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Otorrinolaringologia Mari Savio Aula 5 Deglutição A deglutição é a condução de substâncias através da boca e da faringe, passando pelo músculo cricofaríngeo, pelo esôfago, pelo cárdia, chegando ao estômago. Esse é o processo fisiológico de transporte de saliva e alimentos da boca ao estômago, envolvendo um aparato neuromuscular complexo. É um ato voluntário (consciente), que ocorre 1x/min quando estamos acordados, chegando a 1000 deglutições/dia! A salivação é de 0,5 ml/min e pode ser desencadeada por diversos fatores. Durante o sono a salivação e a deglutição praticamente cessam, por isso ocorre a halitose matinal. Importância: Estado nutricional Convívio social Prazer dos alimentos Proteção das vias aéreas Curiosidade: o bebê tem a língua inteira na boca (no adulto parte é na laringe). Isso gera maior habilidade de sucção. A laringe é alta ao nascimento e vai descendo, para permitir melhor produção da voz em detrimento da deglutição. Fases da deglutição 1. Fase antecipatória: É uma fase voluntária e depende da vontade do indivíduo de se alimentar. Inicia-se com a escolha do alimento e o prazer alimentar.

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Otorrinolaringologia

Mari Savio

Aula 5

Deglutição

A deglutição é a condução de substâncias através da boca e da faringe, passando pelo músculo cricofaríngeo, pelo esôfago, pelo cárdia, chegando ao estômago. Esse é o processo fisiológico de transporte de saliva e alimentos da boca ao estômago, envolvendo um aparato neuromuscular complexo. É um ato voluntário (consciente), que ocorre 1x/min quando estamos acordados, chegando a 1000 deglutições/dia! A salivação é de 0,5 ml/min e pode ser desencadeada por diversos fatores. Durante o sono a salivação e a deglutição praticamente cessam, por isso ocorre a halitose matinal. Importância:

• Estado nutricional • Convívio social • Prazer dos alimentos • Proteção das vias aéreas

Curiosidade: o bebê tem a língua inteira na boca (no adulto parte é na laringe). Isso gera maior habilidade de sucção. A laringe é alta ao nascimento e vai descendo, para permitir melhor produção da voz em detrimento da deglutição. Fases da deglutição

1. Fase antecipatória: É uma fase voluntária e depende da vontade do

indivíduo de se alimentar. Inicia-se com a escolha do alimento e o prazer alimentar.

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2. Fase oral: é uma fase voluntária, mas inconsciente. Temos primeiro a trituração e umidificação do bolo, em que participam os músculos mastigadores, a língua, as ATMs, os arcos dentários e dentes e as glândulas salivares. Em seguida ocorre a qualificação do bolo, ou seja, percepção de suas características: volume, consistência, densidade, grau de umidificação, características físicas e químicas. O bolo vai então ser “organizado”, ou seja, posicionado no dorso da língua. Também ocorre preparo ósteo-músculo-articular para ejeção. A ejeção é quando o conteúdo oral é mandado para a faringe. Para que isso ocorra há ajuste das paredes bucais, bloqueio do escape anterior pelo fechamento dos lábios e criação de pressão negativa (suga o ar da boca). A língua fica em projeção posterior, criando uma pressão propulsiva. Válvulas da deglutição: A primeira válvula são os lábios . Eles se fecham ao redor dos alimentos e previnem a perda anterior do bolo. Além disso, participam da geração da pressão negativa. Uma patologia labial pode gerar disfagia por perda do conteúdo oral e dificuldade na geração de pressão negativa. A segunda válvula é a língua , que controla o preparo do bolo. Na fase de ejeção o contato da língua com o palato progride antero-posteriormente, gerando pressão negativa e conduzindo o bolo. Funciona como uma espécie de “gatilho” para a fase faríngea. Além disso, ela participa da mastigação, da formação do bolo alimentar e tem função de contenção do alimento na boca. Na disfagia, a língua pode ter redução de mobilidade ou controle motor dificultado. A terceira válvula consiste no palato mole, base lingual e istmo faríngeo (esfíncter glossopalatal ). Durante a mastigação o palato mole está em posição para frente e para baixo e a base da língua está elevada, de modo a previnir escape posterior prematuro. Isso permite a respiração enquanto mastiga ou suga. Na disfagia, a lesão dessas estruturas pode permitir escape posterior prematuro, com risco de penetração em via aérea.

3. Fase orofaríngea : Essa fase é involuntária. A faringe recebe o bolo sob pressão cavidade oral. Abre-se a junção glossopalatal e fecha-se a velopalatina. O escape nasal está impedido pelo palato mole (o nariz é fechado pelo palato) e o escape oral, pela base da língua. Isso explica porque na insuficiência velopalatina temos clínica de regurgitação nasal. A laringe sobre e vai para frente, para que haja fechamento da via aérea. A orofaringe se amplia por ação dos músculos dilatadores longitudinais da faringe, para recepção do bolo. Durante essa fase ocorre a apnéia, controlada pelo tronco cerebral para auxiliar no processo de proteção das vias aéreas, evitando a aspiração laríngea do alimento.

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Aqui temos o quarto esfíncter: o esfíncter velofaríngeo , que se fecha e evita regurgitação. Seu fechamento ocorre pela ação de musculatura. A quinta válvula é a própria laringe , que se fecha para proteção das vias aéreas. Vamos relembrar? As pregas vocais se fecham e as bandas ventriculares se aproximam, as cartilagens aritenóideas se anteriorizam e a epiglote deita sobre vestíbulo laringe. Há elevação concomitante da laringe, tudo para proteger a via aérea. Na proteção da via aérea ocorre apnéia da deglutição! Se a laringe não se eleva, parte do bolo fica sobre as vias aéreas e há risco de broncoaspiração. Se a laringe não se fecha, o bolo entra nas vias aéreas (broncoaspiração)

4. Fase esofágica O esôfago é um tubo muscular envolto com uma mucosa que propulsiona o alimento da hipofaringe ao estômago. O músculo cricofaríngeo é o esfíncter esofágico superior (sexta válvula), que forma a junção entre a hipofaringe e o esôfago. Na elevação da laringe ocorre relaxamento e abertura do cricofaríngeo, para abrir passagem para o alimento. A lesão deste esfíncter pode gerar disfagia por falha na abertura total, falha na elevação da laringe, ou pouca pressão no bolo (que gera resíduos em seios piriformes). O bolo progride no esôfago pela peristalse e pela gravidade e vai chegar até o estômago. O alimento leva 1 segundo entre a base da língua e o esôfago, sendo que quanto mais espesso o bolo, mais tempo demora. Sete passos sequenciais para a deglutição:

• Movimento da língua para o início da deglutição: miohióide, geniohióide, músculos digástricos.

• Movimento lingual contra o palato: estiloglosso, hioglosso • Movimento da língua para transporte: elevador e tensor do véu

palatino • Contração faríngea com estreitamento luminal: constritores

medial e inferior • Elevação da laringe: músculos supra-hióideos. • Abertura do músculo cricofaríngeo. • Transporte esofagiano: ondas peristálticas e EEI.

O controle neural da deglutição: Há um centro no tronco encefálico que gera respostas padronizadas para deglutição. O córtex envia estímulo para o tronco, que envia informações aos nervos cranianos (V, VII, IX, X, XI e XII – os mesmo que estão ligados a respiração e fonação). Então os estímulos sensoriais e motores vão aos músculos da deglutição.

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Reflexo da deglutição: estímulo em ponte e medula (tronco cerebral, onde está o centro da deglutição). Regiões dorsais e ventrais ao núcleo trigêmeo (ponte): desencadeiam e sequenciam os processos da deglutição Componente aferente: V, IX, X - estimulam e modificar a deglutição. Nervos laríngeo superior, glossofaríngeo, trigêmeo e lingual. O nervo lingual tem função inibitória sobre a deglutição Células sensitivas estão distribuídas por toda a cavidade oral e faríngea, e estudos demonstraram que os pilares amigdalianos são as regiões mais sensíveis á estímulos pressóricos leves, enquanto que a região posterior da faringe é mais sensível a estímulos pressóricos mais fortes, para desencadear a deglutição. Componente eferente : V, VII, X, XII As áreas corticais responsáveis pelo controle da deglutição são: o núcleo do trato solitário, localizado na medula dorsal, e o núcleo ambíguo, situado na porção ventral da medula e responsável pela fase esofágica da deglutição. A sensibilidade da laringe é dada pelo nervo laríngeo superior, que é ramo do nervo vago. As terminações nervosas tem um limiar de sensibilidade e desencadeiam o reflexo da tosse para reagir à presença de corpos estranhos (reflexo de adução glótica). Este nervo tem um ramo motor que inerva o músculo cricotireóideo. O nervo laríngeo inferior é o nervo laríngeo recorrente, o ramo motor que inerva os demais músculos intrínsecos da laringe. Disfagia : é a manifestação clínica que se revela quando ocorre algum comprometimento da deglutição que dificulta o transporte boca-estômago. Pode existir comprometimento de uma fase da deglutição isoladamente, ou de todas conjuntamente. Tem grande incidência em doenças neurogênicas e diversas causas. Acomete 16-22% dos maiores de 50 anos. Além da disfagia podemos ter os seguintes sintomas:

• Odinofagia – dor ao engolir • Tosse – reflexo de adução das pregas vocais • Sensação de corpo estranho na garganta • Regurgitação - retorno à faringe ou boca • Regurgitação nasal – refluxo para a rinofaringe, quando o esfíncter

velopalatal não se fecha adequadamente. • Rouquidão – indica problema na laringe • Dispnéia/Desconforto torácico • Tosse úmida ou voz úmida – por acúmulo de saliva, que borbulha na

fonação. • Voz hipernasal • Combinações de sintomas

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Causas de disfagia:

• Anatômicas – comum nas crianças por obstrução nasal, lesões orais, laringomalácia, fendas laríngeas e tumores: hemangiomas, linfangiomas, papilomas, leiomiomas, neurofibromas

• Neurológicas - AVC ,Esclerose Lateral Amiotrófica, Doença de Parkinson, Esclerose Múltipla, Distrofia Muscular, Miastenia Gravis, Paralisia Cerebral.

• Musculares – dicinesias. • Doenças autoimunes - Esclerose Sistêmica, Lupus Eritematoso

Sistêmico, Dermatomiosite, Pênfigo mucoso, Epidermólise Bolhosa, Síndrome de Sjogren (gera xerostomia), Artrite Reumatóide (artrite da articulação cricoaritenóidea).

• Medicamentos que causam xerostomia, como diuréticos e anti-histamínicos.

• Psicogêncios: o globus hystericus é uma disfagia imaginária que ocorre quando há somatização.

Consequências: • Penetração laríngea – engole e o conteúdo deglutido vai para a região

supraglótica (fica acima das pregas vocais) • Aspiração laringo-traqueal – engole e o conteúdo deglutido vai para a

região glótica e subglótica (abaixo das pregas vocais). Gera pneumonia aspirativa.

Disfagia → Pneumonia aspirativa (é a primeira causa de mortalidade após AVE). Isso gera comprometimento imunológico – aumento do risco de infecções e má nutrição – cicatrização pobre.

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Nas doenças neurológicas o paciente tem maior dificuldade para deglutição de líquidos, já nas doenças estruturais a dificuldade é para deglutição de sólidos. Exames complementares: Videofluoroscopia da deglutição: é o padrão ouro! Trata-se de uma radiografia filmada. O paciente ingere líquidos, pastosos e sólidos radiopacos, em volumes crescentes. Então são feitos RX em AP e lateral.

Manometria esofágica: útil na suspeita de desordens nas quais a pressão intraluminal pode ser medida (acalásia, espasmo esofageano difuso, etc.) Videoendoscopia da deglutição: é realizado por meio de um nasofibrolaringoscópio, introduzido via endo-nasal e permite avaliação funcional da deglutição. Testa 4 consistências – líquido, líquido engrossado, pastoso fino e pastoso grosso (corados com azul de anilina). Este exame permite exame da sensibilidade e o estudo da deglutição.

Vantagens Desvantagens

Boa visualização da anatomia Fase faríngea não bem visualizada, sem avaliação direta das demais fases.

Sensibilidade faringo-laríngea (neurológico)

Não estuda o EES nem o esôfago

Barato

Sem radiação

Na suspeita de DRGE, exames a serem solicitados são a pHmetria de 24h e a endoscopia (esofagoscopia).

Vantagens Desvantagens

Vê aspectos anatômicos e dinâmicos Radiação (complica no grupo que necessita de reavaliações com frequência)

Avalia todas as fases da deglutição Necessidade de mais de um profissional

Manobras de posição da cabeça e de alteração de consistência do alimento na execução da deglutição

Não pode ser feito em pacientes de UTI Avaliação anatômica baseada em sombras Não avalia sensibilidade e neurológico