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    AURY LOPES JNIOR GUSTAVO HENRIQUE BADAR

    PARECER

    Presuno de inocncia:

    Do conceito de trnsito em julgado da sentena penal condenatria

    Consulente: Maria Cludia de Seixas

    2016

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    AURY LOPES JNIOR GUSTAVO HENRIQUE BADAR

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    Doutor em Direito Processual Penalpela Universidad Complutense de Madrid

    Professor Titular de Direito Processual Penal no Programa dePs-graduao da Faculdade de Direito da Pontifcia

    Universidade Catlica do Rio Grande do Sul

    Livre-Docente, Doutor e Mestre em Direito Processual Penalpela Faculdade de Direito da Universidade de So Paulo

    Professor Associado do Departamento de Direito Processualda Faculdade de Direito da Universidade de So Paulo

    A CONSULTA

    Honra-nos a eminente Advogada Maria Cludia de Seixas, formulandoconsulta, com pedido de parecer, para ser utilizado nos Embargos de Declarao a ser

    interposto no Habeas Corpus n 126.292/SP, que tramita perante o Supremo Tribunal

    Federal, no qual figura como impetrante, sendo paciente Mrcio Rodrigues Dantas.*

    A consulta restringe-se questo eminentemente de direito, relacionada

    ao contedo da garantia constitucional da presuno de inocncia, em especial sobre o

    marco temporal de sua aplicao na persecuo penal. Acompanha a consulta cpia do

    referido acrdo do Plenrio do Supremo Tribunal Federal!

    Assim relatado o assunto, a Consulente formula os quesitos abaixo:

    2. QUESITOS

    1. A garantia constitucional da presuno de inocncia vigora at que momento da

    persecuo penal, no processo penal brasileiro?

    2. compatvel com a presuno de inocncia determinar a priso de um acusado, para

    incio de execuo da pena, em carter provisrio, antes do trnsito em julgado, quando

    ainda possvel interpor ou est pendente o julgamento de recurso especial ou

    extraordinrio?

    Bem examinadas as questes passamos a emitir nosso parecer.

    *Diante da relevncia do tema, o presente parecer foi elaboradopro bono.

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    PARECER

    1. Da presuno de inocncia na Constituio e nos tratados de direitos humanos

    Los principios de la poltica procesal de una nacin no son otra

    cosa que segmentos de su poltica estatal en general. Se puede decir

    que la estructura del proceso penal de una nacin no es sino el

    termmetro de los elementos corporativos o autoritarios de su

    Constitucin.Partiendo de esta experiencia, la ciencia procesal ha

    desarrollado un nmero de principios opuestos constitutivos delproceso. La mutua lucha de los mismos, el triunfo ya del uno, ya del

    otro, o su fusin, caracterizan la historia del proceso. El

    predominio de uno u otro de estos principios opuestos en el

    Derecho vigente, no es tampoco ms que ele trnsito del Derecho

    del pasado al Derecho del futuro. 1(destacamos)

    A chamada garantia da presuno da inocncia, assegurada na

    Constituio de 1988, foi prevista, historicamente, em diversos diplomas internacionais

    de direitos humanos.

    Nos diplomas internacionais de direitos humanos, a anlise poderia

    comear pela Declarao dos Direitos do Homem e do Cidado, aprovada pela

    Assembleia Nacional francesa, em 1798:

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    Posteriormente, a Declarao Universal dos Direitos Humanos, aprovada

    e proclamada pela 183 Assembleia da Organizao das Naes Unidas, em 10 de

    dezembro de 1948, assegurou, de forma explcita, a presuno de inocncia.

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    1

    James Goldschmidt, Problemas Juridicos y Polticos del Proceso Penal - Conferencias dadas en laUniversidad de Madrid en los meses de diciembre de 1934 y de enero, febrero y marzo de 1935.Barcelona, Bosch, 1935, p. 67.

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    No mbito das organizaes regionais, a Conveno Europeia de

    Direitos Humanos, subscrita em Roma, em 4 de novembro de 1950, em seu art. 6.2, ao

    assegurar o direito ao processo equitativo, estabelece que"I!J K+)1G+.3 6.,,') )*+,)() (. +=) 45H3)*LM' /('$.0'5$'

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    /("4)&)>!?(.,;)*)=',@

    O art. 6. da Conveno Europeia sintetiza os cnones europeus do justo

    processo penal,2ou, como dispe o Protocolo n. 11 referida conveno, concretiza o

    direito a um processo quo.

    O Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Polticos, adotado pelaAssembleia Geral das Naes Unidas, a 16 de dezembro de 1966, em seu art. 14.1,

    primeira parte, estabelece que:

    "N3;! CO!J K+)1G+.3 6.,,') )*+,)() (. 45H3)*LM' 6.5)1 - (. (43.4;'

    /('$.0%&) %#"!'#*' )*, 1.' ) $.) culpabilidade tenha sido

    legalmente estabelecida(destacamos)

    De forma semelhante, a Conveno Americana sobre Direitos

    Humanos, adotada no mbito da Organizao dos Estados Americanos, em San Jos da

    Costa Rica, em 22 de dezembro de 1969, igualmente assegura o direito ao juiz

    imparcial, no art. 8.1:

    "N3;! P!C &'() 6.,,') )*+,)() (. += (.14;' ;.= (43.4;' ) G+. $'

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    !"0/("4)&) $.) !.-/)!> ?(.,;)*)=',@

    Ressalte-se que o Pacto Internacional de Direito Civis e Polticos

    integra o ordenamento jurdico nacional, tendo sido promulgado internamente por meio

    do Decreto no592, de 6 de julho de 1992, o que tambm ocorreu com a Conveno

    Americana de Direitos Humanos, cuja promulgao se deu por meio do Decreto no678,

    de 6 de novembro de 1992.

    Significativo setor doutrinrio h muito j defendia que, por fora do

    disposto no art. 5.o, 2.o, da Constituio, os tratados internacionais de direitos

    2Mario Pisani, Nozioni Generali.In PISANI, Mario et al.Manuale di Procedura Penale.8 ed. Bologna:Monduzzi, 2008, p. 19.

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    humanos tinhamstatus constitucional.3

    Comentando o art. 8.o da Conveno Americana de Direitos

    Humanos, mas em posicionamento igualmente aplicvel ao Pacto Internacional deDireitos Civil e Polticos, Ada Pellegrini Grinover, Antonio Magalhes Gomes Filho e

    Antonio Scarance Fernandes afirmam que:

    todas as garantias processuais penais da Conveno Americana

    integram, hoje, o sistema constitucional brasileiro, tendo o

    mesmo nvel hierrquico das normas inscritas na Lei Maior.

    Isso quer dizer que as garantias constitucionais e as da

    Conveno Americana se integram e se completam; e, na

    hiptese de ser uma mais ampla que a outra, prevalecer a que

    melhor assegure os direitos fundamentais.4(destacamos)

    Tal posicionamento, que no merecia acolhida na jurisprudncia

    passada do Supremo Tribunal Federal, recentemente foi objeto de significativa mudana

    no posicionamento do Pretrio Excelso, no julgamento do Recurso Extraordinrio n.

    466.343/SP.5

    No referido recurso, decidido pelo Plenrio do Supremo Tribunal

    Federal, aps o voto do Relator, Ministro Cezar Peluzo, que negava provimento ao

    recurso, sem adotar uma posio expressa quanto questo da hierarquia dos tratados

    internacionais de direitos humanos, votou o Ministro Gilmar Mendes, que acompanhou

    3Cf.: Antonio Magalhes Gomes Filho, O princpio da presuno de inocncia na Constituio de 1988e na Conveno Americana Sobre Direitos Humanos (Pacto de So Jos da Costa Rica, In: Revista do

    Advogado , So Paulo, Associao dos Advogados de So Paulo, n 42, abr. 1994, p. 34; Id., Direito

    prova no processo penal, So Paulo: RT, 1997, p. 82-83; Antonio Augusto Canado Trindade, Aproteo internacional dos direitos humanos e o Brasil, Braslia: EUB, 1998, p. 186; Flvia Piovesan, Aincorporao, a hierarquia e o impacto dos tratados de proteo dos direitos humanos no direito

    brasileiro. In: GOMES, Luiz Flvio; PIOVESAN, Flvia (Coords.). O sistema interamericano deproteo dos direitos humanos e o direito brasileiro. So Paulo: RT, 2000, p. 160; Nilzardo CarneiroLeo, Direitos Fundamentais, Garantias Constitucionais e Processo Penal, In: Revista do Conselho

    Nacional de Poltica Criminal e Penitenciria . Braslia: Conselho Nacional de Poltica Criminal ePenitenciria. v. 1, no 12, jul. 1998/dez. 1999, p. 134; e Sylvia Helena de Figueiredo Steiner, AConveno Americana sobre Direitos Humanos e sua integrao ao processo penal brasileiro , SoPaulo: RT, 2000, p. 90.4 Ada Pellegrini Grinover, Antonio Magalhes Gomes Filho e Antonio Scarance Fernandes, As

    Nulidades no Processo Penal, 11 ed. So Paulo: RT, 2009, p. 71.5 STF, Pleno, Rext. no 466.343/SP, rel. Min. Cezar Peluso, j. 22.11.2006. Destaque-se, ainda, que,

    posteriormente, em outros julgados, o STF reconheceu a que os tratados internacionais de direitoshumanos subscritos pelo Brasil possuem status normativo supralegal: STF, 2.a Turma, HC no90.172/SP, rel. Min. Gilmar Mendes, j. 05.06.2007, v.u.

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    o voto do relator, acrescentando aos seus fundamentos que os tratados internacionais

    de direitos humanos subscritos pelo Brasil possuem status normativo supralegal, o que

    torna inaplicvel a legislao infraconstitucional com eles conflitantes, seja ela anteriorou posterior ao ato de ratificao, pelo Brasil, sem qualquer reserva, do Pacto

    Internacional dos Direitos Civis e Polticos e da Conveno Americana sobre Direitos

    Humanos - Pacto de San Jos da Costa Rica.

    Esse relevantssimo precedente, significou uma mudana no

    posicionamento do Supremo Tribunal Federal, que passou a entender que a Conveno

    Americana de Direitos Humanos tem natureza supra legal (posio do Min. Gilmar

    Mendes) ou materialmente constitucional (posio do Min. Celso de Mello). Dequalquer forma, e este o ponto relevante, as leis ordinrias, anteriores ou

    posteriores CADH, que com ela colidirem, no tero eficcia jurdica .

    Em termos prticos, qualquer norma infraconstitucional, que conflite

    com a garantia da imparcialidade do juiz, assegurada expressamente na Conveno

    Americana de Direitos Humanos e no Pacto internacional de Direitos Civis e Polticos,

    anterior ou posterior promulgao de tais tratados, no mais poder ter aplicao.

    2. Da garantia constitucional da presuno de inocncia e seu contedo

    A Constituio de 1988, assegura a garantia da presuno de inocncia:

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    sujeito de direito no processo penal. No mais uma fonte detentora de toda a verdade

    a ser extrada, para no se dizer extorquida, mediante tortura, para obter a

    confisso ex ore rei. O acusado, presumido inocente, um sujeito de direito, aquem se assegura a ampla defesa, com o direito de produzir provas aptas a

    demonstrar a verso defensiva de um lado, e sendo-lhe assegurado, de outro, o

    direito ao silncio, eliminando qualquer dever de colaborar com a descoberta da

    verdade. A prova da imputao cabe acusao e integralmente acusao.

    A primeira, e talvez a mais importante forma de analisar este princpio,

    como garantia poltica do cidado. A presuno de inocncia , antes de tudo, um

    princpio poltico!7

    O processo, e em particular o processo penal um microcosmos no qual

    se refletem a cultura da sociedade e a organizao do sistema poltico.8No se pode

    imaginar um Estado de Direito que no adote um processo penal acusatrio e, como seu

    consectrio necessrio, a presuno de inocncia que , nas palavras de PISANI, um

    presupposto implicito e peculiare del processo accusatorio penale.9 O princpio da

    presuno de inocncia reconhecido, atualmente, como componente basilar de um

    modelo processual penal que queira ser respeitador da dignidade e dos direitosessenciais da pessoa humana.10H um valor eminentemente ideolgico na presuno de

    inocncia.11 Liga-se, pois, prpria finalidade do processo penal: um processo

    necessrio para a verificao jurisdicional da ocorrncia de um delito e sua autoria.12

    7Nesse sentido: Giuseppe Bettiol, Sulle presunzioni nel diritto e nel processo penale. In:_____. ScrittiGiuridici. Padova: Cedam, 1966. t. I, p. 385; Giullio Illuminati, La presunzione dinnocenzadellimputato . Bologna: Zanichelli, 1979., p. 5; Sofo Borghese, Presunzioni (diritto penale e diritto

    processuale penale).Novissimo digesto italiano . Torino: Utet, 1966. vol. XIII, p. 774.8Aniello Nappi, Guida al Codici di Procedura Penale. 8. ed. Milano: Giuffr, 2001, p. 3.9Mario Pisani. Sulla presunzione di non colpevolezza.Il Foro Penale, 1965, p. 3. Alis, como lembraGiulio Ubertis (Principi di procedura penale europea .Le regole del giusto processo. Milano: RaffaelloCortina, 2000, p. 64) a presuno de inocncia um princpio che sorge come reazione al sistemainquisitorio.10Mario Chiavario. La presunzione dinnocenza nella giurisprudenza della Corte Europea dei DirittoDelluomo.In: Studi in ricordo di Gian Domenico Pisapia. Milano: Giuffr, 2000. v. 2, p. 76.11Pier Paolo Paulesu, Presunzione di non colpevolezza.Digesto Discipline penalistiche. 4. ed. Torino:Utet, 1995. vol. IX, p. 671.12 A contraposio destacada por Oreste Dominioni (Il 2. comma dellart. 27. In: BRANCA,Giuseppe; PIZZORUSSO, Alessandro (Coord.). Commentario della Costituzione Rapporti civili.Bologna: Zanichelli, 1991, p. 187) que, comentando a matriz poltica e ideolgica do Cdigo Rocco,

    observa que la premessa politica che lo Stato fascista, a differenza dello Stato democratico liberale, nonconsidera la libert individuale come un diritto preminente, bens come una concessione dello Statoaccordata nellinteresse della collettivit, determina il radicale ripudio dellidea che la disciplina del

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    Todo indivduo nasce livre e tem a liberdade entre seus direitos

    fundamentais. Tal direito, contudo, no absoluto. A liberdade pode ser juridicamente

    restringida. Para tanto, necessrio expressa previso legal e a observncia de umdevido processo legal. O direito liberdade assegurado por vrias garantias, dentre as

    quais se inclui a presuno de inocncia.

    A presuno de inocncia assegura a todo e qualquer indivduo um

    prvio estado de inocncia, que somente pode ser afastado se houver prova plena do

    cometimento de um delito.13 O estado de inocncia somente ser afastado com o

    trnsito em julgado de uma sentena penal condenatria. A presuno de inocncia ,

    segundo PISANI, uma presuno poltica, que garante a liberdade do acusado diante dointeresse coletivo represso penal.14No foi por outro motivo que Manzini afirmou

    ser a presuno de inocncia como uma strana assurdit escogitata dellempirismo

    francese, qualificando-a de goffamente paradossale e irrazionale. 15

    O dispositivo constitucional, contudo, no se encerra neste sentido

    poltico, de garantia de um estado de inocncia. A presuno de inocncia tambm

    pode ser vista sob uma tica tcnico-jurdica, como regra de julgamento a ser utilizada

    sempre que houver dvida sobre fato relevante para a deciso do processo.16Trata-se,pois, de uma disciplina do acertamento penal, uma exigncia segundo a qual, para a

    imposio de uma sentena condenatria, necessrio provar, eliminando qualquer

    dvida razovel, o contrrio do que garantido pela presuno de inocncia, impondo a

    necessidade de certeza.17 Nesta acepo, presuno de inocncia confunde-se com o in

    processo penale trovi nella tutela dellinnocenza la propria essenziale funzione e porta, per contrapposto,a riaffermare linteresse repressivo come suo elemento specifico.13 Mario Pisani, Lassoluzione per insufficienza di prove: prospettive storico-sistematiche. Il Foro

    Italiano V/68-80, 1967, p. 78. Mario Chiavario (Processo e garanzie della persona . 3. ed. Milano:Giuffr, 1984, v. II, p. 123) afirma que sempre necessario che il giudice non parta dalla convinzioneo dalla supposizione che il prevenuto abbia commesso latto incriminato.14Mario Pisani, Sulla presunzione di non colpevolezza.Il Foro Penale1-2/1-5, gen./giu 1965, p. 2.15Vincenzo Manzini, Trattato di diritto processuale penale italiano. 6. ed. Torino: UTET, 1967. v. I, p.226.16 Segundo Mario Chiavario (Presunzione dinnocenza e diritto di difesa nel pensiero di FrancescoCarrara. Rivista italiana di diritto e procedura penale, 1991, p. 358) a presuno de inocncia un

    problema di dimostrazione, di onere della prova nel senso che chiameremmo sostanziale. Para

    Iacoviello (La motivazione ..., p. 230) a presuno de inocncia impe um nus da prova, que umaregra de julgamento.17Pisani, Sulla presunzione ..., p. 3.

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    dubio pro reo.18 de se destacar que, em tal caso, embora a presuno de inocncia

    esteja diretamente ligada prova, no se trata de uma presuno em sentido tcnico

    processual.Por fim, e este o ponto de relevo maior para o presente parecer, a

    presuno de inocncia funciona como regra de tratamento do acusado ao longo do

    processo, no permitindo que ele seja equiparado ao culpado.19 So manifestaes

    claras deste ltimo sentido da presuno de inocncia a vedao de prises processuais

    automticas ou obrigatrias e a impossibilidade de execuo provisria ou antecipada

    da sano penal.20

    Estes trs significados podem ser extrados, sem qualquer excluso, da

    garantia constitucional do art. 5, caput,inc. LVII, da Constituio de 1988.

    Cabe, por fim, um esclarecimento sob o aspecto estritamente literal.

    Como cedio, a Constituio brasileira no assegura, expressamente, a presuno de

    inocncia, mas o estado de no culpvel. Intuitivamente, se pode considerar que a

    expresso presuno de inocncia estaria mais ligada e seria mais adequada noo

    de regra de julgamento.21 Por faltar esta explicitao, parte da doutrina nacional, da

    mesma forma que ocorreu em Itlia, procurou distinguir o que se denominou princpio

    da no culpabilidade do princpio da presuno de inocncia.

    Mas ser que podemos afirmar que a Constituio 'no recepcionou a

    presuno de inocncia'?

    Em primeiro lugar, afirmar que a Constituio recepcionou apenas a

    'presuno de no culpabilidade uma concepo reducionista, pois seria alinhar-se ao

    estgio pr-presuno de inocncia no recepcionada pela Conveno Americana deDireitos Humanos e tampouco pela a base democrtica da Constituio. A essa altura do

    18Antonio Magalhes Gomes Filho (Presuno de Inocncia e priso cautelar. So Paulo: Saraiva,1991, p. 39. O autor ainda acrescenta outra repercusso probatria da presuno de inocncia: aimpossibilidade de se obrigar o acusado a colaborar com a investigao dos fatos (idem, ibidem, p. 40).19 Nesse sentido: Gomes Filho, Presuno de inocncia ..., p. 37; e Alfredo Bargi, Procedimento

    probatorioe giusto processo. Napoli: Jovene, 1990, p. 77.20 Nesse sentido: Illuminati, Presunzione di ..., p. 2; Paolo Tonini, La prova penale. 4 ed. Padova:Cedam, 2000, p.49; e Gomes Filho,Presuno de inocncia ..., p. 42.21

    Nesse sentido: Giuseppe Sabatini,Principii costituzionali del processo penale. Napoli: Jovene, 1976,p. 47;Chiavario, Processo ..., v. II, p. 122; Illuminati, Presunzione di..., p. 2; Gomes Filho,Presunode inocncia ..., p. 42.

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    estgio civilizatrio, Constitucional e Democrtico, como ensina Bueno de Carvalho22,

    o Princpio da Presuno de Inocncia no precisa estar positivado em lugar nenhum:

    pressuposto para seguir Eros neste momento histrico, da condio humana. No sepode olvidar, ainda, a expressa recepo no art. 8.2 da Conveno Americana de

    Direitos Humanos: Toda pessoa acusada de delito tem direito a que se presuma sua

    inocncia enquanto no se comprove legalmente sua culpa.(...)

    O Brasil recepcionou sim a presuno de inocncia e, como presuno,

    exige uma pr-ocupao nesse sentido durante o processo penal, um verdadeiro dever

    imposto ao julgador de preocupao com o imputado, uma preocupao de trat-

    lo como inocente.

    Maurcio Zanoide de Moraes23, em preciso e profundo estudo sobre o

    tema, sustenta que a presuno de inocncia uma norma decomponvel em trs

    expresses que lhe garantem eficcia: dever de tratamento, norma probatria e norma de

    juzo (ou regra de julgamento). Nesse breve artigo, interessa-nos o vis de dever de

    tratamento, pois a ele afeto o tema das prises cautelares e da autorizao, pelo STF,

    de uma famigerada execuo antecipada da pena.

    A partir da leitura do art. 9 da Declarao dos Direitos do Homem e do

    Cidado, de 1789, Jaime Vegas Torres24 explica que a Presuno de inocncia um

    dever de tratamento, isto , um postulado que est diretamente relacionado ao dever

    dos rgos estatais de tratar o imputado como inocente at o trnsito em julgado.

    No preciso maior esforo para compreender que no se trata como

    inocente fazendo uma execuo provisria da pena despida de qualquer carter cautelar

    (e aqui est a relativizao admitida e demarcada da presuno de inocncia, para os

    que simplesmente argumentaram em torno da inexistncia de direitos fundamentais

    absolutos). Pura e simples antecipao do tratamento de culpado no curso de um

    processo (fase recursal ainda curso de processo, por isso que a origem etimolgica

    da palavra vem de recursus, retomar o curso, jamais estabelecer um novo curso ou

    encerrar).

    22 Amilton Bueno De Carvalho, Lei, para que(m)?. In: Escritos de Direito e Processo Penal emHomenagem ao Professor Paulo Claudio Tovo.Rio de Janeiro, Lumen Juris, 2001, p.51.23

    Presuno de Inocncia no Processo Penal Brasileiro: anlise de sua estrutura normativa para aelaborao legislativa e para a deciso judicial. Rio de Janeiro, Lumen Juris, 2010, p. 424 a 47624Presuncin de Inocencia y prueba en el proceso penal. Madrid, La Ley, 1993.

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    O art. 5, LVII determina (dever de tratamento) que ningum ser

    considerado culpado at o trnsito em julgado de sentena penal condenatria.

    Significa uma proibio de tratar o acusado de forma igual ou anloga a de culpado,antes do trnsito em julgado. Portanto, salta aos olhos que o julgado desconsidera

    completamente o significado e alcance (processual e civilizatrio) da presuno de

    inocncia.

    Dessarte, ainda podemos argumentar que no h diferena semntica ou

    de contedo entre presuno de inocncia ou de estado de no culpabilidade. Com diz

    Maier: presumir inocente, reputar inocente ou no considerar culpvel, significa

    exatamente o mesmo.25

    No h diversidade de contedo entre presuno de inocncia epresuno de no culpabilidade. As expresses inocente e no culpvel constituem

    somente variantes semnticas de um idntico contedo. intil e contraproducente a

    tentativa de apartar ambas as ideias se que isto possvel , devendo ser reconhecida

    a equivalncia de tais frmulas. Procurar distingui-las uma tentativa intil do ponto de

    vista processual. Buscar tal diferenciao apenas serve para demonstrar posturas

    reacionrias e um esforo vo de retorno a um processo penal voltado exclusivamente

    para a defesa social, que no pode ser admitido em um Estado Democrtico de Direito.A questo tambm perde importncia diante da integrao ao

    ordenamento jurdico interno, do Pacto Internacional de Direitos Civis e Polticos e

    tambm da Conveno Americana de Direitos Humanos que, expressamente, asseguram

    a presuno de inocncia (art. 14.2 e art. 8.2, respectivamente).

    Num ponto, porm, a presuno de inocncia em nossa Constituio

    supera os diplomas internacionais de direitos humanos, e outros textos constitucionais

    sobre a matria: o marco temporal final de aplicabilidade da presuno de inocncia. H

    explicitao de que o acusado presumido inocente ou, mas precisamente, no

    considerado culpado, at o trnsito em julgado da sentena penal condenatria.

    25Julio Bustos Juan Maier, Derecho Procesal Penal: fundamentos. 2. ed. Buenos Aires: Editores DelPuerto, 1996. t. I, p. 491.

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    3. O significado da presuno de inocncia como regra de tratamento do acusado

    A presuno de inocncia, sob o aspecto de regra de tratamento do

    acusado, significa que uma pessoa que seja presumido inocente e, portanto, goze do

    status de inocente, no pode receber um tratamento, equivalente ao de quem j foi

    condenado.

    Nessa acepo, o princpio da presuno de inocncia, nas palavras de

    Vlez Mariconde, no consagra uma presuno mas um estado jurdico do imputado,

    o qual inocente at que seja declarado culpado por uma sentena firma.26

    Vrios contedos podem ser extrados da presuno de inocncia ou

    estado de inocente, enquanto regra de tratamento do acusado. As duas mais

    importantes, diretamente ligadas questo da liberdade, so: (i) a impossibilidade de

    prises automticas no curso do processo, somente se admitindo medidas

    assecuratrias, de natureza cautelar, ante uma concreta demonstrao de perciulum

    libertatis; (ii) a vedao de qualquer forma de priso enquanto espcie de cumprimento

    da pena, sendo vedada uma execuo provisria contra aquele que ainda inocente.

    Como destaca Antonio Magalhes Gomes Filho, em sua obra clssica, o

    sobre o tema na doutrina nacional:

    a vedao de qualquer forma de identificao do

    suspeito, indiciado ou acusado condio de culpado constitui,

    inegavelmente, o aspecto mais inovador do princpio inscrito no

    art. 5, LVII, da nova Constituio, na medida em que reafirma a

    dignidade da pessoa humana com premissa fundamental daatividade repressiva do Estado.27(destacamos)

    E, em outro passo, assevera:

    a presuno de inocncia traduz uma norma de

    comportamento diante do acusado, segundo a qual so

    ilegtimos quaisquer efeitos negativos que possam decorrer

    26

    Alfredo Vlez Mariconde,Derecho Procesal Penal, Cordoba: Imprenta de la Universidad. II. , p. 27.27Antonio Magalhes Gomes Filho, Presuno de Inocncia e priso cautelar. So Paulo: Saraiva,1991, p. 42.

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    exclusivamente da imputao; antes da sentena final, toda

    antecipao de medida punitiva ou que importe o

    reconhecimento da culpabilidade, viola esse princpio.28

    No doutrina italiana, Chiavario assevera que:

    Unesecuzione immediata (o comunque anticipata

    rispetto al passaggio in giudicato) non comunque consentita

    per le sentenze di condanna (almeno per quanto, in esse, si

    riferisce alle conseguenze dirette dellaccertamento di

    responsabilit penale). Una diversa soluzione legislativa

    contrasterebbe del resto con larticolo 27 comma 2 Cost., per

    cui, limputato non considerato colpevole sino alla condanna

    definitiva.29(destacamos)

    Isso porque, como explica Chiavario, em posicionamento igualmente

    aplicvel garantia constitucional da presuno de inocncia, em nossa Constituio:

    larticolo 27 comma 2 Cost., agganciando la durata

    della presunzione di non colpevolezza alla pronuncia della

    condanna definitiva, attribuisce una portata generale alla

    garanzia delleffetto sospensivo delle impugnazione contro le

    sentenze penali di condanna.30(destacamos)

    No constitucionalismo portugus, Canotilho e Vital Moreira afirmam, ser

    um dos elementos da presuno de inocncia, a proibio da antecipao de

    verdadeiras penas a ttulo de medidas cautelares.31

    Na doutrina argentina, Julio Maier explica que:

    la afirmacin de que el imputado no puede ser sometido a

    una pena y, por tanto, no puede ser tratado como un culpable

    hasta que no se dicte sentencia firme de condena, constituye el

    principio rector para expresar los limites de las medidas de

    28Presuno de Inocncia , p. 43.29Mario Chiavario,Processo e garanzie della persona . Milano: Giuffr, 1976, v. I, p. 129.30

    Mario Chiavario,Processo e garanzie della persona . 3 ed. Milano: Giuffr, 1984, v. II, p. 129.31Jos Joaquim Gomes Canotilho e Vidal Moreira, Constituio da Repblica Portuguesa Anotada. SoPaulo: RT; Coimbra, PT: Coimbra Ed., 2007. v. I, p. 518.

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    coercin procesal contra l. Este principio rector, que preside la

    razonabilidad de la regulacin y de la aplicacin de las medidas

    de coercin procesales, se pude sintetizar expresando: repugnaal Estado de Derecho, previsto en nuestro estatuto

    fundamental, anticipar una pena al imputado durante el

    procedimiento de persecucin penal.32(destacamos)

    Em suma, assegurar ao investigado ou acusado, durante a persecuo

    penal, um estado de inocente ou de no culpvel significa que ele no pode ser

    equiparado ao condenado definitivo. Ao contrrio, seu status absolutamente igual ao

    de quem nunca foi investigado o processado. Assim, no se pode admitir contra ele,com efeito automtico da imputao ou mesmo de decises judiciais, uma priso

    obrigatria, representando antecipao de juzo de culpa e execuo antecipada de uma

    pena que, a despeito de provvel, ainda no certa.

    4. A presuno de inocncia na dinmica da persecuo penal

    Do ponto de vista dinmico, importa definir que que momentos ou etapas

    da persecuo penal, incide a presuno de inocncia. Ou: at quando o acusado

    presumido inocente?

    A Constituio clara ao estabelecer o marco temporal final da

    presuno de inocncia: Ningum ser considerado culpado, at o trnsito em julgado

    da sentena penal condenatria (art. 5., caput, LVII).

    A presuno de inocncia uma garantia de todo acusado at o trnsito

    em julgado da sentena penal condenatria. No se trata de uma garantia que se aplica

    somente at a sentena penal recorrvel, ou mesmo at o julgamento em segundo grau

    de jurisdio.

    A despeito da clareza do dispositivo constitucional, somente com mais de

    duas dcadas de atraso, o Supremo Tribunal Federal reconheceu, em 2009, julgamento

    do HC n 84.078, que a presuno de inocncia se aplicava at que houvesse uma

    32Maier,Derecho ..., t. I, p. 512-513, com destaques no original.

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    condenao transitada em julgado. O posicionamento, na prtica, impedia a execuo

    provisria da pena, enquanto pendesse qualquer recurso. Ou, para usar uma linguagem

    processual civil, os recursos especial e extraordinrio, a despeito da regra do 2 do art.27, da ento vigorante.

    Todavia, recentemente, STF, em julgamento realizado no dia 17.02.2016,

    alterou tal entendimento. O Plenrio do STF, por 7 votos a 4, ao julgar o HC n

    126.292/SP,33considerou que possvel dar incio da execuo da pena condenatria

    aps a confirmao da sentena em segundo grau. Isso porque, segundo se entendeu,

    a manuteno da sentena penal pela segunda instncia encerra a anlise de fatos e

    provas que assentaram a culpa do condenado, o que autoriza o incio da execuo dapena.

    A deciso restringe o arco temporal da garantia constitucional do art. 5.,

    caput, inc. LVII, da Constituio, que estabelece como marco temporal final da

    presuno de inocncia o transito em julgado da sentena penal condenatria, e no

    at a confirmao da sentena em segundo grau! A diferena prtica das duas

    posies que, segundo o novo posicionamento do STF, nega-se efeito suspensivo ao

    recurso especial e extraordinrio. Logo, podero os tribunais locais, em caso deacrdo condenatrio, determinar a expedio de mandado de priso, como efeito da

    condenao a ser provisoriamente executada.

    Realmente, no elementos essencial da presuno de inocncia, que tal

    estado do acusado vigore temporalmente at que a condenao transite em julgado. O

    que se assegura, por exemplo, com j visto no plano dos tratados internacionais de

    direitos humanos, que o acusado tem o direito que se presuma sua inocncia

    enquanto no for legalmente comprovada a sua culpa (CADH, art. 8.2), ou enquanto

    a sua culpabilidade no tiver sido legalmente provada (CEDH, art. 6.2), ou ainda, at

    que sua culpabilidade tenha sido legalmente estabelecida (PIDCP, art. 14.2).

    Em todos esses casos, possvel, do ponto de vista hermenutico,

    considerar que a culpa estar legalmente comprovada, provada ou estabelecida, com

    uma deciso que aprecie o mrito da causa. Isto , com uma sentena condenatria,

    mesmo que impugnada por meio de recurso. Ou com o julgamento em segundo grau, ou

    33STF, HC 126.292/SP, rel. Min. Teori Zavascki, Pleno, j. 17.02.2016, m.v.

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    em qualquer outro marco anterior ao trnsito em julgado da condenao penal. Ou seja,

    em tese o acusado poderia ser presumido inocente, somente at que fosse proferida uma

    sentena condenatria, mesmo que esta seja impugnada, ou ainda, o julgamento daapelao.

    Alis, de se observar que, algumas Constituies modernas no

    estabelecem o momento final da presuno de inocncia. No continente europeu, no art.

    24.2 da Constituio Espanhola de 1978, prev que todos tm direito a um Juiz

    ordinrio predeterminado pela lei, defesa e assistncia de advogado, a serem

    informados da acusao formulada contra eles, a um processo pblico sem dilaes

    indevidas e com todas as garantias, a utilizar os meios de prova pertinentes sua defesa,a no prestar declaraes contra si mesmo, a no se confessar culpado e presuno de

    inocncia. No mesmo sentido, a Constituio Francesa de 1958, declara adeso aos

    princpios da Declarao de 1789 que, com j visto, assegura o povo francs proclama

    solenemente sua adeso aos Direitos do Homem e aos princpios de soberania nacional

    tal como foram definidos na Declarao de 1789, confirmada e completada pelo

    prembulo da Constituio de 1946, que garante: acusado consideradoinocente at

    ser declarado culpado.Outras, contudo, garantem a presuno de inocncia at o trnsito em

    julgado da condenao penal. o caso da Constituio italiana, de 1948, que no art. 27,

    comma 2, assegura: limputato non considerato colpevole sino alla condanna

    definitiva. O mesmo contedo foi adotado pela Constituio Portuguesa, de 1974, no

    artigo 32.2, que entre as garantias do processo criminal, assegura: Todo o arguido se

    presume inocente at ao trnsito em julgado da sentena de condenao, devendo

    ser julgado no mais curto prazo compatvel com as garantias de defesa.

    Mas a Constituio brasileira de 1988, reforando a presuno de

    inocncia, seguiu os modelos italiano e portugus, dando efetividade mxima o

    compromisso do Estado Brasileiro com a preservao da dignidade da pessoa humana.

    Para a garantia da presuno de inocncia foi estabelecido, como marco temporal final

    de sua aplicao, o momento derradeiro da persecuo penal. O acusado tem o direito

    que se presuma a sua inocncia at o trnsito em julgado da sentena penal

    condenatria.

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    Na doutrina constitucional, Cretella Jr. Afirma:

    Somente a sentena penal condenatria, ou seja, a deciso

    de que no mais cabe recurso, a razo jurdica suficientepara que algum seja considerado culpado. (...) No mais sujeita

    a recurso, a sentena penal condenatria tem fora de lei e,

    assim, o acusado passa ao status de culpado, at que cumpra a

    pena, a no ser que reviso criminal nulifique o processo,

    fundamento da condenao.34(destacamos)

    Com a definio clara do momento de cessao do estado de inocncia,

    evita-se ou imaginava-se que se evitaria discusses sobre se a ideia de presuno de

    inocncia at que seja legalmente provada ou comprovada a culpa, tem por momento

    final uma sentena condenatria, ainda que recorrvel, ou mesmo acrdo em que se

    julga, pela ltima vez, matria ftica, ou se somente com o trnsito em julgado de uma

    condenao penal seria destrudo o estado de inocente.

    Evidente que o Supremo Tribunal Federal, dentro da organizao

    judiciria nacional, o guardio da Constituio, cabendo-lhe dar a ltima palavra sobre

    a sua interpretao. A Constituio, contudo, uma Carta escrita pelo Constituinte, e

    no uma folha em branco.

    preciso compreender que os conceitos no processo penal tm fonte e

    histria e no cabe que sejam manejados irrefletidamente (Geraldo Prado) ou

    distorcidos de forma autoritria e a golpes de deciso. No pode o STF, com a devida

    vnia e mximo respeito, reinventar conceitos processuais assentados em literalmente

    sculos de estudo e discusso, bem como em milhares e milhares de pginas de

    doutrina. O STF o guardio da Constituio, no seu dono e tampouco o criador do

    Direito Processual Penal ou de suas categorias jurdicas. H que se ter conscincia

    disso, principalmente em tempos de decisionismo e ampliao dos espaos imprprios

    da discricionariedade judicial.

    temerrio admitir que o STF possa criar um novo conceito de trnsito

    em julgado, numa postura solipsista e aspirando ser o marco zero de interpretao.

    Trata-se de conceito assentado, com fonte e histria.

    34 Jos Cretella Jnior, Comentrios Constituio Brasileira de 1988. Rio de Janeiro: ForenseUniversitria. 1990. v. I, p. 537, com destaques no original.

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    Feita essa ressalva, sigamos.

    Diante do texto legal, e mesmo sem confundir o enunciado lingustico

    com a norma, preciso reconhecer nem mesmo o Supremo Tribunal Federal estimune a isto que h limites hermenuticos que parecem insuperveis para a

    intepretao de um dispositivo que atribua um direito at o trnsito em julgado.

    certo que o trnsito em julgado no se confunde com a coisa julgada,

    seja ela material ou formal. Eis o conceito de Barbosa Moreira:

    por trnsito em julgado entende-se a passagem da sentena da

    condio de mutvel de imutvel. (...) O trnsito em julgado ,

    pois, fato que marca o incio de uma situao jurdica nova,

    caracterizada pela existncia da coisa julgada formal ou

    material, conforme o caso.35

    E Machado Guimaresexplica que h, portanto, uma relao lgica de

    antecedente-a-consequente (no de causa-e-efeito) entre o trnsito em julgado e a coisa

    julgada.36 E conclui: A deciso trnsita em julgado cria, conforme a natureza da

    questo decidida, uma das seguintes situaes: a) a coisa julgada formal, ou b) a coisa

    julgada substancial37.

    Assim, o trnsito em julgado da sentena penal condenatria ocorre no

    momento em que a sentena ou o acrdo torna-se imutvel, surgindo a coisa julgada

    material. No h margem exegtica para que a expresso seja interpretada, mesmo pelo

    Supremo Tribunal Federal, no sentido de que o acusado presumido inocente, at o

    julgamento condenatrio em segunda instncia, ainda que interposto recurso para o

    Supremo Tribunal Federal ou Superior Tribunal de Justia.No possvel, portanto, concordar com a premissa adotada pela maioria

    dos Ministros do Supremo Tribunal Federal, no julgamento do HC n 126.292/SP, que

    implica, em apertada sntese, concluir que a presuno de inocncia no vigora mais at

    o trnsito em julgado da sentena penal condenatria, como assegura o inc. LVII, do

    35 Jos Carlos Barbosa Moreira, Ainda e sempre a coisa julgada.Direito processual civil (ensaios epareceres). Rio de Janeiro: Borsoi, 1971, p. 145.36

    Luiz Machado Guimares, Precluso, coisa julgada, efeito preclusivo.Estudo de direito processualcivil. Rio de Janeiro-So Paulo: Jurdica e Universitria, 1969, p. 14.37Idem,Ibidem,p. 32.

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    caput do art. 5 da CR, mas s at a confirmao a sentena condenatria em segundo

    grau!

    Evidente que a questo vai muito de um problema escolha tcnico-jurdica. H um profundo e inconteste sentido axiolgico em tal deciso. Como bem

    explica Maurcio Zanoide de Moraes:

    Essa viso gradualista da presuno de inocncia no deixa

    de esconder um rano tcnico-positivista da presuno de

    culpa, pois sob seu argumento est uma certeza de que, ao

    final, a deciso de mrito ser condenatria. Desconsiderando a

    importncia da cognio dos tribunais, cr que a anlise do

    juzo a quopela condenao prevalecer e, portanto, enquanto

    se espera por um desfecho j esperado, mantem-se uma pessoa

    presa provisoriamente.38

    Em suma, do ponto de vista da ordem jurdica, correto afirmar que o

    acusado goza da mesma situao jurdica que um inocente. Esse um ponto de

    partida do qual deve partir, tanto a lei, quanto a jurisprudncia, de um Estado de Direito

    no regramento de sua persecuo penal. E essa paridade ou igualdade substancial no se

    altera nos diversos momentos da persecuo penal: o investigado, o acusado e o

    condenado enquanto pende recurso da sentena condenatria esto na mesma situao

    jurdica que o inocente, isto , quem nunca foi investigado ou processado.

    5. O julgamento dos recursos especial e extraordinrio: a ausncia de revalorao

    de prova e seu reflexo na presuno de inocncia

    Estabelecido o contedo da presuno de inocncia e o arco

    procedimental de sua aplicao, resta analisar o principal argumento utilizado para

    justificar a deciso que restringiu a garantia, do trnsito em julgado da sentena penal

    condenatria, para o da condenao em segundo grau.

    38

    Presuno de inocncia no processo penal brasileiro: anlise de sua estrutura normativa para aelaborao legislativa e para a deciso judicial. 2008. Tese (Livre-docente). Faculdade de Direito daUniversidade de So Paulo, So Paulo, cap. IV, p. 483.

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    Afirmou-se que, como nos recursos especiais e extraordinrios no se

    julga matria ftica, h uma possibilidade muito menor de reforma ou anulao do

    acrdo do tribunal local. Logo, no se justificaria impedir a imediata eficcia doacrdo condenatrio de segundo grau.

    Primeiramente h que se compreender o que culpabilidade

    normativa e culpabilidade ftica. Como explica Geraldo Prado39, a presuno de

    inocncia clusula ptrea e princpio reitor do processo penal brasileiro, estabelecendo

    uma relao com o conceito jurdico de culpabilidade adotado no Brasil.

    No adotamos o modelo norte-americano de processo penal, assentado

    no paradigma de controle social do delito sobre o qual se estrutura um conceito

    operacional de culpabilidade ftica; todo o oposto, nosso sistema estrutura-se sobre o

    conceito jurdico de culpabilidade, que repousa na presuno de inocncia.

    Em apertada sntese, o conceito normativo de culpabilidade exige que

    somente se possa falar em (e tratar como) culpado, aps o transcurso inteiro do processo

    penal e sua finalizao com a imutabilidade da condenao. E, mais, somente se pode

    afirmar que est comprovada legalmente a culpa como exige o art. 8.2 da Conveno

    Americana de Direitos Humanos, com o trnsito em julgado da deciso condenatria.

    Portanto, errado afirmar-se que 'a culpa est provada' aps a deciso de

    segundo grau. No nosso sistema, com o marco constitucional da presuno de inocncia

    vinculada ao trnsito em julgado, somente neste momento que se pode considerar

    'estar provada a culpa'.

    No possvel concordar com o argumento contido no acrdo, que se

    baseia em uma reduo simplista demais da funo dos recursos extraordinrios emsentido lato, alm de confundir dois aspectos distintos da presuno de inocncia:

    enquanto regra de julgamento, identificada com o in dubio pro reo, como soluo a ser

    adotada no caso de dvida no processo de valorao da prova, de um lado, e como regra

    de tratamento, de outro

    Sobre a simplificao de que, nem recurso especial e extraordinrio no

    se examina prova, o tema remete dicotomia recursos ordinrios vs. recursos

    39Geraldo Prado, O trnsito em julgado da deciso penal condenatria. In: Boletim do IBCCrim, n.277, dezembro de 2015.

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    extraordinrios. Os recursos ordinrios destinam-se a reforma ou invalidao das

    decises, podendo analisar tanto de questo de direito, quanto questo de fato. J o

    recurso extraordinrio por antonomsia e o recurso especial, que tal qual Eva, foifeito da costela daquele pelo legislador constituinte, somente admitem a discusso de

    questes de direito, de natureza constitucional ou envolvendo lei federal.

    Consequncia disso, ou o que seria o outro lado da moeda, que os

    recursos ordinrios se prestam para proteger o direito subjetivo das partes litigantes

    contra os vcios da deciso, enquanto que os recursos extraordinrios tm como objetivo

    imediato a tutela do direito objetivo, no caso brasileiro, a Constituio, a lei federal e os

    tratados.40

    No tm por funo assegurar o duplo grau de jurisdio, mas sim umafuno nomofiltica, isto , de controle da correta aplicao da Constituio e da lei

    federal.41 O escopo a preservao do direito objetivo, isto , a autoridade e

    uniformidade da aplicao das normas, e no o direito subjetivo da parte processual que

    se sinta prejudicada e interponha tais meios de impugnao.42

    H, todavia um certo exagero, ou reduo simplista, afirmar que os

    recursos especial e extraordinrio, por visarem um controle de legalidade, no se

    preocupam com o direito concreto do recorrente. Observa corretamente Taruffo, comsua admirvel perspiccia, que h dois modelos Cortes que realizam um controle de

    legalidade: no modelo da terceira instncia, a interpretao da lei e para ns,

    tambm da Constituio s um meio de resoluo de uma especfica controvrsia;

    enquanto que no modelo de Corte Suprema, no qual o caso concreto s uma ocasio

    para garantir a legalidade do ordenamento, com uma atividade visando mais ao futuro

    40 Esse , por exemplo, o fator classificatrio utilizado por Nelson Luiz Pinto (Manual dos RecursosCveis. 3 ed. 3. Tir., So Paulo: Malheiros, 2004, p. 36) para tal classificao.41Na doutrina italiana, com relao ao ricorso per cassazione, afirma-se ser um uma impugnao demera legitimidade (Gian Domenico Pisapia, Compendio di procedura penale. 3. ed. Padova: Cedam,1982, p. 413). E Nappi (Guida ..., p. 791) afirma que a Corte de Cassao tem no ordenamento italianauma funo nomofiltica, porque o art. 65 do Ordenamento Judicirio lhe assinala a funo de realizar aunidade do direito objetivo nacional, assegurando a correta observncia e a interpretao uniforme dalei. No mesmo sentido: Giorgio Spangher, Il doppio grado di giurisdizione, inFilippo Fraffaele Dinacci(coord.) Processo Penale e Costituzione . Milano; Guiffr, 2010, p. 498; Alfredo Gaito, Il ruolo e lafunzione del giudizio di legittimit in epoca di giusto processo (tra essere e dover essere). In : FilippoFraffaele Dinacci (Coord.) Processo Penale e Costituzione . Milano; Guiffr, 2010, p. 521; Sergio

    Sottani, Il controllo delle decisioni giudiziarie nella progressione processuale. In: _______. AlfredoGaito (Org.).Le impugnazioni penali. Torino: Utet, 1998, p. 44.42Nesse sentido: Araken de Assis,Manual dos Recursos.2. ed. So Paulo: Ed. RT, 2008, p. 55

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    que ao passado. 43No primeiro modelo, que seria o das cortes equivalentes ao nosso

    STF e STJ, haveria uma interpretao operativa, destinada justa deciso do caso

    concreto; no segundo, interessa sobretudo atribuir um significado para a norma comoenunciado de carter geral, tendencialmente desvinculado da peculiaridade especfica

    do caso concreto.44

    Os modelos de cassao de inspirao francesa, como o caso da

    Cassao italiana, parecem mais voltados ao primeiro aspecto. As Cortes de Cassao

    no aplicam o direito ao fato, limitando-se a dar a correta intepretao da lei, depois

    baixando os atos para que o juiz da causa decida o caso concreto. De acordo com o

    posicionamento jurdico adotado, h um predomnio do escopo de preservao dodireito objetivo sobre a tutela do direito subjetivo do recorrente.

    Por outro lado, nos modelos como o brasileiro, em que o Supremo

    Tribunal Federal e o Superior Tribunal de Justia, ao julgarem, respectivamente, o

    recurso extraordinrio e o especial, no se limitam a resolver em abstrato a questo de

    direito constitucional ou federal posta em discusso, mas alm disso, e a partir da

    premissa adotada aplicam o direito aos fatos (CPC, art. 1034, caput),45 julgando a

    causa ao dar ou negar provimento ao recurso, no seria exagero ver nesse modelo, aindaque em recurso nos quais no se discuta a questo ftica, um predomnio da funo de

    proteo do direito subjetivo do recorrente e, somente em carter secundrio, a tutela da

    constituio ou da lei federal, enquanto direito objetivo. Seriam, pois, recursos mais

    voltados tutela do ius litigatoris do que do ius constitutionis.

    Todavia, no seria exagero dizer que, nos ltimos tempos, aps a

    Emenda Constitucional n 45/2004, que passou a exigir, em relao ao recurso

    extraordinrio, a existncia de uma repercusso geral da questo constitucional, bem

    como do surgimento do mecanismo do sobrestamento dos recursos extraordinrios e

    especiais repetitivos, para que o tribunal julgue penas um ou alguns recursos

    significativos da controvrsia, com a aplicao de tal resultado, pelos prprios tribunais

    locais, nas causas individuais, fortaleceu-se em tais recursos o aspecto de tutela da

    43Michele Taruffo,Il vertice ambiguo. Saggi sulla Cassazione Civile. Bologna: il Mulino, 1991, p. 157.

    No processo penal, acolhendo expressamente tal posicionamento, Nappi, Guida , p. 791.44

    Taruffo,Il vertice ambiguo, p. 157.45 A Smula n 456 do STF enuncia: O Supremo Tribunal Federal, conhecendo o recursoextraordinrio, julgar a causa, aplicando o direito espcie.

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    Constituio e da lei federal. Isso no significa, contudo, que tenha deixado de se

    proteger, ainda que em carter secundrio, o direito do recorrente e a sorte da sua causa

    concreta, posta em discusso no processo.Mesmo quem tem um recurso sobrestado, ou sobre tema em que se

    reconheceu repercusso geral, poder ter o seu prprio direito reconhecido, com o

    julgamento de seu recurso especial ou extraordinrio, ainda que somente aps o trmino

    do prazo de suspenso, com o julgamento do recurso representativo da controvrsia.

    Evidente e inconteste que o campo de adequao do recurso especial e

    extraordinrio e mais limitado, no servindo para a impugnao quanto matria ftica.

    Assim sendo a possibilidade de reforma do acrdo do tribunal local inegavelmente

    menor. Embora no haja estatsticas seguras, no parece arriscado afirmar que deve

    haver um maior nmero de reformas de sentena, por meio de julgamentos de apelao,

    do que de mudanas do decidido em acrdo que julgaram a apelao, mediante

    provimento de recursos especial e extraordinrio.

    Tal situao, de uma menor mutabilidade das decises impugnadas,

    justifica a restrio da presuno de inocncia. A resposta exige que se distinga, de um

    lado, a presuno de inocncia, enquanto regra probatrio, identificada com o in dubio

    pro reo, como critrio judicial de resoluo de dvida sobre fato relevante; e de outro, a

    presuno de inocncia, enquanto regra de tratamento do acusado, a impedir que aquele

    que ainda est sendo processado, com possibilidade de alterao da deciso judicial e

    reconhecimento de sua inocncia, seja tratado como se j fosse um condenado

    definitivo, com sentena condenatria transitada em julgado.

    Recursos extraordinrios no se prestam, diferentemente dos ordinrios,

    a atacar tanto questes de fato quanto questes de direito. H erro de fato quando o

    acrdo se funda em uma falsa premissa de fato, decorrente da errnea valorao das

    provas. H um vcio na atividade heurstica. J o erro de direito ocorre quando o

    acrdo aplica erroneamente qualquer regra de direito, inclusive regras legais sobre

    admissibilidade, produo e valorao das provas. Nesse caso o vitium hermenutico.

    O problema de interpretao e integrao da norma.46Nesse segundo campo que so

    cabveis os recursos especial e extraordinrio.

    46 Nesse sentido: Jorge A. Clari Olmedo, Tratado de derecho procesal penal. Buenos Aires: Ediar,1966. v. 5, p. 449.

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    No tarefa fcil ou simples distinguir entre questes de direito e

    questes de fato. Toda questo jurdica envolve matria ftica e matria de direito. O

    que existe so questes predominantemente de fato e questes predominantemente dedireito47. As matrias fticas que levariam apenas a um reexame da prova esto

    excludas dos recursos especial e extraordinrio, nos termos do verbete n 279 da

    Smula de jurisprudncia do STF48e do enunciado n 7 da Smula de jurisprudncia do

    STJ.49

    E, se no recurso especial e extraordinrio no h revalorao ftica da

    prova, sendo incabvel a anlise de questes preponderantemente de fato, em que h

    controvrsia ou divergncia sobre a reconstruo histrica da realidade subjacentes,sobre a qual haver a subsuno da norma, efetivamente no h que se colocar a questo

    da presuno de inocncia como regra de julgamento, na sua manifestao mais tpica,

    do in dubio pro reo.

    Se no h controvrsia ftica a ser decidida, no h porque se imaginar,

    no caso de dvida sobre fato relevante, de se aplicar a regra de que a dvida beneficia o

    acusado. Portanto, durante a tramitao do recurso especial e extraordinrio, realmente

    parece incabvel pensar na incidncia da presuno de inocncia, em seu aspectoprobatrio, isto , de regra de julgamento.

    Mas, durante a tramitao de tais recursos, isto , entre o acrdo

    condenatrio do tribunal local, e o trnsito em julgado com o acrdo do Supremo

    Tribunal Federal ou Superior Tribunal de Justia, deve ser aplicada a outra vertente da

    presuno de inocncia, identificada com a regra de tratamento do acusado, que no

    pode ser equiparado ao condenado definitivo?

    A resposta deve ser positiva.

    H diversos temas, envolvendo questes predominantemente de direito, e

    passveis de ataque em recurso especial e extraordinrio, que podem permitir uma

    alterao da deciso condenatria, seja para reforma-la para um resultado absolutrio,

    47Araken de Assis,Manual dos Recursos , p. 716.48Enunciado n 279 da Smula de Jurisprudncia do STF: Para simples reexame de prova no cabe

    recurso extraordinrio.49!Enunciado n 7 da Smula de Jurisprudncia do STJ: A pretenso de simples reexame de prova no

    enseja recurso especial.

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    seja para reduzir substancialmente a pena imposta, muitas vezes at mesmo alterando a

    espcie de pena privativa de liberdade, quando no ocorre a extino da punibilidade

    pela prescrio. Tambm possvel que o recurso seja provido por violao de regralegal ou garantia constitucional de natureza processual, implicando a anulao do

    acrdo condenatrio do tribunal local, para que outro seja proferido, observando-se

    corretamente o dispositivo de lei federal ou a regra constitucional tida por contrariada

    ou violada. E h muitos temas aptos a serem questionados que podem levar a tais

    resultados.

    Embora no recurso especial e extraordinrio no se discuta questo de

    fato, perfeitamente possvel a sua interposio, para se questionar os critrios deapreciao da prova, a errada aplicao das regras de experincia, a utilizao de

    prova ilcita, a nulidade da prova, o valor legal da prova, as presunes legais, ou a

    distribuio do nus da prova, pois todas estas questes no so de fato, mas de

    direito.50 Nesse campo, tambm deve ser aceito o recurso contra decises para

    controlar a valorao probatria quanto aos princpios gerais da experincia, os

    conhecimentos cientficos, as leis do pensamento e, at mesmo, os fatos notrios. 51

    O controle da motivao tambm admissvel em recurso especial eextraordinrio, sob o fundamento de violao (respectivamente, art. 381, inc. III, do

    CPP e do art. 93, IX, da Constituio) da falta de completude da valorao realizada no

    juzo das questes de fato, seja pelo juiz de primeiro grau, seja pelo tribunal local,

    quando por exemplo, a sentena ou o acrdo deixam de analisar alternativas

    50! Na jurisprudncia: STF, AgRg no AI n 153.836/MA; STF, RTJ 91/674; STJ, RT 725/531. O STJ,

    decidiu que a chamada valorao da prova a ensejar recurso especial, aquela em que h errneaaplicao de um princpio legal ou negativa de vigncia de norma pertinente ao direito probatrio (STJ,REsp n 142.616, 4 T., Rel. Min. Barros Monteiro, j. 13.02.2002). No mesmo sentido: AgRg no AI n288.698/SP. Na doutrina: Ada Pellegrini Grinover, Antonio Magalhes Gomes Filho e AntonioScarance Fernandes,Recursos no processo penal. 7. ed. So Paulo: Ed. RT, 2011, p. 203. Nesse sentido,em relao a regras sobre nus da prova: Pontes de Miranda Comentrios Constituio de 1967, coma Emenda n.1. 2. ed. So Paulo: RT, 1970, t. IV, p. 68.51Nesse sentido, no modelo alemo, admitindo o recurso de cassao, Claus Roxin, Derecho procesal

    penal. Traduo de Gabriela E. Crdoba e Daniel R. Pastor. Buenos Aires: Del Puerto, 2000, p. 472.Todavia, Julio Maier (La ordenanza procesal penal alemana: su comentario y comparacin con los

    sistemas de enjuiciamiento penal argentinos. Buenos Aires: Depalma, 1982. v. II, p. 288) ressalta queno caso de regras gerais da experincia e leis lgicas do pensamento somente sero fundamento para orecurso de cassao, quando sua inobservncia ou errnea aplicao torne a sentena sem fundamento, e

    por isso infrinja a regra que exige que todas as decises sejam fundamentadas, sob pena de nulidade. Nonosso caso, portanto, o fundamento dos recursos seriam, para o extraordinrio, o art. 93, IX, da CR e

    para o especial, o art. 381, III, do CPP.

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    razoveis em havendo narrativas fticas diversas.52

    A jurisprudncia tem feito uma distino entre o que seria valorao da

    prova admitida nos recursos extremos, e reexame de prova, que impede a suaadmissibilidade. J se decidiu que a valorao da prova refere-se ao valor jurdico

    desta, sua admisso ou no em face da lei que a disciplina, podendo ser ainda a

    contrariedade a princpio ou regra jurdica do campo probatrio, questo unicamente de

    direito, passvel de exame nesta Corte. O reexame da prova implica a reapreciao dos

    elementos probatrios para concluir-se se eles foram ou no bem interpretados,

    constituindo matria de fato, soberanamente decidida pelas instncias ordinrias,

    insuscetvel de reviso no recurso especial.53

    Pode-se, em recurso especial e extraordinrio, questionar a qualificao

    jurdica dada a um determinado fato.54 Evidente que tal matria no poder ser

    questionada nos recursos extremos se o problema da correta qualificao jurdica

    decorrer de dvida sobre um dos elementos que integram o tipo penal. Nesse caso, a

    questo ftica, e demanda valorao da prova. Todavia, em outros casos, mesmo que

    se admita por hiptese como verdadeiros os fatos narrados na denncia, ainda assim

    poderia haver dvidas sobre a correta subsuno dos fatos ao tipo penalX ou Y. Aqui, aquesto puramente de direito.

    No se trata de questo de fato, e pode ser atacado em recurso especial

    ou extraordinrio, a valorao, ou melhor, o preenchimento do contedo normativo de

    conceitos juridicamente indeterminados (por exemplo, boa-f, injria grave, justa

    causa etc.), sendo passvel de controle em recurso extraordinrio ou especial a

    intepretao dada a tais conceitos vagos.55 Alis, o 1 do art. 489 do Cdigo de

    52 Nesse sentido, na doutrina alem, Roxin, Derecho Procesal Penal , p. 472. Explica que ajurisprudncia tem admitido o recurso de cassao quando as sentenas no tratam de alternativasrazoveis de valorao dos fatos.53STJ, AgREsp 420.217/SC, rel. Min. Eliana Calmon, 2 T., j. 04.06.2002, v.u. Na doutrina, a mesmadistino feita por Eugnio Pacelli e Douglas Fischer, Douglas. Comentrios ao Cdigo de Processo

    Penal. So Paulo: Atlas, 2015, p. 1333.54 Na jurisprudncia: STF, RTJ 112/1169, RTJ 117/41, RTJ 143/283, RTJ 175/1169. Na doutrina:Grinover, Magalhes Gomes Filho e Scarance Fernandes, Recursos..., n. 170, p. 203. Em sentidocontrrio, Mancuso (Recurso extraordinrio..., p. 168) entende que, se a injustia deriva de uma msubsuno do fato norma, no cabe o recurso especial ou extraordinrio. Nesse sentido, no modeloalemo, admitindo o recurso de cassao, por erro de subsuno: Ernest BelingDerecho procesal penal.

    Trad. de Miguel Fenech. Barcelona: Labor, 1943, p. 121; Roxin,Derecho Procesal Penal, p. 472.55 Nesse sentido: Tereza Arruda Alvim Wambier, Questes de fato, conceito vago e a suacontrolabilidade atravs de recurso especial. Aspectos polmicos e atuais do recurso especial e do

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    Processo Civil estabelece que no se considera fundamentada a deciso judicial que

    empregar conceitos jurdicos indeterminados, sem explicar o motivo concreto de sua

    incidncia no caso (inciso II).Se, mesmo sendo impossvel revalorar a prova, h todas as hipteses

    acima mencionadas, a possibilitar, em tese, a reforma do acrdo condenatrio, no h

    qualquer justificativa jurdica ou poltica para, durante a tramitao dos recursos

    especial ou extraordinrio, deixar de considerar que o acusado deve se tratado como um

    inocente, para lhe aplicar o status equivalente a um condenado definitivo, j

    principiando o cumprimento de uma pena privativa de liberdade.

    E assim sendo, no h porque deixar de tratar o acusado que impugna o

    acrdo do tribunal local, seja mediante recurso extraordinrio, seja por meio de recurso

    especial, com sendo presumido inocente. Seja porque a Constituio assim o determina,

    considerando que ningum ser considerado culpado, at o trnsito em julgado de

    sentena penal condenatria (art. 5, caput, inc. LVI), seja porque tais recursos tm

    efetiva aptido para levar a um resultado absolutrio, que preserva o statuspoltico de

    inocente de todo e qualquer cidado.

    Portanto, o carter extraordinrio dos recursos especial e

    extraordinrio, bem como o fato de serem recursos de fundamentao vinculada e

    limitados ao reexame de questes de direito (sublinhando que essa dicotomia questes

    de fato x questes de direito tnue, artificial e muitas vezes ilusria, sendo superada e

    manipulada quando querem os tribunais superiores (mais espao frtil para o

    decisionismo), no um argumento legtimo para sustentar a execuo antecipada

    da pena.

    Porque o carter extraordinrio desses recursos no afeta o conceito de

    trnsito em julgado expressamente estabelecido como marco final do processo

    (culpabilidade normativa) e inicial para o tratamento de culpado.

    recurso extraordinrio. So Paulo: Ed. RT, 1997, p. 460; Rodolfo de Camargo Mancuso, Recursoextraordinrio e recurso especial. 13 ed. So Paulo: Ed. RT, 2014, p. 169.

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    6. Ausncia de efeito suspensivo e a inaplicabilidade ao processo penal

    Argumento tambm invocado no decisium o de que a ausncia de efeito

    suspensivo dos recursos especial e extraordinrio, justificaria a tese da execuo

    antecipada da pena.

    Trata-se de mais uma herana maldita da Teoria Geral do Processo que

    volta para assombrar o j fragilizado processo penal brasileiro.

    O revogado 2 do art. 27 da Lei n 8038/1990, assim como o caput doart. 995 do novo Cdigo de Processo Civil, no aplicvel ao processo penal, por

    desconsiderar suas categorias jurdicas prprias. H que se compreender que o problema

    (de se prender antes do trnsito em julgado e sem carter cautelar) no se reduz ao mero

    problema de efeito recursal. da liberdade de algum que se est tratando e, portanto,

    da esfera de compresso dos direitos e liberdades individuais, tutelados entre outros

    princpios pela presuno de inocncia.

    preciso retomar, pelo menos, tudo o que disse o ento Ministro Eros

    Grau no acrdo do Habeas Corpus n 94.408, julgado no dia 10 de fevereiro de 2009,

    tambm, oportunidade em que afirmou, categoricamente a inconstitucionalidade da

    chamada execuo antecipada da pena.

    Por sua importncia, preciso recordar esse julgamento:

    1. O art. 637 do CPP estabelece que [o] recurso extraordinriono tem efeito suspensivo, e uma vez arrazoados pelo recorrido

    os autos do traslado, os originais baixaro primeira instncia

    para a execuo da sentena. A Lei de Execuo Penal

    condicionou a execuo da pena privativa de liberdade ao

    trnsito em julgado da sentena condenatria. A Constituio do

    Brasil de 1988 definiu, em seu art. 5, inciso LVII, que

    ningum ser considerado culpado at o trnsito em julgado de

    sentena penal condenatria. 2. Da que os preceitos veiculados

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    pela Lei n. 7.210/84, alm de adequados ordem constitucional

    vigente, sobrepem-se, temporal e materialmente, ao disposto

    no art. 637 do CPP. 3. A priso antes do trnsito em julgadoda condenao somente pode ser decretada a ttulo cautelar.

    4. A ampla defesa, no se a pode visualizar de modo restrito.

    Engloba todas as fases processuais, inclusive as recursais de

    natureza extraordinria. Por isso a execuo da sentena aps

    o julgamento do recurso de apelao significa, tambm,

    restrio do direito de defesa, caracterizando desequilbrio

    entre a pretenso estatal de aplicar a pena e o direito, do

    acusado, de elidir essa pretenso. 5. Priso temporria,

    restrio dos efeitos da interposio de recursos em matria

    penal e punio exemplar, sem qualquer contemplao, nos

    crimes hediondos exprimem muito bem o sentimento que

    EVANDRO LINS sintetizou na seguinte assertiva: Na

    realidade, quem est desejando punir demais, no fundo, no

    fundo, est querendo fazer o mal, se equipara um pouco ao

    prprio delinquente. 6. A antecipao da execuo penal,

    ademais de incompatvel com o texto da Constituio,

    apenas poderia ser justificada em nome da convenincia dos

    magistrados no do processo penal. A prestigiar-se o

    princpio constitucional, dizem, os tribunais [leia-se STJ e

    STF] sero inundados por recursos especiais e

    extraordinrios e subsequentes agravos e embargos, alm do

    que ningum mais ser preso. Eis o que poderia ser

    apontado como incitao jurisprudncia defensiva, que,

    no extremo, reduz a amplitude ou mesmo amputa garantias

    constitucionais. A comodidade, a melhor operacionalidade

    de funcionamento do STF no pode ser lograda a esse preo.

    7. No RE 482.006, relator o Ministro Lewandowski, quando foi

    debatida a constitucionalidade de preceito de lei estadual

    mineira que impe a reduo de vencimentos de servidores

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    pblicos afastados de suas funes por responderem a processo

    penal em razo da suposta prtica de crime funcional [art. 2 da

    Lei n. 2.364/61, que deu nova redao Lei n. 869/52], o STFafirmou, por unanimidade, que o preceito implica flagrante

    violao do disposto no inciso LVII do art. 5 da Constituio

    do Brasil. Isso porque disse o relator a se admitir a reduo

    da remunerao dos servidores em tais hipteses, estar-se-ia

    validando verdadeira antecipao de pena, sem que esta tenha

    sido precedida do devido processo legal, e antes mesmo de

    qualquer condenao, nada importando que haja previso de

    devoluo das diferenas, em caso de absolvio. Da porque a

    Corte decidiu, por unanimidade, sonoramente, no sentido do no

    recebimento do preceito da lei estadual pela Constituio de

    1988, afirmando de modo unnime a impossibilidade de

    antecipao de qualquer efeito afeto propriedade anteriormente

    ao seu trnsito em julgado. A Corte que vigorosamente prestigia

    o disposto no preceito constitucional em nome da garantia da

    propriedade no a deve negar quando se trate da garantia da

    liberdade, mesmo porque a propriedade tem mais a ver com as

    elites; a ameaa s liberdades alcana de modo efetivo as classes

    subalternas. 8. Nas democracias mesmo os criminosos so

    sujeitos de direitos. No perdem essa qualidade, para se

    transformarem em objetos processuais. So pessoas, inseridas

    entre aquelas beneficiadas pela afirmao constitucional da sua

    dignidade (art. 1, III, da Constituio do Brasil). inadmissvel

    a sua excluso social, sem que sejam consideradas, em

    quaisquer circunstncias, as singularidades de cada infrao

    penal, o que somente se pode apurar plenamente quando

    transitada em julgado a condenao de cada qual. Ordem

    concedida. 56(destacamos)

    56STF, HC n 94.408, 2 Turma, Rel. Min. Eros Grau, j. 10.02.2009, v.u.,RT885/493.

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    Na mesma linha, com igual acerto, merece lembrana a deciso proferida

    pelo Supremo Tribunal Federal, no julgamento do Habeas Corpus n 96.059, julgado no

    dia 10 de fevereiro de 2009, da relatoria do Min. Celso de Mello:A privao cautelar da liberdade individual reveste-se de

    carter excepcional, somente devendo ser decretada em

    situaes de absoluta necessidade. A priso preventiva, para

    legitimar-se em face de nosso sistema jurdico, impe - alm da

    satisfao dos pressupostos a que se refere o art. 312 do CPP

    (prova da existncia do crime e presena de indcios suficientes

    de autoria) - que se evidenciem, com fundamento em baseemprica idnea, razes justificadoras da imprescindibilidade

    dessa extraordinria medida cautelar de privao da liberdade do

    indiciado ou do ru. - A questo da decretabilidade da priso os

    requisitos mencionados no art. 312 do CPP. Necessidade da

    verificao concreta, em cada caso, da imprescindibilidade da

    adoo dessa medida extraordinria. Precedentes. A PRISO

    PREVENTIVA - ENQUANTO MEDIDA DE NATUREZACAUTELAR - NO PODE SER UTILIZADA COMO

    INSTRUMENTO DE PUNIO ANTECIPADA DO

    INDICIADO OU DO RU. - A priso preventiva no pode - e

    no deve - ser utilizada, pelo Poder Pblico, como instrumento

    de punio antecipada daquele a quem se imputou a prtica do

    delito, pois, no sistema jurdico brasileiro, fundado em bases

    democrticas, prevalece o princpio da liberdade, incompatvel

    com punies sem processo e inconcilivel com condenaes

    sem defesa prvia. A priso preventiva - que no deve ser

    confundida com a priso penal - no objetiva infligir punio

    quele que sofre a sua decretao, mas destina-se, considerada a

    funo cautelar que lhe inerente, a atuar em benefcio da

    atividade estatal desenvolvida no processo penal. RECURSOS

    EXCEPCIONAIS (RE E RESP) - AUSNCIA DE EFICCIA

    SUSPENSIVA - CIRCUNSTNCIA QUE, S POR SI, NO

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    OBSTA O EXERCCIO DO DIREITO DE RECORRER EM

    LIBERDADE. - A denegao, ao sentenciado, do direito de

    recorrer em liberdade depende, para legitimar-se, daocorrncia concreta de qualquer das hipteses referidas no

    art. 312 do CPP, a significar, portanto, que, inexistindo

    fundamento autorizador da privao meramente processual

    da liberdade do ru, esse ato de constrio reputar-se-

    ilegal, porque destitudo, em referido contexto, da necessria

    cautelaridade. Precedentes. - A priso processual, de ordem

    meramente cautelar, ainda que fundada em deciso

    condenatria recorrvel (cuja prolao no descaracteriza a

    presuno constitucional de no-culpabilidade), tem, como

    pressuposto legitimador, a existncia de situao de real

    necessidade, apta a ensejar, ao Estado, quando efetivamente

    ocorrente, a adoo - sempre excepcional - dessa medida

    constritiva de carter pessoal. Precedentes. - Se o ru responder

    ao processo em liberdade, a priso contra ele decretada - embora

    fundada em condenao penal recorrvel (o que lhe atribui

    ndole eminentemente cautelar) - somente se justificar, se,

    motivada por fato posterior, este se ajustar, concretamente, a

    qualquer das hipteses referidas no art. 312 do CPP. Situao

    inocorrente no caso em exame57(destacamos)

    Para finalizar, h que se considerar e assumir que essa execuo

    antecipada da pena de priso absolutamente irreversvel e irremedivel em seus

    efeitos, ao contrrio do que ocorre no processo civil. impossvel devolver ao imputado

    o tempo que lhe foi tomado se, ao final, o Superior Tribunal de Justia ou o Supremo

    Tribunal Federal der provimento ao recurso especial ou extraordinrio, para, por

    exemplo, anular ab initioo processo, ou reduzir sua pena ou, ainda, alterar o regime de

    cumprimento.

    57STF, HC n 96.059/RJ, 2 Turma, Rel. Min. Celso de Mello, j. 10.02.2009, v.u.,LEXSTF,364/ 426.

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    Recordemos Carnelutti, quando dizia que uma diferena insupervel

    entre o processo civil e o processo penal era exatamente essa: enquanto o processo civil

    se ocupa do ter, o processo penal lida como o ser. Portanto, de outra coisa queno mero efeito recursal que estamos tratando ao discutir a eficcia temporal da

    garantia constitucional da presuno de inocncia.

    E, para finalizar, uma vez mais preciso recordar: a Constituio

    expressamente estabelece a proibio de se tratar como culpado e, portanto, h uma

    inconstitucional equiparao ao mand-lo para a mesma priso aquele que ainda

    simples acusado, antes do trnsito em julgado. Enfim, o conceito de trnsito em julgado

    no tem absolutamente nenhuma relao com o efeito recursal.

    7. O argumento do baixo nmero de Recursos Especiais e Extraordinrios

    defensivos admitidos

    O argumento de que se deve considerar que a presuno de inocncia

    incide at o julgamento do recurso em segundo grau se justifica, por muito reduzido

    o nmero de recurso especial e extraordinrio que so admitidos ou providos, tambm

    no pode ser aceito. Isso porque, parte de premissa absolutamente equivocada, pois a

    legitimao dos recursos extraordinrios no quantitativa, e independe do

    nmero de recursos providos.

    Como, do mesmo modo, a presuno de inocncia no depende do

    nmero de sentenas absolutrias. Para demostrar a falcia argumentativa, base levar o

    argumento aos demais graus de jurisdio. Imagine-se que, nos casos penais a maioria

    dos recursos de apelao interpostos pela defesa ou no interesse do acusado sejaimprovido. Defender-se- que a presuno de inocncia no precisar vigorar no

    perodo de tempo que medeia entre a sentena condenatria e o julgamento da

    apelao? Evidente que no h que se responder a tal pergunta retrica, defendendo-se a

    inaplicabilidade da garantia constitucional. H, ainda, um ltimo cenrio: se houve

    estatsticas confiveis e se confirmar que, no processo penal, o nmero de sentenas

    condenatrias for maior que o nmero de sentena absolutrias, a presuno de

    inocncia deixar de ser aplicada? A regra passar a ser todos os acusados responderem

    presos ao processo penal? Evidente que no!

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    um argumento falacioso como foi, no passado, a crtica de Manzini

    presuno de inocncia, onde o processualista fascista disse que era irracional e

    paradoxal a defesa do princpio na medida em que o normal das coisas era presumir-se o fundamento da imputao como verdadeiro.58 E vai alm, ao afirmar que se a

    maior parte dos imputados resultava culpado ao final do processo, no havia nada

    que justificasse a presuno de inocncia.

    Equivale, mutatis mutandis,a dizer:j que a maior parte dos recursos

    especial e extraordinrio interpostos pela defesa no so acolhidos, vamos

    presumir que so infundados e desnecessrios, podendo prender primeiro e decidir

    depois. Sem falar que as pesquisas quantitativas publicadas mostram que o nmero significativo, principalmente se considerarmos as imensas limitaes de acesso aos

    tribunais superiores impostas por uma imensa quantidade de smulas proibitivas, mais a

    necessidade de prequestionamento e, finalmente, a necessidade de demonstrao de

    repercusso geral.

    Enfim, um argumento insustentvel.

    8. Como no enfrentar a (in)constitucionalidade do art. 283 do CPP? Da grave

    omisso do Acrdo.

    Por fim, de se observar que, do ponto de vista lgico, a concluso de

    que a presuno de inocncia teria aplicao somente at o julgamento em segundo grau

    de jurisdio e, consequentemente, depois do julgamento do mrito pelo tribunal local,

    mesmo que houvesse a interposio de recurso especial ou extraordinrio, seria possvela expedio de mandado de priso, com o incio de execuo provisria da penal,

    deveria implica o reconhecimento da inconstitucionalidade do art. 283 do Cdigo de

    Processo Penal.

    58 E, acrescentava Manzini (Trattato ... v. I, p. 226) aps qualificar a presuno de inocncia deparadoxal e irracional: basti pensare ai casi di custodia preventiva, alla segretezza dellistruttoria e al

    fato stesso dellimputazione. Dato che questultima ha per presupposto sufficiente indizi di reit, essadovrebbe costituire, se mai, una presunzione di colpevolezza. Come ammettere dunque che equivalgainvece al suo opposto, cio a una presunzione dinnocenza?

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    O art. 283 do Cdigo de Processo Penal, com a redao dada apela Lei n

    12.403, assegura:

    "N3;! JPS! T452+-= 6'(.37 ,.3 63.,' ,.5M' .= H1)23)5;. (.14;' '+ 6'3

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    '+/ 5' *+3,' () 458.,;42)LM' '+ (' 63'*.,,'/ .= 843;+(. (. 634,M'

    ;.=6'3734) '+ 634,M' 63.8.5;48)> ?(.,;)*)=',@

    Na presente deciso no h qualquer meno ao art. 283 e tampouco uma

    declarao fundamentada de sua inconstitucionalidade, pois ele completamente

    incompatvel com a deciso proferida pelo STF.

    Como simplesmente no aplicar o art. 283 sem declarar previamente

    sua inconstitucionalidade?

    A problemtica foi muito bem tratada por Streck59, quando analisando a

    deciso proferida pelo Min. Teori Zavascki, ainda no Superior Tribunal de Justia, no

    voto na Recl. 2.645, quando diz: no se admite que seja negada aplicao, pura e

    simplesmente, a preceito normativo sem antes declarar formalmente a sua

    inconstitucionalidade.Ou seja, no se pode deixar de aplicar um texto normativo sem lhe

    declarar, formalmente, a inconstitucionalidade.

    Consequentemente, segue questionando Streck, se esse dispositivo no

    foi declarado inconstitucional, ento houve o qu? Interpretao do instituto da priso

    provisria luz da CF? Mais: esse novo entendimento no deu azo a uma smula

    vinculante. E nem poderia, mesmo que tivesse 8 votos, porque a CF clara, em seus

    limites semnticos, no sentido de que so necessrias vrias decises (reiteradas!).

    Portanto, na medida em que no cabvel a tese da abstratalizao (objetivizao) do

    controle difuso (a Recl. 4.335 virou uma SV) porque, no caso, nem declarao de

    inconstitucionalidade houve, no caber reclamao da deciso de um tribunal que

    resolva no aplicar a nova posio do STF.

    59

    Lenio Streck Opinio: Teori do STF contraria Teori do STJ ao ignorar lei sem declararinconstitucional, disponvel em: [http://www.conjur.com.br/2016-fev-19/streck-teori-contraria-teori-

    prender-transito-julgado]. Acesso em 20.05.2016

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    Portanto, de duas uma: ou o acrdo viola direta e frontalmente o

    disposto no caput do art. 283 do Cdigo de Processo Penal, e isso precisa ser reformado

    e suprindo-se tal omisso do v. acrdo; ou o referido dispositivo inconstitucional eassim precisa ser expressamente declarado. O que no pode ocorrer simplesmente no

    enfrentar a (in)constitucionalidade do referido dispositivo, sobre tema de tamanha

    relevncia prticas, com ineliminveis prejuzos para a liberdade dos acusados.

    9. O argumento da (de)mora jurisdicional, a sensao de impunidade e o Estado

    de Coisas Inconstitucional.

    Outro argumento utilizado no acrdo objeto de anlise relaciona-se com

    a (de)mora no julgamento dos Recursos Especial e Extraordinrio como fonte geradora

    de impunidade e insatisfao social.

    No necessrio maior esforo, sendo do conhecimento geral que o

    sistema de justia criminal brasileiro est sobrecarregado. Nos Superior Tribunal de

    Justia e no Supremo Tribunal Federal o cenrio no diferente.

    Especialmente no Superior Tribunal de Justia, parece inegvel a

    necessidade de ampliado do nmero de Ministros e, especialmente, de turmas criminais,

    dar conta da demanda de um pas de dimenses continentais como o Brasil. A realidade

    tem demonstrado apenas 2 turmas criminais absolutamente insuficiente para a

    demanda existente. E, se essa demanda alta, as causas so complexas e precisam ser

    estudadas, bem como assumido que existe muita patologia decisria nos tribunais

    inferiores.

    O argumento da (de)mora jurisdicional e da eventual ocorrncia da

    prescrio, so legtimos. A ilegitimidade est na soluo dada: execuo antecipada

    da pena, sem qualquer carter cautelar (ou seja, sempericulum libertatis).

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    O tensionamento entre o tempo do direito60 e o tempo social,

    especialmente em uma sociedade regida pela velocidade (dromologia) como a nossa,

    inegvel e de difcil compatibilizao. H que se respeitar o tempo do direito, pois elenunca conseguir (ou mesmo deveria) atuar na dinmica do imediato e corresponder as

    nossas ambies de uma justia imediata e hiperacelerada (e a priso cautelar tem um

    efeito sedante e gera essa iluso). Isso no quer dizer, tampouco, que o processo deva

    demorar demais ou ser infindvel. H que se encontrar o difcil equilbrio entre a

    (de)mora jurisdicional e o atropelo de direitos e garantias fundamentais. Devemos

    buscar a diminuio do que Chiavario denomina tempos mortos61 e melhorar a

    dinmica procedimental.

    Portanto, no a execuo antecipada da pena que ir resolver o

    problema da imensa demora jurisdicional no julgamento dos recursos especial e

    extraordinrio. A discusso sobre o paradoxo temporal vlida e complexa, mas que

    infelizmente est sendo reduzida e pseudo-solucionada com a possibilidade de execuo

    antecipada da pena. um efeito sedante apenas. A persistir nessa linha, continuaremos

    com uma demora imensa e crescente, agravada pelo fato de que muitos acusados - ainda

    presumidamente inocentes pois no houve o trnsito em julgado exigido pelaConstituio para que s-lhes retirem a proteo vo ter de suportar a demora presos,

    em um sistema carcerrio medieval como o nosso.

    Se o Estado ineficiente e no consegue prestar a tutela jurisdicional no

    tempo devido, por insuficincia fsica e material que geram incapacidade do Poder

    Judicirio julgar, em tempo razovel os processos, no se pode pagar o preo da

    ineficincia com a supresso de garantias processuais dos acusados.

    Como escrevemos: trata-se, sem dvida, de responsabilidade do Estado

    perante o cidado. Cumpre ao Estado prover o rgo judicirio e estruturar

    eficientemente sua organizao judiciria para que o pr