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118 www.backstage.com.br ÁUDIO NAS IGREJAS Aldo Soares trabalha há 19 anos com áudio, é operador de PA, engenheiro projetista e educa- dor de áudio. [email protected] Áudio e uma forma geral as pessoas atri- buem à acústica de um ambiente o isolamento acústico e também o con- dicionamento da acústica interna desse ambiente. É importante frisar que são dois trabalhos distintos: o isolamento tem por objetivo impedir que os sons externos entrem no am- biente, e que os sons internos saiam dele. Já o condicionamento trata os sons dentro do ambiente e define sua sonoridade. Geralmente, uma boa parte dos líde- res das igrejas brasileiras só se lembra da acústica dos seus templos quando os problemas aparecem, ou melhor, são escutados. As construções e re- formas dos templos são executadas com o objetivo de melhorar a estética e/ou aumento do templo. A acústica geralmente é deixada de lado. Em pri- meiro lugar por uma questão cultural, novamente questões culturais. Se- gundo, porque realmente é um assun- to para poucos, no Brasil não existe formação acadêmica em acústica. Poucas são as faculdades que ensi- nam, têm-se uma ou duas matérias, noções básicas sobre acústica (o que, diga-se de passagem, é muito pouco). Dessa forma uma boa parte dos arqui- tetos não considera a acústica algo prioritário em seus projetos de igrejas. D Em nossa primeira coluna falamos sobre a importância de um bom planejamento para igreja. Hoje, dando prosseguimento, falaremos sobre a acústica das igrejas Áudio nas igrejas Acústica O fato é que a acústica da igreja é dei- xada de lado até o momento em que o andamento do culto é prejudicado, algo que infelizmente é comum. Quando uma igreja é construída ou reformada, a acústica deve ser uma das principais preocupações da lide- rança da igreja. As palavras, prega- ções e músicas que ali serão ministra- das sofrerão total interferência da acústica do ambiente, e isso será um fato, levando-se ou não a acústica em consideração. Em locais com dimen- sões médias e grandes, a contratação de um profissional experiente para li- dar com a acústica é fundamental. A importância de um profissional na etapa de elaboração dos projetos é determinante, a margem de erro nes- ses casos pode custar dezenas ou até centenas de milhares de reais em cus- tos para igreja. Nenhuma igreja pode se dar ao luxo de adquirir, por exem- plo, um forro custando mais de uma centena de milhares de reais e desco- brir que aquele forro não trouxe o re- sultado esperado para a acústica do seu templo. Para igrejas pequenas va- lem algumas sugestões e dicas de como lidar com a acústica. Claro que um profissional nunca será indispen- sável, mas é aqui que vamos concen- trar nossas colaborações.

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Page 1: ÁUDIO NAS IGREJAS Áudionas igrejas - backstage.com.br · prioritário em seus projetos de igrejas. D Em nossa primeira coluna falamos sobre a importância de um bom planejamento

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ÁUDIO NAS IGREJAS

Aldo Soares trabalha há 19 anos com áudio, é

operador de PA, engenheiro projetista e educa-

dor de áudio.

[email protected]

Áudioe uma forma geral as pessoas atri-

buem à acústica de um ambiente oisolamento acústico e também o con-dicionamento da acústica internadesse ambiente. É importante frisarque são dois trabalhos distintos: oisolamento tem por objetivo impedirque os sons externos entrem no am-biente, e que os sons internos saiamdele. Já o condicionamento trata ossons dentro do ambiente e define suasonoridade.Geralmente, uma boa parte dos líde-res das igrejas brasileiras só se lembrada acústica dos seus templos quandoos problemas aparecem, ou melhor,são escutados. As construções e re-formas dos templos são executadascom o objetivo de melhorar a estéticae/ou aumento do templo. A acústicageralmente é deixada de lado. Em pri-meiro lugar por uma questão cultural,novamente questões culturais. Se-gundo, porque realmente é um assun-to para poucos, no Brasil não existeformação acadêmica em acústica.Poucas são as faculdades que ensi-nam, têm-se uma ou duas matérias,noções básicas sobre acústica (o que,diga-se de passagem, é muito pouco).Dessa forma uma boa parte dos arqui-tetos não considera a acústica algoprioritário em seus projetos de igrejas.

DEm nossa primeiracoluna falamos sobrea importância de umbom planejamentopara igreja. Hoje,dandoprosseguimento,falaremos sobre aacústica das igrejas

Áudionas igrejasAcústica

O fato é que a acústica da igreja é dei-xada de lado até o momento em que oandamento do culto é prejudicado,algo que infelizmente é comum.Quando uma igreja é construída oureformada, a acústica deve ser umadas principais preocupações da lide-rança da igreja. As palavras, prega-ções e músicas que ali serão ministra-das sofrerão total interferência daacústica do ambiente, e isso será umfato, levando-se ou não a acústica emconsideração. Em locais com dimen-sões médias e grandes, a contrataçãode um profissional experiente para li-dar com a acústica é fundamental. Aimportância de um profissional naetapa de elaboração dos projetos édeterminante, a margem de erro nes-ses casos pode custar dezenas ou atécentenas de milhares de reais em cus-tos para igreja. Nenhuma igreja podese dar ao luxo de adquirir, por exem-plo, um forro custando mais de umacentena de milhares de reais e desco-brir que aquele forro não trouxe o re-sultado esperado para a acústica doseu templo. Para igrejas pequenas va-lem algumas sugestões e dicas decomo lidar com a acústica. Claro queum profissional nunca será indispen-sável, mas é aqui que vamos concen-trar nossas colaborações.

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ÁUDIO NAS IGREJAS

Figura 1 - Imagem sem inteligibilidade Figura 2 - Imagem com inteligibilidade

CONDICIONAMENTO ACÚSTICOA sonoridade de um ambiente é o re-sultado das propriedades acústicasdas suas superfícies, dos objetos, mo-biliários e pessoas dentro do ambiente(entendem-se como superfícies todasas paredes, piso e teto). As principaispropriedades acústicas, mensuráveis,são as capacidades de absorção, refle-xão e difusão das ondas sonoras que osrevestimentos, objetos e pessoas pos-

suem. Quando um projeto acústico oude melhoramento acústico de um am-biente é desenvolvido, o centro doprojeto é a inteligibilidade, toda a fun-damentação técnica que será desen-volvida e estudada durante a elabora-ção do projeto tem como finalidade agarantia da inteligibilidade em todosos assentos e posições dentro do ambi-ente projetado.E o que seria essa inteligibilidade den-tro do ambiente? A inteligibilidade éo nome usado para definir o quantoalgo, nesse caso o áudio, pode ser com-preensível, claro, nítido e fácil de seperceber. Fazendo uma analogia com ainteligibilidade no aspecto visual, perce-ba nas figuras 1 e 2 as diferenças entre elas.

Veja que a figura 2 possui muito maisclareza e nitidez, é uma imagem muitofácil de se entender, inteligível!A inteligibilidade em um ambienteque necessite de reforço sonoro é o re-sultado de uma série de característicasacústicas e de sonorização, é o que cos-tumamos chamar de “conjunto acústi-co” em que nenhumas das caracterís-ticas podem ser ignoradas, porque oresultado estará totalmente relacio-

nado e dependente. Não adianta umaacústica perfeita com a sonorizaçãoruim, nem uma sonorização excepcio-nal sem uma acústica boa. O conjuntoaqui é fundamental!Das características acústicas que sãodeterminantes está o tempo de quedada reverberação em 60dB (RT

60), o

tempo de queda das primeiras refle-xões em -10dB (EDT) e o tempo deatraso entre o som direto e a primei-ra reflexão com maior intensidade(ITDG). Também o nível de isolamen-to acústico do ambiente pode serdeterminante, caso altere o nível deruído ambiente durante um culto,por exemplo. Das características dasonorização que são fundamentais es-

tão o conceito da sonorização, os tiposde caixas acústicas com suas característi-cas técnicas, o posicionamento das cai-xas, dentre outros, também a qualida-de dos equipamentos de sonorizaçãoe os níveis de intensidade operadosdurante o culto.O resultado desse “conjunto acústico”definirá a inteligibilidade, que poderáser avaliada por vários parâmetros téc-nicos que levam em conta as diversascaracterísticas acústicas, caracterís-ticas técnicas das caixas acústicas eos níveis de operação do sistema.Parâmetros como a porcentagem deperda da articulação das consoantes(%Al

cons), o índice de transmissão rá-

pida do discurso (RaSTI), o índice detransmissão do discurso (STI) e o índi-ce de clareza (C

80) são alguns dos

parâmetros que mensuram de uma for-ma ou de outra a inteligibilidade.A característica acústica que é funda-mental sobre a inteligibilidade é otempo de reverberação, o RT

60, se ele

for elevado será muito difícil de se ob-ter uma inteligibilidade aceitável den-tro do ambiente. Nas igrejas o quemais vemos é o técnico trabalhandocom níveis elevados de intensidadesonora para tentar compensar a faltade inteligibilidade, na maioria dos ca-sos é em detrimento do elevado nívelde reverberação. Só que a fadiga audi-tiva causada pela reverberação alta émuito grande e desgastante. A maioriadas igrejas que conheço e já visitei pos-sui um tempo de reverberação bemacima do que seria recomendado, sem-pre prejudicando a inteligibilidade. Eé nesse ponto que vamos trabalharalgumas soluções. Mas para isso é im-portante entender um pouco maissobre esse fenômeno acústico.A reverberação é um fenômeno de

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Figura 4 - Vista do palco

Em nosso caso, queusaremos um modelo

de igreja paraexemplificar nossas

soluções, vamos tentarreduzir ao máximo osníveis de reverberação

do ambiente

A absorção dos sons éfundamental para

podermos alcançar umtempo de reverberaçãoideal para o ambiente.Cada ambiente e seu

tipo de utilizaçãopossuem o seu tempoideal de reverberação

prolongamento de um som após o seufim. A reverberação é formada pelasoma das várias reflexões que ocor-rem dentro de um ambiente, resul-tando em uma sobreposição de vári-as ondas sonoras refletidas e comenergia e tempo bem próximos, o

que por conseqüência formam umamassa sonora. O físico norte america-no Wallace Clement Ware Sabine,fundador dos estudos da arquiteturaacústica, propôs a lei de Sabin (1898),a reverberação multiplicada pela ab-sorção é proporcional ao volume doambiente. A primeira construçãoprojetada e construída com osprincípios propostos foi o BostonSymphony Hall (1900).A absorção dos sons é fundamen-tal para podermos alcançar umtempo de reverberação ideal para oambiente. Cada ambiente e seu tipode utilização possuem o seu tempoideal de reverberação. Por exemplo,uma sala de concertos, um cinema euma igreja com o mesmo volumedeverão ter tempos de reverberaçãodiferentes.Para projetarmos o tempo de rever-beração dentro de um ambiente uti-lizamos algumas fórmulas matemá-ticas que, a partir da proposta de

Sabine (RT60

= 0,161 x V / S x a, sen-do V o volume do ambiente, S a su-perfície e a o coeficiente de absor-ção da superfície), foram sendoaperfeiçoadas por Eyring, Fitzroy,Millington-Sette, Arau, Tohyama etambém pela norma européia prEN-12354 dentre outros, para serem uti-lizadas em situações e ambientesdiferentes. Em nosso caso, queusaremos um modelo de igreja paraexemplificar nossas soluções, vamostentar reduzir ao máximo os níveisde reverberação do ambiente, comsoluções fáceis de serem executadase o mais importante, com os custosbem acessíveis.

MODELONossa igreja modelo terá 18 metrosde comprimento por 11 metros delargura, com 4,5 metros de altura.Terá um palco que se estenderá por3,5 metros da parede do fundo portoda a largura, com 60 centímetrosde altura. Uma igreja pequena, certo?Os materiais de revestimento e aca-bamento serão praticamente o “pa-drão” das pequenas igrejas, paredesno reboco, massa e tinta, piso de gra-

nito, forro de gesso comum, bancosde madeira e sem revestimento, pal-co de madeira, portas de madeira, ja-nelas de ferro e vidro. Terá capacida-de para 135 pessoas sentadas e, porenquanto, nenhuma decoração.Fiz o projeto em cad, como pode servisto nas figuras a seguir. As janelas eportas ficaram vazadas só para facili-tar a visualização. No ambiente tam-bém foi instalada uma caixa acústi-ca para que pudéssemos realizar assimulações acústicas. As caixas es-tão posicionadas nas laterais, comose estivessem sobre suportes, a 1,8do piso, com uma leve inclinaçãopara baixo, -4º.

Simulamos, com todos esses dados,como ficariam a inteligibilidade, aintensidade, a cobertura e tambémreverberação, com os tempos calcu-lados com as fórmulas de Sabine,

Figura 3 - Igreja modelo 18m x 11m x 4,5m

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e-mail para esta coluna:

[email protected]

Figura 5 - Vista da entrada Figura 6 - Vista de fora Figura 7 - Vista Lateral do palco

Figura 8 - Vista frontal do palco

Figura 12 - Caixas acústicas no ambiente

Figura 11 - Tempo de reverberação (RT60

)

Figura 10 - Níveis de intensidade sonora e

cobertura das caixas acústicas no ambiente. (dB)

Figura 9 (%Alcons

) - 0% a 7% Muito bom, 7% a 11%

bom, 11 a 15% justo, 15% a 18% pobre e acima de18% inaceitável.

Eyring e Fitzroy. Perceba nas figurasque a inteligibilidade diminui deforma acentuada em poucos metros.Também a intensidade próxima dacaixa está mais de 10 decibéis acimado que no fundo da igreja. O interes-sante é que geralmente os técnicos,pela clara necessidade, aumentamconsideravelmente o som para poderaumentar a pressão dos sons no fun-do da igreja, o que por conseqüênciapenaliza as pessoas que sentam pró-ximas às caixas acústicas.No próximo mês vamos construir osnossos absorvedores, vamos de -monstrar como diminuir bem osníveis de reverberação e tambémcomeçar a falar sobre a sonorizaçãodo ambiente, que no fim, ficarábem mais uniforme, sem sacrificarninguém que senta mais próximoàs caixas acústicas. Também esperoas suas contribuições sobre os ou-tros detalhes da nossa igreja mode-lo, exemplo, qual a formação dabanda para a igreja?

DICA DO MÊSQuero também aproveitar, sempreque possível, e passar algumas dicasrápidas sobre o dia-a-dia do técnicoda igreja. Hoje será sobre mixagem,adiantando temas futuros.Se você trabalha em uma igreja emque os níveis de intensidade dos sons

são rigorosamente controlados e bai-xos, comece a mixagem pela voz prin-cipal, a voz do ministro do louvor. Avoz dele sempre deverá estar em pri-meiro plano. Depois comece a traba-lhar os outros planos musicais com osinstrumentos de base e solo, sempre

encaixando abaixo da voz do minis-tro. Normalmente não fazemos as-sim, mas, no seu caso, se deixar a vozpor último o volume já estará lá em

cima e aí você sempre terá problemasde chamar a mixagem para baixo oude encaixar a voz em primeiro plano.Também tenha cuidado com os backs,

sei que na maioria das igrejas osbacks cantam em uníssimo, o quecomplica muito a mixagem porqueas vozes dos backs se misturam comas vozes da igreja, embolando todo omeio de campo.