Áudio nas igrejas Áudio - backstage.com.br · dos de duas maneiras: uma, para a equalização...

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160 www.backstage.com.br ÁUDIO NAS IGREJAS Aldo Soares trabalha há 19 anos com áudio, é operador de PA, engenheiro projetista e educa- dor de áudio. [email protected] á alguns anos trabalhei em um projeto de uma igreja aqui em Brasília e tive que convencer os ar- quitetos da importância de absorção dentro do ambiente. Foi interessan- te, porque tínhamos que resolver principalmente o isolamento acústi- co da igreja, visto que a mesma, uma igreja para três mil pessoas, seria construída entre cinco prédios resi- denciais. A certa altura de uma das reuniões com os arquitetos, era quase certa a não utilização de ar-condicio- nado, as janelas ficariam abertas para ventilar, eu dizia que não, não tería- mos janelas, poderíamos até ter vidros nas paredes duplas em função da ilu- minação, mas com tudo fechado. Quando chegamos a um consenso, tudo fechado, começamos a falar da acústica interna. Aí eles não cogita- vam nem de perto a utilização de ne- nhum material de absorção que eu sugeria a eles. Em um determinado momento, eu fiz uma brincadeira: “Bom, então acho que a solução seria abrir as paredes do fundo, então deixaríamos a igreja sem essas paredes”, e teve gente que acei- H A absorção acústica é fundamental para o condicionamento da acústica interna de um ambiente. Sem absorção não é possível controlar a reverberação Áudio nas igrejas Acústica tou de imediato! Até entender que era uma brincadeira e que o isolamento não permitiria tal feito, foram mais al- gumas horas de reunião. Mas, por fim, estava tudo como deveria ser, isola- mento e condicionamento acústico no seu devido lugar, e com os absorvedores e seus respectivos materiais. Os absorvedores acústicos podem ser construídos de vários materiais e for- mas, mas devem ser construídos para atuarem nas altas, médias e baixas fre- qüências, sempre levando em conta as características acústicas de cada ambi- ente. Em nosso caso, em que nos pro- pomos a simplificar todo o processo de forma a tornar simples e acessível a construção dos absorvedores, desen- volvi uma solução de fácil construção. CONSTRUÇÃO Serão quatro tipos de absorvedores diferentes, cada um atua de uma for- ma no espectro de freqüências, absor- vendo mais em determinadas fre- qüências e menos em outras. O im- portante é que devem trabalhar jun- tos. Todos eles têm em comum as di- mensões, até por questões de estética, e os materiais de construção. Todos serão construídos com as laterais em madeira, compensado de 20mm, pai- néis de Eucatex de 3mm, manta de lã de vidro e tecido como acabamento, de preferência os de tramas maiores, como a Juta, por exemplo. Aqui em Brasília as madeireiras já vendem as madeiras com o corte li- near que você pede, imagino que deve ser assim nos outros estados. De tal forma que, caso as madeiras sejam compradas assim, o processo de fabri- cação fica mais fácil ainda. As madei- ras devem ser cortadas conforme a fi- gura 1. Em nosso exemplo vamos uti-

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160 www.backstage.com.br

ÁUDIO NAS IGREJAS

Aldo Soares trabalha há 19 anos com áudio, é

operador de PA, engenheiro projetista e educa-

dor de áudio.

[email protected]

á alguns anos trabalhei em umprojeto de uma igreja aqui em

Brasília e tive que convencer os ar-quitetos da importância de absorçãodentro do ambiente. Foi interessan-te, porque tínhamos que resolverprincipalmente o isolamento acústi-co da igreja, visto que a mesma, umaigreja para três mil pessoas, seriaconstruída entre cinco prédios resi-denciais. A certa altura de uma dasreuniões com os arquitetos, era quasecerta a não utilização de ar-condicio-nado, as janelas ficariam abertas paraventilar, eu dizia que não, não tería-mos janelas, poderíamos até ter vidrosnas paredes duplas em função da ilu-minação, mas com tudo fechado.Quando chegamos a um consenso,tudo fechado, começamos a falar daacústica interna. Aí eles não cogita-vam nem de perto a utilização de ne-nhum material de absorção que eusugeria a eles.Em um determinado momento, eu fizuma brincadeira: “Bom, então achoque a solução seria abrir as paredes dofundo, então deixaríamos a igreja semessas paredes”, e teve gente que acei-

HA absorção acústica éfundamental para ocondicionamento daacústica interna deum ambiente. Semabsorção não épossível controlar areverberação

Áudionas igrejasAcústica

tou de imediato! Até entender queera uma brincadeira e que o isolamentonão permitiria tal feito, foram mais al-gumas horas de reunião. Mas, por fim,estava tudo como deveria ser, isola-mento e condicionamento acústico noseu devido lugar, e com os absorvedorese seus respectivos materiais.Os absorvedores acústicos podem serconstruídos de vários materiais e for-mas, mas devem ser construídos paraatuarem nas altas, médias e baixas fre-qüências, sempre levando em conta ascaracterísticas acústicas de cada ambi-ente. Em nosso caso, em que nos pro-pomos a simplificar todo o processo deforma a tornar simples e acessível aconstrução dos absorvedores, desen-volvi uma solução de fácil construção.

CONSTRUÇÃOSerão quatro tipos de absorvedoresdiferentes, cada um atua de uma for-ma no espectro de freqüências, absor-vendo mais em determinadas fre-qüências e menos em outras. O im-portante é que devem trabalhar jun-tos. Todos eles têm em comum as di-mensões, até por questões de estética,e os materiais de construção. Todosserão construídos com as laterais emmadeira, compensado de 20mm, pai-néis de Eucatex de 3mm, manta de lãde vidro e tecido como acabamento,de preferência os de tramas maiores,como a Juta, por exemplo.Aqui em Brasília as madeireiras jávendem as madeiras com o corte li-near que você pede, imagino que deveser assim nos outros estados. De talforma que, caso as madeiras sejamcompradas assim, o processo de fabri-cação fica mais fácil ainda. As madei-ras devem ser cortadas conforme a fi-gura 1. Em nosso exemplo vamos uti-

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lizar 36 módulos de absorção. Sendoquatro modelos de absorvedores, de-vemos então construir oito módulosde cada modelo. Os modelos “A”, “B”

e “C” utilizarão painéis de eucatex,que serão instalados em profundida-des diferentes dentro dos painéis, asperfurações deverão ser feitas nas la-

terais (essas perfurações podem serfeitas com serra circular de mesa) deforma a acomodar o eucatex de 3mme a borracha que deverá ser instaladanas bordas do eucatex, conforme fi-guras 2 e 3. Essas borrachas são vendi-das em lojas especializadas e são ade-sivas em uma de suas faces. Elas sãoimportantes para poder amortecer omovimento dos painéis.Deverão ser instaladas no fundo detodos os módulos mantas de lã de vi-dro. Como esses módulos não terãofundo, porque deverão ser instaladosdiretamente nas paredes, a lã poderáser colada diretamente na parede.Depois disso, aplique a borracha nospainéis de eucatex e instale nas late-rais, fechando os módulos com os pa-

inéis, figuras 4 e 5.Agora feche os módulos B e C com otecido, recobrindo toda a sua área atéas extremidades das madeiras late-rais. Nesse caso, você também poderecobrir com o tecido até a parte dofundo do módulo, cobrindo, inclusi-ve, as laterais de madeira. Essa etapa ébem flexível, podendo adaptar-sebem às necessidades estéticas do lo-cal. Inclusive, caso você queira, poderecobrir todo o perímetro dos painéis

Figura 2

Figura 1

Figura 4

Figura 3

Figura 5

Os absorvedoresacústicos podem serconstruídos de vários

materiais e formas, masdevem ser construídospara atuarem nas altas,

médias e baixasfreqüências

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com tecido, escondendo-os. Já osmódulos A e D, que até então aindanão tinham sido mencionados, vãoreceber lã de vidro e em seguida se-rão fechados com o tecido. O mó-dulo A receberá duas mantas de lã devidro, uma na sua parte interior, an-tes do painel de eucatex, e a outra naparte superior, em frente ao eucatex(vejam a figura 6). O módulo D nãoreceberá painel de eucatex, somentea lã de vidro e o tecido no acabamen-to (vejam a figura 7).

INSTALAÇÃODepois da fase de construção dosmódulos vamos às instalações. Insta-le os módulos com cantoneiras naparte interior delas, ou caso prefira,na parte exterior. Na região do palco,como pode ser visto na figura 8, insta-lamos uma concentração maior deabsorvedores. Isso tem um objetivo

claro, a redução ao máximo do volu-me por lá, principalmente nos extre-mos, local onde geralmente são colo-cadas as baterias em igrejas.Outra questão importante é a insta-lação dos módulos de quatro em qua-

tro, já que estamos utilizando quatromodelos de absorvedores, sendo umde cada modelo. Nas laterais da igrejainstalamos, na parte superior das ja-nelas, os módulos, e isso tem uma rela-ção direta com dois fatos: o primeiro,por questões de economia, estamosinstalando o mínimo de absorvedores

para um resultado aceitável; o segun-do, não estou considerando a acústicada igreja vazia, já que deverá estar ocu-pada para suas reuniões, o que nos levaa considerar as absorções das pessoas,já que os bancos de madeira não absor-vem mais do que as pessoas, algo que sóaconteceria com “poltronas bem esto-fadas”. Caso contrário poderíamosinstalar mais absorvedores e mais bai-xos. Na parede da entrada da igreja re-petimos, a exemplo das paredes late-rais, a mesma instalação (vejam as fi-guras 8, 9, 10 e 11).

RESULTADOSA primeira avaliação é a do tempo dereverberação. Nela podemos ver uma

considerável melhora nos tempos(veja figura 12). Essa simulação levaem consideração o espaço dos bancoscom a ocupação máxima e com a ocu-pação pela metade, antes e depois deinstalados os módulos, só que agora,levando em consideração a absorçãodo ar, os cálculos são somente com

Figura 6 Figura 7

Figura 8 - Vista do palco Figura 9 - Vista da entrada Figura 10 - Vista Lateral do palco

Essa simulação leva em consideração o espaço dos bancoscom a ocupação máxima e com a ocupação pela metade,antes e depois de instalados os módulos, só que agora,

levando em consideração a absorção do ar, os cálculos sãosomente com Fitzroy, mais preciso para a situação

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Fitzroy, mais preciso para a situação.Na figura 13 podemos ver um gráficoque demonstra a intensidade dossons diretos nas diferentes posiçõesdo ambiente. Os níveis demonstra-dos são em dB (SPL).Já na figura 14 vemos o nível deinteligibilidade que alcançamos coma instalação dos módulos. Percebaque mesmo no palco, atrás das caixas,os níveis de inteligibilidade são bons,mas, é importante fazer outra avalia-ção, que é a dos sons diretos e dos sonsreverberados; veja na figura 15 umasimulação sobre esse aspecto. É im-portante frisar que o ideal nesse pon-to seria que os níveis ficassem positi-vos ou no máximo a -3dB. Isso porquê? Nesse caso, negativo, estamosescutando mais os sons reverberadosdo que os sons diretos, a relação que a

simulação demonstra é essa, sendoque quanto maiores os valores nega-tivos, piores são os resultados.Mas, podemos melhorar esse aspectocom uma sonorização melhor! E é

isso que veremos no próximo mês.Por enquanto vamos fazer mais algu-

mas considerações da parte acústica.1. Não, caixa de ovo não resolve pro-blemas acústicos! Pelo amor de Deus,esqueça isso.2. Madeira em tudo é melhor quemassa e tinta em tudo! Ainda vai soarbem melhor.3. Não existem milagres em relação aisolamento acústico; se não fechartudo, não isola!4. O isolamento acústico obedece,pelo menos, aos seguintes princípios;peso, desligamento estrutural, e ve-dação. É um conjunto de ações quedeve trabalhar junto para que o isola-mento seja alcançado.5. Se o isolamento acústico não forbem projetado e executado o resulta-do será visível, ou melhor, audível.Por isso, procure profissionais experi-entes e qualificados para executar oisolamento acústico da sua igreja.Nessas poucas linhas que abordei o as-sunto, acústica, quis ser o mais direto emenos complexo. Entendo que o as-sunto é muito vasto e o espaço deve serdedicado de forma objetiva para agrande maioria, que não serão projetis-tas. Por isso, não me propus a colocarninguém para fazer cálculos e mais cál-culos, e sim para tratar os problemascom soluções mais simples.Cada um sabe das necessidades e li-mitações financeiras da sua igreja, detal forma que se precisar de uma solu-ção mais completa, não hesite, procu-re um profissional, será mais vantajo-so. Mas, com certeza, a solução pro-posta trará resultamos mensuráveispara ambientes pequenos.Como já disse, no próximo mês con-tinuaremos nosso processo, vamossonorizar a nossa igreja e buscar umamelhor uniformidade e distribuiçãodos sons dentro do ambiente. Vamos

Figura 11 - Vista frontal do palco Figura 12 - Tempo de reverberação (RT60

)

Figura 13 - Níveis de intensidade sonora e cobertura das caixas acústicas no ambiente (dB-SPL)

Se o isolamento acústico nãofor bem projetado e

executado o resultado serávisível, ou melhor, audível.

Por isso, procure profissionaisexperientes e qualificadospara executar o isolamento

acústico da sua igreja

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e-mail para esta coluna:

[email protected]

diminuir bem a relação entre a inten-sidade dos sons entre as primeiras e asúltimas fileiras.

DICA DO MÊSOs equalizadores podem ser utiliza-dos de duas maneiras: uma, para aequalização corretiva, que tem porobjetivo corrigir a resposta de fre-qüência de uma via, ou a caixa acús-tica toda e também de corrigir a res-posta de freqüências de um sistemainteiro. A segunda forma é a daequalização artística, aquela em queo técnico operador interage artisti-camente sobre todo o sistema, vozes

e instrumentos musicais.A dica desse mês é sobre a forma deequalização. A maioria dos técnicosque conheço equaliza atenuando asfreqüências e não aumentando. Umaboa parte faz isso simplesmente por-que aprendeu dessa forma, e isso é vá-lido. Uma outra parte sabe dos moti-vos, que são variados.No seu caso, técnico operador do somque opera ou pode vir a operar em umaigreja com problemas acústicos, umbom motivo para você sempre começara sua equalização, seja corretiva ou ar-tística com atenuações, é a possibilida-de de microfonias. Sempre que você

atenua uma determinada freqüên-cia, as possibilidades de micro -fonias são imensamente inferioresdo que se você tivesse aumentado afreqüência. E esse já é um bom moti-vo para você começar sua equa-lização com atenuações.Outro bommotivo é que acertando a região defreqüências, você estará atuandonão somente nessa região que vocêatenuou, mas também em outrasque você ressaltou.

Um exemplo disso, no caso de uma vozfeminina com muito médio, atenuan-do a região certa, e para isso geralmen-te fazemos, em um mixer com tais pos-sibilidades, um sweep (ou uma varre-dura) com o knob da freqüência, jácom o knob do ganho atenuando naregião das freqüências médias davoz. Quando acertamos a região,geralmente percebemos, e isso éum fenômeno da psicoacústica, umaumento nas regiões baixas e altasdas freqüências da voz, de tal formaque somente com uma atenuaçãovocê já pode alcançar um timbre devoz melhor.

Sempre que você atenuauma determinada

freqüência, aspossibilidades demicrofonias são

imensamente inferioresdo que se você tivesse

aumentado a freqüência

Figura 14 (%Alcons

) - 0% a 7% Muito bom, 8% a 11% bom, 12 a 15% justo, 16% a 18% pobre e acima de 19% inaceitável

Figura 15 - Relação entre o sinal direto e o sinal indireto (reverberado) Ld-Lr