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AVALIAÇÃO DA APRENDIZAGEM: UMA PROBLEMATIZAÇÃO DE

CONCEPÇÕES NATURALIZADAS

Autor: Victor dos Santos Moraes – UNIFESP

Coautora: Magali Aparecida Silvestre – UNIFESP Financiamento: FAPESP

RESUMO

Este artigo apresenta resultado de pesquisa que objetivou compreender quais fundamentos têm subsidiado as práticas avaliativas desenvolvidas em classes dos anos iniciais do ensino fundamental em escolas públicas, tendo por base registros elaborados por estudantes de um curso de Pedagogia durante a realização da Residência Pedagógica: uma forma inovadora de organização dos estágios curriculares obrigatórios. A partir da compreensão de que o tema Avaliação da Aprendizagem compõe o campo teórico da Didática e que as práticas avaliativas podem revelar concepções filosóficas, políticas, pedagógicas e éticas do trabalho docente, este artigo buscou destacar aspectos significativos para uma análise crítica do cotidiano escolar e para a formação de professores. Subsidiadas por referencial teórico estudado e, principalmente, por autores como Freitas et al. (2009), Luckesi (2011) e Veiga (2004), foram realizadas leitura, análise e interpretação de registros escritos, denominados cadernos de campo, elaborados pelos estagiários, processo metodológio que Sá-Silva, Almeida e Guindani (2009) denominam de pesquisa documental. A conclusão depreendida foi que, dentre os artigos pesquisados de autores mais contemporâneos, a avaliação da aprendizagem é um “tema silenciado”. Além disso, as práticas sistematizadas de avaliação, descritas pelos alunos estagiários, são quase inexistentes, e aquelas que são explicitadas fundamentam-se, ainda, em um modelo de avaliação autoritário e classificatório que não tem contribuído para a construção da autonomia das crianças e para o alcance da qualidade do ensino na escola pública. Palavras-chave: avaliação da aprendizagem; residência pedagógica; práticas avaliativas.

I – INTRODUÇÃO

Ao articularmos o tema avaliação educacional a outro tema bastante complexo,

a formação de professores dos anos iniciais do ensino fundamental, percebemos que

importantes questões poderiam ser abordadas. A principal delas foi pressupor que nem

sempre nos cursos de formação o conteúdo sobre avaliação é tratado com a devida

importância e nível de profundidade que exige. Esta inquietação ganhou outra dimensão

quando reconhecemos que as práticas avaliativas têm estado muito mais a serviço da

exclusão do que da construção da autonomia tanto do estudante como da própria escola.

Nessa perspectiva, nos perguntamos sobre o que os cursos de Pedagogia tem

realizado para formar professores que consigam compreender as dimensões e as

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intenções das práticas avaliativas para que busquem romper com a lógica perversa de

práticas de avaliação em sala de aula muito mais segregadoras do que formativas. Uma

lógica que acaba por naturalizar o fracasso das crianças frente aos conhecimentos

escolares.

Luckesi (2011) explica que o conceito de avaliação implica numa noção

processual da ação docente em sala de aula, subsidiadora do planejamento e

replanejamento de ensino que permite ao professor estruturar sua intervenção no

processo de ensino-aprendizagem atrelada aos objetivos propostos. Dessa forma, o autor

desconstrói a tendência tradicional que ao instrumentalizar a avaliação, insere-a no final

do processo, apenas como verificadora de resultados e a descola da proposta pedagógica

como um todo.

Diante disso e, por compreender que o período de estágio no processo formativo

é uma etapa fundamental para “aprender sobre a prática”, acredita-se que focar os

estudantes, futuros professores e como eles percebem as práticas de avaliação e as

registram durante o período de estágio poderia nos oferecer elementos para pensar de

uma só vez sobre o que acontece nas salas de aula e como esses futuros professores têm

sido preparados para analisar e interpretar essa realidade cotidiana das escolas.

Assim, desenvolveu-se esta pesquisa norteada pela seguinte questão

problematizadora: quais fundamentos subsidiaram as práticas avaliativas desenvolvidas

nas classes dos anos iniciais do ensino fundamental, segundo registros de alunos,

futuros professores, elaborados durante a realização dos estágios?

Diante do exposto, o presente texto buscou destacar aspectos significativos do estudo

em questão, com o objetivo de contribuir tanto para uma análise crítica do cotidiano

escolar como para as práticas de formação de professores, tendo por base a

compreensão de que o tema avaliação da aprendizagem compõe o campo teórico da

Didática e que as práticas avaliativas podem revelar concepções filosóficas, políticas,

pedagógicas e éticas do trabalho docente.

II – PERCURSO METODOLÓGICO

A forma como a pesquisa foi desenvolvida teve como base a leitura, análise e

interpretação da literatura existente sobre o tema, o que, de acordo com Sá-Silva,

Almeida e Guindani (2009) caracteriza-se como pesquisa bibliográfica.

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Concluída a primeira etapa procedemos a leitura, análise e interpretação de

registros escritos, denominados cadernos de campo, elaborados por residentes sobre

práticas pedagógicas de professores que ministram aulas no ensino fundamental,

processo que, segundo Sá-Silva, Almeida e Guindani (2009) pode ser denominado de

pesquisa documental.

O material escrito analisado foi produzido por estudantes do curso de Pedagogia

que desenvolveram a Residência Pedagógica em escolas públicas municipais do ensino

fundamental, nos anos de 2010, 2011, 2012 e 2013.

As informações encontradas nos registros escritos, por meio de diversas leituras

flutuantes realizadas, foram selecionadas e organizadas em cinco categorias que

serviram para subsidiar a discussão sistematizada dos dados e a compreensão das

concepções encontradas: dificuldade de aprendizagem; avaliação comportamental;

avaliação por disciplinas escolares; avaliação reguladora, punitiva e coercitiva;

instrumentos avaliativos. Nesse artigo, apresentamos somente a análise parcial de

algumas delas.

III – PRÁTICAS AVALIATIVAS EM SALA DE AULA SOB O OLHAR DOS

ESTUDANTES DE PEDAGOGIA

É interessante esclarecer, inicialmente, que a importância de nosso tema,

evidencia-se inúmeras vezes nos registros analisados pela informalidade com a qual é

tratada, sendo identificados diversos momentos em que a avaliação estava sendo

discutida pelos professores fora da sala de aula, destacando prioritariamente o aspecto

da dificuldade de aprendizagem dos alunos que representa o produto negativo da

avaliação: o insucesso escolar. Este dado revela que a avaliação ocupa um espaço

significativo nas atribuições dos professores, justamente por demonstrarem esta

preocupação com os resultados que ela apresenta, independentemente de ser

classificatória ou formativa, tradicional ou não, mesmo que não seja criteriosa

oficialmente e muitas vezes não cobrada qualitativamente na prática, mas apenas

escamoteada na formalidade, esse dado revela o papel essencial da avaliação no

processo de ensino-aprendizagem.

Outra categoria de análise diz respeito à avaliação comportamental, o que pode

ser comprovado, inclusive, pelas diversas vezes em que as falas das professoras,

parafraseadas pelas versões dos estagiários, contém classificações arbitrárias das

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crianças “disciplinadas” e “indisciplinadas” correspondentes unicamente as suas

expectativas de alunos ideais.

A instrumentalização da avaliação é outra categoria de análise que novamente

põe em cheque, nos escritos analisados, o embate entre as práticas avaliativas

classificatórias/excludentes/tradicionais e as progressistas/formativas/qualitativas, o

qual não se delineia simplesmente num umbral maniqueísta em que o certo e o errado

são claramente separados em lados opostos, mas que essas concepções adotadas são

cotidianamente postas em prática simultaneamente em sala de aula, pelo mesmo

professor, numa mesma atividade, daí a complexidade do tema da avaliação. Neste

âmbito da discussão, a prova aparece como o instrumento avaliativo mais proeminente

no desencadeamento desta questão, a qual se dá de maneira formal, pontual e

explicitamente reguladora do comportamento discente.

Percebeu-se ainda que as práticas pedagógicas analisadas encontram-se

impregnadas de características da avaliação tradicional, classificatória e seletiva,

confirmando mais uma vez a atual situação enfrentada pelos educadores e pesquisadores

na tentativa de problematizar essas práticas escamoteadoras de uma realidade perversa

que se perpetua no discurso do sistema e amplifica a crise da má qualidade na educação.

Diante deste cenário, faz-se premente, portanto, a busca por respostas do sistema sobre a

postura reproduzida pelos professores em sala de aula, ou então sobre o que a ausência

dessas respostas pode significar para a compreensão dessa problemática no cenário

educacional.

III – CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ficou claramente evidente que há, dentre as práticas analisadas e pela literatura

estudada, uma forte tendência à burocratização do ensino, inclusive pela questão dos

instrumentos avaliativos utilizados, em que preocupa-se muito em “correr com a

matéria” para dar conta dos conteúdos a serem cobrados na prova - avaliação não

formativa e sim, somativa (WACHOWICS, 2005). Há a exigência de um

comprometimento com as aulas por conta da existência de uma prova, como se este

comportamento se deva dar só em função de uma prova ao final do processo de ensino-

aprendizagem. Isso é uma concepção naturalizada de avaliação que precisa ser

problematizada, cabendo-nos discutir se é este o sentido da avaliação, como aqui

pretendeu-se fazer.

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A visão dos residentes põe em jogo aquilo que realmente deva ser avaliado em

sala de aula, o objeto para qual a avaliação deva-se voltar, pensando-se em transformar

a avaliação da aprendizagem em uma avaliação para a aprendizagem. Tudo isso implica

numa mudança de cultura escolar e no modo como o professor concebe a produção do

conhecimento, o seu processo e o seu resultado (ambos são igualmente importantes

porque constituem um ciclo), isto é, o professor precisa avaliar, assim, para que o aluno

aprenda. Isso permite, por sua vez, elaborar a avaliação diagnóstica que possibilita o

crescimento do aluno, remetendo-se novamente à ideia de ciclo (ALMEIDA, 2008).

Crê-se que esta estratégia de problematização na discussão sobre a avaliação da

aprendizagem trará ainda mais elementos para que possamos potencializar, por um lado,

as discussões sobre o currículo da formação de professores e o potencial de formação

existente no período de desenvolvimento dos estágios, e por outro, a nossa discussão em

favor de um futuro questionamento sobre propostas pedagógicas que visam o sucesso de

seus alunos e não a sobrevivência de um sistema excludente.

REFERÊNCIAS

ALMEIDA, A. M. de. Avaliação da aprendizagem no contexto dos ciclos: sentidos da

prática avaliativa docente. Natal, novembro, 2008, p. 198. Tese (Doutorado em

Educação) - Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Centro de Ciências Sociais

Aplicadas.

FREITAS, L. C. et al. Avaliação Educacional: caminhando pela contramão. Petrópolis,

RJ: Vozes, 2009.

LUCKESI, C. C. Avaliação da Aprendizagem Escolar: estudos e proposições. 22. ed.

São Paulo: Cortez, 2011.

SÁ-SILVA, J. R.; ALMEIDA, C. D. de; GUINDANI, J. F. Pesquisa Documental: pistas

teóricas e metodológicas. Revista Brasileira de História & Ciências Sociais, São

Leopoldo, v. 1, n. 1, p. 1-15, jul. 2009.

VEIGA. I. P. A. Educação Básica e Educação Superior: projeto político pedagógico.

Campinas, SP: Papirus, 2004.

WACHOWICZ, L. A. Avaliação e Aprendizagem. Conselho Estadual de Educação do

Estado do Paraná: Paraná, 2005.

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