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DIREITO AMBIENTAL Prof.ª Cristiana Mendes AULA 1 – 30/10/09 DIREITO AMBIENTAL Bibliografia: uma coletânea da legislação de Direito Ambiental mais algum curso completo de Direito Ambiental. Para quem vai fazer área estadual, eu aconselho a compra dos seguintes livros: autor Paulo Roberto Antunes – Editora Lúmen Iures – Curso Completo de Direito Ambiental ou o livro do professor Celso Antônio Pacheco Fiorillo – editora Saraiva. Para quem for fazer área federal, recomendo o livro do professor Paulo Afonso Leme Machado – Editora Malheiros. Toda minha primeira aula eu começo com um caso concreto que aconteceu no sul do país. Há 2 anos atrás, um juiz do sul concedeu uma liminar inauldita altera parte para não realização de uma festa no final do ano. O argumento do processo civil era de que corujas residiam e possuíam o seu habitat natural na praia e elas poderiam sofrer algum tipo de dano ao seu estado psico-físico de modo que, na duvida, o juiz reconheceu a valorização do meio ambiente ecologicamente equilibrado. Isso foi interessante, porque na época muitas pessoas perguntaram como é que um juiz poderia sacrificar uma festa para aproximadamente 30 mil pessoal, uma festa de réveillon, já marcada, já programada cujos gastos já tinham sido feitos e que era, de alguma forma, para satisfazer o interesse da população local. Só que na dúvida ele achou melhor sobrestar a realização da festa, sob o argumento de que o meio ambiente é fundamental e precisa ser protegido de modo claro no sistema jurídico brasileiro. Esse exemplo bem demonstra a preocupação dos tribunais com o direito ambiental e, por isso vamos começar com um julgamento emblemático do STF. Foi emblemático, porque uma ADIN concedida pelo plenário (ADIN 3540-1, DF – Relator Celso de Mello) estabeleceu, na sua interpretação do direito ambiental, novos paradigmas a matéria. Quando digo novos paradigmas isso significa que temos novos vetores ideológicos sobre a matéria de direito ambiental. Cinco premissas foram estabelecidas pelo STF. [Digite texto] Página 1

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DIREITO AMBIENTALProf.ª Cristiana Mendes

AULA 1 – 30/10/09

DIREITO AMBIENTAL

Bibliografia: uma coletânea da legislação de Direito Ambiental mais algum curso completo de Direito Ambiental. Para quem vai fazer área estadual, eu aconselho a compra dos seguintes livros: autor Paulo Roberto Antunes – Editora Lúmen Iures – Curso Completo de Direito Ambiental ou o livro do professor Celso Antônio Pacheco Fiorillo – editora Saraiva. Para quem for fazer área federal, recomendo o livro do professor Paulo Afonso Leme Machado – Editora Malheiros.

Toda minha primeira aula eu começo com um caso concreto que aconteceu no sul do país. Há 2 anos atrás, um juiz do sul concedeu uma liminar inauldita altera parte para não realização de uma festa no final do ano. O argumento do processo civil era de que corujas residiam e possuíam o seu habitat natural na praia e elas poderiam sofrer algum tipo de dano ao seu estado psico-físico de modo que, na duvida, o juiz reconheceu a valorização do meio ambiente ecologicamente equilibrado.

Isso foi interessante, porque na época muitas pessoas perguntaram como é que um juiz poderia sacrificar uma festa para aproximadamente 30 mil pessoal, uma festa de réveillon, já marcada, já programada cujos gastos já tinham sido feitos e que era, de alguma forma, para satisfazer o interesse da população local. Só que na dúvida ele achou melhor sobrestar a realização da festa, sob o argumento de que o meio ambiente é fundamental e precisa ser protegido de modo claro no sistema jurídico brasileiro.

Esse exemplo bem demonstra a preocupação dos tribunais com o direito ambiental e, por isso vamos começar com um julgamento emblemático do STF. Foi emblemático, porque uma ADIN concedida pelo plenário (ADIN 3540-1, DF – Relator Celso de Mello) estabeleceu, na sua interpretação do direito ambiental, novos paradigmas a matéria. Quando digo novos paradigmas isso significa que temos novos vetores ideológicos sobre a matéria de direito ambiental. Cinco premissas foram estabelecidas pelo STF.

Ementa MEIO AMBIENTE - DIREITO À PRESERVAÇÃO DE SUA INTEGRIDADE (CF, ART.225) - PRERROGATIVA QUALIFICADA POR SEU CARÁTER DE METAINDIVIDUALIDADE- DIREITO DE TERCEIRA GERAÇÃO (OU DE NOVÍSSIMA DIMENSÃO) QUE CONSAGRA O POSTULADO DA SOLIDARIEDADE - NECESSIDADE DE IMPEDIR QUE A TRANSGRESSÃO A ESSE DIREITO FAÇA IRROMPER, NO SEIO DA COLETIVIDADE, CONFLITOS INTERGENERACIONAIS - ESPAÇOS TERRITORIAIS ESPECIALMENTE PROTEGIDOS (CF, ART. 225, § 1º, III) - ALTERAÇÃO E SUPRESSÃO DO REGIME JURÍDICO A ELES PERTINENTE - MEDIDAS SUJEITAS AO PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA RESERVA DE LEI - SUPRESSÃO DE VEGETAÇÃO EM ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE -POSSIBILIDADE DE A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA, CUMPRIDAS AS EXIGÊNCIAS LEGAIS, AUTORIZAR, LICENCIAR OU PERMITIR OBRAS E/OU ATIVIDADES NOS ESPAÇOS TERRITORIAIS PROTEGIDOS, DESDE QUE RESPEITADA, QUANTO A ESTES, A INTEGRIDADE DOS ATRIBUTOS JUSTIFICADORES DO REGIME DE

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PROTEÇÃO ESPECIAL - RELAÇÕES ENTRE ECONOMIA (CF, ART. 3º, II, C/C O ART. 170, VI) E ECOLOGIA (CF, ART. 225) - COLISÃO DE DIREITOS FUNDAMENTAIS - CRITÉRIOS DE SUPERAÇÃO DESSE ESTADO DE TENSÃO ENTRE VALORES CONSTITUCIONAIS RELEVANTES - OS DIREITOS BÁSICOS DA PESSOA HUMANA E AS SUCESSIVAS GERAÇÕES (FASES OU DIMENSÕES) DE DIREITOS (RTJ 164/158, 160-161) - A QUESTÃO DA PRECEDÊNCIA DO DIREITO À PRESERVAÇÃO DO MEIO AMBIENTE: UMA LIMITAÇÃO CONSTITUCIONAL EXPLÍCITA À ATIVIDADE ECONÔMICA (CF, ART. 170, VI) - DECISÃO NÃO REFERENDADA – CONSEQÜENTE INDEFERIMENTO DO PEDIDO DE MEDIDA CAUTELAR.

A PRESERVAÇÃO DA INTEGRIDADE DO MEIO AMBIENTE: EXPRESSÃO CONSTITUCIONAL DE UM DIREITO FUNDAMENTAL QUE ASSISTE À GENERALIDADE DAS PESSOAS.

- Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado. Trata-se de um típico direito de terceira geração (ou de novíssima dimensão), que assiste a todo o gênero humano (RTJ 158/205-206). Incumbe, ao Estado e à própria coletividade, a especial obrigação de defender e preservar, em benefício das presentes e futuras gerações, esse direito de titularidade coletiva e de caráter transindividual (RTJ 164/158-161). O adimplemento desse encargo, que é irrenunciável, representa a garantia de que não se instaurarão, no seio da coletividade, os graves conflitos intergeneracionais marcados pelo desrespeito ao dever de solidariedade, que a todos se impõe, na proteção desse bem essencial de uso comum das pessoas em geral. Doutrina.

A ATIVIDADE ECONÔMICA NÃO PODE SER EXERCIDA EM DESARMONIA COM OS PRINCÍPIOS DESTINADOS A TORNAR EFETIVA A PROTEÇÃO AO MEIO AMBIENTE.

- A incolumidade do meio ambiente não pode ser comprometida por interesses empresariais nem ficar dependente de motivações de índole meramente econômica, ainda mais se se tiver presente que a atividade econômica, considerada a disciplina constitucional que a rege, estásubordinada, dentre outros princípios gerais, àquele que privilegia a “defesa do meio ambiente” (CF, art. 170, VI), que traduz conceito amplo e abrangente das noções de meio ambiente natural, de meio ambiente cultural, de meio ambiente artificial (espaço urbano) e de meioambiente laboral. Doutrina.

Os instrumentos jurídicos de caráter legal e de natureza constitucional objetivam viabilizar a tutela efetiva do meio ambiente, para que não se alterem as propriedades e os atributos que lhe são inerentes, o que provocaria inaceitável comprometimento da saúde, segurança, cultura, trabalho e bem-estar da população, além de causar graves danos ecológicos ao patrimônio ambiental, considerado este em seu aspecto físico ou natural.

A QUESTÃO DO DESENVOLVIMENTO NACIONAL (CF, ART. 3º, II) E A NECESSIDADE DE PRESERVAÇÃO DA INTEGRIDADE DO MEIO AMBIENTE (CF, ART. 225): O PRINCÍPIO DO DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL COMO FATOR DE OBTENÇÃO DO JUSTO EQUILÍBRIO ENTRE AS EXIGÊNCIAS DA ECONOMIA E AS DA ECOLOGIA. - O princípio do desenvolvimento sustentável, além de impregnado de caráter eminentemente constitucional, encontra suporte legitimador em compromissos internacionais assumidos pelo Estado brasileiro e representa fator de obtenção do justo equilíbrio entre as exigências da economia e as da ecologia, subordinada, no entanto, a invocação desse postulado, quando ocorrente situação de conflito entre valores constitucionais relevantes, a uma condição inafastável, cuja observância não comprometa nem esvazie o conteúdo essencial de um dos mais significativos direitos fundamentais: o direito à preservação do meio ambiente, que traduz bem de uso comum da

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generalidade das pessoas, a ser resguardado em favor das presentes e futuras gerações. O ART. 4º DO CÓDIGO FLORESTAL E A MEDIDA PROVISÓRIA Nº 2.166-67/2001: UM AVANÇO EXPRESSIVO NA TUTELA DAS ÁREAS DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE. - A Medida Provisória nº 2.166-67, de 24/08/2001, na parte em que introduziu significativas alterações no art. 4o do Código Florestal, longe de comprometer os valores constitucionais consagrados no art. 225 da Lei Fundamental, estabeleceu, ao contrário, mecanismos que permitemum real controle, pelo Estado, das atividades desenvolvidas no âmbito das áreas de preservação permanente, em ordem a impedir ações predatórias e lesivas ao patrimônio ambiental, cuja situação de maior vulnerabilidade reclama proteção mais intensa, agora propiciada, de modo adequado e compatível com o texto constitucional, pelo diploma normativo em questão. - Somente a alteração e a supressão do regime jurídico pertinente aos espaços territoriais especialmente protegidos qualificam-se, porefeito da cláusula inscrita no art. 225, § 1º, III, da Constituição, como matérias sujeitas ao princípio da reserva legal. - É lícito ao Poder Público - qualquer que seja a dimensão institucional em que se posicione na estrutura federativa (União, Estados-membros, Distrito Federal e Municípios) - autorizar, licenciarou permitir a execução de obras e/ou a realização de serviços no âmbito dos espaços territoriais especialmente protegidos, desde que, além de observadas as restrições, limitações e exigências abstratamente estabelecidas em lei, não resulte comprometida a integridade dos atributos que justificaram, quanto a tais territórios, a instituição de regime jurídico de proteção especial (CF, art. 225, § 1º, III).

A primeira coisa que foi dita é que o meio ambiente é um direito difuso, ou seja, transindividual. Isso se reflete na interpretação do caput do art. 225 da CF/88.

“Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá- lo para as presentes e futuras gerações.”

Como o STF afirma que o meio ambiente é um direito difuso, nós nos relacionamos com este através de circunstâncias de fato. Prestem atenção em prova de concurso. Aconteceu no MP. Havia 2 questões de ambiental dentro de civil e dentro de administrativo. A relação do meio ambiente com a sociedade é uma relação fática; não existe relação de juridicidade, vínculo jurídico. Assim, os titulares do meio ambiente são pessoas indeterminadas e, por isso, interligadas por uma circunstância de fato. Tanto é assim que o art. 225 diz que o meio ambiente é um direito de todos.

Eu sempre comento em minha primeira aula uma preocupação que eu tenho como defensora pública em relação àquela classificação estabelecida no CDC quanto aos direitos coletivos. Vocês vão ver que os arts. 81 e 82 do CDC trazem uma perspectiva tridimensional. Os interesses subdividem em: difusos, coletivos e individuais homogêneos.

“Art. 81. A defesa dos interesses e direitos dos consumidores e das vítimas poderá ser exercida em juízo individualmente, ou a título coletivo.

        Parágrafo único. A defesa coletiva será exercida quando se tratar de:

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        I - interesses ou direitos difusos, assim entendidos, para efeitos deste código, os transindividuais, de natureza indivisível, de que sejam titulares pessoas indeterminadas e ligadas por circunstâncias de fato;        II - interesses ou direitos coletivos, assim entendidos, para efeitos deste código, os transindividuais, de natureza indivisível de que seja titular grupo, categoria ou classe de pessoas ligadas entre si ou com a parte contrária por uma relação jurídica base;        III - interesses ou direitos individuais homogêneos, assim entendidos os decorrentes de origem comum.”

Mas qual é a minha preocupação com essa classificação? Para quem não sabe essa classificação foi trazida do direito norte-americano para o Brasil e foi incorporada a nossa legislação. Só que essa classificação norte-americana está revogada desde 1976 nos EUA. Quando nós a trouxemos para o Brasil, ela já era uma classificação muito obsoleta. Não raras vezes, nós, doutrinadores do direito, nos confundimos. A gente fala de direitos coletivos e ora falamos que esses direitos são individuais homogêneos, porque é uma linha muito tênue entre um interesse e outro. Nós não temos critérios objetivos, finalísticos que venham a distinguir com segurança o que é um interesse e o que é um outro interesse de modo que, prestem atenção, o grande projeto de processo civil coletivo conserta essa atecnia, mas não integralmente. Porém vai procurar definir melhor a diferença entre cada um desses interesses.

Para o direito ambiental, todo interesse difuso é aquele que é estabelecido a titulares indeterminados interligados por circunstâncias de fato. É o que a gente chama de caráter meta individualidade.

Também foi dito pelo relator ministro Celso de Mello, nesse julgamento emblemático, que o meio ambiente é um direito de novíssima dimensão, que ele chamou de direito fundamental de 3ª geração. Por que o meio ambiente é um direito fundamental de 3ª geração? Porque ele vai ser baseado na ideia de solidariedade social. Explico: estou ainda no art. 225 da CF. O estudo preliminar é o meio ambiente na Constituição. A gente pega o art. 225 da CF e percebemos o seguinte: meio ambiente ecologicamente equilibrado é um direito de todos assegurando-se a presente geração, sem prejuízo das futuras gerações que também deverão fruir de um meio ambiente de qualidade.

Essa noção de solidariedade social é de tamanha importância no sistema brasileiro atual, por quê? Porque hoje nós temos várias decisões dos tribunais que refletem essa ideia de que o meio ambiente ecologicamente equilibrado é um direito de 3ª geração.

Vou dar um exemplo que a gente observa aqui no Rio de janeiro – cobrança progressiva de tarifa de água. Como eu sou defensora pública, muitas pessoas me procuram e dizem: Poxa Doutora, estou pagando um valor excendentário de preço público. Na verdade, hoje, ratificado pela lei de saneamento básico, aquele que mais gastar água, aquele que realizar maior consumo supérfluo pagará mais. O STJ reconheceu a legalidade dessa cobrança baseado na ideia de que o meio ambiente é um bem jurídico de 3ª geração que precisa ser protegido. Por isso nós que hoje somos uma geração presente não podemos esgotar água em respeito às

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futuras gerações. Isso é o que a gente chama de uso racional de um bem jurídico não renovável. água não se renova, não se reproduz e, por isso a escassez de recurso hídricos obrigou o remodelamento de nossas normas jurídicas. A lei de saneamento básico traz essa novidade.

Ao longo da minha aula eu vou dar várias decisões daqui do TJERJ que tenham a ver com o direito ambiental. O que a gente vem observando é que, além dessas iniciais perspectivas do STF que consideraram o meio ambiente um direito difuso de natureza transindivisível, ou seja, o seu caráter meta individual que faz com que as pessoas se interliguem a circunstâncias fáticas, temos também a ideia de solidariedade social. Nós vamos ver que houve um fortalecimento, a partir desse julgamento, da visão egocêntrica em relação ao meio ambiente ao invés da visão antropocêntrica. Para a próxima prova da magistratura consta isso aqui.

Explico até com uma hipótese de incidência julgada pelo STF que foi a farra do Boi, uma atividade cultural típica do sul do país. Quando o STF foi analisar a farra do boi, nós vamos ver que, nesse julgamento que vou dar para vocês, houve divergência no âmbito da interpretação desse movimento cultural. Parcela dos ministros votou contra a farra do boi, entendendo que é um mecanismo cruel, degradante aos animais e que compromete a visão ideológica do meio ambiente. Então a grande maioria foi contra a farra do boi, repudiando esse movimento que pode, de alguma forma, causar danos à ecologia, danos ao equilíbrio ambiental.

O ministro, na época, Maurício Correa votou a favor dessa prática e o argumento dele era baseado no livro do professor Celso Antônio Pacheco de Fiorillo. Ele dizia o seguinte: como o prof. Celso Antônio Pacheco Fiorillo, a manifestação cultural só será cruel se tratar-se de espécie ameaçada de extinção, caso contrário não parece, aos olhos do referido professor, algo que comprometa os princípios, as regras e os valores da sociedade. Então, o Ministro Maurício Correa votou a favor da prática. Só que isso não é a realidade atual. Hoje a gente percebe que, fazendo uma análise das decisões em matéria ambiental. A grande maioria determina uma noção egocêntrica – proteger o meio ambiente por si só; necessidade de compreender o meio ambiente independentemente do homem e dos animais.

Vou chamar a atenção de vocês, nessas nossas aulas, para repensarem o meio ambiente. Primeiro porque vou ensinar a vocês que o meio ambiente não significa apenas o campo natural. A nossa preocupação é com a nossa subsistência – subsistência do homem e dessedentação dos animais. Qual é a nossa preocupação? Hoje nós estudamos direito ambiental, porque temos preocupação com a extinção da espécie humana, de problemas que afetam esse equilíbrio, mas não pelo meio ambiente e sim pela nossa condição, pela nossa necessidade como pessoa humana e isso é uma visão muito deturpada desta matéria.

O STF vem corrigindo essa anomalia, essa distorção. De que maneira? Fortalecendo a visão egocêntrica e mitigando a visão antropocêntrica do direito ambiental, através de julgamentos dessa natureza. Ver RE 153.531-8, Santa Catarina. Chamo atenção de vocês para ver como o STF irá dirimir essa questão

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sempre aplicando o princípio da proporcionalidade, sempre buscando o juízo da ponderação de valores, através da proporcionalidade você vai poder chegar a melhor conclusão. A gente tem, na verdade, a prática de uma atividade socialmente consentida. Há muito tempo a farra do boi já foi consentida no país. Hoje não é tanto tolerada.

Então, sempre se observa o princípio da proporcionalidade à luz da prática socialmente consentida. a gente vai buscar os usos e costumes, as razões, as experiências para verificar a legitimidade do comportamento do homem frente ao meio ambiente.

Ainda dentro dessa perspectiva, surgiu na CF/88 e aí a gente pode ver que é a 5ª viso do SRF, uma interpretação do art. 170, VI, que foi acrescentado pela EC 42/03.

“Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios: (...)VI - defesa do meio ambiente, inclusive mediante tratamento diferenciado conforme o impacto ambiental dos produtos e serviços e de seus processos de elaboração e prestação; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 42, de 19.12.2003)”

O que diz o STF? A partir desse inciso VI, o meio ambiente passou a ser limite explícito da ordem econômica. De um lado eu tenho a ecologia e de outro a economia. Há sempre uma colisão entre valores/bens jurídicos fundamentais. Quando se fala em limite explícito da ordem econômica e que o meio ambiente ecologicamente equilibrado pode conter o desenvolvimento da iniciativa privada, isso significa que quando esses valores estiverem em colisão, in dúbio pro ambiente. Essa é a solução jurídica trazida pelo legislador constituinte, especialmente à luz do poder constituinte derivado.

Por isso nós temos as chamadas tutelas processuais cautelatórias (cautelares e antecipatórias) – tutelas de urgências, que permitem ao magistrado conceder liminarmente aquela decisão jurisdicional almejada.

Lá em Búzios, nós temos uma praia chamada Azeda Azedinha que é uma área de proteção ambiental. Em 2006, um popular percebe que, no meio da praia, tinha materiais de construção (muito material) para a edificação de uma rede hoteleira. E ele indagou então ao operário da obra se teria havido algum estudo de impacto ambiental, se teria havido algum tipo de avaliação técnica de viabilidade do projeto. Como obviamente os operários não souberam responder, ele procurou então um advogado e promoveu uma ação popular ambiental, sob o argumento de que toda sociedade local desconhecia a licitude do projeto e que caberia ao juízo, não tendo elementos em sentido contrário, conceder a liminar sobrestando aquela obra. Isso foi feito. O juiz concedeu a liminar, pois não foram introduzida nos autos a documentação necessária para verificar a integridade dos propósitos do empreiteiro, daqueles responsáveis pelo projeto.

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Isso acabou sendo objeto de um agravo de instrumento na 17ª Câmara Cível. Foi dito o seguinte: se houver, de alguma maneira, alguma iminência de dano ambiental, ou seja se puder causar prejuízo/impacto à natureza, in dúbio pro ambiente. Olhem os argumentos da parte contrária: “poxa, nós vamos empregar 300 pessoas; vai melhorar o comércio de Búzios; o desenvolvimento econômico será muito mais aquecido com esse empreendimento imobiliário.” Porém nenhum desses argumentos pode se sobrepor ao meio ambiente ecologicamente equilibrado. Então, sopesamento de valores, quando houver colisão, o juiz pode justificar que o art. 170, VI da CF colocou o meio ambiente como bem jurídico de maior valor e, por isso, à luz da proporcionalidade, in dúbio por ambiente.

Vale a pena dar uma olhadinha nesses julgamentos que vão dizer que a ação popular é cabível, sendo um remédio constitucional que quer restabelecer a moralidade administrativa, especialmente impugnando ato ou procedimento oficial predominantemente da administração. Ver AI 2006.00204772 – 17ª Câmara Cível. Peguem o inteiro teor.

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Aqui nós temos os 5 paradigmas novos em matéria ambiental, assim definidos pelo STF, ou seja definindo o que é meio ambiente e colocando-o sob a melhor natureza jurídica e, mais do que isso, estabelecendo o seu alcance jurídico. A partir daí nos vamos ver que o STF passou a analisar frequentemente lides ambientais. Estas passaram a ser julgadas obviamente não só pelo STF, mas pelo STJ e pelo próprio TJERJ e pelo TRF 2ª região, que engloba o Estado do RJ.

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Essa é a primeira noção em matéria ambiental. Num segundo momento, o que a gente tem que fazer? Nós vamos ver que meio ambiente é um conceito multifacetário. De um modo geral, nós pensamos em meio ambiente sempre pela sua qualidade ambiental natural, mas o meio ambiente é muito mais do que meio ambiente natural, sendo dividido e 4 categorias ou espécies:

1. NATURAL;2. ARTIFICIAL OU CONSTRUÍDO;3. CULTURAL;4. DO TRABALHO.

O meio ambiente natural é o meio físico constituído pela atmosfera, pelo ar, pela água, pela fauna e flora, pelo solo, pelos recursos naturais.

A segunda modalidade de meio ambiente é um assunto que vem sendo muito destacado na UERJ, por quê? Porque o meio ambiente artificial ou construído tem a ver com desenvolvimento sustentável das cidades, ou seja especialmente o âmbito urbanístico é tratado nessa categoria de meio ambiente, principalmente a lei 10. 257/01 (Estatuto da Cidade).

O meio ambiente artificial constitui as edificações, equipamentos públicos, construções do homem, enfim tudo aquilo que a gente pode considerar construído ou artificial. Por isso, eu como boa ambientalista, vou dizer que o direito urbanístico é espécie do gênero direito ambiental.

O meio ambiente cultural já está estabelecido no art. 216 da CF que é integrado pelo patrimônio histórico, artístico, paisagístico, turístico etc.

Art. 216. Constituem patrimônio cultural brasileiro os bens de natureza material e imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, portadores de referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira, nos quais se incluem: I - as formas de expressão;II - os modos de criar, fazer e viver;III - as criações científicas, artísticas e tecnológicas;IV - as obras, objetos, documentos, edificações e demais espaços destinados às manifestações artístico-culturais;V - os conjuntos urbanos e sítios de valor histórico, paisagístico, artístico, arqueológico, paleontológico, ecológico e científico.

Pelo referido artigo verificamos que o acervo de bens que traduzem a história de um povo (a sua formação, a sua cultura) é o que a gente chama de meio ambiente cultural. Lá em Petrópolis, por exemplo, a maioria do patrimônio é tombado. Tombamento é um instituto próprio do meio ambiente cultural, como forma de intervenção restritiva do Estado na propriedade privada. Esses contornos jurídicos do exercício da propriedade é o que a gente chama de meio ambiente cultural.

Eu particularmente moro num imóvel tombado, que é um acervo considerado de domínio eminente. Só tomem cuidado, porque numa prova oral um aluno confundiu domínio eminente com dominialidade da pessoa jurídica. Não é isso. Eu tenho o meu imóvel particular e ele é de domínio eminente, porque ele é

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afeto ao interesse público primário, o que não se confunde com dominialidade da pessoa jurídica de direito público.

A gente vai ver que o meio ambiente cultural também é importante nessa estrutura multifacetária do conceito de meio ambiente.

Para a quarta categoria, eu tenho um exemplo do ano passado bacana que foi divulgado nos jornais de grande circulação, mas talvez vocês não saibam. Não sei se vocês chegaram a verno Fantástico que o Ministério Público do Trabalho aqui do TRT do RJ promoveu uma ação civil pública para desativar um paiol que se encontrava dentro da indústria de cigarros Souza Cruz. Nessa indústria existia um paiol em que os empregados que quisessem poderiam ir para experimentar os cigarros fabricados. Isso era incentivado por meio de benefícios – acréscimos aos seus salários.

Uma vez descoberto isso, o MP então abriu inquérito civil e apura indícios suficientes e promova a ação civil pública no sentido de o juízo determinar a desativação do paiol, obviamente sem prejuízo de recompor os danos causados a essa categoria mais vulnerável, que é a categoria de trabalhadores. Isso é o que a gente chama de meio ambiente do trabalho. Este é o local onde as pessoas desempenham as suas atividades laborais. Isso tem a ver com saúde, com bem estar dos trabalhadores.

A gente vai ver que o art. 200, VIII da CF expressamente fala sobre meio ambiente do trabalho.

“Art. 200. Ao sistema único de saúde compete, além de outras atribuições, nos termos da lei: (...)VIII - colaborar na proteção do meio ambiente, nele compreendido o do trabalho.”

Isso é para vocês terem uma noção de que meio ambiente não se restringe ao campo natural; tem um desdobramento maior que torna esse direito muito mais complexo do que nós imaginamos.

PRINCÍPIOS QUE REGEM O DIREITO AMBIENTAL

Vamos falar aqui dos principais princípios em destaque, os que caem nas provas de concurso.

1. Princípio do desenvolvimento sustentável

Num primeiro momento, a gente teve o primeiro grande encontro das Nações Unidas sobre meio ambiente, ou seja, uma Conferência Mundial sobre meio ambiente. Isso foi em 1972 e aconteceu em Estocolmo na Suécia.

Para vocês terem uma ideia, em 1972 já se falava em desenvolvimento sustentável ou sustentabilidade econômica. Nesse momento, a falta principal foi a escassez de recursos hídricos e sem água vieram outros problemas como o aquecimento global, tsunami. Isso tudo é um desdobramento do desequilíbrio que

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desde 1972 faz com que os países busquem paradigmas, políticas públicas internas para melhorar a distribuição de água e de fontes próprias de recursos hídricos.

E aí se fala nessa ideia de sustentabilidade econômica ou desenvolvimento sustentável. Antes de falarmos do conceito, é importante dizer que 20 anos mais tarde, no rio de Janeiro, na Conferência chamada Eco 92, nós percebemos que 63% da água já tinha desaparecido no planeta. Verifica-se que de 1972 a 1992 houve um vácuo, uma lacuna, havendo poucas resoluções no campo administrativo (poucas medidas, quase nenhuma política pública evidenciada).

No Brasil, obviamente, um país em desenvolvimento, acabou realizando um desenvolvimento a qualquer custo e isso compromete hoje, nos dias atuais. Então, dentro dessa perspectiva de desenvolvimento sustentável, vou apresentar 5 aspectos.

1.1 – Preservação do meio ambiente pelas presentes gerações, sem comprometer as futuras gerações (solidariedade intergeracional)

Se eu tivesse numa banca, eu perguntaria a seguinte questão: essas futuras gerações têm que natureza jurídica? Elas representam o que para a ciência jurídica? São objetos de direito? São sujeitos de direito? São. São sujeitos em potencial; sujeitos sob condição suspensiva. Se você pegar o CC/02, o art. 130 diz assim:

“Art. 130. Ao titular do direito eventual, nos casos de condição suspensiva ou resolutiva, é permitido praticar os atos destinados a conservá-lo.”

Essas futuras gerações podem, desde logo, reclamar um meio ambiente de qualidade? Claro, através da Defensoria pública, do MP e de outras instituições colegitimadas especialmente para ações civis públicas ambientais. Então, essas futuras gerações, gerações vincendas já são sujeitos de direito, ou seja, são titulares de direitos eventuais sob condição suspensiva (claro que eles precisam nascer com vida), mas podem, desde logo, promover medidas cautelares confirmativas de seus direitos futuros.

1.2 – Os recursos naturais são esgotáveis

O esgotamento da fonte é um fator do homem e, por isso a gente remodela o direito ambiental a essa nova perspectiva.

1.3 – Busca pelo ponto de equilíbrio entre o desenvolvimento social, o crescimento econômico e o uso racional de recursos naturais

Vou trazer um exemplo atual. A gente vai ver ao longo das nossas aulas que nós somos carecedores de legitimação primária. O que significa isso? A maioria do campo normativo está em resolução administrativa. Tanto que quando vocês comprarem a coletânea de legislação ambiental, vocês vão ver destaque para as resoluções do CONAMA, que é o Conselho Nacional do Meio Ambiente. O problema

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aqui é em relação à insegurança jurídica, em relação à delegalização da matéria. O CONAMA hoje produz norma técnica em matéria ambiental.

Agora no final do ano surgiu uma coisa interessantíssima que é objeto de estudo em matéria de direito ambiental.

EX.: consagração no sistema brasileiro da responsabilidade civil pós-consumo. A procura por um ponto de equilíbrio entre o que se desenvolve, ou seja atividade econômica desenvolvida a qualquer preço, a qualquer custo e a necessidade de preservação do meio ambiente ecologicamente equilibrado fez o CONAMA editar a Resolução n.º 401 de 04/11/08. Isso tem tudo a ver com desenvolvimento sustentável pelo seguinte: Um ano antes o STJ já tinha dito que, embora não tenha uma lei que expressamente defina o que é responsabilidade civil pós-consumo, ela existe através de uma interpretação teleológica da nossa legislação vigente.

Um exemplo que eu dou foi uma campanha no Rio Grande do Sul chamada “Mete Pilha”. Durante 3 meses, no ano de 2007, as pessoas pegavam pilhas e baterias já usadas, ou seja, já tinha sido objeto de consumo (olhe aí a responsabilidade pós-consumo) e a população então leva essas pilhas e baterias às agências bancárias que se responsabilizaram pela arrecadação desse material. Assim, durante meses, numa comarca do Rio Grande do Sul, todos se predispuseram a participar do projeto e assim fizeram.

No momento em que a campanha termina, o que esperava então a Administração Pública? Que as empresas fabricantes ou importadoras de pilha e baterias recolhessem tudo que foi apurado e dessem uma destinação sócio-ambiental. Só que essas empresas simplesmente ficaram em silêncio. Participaram num primeiro momento, campanha, e não recolheram o material. Conclusão: foram toneladas e toneladas de pilhas e baterias encaminhadas ao aterro sanitário. Isso comprometeu o aterro sanitário local, obrigando aquela comarca, aquela cidade a buscar convênios administrativos com outras cidades, por que não tinha mais meio de recolher os seus resíduos sólidos.

Então, o que o MP fez? O MP ingressou com uma ação civil pública para obrigar que essas empresas retirassem do aterro sanitário todo aquele material recolhido com a colaboração da sociedade. O MP do Rio Grande do Sul chamou isso de responsabilidade civil pós-consumo.

O STJ, nessa época, ou seja, já algum tempo, vem reconhecendo a existência desta regra em matéria de desenvolvimento sustentável. No âmbito de um sistema em que alguém assume o risco e coloca um produto no mercado, esse produto também tem que ser retirado, de alguma maneira, sem degradar, sem poluir o meio ambiente.

O CONAMA então resolve, em matéria técnica, editar essa resolução. O que eu achei mais interessante é que a lei de bateria, pilha ou acumulador, tudo isso que nós utilizamos com muita freqüência, diz que tanto fabricantes quanto importadores devem renovar esses produtos após a sua utilização, possibilitando a sua destinação separadamente dos aparelhos. Assim, obviamente, essas

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empresas vão ter que gastar muito dinheiro para criação de tecnologias limpas para melhor adequar esses bens já consumidos e realocá-los no mercado de consumo.

Diz o art. 19 dessa resolução do CONAMA que todos os estabelecimentos de venda devem obrigatoriamente conter pontos de recolhimentos adequados.

“Art. 19. Os estabelecimentos de venda de pilhas e baterias referidas no art. 1º devem obrigatoriamente conter pontos de recolhimento adequados.”

Não pensei duas vezes! Observando percebi que quase todas as lojas (uns 60%) não têm esses locais de arrecadação. Cabe ação civil pública ambiental? Cabe justamente para obrigar todos os estabelecimentos a assumirem o risco do seu empreendimento à luz de uma conscientização ambiental, quanto à responsabilidade civil pós-consumo, que é uma responsabilidade do comerciante quanto ao recolhimento para entregar tudo ao fabricante.

Então, vale a pena fazer uma leitura dessa nova resolução. Vocês podem perguntar assim: mas será que essa resolução é legal? Acho que essa é a principal pergunta, indagação. Se não existe lei, será que essas pessoas não poderiam alegar que não são obrigadas a cumprir, a fazer ou deixar de fazer alguma coisa, senão em virtude da lei? Essa é uma questão da legalidade das resoluções do CONAMA que só iremos trabalhar nas próximas aulas. Até que ponto o CONAMA poderá inovar na ordem jurídica por delegalização? A delegalização é um fenômeno do direito administrativo que a gente chama de degradação do grau hierárquico; trata-se da possibilidade de o próprio poder executivo, através de seus órgãos, expedir novas técnicas relacionadas a certas matérias. Por hora, a gente não vai discutir a legalidade disso, mas vamos apenas prestigiar a ideia da consagração da responsabilidade pós-consumo.

Pergunta: (inaudível)

Prof.ª: Você tem uma fundamentação que não precisaria passar por responsabilidade civil pós-consumo. Você já tem vários valores constitucionais que justificariam uma interpretação teleológica nesse sentido. Nesse momento, eu não vou discutir a legalidade disso. A nossa aula de hoje é apenas principiológica.

1.4 – Estabelecimento de políticas públicas e programas administrativos que busquem melhorar a coexistência harmônica entre economia e ecologia

Tem um promotor de Justiça que tomou posse esse ano e chegou em Itaocara e de repente viu que havia uma economia local favorecida com crescimento econômico, mas com total degradação ambiental. Ele chegou lá e não tinha saneamento básico, não tinha calçamento, asfaltamento, luz ... não tinha nada. E ele realmente ficou apavorado, quando ele chegou na cidade. E ele se perguntava: será que nenhum Promotor pensou em promover uma ação civil pública para que pudesse melhorar, harmonizar mais essa noção de economia e ecologia? Ele percebia que muitas pessoas gozavam de boa saúde financeira, mas

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moravam em péssimas condições, a subsistência não era digna. Agora, no final do ano passado, ele então entrou com uma ação civil pública pedindo tudo e o juiz de 1º grau deu tudo, dizendo que a política teria que ser feita até para viabilizar justamente o desenvolvimento sustentável da cidade. Essa decisão foi mantida pelo tribunal.

Então, quando passarem num concurso, não fiquem com medo de pedirem tudo numa ação civil pública, até porque nós já estamos no âmbito de uma omissão estatal injustificada. A inércia administrativa é o fato gerador do nosso comportamento. Assim, se eu sou presentante do MP, é claro que é perfeitamente admissível a judicialização de uma política pública que já poderia ter sido realizada.

Quando você perceber que tem meios de exigir comportamento diverso do administrador, promova a ação civil pública.

1.5 – Ver a Lei 11.428 de 22/12/06, art. 3º, V

“Art. 3o  Consideram-se para os efeitos desta Lei: (...)V - exploração sustentável: exploração do ambiente de maneira a garantir a perenidade dos recursos ambientais renováveis e dos processos ecológicos, mantendo a biodiversidade e os demais atributos ecológicos, de forma socialmente justa e economicamente viável;”

Essa lei fala da vegetação nativa do bioma Mata Atlântica e esse art. 3º, V traz algumas definições. Se eu tiver dúvida quanto ao que é desenvolvimento sustentável, eu vou ver aqui nesse dispositivo.

A gente vai observar, no próprio CC/02, se pegarmos o art. 1228, §1º, que fala da propriedade privada, a gente percebe que a propriedade privada hoje sofre 3 limites: sociais, econômicos e ambientais.

“Art. 1.228. O proprietário tem a faculdade de usar, gozar e dispor da coisa, e o direito de reavê-la do poder de quem quer que injustamente a possua ou detenha.

§ 1o O direito de propriedade deve ser exercido em consonância com as suas finalidades econômicas e sociais e de modo que sejam preservados, de conformidade com o estabelecido em lei especial, a flora, a fauna, as belezas naturais, o equilíbrio ecológico e o patrimônio histórico e artístico, bem como evitada a poluição do ar e das águas.”

Ex.: não se admite mais um imóvel abandonado (limite econômico). Aliás, o art. 1276 do CC/02 diz que imóvel abandonado pode ser arrecadado pelo poder público em sem qualquer percepção indenizatória do particular.

“Art. 1.276. O imóvel urbano que o proprietário abandonar, com a intenção de não mais o conservar em seu patrimônio, e que se não encontrar na posse de outrem, poderá ser arrecadado, como bem vago, e passar, três anos depois, à propriedade do Município ou à do Distrito Federal, se se achar nas respectivas circunscrições.

§ 1o O imóvel situado na zona rural, abandonado nas mesmas circunstâncias, poderá ser arrecadado, como bem vago, e passar, três anos depois, à propriedade da União, onde quer que ele se localize.

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§ 2o Presumir-se-á de modo absoluto a intenção a que se refere este artigo, quando, cessados os atos de posse, deixar o proprietário de satisfazer os ônus fiscais.”

Isso retrata a perda da propriedade pelo abandono. Então, hoje se eu adquirir uma área não edificada, ou ainda que edificada e não der a ela uma destinação específica, não a fizer atingir função social, o poder público poderá arrecadar o bem e transformá-lo em bem público, sem qualquer percepção indenizatória após o decurso do prazo.

Há quem diga que esse artigo é de duvidosa inconstitucionalidade. Eu, como Defensora Pública, não duvido. Isso é uma situação complicada. Imaginemos uma pessoa super endividada. Esse art. 1276, §2º diz que presume-se o abandono para aquele que deixar de honrar com os tributos relacionados ao bem. Aquele que tiver inadimplente com o IPTU, por exemplo, vai ser considerado como se tivesse abandonado o seu próprio imóvel, numa presunção jure et jure, absoluta. Agora vocês imaginem a situação da marginalização econômica, da pobreza brasileira e ainda punir o super endividado. Nesse caso, este é punido com a perda da propriedade.

Isso mostra que até a propriedade privada, à luz do art. 1228, §1º do CC, tem que atingir a função social, especialmente acerca do desenvolvimento sustentável. A sustentabilidade pressupõe o exercício da propriedade sob contornos jurídicos legais.

2. Princípio da obrigatoriedade do EIA (estudo técnico de impacto ambiental)/RIMA (relatório de impacto sobre o meio ambiente ou relatório conclusivo)

O estudo de impacto ambiental é feito por uma comissão indicada pela Administração Pública, mas custeado pelo empreendedor. São arquitetos, engenheiros, geólogos, físicos, enfim todas as áreas especializadas que justifiquem para aquele empreendimento ou projeto.

Esse princípio está previsto no art. 225, §1º, IV da CF.

“Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá- lo para as presentes e futuras gerações.

§ 1º - Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao Poder Público: (...)IV - exigir, na forma da lei, para instalação de obra ou atividade potencialmente causadora de significativa degradação do meio ambiente, estudo prévio de impacto ambiental, a que se dará publicidade; (Regulamento)”

O que a gente percebe é que não raras vezes aparece a expressão “prévia”, porque esse estudo antecede ao processo de licenciamento ambiental. Isso foi

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uma opção do legislador constituinte de tornar o estudo técnico antecedente ao próprio licenciamento ambiental.

Por isso, de acordo com esse dispositivo, nós vamos ver que esse instrumento é obrigatório, porque não existe, num primeiro momento, qualquer hipótese de dispensa do EIA.

Aliás, é sempre bom comentar aqui que um dos principais estados degradadores, tirando SP, que não tem comparação, é o estado de Santa Catarina. Se vocês fizerem uma leitura dos julgamentos dos tribunais superiores, as principais lides ambientais vêm de Santa Catarina. Por exemplo, por várias vezes leis estaduais do referido estado dispensaram o EIA/RIMA, conferindo um maior grau de discricional à Administração Pública, podendo esta se utilizar de um juízo subjetivo de valor à luz da oportunidade e conveniência. Todas essas leis foram declaradas inconstitucionais pelo STF.

Então, vejam que ou o EIA é obrigatório ou ele não é. Não existe nenhuma hipótese de dispensa. Qualquer lei nesse sentido será de duvidosa constitucionalidade.

Num segundo momento, a gente vai ver que o inciso IV diz assim: torna-se obrigatório o EIA/RIMA para atividades, empreendimentos ou obras de significativa degradação ambiental. É aquele juízo de probabilidade, ou seja, a atividade que se quer desenvolver, o projeto executivo que se quer implementar é potencialmente lesivo ao meio ambiente. Aí vocês vão me perguntar: como eu vou saber se a minha atividade é danosa ao meio ambiente? Como eu poderia saber se a minha obra precisará de EIA/RIMA? Ailás, essa é a pergunta que Luciano Huck se faz todos os dias. Para quem não sabe, a casa dele em Angra dos Reis sofre um processo administrativo para ser demolida, pois foi construída numa área de preservação ambiental.

Numa situação como essa, como saber se aquele empreendimento, aquela obra, aquela atividade é potencialmente lesiva ao meio ambiente? Nós vamos observar que essas atividades, empreendimentos, ou obras estão delimitadas em resolução do CONAMA n.º 1 de 23/01/1986. O art. 2º dessa resolução traz uma série de atividades presumidamente danosas que dependerão, obrigatoriamente, da elaboração do EIA/RIMA, ou seja, este é condição de procedibilidade ao licenciamento ambiental – conditio sine qua non.

“Artigo 2º - Dependerá de elaboração de estudo de impacto ambiental e respectivo relatório de impacto ambiental - RIMA, a serem submetidos à aprovação do órgão estadual competente, e do IBAMA e1n caráter supletivo, o licenciamento de atividades modificadoras do meio ambiente, tais como: I - Estradas de rodagem com duas ou mais faixas de rolamento; II - Ferrovias; III - Portos e terminais de minério, petróleo e produtos químicos; IV - Aeroportos, conforme definidos pelo inciso 1, artigo 48, do Decreto-Lei nº 32, de 18.11.66; V - Oleodutos, gasodutos, minerodutos, troncos coletores e emissários de esgotos sanitários; VI - Linhas de transmissão de energia elétrica, acima de 230KV;

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VII - Obras hidráulicas para exploração de recursos hídricos, tais como: barragem para fins hidrelétricos, acima de 10MW, de saneamento ou de irrigação, abertura de canais para navegação, drenagem e irrigação, retificação de cursos d'água, abertura de barras e embocaduras, transposição de bacias, diques; VIII - Extração de combustível fóssil (petróleo, xisto, carvão); IX - Extração de minério, inclusive os da classe II, definidas no Código de Mineração; X - Aterros sanitários, processamento e destino final de resíduos tóxicos ou perigosos; Xl - Usinas de geração de eletricidade, qualquer que seja a fonte de energia primária, acima de 10MW; XII - Complexo e unidades industriais e agro-industriais (petroquímicos, siderúrgicos, cloroquímicos, destilarias de álcool, hulha, extração e cultivo de recursos hídricos); XIII - Distritos industriais e zonas estritamente industriais - ZEI; XIV - Exploração econômica de madeira ou de lenha, em áreas acima de 100 hectares ou menores, quando atingir áreas significativas em termos percentuais ou de importância do ponto de vista ambiental; XV - Projetos urbanísticos, acima de 100ha. ou em áreas consideradas de relevante interesse ambiental a critério da SEMA e dos órgãos municipais e estaduais competentes; XVI - Qualquer atividade que utilize carvão vegetal, em quantidade superior a dez toneladas por dia.”

Uma coisa que o Celso Antônio fala e a gente tem que prestar bastante atenção é o seguinte: esse rol é exemplificativo. Não teria como o CONAMA delimitar todas possíveis atividades a serem desenvolvidas no campo econômico. Então, mesmo que a sua atividade não esteja expressamente prevista nessa resolução administrativa, nada impede que a Administração exija o EIA/RIMA.

Uma vez eu fui procurada por um pequeno empresário que tinha um abatedouro de frango e foi dito a ele que para ele se instalar num determinado local seria necessário o EIA/RIMA. E ele dizia: poxa doutora, o meu tipo de atividade não está expressamente definida na resolução do CONAMA, posso então impetrar Mandado de Segurança? Eu falei que poder ele pode, mas não vai ganhar, porque já há uníssona jurisprudência no sentido de que esse rol é exemplificativo. Mesmo que sua atividade não esteja aqui relacionada, se ela for considerada pela Administração como possuindo potencial lesivo ao meio ambiente, o EIA/RIMA se faz obrigatório e necessário.

Pergunta: (inaudível)

Prof.ª: Na dúvida, consulte a Administração, até porque vamos ser sinceros. Se você constrói um imóvel de caráter residencial, presume-se que você tenha buscado, na secretaria de obras ou congênere, o licenciamento de edificação. Licença de edificação é ato administrativo. Pode ser que nesse ínterim seja dito a você que não basta licença de construção; você tem que buscar no órgão ambiental competente a análise da viabilidade técnica do seu projeto. Aí você vai ter que dar entrada na secretaria de obras e também na outra secretaria pertinente. Então, pode ser que você tenha que ter licença de obra e licenciamento ambiental. Isso não caracteriza bis in idem, porque tem fundamentos axiológicos diferentes. Então, na dúvida, você deve consultar para saber se seu empreendimento é legítimo diante da expectativa ambiental.

A resolução do CONAMA n.º 1 traz essas obras e empreendimentos que, uma vez considerados perigosos, dependerão de custeio do empreendedor. Prestem atenção: quem custeia o EIA/RIMA é o próprio empreendedor.

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Esse estudo técnico é de custeio e responsabilidade do empreendedor e realizado por uma comissão multidisciplinar cujos profissionais são indicados pela própria Administração Pública.

Por que cabe ao empreendedor custear o EIA/RIMA? Porque, no âmbito da legislação brasileira, nós temos o que a gente chama de inversão do ônus da prova. O empreendedor terá que provar, perante a autoridade administrativa,que o seu projeto é viável, ou seja, a viabilidade técnica existe e por isso compatibiliza-se com o meio ambiente. Então, quem tem que provar é o empreendedor. Se o EIA/RIMA for desfavorável, uma das consequências corretas seria a recusa ao licenciamento ambiental.

Dentro dessa perspectiva do EIA/RIMA, como ele foi erigido a instrumento constitucional, percebemos que nenhuma lei poderá suprimi-lo, porque ela será de duvidosa constitucionalidade. Há quem sustente que esse instrumento é cláusula pétrea no direito ambiental. Nenhuma lei, nenhuma emenda constitucional pode ser tendente a abolir essa perspectiva de obrigatoriedade do EIA/RIMA.

Pergunta: (inaudível)

Prof.ª: Tem. Tanto é que ao RIMA dar-se-á publicidade. O RIMA é aquela linguagem muito mais simples, um português mais acessível, de modo que a sociedade consiga ter o aclaramento necessário do resultado. Então, o RIMA é para permitir o controle social; a transparência da Administração Pública em deliberar num ou noutro sentido junto ao empreendedor. Então, é obrigatória a publicização do RIMA para que nós tenhamos meios de discutir o resultado.

Pergunta: (inaudível)

Prof.ª: Numa eventual ação civil pública, por exemplo promovida pelo MP, o Estado hoje é considerado, para efeito de responsabilidade, de Estado Conivente – responsabilidade solidária. Numa ação civil pública contra o Luciano Huck, por exemplo, também poderia a prefeitura de Angra dos Reis ser inserida no pólo passivo e ambos seriam responsabilizados por eventuais danos ambientais. Logicamente, aquele que licencia fora das condições jurídico-legais, o que licencia assumindo o risco criado também se torna solidariamente responsável. Para o STJ, é a típica hipótese de litisconsórcio passivo facultativo. Então, posso acionar o Luciano Huck, ou este e o município de Angra dos Reis, ou somente o município de Angra dos Reis para recuperar a área degradada e, se for o caso, fazer o que a gente chama de restauração ecológica, restituindo-se ao status quo ante.

Por enquanto, eu Cristiana não sei o desdobramento desse caso; não conheço o processo administrativo. A gente fala, obviamente, igual a testemunhas, ou seja, fala do que ouviu dizer, mas esse é um caso interessante para a gente poder verificar que, muitas vezes, falta conhecimento. Às vezes, o licenciamento de obra é confundido com o licenciamento ambiental. Tem pessoas que acham que, tendo a licença de obra, a sua atividade é absolutamente legítima. Porém se essa obra implicar em problemas ambientais, ela pode se tornar ilegítima e aí você tem os desdobramentos e as consequências impostas pela lei. Você tem que tomar muito cuidado, quando realizar determinado empreendimento.

Pergunta: (inaudível)

Prof.ª: Ótima pergunta. Todos aqueles empreendimentos anteriores a 1988, momento em que a redação do art. 225, §1º, IV da CF/88 não existia na CF/67, obviamente, já foram licenciados, em tese. Houve EIA/RIMA? Jamais, porque o estudo de impacto ambiental é prévio, antecedente ao licenciamento ambiental, mas, na renovação desses licenciamentos, é possível que a Administração Pública exija algum tipo de avaliação técnica para verificar se é pertinente ou não o prosseguimento daquela atividade. Eu tenho um tio alemão que tem uma fábrica de salsicha lá em Petrópolis e de frios na Alemanha. Ele, de tempos em tempos, precisa obter renovação de licenciamento. Nesse

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meio renovatório, ele terá que demonstrar que o seu projeto continua viável sob o ponto de vista ambiental. Porém jamais será possível exigir um estudo de impacto ambiental. Esse estudo, obviamente, tem uma eficácia imediata, tempus regis actum. Você tem aí norma jurídica de aplicação imediata, inclusive contra efeitos pendentes. Aqueles empreendimentos que ainda não tinham sido licenciados em 1988, que estavam aguardando ainda o desfecho da vontade administrativa, no momento em que entrou em vigor a Constituição, a Administração pode exigir o EIA/RIMA. O que não é possível é você exigir a empreendimentos já licenciados que se renove por EIA/RIMA. Você teria aí a malversação do sistema. Esse estudo cabe apenas em relação a novos empreendimentos. A gente vai voltar a falar sobre isso na aula de licenciamento ambiental.

- CARACTERÍSTICAS DO EIA/RIMA

a) Audiência pública (cidadania participativa)

Eu lembro que em 2001 fui mandada para uma audiência pública de EIA em Magé. Eu fiquei horrorizada com a audiência pública, porque ela acabou em vias de fato. É uma vergonha. Primeiro, porque ser palco de políticos. É muito complicado. Percebe-se aí uma tredestinação, um desvio de finalidade.

A audiência pública vai acontecer em que momento? Tão logo o EIA esteja concluído e o RIMA seja levado a publicidade, pode acontecer a chamada Audiência Pública, que tem por finalidade permitir a participação das populações, da sociedade que deseja ter maiores esclarecimentos sobre aquele projeto do empreendedor.

a.1) direito fundamental à informação

a.2) permitir a sociedade tecer críticas e/ou sugestões

a.3) viabilizar o esclarecimento sobre o projeto executivo e o seu planejamento ambiental

Ver Resolução do CONAMA n.º 9 de 3/12/1987. Diz assim essa resolução: A audiência pública tem por finalidade expor aos interessados o conteúdo do produto em análise e do seu referido RIMA, dirimindo dúvidas e, recolhendo dos presentes, críticas e sugestões a seu respeito.

Qual é o grande problema desse viés dessa cidadania participativa? A opinião da população não vincula o administrador. A população fica lá se exaurindo, falando e falando, pedindo, suplicando e obviamente isso tudo é reduzido a termo, mas não há nenhuma vinculação para a administração. São apenas sugestões da população na realização daquele projeto executivo.

Então, a gente tem uma cidadania participativa, que, segundo André Ramos Tavares, é mitigada, porque se não vincula o administrador, se este pode repudiar todas aquelas considerações e, ainda assim, licenciar, que essa cidadania participativa é relativizada.

Vendo ainda o art. 2º dessa resolução, sempre que julgar necessário, ou quando for solicitado por entidade civil, pelo MP ou por 50 ou mais cidadãos, o

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órgão do meio ambiente promoverá obrigatoriamente a realização da audiência pública. Então, a gente pode ver que ela tem obrigatoriedade relativa.

“Art. 2º - Sempre que julgar necessário, ou quando for solicitado por entidade civil, pelo Ministério Público, ou por 50 (cinqüenta) ou mais cidadãos, o Órgão de Meio Ambiente promoverá a realização de audiência pública.

§ 1º - O Órgão de Meio Ambiente, a partir da data do recebimento do RIMA, fixará em edital e anunciará pela imprensa local a abertura do prazo que será no mínimo de 45 dias para solicitação de audiência pública.

§ 2º - No caso de haver solicitação de audiência pública e na hipótese do Órgão Estadual não realizá-la, a licença concedida não terá validade.

§ 3º - Após este prazo, a convocação será feita pelo Órgão Licenciador, através de correspondência registrada aos solicitantes e da divulgação em órgãos da imprensa local.

§ 4º - A audiência pública deverá ocorrer em local acessível aos interessados.

§ 5º - Em função da 1ocalização geográfica dos solicitantes, e da complexidade do tema, poderá haver mais de uma audiência pública sobre o mesmo projeto de respectivo Relatório de Impacto Ambiental - RIMA.”

Eu, por exemplo, já venho discutindo essa legitimidade prevista no art. 2º, que fala de entidade civil, MP e 50 ou mais pessoas que subescrevam um documento, porque a Defensoria Pública passa a ter legitimidade em matéria ambiental e não está prevista, por óbvio, porque em 1987 a Defensoria Pública ficava adstrita aos conflitos intersubjetivos. Porém, hoje o MP, ao lado da Defensoria pública, ambos poderão pedir que a audiência ocorra.

Pergunta de prova: se o EIA/RIMA forem ultimados, o RIMA for publicizado e 50 ou mais pessoas postularem a audiência pública, se ela não se realizar e o poder público, ainda assim, realizar o licenciamento ambiental, este será o quê? Nulo de pleno direito. Olhe aí a consequência do vício de legalidade em relação ao procedimento administrativo.

Pergunta de aluno: Não tem ainda. A Defensoria Pública aqui do RJ ainda não propôs nenhuma ação civil pública ou ação popular aproximando os interesses do popular discutindo a lesividade do procedimento administrativo. Nós não temos aqui nem no STJ. Mas, a nível ideológico, vou dizer que a Defensoria tem que ter a mesma legitimidade pela pertinência em questões transindividuais, mas nós ainda não temos realmente julgamento.

O que a gente vai perceber e isso é muito importante até para a gente concluir aqui é que se o empreendimento for licenciado sem o EIA/RIMA, nulo será o licenciamento. E se o EIA/RIMA for realizado com a devida publicidade e a audiência pública não acontecer, o licenciamento será também nulo de pleno direito.

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A gente percebe que pode haver vários vícios de legalidade pela preterição de alguma fase essencial do contexto do princípio constitucional da participação social. Mas isso é um princípio constitucional? É. Olhe o art. 37, §3º da CF.

“Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998) (...)

§ 3º A lei disciplinará as formas de participação do usuário na administração pública direta e indireta, regulando especialmente: (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)I - as reclamações relativas à prestação dos serviços públicos em geral, asseguradas a manutenção de serviços de atendimento ao usuário e a avaliação periódica, externa e interna, da qualidade dos serviços; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)II - o acesso dos usuários a registros administrativos e a informações sobre atos de governo, observado o disposto no art. 5º, X e XXXIII; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)III - a disciplina da representação contra o exercício negligente ou abusivo de cargo, emprego ou função na administração pública. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)”

Pergunta: (inaudível)

Prof.ª: O art. 37, §3º veio numa das principais reformas da Administração Pública. Notadamente aparece o princípio da participação social quando fala do acesso dos usuários aos diversos segmentos de serviços públicos. Daí se consagra a noção de cidadania participativa ou participação social. Trata-se de um princípio explícito, embora não apareça no caput do art. 37 da CF.

Pergunta: (inaudível)

Prof.ª: Por hora, volto a repetir que nós não vamos discutir hoje a legalidade ou não das resoluções do CONAMA. Nós estamos analisando como elas vêm sendo aplicadas de modo geral. Nós vamos ter ainda uma aula só de interpretação da legalidade, da compatibilidade dessas normas em relação ao texto legal, ou até as normas administrativas que estão em resoluções, mas não estão nas leis em sentido primário.

Ainda dentro do estudo do impacto ambiental, nós vimos então que a ausência de audiência gera nulidade do licenciamento. Existe uma outra resolução do CONAMA que vai dizer exatamente isso – resolução do CONAMA n.º 237/97, arts. 3º e 10, V.

“Art. 3º- A licença ambiental para empreendimentos e atividades consideradas efetiva ou potencialmente causadoras de significativa degradação do meio dependerá de prévio estudo de impacto ambiental e respectivo relatório de impacto sobre o meio ambiente (EIA/RIMA), ao qual dar-se-á publicidade, garantida a realização de audiências públicas, quando couber, de acordo com a regulamentação.

Parágrafo único. O órgão ambiental competente, verificando que a atividade ou empreendimento não é potencialmente causador de significativa

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degradação do meio ambiente, definirá os estudos ambientais pertinentes ao respectivo processo de licenciamento.”

“Art. 10 - O procedimento de licenciamento ambiental obedecerá às seguintes etapas: (...)V - Audiência pública, quando couber, de acordo com a regulamentação pertinente;”

É uma regra principiológica permitir que as pessoas teçam comentários, que possa abrir uma fase de debates sobre o projeto que se quer implementar.

Dentro dessa perspectiva, eu queria chamar atenção de vocês para algumas situações que vão aparecer em provas de concurso e eu digo: essa é a matéria que mais cai. Concentrem-se sempre no estudo do EIA/RIMA, pois sempre cai uma questão em relação a isso.

b) As conclusões do EIA/RIMA obrigam a Administração Pública? (questão de concurso) Aqui a gente percebe divergência doutrinária. Por isso que, dependendo do livro que for adquirido, pode aparecer uma tese sustentada num ou noutro sentido. Cuidado apenas com as nuances jurisprudenciais, porque nós não temos uma decisão uníssona quanto ao assunto.

Pergunta: (inaudível)

Prof.ª: Sim. As conclusões do EIA/RIMA vinculam o administrador? Quem vai licenciar? O administrador, no caso de licenciamento ambiental. São custeados pelo empreendedor e, uma vez custeados, esse resultado final vincula a Administração pública?

b.1) Se o EIA for favorável

Vamos imaginar que ele seja totalmente favorável. Para a primeira corrente doutrinária (Celso Antônio Pacheco Fiorillo – é consultor de grandes empresas e o livro dele é muito bom, muito técnico), se o EIA for favorável, vincula a Administração Pública, ou seja, nessa percepção, não existe juízo de mérito, nesse caso. Não poderia a Administração falar o seguinte: in dúbio pro ambiente. Vocês têm que tomar muito cuidado com as regras máximas do direito ambiental. Imagina lá em Petrópolis, onde tem a Rua Tereza, várias indústrias têxteis. Aí vai um industrial lá de juiz de fora e diz que quer se estabelecer em Petrópolis e a Prefeitura diz: in dúbio pro ambiente. Isso para evitar que ele venha a se instalar numa área que já se desenvolve economicamente, especialmente se ele não for empresário da região e for de outro estado da federação.

Para o Celso Antônio, se o EIA for favorável vincula porque, uma vez cumpridos todos os requisitos administrativos, o empreendedor passaria a ter direito líquido e certo. Se o empreendedor passa a ter direito líquido e certo é porque, na hipótese de recusa da administração, o empreendedor poderá impetrar Mandado de Segurança.

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Esse raciocínio do professor Celso Antônio segue a mesma lógica do direito administrativo no que tange à licença de edificação, porque esta é considerada ato administrativo unilateral e vinculado, ou seja, de cunho vinculatório ao poder público competente. Qualquer recusa então seria considerada abuso de direito e, assim sendo, seria possível se discutido em mandado de segurança, com pedido expresso de liminar. Aí, a liminar seria no sentido de viabilizar o prosseguimento do procedimento administrativo, viabilizar que o empreendedor possa iniciar o desenvolvimento da sua atividade econômica. É nesse sentido que você teria a judicialização do problema.

Já a segunda corrente (Prof. Edis Milaré) entende que, ainda que o EIA seja favorável, não vincula a Administração Pública, uma vez que o estudo, para essa corrente, é opnativo e não decisório, determinante da vontade administrativa.

Hoje vem se admitindo a recusa da Administração Pública mesmo em caso de EIA favorável. Para isso, o que teria que fazer a Administração Pública? Motivar a sua decisão, ou seja, a Administração Pública deve fundamentar adequadamente essa recusa ao licenciamento ambiental.

Exemplo: suponhamos que eu esteja diante de uma área comercial e que 80% dessa área já esteja tomada por grandes empreendimentos. Vamos supor que o EIA seja favorável a instalação de um novo empreendimento nessa área residual. Porém, em algum momento, a Administração pode chegar a conclusão de que a área está sofrendo um processo de saturação, o que poderia não ter sido evidenciado num primeiro estudo. Por mais que a Comissão seja técnica, multidisciplinar, pode ser que essas questões não tenham sido levadas a fundo pelos examinadores, de modo que a Administração entenda que o saturamento da área, no futuro próximo, possa levar ao esgotamento da área e um processo de degradação ou poluição ambiental. Esse é um exemplo dado pelo Milaré em seu livro de que, muitas vezes, certas questões não são levadas de imediato a contento pelos técnicos, mas são sopesadas na hora do licenciamento ambiental. O que terá que fazer a Administração Pública? Apresentar os motivos, os fatos geradores da recusa e, consequentemente, fundamentando a sua deliberação final. Assim deve ser feito para permitir que o empreendedor tome conhecimento daqueles motivos determinantes e, consequentemente, da fundamentação lógica.

Uma vez eu impetrei um mandado de segurança para um pequeno empreendedor. A recusa ao licenciamento ambiental favorece o in dúbio pro ambiente, porém tem que ter motivo específico ao caso concreto, tem que ter motivação peculiar para aquela situação em tela. Então, você pode impetrar MS para tomar conhecimento daqueles motivos determinantes que não foram bem aclarados pelo Poder Público competente, o que torna a autoridade coatora.

Nesse primeiro momento, o Eia favorável tem esse desdobramento. Para alguns, vincula; para outros significa que existe um exercício discricionário.

Pergunta: (inaudível

Prof.ª: O TJERJ é oscilante. Ora diz que é vinculado, ora diz que é discricionário. Às vezes, a decisão é muito política, depende muito das circunstâncias.

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Na próxima aula, vou trazer a jurisprudência do sambódromo. Algumas obras foram feitas; outras foram recusadas. A discussão é se há ou não esse campo discricionário para o Poder Público, se a pessoa cumprir todos os requisitos administrativos.

b.2) Se o EIA for desfavorável

Lembrando que, para quem nunca viu um EIA, às vezes o RIMA, que é o relatório conclusivo, tece comentários do tipo: se for feito desse modo, será aprovado. Às vezes, ele determina correções no projeto. Em outros casos, o projeto é imprestável, podendo ser desfavorável.

Para a primeira corrente (Celso Antônio Pacheco Fiorillo), mesmo que o EIA seja desfavorável, o Administrador poderia licenciar. Veja que isso é um pouco antagônico em relação ao primeiro entendimento desse Autor. É claro que pode licenciar, basta que haja correção no projeto. O Celso Antônio não fala nesse sentido; ele não fala de correção, de adaptação do projeto. Ele diz apenas que, mesmo desfavorável o EIA, é possível licenciar, pois caberia aqui a discricionariedade estatal.

Pergunta: (inaudível)

Prof.ª: Ele diz que á ato vinculado, se o EIA for favorável, mas se for desfavorável, ele diz que é discricionário. Veja que são os extremos.

Eu, particularmente, discordo dessa primeira posição. Acho que não tem lógica, mas tudo bem. A gente precisa colocar, porque ele aparece inclusive no âmbito dos tribunais.

A segunda corrente (Edis Milaré) entende que se o EIA for desfavorável, vincula a Administração, porque se o Estado licenciar fora das hipóteses legais, o Estado será conivente. Como eu disse anteriormente, se o Estado é conivente, ele tem responsabilidade solidária e objetiva. É um risco criado; é um risco da Administração. Se ela quer licenciar mesmo com o EIA sendo desfavorável, tudo bem, mas se aquele empreendedor causar danos ao meio ambiente, responde o agente poluidor direto e o indireto, que será o próprio Estado, porque licenciou fora dos padrões necessários, inobservando os deveres mínimos de cuidado ambiental.

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