientando-se a importância das 5 cidades açorianas:

Ponta Delgada e Ribeira Grande (São Miguel), Angra do Heroísmo e Praia da Vitória (Terceira) e Horta

(Faial). Estes são os principais pólos de desenvolvimento económico e social da região.

O arquipélago dispõe de uma Zona Económica Exclusiva com cerca de 984300 km2, onde se destaca

os setores da agricultura, pesca, turismo, indústria, energia, construção e habitação, comércio e

transportes e comunicações. Destes, ainda se destacam os setores que englobam as atividades

públicas e a oferta de bens públicos registando maior peso na economia regional e o turismo com maior

potencial de crescimento [7]. Em 2014, o PIB do arquipélago foi de 3731 milhões de euros a preços

correntes (base 2011) tomando valores de 15 mil euros anuais por habitante [6].

1.3.2 Ilha de São Miguel

São Miguel é a ilha mais setentrional do grupo oriental, com uma área de 745 km2 (65 km e 16 km de

comprimento e largura respetivamente). Com 32% do território regional e cerca de 137856 habitantes,

é a maior e mais populosa ilha do arquipélago [8]. Esta encontra-se dividida administrativamente em 6

concelhos (ver Figura 1.1) e 64 freguesias.

Page 22: Avaliação do potencial como combustível das principais ... · m Metro mm Milímetro m2 Metro quadrado m3 Metro cúbico mg/kg Miligrama por quilograma mg/kWh Miligrama por quilowatt

4

Figura 1.1 – Divisão administrativa da ilha de São Miguel [9].

A ilha de São Miguel apresenta um património natural único e distinto através das suas paisagens

verdes e azuis. A atividade agropecuária está profundamente ligada à população da ilha, sendo a

exploração bovina dos açores uma das imagens de marca da região.

Ponta Delgada, um dos principais concelhos da ilha e da região, detém as principais portas de entrada

de pessoas, bens e mercadorias da região, designadamente o aeroporto internacional João Paulo II, o

terminal marítimo Portas do Mar de cruzeiros e de navios inter-ilhas e o porto de Ponta Delgada.

A ilha conta com 63624 habitantes economicamente ativos, sendo esta responsável por 60,2%, 73,8%

e 56,1% do valor acrescentado bruto da região (ano de 2013), nos setores primário, secundário e

terciário, respetivamente. A hotelaria, indústria alimentar, construção civil, pescas e pecuária são os

pilares económicos da ilha. Saliente-se aqui o fato do setor de turismo estar em ascensão, devido à

liberalização do espaço aéreo. A indústria hoteleira tradicional conta anualmente (ano de 2015) com

cerca de 38 entidades, disponibilizando cerca de 4187 camas com uma taxa de ocupação média de

54%. A indústria dos laticínios é outro grande gerador de riqueza, movimentando quantidades

apreciáveis de matéria-prima. Os dados de 2015 reportam consumos públicos de 117 milhões de litros

de leite, 18 mil tonelada de queijo de leite de vaca e 11 mil tonelada de leite em pó [10]. Em termos de

edificação, a ilha detém cerca de 47416 edifícios residenciais, dos quais 42297 são para alojamento

residencial habitual e 169 é para alojamento coletivo.

Dada a natureza dos setores e indústrias acima mencionados, estes apresentam-se como principais

candidatos à utilização de biomassa para satisfazer as suas necessidades energéticas.

A população mundial cresceu cerca de 27% de 1993 a 2011, estimando-se que em 2020 atinja 8,1

biliões de pessoas. Este crescimento foi acompanhado com um aumento de 76% na produção de

energia elétrica. O carvão e o gás natural foram os mais procurados (aumento na ordem de 65%) neste

espaço temporal (ver Figura 1.2). Relativamente à biomassa o aumento foi de 23% [1].

0 4 8Km

Lagoa Vila Franca

do Campo

Ribeira Grande

Povoação

Ponta Delgada

Nordeste

N

Page 23: Avaliação do potencial como combustível das principais ... · m Metro mm Milímetro m2 Metro quadrado m3 Metro cúbico mg/kg Miligrama por quilograma mg/kWh Miligrama por quilowatt

5

Figura 1.2 – Procura global de energia primária (cenário INDC1) [11].

As energias renováveis contribuíram com 18,3% de 339 EJ (1 EJ = 23884590 tep) para o mix energético

global em 2011, tendo a bioenergia comparticipado com 14% (ver Figura 1.3). Neste âmbito destaca-

se a biomassa sólida como principal fonte de bioenergia. Para as demais aplicações da bioenergia, o

aquecimento/calor é a principal forma de aplicação com 92% de uso, seguido dos transportes com 5%

e eletricidade com 3% [12].

Figura 1.3 – Quotas globais de biomassa [12].

Cerca de metade da energia mundial é utilizada para a produção de calor [12], sendo o setor industrial

o principal consumidor [13]. Medidas políticas ajudariam a integrar esta forma de energia no mercado

industrial. Preços razoáveis para as emissões de CO2, quotas dedicadas para ER ou subsídios de

investimento para aquisição de caldeiras a biomassa seriam algumas das medidas que ajudariam a

impulsionar o potencial da bioenergia para a produção de calor industrial [14].

O clima económico que se assiste em Portugal tem consequências diretas no consumo de energia.

Este tem vindo a diminuir nos últimos anos, sendo exemplo desta realidade, uma redução no consumo

de energia primária de 2,8% em 2014 face a 2013.

A intensa aposta nacional nas ER e na eficiência energética permitiu a Portugal atingir resultados

bastante positivos, como se pode ver na Figura 1.4. Uma redução na dependência energética exterior,

na ordem dos 72,4% em 2014, face a 88,8% em 2005, aumento da produção doméstica de energia

para garantir níveis elevados de segurança de abastecimento (28,1% do consumo total de energia

1 WEO2015 Special Report on Energy and Climate Change: Scenarios & Assumptions

Fóssil80%

Nuclear2%

Hídrica 3%Solar, eólica, etc.

1%

Bioenergia14%

Renováveis18%

Resíduos4%

Biomassa sólida89%

Biogás2%

Biofuel5%

Total: 339EJ

Total: 54,9 EJ

Page 24: Avaliação do potencial como combustível das principais ... · m Metro mm Milímetro m2 Metro quadrado m3 Metro cúbico mg/kg Miligrama por quilograma mg/kWh Miligrama por quilowatt

6

primária em 2014 contra 13,0% em 2005) e redução das emissões de gases com efeito de estufa (GEE)

em cerca de 25,9% em 2014 face a 2005 [15].

Figura 1.4 – Evolução nacional do consumo total de energia primária [15].

Em 2014, o consumo de energia primária foi de 20,90 Mtep, onde a contribuição das ER foi na ordem

dos 26% (5,4 Mtep), onde a maior contribuição veio da biomassa com 46%. Os biocombustíveis

manifestaram-se com uma contribuição de 5%. O contributo em 2014 da biomassa para a produção de

ER foi de 2 Mtep, sendo 44% deste valor obtido através de lenhas e resíduos vegetais/florestais. Os

briquetes e pellets também contribuíram positivamente com cerca de 15%.

Mesmo com uma redução de 16%, o petróleo permanece, todavia, como a principal fonte energética

contribuindo com 43% do consumo total de energia primária em 2014. As ER alteraram o panorama

energético nacional. Um aumento de 13% fez com que este recurso passasse a ocupar o segundo

lugar, atirando o gás natural para o terceiro lugar da lista.

No consumo de energia final destacam-se os setores dos transportes e o industrial, com quotas de

consumo na ordem de 36% e 31% no ano de 2014. No que diz respeito ao consumo de eletricidade, o

setor industrial também se mantém como um dos principais consumidores, não sendo o maior.

Figura 1.5 – Mix nacional de produção de eletricidade em 2014 [15].

Em termos de biomassa, Portugal dispõe de uma potencia instalada de 706 MW, menos 1,7% face a

2013. Esta potência contribui para que a biomassa detenha 6% do mix renovável de capacidade

instalada para a produção de eletricidade, ver Figura 1.5 [15].

A Figura 1.6 e a Figura 1.7 apresentam o contributo da ER no consumo nacional de energia primária

em 2014 e a evolução nacional da produção anual de ER, respetivamente.

2005 2014Outros

2%Renováveis

13%

Gás Natural

12%

Carvão

12%

Petróleo

59%

Outros

1%Carvão

13%

Gás Natural

17%

Renováveis

26%

Petróleo

43%

Renovável Hídrica

51%

Geotermia

1%

Solar

2%Biomassa

9%

Eólica

37%

Renováveis

61%

Não renovável

39%

Não

renovável

Carvão

59%

Outros não

renováveis

1%Petróleo

7%

Gás Natural

33%

Page 25: Avaliação do potencial como combustível das principais ... · m Metro mm Milímetro m2 Metro quadrado m3 Metro cúbico mg/kg Miligrama por quilograma mg/kWh Miligrama por quilowatt

7

Cerca de 50% da produção renovável provém da biomassa, das quais cerca de 60% foi transformada

em outras formas energéticas, nomeadamente em centrais termoelétricas e em centrais de cogeração.

Dos 2530 GWh produzidos a partir de biomassa no ano de 2014, 1765 GWh provieram das centrais

com cogeração e os restantes 765 GWh das centrais de geração [16]. Pode afirmar-se que a cogeração

constitui uma mais-valia para a projeção da biomassa no país.

Figura 1.6 – Contributo da ER no consumo nacional de energia primária 2014 [16].

Figura 1.7 – Evolução nacional da produção anual de ER [16].

O setor energético na RAA é dominado pelo consumo de combustíveis fósseis, contribuindo com 80%

para o consumo global da região [17]. Com um consumo final regional de 265217 tep, o setor dos

transportes destaca-se com 46% do consumo. Com menor impacto manifestam-se os setores

doméstico e industrial, com consumos de 16% e 15%, respetivamente [15]. No que diz respeito à

eletricidade, o panorama não difere muito, sendo o combustível fóssil responsável pela maior parte da

produção elétrica na região, ver Figura 1.8. Em termos de consumo elétrico, lideram os setores do

comércio e doméstico com 34% e 33,5%, respetivamente, cabendo o terceiro lugar à indústria com

17,4% [18]. Em termos de renováveis, a geotermia é a principal fonte, seguida da eólica e hídrica.

ktep

Page 26: Avaliação do potencial como combustível das principais ... · m Metro mm Milímetro m2 Metro quadrado m3 Metro cúbico mg/kg Miligrama por quilograma mg/kWh Miligrama por quilowatt

8

Figura 1.8 – Produção regional de eletricidade 2015 [18].

No que se refere à produção de eletricidade, tem sido observado um ligeiro declínio no consumo dos

combustíveis fósseis. Isto deve-se essencialmente, à gradual implementação de sistemas de produção

de ER. Em 2015 a região possuía uma potência instalada renovável de 69 MW. Desta apenas 1MW

era proveniente de biomassa, sendo a energia térmica (calor) o seu destino. Neste contexto, foi criado

o programa de incentivo regional PROENERGIA2, com o objetivo de promover e incentivar a produção

de energia elétrica e térmica a partir de ER destinada ao consumo por parte das famílias, empresas e

instituições, promovendo a eficiência energética, em simultâneo com a segurança no aprovisionamento

de energia.

O panorama energético da ilha não se desvia muito do da região, sendo no campo da produção de

eletricidade que a ilha se destaca através das fontes renováveis. Estas são superiores às fosseis devido

ao grande contributo da geotermia seguido da eólica e hídrica, que, em conjunto perfazem 52,3% da

produção elétrica da ilha.

1.4 Revisão bibliográfica

1.4.1 Conceitos básicos

A biomassa sólida pode ser obtida a partir das atividades madeireiras, agrícolas e da gestão de

resíduos urbanos. A boa gestão e tratamento dos resíduos destas atividades permite facilmente obter

combustíveis de elevada qualidade. A biomassa pode ser tratada de diferentes formas para a obtenção

de combustíveis. No Quadro 1.1 são apresentados os principais combustíveis provenientes da

biomassa.

Os combustíveis madeireiros provêm maioritariamente das explorações florestais e dos subprodutos e

resíduos da indústria transformadora de madeira. De um modo geral, esta madeira apresenta poderes

caloríficos entre 16 a 20 MJ/kg, variando significativamente consoante a espécie madeireira [19]. Estes

combustíveis apresentam-se na forma de madeira bruta, misturas fibrosas, cascas, aparas, serradura

e pó de madeira. Estes subprodutos podem ser tratados mecanicamente como os casos da estilha, dos

2 Decreto Legislativo Regional nº 27/2012/A de 4 de junho.

Fuelóleo56,27%

Gasóleo8,92%

Térmica Adquirida

0,00%

Hídrica3,07%

Geotérmica23,01%

Eólica8,68%

Outras0,04%

Page 27: Avaliação do potencial como combustível das principais ... · m Metro mm Milímetro m2 Metro quadrado m3 Metro cúbico mg/kg Miligrama por quilograma mg/kWh Miligrama por quilowatt

9

pellets e dos briquetes, ou utilizados diretamente sem qualquer tratamento nos processos de conversão

energética [20].

Produção/fornecimento Grupos Procura

Diretos

Combustíveis de Madeira

Sólido: Madeira bruta, estilha, pellets, briquetes, serradura e carvão

Indiretos Líquido: Licor negro, metanol e óleo pirolítico

Recuperados Gás: produtos gasosos da pirólise e da gaseificação

Derivados de madeira

Cultivo

Agro combustíveis

Sólido: palha, talos, cascas, bagaço e carvão vegetal

Subprodutos

Agrícolas Líquido: etanol, óleo vegetal, éster e pirolítico

Animais Gás: biogás, gases provenientes da pirólise

Agroindustriais

Subprodutos Municipais Subprodutos Municipais

Sólido: Resíduos sólidos urbanos

Líquido: lamas e óleo pirolítico de resíduos sólidos urbanos

Gás: gás de aterro e de lamas

Quadro 1.1 – Principais biocombustíveis [21]

Nos últimos anos, a indústria de produção de pellets tem ganho terreno face a outros combustíveis

sólidos de madeira. Este facto deve-se à elevada densidade energética dos pellets. Esta caraterística

facilita o seu aprovisionamento, transporte e queima. Os pellets têm sido alvo de grande solicitação por

parte das indústrias hoteleiras e alimentares, e do setor residencial.

A madeira é um composto orgânico de matéria seca e humidade. Na Figura 1.9 é possível observar

diferentes valores de humidade, para diversos tipos de subprodutos madeireiros. Pode-se concluir que

a humidade é parte substancial do peso da madeira. Quanto à matéria seca, 84% a 88% é matéria

volátil, 11,4% a 14,6% é carbono fixo e 0,4% a 2% são cinzas. De um modo geral, o teor de minerais é

cerca de 1% do peso da matéria seca. O potássio, magnésio, manganês, cálcio, enxofre, cloro, fósforo,

ferro, alumínio e zinco são os principais constituintes minerais da madeira.

Figura 1.9 – Composição geral da madeira [22].

Quando a madeira é submetida a processos de conversão energética é necessário ter em atenção

algumas propriedades físicas e químicas. Por questões ambientais, as quantidades de enxofre, cloro e

metais pesados são observadas e ponderadas. O teor de lignina, superior em madeiras moles, é outra

caraterística pertinente a ter em conta na combustão devido ao seu elevado nível de carbono e

hidrogénio [22]. O tamanho, densidade e geometria das partículas (ambiente), a humidade (custo

Lignina

15 - 30%

Extrativos

1 - 20%

Hemicelulose

10 - 49%

Celulose

35 - 60% Cinzas

0,1 - 2%

Carbono (C): 48 - 52%* Hidrogénio (H): 5,4 - 6,8%* Oxigénio (O): 38 - 42%* Azoto (N): 0,3 - 0,5%*

Enxofre (S): <0,05%*

Page 28: Avaliação do potencial como combustível das principais ... · m Metro mm Milímetro m2 Metro quadrado m3 Metro cúbico mg/kg Miligrama por quilograma mg/kWh Miligrama por quilowatt

10

energético), o teor de cinzas e o seu ponto de fusão (operação e manutenção), são outras propriedades

a ter em conta no combustível. Estas propriedades estão fortemente ligadas à eficiência do processo

de combustão. É de extrema importância, a análise cuidada destes parâmetros, para a obtenção de

bons resultados económicos, energéticos e ambientais.

Os combustíveis sólidos de biomassa, como alternativa energética para a produção de eletricidade ou

calor, são alvo de análises comparativas com os seus rivais sólidos, líquidos e gasosos. O poder

calorífico, densidade energética e emissões gasosas são variáveis essenciais, entre outras, à escolha

dos combustíveis a utilizar em sistemas energéticos. A Figura 1.10, Figura 1.11 e o Quadro 1.2

apresentam comparações entre algumas dessas variáveis.

Figura 1.10 – Poder calorífico3 [23] e [24].

Figura 1.11 – Armazenamento para 10MWh [23].

Emissões Fuelóleo leve Gás natural Estilha/pellets

CO 10 150 250

SO2 350 20 20

NOX 350 150 350

Partículas 20 0 10

COV 5 2 10

Quadro 1.2 – Emissões por tipo de combustível em caldeiras atuais [mg/kWh] [25].

3 Em matéria seca para os combustíveis de biomassa sólida

32,9

25,0

40,4 40,9 42,449,6

19,1 19,3 20,0 22,019,1 18,0 19,0 19,3

MJ/Kg

1 2 3,2

8,412,5 11,4

1511,5

21

Fuelóleoleve

Carvão Pellets demadeira

Estilha deBétola(cascaseca)

Estilha deAbeto

(ramadaseca)

Estilha deAbeto

(ramadafresca)

Fardos deAbeto

(ramadafresca)

Estilha dePinheiro(ramada

seca)

Estilha dePinheiro(Cascafresca)

m3

Page 29: Avaliação do potencial como combustível das principais ... · m Metro mm Milímetro m2 Metro quadrado m3 Metro cúbico mg/kg Miligrama por quilograma mg/kWh Miligrama por quilowatt

11

A combustão de biomassa proporciona um vasto leque de aplicações, sejam estas para uso doméstico

ou industrial [19]. A conversão de biomassa em energia útil é realizada sobretudo em sistemas de

combustão, onde um leque variado de biomassa pode ser convertido em diversas formas de energia

[21]. A queima de biomassa numa fornalha é uma das tecnologias mais simples [21].

O vapor é um produto calorífico normalmente obtido em unidades fabris, onde a geração de eletricidade

toma o primeiro lugar na utilização deste. A energia remanescente é utilizada em processos industriais

[19]. A geração de energia elétrica usufrui de uma eficiência entre 17% e 25%, podendo atingir 85%

caso seja adotada a cogeração no processo [19]. Por forma a abraçar as demais aplicações industriais

e domésticas, existem diversos sistemas de combustão que, de uma forma geral, podem agrupar-se

tecnologicamente em reatores de leito fixo, leito fluidizado e de combustível pulverizado (“dust

combustion”).

O estado inicial da matéria prima tem fortes influências no processo de conversão energética,

nomeadamente, no processo de combustão, na escolha do reator e respetivas condições de operação.

O pré-tratamento de biomassa requer alguma atenção no armazenamento, preparação e na

alimentação/transporte da matéria-prima para o sistema de combustão.

No que diz respeito ao armazenamento, este é condicionado pela dimensão caraterística da matéria-

prima antes e depois de ser processada mecanicamente. Tipicamente, para dimensões de 1 a 5 cm,

são utilizados silos cilíndricos, enquanto os silos retangulares são utilizados para dimensões até 60 cm.

Para grandes dimensões são utilizados armazéns ou áreas exteriores.

A dimensão e o teor de humidade na matéria-prima são as primeiras variáveis analisadas. Se o teor de

humidade se encontrar acima do patamar requerido, uma estação de secagem (natural ou forçada)

deverá ser acoplada ao processo, de modo a estabelecer a quantidade de água desejada [26]. O

mesmo se aplica em termos de dimensões, podendo ser necessário incorporar um sistema de trituração

ou corte (destroçadoras ou moinhos). Um aspeto final a ter em conta na preparação da matéria-prima

é a existência de material indesejado ao processo. A existência de material metálico e rochoso pode

requerer maquinaria especializada para a sua remoção, tal como tapetes granulométricos, crivos e

separadores magnéticos.

O sistema de transporte tem que estabelecer a ligação entre a estação de armazenamento e o sistema

de combustão. A cuidada seleção deste sistema tem em conta a distância (horizontal e vertical), a

morfologia e densidade do material a transportar, a dosagem e estanquicidade do sistema. As duas

últimas variáveis estão diretamente relacionadas com as condições de operação do sistema de queima

[26]. Para estabelecer a ligação entre o armazenamento e o sistema de queima são geralmente

utilizados tapetes rolantes e/ou sem-fins. Todo o material fica depositado num acumulador cónico,

“buffer”, antes de entrar para a câmara de combustão. Esta última fase de transporte geralmente é feita

com o auxílio da gravidade, através de dispositivos de controlo de dosagem, portas ou válvulas,

permitindo assim que o sistema trabalhe no seu domínio temporal (contínuo ou descontínuo, “batch

combustion”) [27].

Page 30: Avaliação do potencial como combustível das principais ... · m Metro mm Milímetro m2 Metro quadrado m3 Metro cúbico mg/kg Miligrama por quilograma mg/kWh Miligrama por quilowatt

12

A Figura 1.12 apresenta um sumário, onde esquematiza o processo integral de combustão. Mais

detalhes sobre o mesmo podem ser vistos em [24] e [28].

Figura 1.12 – Processo de combustão [26].

1.4.2 Estudos antecedentes

Dada a dependência energética das regiões ultraperiféricas, a procura de alternativas energéticas é

um alvo de interesse e atenção das entidades governamentais e privadas. Face a este interesse, o

meio académico e científico tem prestado suporte nas diversas áreas das ER. Nesta secção são

resumidos alguns dos mais importantes trabalhos realizados na área da biomassa em regiões

ultraperiféricas disponíveis na literatura da especialidade.

Santamarta et al [29] efetuaram um estudo nas ilhas Canárias, Espanha, com objetivo de analisar o

potencial do uso de biomassa para energia. Os autores abordaram as quantidades disponíveis de

biomassa, a segurança no abastecimento, a auto-suficiência energética em áreas rurais, a topografia

do terreno, a logística e os custos, entre outros aspetos. A floresta ocupa cerca de 13% do arquipélago,

apresentando um potencial de biomassa teórico na ordem de 5,5 tep/ano (resíduos de pinheiros e

louros) que somados aos resíduos agrícolas totalizam 15 tep/ano. Os custos de extração desta

biomassa variam significativamente, consoante a localização e relevo da zona a explorar, sendo na sua

grande maioria economicamente inviável a extração desta biomassa. Os autores sugeriram um

conjunto de diretrizes tecnológicas que foram anunciadas no plano de energias renováveis em Espanha

(PER).

Boukis et al [30] realizaram um trabalho na zona de Heraklion na ilha grega de Creta, onde o foco foi o

potencial de resíduos de biomassa para analisar a viabilidade da implementação de uma central elétrica

alimentada a combustíveis sólidos densificados. O sistema energético da ilha tem sido alvo de grande

pressão em resultado da crescente atividade turística e comercial. Deste modo, a implementação de

uma central a biomassa aparenta ser uma ótima solução energética. O abastecimento de combustível

pode ser proporcionado pelos resíduos da exploração do azeite, os quais representam 80% das

atividades agrícolas em Creta. Estudos antecedentes indicaram que 73 t de matéria seca por ano

estavam disponíveis para consumo energético, proporcionando 12 MWe. As regras impostas ao estudo

financeiro da central incluíram taxas de retorno de capital próprio acima de 15% para além de 20 anos,

custo de investimento específico abaixo de 2000€ por kWe e o custo da eletricidade 75% abaixo do

preço de compra da rede pública. Com base nos constrangimentos económicos, técnicos e de

Biomassa

Carvões

Gases

Alcatrões

Cinzas

Alcatrões

CO2, CO,

H2, CH4

CO2, CO,

H2

Page 31: Avaliação do potencial como combustível das principais ... · m Metro mm Milímetro m2 Metro quadrado m3 Metro cúbico mg/kg Miligrama por quilograma mg/kWh Miligrama por quilowatt

13

abastecimento, os autores concluíram que a implementação de uma central de capacidade instalada

de 8 MWe seria a melhor opção a adotar, tendo esta um período de retorno na ordem dos 7 anos.

Toste [31] estudou a espécie invasora, Pittosporum Undulatum, na ilha Terceira do arquipélago dos

Açores, com o intuito de gerar uma cadeia de valor através do seu potencial energético, levando a cabo

um plano de erradicação da espécie. Foram desenvolvidas relações matemáticas para estimar o

volume e a massa da biomassa existente por árvore, o que permitiu avaliar o potencial de biomassa

existente na ilha. A estimativa do potencial energético da espécie originou valores para o PCI entre

13,5 a 19,8 MJ/kg. Numa análise SWOT, foi verificada a viabilidade económica e ambiental da

exploração energética desta espécie. Na ilha podem ser explorados anualmente cerca de 0,88 km2,

donde 7330 t de matéria seca podem ser extraídos. Segundo um fator médio de conversão de 27%, o

potencial energético foi avaliado entre 5 e 12,8 GWh, representando 2,6% a 6,7% do consumo elétrico

na ilha.

No âmbito do projeto Green Islands Project [32], foi realizado um estudo sobre o uso de biomassa

florestal para a produção de energia, no arquipélago dos Açores, considerando a disponibilidade dos

recursos em termos de acesso, colheita e transporte. Este estudo levou a cabo o desenvolvimento de

uma nova atividade florestal com espécies (Morella faya, Persea indica e Platanus hybrida) de ciclos

de vida curtos (cerca de 5 anos entre cortes rasos4), onde a reflorestação de áreas ocupadas por

espécies invasoras mereceu especial atenção. Na base da caraterização florestal esteve o Inventário

Florestal da DRRF, realizado através da interpretação de ortofotomapas em conjunto com trabalho de

campo. No estudo foram elaborados mapas de ocupação de espécies, cujo mapeamento foi auxiliado

com a utilização de um sistema de informação geográfico (SIG). O Pittosporum Undulatum e a

Cryptomeria Japonica são as espécies mais abundantes na região, ocupando cerca de 49% e 26 % da

área florestal do arquipélago, respetivamente. Para avaliar o potencial energético, foram efetuadas as

análises imediata, elementar e poder calorífico aos troncos e ramos de várias espécies florestais.

Segundo os boletins de laboratório o PCI calculado foi de 20,36 MJ/kg (ramos <8 cm) para o

Pittosporum Undulatum e 24,50 MJ/kg (troncos >8 cm) para a Cryptomeria japónica. O teor de

humidade foi cerca de 46% e 73% e o teor de cinzas foi de 1% e 0,6%, respetivamente. Ambas as

espécies apresentaram a mesma percentagem de matéria volátil (99% em base seca).

4 Modo de tratamento regular em que os povoamentos resultam de um corte raso ou de cortes sucessivos, originando povoamentos de uma só idade, ou de idades próximas.

Page 32: Avaliação do potencial como combustível das principais ... · m Metro mm Milímetro m2 Metro quadrado m3 Metro cúbico mg/kg Miligrama por quilograma mg/kWh Miligrama por quilowatt

14

1.5 Estrutura da tese

A presente tese está estruturada em cinco capítulos. O presente capítulo constitui a Introdução, tendo

discutido a motivação e objetivos deste estudo e apresentado a revisão bibliográfica.

O segundo capítulo, Recursos endógenos, inclui a caraterização florestal da RAA, em particular da ilha

de São Miguel, descrevendo em detalhe as espécies dominantes na ilha.

O terceiro capítulo, Avaliação do potencial energético, encontra-se dividido em três subcapítulos, a

saber: descrição da metodologia utilizada no estudo, avaliação e quantificação do potencial de

biomassa, e, finalmente, quantificação do potencial energético existente na ilha.

O quarto capítulo, Potencial de aplicação, inicia-se com a caraterização energética da ilha,

apresentando, de seguida, os vários potenciais setores industriais consumidores do recurso energético

em estudo.

Finalmente, o quinto capítulo, Fecho, resume as conclusões deste trabalho e apresenta um conjunto

de sugestões para trabalhos futuros.

Page 33: Avaliação do potencial como combustível das principais ... · m Metro mm Milímetro m2 Metro quadrado m3 Metro cúbico mg/kg Miligrama por quilograma mg/kWh Miligrama por quilowatt

15

2 Recursos endógenos

2.1 Caraterização florestal da ilha de São Miguel

A floresta é uma componente marcante na paisagem açoriana, constituindo 21% do território (493,4

km2). Esta alberga um setor económico com 1400 postos de trabalho, onde a venda direta de madeira

e o setor de primeira transformação proporcionam anualmente cerca de 1,8 e 10,9 milhões de euros,

respetivamente [33]. Deste modo, o setor apresenta um valor económico e social considerável para a

região, de forma que a sua exploração tem de ser efetuada de modo sustentável e com recurso a

políticas de boa gestão florestal, promovendo a sua proteção e conservação.

O coberto florestal da RAA está fracionado em três parcelas, propriedades privadas, pública e baldios,

sendo esta última gerida pelo estado (Quadro 2.1 e Figura 2.1). A parcela privada é maior em termos

de área, sendo dominada por pastagens (que constitui a grande maioria da paisagem rural do

arquipélago, cerca de 1386 km2), para a criação de gado. Esta parcela tem sido alvo de intervenções

nos últimos 18 anos, por forma a beneficiar os povoamentos existentes e valorizar o material lenhoso,

através da reconversão, rearborização e arborização. A parcela pública é a seguinte nos mesmos

termos, desempenhando um papel determinante na região, não só pela área que abrange, como

também pela sua função estruturante. É na parcela baldia que se desenvolvem os maiores

povoamentos de espécies endémicas. Estas áreas são denominadas como reservas naturais e

atualmente estão classificadas ao abrigo da Rede Natura 2000 [3]. A exploração florestal para fins

madeireiros detém uma quota considerável, sendo assegurada maioritariamente pela parcela privada

(cerca do dobro da pública).

Parâmetros

Ocupação de terreno [%]

Agricultura 65 Floresta 9 Natural 21 Artificial 5

Estrutura florestal [ha]

Floresta de produção 18,7 Floresta pública 33 Floresta privada 67 Tamanho médio da exploração florestal privada

4,2

Quadro 2.1 – Ocupação e estrutura do setor florestal na RAA [32].

Figura 2.1 – Estrutura florestal na RAA [34].

8%

59%

11%

22%

33%

Floresta Natural

Regeneração de florestanaturalPlantação pública

Plantação privada

Page 34: Avaliação do potencial como combustível das principais ... · m Metro mm Milímetro m2 Metro quadrado m3 Metro cúbico mg/kg Miligrama por quilograma mg/kWh Miligrama por quilowatt

16

A área florestal da RAA (493,4 km2) é dominada na sua grande maioria por 10 espécies florestais,

destacando-se 5 (Quadro 2.2) pela sua área de ocupação: o Pittosporum Undulatum, a Cryptomeria

Japonica, a Acacia Melanoxylon, o Eucalyptus globulus e a Morella Faya, que são responsáveis pela

ocupação de 96% (474 km2) da área florestal. O Pittosporum Undulatum assume o topo da lista

ocupando 48% (239 km2) da área florestal da RAA [3].

Espécie km2 %

Morella Faya 24,42 4,95

Eucalyptus globulus 37,86 7,67

Acacia Melanoxylon 43,54 8,82

Cryptomeria Japonica 128,56 26,06

Pittosporum Undulatum 239,39 48,51

Total 473,77 96,02

Quadro 2.2 – Principais espécies na RAA [35].

A ilha de São Miguel conta com 165,41 km2 de floresta (22% da área total da ilha), possuindo cerca de

11 espécies florestais (Figura 2.2), das quais se destacam os povoamentos de Cryptomeria Japonica

(Criptoméria), Pittosporum Undulatum (Incenso) e Acacia Melanoxylon (Acácia) pela sua área de

ocupação em solo (Quadro 2.3). Estes povoamentos são responsáveis por cerca de 92% da área

florestal da ilha, sendo a Criptoméria a espécie mais abundante com 51,6%, seguida do Incenso e da

Acácia com 22,7% e 17,9%, respetivamente.

Figura 2.2 – Espécies dominantes na ilha de São Miguel [35].

Espécie Área [km2] Ocupação relativa na ilha [%]

Território Florestal

Cryptomeria Japonica 85,4 11,5 51,6 Pittosporum Undulatum 37,5 5,0 22,7

Acacia Melanoxylon 29,6 4,0 17,9 Total 152,5 20,5 92,2

Quadro 2.3 – Áreas de ocupação por espécie na ilha de São Miguel [3].

Para além das suas áreas de ocupação, as referidas três espécies destacam-se pelos seguintes factos:

a Cryptomeria Japonica constitui a base da matéria-prima da indústria de primeira transformação cujo

destino é madeira para construção, o Pittosporum Undulatum é uma espécie invasora infestante

0,0 2,5 5,0 7,5 10,0 12,5

Quilometros

N

Legenda

Criptoméria

Eucalipto

Incultos

Folhosas diversas

Acácia

Incenso

Pinheiro Japonês

Pinheiro Bravo

Resinosas diversas

Faia das Ilhas

Vinhático

Camaecipáris

Espaços Naturais ou semi-naturais

Page 35: Avaliação do potencial como combustível das principais ... · m Metro mm Milímetro m2 Metro quadrado m3 Metro cúbico mg/kg Miligrama por quilograma mg/kWh Miligrama por quilowatt

17

passível de ser valorizada energeticamente [32] e a Acacia Melanoxylon possui um conjunto de

propriedades mecânicas (estruturais) e químicas (energéticas) que lhe conferem um papel importante

no mercado local (carpintaria e lenhadores).

2.2 Espécies dominantes

2.2.1 Cryptomeria Japonica

A Cryptomeria Japonica D. Don, mais conhecida por Criptoméria, é uma espécie oriunda do extremo

oriente. Povoamentos bravios desenvolvem-se nas ilhas centrais e sul do Japão, assistidos por um

clima quente e húmido. De caráter ornamental, a espécie é a base da fileira florestal regional, sendo a

imagem de marca da floresta de produção local, sendo a principal espécie (não protegida) presente

nas áreas públicas e privadas. A espécie exerce uma função crucial na definição da nova estratégia

florestal da ilha e da região, desde logo pela possibilidade da criação de emprego direto, quer nas

atividades de exploração florestal, rearborização e manutenção dos povoamentos, quer na indústria de

transformação a jusante [3].

Com uma copa piramidal densa atinge cerca de 50 m na idade adulta, perenifólia, de tronco forte e

cilíndrico apresenta ramos delgados, conferindo uma boa resistência a ventos fortes e geadas. O seu

borne apresenta uma cor pálida, branco-amarelada, com uma espessura reduzida de 2 a 5 cm,

distinguindo-se do cerne rosado, acastanhado ou negro com anéis de 4 a 5 mm (Fotografia 2.1). Com

uma massa volúmica de 260 kg/m3 (valores médios para um teor de humidade igual a 12%), a madeira

dispõe de uma orientação fibrosa (fio) reta, um grão uniforme e uma textura variável, mas

tendencialmente grossa. Com elevado teor de humidade, é uma madeira sem canais resinosos e com

um aroma bastante caraterístico.

Fotografia 2.1 – Corte transversal de um toro de Criptoméria.

Tal como o Taxodium (Cypress) e a Sequóia, da América do Norte, é uma madeira de elevada

durabilidade a fungos xilófagos, de fácil laboração devido à sua baixa dureza e com uma preparação

fácil devido à sua rápida secagem. Estas caraterísticas permitem assim que a madeira de Criptoméria

seja de fácil serragem e trabalhabilidade.

Page 36: Avaliação do potencial como combustível das principais ... · m Metro mm Milímetro m2 Metro quadrado m3 Metro cúbico mg/kg Miligrama por quilograma mg/kWh Miligrama por quilowatt

18

Em termos energéticos este recurso dispõe de um PCI de cerca de 21 MJ/kg. Quanto às suas

propriedades químicas, a madeira de Criptoméria possui 99% de matéria volátil, 0,6% de cinzas e uma

humidade de 73%.

2.2.2 Pittosporum Undulatum

O Pittosporum Undulatum, denominado localmente por Incenso, é uma espécie oriunda da Austrália,

que foi introduzida nos Açores como sebes de proteção à plantação de árvores de laranja no século 19

[36]. É uma espécie invasora capaz de colonizar uma vasta gama de habitats, como climas temperados

quentes, florestas montanhosas tropicais e subtropicais. Os Açores possuem um clima favorável ao

desenvolvimento desta espécie, o que permite uma fácil proliferação da mesma. A sua invasão

modificou substancialmente a paisagem do arquipélago, ocupando parte da área entre o nível do mar

e uma altitude de 500 m [37], afetando reservas naturais, paisagens protegidas e a flora endémica da

região. Para além do seu cariz invasor, a espécie tem múltiplas funções na região, como por exemplo,

sebes de proteção de pomares (Fotografia 2.2), alimento de gado caprino, constituinte da cama para o

cultivo do ananás e é considerada importante na produção de mel devido à sua polinização ser

assegurada por abelhas [38]. Contudo, o impacto ecológico na região associado a esta espécie, torna-

a como prioritária à implementação de ações de controlo dado o seu caráter infestante [37].

Fotografia 2.2 – Sebes de Incenso para proteção de bananais.

A árvore ou arbusto perenifólia persistente pode atingir até 15 m de altura com uma copa piramidal

densa de 3 a 5 m de diâmetro. Possui um tronco tortuoso com casca irregular de cor parda escura

(Fotografia 2.3) [39]. Os seus ramos ostentam uma folhagem verde brilhante com uma forma oval e

extremidade ondulada [40]. A sua floração dá-se durante os períodos de primavera e verão com uma

flor odorífera branca e amarela [41], onde se desenvolve um fruto em forma de cápsula castanha e

laranja (Fotografia 2.4), originando sementes avermelhadas no outono [41].

Page 37: Avaliação do potencial como combustível das principais ... · m Metro mm Milímetro m2 Metro quadrado m3 Metro cúbico mg/kg Miligrama por quilograma mg/kWh Miligrama por quilowatt

19

Fotografia 2.3 – Corte transversal de um toro de Incenso.

Fotografia 2.4 – Fruto do Incenso.

Em termos energéticos, o Incenso apresenta um PCI de cerca de 17,13 MJ/kg. Quanto às suas

propriedades químicas, o Incenso possui 99% de matéria volátil, 0,9% de cinzas e uma humidade de

46%.

2.2.3 Acacia Melanoxylon

A Acacia Melanoxylon, originária da Tasmânia, Austrália, é uma espécie que habitualmente invade

florestas e habitats naturais degradados na forma de árvore. A qualidade da sua madeira proporciona-

lhe um caráter comercial na indústria madeireira, sendo a Acácia uma madeira de construção de grande

valor [42]. A espécie foi introduzida na Europa como uma planta ornamental no século 19, entrando em

expansão na primeira metade do século 20 através de planos florestais nacionais [43]. De caráter

invasivo, esta espécie estabeleceu-se rapidamente no ambiente envolvente, provocando alterações na

estrutura e na dinâmica do ecossistema nativo. A participação da espécie no Inventário Florestal da

região é significativa nas ilhas do Pico, Terceira e São Miguel. Contudo a sua participação tem vindo a

decrescer devido à introdução da Criptoméria no mercado de madeira regional [40].

É uma árvore perenifólia persistente com uma copa piramidal densa e arredondada, geralmente

atingindo 8 a 15-20 m de altura. A Fotografia 2.5 apresenta um corte transversal de um toro de Acácia.

Com uma folhagem verde acinzentado, a Acácia floresce entre o final do inverno e o final da primavera,

onde uma flor de cor amarela pálida brota um fruto castanho do tipo vagem no verão. A madeira de

Page 38: Avaliação do potencial como combustível das principais ... · m Metro mm Milímetro m2 Metro quadrado m3 Metro cúbico mg/kg Miligrama por quilograma mg/kWh Miligrama por quilowatt

20

Acácia é muito conhecida pela sua elevada massa volúmica, 659 kg/m3, que lhe confere uma

resistência adicional nos produtos finais de marcenaria/carpintaria [44].

Fotografia 2.5 – Corte transversal de um toro de Acácia

Em termos energéticos, a Acácia tem um PCI de 20 MJ/kg. Quanto às suas propriedades químicas, a

Acácia apresenta 99% de matéria volátil, 1,1% de cinzas e uma humidade de 47%.

Page 39: Avaliação do potencial como combustível das principais ... · m Metro mm Milímetro m2 Metro quadrado m3 Metro cúbico mg/kg Miligrama por quilograma mg/kWh Miligrama por quilowatt

21

3 Avaliação do potencial energético

3.1 Metodologia

A avaliação do potencial energético, na ilha de São Miguel, foi efetuada com base em informação

recolhida na ilha, nomeadamente na Direção Regional dos Recursos Florestais, na Direção Regional

da Energia e em unidades fabris e hoteleiras.

O presente estudo foi composto por 3 etapas: trabalho de campo, tratamento de informação e avaliação

do potencial energético. O trabalho de campo prendeu-se com o levantamento das principais entidades

produtoras de resíduos madeireiros, identificação e quantificação da biomassa (subprodutos

madeireiros) predominante na ilha e identificação dos potenciais consumidores deste tipo de energia.

Esta fase teve a duração de dois meses. Neste período foram efetuadas visitas às entidades de primeira

e segunda transformação de madeira, com o objetivo de recolher informação acerca da produção

madeireira e respetivos mapas de quantidades (cortes rasos e subprodutos). A recolha desta

informação foi efetuada através de um questionário via web (Google questionários). Este foi composto

por 48 questões, contendo perguntas de escolha múltipla e de resposta aberta. Durante as visitas foi

possível conhecer a dinâmica das serrações, relativamente à produção de resíduos e subprodutos. De

modo a identificar potenciais consumidores de biomassa foram visitadas unidades fabris e hoteleiras,

sendo possível abordar as suas necessidades energéticas e respetivos constrangimentos na utilização

do recurso em estudo. No decorrer das visitas obtiveram-se algumas imagens fotográficas, Fotografia

3.1 à Fotografia 3.6.

Fotografia 3.1 – Armazenamento de toros Criptoméria.

Fotografia 3.2 – Unidade de serragem (primeira transformação).

Page 40: Avaliação do potencial como combustível das principais ... · m Metro mm Milímetro m2 Metro quadrado m3 Metro cúbico mg/kg Miligrama por quilograma mg/kWh Miligrama por quilowatt

22

Fotografia 3.3 – Armazenamento de subprodutos madeireiros (costaneiros).

Fotografia 3.4 – Estilhador de Criptoméria do tipo garlopa.

Fotografia 3.5 – Encaminhamento de estilha para Portugal Continental (contentor open top).

Page 41: Avaliação do potencial como combustível das principais ... · m Metro mm Milímetro m2 Metro quadrado m3 Metro cúbico mg/kg Miligrama por quilograma mg/kWh Miligrama por quilowatt

23

Fotografia 3.6 – Caldeiras e queimadores a pellets (unidade hoteleira).

No tratamento de informação foram reunidos e tratados todos os dados relativos às entidades contadas

na primeira fase. Os dados recolhidos foram catalogados por forma a facilitar as estimativas realizadas

na fase seguinte do estudo.

A última fase foi dedicada ao levantamento e à avaliação do potencial energético da biomassa existente

na ilha. O levantamento dos povoamentos das espécies em estudo foi conseguido a partir do Inventário

Florestal da Região, disponibilizado pela Direção Regional dos Recursos Florestais. A quantificação

energética foi realizada com o auxílio das análises químicas realizadas em 2010 no Laboratório de

Análises do Instituto Superior Técnico [32].

O Inventário Florestal foi realizado em 2007 pela equipa técnica da DRRF. Este dividiu-se em duas

fases, sendo a primeira destinada à aquisição de informação gráfica (dados cartográficos) e numérica.

As áreas e a distribuição dos povoamentos de cada espécie tiveram em conta a composição e o estado

de desenvolvimento destes, sendo estas realizadas segundo um modelo de estratificação de manchas.

Na segunda fase foram efetuadas medições aos povoamentos de maior interesse para produção de

material lenhoso. A amostragem foi constituída por 141 parcelas ao longo da região, sendo estas

avaliadas e medidas. Com uma configuração de 200 m2 circulares, estas parcelas foram marcadas com

o auxílio de um equipamento de medição “Vertex”. As principais variáveis dendrométricas5 estiveram

na base da caraterização destas parcelas. A caraterização de cada parcela constou na medição do

diâmetro de todas as árvores e na seleção cuidada de algumas destas por forma a obter uma amostra

significativa. Na amostra selecionada foram listadas as seguintes medições: altura total e da base da

copa, diâmetro basal, idade, acréscimo em raio nos últimos 5 anos e a espessura da casca. Com base

em todas as medições efetuadas foi estimada a capacidade produtiva e quantificado o material lenhoso

de cada povoamento analisado [45].

A cartografia foi realizada segundo um modelo de estratificação dos povoamentos, que por sua vez

constitui a Carta Florestal. Esta foi efetuada a partir da delimitação dos povoamentos no campo sobre

fotografia aérea, sendo esta última auxiliada pela carta militar 1:25 000. Face ao desfasamento

5 Variáveis de caraterização do crescimento de uma árvore ou povoamento.

Page 42: Avaliação do potencial como combustível das principais ... · m Metro mm Milímetro m2 Metro quadrado m3 Metro cúbico mg/kg Miligrama por quilograma mg/kWh Miligrama por quilowatt

24

existente entre a informação fotográfica e a situação real verificada em campo foi utilizado o GPS em

algumas áreas de estudo. A vetorização das manchas/povoamentos caraterizados em campo sobre os

ortofotomapas foi elaborada com recurso ao SIG. Após a compilação de toda a informação adquirida

no terreno, foi gerada uma base de dados em SIG. Este banco de dados permite a cada povoamento

ter associada informação acerca da sua área e composição. Outro nível de informação (variáveis

dendrométricas) é adicionado às parcelas/manchas amostradas, o que permite avaliar a existência de

material lenhoso para produção [45].

A reunião de todos estes dados florestais num sistema informático SIG, possibilita uma pesquisa

acessível e prática, com a possibilidade de cruzar vários níveis de informação gráfica e numérica.

Assim, o SIG é uma ferramenta essencial para o levantamento espacial do perímetro florestal e sua

gestão.

3.2 Potencial de biomassa

A seleção das espécies para avaliação do potencial energético (Criptoméria, Incenso e Acácia) teve

por base o trabalho de campo efetuado na ilha de São Miguel, os estudos anteriormente efetuados,

[31] e [32], as diretivas da DRRF, as suas caraterísticas energéticas e respetiva ocupação do solo.

Os principais recursos de biomassa derivada da Criptoméria são os resíduos provenientes da

exploração florestal e os subprodutos/resíduos da serração. Os primeiros são resíduos de abate que

permanecem na mata de acordo com as instruções do manual de boas práticas para a gestão florestal

nos Açores [46]. Árvores inteiras mortas, doentes ou que não apresentam qualquer valor/interesse

comercial, folhagem, ramos e pontas (copas) das árvores exploradas são os mais abundantes deste

tipo de atividade. Segundo a DRRF, estes resíduos representem cerca de 10 a 20 % do total da

biomassa existente numa área de exploração florestal típica. Dadas as caraterísticas topográficas das

matas, a remoção destes é inviável quer do ponto de vista técnico quer económico.

Os subprodutos/resíduos provenientes das serrações de madeira são de fácil aquisição dada a sua

concentração nas unidades de transformação. Este material de biomassa representa cerca de 30% do

total de material lenhoso. A sua disponibilidade depende fortemente da procura no mercado da madeira,

havendo uma relação entre a área cortada anualmente e a procura. Na ilha de São Miguel, a área

média cortada anualmente representa apenas 45% da capacidade produtiva da ilha.

A ilha de São Miguel conta com uma área de ocupação de Criptoméria de cerca de 85,4 km2. No

entanto, esta espécie obedece a um ciclo de crescimento e amadurecimento, estando disponível para

corte após uma idade igual ou superior a 30 anos. Na Figura 3.1 é apresentada a disponibilidade (38

km2) e distribuição geográfica atual deste recurso na ilha. Anualmente são autorizados o corte de 1,3

km2, o que corresponde a um volume de 99258 m3 de material lenhoso explorado. Para maior detalhe

da disponibilidade deste recurso é apresentado o Quadro 3.1 com estimativas de biomassa disponível

na ilha.

A ilha possui cerca de 13 entidades no setor florestal da exploração/serração [3]. Como fruto desta

atividade, os resíduos de madeira são diversos: costaneiros, serradura fina e grossa, retalhos de

Page 43: Avaliação do potencial como combustível das principais ... · m Metro mm Milímetro m2 Metro quadrado m3 Metro cúbico mg/kg Miligrama por quilograma mg/kWh Miligrama por quilowatt

25

madeira e cascas. Destes destacam-se os costaneiros, a serradura fina (serrim) e a serradura grossa

(aparas ou cavacos), ver Quadro 3.2. A biomassa proveniente da exploração/serração predomina face

à indústria de carpintaria/marcenaria, que conta com 86 entidades na ilha [3], sendo os retalhos e a

serradura grossa os resíduos predominantes. Note-se que os resíduos provenientes da

exploração/serração são maioritariamente de Criptoméria, enquanto os resíduos da

carpintaria/marcenaria são de diversas espécies.

Figura 3.1 – Distribuição de povoamentos puros de Criptoméria, com mais de 30 anos [47].

Designação Unidade Quantidade

Cortes autorizados* km2 1,3

m3 99257,8

Área florestal > 30 anos km2 38,0

Área florestal km2 85,4

Ocupação relativa** Florestal % 51,6

Território % 11,5

Notas: *Cortes rasos autorizados pela DRRF no ano de 2015 relativos à exploração florestal em regime de alto-fuste6 e talhadia7 e à transformação; **Área de ocupação relativa à ilha de São Miguel.

Quadro 3.1 – Mapa de disponibilidade da Criptoméria [3] e [35].

Subprodutos

Costaneiros Serradura

Fina Grossa

Quadro 3.2 – Biomassa predominante na exploração/serração de Criptoméria.

6 Alto-fuste: quando o povoamento se perpétua, direta ou indiretamente, por via seminal. 7 Talhadia: povoamento proveniente de rebentos ou pôlas de origem caulinar ou radicular.

0,0 2,5 5,0 7,5 10,0 12,5

Quilometros

N

Page 44: Avaliação do potencial como combustível das principais ... · m Metro mm Milímetro m2 Metro quadrado m3 Metro cúbico mg/kg Miligrama por quilograma mg/kWh Miligrama por quilowatt

26

Atualmente toda a biomassa produzida nas unidades de serração constitui um problema económico e

logístico para as entidades produtoras. Os seus destinos são diversos, sendo parte destes

encaminhados para Portugal Continental para as indústrias de aglomerados de madeira e produção de

pellets. O remanescente permanece na ilha, sendo na sua grande maioria encaminhada para estábulos

e estufas de cultivo (ananás), tendo como destinos a cama animal e o fertilizante. Em termos de

valorização energética, é feito um aproveitamento residual desta biomassa, através da sua queima nas

caldeiras das estufas de secagem de madeira nas próprias entidades de serração.

De forma a estudar a produção de biomassa nas unidades de serração foi efetuado o levantamento

qualitativo e quantitativo dos subprodutos nas principais unidades da ilha. No Quadro 3.3 estão listados

os principais subprodutos e as respetivas quantidades referentes ao ano de 2015.

Ano Matéria-prima* [t] Subprodutos [t] ηtrans Costaneiros [t] Serrim/Aparas [t]

2015 17784,52 4956,70 27,87%

3720,11 1236,60

% relativa**

75,05% 24,95%

Nota: *Toros sem transformação; ** Percentagem relativa ao total de subprodutos gerados

Quadro 3.3 – Mapa de subprodutos de primeira transformação madeireira.

Os valores no Quadro 3.3 foram estimados a partir de mapas de quantidades de matéria-prima,

disponibilizados pelas entidades. A partir destes foi efetuado um somatório da matéria-prima cortada

no ano de 2015 e foram estimados os subprodutos gerados. Devido à ausência de informação (mapas

de subprodutos), a estimativa teve por base o histórico de 6 anos (2010 a 2015) de uma das entidades

contatadas que efetua o controlo de resíduos desde o ano de 2003. A partir deste histórico foi efetuada

uma média aritmética simples do rendimento de transformação anual (Equação 3.1).

ηtrans

=Subprodutos

Matéria-prima (3.1)

O resultado obtido foi de 27,87%, menos 2,13% do rendimento calculado pela DRRF (30%). O mesmo

histórico e processo de cálculo foi utilizado para as estimativas das quantidades dos costaneiros e do

serrim/aparas. A percentagem relativa destes em relação ao total anual de subprodutos gerados foi

estimada em 75,05% e 24,95%, respetivamente, de acordo com a Equação 3.2.

%𝑟𝑒𝑙𝑎𝑡𝑖𝑣𝑎=𝑆𝑢𝑏𝑝𝑟𝑜𝑑𝑢𝑡𝑜

Total Subprodutos (3.2)

Note-se que para as estimativas calculadas, os subprodutos serrim e aparas foram tratados como um

único subproduto serrim/aparas.

Page 45: Avaliação do potencial como combustível das principais ... · m Metro mm Milímetro m2 Metro quadrado m3 Metro cúbico mg/kg Miligrama por quilograma mg/kWh Miligrama por quilowatt

27

Em termos de disponibilidade de Incenso, São Miguel detém cerca de 37,50 km2, o que equivale a

22,67% da área florestal da ilha ocupando territorialmente cerca de 5,06% desta. Contudo, o abate

desta e das demais espécies da região têm de obedecer às diretivas da DRRF, para que a sua

exploração e utilização sejam realizadas de forma sustentável e com o objetivo de aumentar a

competitividade do setor na região. Dadas as restrições no abate, a DRRF autorizou o corte raso de

74,07 ha no ano de 2015, originando cerca de 747952,66 tonelada de material lenhoso. Para maior

detalhe da disponibilidade deste recurso é apresentado o Quadro 3.4 com as estimativas de biomassa

disponível na ilha. A Figura 3.2 apresenta a distribuição geográfica deste recurso na ilha de São Miguel

de acordo com o Inventário Florestal.

Designação Unidade Quantidade

Cortes autorizados* km2 0,74

t 747952,66

Área florestal km2 37,50

Ocupação relativa** Florestal % 22,67

Território % 5,03

Notas: *Cortes rasos autorizados pela DRRF no ano de 2015 relativos à exploração florestal em regime de alto-fuste e talhadia e à transformação; **Área de ocupação relativa à ilha de São Miguel.

Quadro 3.4 – Mapa de disponibilidade do Incenso [3] e [35].

Figura 3.2 – Distribuição de povoamentos puros de Incenso [35].

Comparativamente à Criptoméria, o Incenso tem menos 47,9 km2 de coberto florestal, o que o coloca

na segunda posição em termos de disponibilidade. Este dispõe de um rácio ocupação versus corte

autorizado de 2%, enquanto a Criptoméria apresenta um rácio de 1,5%, devendo-se esse resultado ao

cariz invasor do Incenso.

0,0 2,5 5,0 7,5 10,0 12,5

Quilometros

N

Page 46: Avaliação do potencial como combustível das principais ... · m Metro mm Milímetro m2 Metro quadrado m3 Metro cúbico mg/kg Miligrama por quilograma mg/kWh Miligrama por quilowatt

28

A Acácia detém 17,9% do coberto florestal da ilha, o que equivale a cerca de 30 km2 estendidos ao

longo de toda a ilha. Pelas mesmas razões apresentadas no caso do Incenso, o abate desta espécie é

igualmente controlado pela DRRF. Esta autorizou no ano de 2015, o corte raso de 19 ha, o que em

termos produtivos corresponde a 4093,07 t. Para maior detalhe da disponibilidade deste recurso é

apresentado o Quadro 3.5 com as estimativas de biomassa disponível na ilha. A Figura 3.3 apresenta

a distribuição geográfica deste recurso na ilha de São Miguel de acordo com o Inventário Florestal.

Designação Unidade Quantidade

Cortes autorizados* km2 0,19

m3 4093,07

Área florestal km2 29,56

Ocupação relativa** Florestal % 17,87

Território % 3,97

Notas: *Cortes rasos autorizados pela DRRF no ano de 2015 relativos à exploração florestal em regime de alto-fuste e talhadia e à transformação; **Área de ocupação relativa à ilha de São Miguel.

Quadro 3.5 – Disponibilidade de povoamentos puros de Acácia [35].

Figura 3.3 – Distribuição de povoamento puros de Acácia [35].

Das três espécies abordadas a Acácia, é a que detém menor ocupação de solo, menos 48 km2

comparativamente à Criptoméria e menos 8 km2 em relação ao Incenso. A Acácia encontra-se assim

em terceiro lugar em termos de disponibilidade, dispondo um rácio ocupação versus corte autorizado

de 0,66%, em contraste com 2% e 1,5% do Incenso e da Criptoméria, respetivamente.

0,0 2,5 5,0 7,5 10,0 12,5

Quilometros

N

Page 47: Avaliação do potencial como combustível das principais ... · m Metro mm Milímetro m2 Metro quadrado m3 Metro cúbico mg/kg Miligrama por quilograma mg/kWh Miligrama por quilowatt

29

Em termos globais, estas três espécies totalizam uma área florestal com cerca de 152 km2. Esta área

corresponde a uma ocupação florestal na ordem de 92%, o que em termos territoriais se expressa em

20,47% da área da ilha. Anualmente a DRRF autoriza o corte de 2,27 km2, o que equivale a um rácio

global ocupação versus cortes autorizados de 1,49%. O Quadro 3.6 apresenta um resumo da

disponibilidade dos povoamentos puros das espécies em estudo.

Designação Unidade Espécies

Total Criptoméria Incenso Acácia

Cortes autorizados*

km2 1,33 0,74 0,19 2,27

t N/A 747 952,66 N/A 747952,66

m3 99 257,75 N/A 4 093,07 103350,82

Área florestal > 30 anos km2 38,02 N/A N/A 38,02

Área florestal km2 85,41 37,50 29,56 152,47

Ocupação relativa** Florestal % 51,63 22,67 17,87 92,18

Território % 11,46 5,03 3,97 20,47

Rácio ocupação vs cortes autorizados % 1,56 1,98 0,66 1,49

Notas: *Cortes rasos autorizados pela DRRF no ano de 2015 relativos à exploração florestal em regime de alto-fuste e talhadia e à transformação; **Área de ocupação relativa à ilha de São Miguel.

Quadro 3.6 – Resumo disponibilidade de povoamentos puros.

De modo a avaliar o potencial de biomassa existente na ilha de São Miguel, o presente trabalho teve

em conta a biomassa existente nas unidades de serração (subprodutos madeireiros) em conjunto com

o material lenhoso disponível para corte no ano de 2015. Foram analisados dois cenários distintos, P1

e P2. O primeiro comportou a análise dos subprodutos madeireiros em conjunto com material lenhoso

proveniente do Incenso e da Acácia, enquanto o segundo avaliou apenas o material lenhoso disponível

para corte das três espécies. A análise em cenários distintos foi considerada face ao material lenhoso

de Criptoméria constituir um valor comercial elevado, não justificando o abate deste recurso para fins

energéticos.

Na avaliação de ambos os cenários foram tidos em conta os seguintes parâmetros: densidade do

material lenhoso, produtividade florestal e densidade de lote. No Quadro 3.7 são catalogados o tipo de

biomassa com os respetivos valores junto das suas unidades.

Parâmetro Espécie

Designação Unidade

Criptoméria Incenso Acácia

B.F. Subprodutos

B.F. B.F. Costaneiros Serrim/Aparas

Densidade material lenhoso* tseca/ m3 0,30 0,30 0,30 0,56 0,56

Densidade de lote** trecebida/ m3 N/A 0,33 0,27 N/A N/A

Produtividade Florestal*** m3/ha/ano 23 N/A N/A 130 19,89

Notas: Dados fornecidos *DRRF; **medidos em campo; *** [32]; B.F. – Biomassa florestal

Quadro 3.7 – Parâmetros de análise.

Note-se que a medição da densidade do lote dos costaneiros teve por base um contentor com uma

capacidade média de 22 t, enquanto a do serrim/aparas foi estimada através de um veículo (Toyota

280) com uma capacidade média 2,8 t.

Page 48: Avaliação do potencial como combustível das principais ... · m Metro mm Milímetro m2 Metro quadrado m3 Metro cúbico mg/kg Miligrama por quilograma mg/kWh Miligrama por quilowatt

30

O cenário P1 contabilizou um total de 12490 tonelada de biomassa seca, segundo uma densidade

lenhosa seca média na ordem dos 0,3 para a Criptoméria (subprodutos) e 0,56 para as restantes

espécies. O Incenso foi o recurso predominante, com uma quota de 43,18%, o que corresponde a 5392

tseca/ano. Quanto aos subprodutos das unidades de serração, estes totalizaram 4805 tseca/ano,

manifestando-se com uma quota de 38,47%, menos 4,7% que o Incenso. Verifica-se, assim, um

potencial de biomassa significativo nas unidades de primeira transformação madeireira. Ainda

relativamente aos subprodutos, os costaneiros de Criptoméria manifestaram-se com 27,44%, o que

equivale a 3427 tseca/ano. Relativamente à Acácia, o potencial foi de 2292 tseca/ano, representando uma

quota de 18,35%. Em termos produtivos a ilha consegue produzir cerca de 6,5 t/h de acordo com o

cenário P1. O Quadro 3.8 e o Gráfico 3.1 sumarizam a informação acima descrita.

Biomassa P1 Base seca [tseca/ano]

%

Subprodutos

Costaneiros 3426,99 27,44

Serrim/Aparas 1378,05 11,03

Total 4805,04 38,47

Incenso 5392,40 43,18

Acácia 2292,12 18,35

Total 12489,56 100

Quadro 3.8 – Potencial de biomassa P1.

Gráfico 3.1 – Quotas de biomassa P1

Incenso43%

Acácia18% Costaneiros

28%

Serrim/Aparas11%

Subprodutos 39%

Page 49: Avaliação do potencial como combustível das principais ... · m Metro mm Milímetro m2 Metro quadrado m3 Metro cúbico mg/kg Miligrama por quilograma mg/kWh Miligrama por quilowatt

31

No caso do cenário P2, a situação muda substancialmente, dada a abundância de Criptoméria na ilha.

Esta comparticipa com 79,49% do potencial de biomassa, tendo como resultado 29777 tseca/ano. Este

resultado comporta o primeiro lugar na lista de recursos segundo o cenário P2. No segundo lugar da

lista encontra-se o Incenso com uma quota de 14,39%, totalizando a mesma quantia referida no cenário

P1 (5392 tseca /ano). O fecho da lista é ocupado pela Acácia, que contribui com 6,12% para o P2 (2292

tseca/ano). Assim o cenário P2 totaliza uma quantia de 37462 tseca/ano, o que corresponde a um

acréscimo de 33,34%, que equivale a 24972 tseca/ano. Segundo o cenário P2, a ilha tem uma

capacidade produtiva de 19,51 t/h. A avaliação deste cenário foi meramente teórica, por forma a avaliar

o potencial energético total da ilha, segundo os cortes autorizados pela DRRF. Os resultados referentes

ao cenário P2 são apresentados no Quadro 3.9, enquanto o Gráfico 3.2 resume e compara os

resultados de ambos os cenários.

Biomassa P2 Base seca [tseca/ano]

%

Criptoméria 29 777,33 79,49

Incenso 5 392,40 14,39

Acácia 2 292,12 6,12

Total 37461,85 100

Quadro 3.9 – Potencial de biomassa P2.

Gráfico 3.2 – Mapa comparativo.

Costaneiros Serrim/Aparas Criptoméria Incenso Acácia

P1 3 427 1 378 0 5 392 2 292

P2 0 0 29 777 5 392 2 292

0

10 000

20 000

30 000

40 000

t seca/a

no

Page 50: Avaliação do potencial como combustível das principais ... · m Metro mm Milímetro m2 Metro quadrado m3 Metro cúbico mg/kg Miligrama por quilograma mg/kWh Miligrama por quilowatt

32

3.3 Potencial energético

O potencial energético proveniente da biomassa existente na ilha de São Miguel foi estimado a partir

das quantidades anteriormente calculadas. A estimativa foi baseada numa eficiência térmica de

conversão de energia de 70% [48]. O potencial energético de cada espécie foi calculado a partir do PCI

avaliado em laboratório [32]. O Quadro 3.10 apresenta todas as grandezas consideradas no cálculo do

potencial energético.

Biomassa

Cenário [tseca/ano]

Poder Calorífico [MJ/kg] (base seca)

η

P1 P2 PCI

Costaneiros 3426,99 0,00 20,94

70%

Serrim/Aparas 1378,05 0,00 20,94

Criptoméria 0,00 29777,33 20,94

Incenso 5392,40 5392,40 17,13

Acácia 2292,12 2292,12 19,76

Quadro 3.10 – Valores base da estimativa energética.

Do mesmo modo que foi feito para o potencial de biomassa, o potencial energético irá ser analisado de

acordo com os cenários energéticos PEP1 e PEP2.

No caso do cenário PEP1 foram contabilizados 166810 GJ/ano, onde 42,22% resultam dos subprodutos

madeireiros. Estes contribuíram com 70432 GJ/ano, onde 71,32% deste valor resultou dos costaneiros.

Contudo o recurso dominante deste cenário foi o Incenso, onde 64673 GJ/ano correspondeu a uma

quota de 38,77% do cenário. Relativamente à Acácia, esta perfez uma quota de 19% o que equivale a

uma contribuição anual para o cenário PEP1 de 31705 GJ. O Quadro 3.11 e o Gráfico 3.3 resumem a

informação acima apresentada.

PEP1

Biomassa [tseca/ano] [GJ/ano] %

Costaneiros 3 426,99 50 232,82 30,11

Serrim/Aparas 1 378,05 20 199,46 12,11

Incenso 5 392,40 64 673,44 38,77

Acácia 2 292,12 31 704,61 19,01

Total 12 489,56 166 810,33 100

Quadro 3.11 – Estimativa o cenário PEP1.

Gráfico 3.3 – Estimativa o cenário PEP1.

50 233

20 19964 673

31 705

166 810

CostaneirosSerrim/Aparas

Incenso

AcáciaTotal

GJ/ano

Page 51: Avaliação do potencial como combustível das principais ... · m Metro mm Milímetro m2 Metro quadrado m3 Metro cúbico mg/kg Miligrama por quilograma mg/kWh Miligrama por quilowatt

33

A estimativa PEP2 alcançou os 532854 GJ anuais, onde a participação da Criptoméria foi claramente

a dominante nesta estimativa, cerca de 82% o que perfaz uma quantia anual de 436476 GJ. Os

restantes 18% couberam ao Incenso e à Acácia, 12% e 6% foram as respetivas quotas destes recursos.

Estes dois recursos totalizaram 96378 GJ anuais. Os dados relativos a esta estimativa são

apresentados no Quadro 3.12 e no Gráfico 3.4

PEP2

Biomassa [tseca/ano] [GJ/ano] %

Criptoméria 29777,33 436 476,03 81,91

Incenso 5392,40 64 673,44 12,14

Acácia 2292,12 31 704,61 5,95

Total 37 461,85 532 854,08 100

Quadro 3.12 – Estimativa para o cenário PEP2.

Gráfico 3.4 – Estimativa para o cenário PEP2.

O cenário PEP2 supera o cenário PEP1 em 2,2 vezes, o que representa 366043 GJ a mais por ano.

Este fato deve-se à grande contribuição da Criptoméria na estimativa efetuada para o cenário PEP2.

Os restantes recursos mantêm as suas quantidades, diferindo apenas as suas quotas em ambas as

estimativas. No Gráfico 3.5 são comparados os dois cenários estudados.

Gráfico 3.5 – Mapa comparativo dos cenários PEP1 e PEP2

436 476

64 673

31 705

532 854

Criptoméria

Incenso

Acácia

Total

GJ/ano

Costaneiros Serrim/Aparas Criptoméria Incenso Acácia

PEP1 50 233 20 199 0 64 673 31 705

PEP2 0 0 436 476 64 673 31 705

0

100 000

200 000

300 000

400 000

500 000

GJ/ano

Page 52: Avaliação do potencial como combustível das principais ... · m Metro mm Milímetro m2 Metro quadrado m3 Metro cúbico mg/kg Miligrama por quilograma mg/kWh Miligrama por quilowatt
Page 53: Avaliação do potencial como combustível das principais ... · m Metro mm Milímetro m2 Metro quadrado m3 Metro cúbico mg/kg Miligrama por quilograma mg/kWh Miligrama por quilowatt

35

4 Potencial de aplicação

4.1 Caraterização energética da ilha de São Miguel

4.1.1 Produção

A produção de energia elétrica no ano de 2015, na ilha de São Miguel, foi de 421558 MWh. Esta teve

uma evolução de 1,4% face ao mesmo período do ano anterior. Em 2015, as ER lideraram a produção

de energia elétrica com 52%, o que se traduziu em 220609 MWh, sendo a maior contribuição deste mix

renovável a geotermia. Esta contribui com 43% para a produção elétrica da ilha, o que equivale a

182043 MWh, tendo este recurso um défice de -0,5% face ao ano anterior. Ainda que o mix energético

da ilha seja dominado pelas ER, o fuelóleo é o recurso energético dominante, detendo cerca de 48%

da produção, o que corresponde a 200948 MWh. Como consequência da evolução negativa das ER

no ano de 2015 (-7% para as hídricas e -22% para a eólica), o consumo de fuelóleo aumentou 7% [18].

A Figura 4.1 exibe a evolução da produção no ano de 2015 por tipo de recurso energético na ilha.

Figura 4.1 – Evolução mensal da produção por recurso em 2015 [18].

O período de junho a agosto corresponde aos meses de maior produção elétrica, atingindo um pico de

38881 MWh no mês de julho e uma ponta máxima no mês de agosto, de 69860 kW. A contrastar estes

valores, o mês de fevereiro foi o que registou o valor mínimo de produção com 31273 MWh [18] e o

vazio ocorreu em novembro com 29800 kW. Para uma melhor perceção da produção anual, é

apresentada a Figura 4.2, onde é possível comparar a evolução de 2015 face a 2014.

0

5 000

10 000

15 000

20 000

25 000

Jan Fev Mar Abr Mai Jun Jul Ago Set Out Nov Dez

MW

h

Fuelóleo Gasóleo Hídrica Geotérmica Biogás Térmica Adquirida Outras

Page 54: Avaliação do potencial como combustível das principais ... · m Metro mm Milímetro m2 Metro quadrado m3 Metro cúbico mg/kg Miligrama por quilograma mg/kWh Miligrama por quilowatt

36

Figura 4.2 – Evolução mensal da produção em 2014 e 2015 [18].

4.1.2 Consumo

O consumo energético referente ao ano de 2015 na ilha de São Miguel foi de 390462 MWh, sendo 60%

de baixa tensão e 40% de média tensão. A baixa tensão totalizou 234043 MWh, mais 77624 MWh face

à média tensão. Relativamente à baixa tensão, o setor doméstico comportou 126705 MWh, o que

equivale a 33% do consumo total, seguido do comércio/serviços com 19%. Relativamente à média

tensão, o setor industrial consumiu cerca de 64248 MWh o que corresponde a 18% do consumo total,

seguido do comercio/serviços com 17%, equivalente a 67333 MWh. Em termos globais, o maior

consumo ocorreu no setor de comércio/serviços com 36% (média e baixa tensão), na segunda posição

ficou o setor doméstico com 33% (baixa tensão), seguido do setor industrial com 19,4% (média e baixa

tensão) [18]. No Gráfico 4.1 é apresentada a evolução do consumo por setor, enquanto no Quadro 4.1

é apresentado um resumo das quantidades anteriormente apresentadas.

A evolução da procura (consumo elétrico) seguiu uma linha de tendência idêntica à da oferta (produção

elétrica), como pode ser constatado através da comparação do Gráfico 4.1 e do Gráfico 4.2. Ambos

têm o máximo compreendido entre o período de junho a agosto, sendo que no caso do consumo o pico

dá-se no mês de julho. O ponto mínimo de consumo dá-se de igual modo no da produção no mês de

fevereiro.

Gráfico 4.1 – Evolução mensal do consumo elétrico por setor em 2015 [18].

30 000

32 000

34 000

36 000

38 000

40 000

Dez Jan Fev Mar Abr Mai Jun Jul Ago Set Out Nov Dez

MW

h

Realização 2014 Realização 2015

0

2 000

4 000

6 000

8 000

10 000

12 000

14 000

16 000

Jan Fev Mar Abr Mai Jun Jul Ago Set Out Nov Dez

MW

h

Comércio/ Serviços Serviços Públicos Domésticos

Industriais Consumo Próprio Iluminação Pública

Page 55: Avaliação do potencial como combustível das principais ... · m Metro mm Milímetro m2 Metro quadrado m3 Metro cúbico mg/kg Miligrama por quilograma mg/kWh Miligrama por quilowatt

37

Ano Setor BT [MWh] MT [MWh] Total %

2015

Domésticos 126705,32 N/A 126705,32 32,45

Comércio / Serviços 74541,77 67333,70 141875,47 36,34

Serviços Públicos 10155,96 18794,13 28950,09 7,41

Industriais 6692,44 68934,98 75627,41 19,37

Iluminação Pública 15788,70 421,11 16209,81 4,15

Consumo próprio 158,98 935,10 1094,08 0,28

Total 234043,17 156419,02 390462,19 –

% 59,94 40,06 – 100

Nota: BT – Baixa tensão; MT – Média tensão

Quadro 4.1 – Consumo elétrico por setor [18].

Gráfico 4.2 – Evolução mensal do consumo [18].

4.2 Potenciais consumidores

4.2.1 Indústria dos laticínios

O setor industrial dos laticínios tem um impacto determinante na economia da região e da ilha, dado o

seu volume de vendas, exportações e também pelo elevado número de trabalhadores no setor. Para

além do leite, a região produz natas, leite em pó, manteiga, queijo e iogurtes. A comercialização destes

produtos lácteos gerou em 2015 cerca de 285,1 M€, o correspondente de uma produção de 201 mil

tonelada. Segundo [10], estes valores são responsáveis pelo maior volume de receitas a nível de

exportações da região, onde Portugal continental, a Região Autónoma da Madeira, Países da União

Europeia e Países terceiros, são os principais consumidores destes produtos. Portugal continental

importa cerca de 153 mil tonelada de produtos láteos, o que corresponde a um volume de vendas na

ordem dos 231 M€, enquanto o mercado interno foi responsável pela comercialização de 28 mil

tonelada, o correspondente a 29 M€. Do ponto de vista produtivo, o leite é o produto de maior saída,

responsável por 133 mil tonelada, gerando uma receita anual na ordem dos 60 M€. Do ponto de vista

económico, o queijo é o produto de maior receita, cerca de 127 M€ o que em termos produtivos

corresponde a 27 mil tonelada. A região assegura mais de 30% da produção nacional de leite, 75% de

26 000

27 000

28 000

29 000

30 000

31 000

32 000

33 000

34 000

35 000

36 000

Dez Jan Fev Mar Abr Mai Jun Jul Ago Set Out Nov Dez

MW

h

Realização 2014 Realização 2015

Page 56: Avaliação do potencial como combustível das principais ... · m Metro mm Milímetro m2 Metro quadrado m3 Metro cúbico mg/kg Miligrama por quilograma mg/kWh Miligrama por quilowatt

38

leite em pó, 45% de queijo e 25% de manteiga [49]. O Gráfico 4.3 e o Gráfico 4.4 apresentam dados

sobre exportações e produção de leite e derivados em 2015, respetivamente.

Gráfico 4.3 – Exportações de leite e derivados em 2015 [10].

Gráfico 4.4 – Produção de leite e derivados em 2015 [10].

Os processos de transformação e tratamento de produtos láteos têm requisitos energéticos elevados.

A produção de calor é constante nestas unidades e responsável por grande parte das suas faturas

energéticas.

A produção de calor na sua grande maioria é conseguida com o auxílio de caldeiras de produção de

vapor. Por questões relacionadas com manutenção e redundância, estas unidades dispõem de duas

caldeiras, ficando sempre uma de reserva. De um modo geral, o combustível utilizado neste tipo de

equipamentos é a nafta, sendo também recorrente ou fuelóleo residual. Estes equipamentos operam

com pressões de 13 a 17 bar e apresentam capacidades de produção entre 10 e 15 tvapor/h. As taxas

produção de vapor variam consoante o tipo, a marca, a idade e o nível de manutenção do equipamento,

situando, em regime nominal tipicamente entre 12,5 e 17 kgVapor/kgFuel.

O consumo destas unidades industriais varia substancialmente com a capacidade de produtiva inerente

a cada uma delas. Para uma produção de 10 tvapor/h e uma taxa de produção de 17 kgVapor/kgFuel são

típicos consumos na ordem de 250 t mensais de combustível, o que corresponde a 113460 GJ anuais.

PortugalContinental

RAA RAMUnião

EuropeiaPaíses

Terceiros

Produção 152,62 27,86 5,90 10,18 4,38

Receita 231,40 28,56 6,01 12,28 6,85

0

50

100

150

200

250

0

20

40

60

80

100

120

140

160

180

M€

Mil

to

ne

lad

a

0 20 40 60 80 100 120 140

Leite

Leite em pó

Nata

Soro

Mil toneladas / M€

Leite QueijoLeite em

póManteiga Nata Iogurtes Soro Outros

Receita 60,34 127,08 49,48 11,33 0,57 0,63 7,69 0,21

Produção 133,00 26,89 18,81 11,33 0,21 0,35 10,30 0,04

Page 57: Avaliação do potencial como combustível das principais ... · m Metro mm Milímetro m2 Metro quadrado m3 Metro cúbico mg/kg Miligrama por quilograma mg/kWh Miligrama por quilowatt

39

No Gráfico 4.5 é possível observar a evolução do consumo anual de uma unidade fabril. A curva relativa

ao ano de 2014 difere ligeiramente da de 2015 porque a procura e a oferta condicionaram diretamente

o consumo nestas unidades.

Gráfico 4.5 – Consumo mensal de combustível em 2014 e 2015.

Os custos energéticos associados à produção de vapor nestas unidades são variáveis preponderantes

nas equações do sistema financeiro. O custo associado à produção de calor supera em grande número

o custo elétrico da unidade fabril, cerca 79% da fatura energética. O custo unitário deste género de

combustível oscila de acordo com os valores do mercado, podendo variar entre 0,27 €/kg e 0,6 €/kg.

No Gráfico 4.5 apresentam-se as flutuações no preço dos combustíveis ao longo dos anos de 2014 e

2015.

Figura 4.3 – Flutuações no custo unitário do combustível nos anos de 2014 e 2015.

Cada vez mais são consideradas alternativas energéticas, nomeadamente o uso de biomassa face ao

combustível fóssil. A possibilidade de converter as caldeiras a fuelóleo para biomassa tem sido alvo de

atenção perante as unidades fabris locais. Para um fator de conversão de 2,6 kgBiomassa/kgFuel (44

MJ/kgNafta e 17 MJ/kgPellets) os consumos de biomassa destas unidades variam entre 1,4 t/h a 3,1 t/h,

que em conjunto (3 unidades fabris) perfazem 6,6 t/h (111,56 GJ/h). De acordo com a avaliação

efetuada anteriormente, a ilha é capaz de produzir 6,5 e 19,51 t/h de acordo com os cenários P1 e P2

respetivamente. Estes valores estão em concordância com os requisitos de consumo da presente

150

170

190

210

230

250

270t

2015 2014

250

300

350

400

450

500

550

600

2015 2014

Page 58: Avaliação do potencial como combustível das principais ... · m Metro mm Milímetro m2 Metro quadrado m3 Metro cúbico mg/kg Miligrama por quilograma mg/kWh Miligrama por quilowatt

40

indústria. Contudo, o abastecimento energético deverá ser efetuado apenas com o P1, visto que o

cenário 2 é apenas de natureza teórica. Esta indústria revela-se assim uma potencial consumidora de

biomassa na ilha.

4.2.2 Indústria conserveira

A indústria conserveira açoriana é outro setor dominante na região, não só pelo seu volume de

negócios, mas também pela excelência do seu produto final, a conserva de atum. O atum dos Açores

é reconhecido internacionalmente. China, Japão, Itália, Estado Unidos da América e Canadá são os

seus principais destinos de exportação. Esta indústria exportou cerca de 4,2 mil tonelada de atum, o

que equivaleu a um volume de negócios na ordem dos 25 M€ no ano de 2015 [10]. Destas,

movimentaram-se 2100 tonelada para Portugal Continental, 1100 tonelada para a União Europeia e

990 tonelada para Países terceiros, o equivalente a receitas de 13, 6,7 e 5 M€, respetivamente (Gráfico

4.6). O auge da exportação dá-se no período de maio a setembro, período de verão (Gráfico 4.7). Este

facto deve-se à pesca do atum se realizar neste mesmo período, aquando da vinda dos atuns do

atlântico norte.

Gráfico 4.6 – Receitas de exportação de conservas e preparados de peixe em 2015 [10].

Gráfico 4.7 – Exportação de conserva e preparados de peixe em 2015 [10].

De igual modo, este género de indústria possui necessidades energéticas acrescidas devido à

produção de vapor. Esta energia térmica é solicitada para os processos de cozedura e tratamento do

preparado de atum. A geração de vapor é conseguida através de caldeiras industriais a fuelóleo, sendo

a nafta o recurso mais comum.

Portugal Continental

13 M€53%

União Europeia6,7 M€

27% Países Terceiros5 M€20%

372,6

397,3

868,2

590,1

919,1 1

141,8

747,0

594,8

919,1

621,1

531,1

431,8

0

200

400

600

800

1000

1200

t

Page 59: Avaliação do potencial como combustível das principais ... · m Metro mm Milímetro m2 Metro quadrado m3 Metro cúbico mg/kg Miligrama por quilograma mg/kWh Miligrama por quilowatt

41

De acordo com os dados fornecidos por uma entidade contatada no decurso deste trabalho, a produção

de vapor é responsável por 89% da fatura energética anual, sendo os restantes 11% para o consumo

elétrico dos equipamentos e infraestrutura. Com requisitos de 1 tVapor/h, esta entidade apresenta um

consumo mensal médio na ordem das 17 t de nafta, o equivalente a 768 GJ mensais. O período de

maior consumo é de junho a setembro. No ano de 2015, o pico de consumo ocorreu no mês de agosto

com 25,6 t de nafta, o equivalente a 1128 GJ (Gráfico 4.8).

Gráfico 4.8 – Consumo mensal de nafta em 2015.

No ano de 2015 o consumo de nafta foi de cerca de 216 tonelada, o correspondente a 9488 GJ (89%),

enquanto o consumo elétrico rondou os 310911 kWh, o equivalente a 1119 GJ (11%). Desta forma, o

consumo energético para a produção de vapor pode ser assegurado pela biomassa gerada na ilha,

uma vez que os cenários PEP1 e PEP2 são capazes de produzir 166810 e 532845 GJ/ano

respetivamente. Tendo em conta que o consumo anual de nafta não ultrapassa os 166810 GJ/ano, o

abastecimento energético deverá ser efetuado apenas com o PEP1, visto que o cenário PEP2 é apenas

de natureza teórica. Conclui-se assim que a indústria conserveira constitui mais um dos potenciais

consumidores deste recurso energético endógeno.

17

,5

8,7

17

,5

8,7

16

,9

17

,4

25

,5

25

,6

25

,5

17

,4

17

,5

17

,5

0,0

5,0

10,0

15,0

20,0

25,0

30,0

t

Page 60: Avaliação do potencial como combustível das principais ... · m Metro mm Milímetro m2 Metro quadrado m3 Metro cúbico mg/kg Miligrama por quilograma mg/kWh Miligrama por quilowatt

42

4.2.3 Indústria hoteleira

A indústria hoteleira nos Açores é um setor em pleno crescimento, que foi acentuado a partir do ano de

2015, com a liberalização do espaço aéreo. No mesmo ano foram sentidas as diferenças no setor,

registando receitas de 56 M€, mais 21% que o ano anterior. A ilha de São Miguel foi a que comportou

a maior diferença, registando receitas em 2015 de 38 M€, mais 29% que em 2014 [10]. De acordo com

o Gráfico 4.9, a época alta marca o pico de receitas em agosto, 10 M€ para a RAA e 6,5 M€ para São

Miguel (agosto de 2015).

Gráfico 4.9 – Evolução da receita do setor turístico [10].

Este setor é responsável por cerca de um milhar de postos de trabalho, dispondo de 38

estabelecimentos de hotelaria tradicional na ilha de São Miguel, com 4187 quartos. Com uma taxa de

ocupação anual média de 54%, a ilha acolheu cerca de 300 mil hóspedes no ano de 2015, o que

correspondeu a 1 milhão de dormidas com uma estada média de 3 dias. De igual modo, a taxa de

ocupação é marcada pela época alta, atingindo 83% no mês de agosto (Gráfico 4.10).

Gráfico 4.10 – Evolução da taxa de ocupação hoteleira tradicional ao longo de 2015.

Os requisitos energéticos da indústria hoteleira são variados, dependendo do género, da categoria e

da própria da infraestrutura (área e numero de pisos) do hotel. De um modo geral, este género de

0

2

4

6

8

10

12

M€

Açores 2015 Açores 2014

São Miguel 2015 São Miguel 2014

8713

9843

12867 23803

28203

30282

34358

37232

32742

23557

15899

13884

0%

10%

20%

30%

40%

50%

60%

70%

80%

90%

0

5 000

10 000

15 000

20 000

25 000

30 000

35 000

40 000

Taxa d

e o

cu

pa

ção

Ho

sp

ed

es

Page 61: Avaliação do potencial como combustível das principais ... · m Metro mm Milímetro m2 Metro quadrado m3 Metro cúbico mg/kg Miligrama por quilograma mg/kWh Miligrama por quilowatt

43

instalações dispõe de diversos recursos energéticos, nomeadamente eletricidade, gasóleo e gás

butano. Recentemente, as energias renováveis têm vindo a contribuir para o mix energético deste setor,

sendo a biomassa e a energia solar os principais contribuintes. O consumo energético de uma unidade

hoteleira é predominantemente em iluminação, climatização, aquecimento de águas, restauração e

manutenção (sistema de bombagem, piscinas e outros serviços).

No decorrer deste trabalho de campo foi possível analisar a dinâmica energética de várias unidades

hoteleiras, as suas preocupações e dificuldades. O aquecimento de águas é uma constante

preocupação neste setor industrial. As condições de operação exigentes, segurança no abastecimento

energético, manutenção e custo são as principais razões de preocupação destas entidades. Para a sua

grande maioria, as necessidades energéticas térmicas são satisfeitas com o auxílio de gasóleo e gás

butano. Contudo, o uso de biomassa tem ganho alguma popularidade na ilha, existindo já um número

considerável de unidades a consumir biomassa densificada (pellets), não deixando estas de ter menos

preocupação com o aquecimento de águas. Questões problemáticas como produção excessiva de

cinzas e manutenção diária das caldeiras foram notificadas nas unidades consumidoras de biomassa.

Para uma unidade no centro da cidade de Ponta Delgada, com uma lotação de 184 quartos e uma taxa

média de ocupação anual na ordem dos 70%, o consumo médio anual da unidade é de 7715 GJ.

Através do Gráfico 4.11 é possível observar que o consumo da unidade tem vindo a decrescer

progressivamente em consequência das políticas ambientais e energéticas implementadas nos últimos

anos. De acordo com o seu relatório energético de 2014 da mesma, o consumo energético anual

comportou um valor abaixo da média, registando 7632 GJ, onde a eletricidade e a biomassa

predominam com 71% e 26%, respetivamente (Gráfico 4.12). Note-se que a iluminação e climatização

são abastecidas eletricamente, enquanto a biomassa é a responsável pelo aquecimento de águas.

Gráfico 4.11 – Consumo energético anual.

A biomassa foi introduzida na unidade em agosto de 2013, como alternativa energética ao gasóleo, nas

caldeiras de aquecimento de água. Esta intervenção ficou marcada por uma redução de 95% no

consumo de gasóleo (Gráfico 4.13).

9072

8248

7715

7607

7632

7715

6500

7000

7500

8000

8500

9000

9500

2010 2011 2012 2013 2014

GJ

Page 62: Avaliação do potencial como combustível das principais ... · m Metro mm Milímetro m2 Metro quadrado m3 Metro cúbico mg/kg Miligrama por quilograma mg/kWh Miligrama por quilowatt

44

Gráfico 4.12 – Consumo energético por tipo.

Gráfico 4.13 – Redução de consumo de gasóleo.

A estimativa diária do consumo energético para o aquecimento das águas num quarto duplo ocupado

ronda os 1,43 L de gasóleo, o equivalente a 53 MJ. Considerando a permanência anual de 4187 quartos

ocupados durante 366 dias por ano, a energia necessária para abastecer as caldeiras de aquecimento

é de aproximadamente 81674 GJ. Dado este valor e os valores estimados nos cenários PEP1 e PEP2

(cenário teórico), constata-se que a ilha de São Miguel tem uma capacidade energética anual superior

ao valor apresentado.

Eletricidade5436 GJ

71%

Gasóleo94 GJ

1%

Gás Butano151 GJ

2%

Biomassa1951 GJ

26%

61199

45133

54665

34376

2538

0

10 000

20 000

30 000

40 000

50 000

60 000

70 000

2010 2011 2012 2013 2014

Lit

ros

Page 63: Avaliação do potencial como combustível das principais ... · m Metro mm Milímetro m2 Metro quadrado m3 Metro cúbico mg/kg Miligrama por quilograma mg/kWh Miligrama por quilowatt

45

5 Fecho

5.1 Conclusões

As caraterísticas da biomassa favorecem a sua valorização a vários níveis: energético, ambiental e

económico. A boa gestão, tratamento e valorização da biomassa cria uma fonte de rendimento para

diversas entidades. A atividade de produção de energia a partir de biomassa assegura uma variedade

de atividades a montante. Por sua vez, estas são geradoras de riqueza e de postos de trabalho,

contribuindo positivamente para as economias locais.

Os subprodutos das atividades de transformação madeireira na ilha de São Miguel estão muito aquém

de serem valorizados energeticamente. A gestão e tratamento destes constituem um problema para as

entidades geradoras locais, não chegando a serem valorizados economicamente. A ilha atualmente

possui algumas unidades hoteleiras que consomem biomassa densificada, que na sua grande maioria

é importada de Portugal Continental. O encaminhamento destes subprodutos para uma central de

produção de combustível densificado seria um destino interessante de se avaliar, podendo assim

colmatar esta lacuna energética existente na indústria local. Outra atividade geradora de biomassa é a

atividade de exploração florestal. A limpeza das matas e extração de madeira produzem uma

quantidade apreciável de biomassa. Contudo, a extração desta é inviável economicamente, neste

sentido devem-se reunir esforços de modo a investigar métodos viáveis de remoção desta biomassa

de forma a garantir uma mais-valia económica e ambiental.

Relativamente ao potencial energético da biomassa existente na ilha, o encaminhamento deste para

as indústrias dos laticínios, da conserveira do atum ou para a hoteleira tradicional seria vantajoso. Este

reencaminhamento poderia solucionar ou mitigar alguns dos problemas locais, auxiliando assim a

gestão dos subprodutos madeireiros e o combate/controlo infestante do incenso. Deste modo, a

aplicação energética permitiria gerar uma cadeia de valor à biomassa local, minimizando assim a

dependência energética insular.

A geração de energia a partir de biomassa lenhosa não é um processo trivial. São necessários recursos

económicos, técnicos e políticos. Os últimos são fundamentais, pois é através da legislação e de

políticas ambientais que é possível alcançar as entidades ligadas aos ramos florestais e madeireiros,

de modo a que estas comportem uma conduta ambiental e energética correta. Em termos técnicos, o

dimensionamento de uma unidade de conversão energética, nomeadamente uma caldeira de

aquecimento ou simplesmente a conversão do seu queimador, tem de ser alvo de estudo aprofundado.

Todas as variáveis do sistema em causa terão de ser ponderadas e calculadas, pois a viabilidade da

implementação/intervenção poderá colocar em causa o sistema produtivo da unidade industrial.

5.2 Sugestões para trabalhos futuros

Com o desenvolvimento do presente trabalho foram verificados alguns aspetos capazes de constituir

novos objetos de estudo, nomeadamente:

Page 64: Avaliação do potencial como combustível das principais ... · m Metro mm Milímetro m2 Metro quadrado m3 Metro cúbico mg/kg Miligrama por quilograma mg/kWh Miligrama por quilowatt

46

Caraterização química dos subprodutos madeireiros, através das respetivas análises em

laboratório;

Caraterização do processo de combustão das espécies existentes na ilha de São Miguel

através de ensaios laboratoriais num reator de queda livre;

Estudo da viabilidade da extração dos resíduos de abate florestal na ilha, incluindo análises

dos custos de extração, transporte e tratamento;

Estudo e planificação de uma nova atividade florestal com o auxílio de espécies de talhadia de

curta rotação em detrimento do ciclo de vida de trinta anos da criptoméria;

Estudo e implementação de novas metodologias para a quantificação de biomassa florestal.

Page 65: Avaliação do potencial como combustível das principais ... · m Metro mm Milímetro m2 Metro quadrado m3 Metro cúbico mg/kg Miligrama por quilograma mg/kWh Miligrama por quilowatt

47

Referências

[1] World Energy Council, World Energy Resources, 2013.

[2] B. Mellár, “Parlamento Europeu,” Julho 2015. [Online]. Available:

http://www.europarl.europa.eu/atyourservice/pt/displayFtu.html?ftuId=FTU_5.7.3.html.

[3] Direção Regional dos Recursos Florestais, “Estratégia Florestal dos Açores,” 2014.

[4] Governo dos Açores, “A RAA em números,” 2002. [Online]. Available:

http://www.azores.gov.pt/NR/rdonlyres/D387FE16-3B52-43FE-91F5-

CD84B79EA1DF/112485/ARAAemN%C3%BAmeros.pdf.

[5] E. B. Azevedo, Projecto de remodelação da Central Geotérmica do, 2002.

[6] Instituto Nacional de Estatística, I.P., 2016. [Online]. Available: https://www.ine.pt.

[7] Direção Regional do Planeamento e Fundos Estruturais, “Orientações Médio Prazo,” 2013.

[Online]. Available: https://www.azores.gov.pt/NR/rdonlyres/B17C3D46-7303-4899-902A-

6BDE5C7B2D09/707564/OMP20132018.pdf.

[8] Instituto Nacional de Estatística, I.P., “Censos 2011 Resultados Definitivos - Região Autónoma

dos Açores,” Instituto Nacional de Estatística, I.P., Lisboa, 2011.

[9] Instituto Geográfico Português, “Carta Administrativa Oficial de Portugal,” 2008. [Online].

Available: http://www.igeo.pt.

[10] Serviço Regional de Estatística dos Açores, “Áreas estatísticas,” 2016. [Online]. Available:

http://estatistica.azores.gov.pt/Conteudos/Relatorios/lista_relatorios.aspx?idc=29&lang_id=1.

[11] Internacional Energy Agency, Energy and climate change, 2015.

[12] World Bioenergy Association, 2014.

[13] Internacional Energy Agency, Key World Energy Statistics, 2015.

[14] Internacional Energy Agency, Heating without global warming, 2014.

[15] Direção Geral de Energia e Geologia, Energia em Portugal 2014, 2016.

[16] Direcção geral de Energia e Geologia, estatísticas rápidas renováveis - nº 134 - dezembro de

2015, 2016.

Page 66: Avaliação do potencial como combustível das principais ... · m Metro mm Milímetro m2 Metro quadrado m3 Metro cúbico mg/kg Miligrama por quilograma mg/kWh Miligrama por quilowatt

48

[17] Sociedade Portuguesa de Inovação, Instituto do Ambiente e Desenvolvimento e Ecorys, Avaliação

Ambiental Estratégica do Programa Operacional dos Açores, 2014.

[18] Electricidade dos Açores, Procura e Oferta de Energia Elétrica, 2015.

[19] J. Twidell e T. Weir, Renewable Energy Resources, 2nd edition, Taylor & Francis, 2006.

[20] E. Alakangas, “New European Pellets Standard - EN 1496-1,” [Online]. Available:

www.eubionet.com.

[21] F. Rosillo-Calle, P. Groot, S. Hemstock e J. Woods, The Biomass Assessment Handbook,

Bioenergy for a Sustainable Environment, London: Earthscan, 2007.

[22] E. Alakangas, Properties of solid biofuels and comparison to fossil fuels.

[23] E. Alakangas, Poperties of wood fuels used in finland - BIOSOUTH - project, 2005.

[24] M. Costa e P. Coelho, Combustão, 2ª ed., 2012.

[25] Centro da Biomassa para a Energia, Combustíveis lenhosos para edifícios públicos, Mirando do

Corvo, 2002.

[26] P. Sousa, Desenvolvimento Tecnológico do Aproveitamento Energético da biomassa a Nível

Industrial, 2009.

[27] W. Niessen, Combustion and inceneration processes, Nova Iorque: Marcel Dekker, Inc, 2002.

[28] S. v. Loo e J. Koppejan, The Handbook of Biomass Combustion and Co- firing, Londres:

Earthscan, 2008.

[29] J. C. Santamarta, F. Jarabo, J. Rodríguez-Martín, M. Paz Arraiza e J. V. López, “Analysis and

Potential of Use of Biomass Energy in Canary Islands, Spain,” IERI Procedia, vol. 8, p. 136 – 141,

2014.

[30] I. Boukis, N. Vassilakos, S. Karellas e E. Kakaras, “Techno-economic analysis of the energy

exploitation of biomass residues in Heraklion Prefecture - Crete,” Renewable and Sustainable

Energy Reviews, 2007.

[31] G. E. Toste, A viabilidade do aproveitamento da biomassa de plantas invasoras para a produção

de eletricidade na ilha Terceira, Angra do Heroísmo, 2011.

[32] Green Islands Project, “Use of woody plant biomass for energy production in the Azores islands -

1st Report,” 2010.

Page 67: Avaliação do potencial como combustível das principais ... · m Metro mm Milímetro m2 Metro quadrado m3 Metro cúbico mg/kg Miligrama por quilograma mg/kWh Miligrama por quilowatt

49

[33] Direção Regional dos Recursos Florestais, “Criptoméria dos Açores - Cryptomeria japonica D.

Don,” 2016. [Online]. Available: http://drrf-srrn.azores.gov.pt/areas/viveiros-

florestais/Paginas/Criptomeria_Especies_PT.aspx.

[34] Governo dos Açores, “O estado do Ambiente - Recursos Naturais”.

[35] Direção Regional dos Recursos Florestais, Inventário Florestal, São Migeul, Ponta Delgada, 2007.

[36] P. Lourenço, V. Medeiros, A. Gil e Silva Luís, “Distribution, habitat and biomass of Pittosporum

undulatum, the most important woody plant invader in the Azores Archipelago,” Forest Ecology

and Management, vol. 262, pp. 178-187, 2011.

[37] L. Silva , E. Azevedo e J. Hortal, “Assessing the areas under risk of invasion within islands through

potential distribution modelling: the case of Pittosporum undulatum in Sao Miguel, Azores,” Journal

for Nature Conservation, vol. 18(4), pp. 247-257, 2010.

[38] J. M. Moreira, Alguns aspectos da intervenção humana na evolução da paisagem da ilha de São

Miguel, Lisboa: Serviço Nacional de Parques, Reservas e Conservação da Natureza.

[39] H. Lorenzi, H. Souza e Torres, “Árvores exóticas no Brasil: Madeireiras, ornamentais,” Instituto

Plantarum, Nova Odesa, 2003.

[40] E. Dias, C. Araujo, J. Mendes, C. Melo, R. Elias e C. Mendes, “Espécies florestais das ilhas -

Açores In: Silva, J.S. (ed.) Arvores e florestas de Portugal,” Publico, Comunicação Social, SA, vol.

Vol. 6, pp. 199-254, 2007.

[41] Fundação Calouste Gulbenkian, “Características Espécies,” [Online]. Available:

http://www.prize.gulbenkian.pt/Jardins/texto/caracteristicas.htm . [Acedido em 10 Setembro

2016].

[42] L. D. Silva, H. Costa, E. B. Azevedo, V. Medeiros, M. Alves , R. B. Elias e L. Silva, “Modelling

native and invasive woody species: a comparison of ENFA and MaxEnt applied to the Azorean

forest”.

[43] S. Knapic, F. Tavares e H. Pereira, “Heartwood and sapwood variation in Acacia melanoxylon R.

Br. trees in Portugal. Forestry,” 2006.

[44] J. Machado, J. Louzada, A. Santos, L. Nunes, O. Anjos, J. Rodrigues, R. Simões e H. Pereira,

“Variation of wood density and mechanical properties of blackwood (Acacia melanoxylon R. Br.),”

Materials and Design, vol. 56, pp. 975-980, 2014.

[45] Direção Regional dos Recursos Florestais, “Direção Regional dos Recursos Florestais - Inventário

Florestal - Metodologia,” Direção Regional dos Recursos Florestais, [Online]. Available: http://drrf-

srrn.azores.gov.pt/areas/inventario-florestal/Paginas/Metodologia_ini.aspx.

Page 68: Avaliação do potencial como combustível das principais ... · m Metro mm Milímetro m2 Metro quadrado m3 Metro cúbico mg/kg Miligrama por quilograma mg/kWh Miligrama por quilowatt

50

[46] Direção Regional dos Recursos Florestais, Manual de boas práticas para a gestão florestal nos

Açores, Ponta Delgada, 2016.

[47] Direção Regional dos Recursos Florestais, Distribuição de povoamentos puros de Criptoméria

Japónica, com mais de 30 anos na ilha de São Miguel, 2016.

[48] INETI, “Avaliação do Potencial de Biomassa da Região do Algarve,” 2006.

[49] ANIL - Associação Nacional Dos Industriais De Lacticínios, “Produção de laticínios dos Açores

rendeu mais de 246 milhões de euros,” [Online]. Available: http://www.anilact.pt/informar/lista-

actualidade/1453producaodelaticiniosdosacoresrendeumaisde246milhoesdeeuros. [Acedido em

23 setembro 2016].

[50] J. J. Fitzpatrick , “Environmental sustainability assessment of using forest wood for heat,”

Renewable and Sustainable Energy Reviews, vol. 57, p. 1287–1295, 2016.

[51] C. Yin, L. A. Rosendahl e S. K. Kær, “Grate-firing of biomass for heat and power production,”

Progress in Energy and Combustion Science, 2008.