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Atlas Biblico

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Page 1: Atlas da bíblia     annemarie ohler;  tom menzel

Annemarie Ohler & Tom Menzel

ATLAS DABIBLIAI

Textos detalhados, tabelas cronológicas, mapas e gráficos sobre os livros da Bíblia

hagnos

Page 2: Atlas da bíblia     annemarie ohler;  tom menzel

DTV - A tla s B ib le b y A n n e m a rie O h le r © 2 0 0 4 b y DEUTSCHER TASCHENBUCH VERLAG G m b H & Co. KG , M ünchen.A p u b lic a ç ã o des te liv ro fo i a c o rd a d a em to d o s os te rm os a tra v é s d a a g ê n c ia l i te rá r ia U te K õ rne r L ite ra ry A g e n t, S. L., B a rce lona - w w w .u k lita g .co m .C o p y rig h t d e s ta t ra d u ç ã o © 201 3 p o r E d ito ra H agnos Ltda

T raduçã o

Celiz Elaine Sayão

Revisão

Doris Kõrber Alexandros M eim arides

C a p a

Maquinaria Studio

D ia g ra m a ç ã o

Ca tia Soder i

I a ed ição - julho de 2 0 1 3

E d ito r

Juan Carlos M artinez

C onsu lto r a ca d ê m ico

Luiz Sayão

C o o rd e n a d o r d e p ro d u ç ã o

M auro W . Terrengui

Im pressão e a c a b a m e n to

Imprensa da Fé

Todos os d ire ito s des ta e d iç ã o re se rvados p a ra :

E d ito ra H agnos

Av. Jac in to Jú lio , 2 7

0 4 8 1 5 - 1 6 0 - S ão Paulo - SP - Tel. (1 1) 5 6 6 8 -5 6 6 8

h a g n o s@ h a g n o s .co m .b r - w w w .hagn os .com .b r

D a d o s In te rn a c io n a is d e C a ta lo g a ç ã o na P u b lic a ç ã o (CIP)

(C â m a ra B ra s ile ira d o L iv ro , SP, B ra s il)

A tla s d a B íb lia / [o rg a n iz a d o ra ] A n n e m a rie O h le r ; ilu s tra ç ã o Tom M e n ze l & J a n -M a rt in L õ h ndo rf; [ tra d u ç ã o C e liz E la ine S a y ã o ] . — S ão Paulo : H agnos, 201 3.

Título o r ig in a l: D T V -A tlas B ibe l.ISBN 9 7 8 -8 5 -7 7 4 2 -1 2 0 - 6

1. B íb lia - A tla s I. O h le r, A n n e m a rie . II. M e n ze l, Tom. III. Lõhndorf, Ja n -M a rtin .

1 3 -0 4 7 5 4 C D D -2 2 0 .9 0 2 2 3

Ind ice p a ra c a tá lo g o sis tem ático :

1. B íb l ia : A tla s 2 2 0 .9 0 2 2 3

Digitalizado por Jogois2006 eEditado por Emanunece Digital

Page 3: Atlas da bíblia     annemarie ohler;  tom menzel

Sumário

A BÍBLIA / INTRODUÇÃO 8Escritos sagrados...........................................................................................8História da origem da Bíblia...................................................................... 12Domínio estrangeiro em terras bíblicas................................................. 16Línguas da Bíblia..........................................................................................20

O ANTIGO TESTAMENTO / INTRODUÇÃO 24Antigo Testamento e história...................................................................... 24Antigo Testamento e a história das religiões........................................... 28Antigo Testamento e a literatura do antigo Oriente..................................32

• Atradição textual do AntigoTestamento.................................................... 36• A ordem dos livros do Antigo Testamento................................................40

O PENTATEUCO 44• Estrutura e contexto.....................................................................................44

Hipóteses quanto às origens.................................................................... 48A Pré-História (Gênesis 1-11) ................................................................. 52

• Fé da criação (Gênesis 1 e 2) ................................................................. 56• A proto-história de Israel (Gênesis 12-50) ...........................................60• Pano de fundo histórico de Gênesis 12-50...................... .................... 64• Os ciclos narrativos de Abraão e Jacó ..................................................68

Pontes entre as tradições dos patriarcas e do Êxodo ................. 72A saída do Egito (Êxodo) ......................................................................... 76O caminho para o Sinai (Êxodo 1-19)........................................................ 80Israel no Sinai (Êxodo 19 - Números 10 )............................................... 84Os compêndios legais...............................................................................88Israel no caminho para sua terra (Livro de Números) ......................92O Deuteronômio ...................................................................................... 96

A OBRA HISTÓRICA DEUTERONOMISTA 100• Sua estrutura................................................................................................ 100

O livro de Josué..........................................................................................104

Page 4: Atlas da bíblia     annemarie ohler;  tom menzel

O livro de Juizes...................................................................................... 108Os primórdios da história de Israel...................................................... 112Os dois livros de Samuel.........................................................................116Saul e Davi .............................................................................................. 120

• Salomão (1 Reis 3-11)...................................................................................124Israel ejudá (IReis 12 - 2Reis 17)............................................................128Reformas no reino de Judá (2Reis 18-25) ....................................... 132Israel, Judá e os demais países .................................................... 136Interpretação profética da história ................................................... 140

OS PROFETAS 144Profetas no Antigo Oriente ................................................................... 144Profetas nos séculos X e IX a.C............................................................. 148

• Elias e Eliseu ........................................................................................... 152• Amós e Oseias, profetas em Israel no século VIII a.C....................... 156• Isaías e Miqueias, profetas em Judá no século VIII a.C.....................160

Profetas no século VII a.C...................................................................... 164Jeremias e Ezequiel, profetas durante a queda de Jerusalém .. 168Os livros proféticos ............................................................................... 172Deuteroisaías profeta na Babilônia ................................................ 176Profetas do Período Persa I ...................................................................... 180

• Profetas do Período Persa I I ................................................................. 184

LITERATURA APOCALÍPTICA 188Textos apocalípticos nos livros dos profetas ............... .................. 188O livro de Daniel .................................................................................... 192Textos apocalípticos entre o AT e o NT ........................................ 196

OS SALMOS 200Poemas no Antigo Testamento ............................................................. 200Formas de discurso nos salm os.............................................................204As coleções de salmos em saltérios................................................... 208Formas de interpretações dos salmos ............................................ 212

A LITERATURA SAPIENCIAL 216• Surgimento e lugares de origem ..........................................................216

O livro de Provérbios .......................................................................... 220O livro de Jó ........................................................................................... 224

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O livro de Eclesisates............................................................................... 228O Cântico dos Cânticos.............................................................................232O livro Eclesiástico ou de Jesus Siraque..............................................236O livro da Sabedoria ...............................................................................240

A LITERATURA NARRATIVA POSTERIOR 244A obra histórica das Crônicas ........................................................ 244O livro de Esdras e Neemias ............................................................ 248Os livros de Rute, Jonas, Ester ....................................................... 252Os livros de Tobias e Judite .............................................................. 256

• O primeiro e segundo livro de Macabeus ................................... 260

A ÉPOCA DO SEGUNDO TEMPLO 264Judá, província fronteiriça de sucessivos grandes impérios ... 264

• Conseqüências da crise dos macabeus ........................................... 268Os judeus no império Romano ............................................................. 272Literatura do judaísmo primitivo ....................................................... 276A Biblioteca de Qumran .........................................................................280

O NOVO TESTAMENTO / INTRODUÇÃO 284História política no período neotestamentário ................................. 284Jesus de Nazaré: questões históricas ..................................................288A igreja primitiva .....................................................................................292Cristãos judeus e cristão gentios ................................................ 296Escritos neotestamentários ............................................................... 300História dos textos do Novo Testamento ...........................................304

OS EVANGELHOS / INTRODUÇÃO 308O gênero literário “evangelho” ...................................................... 308A tradição dos sinóticos ................................................................... 312Discursos de Jesus ................................................................................. 316Feitos de Jesus ....................................................................................... 320A Paixão I ............................................................................................. 324A Paixão I I ...................................................................................................328Relatos da Ressurreição ......................................................................... 332

OS EVANGELHOS SINÓTICOS 336• A fonte O ......................................................................................................336

Page 6: Atlas da bíblia     annemarie ohler;  tom menzel

• O evangelho de Marcos ........................................................................340O evangelho de Mateus ...................................................................... 344

• A obra dupla de Lucas..........................................................................348O evangelho de Lucas ..........................................................................352

OS ATOS DOS APÓSTOLOS 356O livro de Atos ..................................................................................... 356

TEXTOS JOANINOS 360O evangelho de João ........................................................................... 360O evangelho e as epístolas de João.......................................................364

• A cristologia de João I ............................................................................368• A cristologia de João II .........................................................................372

PAULO / INTRODUÇÃO 376• O chamado de Paulo.................................................................................376

A missão de Paulo I .............................................................................. 380A missão de Paulo I I .............................................................................. 384Viagens em favor da fé ......................................................................... 388

AS CARTAS DE PAULO 392Aos Tessalonicenses ................................................................................ 392Aos Coríntios..............................................................................................396Aos Filipenses; aos Gálatas .............................................................. 400Aos Romanos I ........................................................................................ 404

• Aos Romanos II ....................................................................................... 408

REPERCUSSÃO DAS CARTAS DE PAULO 412A segunda carta aos Tessalonicenses como início da compreensão paulina............................................................................... 412Carta aos Colossenses e aos Efésios .................................................416As cartas pastorais.................................................................................... 420

TEXTOS DOUTRINÁRIOS TARDIOS DO NOVO TESTAMENTO 424A carta aos Hebreus................................................................................. 424As cartas gerais ........................................................................................ 428

Page 7: Atlas da bíblia     annemarie ohler;  tom menzel

O LIVRO PROFÉTICO DO NT 432• Apocalipse de João .................................................................................... 432

O CÂNON BÍBLICO 436O cânon da Bíblia hebraica ............................................................... 436O “Antigo Testamento” dos cristãos ................................................ 440

• O cânon do Novo Testamento ................................................................444

INTERPRETAÇÃO BÍBLICA 448• Questões fundamentais ................................................................ 448

Interpretação bíblica cristã na Antiguidade e na Idade Média . 452Interpretação bíblica judaica na Antiguidade e na Idade Média . 456Interpretação bíblica na Modernidade I ............................................460Interpretação bíblica na Modernidade II ..........................................463

CRONOLOGIA 467

BIBLIOGRAFIA 472

d

N o t a ^ ê ^A historicidade e autenticidade dos relatos bíblicos têm sido alvo de estudos

minuciosos ao longo dos tempos (e têm gerado não poucas controvérsias) que muito além de terem como objetivo desacreditar a Bíblia, no sentido teológico, se concentram em pesquisas e estudos relacionados com os relatos bíblicos.

Neste sentido, a Editora Hagnos traz para o público outro excelente livro de referência - o Atlas da Bíblia que visa contribuir com o aperfeiçoamento do pensar cristão, inclusive abordando também assuntos considerados polêmicos entre os cristãos, a fim de que os mesmos possam ter subsídios suficientes para defender sua fé com argumentos inteligentes e tecidos por meio de um estudo sério dos relatos bíblicos, baseados em pesquisas que comprovam a veracidade dos relatos encontrados na Bíblia.

Assim o convidamos a ler com discernimento o Atlas da Bíblia que apresenta conhecimento e erudição relevantes sobre a Bíblia, apresentados de maneira clara, bem pesquisada e concisa, com ilustrações detalhadas, cronogramas e uma extensa e bem organizada bibliografia.

...examinando diariamente as Escrituras, para ver se as coisas eram de fato assim. (At 17.11 - Almeida século 21)

Os editores

Page 8: Atlas da bíblia     annemarie ohler;  tom menzel

A Bíblia / Introdução❖ Escritos s a g r a d o s 1

Características de escritos sagrados

Religiões distantes umas das outras têm noções semelhantes do que sejam escritos sagrados. Isso fica especialmente evidente quando se faz uma comparação dos Vedas com a Bíblia.

Os Vedas são textos arcaicos das religiões hinduístas, cujas partes mais antigas datam do segundo milênio antes de Cristo. São venerados como0 “conhecimento eterno” (do sânscrito: veda) descoberto por videntes de tempos antigos e protegido por sacerdotes. A noção de que a Bíblia é a “palavra de Deus” é semelhante. Entretanto, de acordo com a narrativa bíblica, a humanidade recebeu essa palavra no decorrer de um período histórico muito longo. É por isso que, na Bíblia, não somente o “eterno” é significativo; experiências históricas específicas guardam um peso próprio no texto bíblico.

Na verdade, até hoje os Vedas devem ser apenas ouvidos, decorados e memorizados unicamente por brâmanes especialmente treinados. Já a maneira adequada de ter um encontro com a Bíblia é a ministração pública. Nela, a Escritura Sagrada é lida em voz alta, para que a “palavra de Deus” seja ouvida e se torne novamente atual.

Antes dos Vedas em si, surgiram regras destinadas a protegê-los contra modifica­ções; já havia registros sobre a métrica e a retórica, além de regras gramaticais, fonéticas e etimológicas do sânscrito (desde o século V a.C.). A memorização do texto original da Bíblia, que deveria ser rigorosamente

1 [NR] Para facilitar a compreensão, é preciso estabelecer a diferença entre "escritos/ Escrituras Sagradas" (no plural, referindo-se de forma genérica a qualquer tipo de texto sagrado) e "Escritura Sagrada" (singular, que se refere especificamente à Bíblia).

• São fru to de revelação, e não de reflexão.

• Eles se tornam vivos na pa lavra ouvida.

• São textos transmitidos com fide lidad e .

• São mantidos separados de outros textos.

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u Surgemtextos ■

Sãoreunidos CTornam-se rcentro de 1umare lig ião

rSão

1500a.C.

1000a.C.

canonizados

São

■ im portantes po r suas palavras

São ■ citados,

A Palavra de Deus se torna acontecimento te rreno

Testemunhos disso são...

... p a ra Israel e os povos

... a través de Cristo... na lei

... escritos de seus discípulos

£19por cristãos

... na história

Lidos e ouvidos no culto a Deus como Palavra

de Deus

B A Bíblia: Escritura S a gra da e testemunho de acontecimentos históricos

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observada, tornou-se um fator estabilizador e, frequentemente, também reformador na história das religiões bíblicas.

Desde cedo, alguns textos dos Vedas foram parafraseados de forma poética em versos de hinos ou poemas épicos sobre os deuses, mas também questionados. Desde o século V a.C., fazia-se distinção entre esses textos e os Vedas: os Vedas são considerados “ouvidos”, isto é, não feitos por pessoas; outros textos sagrados eram “lembrados”, isto é, cunhados pelo pensamento humano. Eles podiam ser remodelados e citados no dia a dia. O texto da Bíblia também não pode mais ser modi­ficado. Desde o século 2, empreenderam-se esforços para fixar um texto unificado, além de estabelecer o “cânon” de livros bíblicos, separando-os de outros escritos religiosos. Todavia, diferentemente dos Vedas, a Bíblia deveria estar disponível a qualquer pessoa; por isso, desde o começo ela passou a ser escrita e também traduzida.

Peculiaridades da Bíblia

Dois eventos são decisivos:1. Depois da ruína de seu país em 587 a.C. os judeus deportados

passaram a depender quase que exclusivamente da tradição oral e escrita para definir sua identidade. Com textos cuidadosamente colecionados e adaptados à nova realidade, essa tradição era, para os judeus dispersos, as marcas mais importantes da sua união.

2. Com a destruição de Jerusalém no ano 70, os judeus perderam, pela segunda vez, o lugar que era o ponto representativo e referencial do povo. A partir de então, os escritos sagrados, incluindo novas interpretações, passaram a ser o único centro e torá (“instrução”) da vida judaica.

A apresentação da Bíblia como palavra de Deus se fundamenta em duas afirmações da Escritura Sagrada de Israel:

1. Os profetas falam em nome de Deus;2. As ordenanças de Israel são conside­

radas lei dada por Deus no Sinai. Por isso, o NT frequentemente se refere à Escritura Sagrada de Israel como “a lei e os profetas”.

• Literatura nacional se torna Escritura S agrada .

• Trata-se de uma revelação em várias partes.

Page 11: Atlas da bíblia     annemarie ohler;  tom menzel

Os cristãos primitivos compartilhavam as escrituras sagradas com os judeus. No século 2, adicionaram a elas o Novo Testamento, uma coleção de seus próprios escritos. Ele testemunha de um entendimento ampliado da revelação: em Jesus Cristo, a “palavra de Deus” entrou definitivamente na história. A parte de sua Bíblia procedente do judaísmo tornou-se o “antigo testamento” ou o “primeiro testamento” (2C0 3.14; Hb 9.15).

Por duas vezes, já na Antiguidade, houve homens que, tendo a Bíblia como exemplo, fundaram religiões ao redor de um livro:

No século III, Mani chegou à conclusão de que deveria purificar os ensinos de seus predecessores (Jesus, Buda, Zaratustra) e preservá- -los contra novas falsificações por meio de registros escritos. Esses livros, muito traduzidos, trouxeram sucesso missionário ao mani- queísmo (em aramaico: Mani chaija, “Mani vivo”), da Espanha à China. Hoje, restam apenas fragmentos desses textos.

No século VII, Maomé considerou-se o último dos profetas depois de Moisés e Jesus; ele anunciou o Corão como sendo a reprodução literal de um original celeste que lhe fora permitido escutar. Por isso, somente o Corão em árabe é considerado escrito sagrado. Para o islamismo, religião e livro são inseparáveis; eles só reconhe­cem como legítimas outras religiões que também sejam “possui­doras da escritura”, principalmente o judaísmo e o cristianismo.

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❖ H is tó r ia da o r ig e m d a B íb l ia

Pré-história

Os vestígios mais antigos de Israel são aldeias do século XIII a.C. na região montanhosa da Palestina.

Associações de clãs tinham colonizado novas regiões, e por isso nomes de lugares e de tribos podem, por vezes, ser intercambiáveis na Bíblia, como, p.ex., Belém e Efrata. Também alguns conceitos bíblicos comprovam que os laços entre clãs permaneciam muito significativos. Algumas imagens bíblicas, p.ex., apresentam Deus como o “parente” forte, cujo dever é ajudar.

As tribos se formaram a partir de grupos de refugiados que se uniam contra outros grupos que buscavam novas terras. No começo, essas uniões eram temporárias e emergenciais, formando uma comunidade que se chamou “povo de Javé” (mais precisamente “parentela de Javé”) e “Israel”.

No século X a.C., incursões dos filisteus forçaram as tribos a se orga­nizarem de forma mais permanente, reconhecendo a autoridade de um rei. Somente então Israel passou a ter contato com a cultura do antigo oriente, que já possuía escrita. Funcionários públicos e sacerdotes tornaram-se portadores das tradições escritas.

Os profetas defenderam o ideal da “parentela de Javé” contra o Estado. As compilações escritas de suas palavras só apareceram a partir do momento em que já era possível prever o fim de Israel como nação.

A origem das compilações

O declínio dos reinos de Israel e Judá (respectivamente em 722 e 587 a.C.) impulsionou o registro escrito das tradições orais e a sua compila­ção. Os escritos desse povo, que desde então passou a viver disperso, se tornaram sua pátria espiritual.

Provavelmente as tradições de Israel teriam se perdido de qualquer forma, não tivessem os persas conquistado um grande império no qual povos pequenos, como era o caso de Israel, podiam viver segundo suas próprias leis. Em 515 a.C., o templo de Jerusalém foi reconstruído. Os escritos sagrados dos judeus passaram a ser reunidos e guardados aqui.

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Século XII Novascolôniasnasmontanhas

1000 Fundação

72 2 Q ueda do reino de Israel

58 7 Q ueda do reino de Judá

Famílias

► Clãs, _ lugares

TribosSacerdotes

O ra l

I Escrita

O rigem das tradições:

Profetas

Templos~>> Funcionários

IIn terrupção da trad içã o ora l

A Pré-história da Bíblia no Israel antigo.

Escolas na515 Consagraçãodo segundotemplo

398 Exposição *d a le i emJerusalém

250 Florescimentoda d iásporagrega

168 Rebelião dosa .C macabeus e

asmoneus

7 0 Destruiçãod.C. do tem plo

M ate ru

oferecem

ria l pa ra

fundamentos pa ra a construção

Templo em Jerusalém Locais de

origem das compilações de textos bíblicos

Fariseus G ruposMessiânicos

—ilEssêniosQumran

rDecadência das instituições judaicas

Diáspora g rega

-

Saduceus

Septua-ginta

B História das compilações de textos bíblicos

desde Revoltas4a.C. de judeus —

30 Crucificação i -d .C de Jesus ,

45 Viagens de /d.C. Paulo

7 0 Destruição /d.C. do Templo /

Revoltas de1 15 judeus ee decadência135 das instituiçõesd.C. judaicas

Escolas Fariseusna

Babilônia

messiânicos

Cristãos- — judeus ~ I

Septua-g in ta

gentios

Locais de origem das tradições bíblicas

judaicas ecristãs ■ !

C O dup lo caminho da história da origem da Bíblia

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Origem do cânon

Em 398 a.C., o sacerdote Esdras, encarregado pelos persas, levou para Jerusalém um escrito proveniente das escolas judaicas na Babilônia e pro- mulgou-o lá como sendo a “lei” dada por Deus a Israel. A narração deste acontecimento (Neemias 8) é a narrativa da formação do judaísmo; ela explica por que a escritura sagrada é, para o povo judeu, a torá, “instrução de vida".

Logo se manifestaram opiniões divergentes sobre quais livros per­tenciam à Escritura Sagrada. A versão mais extensa é a tradução grega, produzida no Egito a partir do século III a.C.

Seu nome, Septuaginta (latim: “setenta”), se explica por uma tradição: 72 tradutores chegaram à mesma redação, independentemente uns dos outros. Isso teria sido visto como um sinal de que a tradução tinha sido inspirada por Deus.

O cânon hebraico dos livros bíblicos, aceito definitivamente até hoje pelo judaísmo, se formou em judá. No começo, eram os sacerdotes do templo que cuidavam das escrituras sagradas. No entanto, quando a família real dos asmoneus reivindicou para si o sumo sacerdócio (152 a.C.), o que atentava contra as leis bíblicas, os essênios e os fariseus se separaram do partido dos sacerdotes do templo, os saduceus, alegando que seriam mais capazes do que estes para cuidar dos textos sagrados. Historicamente, impõe-se a doutrina dos fariseus de que todos os judeus deveriam viver de forma sacerdotal, por terem sido chamados a guardar a Escritura.

Formação de um cânon duplo

No ano 63 a.C., os romanos ocuparam judá. Levantou-se uma rebelião contra eles da parte de grupos messiânicos cujo entendimento das escri­turas sagradas os levava a esperar por um novo rei de Judá: o Messias. Roma pensava que a destruição do foco central do povo judeu - Jerusalém e o templo - levaria à aniquilação definitiva deste povo (ano 70).

As várias correntes judaicas realmente desapareceram; mas o judaísmo sobreviveu na forma ensinada pelos fariseus, segundo a qual o centro da vida judaica está nas escrituras sagradas e nas ordenanças por elas ensinadas. A interpretação farisaica das escrituras foi propagada pelos rabinos (hebraico: “mestre”). No século III, eles estabeleceram definiti­vamente a abrangência e a estrutura da Bíblia judaica.

Page 15: Atlas da bíblia     annemarie ohler;  tom menzel

O grupo dos discípulos de Jesus, ao qual pertenciam representan­tes de várias correntes judaicas, entrementes dera origem a comunidades cristãs, inicialmente dentro do judaísmo. Porém, já no fim do primeiro século o cristianismo judaico havia perdido sua relevância; cristãos gentios, que falavam grego, determinaram o desenvolvimento posterior da igreja. Por isso, os conceitos dos cristãos de língua grega a respeito da abrangência e da estrutura da Bíblia permaneceram vivos no cristianismo. No século II, formou-se uma coletânea de escritos cristãos seguindo esse modelo da Escritura Sagrada herdada do judaísmo; ela tornou-se a segunda parte da Bíblia cristã, conhecida como “Novo Testamento”. A primeira parte desta Bíblia se compõe dos escritos sagrados judaicos, conservados integralmente pelo cristianismo na forma do “Antigo Testamento”, ainda que algumas das regras lá apresentadas não sejam praticadas pelos cristãos.

É tarefa da exegese bíblica cristã explicar como também esses textos são Palavra de Deus para os cristãos.

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❖ Do m ín io estr an g eir o e m terras bíb lic as

Com a passagem pela Palestina, a Ásia se abre para a África. Na Antiguidade, povos, culturas e religiões se misturaram aqui princi­palmente devido à influência de impérios estrangeiros nessa área. Isso influenciou de maneira decisiva a história de Israel, do judaísmo primitivo e, com isso, também a história da formação da Bíblia. Na verdade, o território onde a Bíblia se originou ficava numa região mon­tanhosa mais remota, mas quando o Estado de Israel, ainda em seus primórdios, se estabeleceu ali no século XIII a.C., havia também ali cidades onde prevalecia a cultura mista de origem egípcia, principal­mente em Jerusalém, que, quando conquistada por Davi (no ano 1000 a.C.), já contava mais de 800 anos de existência.

A partir do século XX a.C., o Egito, assegurou para si rotas comerciais que passavam pela Palestina; a partir do século XV a.C., também passou a empreender expedições militares contra invasores que vinham do norte, como os hititas. A última intervenção do Egito na Palestina foi o estabe­lecimento dos filisteus na planície costeira no século XIII, quando estes buscavam territórios na costa do Mediterrâneo.

Os reis nativos consideraram bem-vinda a proteção egípcia; mas, para os agricultores livres de Israel, o “Egito” era o protótipo do poder estatal escravizador. No entanto, quando as instituições estatais se formaram em Israel a partir do século X a.C., eles acabaram se baseando no Egito. Era inevitável que houvesse resistência, mas essa apenas gerou a formação de um segundo estado paralelo ao reino de Judá, que reivin­dicou para si o nome de Israel. Durante muito tempo, o Egito continuou a ser uma potência protetora para as pequenas cidades da Palestina; no início do século VI a.C., p.ex., os reis de Judá buscaram ajuda egípcia contra os ataques assírios e babilônios. No tema bíblico da “fuga para Egito” aparece a noção de Egito como um estado de direito que protege os ameaçados.

Por meio de uma política expansionista agressiva, a Assíria conquistou hegemonia no Oriente Próximo. Com altos impostos e deportações sis­temáticas, eliminou os fundamentos de existência dos povos subjugados. Em 841 a.C., Israel pagou tributos pela primeira vez; em 722 a população foi deportada; o território tornou-se província assíria; povos deportados de outras regiões foram estabelecidos ali. Judá ainda persistiu durante

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A Palestina na zona de influência

B Israel e Judá conquistados pe la Assíria e pe la Babilônia

C Judá, província pe rifé rica do

D Judá, possessão d isputada pelos reinos helenísticos

E Judeia, re g iã o de passagem de exércitos romanos

Desde séc XX a .C

Egito

Desde séc XIII

Israel

9 3 0

Judá

7 2 2Assíria

58 7

53 9Babilônia

330

63a .C

Ptolomeus

Selêucidas

135d .C

Romanos

Dispersão de Judá

F Linha cronológica

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mais de 100 anos, na maior parte do tempo como estado vassalo pagador de tributos. Em 587 a.C., perdeu a liberdade política para a Babilônia que, após um longo processo, venceu a Assíria, mas deu continuidade à sua política. Diferentemente de outros povos cuja existência como nação foi aniquilada, Israel não desapareceu da História. Isso se deveu princi­palmente à elite da população - profetas, sacerdotes, mestres - que atri­buíram uma interpretação religiosa à catástrofe política, e também aos persas, que devolveram muitas liberdades aos povos de seu império.

Poucas décadas depois da queda de Judá, os persas conquistaram o grande, mas decadente, império babilônico. Eles permitiram a volta dos judeus para sua terra natal, a reconstrução do templo de Jerusalém e, finalmente, uma administração autônoma da província de Judá, exercida pelos sacerdotes e anciãos, baseada nas leis bíblicas.

O domínio helenístico começou depois de Alexandre o Grande destruir o império persa (a partir de 330 a.C.). Na divisão da herança de Alexandre, a Palestina foi entregue a ptolomeus, que moravam no Egito. Para os judeus, foi difícil suportar o fato de serem obrigados a pagar caro aos novos dominadores pelo direito de morar na sua terra, uma vez a con­sideravam como a “herança” que Deus dera a Israel. Além disso, esses impostos eram financiados por nativos ricos e depois recolhidos com dureza, muitas vezes com o auxílio de forças militares.

Mas esse conflito só explodiu quando os selêucidas, que tinham recebido a Ásia, se apoderaram da Palestina (198 a.C.). A intervenção destes nas ordenanças religiosas e principalmente o apoio dado a eles pela aristocracia sacerdotal judaica foram o estopim de uma revolta, em 168 a.C., surpreendentemente bem sucedida. A Judeia estava livre.

No entanto, a família judia dos asmoneus, que tinha iniciado a revolta, exercia o poder de maneira não muito diferente dos dominado­res helenistas, que eles haviam expulsado. O fim da liberdade em Judá veio quando os asmoneus pediram a Roma que arbitrasse na disputa pelo trono. Roma tomou o poder para si.

O maior interesse de Roma no controle de Judá estava relacionado à defesa contra os partos (persas) do que à terra propriamente dita. Como Roma não conseguiu impor seu domínio com ajuda de uma elite de governo judaica que fosse reconhecida pela maioria dos judeus, o país não chegou a uma estabilidade. Nem mesmo a destruição de Jerusalém (ano 70) foi capaz de quebrar a resistência dos judeus. Por isso, depois de

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sufocar novas rebeliões no ano 135, os romanos exterminaram também os nomes de Jerusalém e Judá. Chamaram a colônia romana levantada sobre as ruínas de Jerusalém de Aelia Capitolina, como o santuário de Júpiter no Capitólio. Judá passou a ser chamada de Palestina, uma referência aos filisteus, os piores inimigos de Israel nos tempos antigos.

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❖ Lín g u a s d a B íb l ia

Devido às línguas usadas em seus textos - hebraico, aramaico, grego - a Bíblia se insere em um espaço cultural bastante abrangente.

O hebraico veterotestamentário apresenta-se bem homogêneo, apesar do longo período de formação do AT. Isso se explica principal­mente pelo fato de o hebraico ser uma língua bastante estável, uma vez que o significado básico das palavras está quase sempre alicerçado em três consoantes. Além disso, até a Idade Média os textos bíblicos eram escritos apenas com consonantes.

Por isto, um texto hebraico do século XI a.C., encontrado em esca­vações, é relativamente fácil de compreender a partir do hebraico bíblico.

Como as vogais não eram escritas e a pronúncia das consonantes era variável, não se sabe como era pronunciado o hebraico bíblico:

Segundo Juizes 12.26, no antigo Israel na pronúncia do som sh indicava a tribo de origem de uma pessoa.

No grego da Septuaginta, os nomes estão transliterados de maneira diferente do hebraico moderno. Por exemplo, “Noach” soava, naquele tempo, como “Noé”.

As línguas de povos vizinhos a Israel eram tão próximas ao hebraico bíblico como dialetos:

• A língua moabita é conhecida a partir de “Esteia de Mesha de Moabe, do séc. IX”,

As línguas edomita e amonita são conhecidas a partir de óstracos (pedaços de cerâmica com inscrições) dos séculos IX a VI.

No antigo Israel, estes parentescos lingüísticos eram bem conhecidos. Em Isaías 19.18, p.ex., a língua de Israel é chamada “língua de Canaã”. Ela só passou a ser chamada de “hebraico” no fim do século II a.C.

O cananeu é uma língua semítica ocidental como o hebraico, o moabita ou o edomita. Na Antiguidade, os gregos a chamavam defenício, e em Roma, onde era conhecida por causa de Cartago, era chamada de púnico. O dialeto cananeu falado posteriormente na terra de Israel é conhecido a partir de palavras isoladas encontradas em cartas dos pequenos reis cananeus ao faraó, escritas na língua diplomática da época, o babilônio.

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Tobias, Judite,I Dt 2 .4-7.28 Macabeus, Sabedoria,

1 Ed 4 .8 -6 .12 1 Eclesiástico, Baruque

Antigo TestamentoM l

[ aram aico H

G rego

Novo Testamento

A Línguas da Bíblia

LínguasIndo-europeias

helenísticos: g rego

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Com a língua, Israel herdou também maneiras de pensar e expressar- -se dos cananeus. A dimensão dessa herança é demonstrada em textos achados na cidade de Ugarit, no norte de Canaã. Não poucas expressões e figuras de linguagem da poesia bíblica já aparecem em hinos e poemas épicos ugaríticos.

As línguas assírio-babilônicas são línguas semíticas orientais. Na época do domínio da Assíria e da Babilônia, os funcionários governamen­tais de Israel tinham que lidar tão intensivamente com essas línguas que os hábitos lingüísticos das línguas semítico-orientais acabaram pene­trando na literatura bíblica, principalmente no livro de Deuteronômio.

Na Bíblia, o aramaico, uma das línguas semíticas ocidentais aparen­tada com o hebraico, aparece em partes do livro de Esdras e Daniel assim como em expressões isoladas no Novo Testamento. Enquanto o hebraico se manteve como língua de um pequeno povo, o aramaico era interna­cionalmente conhecido durante vários séculos. Os primeiros a contribuir para isso foram os assírios. Para eles, era mais fácil comunicar-se com os povos miscigenados pelas deportações usando o aramaico, com sua escrita alfabética confortável, do que utilizar o assírio, com sua compli­cada escrita cuneiforme. já os persas abdicaram completamente de sua língua indo-europeia no contato com os povos de línguas semitas de seu império, o aramaico imperial passou a ser a língua internacional do Egito à índia; em judá tornou-se até mesmo a língua da conversação cotidiana.

O hebraico permaneceu vivo apenas como língua acadêmica e litúrgica. Atualmente se tornou a língua de uso corrente no Estado de Israel, artificialmente renovada.

O aramaico foi também a língua materna de Jesus. No entanto, na época de Jesus a língua da administração pública era, há muito tempo, o grego.

O grego é a língua do Novo Testamento e de alguns livros judaicos que os cristãos incorporaram à sua Escritura Sagrada (entre outros, o de Tobias). Os semitismos do grego neotestamentário explicam-se apenas em parte pelo fato de a língua materna de Jesus e seus discípulos ser o aramaico. Bem maior foi a influência da Septuaginta, a tradução grega do Antigo Testamento usada pelos judeus e que, para maioria dos cristãos primitivos, era a Escritura Sagrada.

O Novo Testamento se distingue da alta literatura grega principal­mente pelo uso de uma linguagem informal, já que por muito tempo

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os cristãos não pensavam em produzir literatura escrita. Como o cris­tianismo se propagou inicialmente nas cidades, a linguagem informal urbana tornou-se a língua do Novo Testamento. Nas cidades em torno do mar Mediterrâneo, e até mesmo em Roma, a população, formada a partir de várias comunidades lingüísticas, se comunicava por meio do chamado koinê (em grego: língua “comum”).

Este grego simplificado nasceu no exército com o qual Alexandre avançou até a índia, cujos integrantes eram provenientes de dife­rentes comunidades lingüísticas. Os sucessores de Alexandre tornaram essa a língua da corte. Os romanos usavam o koinê como língua administrativa no leste de seu império.

No século II, quando houve um renascimento do grego clássico, o grego do Novo Testamento e da Septuaginta dava a impressão de ser a língua rude das classes inferiores; os gentios cultos escarneciam dela.

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0 Antigo Testamento/ Introdução❖ A n tig o Te s t a m e n t o e h istó r ia

O Antigo Testamento contém lembranças históricas de Israel. Por isso mesmo, não apresenta a história de Israel exatamente como aconteceu. Afinal, antes de cada uma dessas lembranças receber sua forma bíblica ela foi, durante séculos, interpretada e remodelada por comunidades de fiéis que nelas buscavam instruções para suas vidas. O Antigo Testamento só é referência para o período narrado na medida em que é possível identificar, por baixo das várias camadas de interpretação, elementos que remetam às origens das tradições.

• A dificuldade dessa pesquisa está no fato de tradições diferentes estarem interligadas.

A viabilidade da pesquisa se deve ao fato de que camadas mais antigas frequentemente foram embutidas em outros contextos de forma clara.

É proveitosa a comparação dos testemunhos bíblicos com infor­mações de fontes extrabíblicas.

Fontes históricas extrabíblicas

Também o conteúdo histórico destes relatos deve ser analisado de forma crítica, mas, diferentemente dos textos bíblicos, eles normalmente foram esculpidos em pedra ou registrados em tabuletas de barro na mesma época em que aconteceram os eventos narrados.

A primeira menção a “Israel” aparece em uma inscrição muito mais antiga que qualquer texto bíblico. Essa comemora a vitória do faraó Merneptah sobre a Líbia (1219 a.C.), mas também declara que a leste as cidades e países foram aniquilados até a Ásia Menor, enumerando-os em ordem geográfica. Israel não é chamado de país nem de cidade, mas como representado pelo hieróglifo “homem e mulher”, designando um grupo de “pessoas”.

Inscrições que citem Israel só voltam a aparecer mais tarde, em meados do século IX a.C.:

Reis assírios se vangloriam de suas vitórias sobre reis cananeus, citando também reis de Israel e Judá;

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Poder do Faraó:

aniquilação dos estrangeiros

Poder da Assíria:

a submissão dos povos

'Canaã

Jéu, re i d e Is ra e l d ia n te d e S a lm a n a s a r,

g r a n d e re i d a A ss ír iaJanoam

Israel

M a p a p o lít ic o d e 1 2 1 9 a.C . d e a c o rd o com a Esteia d e M e rn e p ta h

cam po d e a c o rd o com a E ste ia d e S a lm a n a s a r,

8 4 1 a . Ccidade muito

A , B O a n t ig o Is ra e l v is to p e la s g ra n d e s p o tê n c ia s d a é p o c a : E g ito (A ) e A ss ír ia (B)

C id a d eC id a d e re a l

Sichem C o lô n ia s d a 1 Id a d e d o

F e rro séc. XII a . C

a té 5 5 0 a .C .

C o lô n ia s d a * Id a d e d o B ronze T a rd ia nas m o n ta n h a s

séc. X IV a .C .

Jerusalém

Q ueila

i__________ i__________i__________ i__________ i i__________ i__________ i__________ i__________ i

C # D O p o n to d e v is ta d o s a rq u e ó lo g o s : o Is ra e l em fo rm a ç ã o t ra n s fo rm a o te r r i tó r io

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Mesha, rei de Moabe, se vangloria em uma esteia de seu triunfo sobre Israel.

Alguns momentos específicos da história de Israel são confirmados também por documentos extrabíblicos. Naturalmente, os relatos de vitórias de governantes estrangeiros e os textos bíblicos descrevem os acontecimentos de perspectivas diferentes.

Essa dedicação às pessoas comuns se reflete na única grande inscrição em pedra do antigo Israel. Ela datado século VIII a.C., e enaltece os traba­lhadores que cavaram a rocha para a construção do túnel pelo qual a água do vale de Cedrom foi desviada para Jerusalém, e não o rei Ezequias, que ordenou sua construção.

Outros achados arqueológicos oferecem dados semelhantes. As escavações na área de assentamento de Israel não encontraram enormes palácios ou templos, nem grandes esculturas ou cidades magníficas, mas sim os resquícios da vida de pessoas “simples”. Alguns exemplos:

No princípio da Idade do Ferro (século XIII a.C.) aumentou o número de aldeias não fortificadas - um sinal que os antepassados de Israel começaram a transformar as encostas com florestas em área cultivada.

Desde o século X a.C., aldeias foram abandonadas, o número de edifícios públicos aumentou continuamente e surgiram pequenas cidades. Tudo isso são sinais da mudança social que acompanhou a formação de estruturas estatais.

As formas das vasilhas de barro e da arte menor assim como a manutenção das mesmas técnicas de agricultura mostram que a

cultura nativa perdurou nesses novos assenta­mentos. Não há comprovação arqueológica de que os antepassados de Israel foram imigrantes com uma cultura diferente da nativa.

Mesmo no caso de achados arqueológi­cos é preciso certa cautela para considerá-los como fontes históricas. A propriedade de uma relíquia só pode ser atribuída a alguém quando for possível demonstrar que os achados arqueo­lógicos e as fontes escritas que citam o respec­tivo nome combinam entre si. Assim, em lugares isolados foi possível encontrar algumas camadas

• Muitos dos achados textuais do contexto bíblico são relatos laudatórios dos feitos de reis.

• Os autores bíblicos estão muito mais interessados no destino do povo do que nos grandes feitos dos reis.

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de uma destruição acontecida no início da Idade do Ferro, mas nenhum vestígio que corresponda à rápida campanha de conquista que fala o livro de Josué.

Questões de datação

Os arqueólogos só podem estabelecer uma cronologia relativa das camadas de escavação; datações mais precisas só podem ser obtidas através de fontes escritas. Na maioria das vezes, os documentos antigos são datados por anos de reinado; cada país tem sua própria cronolo­gia. Referências ocasionais aos reis israelitas em textos extrabíblicos permitem relacionar datas de reinados bíblicos com as de outros povos. A relação com o calendário moderno pode ser estabelecida com ajuda de textos assírios que falam de eclipses solares totais em determinados anos de reinado e em determinados lugares. A cronologia moderna pode ser elaborada com base nesses pontos fixos calculáveis. De modo geral, há hoje unanimidade quanto às datas mais relevantes da história de Israel.

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❖ A n tig o Te s t a m e n t o e a h istó r ia d a s r elig iõ e s

Desta forma, a fé bíblica em um Deus único engloba também ideias de deuses dos povos vizinhos pagãos de Israel. Graças a essas tensões, esta fé se desenvolveu de forma rica durante a longa história de Israel.

Tanto o Antigo Testamento quanto fontes extrabíblicas testemunham que a fé em um Deus pessoal, com quem o indivíduo tem uma ligação especial, era uma religião familiar e cotidiana:

• Em nomes próprios, Deus é mencionado como pai (ab), irmão (ah), tio (am). Abrão significa “o pai é elevado”. Airão era o nome de um rei gentio de Biblos (século XI a.C.), Anrão foi o pai de Moisés.

• Orações do Oriente Próximo e do Egito testificam que as pessoas em necessidade se voltavam para a divindade que haviam escolhido como “seu deus”.

Os relatos sobre os antepassados de Israel estão também marcados por essa devoção (Gn 12-50); Deus se importa quando as pessoas se preocupam se um bebê vai nascer ou se um conflito familiar chegará ao fim. Gênesis 31.53 conta quão tolerante é esta devoção: um arameu fala do “Deus de Abraão” e do “Deus de Naor” como se fossem dois deuses.

No século VI a.C., ainda havia em Judá essa devoção pessoal paralela á religião oficial de Israel. Em momentos de crise, junto aos seus santuá­rios caseiros simples (colunas ou estacas), as pessoas invocavam a Deus

dizendo “tu és meu pai” ou “tu me geraste” (Jr 2.27).

A fé na divindade popular se manteve viva nos povos que surgiram nas regiões monta­nhosas no início da Idade do Ferro (século XIII a.C.). Eles se chamavam a si mesmos de “povo” ou “parentela” (hebraico: am) de um deus. No AT, Israel chama-se “povo de Javé”, Moabe é “povo do (deus) Camos” e Moloque, “deus dos amonitas”. Poetas veterotestamentários refe- rem-se a Deus como o mais forte da “parentela” de Israel; ele luta por seu povo e este permanece a seu lado (Jz 5.11 e 23). Quando Davi, fúgindo

• Na época em que o Antigo Testamento adqu iriu sua form a final, o monoteísmo estava firmemente a rra ig a d o no povo judeu. No entanto, vestígios de formas mais antigas da re lig ião de Israel não estão completamente riscados dos textos veterotestamentários.

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como aquele que a juda os oprim idos

como nosso Deus, le luta por seu povi

como pa i do rei

como rei dos deuses

como meu Deus, que me conhece

como criado r e vencedor sobre o caos

UMdentre os muitos deuses venerados no antigo O riente

A fé bíb lica busca, em experiências históricas, o DEUS ÚNICO J

Representações de relig iões politeístas registradas na concepção bíb lica do Deus único

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de Saul, vai para a terra dos filisteus, ele lamenta não poder lutar por Javé na terra de outros deuses (iSm 26.19S).

Ao contrário do que acontecia nessas religiões populares, nas religiões estatais do mundo antigo o relacionamento entre a divindade e a pessoa era marcado pela imposição e pela submissão, e não pela mutualidade. Os cultos estatais deveriam assegurar não apenas a vida do povo, mas também a existência da criação, dos céus e da terra. O deus que tinha vencido o caos era celebrado como o rei dos deuses, que, trabalhando com ou contra os outros mantinham o mundo em movimento. O rei terreno era considerado “filho dos deuses”, pois executava os planos divinos e assegurava a ordem no mundo. Outras religiões eram toleradas, desde que reconhecessem a supremacia do deus do Estado.

Entre os pequenos povos da Idade do Ferro, essas ideias ganharam influência em decorrência da organização dos países. O rei Mesha de Moabe (século IX a.C.) deu a si mesmo o título de “filho de Camos”. No Antigo Testamento, no entanto, essas ideias se transformaram por influ­ência das tradições contra um reinado. Por isso, em 2Samuel 7.14 Deus é denominado “pai” do filho do rei, uma vez que pretende educá-lo segundo os “castigos humanos”.

A fé no Deus dos oprimidos no Antigo Testamento se opõe às ideias das religiões estatais. Esta fé surgiu das experiências do pequeno povo de Israel, que raramente viveu em liberdade e livre de perturbações. Principalmente a tradição que fala de Javé como o libertador que tirou o povo da “casa da servidão” no Egito fez com que a realeza fosse vista com desconfiança.

No entanto, somente no início do século IX a.C., irrompeu em Israel uma luta acirrada contra outros deuses. Jeú, um usurpador, queria impor o culto ao “único Javé” à força. Os profetas censuraram seus atos de violência em nome de Javé (Os 1.4).

A fé bíblica no Deus único não se tornou uma religião estatal. O conceito do relacionamento recíproco entre Deus e povo/parentela marca a proibição aos deuses estrangeiros (Dt 5.7). Não se nega a existência de outros deuses, mas os fiéis são exortados de que Deus quer ser o seu único Deus; por isso não devem ter outros deuses.

No Antigo Testamento, a fé em um único Deus para todo o mundo só começa a ser registrada em textos que surgiram depois da queda dos reinos de Israel e Judá. Essa fé foi modificada de maneira tipicamente

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veterotestamentária. Em Gênesis 1.26-28, o conceito de rei como “imagem de Deus” (filho semelhante ao pai) se estende a todos os homens. A huma­nidade deve reinar soberana e proteger a ordem mundial. Em Isaías 45.7, os conceitos de uma divindade que vence o caos estão ligados às experiên­cias históricas da queda de Israel: além de javé não existe nenhum poder divino, por isso somente ele age, quer os homens experimentem luz e salvação ou trevas e perdição.

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❖ A n t ig o Testa m e n to e a liter atu r a d o a n t ig o O riente

Sabe-se disso desde o século XIX graças a numerosos textos do antigo Oriente descobertos em escavações, nos quais foi possível encontrar formas lingüísticas, motivos e pensamentos conhecidos no Antigo Testamento. Os testemunhos escritos mais antigos datam de fins do quarto milênio a.C., e são da Suméria (sul do Eufrates) e do Egito.

A escrita cuneiforme formou-se a partir de símbolos gravados em argila com ajuda de um estilete, a fim de registrar dados comerciais. A descoberta de que este método também permitia reproduzir sílabas e frases foi usada inicialmente apenas em inscrições. O poema mais antigo conhecido é o hino sobre a construção do templo do príncipe sumério Gudea (por volta de 2 10 0 a.C.), um poema de 13 6 0 versos únicos. Uma poesia como essa deve ter sido transmitida oralmente desde muito antes. A novidade estava na ideia de registrar o hino como texto sagrado em vez de apenas apresentá-lo em sua forma musical.

O subtítulo desse poema era za-mi “harpa”. Mais tarde, um livro veterotestamentário receberia seu nome a partir da palavra grega para harpa (psalterion) “saltério”.

A origem da poesia no canto pode ser verificada no fato de que a repetição continuou sendo a forma básica da poesia oriental antiga. Os versos duplos aparecem em textos egípcios do terceiro milênio a.C. e

mesmo no século I, em hinos neotestamentá- rios em grego que imitam a poesia hebraica (Lc 1.4 6 SS ).

Mesmo na função fonética, os hieróglifos mantiveram seu caráter ideográfico. No Egito, as inscrições frequentemente não eram desti­nadas à publicação, mas à criação de uma nova realidade. Nas paredes internas inacessíveis dos templos escreviam-se hinos, e no interior dos túmulos, a chamada canção do harpista, que, em face da morte, celebrava a alegria de viver.

Mesopotâmia. A literatura era bilíngüe. Como os semitas adotaram a escrita suméria para escrever em sua língua, cuja estrutura era diferente, a língua suméria sobreviveu, como

• Os escritos veterotestamentários são obras ta rd ias de uma história lite rá ria bem mais antiga do que Israel.

• Mais do que qualquer outra lite ra tu ra do antigo O riente, o Antigo Testamento apresenta experiências cotidianas que qualquer pessoa conhece.

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H ieróglifosegípcios

Escrita sinalíticc 5 0 0 a.C

Fenício 1 3 0 0 a .C

Proto- hebraico 6 0 0 a.C.

G re g o500a.C .m odern i­

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LeituraNome da

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B Exemplos da progressão da escrita a lfa b é tica

Escribas assírios Escribas egípc ios(séc. VIII a .C )

S ignificado

Deus,Céu

Beber

TerraRegião

Cão

Dia

C Técnicas de escrita

P a lavras/S íla - bas sumérias

semitas

DINGIR, ilu, anu

il, an

NAG, schatu

nag

Kl, erzetu

ki, ke

UR, ka lbu

ur

UD, úmu

ud, ut

Rolo de

A Exemplos d a progressão dos símbolos da escrita cuneiform e

Pictogramas sumérios

anteriores ao ano 3000a .C .

Símbolos da escrita suméria te rce iro milênio

Símbolos da es­crita da Babilônia

antiaa segundo milênio a.C.

Escrita cunei­fo rm e clássica

prim eiro milênio

Escrevem com hastes de junco sobre p a p iro

Palheta

Usam a escrita a lfa b é tica

sobre couro, imprim em símbolos cuneiformes sobre

a rg ila úm ida

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língua escolar, ao mundo sumeriano. Para fins didáticos, elaboraram-se compêndios de literatura babilônica e suméria (séculos XVIII e XIII a.C.). O rei culto Assurbanipal (século VII a.C.) mandou copiar textos literários que datavam, em parte, do terceiro milênio a.C.

Havia, portanto, modelos para os sábios de Israel que, nos séculos VII e VI a.C., coletaram a literatura de seu povo, que corria o risco de desaparecer.

Graças aos métodos de ensino de língua desenvolvidos na Babilônia, a escrita e a língua babilônicas se transformaram em meio de comu­nicação internacional. No século XIV a.C., os reis de Canaã se corres­pondiam com o faraó na língua babilônica e em escrita cuneiforme. Dessa maneira, também a literatura babilônica se tornou amplamente conhecida. Fragmentos da epopeia do herói Gilgamesh, que tinha sido escrita na Babilônia, a partir de materiais sumérios, foram encontrados na Ásia Menor, no Egito e em Canaã. A história do dilúvio, parte dessa epopéia, pode ter chegado a Israel via Canaã. Como Gilgamesh caiu em esquecimento devido à popularidade do herói grego Hércules, somente depois da descoberta da biblioteca de Assurbanipal foi possível perceber como a história bíblica é parecida com o relato da n5 tabuleta da Epopéia de Gilgamesh.

Os conhecimentos de outros povos chegaram a Israel principalmente por meio das escolas para funcionários públicos construídas segundo o modelo egípcio. A sabedoria de vida se tornou modelo para textos didáticos e assim também para textos sapienciais bíblicos. No entanto, com frequência não se sabe de onde os autores bíblicos tinham conheci­mento dos temas da literatura oriental antiga.

• Uma lista suméria (32 milênio a.C.) atribui idades inacreditavel­mente avançadas aos reis anteriores ao dilúvio, semelhante às que Gênesis 5 atribui aos primeiros pais (século V2). Não há informa­ções sobre elos intermediários.

Também é surpreendente que o Salmo 104 se aproprie de motivos do Hino ao Faraó Akhenaton, apesar da religião mono- teísta decretada por ele no século XIV a.C. ter sido rapidamente esquecida no Egito.

2 [NE] O século V refere-se à datação da lista suméria, não indicando necessariamente o período histórico do dilúvio como conhecido.

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A escrita alfabética mudou muitas coisas. Os hieróglifos (700 símbolos na época clássica) e a escrita cuneiforme (até 2000 símbolos) só eram compreendidos por uma elite especializada. Textos escritos com apenas 22 letras são mais fáceis de ler. É significativo que um calendário agrícola (Geser, século XI a.C.) seja a documentação mais antiga de um texto em hebraico. A leitura é dificultada pelo fato de o alfabeto semítico - como também os hieróglifos - só possuir consoantes.

A comprovação mais antiga de uma escrita tipográfica são grafites do Sinai (século II a.C.), que imitam hieróglifos. Os fenícios levaram o alfabeto semítico aos gregos; somente estes desenvolve­ram símbolos para os sons vocálicos.

Em Israel, onde a atitude antiestatal era tradicional, também é possível que clãs e tribos tenham registrado suas histórias, de modo que autores eruditos de compilações veterotestamentárias podem ter encontrado material também fora dos arquivos de templos e de prédios públicos. Essa é uma explicação possível para o fato de que textos do Antigo Testamento que falam da vida cotidiana tenham se tornado parte da literatura nacional. Além disso, é provável que os estudiosos de Israel valorizassem as histórias do cotidiano também pelo fato de terem conhecido textos didáticos, como essas narrativas em prosa, nas escolas públicas no Egito.

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❖ A TRADIÇÃO TEXTUAL DO ANTIG O TESTAMENTO

No antigo Israel, usavam-se papiros ou rolos de couro frágeis para registrar textos extensos. Por isso, mesmo os manuscritos mais antigos preservados do AT têm, atrás de si, uma longa história de textos copiados.

Os documentos mais antigos do texto hebraico são códices (manuscritos encadernados em livros) dos séculos X e XI d.C. Eles contém o Texto Massorético (M). Os massoretas (do hebraico “tradição”) são estudiosos judeus que desde o século VII d.C. se dedicam a fixar a pronúncia dos textos consonantais, até então transmitida apenas oralmente, por meio de sinais vocálicos, além de certificarem os textos colocando o número de palavras e de letras ao final dos textos. As con­soantes só eram corrigidas mediante anotações à margem, usando o chamado q ’re (hebraico: “lê!”).

O nome de Deus era registrado com as consoantes YHWH e as vogais de adonai, “Senhor”, para mostrar que deveria ser lido como “Adonai”. Portanto, a leitura “Jeová” está errada.

O texto massorético predominou no judaísmo. Durante muito tempo, outras formas textuais eram conhecidas apenas a partir de manuscritos não judaicos.

O Pentateuco Samaritano (S) é um rolo escrito no século XII, muito tempo depois que o uso dos códices já se tornara comum. Ele usa uma forma de hebraico antigo que caíra em desuso desde o século III a.C. Ele pertence aos samaritanos, que se separaram do judaísmo no ano 129 a.C., e contém apenas os cinco primeiros livros do AT, os únicos que eles reco­nheciam como Escritura Sagrada.

O Pentateuco Samaritano diverge do texto massorético em cerca de 6000 pontos, que, no entanto, na maioria das vezes são insignificantes. Algumas destas variantes possivelmente já existiam no ano 129 a.C.

Traduções antigas

A Septuaginta (LXX) é a tradução do AT para grego, existente desde o século III a.C. Em alguns livros, ela se distancia de tal forma do texto massorético que o original hebraico usado na tradução deve ter contido outras formas textuais:

Page 37: Atlas da bíblia     annemarie ohler;  tom menzel

Desde o séc. X a.C.

~ ..i...í

Manuscritos dos textos hebraicos

H istória do surgimento dos livros d a Bíblia

hebra ica

J LA té m eados do

séc. II a.C. (livro de Daniel)

Textos preservados

no tem p lo

desde 5 2 0 a .C

wX ?Textos encontrados

1 30 a.C. - 7 0 d.C. em Q um ran

Traduções e seus manuscritos

Séc. II d.C. surgimento da

S eptuaginta ( tradução g rega )

Textos encontrados

a té hoje ......

y~ lf ' f

\ Antes da destru ição J do Templo

1 38 d .C em M u ra b a te

I Depois d a destru ição J do Templo

[Da antiguidade recente

rroiroVoca lização

desde o séc. VII

Mwra

da Id a d e M é d ia

Séc. XII Pentateuco Sam aritano

*49 2 5 códice

m assorético da s inagoga de

A lepo

y

8 0 0 d.C. códice de

Carlos M agno

Sobre a pré-história dos manuscritos bíblicos mais antigos

Page 38: Atlas da bíblia     annemarie ohler;  tom menzel

Os livros de Josué e Ezequiel são de 4 a 5% mais curtos, e o de Jeremias, quase 16%;

No relato de Davi e Golias (iSm 16), faltam 39 dos 88 versículos do M;

Daniel e Ester contêm partes adicionais;

Jeremias apresenta uma diferença substancial na ordem do texto.

As traduções mais recentes partem do Texto Massorético:

O judeu Áquila quis substituir a Septuaginta, que no século II provavelmente já era considerada como uma tradução cristã. Influenciado por eruditos judeus, que consideravam o peso de cada palavra, fez uma tradução extremamente literal do hebraico para o grego. Desse trabalho, conservaram-se apenas alguns fragmentos.

Os targumim (aramaico: “comentários”) surgiram quando muitos judeus já não entendiam o hebraico e precisavam de traduções para o aramaico. Conservaram-se em manuscritos do século XIX d.C.

A Peshitta (siríaco: “simples”) é uma tradução para o aramaico mais recente, o siríaco. Ocasionalmente se aproxima da LXX, o que pode ser um sinal de que os cristãos sírios utilizavam a LXX.

• A Vulgata (latim: “comum”) data do século IV d.C. Preparada por Jerônimo, que se baseou textos judaicos, a fim de substituir as Bíblias latinas mais antigas pela “verdade hebraica”. Tornou-se a Bíblia oficial da igreja. As divisões em capítulos e versículos das Bíblias atuais seguem a Vulgata.

Desde 1947, os rolos de texto encontrados no deserto da Judeia3 (Qumran) fornecem dados sobre formas textuais muito mais antigas. Durante a guerra contra Roma (antes do ano 70), uma comunidade judaica escondera em cavernas rolos de textos que em parte já tinham duzentos anos. Muitos deles continham livros bíblicos. Entre eles, havia um rolo completo de Isaías e fragmentos de todos os livros da Bíblia hebraica, exceto Ester; havia também partes de escritos hebraicos que só eram conhecidos pela LXX. Do livro bíblico mais tardio, o de Daniel, escrito depois de 168 a.C., havia uma cópia aproximadamente 60 anos mais nova.

E notável a diversidade das formas textuais:

3 [NE] Conhecidos como Manuscritos do Mar Morto.

Page 39: Atlas da bíblia     annemarie ohler;  tom menzel

• 60% dos textos se aproximam do texto massorético,

• 5% seguem a base usada pela Septuaginta,

5% seguem o Pentateuco Samaritano,

20% contêm formas características de Qumram;

• O restante não é classificável.

Os textos encontrados nas cavernas de Murabaat, junto a ossadas de judeus mortos na revolta no ano 138, eram apenas textos próximos ao M. Isso mostra até que ponto a destruição de Jerusalém e do templo foi signi­ficativa para a história dos textos bíblicos. Das muitas correntes judaicas, restara somente a dos fariseus, que consideravam válido apenas o texto original que tinha sido guardado no templo.

De modo geral, os achados de Qumran e de Murabaat confirmaram o alto valor do Texto Massorético, com seu texto consonantal transmitido de forma fiel e comprovada desde o século II a.C. No entanto, a unidade do M é resultado de decisões posteriores. A variedade, como a de Qumran, é mais antiga, e testemunha de uma época em que o texto bíblico era tratado de forma mais livre.

Três formas textuais sobreviveram: M, S, LXX. As três concordam em seu conteúdo; o acesso que elas dão à redação do “texto original” é limitado. Possivelmente nunca houve edições finais sancionadas pelos próprios autores bíblicos.

Page 40: Atlas da bíblia     annemarie ohler;  tom menzel

❖ A ORDEM DOS LIVROS DO ANTIGO TESTAMENTO

A palavra “Bíblia”, derivada do grego ta biblia (os livros), começou a ser usada na Idade Média e originalmente faz referência à pluralidade dos livros da Bíblia. O AT cristão e a Bíblia judaica apresentam-nos em ordens diferentes.

O teor original da Bíblia

A seqüência dos cinco primeiros livros, Gênesis a Deuteronômio, é idêntica nas duas formas. Neemias 8 relata como Esdras fez a leitura “da lei” em Jerusalém (398 a.C.); na condição de relato da formação do judaísmo, esse relato relembra o fato de que o povo judeu adotava esses cinco livros como instrução para suas vidas.

Também a ordem dos próximos seis livros (Josué a 2Reis) coincide em ambas as ordens (exceto pela inclusão de Rute no AT). Aqui se nota a influência da chamada história deutoronomista, que compreende os livros de Deuteronômio até 2Reis. Ela conta a história de Israel em sua terra de modo a anunciar, desde o começo, o seu final catastrófico. O princípio do livro de Dt esclarece porque Israel perderia sua terra: o povo que não obedece às ordens de Deus, anunciadas em Deuteronômio, será “desarraigado da terra”4 (Dt 28.63).

Após os persas permitirem o retorno dos judeus à sua terra natal, o Deuteronômio ganhou um novo sentido; ele foi acrescentado à torá, o

grupo de livros a ser lido como a “instrução de vida” que Deus revelou a seu povo por inter­médio de Moisés.

Duas organizações bíblicas

A Bíblia hebraica tem três partes. Esta forma de organizar a Bíblia surgiu em comuni­dades judaicas para as quais a primeira parte, a torá (Gênesis a Deuteronômio) constituía a mais importante. A segunda parte, chamada neviim (hebraico: “profetas”), é formada

pelos livros de Josué a 2Reis, acrescidos de Isaías, Jeremias e Esdras e dos doze profetas menores, e testifica da época em que os profetas de

4 [NE] Cf. Almeida século 21 .

• Na Bíblia judaica, esse grupo de livros é cham ado de to rá (do hebraico: “ le i” ou “ instrução” ); no cristianismo, é conhecido como Pentateuco (do grego: “ cinco rolos” ).

Page 41: Atlas da bíblia     annemarie ohler;  tom menzel

A Bíblia juda ica O A n tigo Testamento cristão

Torá Pentateuco

No princípio ......................Gênesis

A ÃNomes Exodo

T T TEle chamou £ ± ------------------------------------------------------------> LevíticoNo deserto

' - ........................... > Números

Palavras Deuteronôm io

Os livrosdeuterocanônicos adic ionados ao A n tigo Testamento cató lico

T N K0 E ER V TA 1 U

1 VM 1

M

Ta na ch

O rg a n iza çã o dos livros bíblicos dos judeus e cristãos

Page 42: Atlas da bíblia     annemarie ohler;  tom menzel

Israel ensinaram a torá. A terceira parte chama-se ketuvim (hebraico: “escritos”). Ela se compõe de livros a serem lidos como relatos da época em que os doutores da lei guardavam a torá. Os Ketuvim incluíam, entre outros livros, 1 e 2 Crônicas, que recontam a história do mundo e de Israel baseando-se nos livros de Gênesis a 2Reis, encerrando com o momento em que o rei persa, Ciro, permite que os judeus retornem para sua pátria depois do exílio. Sem levar em conta a cronologia, os livros de Crônicas foram inseridos depois de Esdras e Neemias, que falam de acontecimen­tos bem posteriores a Ciro. Dessa maneira a Bíblia hebraica encerra com um chamado para retornar a Jerusalém. Esse fechamento enfatiza que:

Na organização que divide a Bíblia em quatro partes, a ênfase cai na parte final, que contém os livros dos profetas (Isaías a Malaquias). Também essa divisão surgiu no início do judaísmo. Para muitos judeus, o domínio estrangeiro no século II a.C. foi tão opressivo que eles passaram a esperar pela aniquilação dos impérios mundiais. Grupos messiânicos liam os livros dos profetas à luz dessa expectativa escatológica. Por isso, diferentemente da Bíblia em três partes, na divisão em quatro partes o livro de Daniel, com suas visões do fim do mundo, também é considerado

um livro profético.

O Pentateuco narra o período da criação até a morte de Moisés;

• Os livros históricos abrangem desde a entrada de Israel na terra até sua restauração após o exílio;

Os Salmos e os livros sapienciais contêm orações e ensinos para o presente;

Os Profetas anunciam o final dos tempos.

Eles receberam também mais sete livros judaicos que não estão na Bíblia judaica (Tobias, Judite, 1 e 2 Macabeus, Baruque, Sabedoria de Salomão e Eclesiástico). Os católicos os chamam de “deuterocanônicos”, ou seja, são integrantes secundários do cânon. Lutero excluiu estes livros.

• A Bíblia judaica, d iv id ida em 3 partes, é o livro sobre o caminho ainda não concluído de Israel em d ireção à sua pá tria .

• Judeus de fa la g rega liam a Bíblia em quatro partes como o livro da história do mundo.

• Os cristãos herdaram a Bíblia judaica de quatro partes como seu “Antigo Testamento” .

• Na Bíblia cristã, a mensagem de Cristo é o alvo da Escritura S agrada de Israel.

Page 43: Atlas da bíblia     annemarie ohler;  tom menzel

Para os cristãos, o fato de o AT em quatro partes terminar com Malaquias 4 tem um sentido especial: este texto pode ser entendido como uma referência a Cristo, que, segundo a fé cristã, dá início ao final dos tempos.

As escrituras de Israel são Escrituras Sagradas para os cristãos, porque Jesus e seus discípulos eram judeus e lidavam com esses escritos. Por isso, o conceito judaico da Bíblia continua sendo significativo para os cristãos. Um relato do NT exorta a ouvir as mensagens proféticas e a torá do AT: os discípulos têm uma visão em que Jesus, o “Filho amado de Deus”, conversa com Moisés e Elias, os representantes da lei e dos profetas (Mc 9.4).

Page 44: Atlas da bíblia     annemarie ohler;  tom menzel

0 Pentateuco❖ Es t r u t u r a e c o n tex t o

A torá de Moisés

A primeira parte da Bíblia traz uma narração coerente e contínua que ultrapassa os limites dos livros, começando com a criação, em Gênesis 1, e terminando em 2Reis 25, quando Israel perde sua terra e sua liberdade. Os cinco primeiros livros deste conjunto compõem uma unidade à parte, chamada de “torá”, na Bíblia hebraica e de “Pentateuco” (“cinco rolos”), na Bíblia grega.

Estes livros são caracterizados pela união de história e lei; as narrações repetidamente retornam aos ensinos da torá.

Torá não significa “lei” no sentido jurídico. O significado básico é o de “ensino” ou “conselho”. A lei veterotestamentária é guia para a vida.

A partir de Êxodo 1, o fio condutor da história passa a ser a vida de Moisés: ele é salvo da morte por mulheres, tanto como bebê quanto como jovem casado; ele guia Israel para fora do Egito até o Sinai, e de lá, pelo deserto, até a fronteira da terra; a morte de Moisés encerra o Pentateuco. A partir da chegada ao Sinai, os fragmentos narrativos frequentemente são apenas breves introduções a discursos de Moisés. Moisés transmite aquilo que Deus lhe tinha ensinado. E deste conceito que vem a autoridade particular desse livro.

No culto judaico, o rolo da torá é tratado com reverência especial, assim como os cristãos fazem com os evangelhos. A honra atribuída aos livros de Josué a 2Reis é derivada; eles mostram que, mesmo depois da morte de Moisés, Israel tinha onde conseguir instruções de vida, pelo fato de possuir a torá (Js 1.8).

A narração das três origens

Gênesis 1 a 11 diz que desde o princípio o Deus de Israel desejou ser o Deus de todo o mundo, de toda a humanidade e de seus povos.

Page 45: Atlas da bíblia     annemarie ohler;  tom menzel

O Pentateuco contém a torá (instrução) em discursos de Moisés

A obra histórica recorda essa

Os livros da Bíblia que estão relacionados entre si Os textos da Bíblia que

A De Gênesis a 2Reis: A ob ra mais abrangen te d a Bíblia, uniformemente concebida

são únicos

Promessa da te rra

Leis pa ra a v ida na te rra

História de Israel em sua te rra

Livros dos pro fe tas

■1

■Escritos Novo

Testamento

( ^ ) N a rra tiva

| Instrução

Áreas da v ida

Deuteronômio

Com prim ento dos textos

B Subdivisão da narra tiva e d a instrução no Pentateuco

Gênesis 1-11

Gênesis 1 2 -5 0

Êxodo 1 9 -4 0

Levítico

O rigens

InstruçãoTora)

Chamado de

Page 46: Atlas da bíblia     annemarie ohler;  tom menzel

Gênesis de 12 a 50 narra como Abraão se torna pai de povos aparen­tados, com os quais Israel compartilha o território, e ensina que o Deus de Abraão protege todos os descendentes de Abraão.

Os livros de Êxodo a Deuteronômio contém a torá propriamente dita, que traz as ordenanças recebidas por Israel na história especial de sua formação.

A partir dessa origem tripla, atribui-se a Israel uma missão dupla:

Em sua terra, Israel deve viver de forma diferente dos outros povos. Isso é ilustrado por um motivo singular: Israel, um povo de agri­cultores, recebeu suas leis lá fora, no deserto.

• Diante do mundo, Israel deve ser o povo no qual Deus está sempre presente.

Um conjunto de repetições de motivos chama a atenção para isso: no descanso do sétimo dia, o Criador já havia completado a obra (Gn 2.2) e Israel descobre que Deus também lhe reservou um sétimo dia de descanso (Êx 16). Moisés já sabe este dia está destinado ao encontro com Deus, pois somente no sétimo dia ele entra na nuvem na qual Deus repousa sobre o Sinai (Êx 24.16). De lá ele traz as instruções para que Israel conclua toda a obra (Êx 39.32), a saber, o santuário no q u al"... Deus entra, simbolizado pela (descida da) nuvem”.

O Pentateuco termina, deixando em aberto como e se essa noção de povo de Deus se tornará realidade. Somente o sucessor de Moisés conduz Israel para dentro da terra, que será compartilhada com outros povos (Js), e só Salomão constrói o templo (íRs), o local da presença de Deus.

O Pentateuco como "cinco rolos"

Os livros bíblicos são, em sua maioria, unidades fechadas, mesmo aqueles que são curtos como folhetos. Já os primeiros cinco livros apre­sentam uma ligação narrativa e intelectual. Este complexo textual era muito grande para um só rolo. Os nomes gregos e latinos dos cinco livros do Pentateuco mostram que eles estão divididos de acordo com os pontos de vista dos conteúdos:

Gênesis conta a história dos “princípios” da vida - criação, huma­nidade, povos - da forma como Israel a encontrou.

Page 47: Atlas da bíblia     annemarie ohler;  tom menzel

Êxodo começa com a “saída” do Egito, que, do ponto de vista bíblico, inicia a história de Israel, e termina com uma imagem do alvo dessa história: Deus entra em seu santuário, a fim de habitar em Israel.

Levítico, nomeado segundo a tribo de sacerdotes, Levi, ensina o conhecimento sacerdotal necessário a um povo no meio do qual Deus deseja habitar.

Números começa com os “números” do povo que saiu do Sinai, e termina com imagens de uma nova geração, que depende da torá e não de sua grande quantidade.

• O livro de Deuteronômio aparece como “segunda lei”, como discurso de despedida de Moisés, que ensina a torá mais uma vez ao povo renovado.

Cada um dos cinco livros do Pentateuco tem um perfil próprio e, conjuntamente, compõem um todo que faz sentido. Essa subdivisão do grande complexo textual mostra que, mesmo que para Deus só exista uma torá, mas o ser humano convive com ela em situações históricas mutáveis e, por isso, precisa tentar renovar sua abordagem a partir de diferentes ângulos.

Page 48: Atlas da bíblia     annemarie ohler;  tom menzel

❖ Hip ó t e se s q u a n t o à s o r ig e n s

O Pentateuco contém diversas contradições não resolvidas. Dois exemplos:

De acordo com Êxodo 3.13S S , Moisés foi o primeiro a quem Deus revelou seu nome; no entanto, segundo Gênesis 4.26, homens de épocas primitivas já o invocavam usando o nome Javé.

Três códigos legais (Êx 21-23; Lv 17-26; Dt 12-28) regulamentam assuntos semelhantes de maneira diferente.

Dois enfoques explicam essas contradições:

Javista, J, é o nome da obra que se refere a Deus pelo nome de Javé, e está cunhada pela autoconfiança da época de Salomão.

No texto Eloísta, E, Deus é chamado de Javé somente depois de se revelar a Moisés; antes disso, Deus á chamado de elohim (hebr. “divindade”). E teria surgido em Israel, levado para Judá depois da queda deste reino (722) e lá integrado ao texto J (J/E).

• O escrito Sacerdotal (P) é reconhecido porseu estilo conceituai e construção sistemática. Depois da queda de Judá (587), J/E teria sido incorporado ao P.

A sigla D designa uma lei que deveria reformar o estado de Judá, livre por um curto período de tempo (622), e foi conservada em

Deuteronômio 12-28. Foi agregada a JE/P como “Deuteronômio”, para ampliar o conjunto de discursos de Moisés.

As contradições são explicadas com a alegação de que as histórias contadas nestas obras de diferentes épocas teriam sido redigidas inde­pendentemente umas das outras.

Esta hipótese tem sido constantemente refinada desde o século XIX. No entanto, ao mesmo tempo fica cada vez mais claro quão incertas são essas reconstruções.

• A hipótese documental pressupõe que é possível reconstruir quatro(ou mais) textos que se misturaram no Pentateuco:

* As hipóteses do texto final esclarecem, acima de tudo, quão incomum é a concepção gera l do Pentateuco se com parado a outras obras lite rárias do antigo Oriente.

Page 49: Atlas da bíblia     annemarie ohler;  tom menzel

Hipóteses Documentárias reconstroem obras incorporadas

Hipóteses do tex to fina l observam traços de atualizações

...estão conservados , em qua tro reflexos v _

D iferentes representações antigas das normas de v ida

fundam entais de Israel...

... estão reunidas------✓em um documento de

compromisso

J /E /D

Surgimento do Pentateuco: datas im portantes

J398X-Pérsia perm itiu que os judeus

vivessem conform e a le i deles mesmo

... e la b o ra d o por d iferentes correntes

judaicas

r-T ...

^ Atualizações

Texto Sacerdota l P - J 5 8 7 L

Q ueda de Judá :>O b ra histórica

sacerdota l

J/E tra b a lh a d o de m aneira

^fleuteronom ista

?Dt Lei

deuteronomistc

Jò 22\_=| Reforma do Estado de J u d á j- Lei

deuteronomistciBE Z ..

Eé:____; j -----^In teg rado ao

N arra tivasElohistas

E...................... ■

J722LQ ueda de Israel 2

O b ra histórica de u top ia social

crítica re lig iosa em Israel

tf

O b ra narra tiva javista

JSéc. X

escolas de escribas em Judá

A

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Surgem obras históricas

Q O OSurgem ciclos narrativos |

WX *%

Tradições orais

sobre a v id a do povo antes do Estado

Hipóteses sobre a história do surgimento do Pentateuco

Page 50: Atlas da bíblia     annemarie ohler;  tom menzel

Seu fio condutor é uma história que começa com a Criação e termina com a entrada de Israel em sua terra. Nenhuma outra lei do antigo Oriente está embutida em narração comparável.

Seu programa é aistórico. Explica que Israel recebeu toda a lei fora de sua terra, antes de ser organizado como nação. Outras leis se apresentam como decretos reais, e não como oferta de Deus a um povo; elas nunca provocam questionamentos sobre a justificação pela lei.

As hipóteses do texto final pressupõem que essa notável concepção tenha surgido no período persa. Em alguns casos, os persas permiti­ram que suas províncias usassem a legislação do povo nativo. A fim de conseguir essa autorização, diferentes grupos de judeus teriam con­cordado com uma única “lei”, que foi apresentada aos persas. A lei pro­clamada por Esdras em 398 a.C. teria sido esse documento autorizado pelos persas. A falta de unidade do Pentateuco se reduziria, portanto, a um compromisso político necessário, para o qual teriam existido dois esboços diferentes.

Para os sacerdotes, a renovação do templo e do culto era crucial. Seu esboço teria dado origem à ideia que Deus queria estar presente em Israel por amor de todo o mundo e que, por isso, Israel continuava a ser o povo de Deus mesmo com todas as mudanças históricas:

Por meio do sábado, que já existia desde a criação (Gn 2.2),

Por meio das regras de preservação da vida, estabelecidas após o dilúvio (Gn 9.4-7),

Por meio da circuncisão, desde Abraão, o pai dos povos (Gn 17.10-14).

Esta camada sacerdotal é facilmente reconhecível a partir de suas características de estilo e conteúdo. O segundo esboço, no entanto, é mais difícil de ser compreendido5:

Um primeiro esboço teria sido criado por judeus socialmente engajados imediatamente depois da queda do reino de Israel (722 a.C.). A fim de renovar tradições antiestatais, eles teriam reunido narrações sobre um Israel “fraterno” para elaborar a história de um Israel ainda não corrompido pelo estado ou pela posse da terra. Sempre que a esperança por um Israel solidário era frustrada, acrescentavam-se comentários a

5 [NR] Explicar, abranger.

Page 51: Atlas da bíblia     annemarie ohler;  tom menzel

título de atualização; a última ocorrência teria sido durante o período persa, quando os judeus foram mais uma vez explorados por outros judeus (Ne 5).

Um acordo entre as duas versões teria sido interessante para os persas, uma vez que ambas defendiam que Israel não precisava de um estado ou de um lugar específico para viver. Este acordo teria sido possível, pois os dois grupos judaicos tinham a esperança de que Israel viveria segundo as instruções de Deus, mas toleravam diferenças na form a de alcançar isso. A inclusão da Lei Reformista de 622 (D) teria aumentado ainda mais variedade interna do documento do acordo.

Elementos da hipótese documental, principalmente o pressuposto que P e D se destacam como camadas ou obras independentes, são peças necessárias à construção da hipótese do texto final, no entanto, são usados de forma diferente. Não se reconstroem estágios prelimina­res, mais próximos dos originais; em vez disso, ela se limita a apontar para a longa e complicada história da origem do Pentateuco, cujo acesso é apenas hipotético, para esclarecer partes que, de outra forma, seriam incompreensíveis no texto final.

Page 52: Atlas da bíblia     annemarie ohler;  tom menzel

❖ A P r é -H is t ó r ia (G ê n e s is 1 -1 1 )

Os relatos da criação são os primeiros indícios que o ser humano desejava compreender sua existência. O ponto de partida para isto não era curiosidade; na verdade, os relatos das diversas culturas demonstravam muito mais uma preocupação com uma eventual destruição de tudo o que existia. Também em Gênesis 1-11 a criação é logo seguida pelo dilúvio; no entanto, aquela velha pergunta da humanidade seria repensada a partir da perspectiva da fé de Israel.

Peculiaridades das imagens bíblicas pré-históricas

Os mitos extrabíblicas sobre a criação falam apenas sobre a origem do mundo a partir da ação conjunta ou contrária entre os deuses, ou apenas sobre a criação do ser humano. Eles explicam a origem de cultos estatais ou a herança cultural da localidade.

Já a pré-história bíblica relaciona a criação do homem com a do mundo e fala sobre os primórdios de toda a humanidade. O homem é criado para ser responsável pela terra ( 1 .2 7 ; 2 .15 ) ; por isso, a corrupção da terra também é atribuída ao homem (2 .17 ; 6 .1 1) . No entanto, a bênção da criação ( 1 .2 8 )

não é retirada. A lista dos primeiros pais, cujas vidas foram muito longas (4 .17S S), representa a prosperidade da humanidade no tempo, e a lista

dos povos (10) relata o seu espalhamento sobre a terra. Estas listas estão ligadas em uma série que encadeia antigas narrativas avulsas sobre a formação de tal forma que Gênesis 1-11 passa a ser lido como um narração concatenada dos primórdios do mundo e da humanidade, ou seja, como pré-história.

Duas concepções de pré-história

Textos do documento sacerdotal (P) são o princípio e a estrutura do todo. Gênesis 1 demonstra como Deus criou um espaço organizado para a vida. P resume a obra da criação como o “toledot do céu e da terra” (2.4), e em seguida apresenta uma lista igualmente organizada de toledot (hebraico: “origens”, “começos”) da humanidade:

Dez toledot de Adão a Noé (5.1)

• Nações do antigo O riente reportam sua origem a tempos prim ordia is míticos; na pré-história bíb lica, pelo contrário, Israel não aparece.

Page 53: Atlas da bíblia     annemarie ohler;  tom menzel

Criaçião

toledot 2.4 a

“ G erações” do céu e da te rra

2.4 b C riação e invasão do

pecado

4 .1 6

Dez gerações de A d ão a té Noé

Dez gerações de Sem até

A b ra ã o

A Construção de Gênesis 1-11

Gênesis 6.1 8 ss \ c riação é salve

pelo justo

Êxodo 39 .32 Israel concluiu a obra

com a construção do Templo

Gênesis 17 Os justos

respondem

Em sinal da A liança de A b ra ã o Ieles pra ticam a circuncisão | "/yfrb,

'l * £ r

O tex to sacerdota l: c riação e a liança com Deus

A te rra é corrom pida

Gênesis

A ob ra de Deus está te rm inada

Gênesis 9 Aliança com Noé:

Deus se com promete

com sua criação

Page 54: Atlas da bíblia     annemarie ohler;  tom menzel

• toledot dos povos (10.1)

• dez toledot até Abraão (11.10)

A narrativa do dilúvio ilustra como a violência de homens e animais destrói esta ordem. Deus coloca limites para esse dilúvio (7.4; 8.3), mas suas conseqüências terríveis perduram; a palavra de Deus no capítulo 9 comenta estas conseqüências. Com tristeza e ironia, Deus “aprova” que a bênção da fertilidade e do domínio dada igualmente a homens e mulheres (1.28) seja atribuída somente aos homens e que esse senhorio deva causar “terror e medo”. O tabu do sangue deve ao menos despertar a lembrança do valor dos animais e a ameaça da pena de morte deve proteger a vida humana. Permanece um sinal de esperança: Deus escolhe o arco-íris para lembrar-se do pacto feito com os seres humanos e os animais.

Israel responderá a esse pacto com Deus construindo o templo; à “conclusão do trabalho de criação” (2.1) corresponderá, então, a “conclusão do trabalho” (Êx 39.32) que ele designou ao ser humano. No entanto, diferente do que ocorre em registros do antigo Oriente, para P o templo não é a coroa da criação; a criação está completa quando Deus “descansa” (hebraico: shabbat, 2 .2 S ). O ser humano já tem participação no descanso sabático, que não precisa de templo.

A camada narrativa conhecida como javista (J) pode ser facilmente distinguida dessa representação estilizada. J inclui fragmentos narrativos mesmo nas listas de nomes.

J demonstra, de maneira diferenciada, a proximidade que há entre a grandeza e a miséria da humanidade. Três narrativas abordam a quebra

de vínculos - entre homem e mulher, entre irmãos, entre pai e filhos - e como bênção se torna maldição (3; 4; 9.18-27). No entanto, a humanidade busca novas bênçãos:

Adão celebra a vitalidade de Eva (3.20);

• Caim funda uma cidade para seu filho, como um espaço de vida não manchado pela culpa do pai (4.17);

Dois filhos de Noé defendem a honra do pai bêbado (9.23).

Homens culpados também são criativos. Assim como Deus plantou o jardim e fez roupas, também eles inventam bens culturais. Mas nem tudo traz bênção:

• Do ponto de vista histórico religioso, J é mais antigo que P, pois essas narrativas foram em torno do surgimento da cultura fa m ilia r e cotid iana.

Page 55: Atlas da bíblia     annemarie ohler;  tom menzel

• A arte do ferreiro leva ao desejo de assassinar (4.23);

• A invenção da construção com tijolos desperta a arrogância,levando-os a tentarem se equiparar aos céus (11.1-6).

Assim como em P, também em J os povos pertencem ao mundo pós-diluviano, isto é, histórico, no qual Deus precisa admoestar a humanidade:

Deus abrevia o tempo de vida, para que os governantes não tenham tempo demais para considerar-se como deuses (6.1-4).

• Um povo se tornará “servo” de povos “irmãos” por ter desprezado a autoridade paterna (9 .25S S).

• Deus dá línguas diversas à humanidade, para que ela não persigaum alvo único idealizado por ela mesma (11).

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❖ FÉ da c r ia ç ã o (Gênesis 1 e 2)

As imagens de caos não explicam o que havia antes de Deus criar o mundo, mas como a humanidade experimenta o mundo quando não reconhece a Deus como o doador da vida. Por isso, não há contradição no fato de que as águas (1.2) e o deserto (2.5) dominavam antes da criação. Ambas são imagens de poderes hostis à vida, mais fortes que o ser humano. Deus não os eliminou, antes limitou o poder deles, incorporando-os à criação na forma de noite, mar, oceanos e desertos.

Os relatos sobre os feitos criadores de Deus não explicam de onde vem a criação, mas para quê ela existe. Deus elimina o caos (1) e planta um oásis (2). Ambas as situações se baseiam na ideia que a criação não é simplesmente o surgimento de algo; ela é o estabelecimento de uma ordem na qual a vida pode prosperar.

Os testemunhos do início da humanidade não falam de um estado original perfeito e que foi perdido, mas de oportunidades e perigos que sempre existiram. A bênção do domínio (1.28) usar palavras duras - “subjuguem”, “dominem” - para alertar para o fato de que o domínio pode facilmente resvalar para a violência (6.13). A imagem do jardim que precisa ser cultivado e guardado (2.15) captura as experiências da humanidade que deseja preservar o bem.

O Antigo Testamento compartilha com toda a cultura do antigo Oriente a noção de que a criação precisa ser preservada.

No AT, a fé da criação é um tema mais periférico; o tema central é o reconhecimento do Deus de Israel, que cuida dos seus através da história. Já nas religiões do antigo Oriente, o tema central era a preocupação com os ciclos da vida. Também o estado buscava aqui sua legitimação religiosa; os reis gostavam de apresentar-se como protetores da árvore da vida, símbolo do mundo vivente.

Textos isolados do AT relembram que Israel herdou a fé da criação. É o que diz , p.ex., Gênesis 14.18-20: Abraão louva Melquisedeque, um rei pré- -israelita, como sacerdote da divindade que “criou os céus e a terra”.

As experiências dessa época deram às imagens veterotestamentárias da criacão sua coloração específica. Um profeta de nome desconhecido, o assim chamado Deuteroisaías, esclarece aos judeus deportados que, por ser Criador do mundo, seu Deus estava próximo deles mesmo em terras estrangeiras. Ele vinculou a ideia do Criador como doador da vida com as

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M itos percebem forças da natureza como deuses

A Bíblia fa z distinção entre Deus e o mundo

no mundo através de suas obrasDeus atuei

através do céu e da terra , po r e le criados

(Gn 1.1)

os deuses querem P ce leb ra r bodas

p o r águas hostis à v ida que ele fez

(Gn 1.7)

pe la serpente, po r ele c riada

(Gn 3.1)

deuses lutam a fa vo r e contra a v ida

pe la á rvo re de v ida que ele plantou

na nascente dos rios (Gn 2.9 ss)

Deus precisa im ped ir o acesso da hum anidade

(Gn 3.24)

através das pessoas, que devem ser representantes

do senhorio d e Deus (Gn 1.28)

uma deusa ca rre ga a fonte dos rios do mundo

através da hum anidade c ria d a à im agem e semelhança de Deus

(Gn 1.27)

Q uerubins v ig iam a árvore, símbolo d a v id a no mundo

Visão de mundo

do Antigo O riente

O rei p ro tege a ordem no mundo

O fa ra ó é imagem do rei dos deuses

M od ifica cão de visões nos textos bíblicos sobre a criacão

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más experiências históricas de Israel, e anunciou que Deus dá habitações aos homens e “cria” (bará) trevas e desgraça (Is 45.7,18). No hebraico, bará é um termo teológico; aquilo que Deus “cria” não pode nem mesmo ser imaginado pelo ser humano. Deuteroisaías ensina, portanto, que, se Israel aceitar coisas “inimagináveis” de Deus, encontrará oportunidades de vida também na desgraça.

Em Gênesis 1.1, bara serve à precisão teológica: como tudo (“céus e terra”) começa somente quando Deus “criou”, tudo, exceto Deus, é “não-Deus”.

Estes relatos foram colocados antes da obra principal do AT (Gênesis a 2Reis) a fim de que Israel, um povo cuja história parecia terminada, encontrasse coragem para um novo começo.

Gênesis 1 apresenta ensinos sacerdo­tais sobre a ordem de Deus a um povo que quase pereceu no caos histórico do exílio. O texto é altamente estilizado e exalta a multi­plicidade do poder criador de Deus. Por sua palavra, Deus cria coisas novas, organiza o caos, “remodela” a matéria, desperta a vida em suas criaturas. O ser humano, a “imagem e semelhança de Deus”, deve “dominar” a criação, sendo confiável na manutenção da ordem e, ao mesmo tempo, diferente.

A contribuição javista encorajou o Israel que tinha perdido sua liberdade política e vivia disperso a buscar novas bênçãos, apesar da miséria e da culpa na vida cotidiana e na família. A imagem do antigo Oriente com a “árvore da vida” fortemente vigiada ganha novo significado: na verdade, Deus deu ao homem livre acesso à vida. J explica o motivo do bloqueio pela imagem (inventada por ele mesmo?) da “árvore do conhecimento do bem e do mal”. O desejo pelo conhecimento está plantado no ser humano como uma boa árvore frutífera, pois é isso que o arranca de seu rígido egocentrismo. Mas a conseqüência

• A févete rotesta mentá ria na criação não tra ta de uma pré-H istória distante e inacessível, mas in terpre ta experiências que sempre existiram no mundo.

• A fé da criação só ganhou significado para Israel como um todo quando o povo perdeu o reino, a te rra e o templo, ou seja, todos os símbolos históricos da prox im idade com Deus.

• Os relatos da criação em Gênesis 1 e 2, form ados ao longo de muitas gerações, unem numerosos conceitos prim itivos com novas imagens e pensamentos.

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será mortal se ele “comer” do fruto do conhecimento, ou seja, consumi-lo por si mesmo. Ele encontra ajuda para lidar corretamente com o conheci­mento quando o faz em conjunto com a pessoa que está diante dele, como a mulher em relação ao homem, pois pode-se dizer que ele se agrada dela justamente por ela ser diferente e pensar de modo diferente dele.

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❖ A PROTO-HISTÓRIA DE ISRAEL (GÊNESIS 1 2 -5 0 )

Os estados do antigo Oriente buscavam suas origens na pré-história: o Egito era considerado como o primeiro país a surgir das águas primor­diais, e o santuário de Babel, como a “casa da fundação do céu e da terra” (babilônio: e-temen-an-ki). O Pentateuco, por sua vez, separa a pré-histó­ria da proto-história de Israel. A pré-história (1-11) relata como a humani­dade se afastou cada vez mais de Deus. O chamado de Abraão dá início à história das escolhas: como indivíduo, Abraão é chamado para longe de seus relacionamentos humanos para ter um relacionamento com Deus; esse laço é passado a somente um de seus filhos, e, de toda a descendência de Abraão, somente Israel é o povo de Deus.

As etiologias (grego: “estudo das causas”) de lugares sagrados, como por exemplo Betei (28), e de costumes como a circuncisão (17) derivam elementos da devoção israelita de acontecimentos da época pré-israelita:

Os temas principais da fé de Israel - aliança, revelação, eleição - já estão prefigurados na época pré-israelita.

Abraão é considerado pai de muitos povos, portanto Israel é “irmão” de outros povos. As árvores genealógicas da “parentela” de Abraão repre­sentam processos históricos artisticamente condensados; os povos semíticos que viviam na Palestina desde o início da Idade do Ferro eram considerados “parentela” de Israel.

A linhagem Abraão - Isaque - Jacó está conectada com as genea­logias que, desde Genêsis 5, demonstram como a bênção da criação continua a operar sobre a humanidade.

Um texto-ponte (12.1-3) explica que Deus chamou a Abraão para sair da sua terra e do meio de seus parentes para que por meio dele “todos os povos da terra” fossem “abençoados”.

Alguns relatos orientam a buscar também a responsabilidade de Israel para com os povos com os quais não está “aparentado”:

Por medo dos egípcios ou dos filisteus, os antepassados de Israel entregaram suas esposas, trazendo a desgraça sobre os estrangei­ros e vergonha sobre si mesmos (i2.ioss; 20; 26).

Trazem bênçãos por serem pacíficos e generosos (Gn 2 1.22 S S ;

2 6 .23SS ).

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CiclodeA b ra ã o12 -26

Seqüênciaderelatos

1 1.27 a25.8

A b ra ã o

21.5a35 .28

Isaque

Ciclo deJacó2 5 -3 6

Relatosreunidos

r==*==

N arra tivassobreJosé3 7 -5 0

Traje tórianarra tivaúnica

Cam adas G enealog iasnarrativas

C Gênesis 1 2 -50 : estruturação

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Abraão, Isaque e Jacó tem igual importância apenas nas genealogias; os relatos, na verdade, tratam principalmente de Abraão e Jacó.

Três ciclos narrativos, diferentes em termos de tema, cenário e forma literária, formam, em conjunto, uma unidade sistemática na qual aparecem organizações sociais cada vez mais complexas ao longo de quatro gerações:

No ciclo de Abraão (12-26), que se desenrola principalmente em Hebrom, a fam ília é a maior comunidade. O futuro dependia de um filho nascer e permanecer vivo. Relatos isolados tratam dessa questão, que é resolvida nas promessas que trazem imagens de um povo numeroso.

O ciclo de Jacó (27-35) se passa em Betei, Siquém e no Eufrates. Seu tema principal, a disputa de parentes pela bênção, reflete conflitos das tribos. Uma sucessão de relatos forma uma unidade narrativa na quala tensão criada no começo - pode uma bênção, obtida pelo engano, serealizar? - se mantém e é resolvida no final.

A história de José (37-50) acontece principalmente no Egito e mostracomo um bom governo pode suprir as neces­sidades das pessoas. Um arco narrativo único mostra como é possível haver reconciliação depois de uma grave crise familiar.

Estes ciclos estão interligados de várias maneiras:

• As variações nos relatos mais antigos sobreIsaque (2 6 ) são de tal mandeira figuradosem Abraão (2 0 ; 2 1 .2 2 S S ), que as falhas e agrandeza do pai se repetem no filho.

• O ciclo de Jacó começa antes do relato de Isaque (26), com as histórias dos nascimen­tos (25).

• Há uma tradição inserida na história de José que faz uma variação sobre um tema do ciclo de Jacó: não israelita. Mulheres se tornam mães em Israel. As tribos de Israel devem sua existência a duas arameias (29), e a tribo de Judá existe graças à cananeia Tamar (34).

• De acordo com Gênesis 1 2 -50 , as origens de Israel devem ser buscadas no âm bito da história.

• A proto-h istória de Israel e a história da hum anidade estão re lacionadas entre si.

• Conceitos d iferentes a respeito da proto- -história de Israel estão entrelaçados.

• A proto-história de Israel é contada como sendo não somente dos pais e mães de Israel, mas também de outros povos aparentados.

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Somente textos veterotestamentários passam a referir-se a essa história como mera história dos antepassados, recorrendo a uma fórmula para fazer menção a ela (Êx 3.6 e outros). Abraão, Isaque e Jacó só passaram a ser referidos como “patriarcas” nos tempos pós-bíblicos.

O fato de narrativas de estilos diferentes aparecerem frequentemente lado a lado, Gênesis 12-50 ofereceu importantes pontos de partida à moderna investigação das fontes, apesar de até hoje nenhuma hipótese explicar o texto completo de forma satisfatória. Os narradores devem ter produzido esses textos ao longo de centenas de anos, a fim de cons­tantemente renovar seu entendimento da história de Israel a partir de suas origens. Eles falam das coisas que aconteceram para questionar o que acontecerá com Israel. Essa impressionante arte narrativa tem fins educacionais.

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❖ P a n o de f u n d o h i s t ó r i c o de G ê n e s is 1 2 -5 0

A região montanhosa e arborizada da Palestina, antes praticamente despovoada, foi tão rapidamente colonizada no século XIII a.C. que os novos ocupantes provavelmente conheciam as técnicas de agricultura comumente usada nas planícies de Canaã.

Durante a Antiguidade, a sociedade da Palestina era composta por agricultores, moradores de cidades e pastores das estepes que se estendem entre os terrenos cultivados e o deserto desde o alto Eufrates. Nesse sentido, a apresentação bíblica também tem razão.

Estes grupos não deixaram quase nenhum vestígio arqueológico per­ceptível; por terem tido pouca relevância política, também não é de se esperar que eles sejam citados por fontes da época. Por isso, as com­parações com as tribos politicamente ativas de pastores nômades, que aparecem no arquivo de Mari (século XIX a.C.), seriam apenas parcial­mente aplicáveis.

O relato sobre a expedição militar de Abraão na guerra contra os nove reis (14) é um acréscimo não histórico; este era o conceito de guerra mundial que se tinha no século II a.C. (cf. o livro de Judite).

Chama a atenção que o AT nunca fale dos antepassados camponeses de Israel e frequentemente rejeite com violência tudo que é cananeu. Uma explicação possível é que a sociedade estratificada das cidades cananeias fosse repulsiva para os israelitas, que tinham uma sociedade baseada no parentesco. Por isso, o AT afirma que os antepassados de Israel eram

estrangeiros na terra e rejeitavam os casa­mentos mistos. Mas ao mesmo tempo fala de sua maneira pacífica de ser. Isso não reflete tradições de uma época muito antiga, anterior à fundação do Estado de Israel. Na verdade, os narradores bíblicos bem sabiam, por expe­riência própria, que os pastores precisavam manter a paz com a população sedentária, até por causa da lentidão dos animais.

Somente uma narração fala sobre uma disputa: os filhos de Jacó atacam a cidade de Siquém à traição; mas seu pai, Jacó, os repreende (34.30).

• Muitos dos antepassados de Israel provavelmente eram agricultores cananeus que, na in tranqü ilidade do século XIII, foram pa ra as montanhas.

• Entre os antepassados de Israel havia também fam ílias de nômades que pastoreavam rebanhos.

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0 Lugares datrad içãoabraãm ica

■1 Terras dos clãs de pastores

li Terras irrigadas,de agricu ltura

d e s e r t o

A estepe, te rr itó r io de pastores nômades de g ad o menor

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Tradições locais

A proto-história de Israel é contada do ponto de vista pós-exílico. Isso se torna evidente logo no começo: em doze versículos (11.31-12.xo), Abraão atravessa todo o espaço cultural de “Ur dos Caldeus” até o Egito (mais de 2000 km).

A tribo arameia dos caldeus aparece pela primeira vez no século VII a.C.; os reis caldeus de Babel venceram Assur, destruíram Jerusalém em 587 a.C., e deportaram os judeus para a região de Ur.

Depois de perder sua terra, os judeus foram espalhados por todo o Oriente, desde “Ur dos caldeus” até o Egito; em todos estes lugares, eles deveriam manter em mente que a única pátria de Abraão estava em Deus.

Este programa tão abrangente é, no entanto, apenas uma introdução aos ciclos narrativos ligados a pontos de diferentes regiões do terreno montanhoso de Israel. Aparentemente, muitos assuntos das narrativas saíram de antigas tradições familiares orais das tribos camponesas que constituíram a “parentela” de Israel, reunidos de modo a formar a história das famílias dos antepassados de Israel.

Os esboços teológicos foram agregados de forma descontraída às narrativas, principalmente na forma de promessas. Os autores do texto final não alteraram a atmosfera realista dos relatos, para que as pessoas continuassem capazes de neles reconhecer suas próprias experiências cotidianas.

História da vida cotidiana e da religião

Mentalidade e costumes só mudam de forma lenta. Por isso, o valor das narrativas em Gênesis, escritos ao longo de séculos, não fica diminuído. Na verdade, isso só servia para aumentar a riqueza de detalhes relaciona­dos à vida cotidiana:

• A ambientação dos nômades pastores de gado se reflete em nomes como Raquel (Rahel, hebraico: “ovelha”) ou no fato de que pastores de Canaã visitavam seus parentes no alto Eufrates, dando pouca atenção às fronteiras.

O modo de pensar dos agricultores se manifesta quando a preocu­pação com a herança determina os costumes. Os pais procuram uma esposa para o filho; somente os filhos asseguram a continui­dade da família.

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• A religião fam iliar se torna palpável nas narrativas que conta a respeito de um Deus que faz suas as preocupações de seu povo. Deus é chamado pelos antepassados da família: “Deus de Abraão”, Deus de Isaque”, “temor de Jacó”.

Pedras, fontes e árvores são símbolos simples da proximidade de Deus; os altares não servem para cultos elaborados, mas para a santificação da terra.

A idade dessas tradições se mostra pela sua citação de lugares sagrados como Berseba, Hebrom, Betei ou Siquém, contra os quais os profetas polemizavam desde o século VIII a.C. Ainda que ao final Jerusalém tenha se tornado o único lugar santo de Israel, esses relatos sobre santuários não desapareceram, pois não falam de uma divindade ligada a determi­nado lugar, mas do Deus que se vinculou à humanidade e vai ao encontro dessa sempre que ela necessita dele. Textos bíblicos mais recentes inter­pretam esse conceito de Deus com a expressão “aliança divina”.

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❖ O S CICLOS NARRATIVOS DE ABRAÃO E JACÓ

O ciclo de Abraão (11.27 ~ 26.33) compreende textos de tipos muito diferentes:

• Alguns relatos (p.ex., 12.10-20) apresentam o acontecimento de forma precisa e resumida, enquanto outros descrevendo o evento em longos diálogos (24.1-67);

Itinerários (12.5-9) e genealogias (25.1-6), com uma seqüência de nomes;

As promessas permeiam todo o ciclo, mas nunca coincidem completamente;

Dois relatos de visões (15; 17) interpretam a tradição abraâmica por meio de conceitos teológicos diferenciados.

As contradições não são atenuadas; duplicações (12 .10 S S ; 20 .1SS) dão a impressão de serem experimentos em torno de problemas e personagens. Aparentemente, as questões temáticas eram mais importantes para os redatores do que uma biografia plausível.

Quando Abraão morre, sua única propriedade é uma tumba. Ele morre antes de ver sua família se perpetuando nos filhos de Isaque.

A promessa do filho (18) é compatível com as tradições de um pastor nômade, mas o mesmo não acontece com as promessas de multiplicação da descendência, com suas imagens de um povo numeroso ou mesmo muitos povos descendentes de Abraão. Esses registros pretendiam antes encorajar seu povo. Israel viveu períodos em que a população era diminuta; o povo encontrava ânimo no exemplo de Abraão, cuja perspec­tiva de futuro só era possível devido à sua confiança em Deus.

As promessas de terra referem-se a regiões nas terras montanho­sas da Palestina, com uma exceção: de acordo com Gênesis 15.18, Deus

havia prometido que os descendentes de Abraão possuiriam todo o território entre o Egito e o Eufrates. Provavelmente, este texto foi projetado como propaganda contra os tratados com os quais Assur, no século VIIIa.C., subjugou os povos cananeus. É um texto que reforça a santidade do direito que esses povos tinham às suas terras. Em uma visão

• Os temas da te rra e da posteridade são constantes; o tempo presente do re la to g ira em torno de promessas não cumpridas.

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‘Depois dessas coisas”(22.1)Deus pede a Abraão o sacrifído de Isaque

23... Sara e com pra o sepulcro em Hebrom

A b ra ã o vive so litá rio e se preocupa com...

... Isaque, para quem busca uma esposa

... todos os filhos, dan do presentes

A Ciclo de A b ra ã o : composição de relatos individuais

Briga entre irm ãos Jacó engana; irm ãos se tornam inimigos mortais

28 Fuga 'j

V ida de Jacó Jacó encontra o Deus abençoador

29

Briga entre parentes

Jacó é enganado por seu sogro

R iva lidade entre irmãs

As mulheres de Jacó têm doze filhos, pais das tribos

de Israel

Reconciliação f in d a a in im izade

Jacó en< lutam

Filhos de Jacó quebram um pacto, roubam e assassinam

B Constelação das figu ras no ciclo de Jacó

A liança resolve b r ig a

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única na Bíblia, Abraão vê como Deus usa uma aparição de fogo e um ritual de automaldição para assegurar esse direito a seus descendentes.

Os relatos sobre as falhas de Abraão aparecem em agudo contraste com as promessas. Em duas ocasiões, Abraão está disposto a entregar Sara a estranhos (12 e 20); em duas ocasiões, ele coloca Agar e seu filho Ismael em situação de grande dificuldade (16 e 21). É somente graças à intervenção divina que as coisas se acertam. Esses relatos enfatizam que o povo de Abraão deve sua existência somente a Deus, pois este cumpriu

' sua palavra apesar da culpa do patriarca. Os relatos das visões (15 e 17) chamam essa fidelidade de Deus de “aliança”. De acordo com a convicção dos autores bíblicos, Israel entrou em uma aliança com Deus que este já cumpria mesmo antes de Israel existir.

Os relatos sobre as falhas compõem uma história de aprendizagem, que tem o seu primeiro ponto de virada quando Deus apresenta a Abraão o problema de “Sodoma”. Abraão exorta Deus a salvar os justos, mas ele mesmo não faz nada para advertir o único justo em Sodoma, seu sobrinho. Novamente Deus é o único salvador. Abraão não sabe disso, de modo que o susto de avistar a cidade em chamas (19.18) o faz sair da terra prometida (20.1). Em terras estrangeiras, seu fracasso é ainda maior. Ele quer entregar Sara (20), apesar de ela carregar o filho prometido por Deus (18); ele despede Agar e, mesmo que o fazia por ordem de Deus, agiu nisso de maneira tão descuidada, que Ismael quase morre de sede (21).

Logo a seguir (22.1) vem o segundo e decisivo ponto de virada. Deus exige que Abraão entregue seu filho, Isaque, e o salva somente no último momento. Depois dessa experiência terrível, Abraão fica solitário. Mas em três ocasiões ele prova que agora cuidará dos seus.

O cicio de Jacó é mais uniforme.

O ciclo de Abraão é perpassado por uma seqüência de promessas não cumpridas; Jacó, no entanto, experimenta uma existência abençoada. Ele conquista o amor de mulheres, muitos filhos homens, rebanhos grandes e férteis. Mas também ele tem uma história de aprendizagem. Ele obteve a bênção do pai de forma fraudulenta, precisa fugir do irmão traído, sofre traição e aprende trabalhar duro para conquistar bênçãos para suas mulheres e filhos.

As constelações espelhadas são artisticamente descritas: a briga entre irmãos quase termina em morte; a disputa entre duas irmãs pela

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maternidade dá vida às tribos de Israel. A briga entre os irmãos termina porque o irmão traído está disposto a se reconciliar; a briga com o sogro é resolvida por meio de um contrato. Nos pontos de virada decisivos da redação há relatos de encontros com Deus (28 e 32). Deus abençoa o fugitivo jacó; Deus ataca o ricamente abençoado Jacó no retorno a sua casa. Mas é nessa luta que ele recebe o nome de “Israel”; Israel deve ter em Jacó o modelo correto para conquistar bênçãos.

• Uma questão é sugerida pelas histórias dos nascimentos (25), sendo intensificada em várias ocasiões e, por fim, resolvida (33): o que acontece quando um de dois irmãos é abençoado (bem- -sucedido) e o outro, não?

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❖ Po n t e s en t r e a s t r a d iç õ e s d o s p a t r ia r c a s e do Êxo d o

Os livros de Êxodo a Deuteronômio relatam como Israel deixa o injusto Egito e, no deserto, sozinho com seu Deus, aprende tudo o que precisa saber para viver como povo livre. A saudade do Egito é entendida como rebelião contra Deus (Nm 11); as leis proíbem aliança com Canaã (Êx 23.32). O Israel histórico, no entanto, vive da herança cultural cananeia e egípcia. Esse é o lembrete de dois relatos que, em Gênesis 37-50, funcionam como pontes entre as tradições dos patriarcas e do êxodo:

A narrativa de José (Gn 37-50) contradiz a imagem do Egito como um país injusto. Ela chega a exaltar a propriedade de terras e agricultura por parte do estado, uma das ordens mais detestadas pelos agriculto­res livres de Israel (iSm 8 .14 S ) ; graças a essa regulamentação, o Egito foi capaz de alimentar também os estrangeiros. Na família de Jacó, por sua vez, irrompe a violência; o fratricídio só não acontece porque o tráfico de escravos parecia mais vantajoso.

Diferentemente das histórias em torno de Abraão, Isaque e Jacó, as mulheres não desempenham papel algum. A brevidade e o tema (a aflição da mulher sem filhos) da história de Tamar, intercalada na narrativa sobre José (38), lembram as narrativas dos pais de Israel. A cananeia Tamar engana o sogro para que ele tenha relações sexuais com ela, e ele acaba reconhecendo que ela agiu com justiça; pois somente

assim ela pôde dar um herdeiro legítimo ao seu falecido marido, tornando-se mãe da tribo de Judá.

As histórias de José e de Tamar, com suas imagens de um país egípcio justo e de uma mulher cananeia virtuosa, se desviam da norma; mas, por serem narrativas da quarta geração depois de Abraão, são também parte da proto-história de Israel. Além disso, a narrativa de José explica como os antepassados de Israel chegaram ao Egito. A fome os impeliu para lá, e ali permaneceram pelo fato de terem encontrado José, o irmão vendido, como alto funcionário e se recon­ciliado com ele.

• O Pentateuco fa la de duas origens de Israel: de acordo com Gênesis 1 2 -50 , o povo procede de um clã oriundo do Eufrates; de acordo com Êxodo a Deuteronômio, ele procede do Egito. Ambas as linhas de narração levantam a ide ia de que Israel orig inalm ente era um povo estrangeiro em Canaã.

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A dup la história das origens de Israel contada por...

... qua tro gerações de uma fam ília

Gênesis12

12

16

37

38

39

49

... duas gerações de um povo

A b ra ã o se distancia de seus parentes no Eufrates e iro . , _ .

em Canã Pals do ES " °Israel é estrangeiro I lsroel se d is,° " d ° d ° inW**°

Fome leva A b ra ã o ao Egito.E expulso como homem injusto.

Opressão na casa de A braão, a escrava egípcia , H agar, foge

No Egito, os antepassados

de Israel encontram sustento e estado

de d ire ito

Injustiça na casa de Jacó. José é 1___Jvend ido e levado p a ra o Egito

Tamar, a cananita, se to rna , por d ire ito , m ãe da tr ib o de Judá

Fome leva a fam ília de Jacó p a ra o Egito

Jacóabençoa

O 0-

N o deserto...

... Israel aprende...

... normas justas de como viver.

Êxodo 1-15

Êxodo 16 -40

Levítico

Números

■O O

Deuteronômio

Deuteronômio 33: Moisés abençoa

Israel é o povo bendito, de doze tribos, d e C anaã

O0

Representação do relacionam ento de Israel com o Egito e C anaã

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Chama a atenção a colocação de dois textos paralelos, quereforçam essa ponte entre as tradições dos patriarcas e do êxodo:

No final do relato sobre José e no final do Pentateuco, o texto traz doze bênçãos sobre as tribos, respectivamente pela boca de Jacó e de Moisés (Gn 49, Dt 33). Moribundos, ambos contemplam o futuro de Israel. O clã de Jacó sobrevive porque eles encontraram salvação no Egito, e Israel sobrevive porque foi salvo do Egito.

• Assim como a história de José, também a de Abraão (12.10-20) projeta uma imagem contrária à ideia do Egito como país injusto. Abraão também foge para o Egito devido à fome. Lá, ele, por medo, entrega sua esposa e o faraó o expulsa do país, chamando-o de homem injusto.

Portanto, as narrativas de José e Tamar também formam uma ponte temática entre as duas histórias sobre as origens: Israel deve sua vida ao ministro egípcio que renuncia à vingança; Judá deve a vida à cananeia Tamar que, pela astúcia, faz com que a justiça triunfe.

Como os homens aprendem a justiça que sustenta a vida? Essa pergunta é frequentemente examinada na tradição dos patriarcas e do êxodo.

Assim como Tamar, nestas narrativas as mulheres tomam a iniciativa de lutar pelo direito de continuar gerando vida.

Duas histórias de aprendizagem acabam mal porque os filhos não cumprem o que seus pais aprenderam a muito custo:

• Depois de muitas falhas, Abraão aprende a cuidar dos seus. Mas Isaque está novamente disposto a entregar sua esposa (26).

• Jacó aprende que não é o engano que traz a bênção, mas o trabalho, o cumprimento dos acordos e a generosidade. Seus filhos, no entanto, quebram um acordo, roubam e matam (34).

A fam ília de Jacó só aprende a agir com justiça uns para com os outros porque a mão

• O tema central das narrativas de José e de Tamar é a justiça que serve à v ida. Desta form a, essa composição narra tiva se torna o texto-chave pa ra as duas partes da história das origens de Israel.

• O Pentateuco re lem bra as origens de Israel, pa ra que o povo busque sua origem nas ações de Deus, que também em Canaã e no Egito abençoa aqueles que praticam a justiça.

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oculta de Deus transforma o mal em bem em tudo que acontece a José e em tudo o que ele faz (50.20).

Nos livros de Êxodo a Deuteronômio, Israel aprende que, mesmo sem a constante intervenção de Deus, as boas leis, que permitem a convivên­cia próspera de todo um povo, promovem a justiça. Ao ler Gênesis 12 a Deuteronômio 34 como uma história de aprendizagem, fica claro que as pontes que as histórias de José e de Tamar não constroem uma ponte casual entre a história dos antepassados e a história do Êxodo.

De acordo com a convicção desses autores veterotestamentários, Israel somente pode se entender como povo escolhido porque Deus lhe deu lições detalhadas e pacientes.

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❖ A s a íd a d o Eg it o (Êx o d o )

Os livros de Êxodo a Deuteronômio contêm leis de momentos diferen­tes da história de Israel; a quantidade de passagens narrativas é pequena. No entanto, todos juntos formam um relato que confere autoridade às leis, demonstrando como Israel se tornou uma nação com leis próprias. Seria bom se os acontecimentos aqui narrados nos levassem a cumprir as leis que regem sobre nós.

Essa ideia das origens de Israel surpreende por várias razões:

Considera-se início da história de um povo de agricultores a sua saída para o deserto.

• Nas altas culturas antigas, o evento inicial fundamental era a fundação do estado. Para Israel, no entanto, o êxodo dá início a uma vida na qual eles, durante muito tempo, não precisarão de instituições estatais.

• As genealogias (Gn 25 e 36) mostram como os descendentes de Abraão se tornam um povo; o AT não explica o surgimento de Israel por meio da multiplicação natural. É verdade que Êxodo capítulo 1 relata como a família de Jacó aumenta no Egito, mas apenas como um grupo de escravos sem direitos. É fora do Egito, no deserto, que Israel se torna um povo.

As circunstâncias históricas, segundo as quais os impérios do antigo Oriente quase sempre impediram Israel de se desenvolver livremente, explicam por que a saída do Egito tenha se tornado imagem original do início da história de Israel. Em 586 a.C., o povo perdeu definitivamente sua independência como nação. A figura do êxodo registra como é possível superar uma catástrofe assim: Israel não precisa construir um estado nem possuir terra para ser um povo.

• O êxodo é o evento fundam ental da história de Israel in te rp re tada pe la fé . Todo o Israel de ixa o país em que era um povo escravizado pa ra , no deserto, ap rende r a viver de fo rm a independente.

• As experiências históricas das ameaças existenciais contra Israel estão re fle tidas na form a como a narra tiva descreve o êxodo como Israel sendo salvo da morte.

• Israel se entende como o povo que crê que o seu Deus não to le ra a opressão e não quer que pessoas sejam tra tadas como meras ferramentas.

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“ ícones” do fa ra ó divino...

... inspiram os narradores bíblicos

Exodo 1.22 Faraó ordena o assassinato dos bebês

Êxodo 14.28Os carros de gue rra d o fa ra ó a fundam no m ar

A Imagens da tra d içã o do Êxodo: salvação das vítimas do Estado opressor

Palácio

H l Forta leza

f~ | Templo

1 50km

B Uma possível representação histórica da saída do Egito

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Em Êxodo 1-5, o Egito é descrito como um estado que quer erradicar o povo de Israel por meio do trabalho extenuante e do assassinato abertamente ordenado.

• O núcleo da tradição do êxodo é a salvação de um Israel indefeso diante dos carros de guerra egípcios (14S ).

Em nenhuma das imagens veterotestamentárias do Êxodo vê-se Israel tomando a iniciativa; somente Deus é quem o livra de um país que arroga poder sobre o ser humano. Em quase todas as formas literárias do AT - leis, relatos, salmos, livros proféticos - encontram-se constatações desse feito de Deus.

A historicidade do êxodo é frequentemente questionada nos dias de hoje. Não há documentos extrabíblicos sobre este acontecimento; no entanto, também não há provas que a tradição bíblica seja mera ficção. Na verdade, o cenário da narrativa do êxodo combina com informações de fontes egípcias:

“R a m e s s é s em Êxodo 1.11, lê-se que Israel que tinha sido forçado a participar da construção de “Pitom e Ramessés” (egípcio: “cidade de Ramessés”). Essa cidade construída por Ramessés II (1301-1234) foi aban­donada e esquecida logo depois de sua morte, pois o Egito não precisava mais proteger o delta oriental.

Trabalhos forçados: textos egípcios confirmam que os trabalhos mais difíceis eram feitos por prisioneiros de guerra ou por nômades captura­dos especificamente para este fim.

“Moisés”: o personagem principal da história dos começos de Israel tem um nome egípcio. Moisés (egípcio: “criança”) é um componente freqüente em nomes egípcios, como p.ex. em Ramessés (Ra Moisés), que significa “Ra (o deus sol) é criança”.

“Hebreus”: textos egípcios e cananeus dos séculos XV a XIII a.C., denominam pessoas que vivem fora da sociedade e da legalidade de hapiru. As origens históricas da fé bíblica no Deus dos oprimidos são lembradas em textos veterotestamentários nos quais os israelitas são chamados de “hebreus” no Egito, e o seu Deus é chamado de o “Deus dos hebreus” (1.15 e 5.3).

Mais tarde, o significado social é esquecido; “hebreu” torna-se uma palavra arcaica para “judeu” (Jn 1.9 e 2Mc 7.31).

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É bem possível que essas reminiscências remontem a um grupo que tenha passado por uma experiência forte de libertação dos trabalhos forçados e que se uniu aos agricultores que colonizaram as regiões monta­nhosas da Palestina, que se tornou a pátria de Israel. Possivelmente esses agricultores tenham sido trabalhadores não livres de cidades nas planícies de Canaã. Eles podem ter adotado as canções e histórias do povo do êxodo como expressão de suas próprias experiências de libertação quando foram viver nas montanhas.

No AT, a saída do Egito é a figura principal na interpretação das experiências de libertação de Israel. Isso mostra com que frequência a confissão de fé no Deus dos oprimidos deu a Israel a coragem necessária para sobreviver a catástrofes históricas que derrotaram outros povos.

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❖ 0 CAM INHO PARA O SlNAI (ÊXODO 1 -1 9 )

A tradição do Sinai relata que, diferentemente de outros povos, Israel aprendeu do próprio Deus a lei que seria aplicada à vida em sua terra quando ainda estava fora dela, no deserto. Porém, de acordo com Êxodo 1-19, não faltou muito para que Israel nunca chegasse ao lugar da proclamação da lei, o Sinai. A complexa estrutura desta unidade textual mostra com que frequência a questão da identidade de Israel e sua cons­tituição foi estudada. As narrativas sobre o caminho até o Sinai foram reescritas várias vezes, tecendo um texto no qual só aqui e ali é possível reconhecer fios narrativos sem quaisquer contradições.

Deus já tinha tudo preparado, antes mesmo de Israel existir. Quando ele ouviu os lamentos dos escravos, lembrou-se da aliança com Abraão e o concretizou (2 .23S S).

Este conceito pertence a uma camada textual que relaciona as tradições dos antepassados e do Sinai entre si. A camada textual mais antiga é aquela que apresenta Moisés como o líder de Israel no êxodo e no Sinai.

Moisés reconhece a mudança quando chega, com o rebanho, à sarça no “monte de Deus”. Deus o encarrega de conduzir Israel para fora do Egito e lhe revela seu nome (3 .14 S ). Dificilmente alguém teria contado que isto aconteceu a um serviçal dos midianitas, se o casamento com uma midianita não fosse tão importante na história de Moisés. Quando Israel está no Sinai ( 18 ) , Moisés recebe a visita de seu sogro midianita, que o instrui em questões de direito. Esse relato lembra que Israel aprendeu suas leis não somente de seu Deus.

Talvez o nome de Deus, Javé, também seja originário de Midiã, pois fontes egípcias chamam aos nômades da atual Arábia de “Shasu JHW ”.

A tradição veterotestamentária sobre o nome de Deus não faz de Moisés o fundador de uma religião; ele é mensageiro do Deus que defendera os

antepassados de Israel e um mediador da aliança com Deus. Deus revelou seu nome a Moisés para que escravos tivessem a coragem de se tornar seu povo. Na composição do relato de Êxodo 3SS, Moisés só tem certeza de seu chamado depois de mais experiências com Deus e de uma nova revelação do nome (6).

• A versão final de Êxodo 1-19 fa la dos p reparativos pa ra os acontecimentos do Sinai com re lação a Israel, Moisés e Deus.

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... no templo.

B Conceitos veterotestam entários sobre a presença de Deus em seu nome

Séc. XIV a.C. no Egito:são conhecidos os nômades de YAHU

?herdad o deles?

Javé, nome p ró p rio de Deus

#■ ______Hoje, entre os judeus

escrito com o te trag ram a YHW H e lido como

As pa lavras do AT herdadas de C anaã são:

“ deuses”

(plural d e intensidade)

Deus”

Esta fo rm a de le itura lem bra < sinais vocálicos:YeHoW aH

C O nome de Deus no AT: origem , significado, pronúncia

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Israel também não experimenta uma única virada decisiva, nem mesmo quando o poderio militar do país que o escravizara afundou no “mar Vermelho” (14). O caminho de Israel para o Sinai se assemelha a uma aprendizagem, encenada por Deus, com um final desconhecido. Deliberadamente, Deus envia Israel, que já tinha ido adiante, devolta para o Mar Vermelho (14.2); o povo precisava aprender que não devia temer nada no caminho apontado por Deus para a liberdade. Novos relatos descrevem um Israel atormentado pelo medo. No Egito, sua confiança em Deus se extinguira rapidamente debaixo do peso do trabalho (4.31;6.9); o evento no mar Vermelho despertou-a novamente (14.31). Mas logo expressam o desejo de voltar à escravidão, por medo da fome, da sede e de doenças (16 e 17). Constantemente, o povo precisa de novos sinais encorajadores (água que sai da pedra, o maná, uma vitória conseguida por oração).

As constantes variações de um mesmo motivo mostram que aqui a ideia não é relatar tudo da maneira como deve ter acontecido. Os nar­radores demonstram a dificuldade que há em ser, o tempo todo, o povo livre que respeita suas leis. Eles salientam isso falando constantemente de “Israel”. Com certeza estava claro para eles o quão irreal seria o fato de um povo inteiro (12.37) atravessar o deserto.

Leis pré-sinaíticas

As primeiras leis aparecem na série de relatos sobre as pragas do Egito. Pequenos animais como rãs e moscas ensinam a poderosa nação a temer. A última praga, a morte dos primogênitos, também afetaria Israel, se este não tivesse usado sinais simples, aprendidos por intermédio de Moisés, para mostrar sua confiança em Deus. A nação injusta prefere entregar

seus próprios filhos em vez de renunciar à violência; Israel, ao contrário, deve consagrar seus primogênitos a Deus, como lembrete que os filhos não são posses com as quais se possa contar. No Sinai, Israel receberá a lei que faz dele um povo, e, no caminho para o Sinai, aprende as leis para a vida familiar:

• A consagração dos primogênitos (13),

• A refeição da Páscoa, que a cada ano relem­brava a noite da libertação (12),

• No re la to sobre o caminho pa ra o Sinai são incluídas leis que demonstram que o tema principa l desta unidade textua l são as questões sobre a iden tidade de Israel que ia além do aspecto tem pora l.

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O sábado, celebrado em conjunto por senhores e servos, graças ao descanso do trabalho (16).

Depois do exílio, esses mandamentos se tornaram uma marca dos judeus; mesmo não sendo politicamente livre, as famílias do povo deveriam se lembrar da liberdade presenteada por Deus. Nesse período, uma miscelânea de materiais foram deliberadamente unidos para a com­posição de Êxodo 1-19, que demonstrava como Israel pôde chegar ao “Sinai”, isto é, encontrar sua identidade. Ela recomenda dois caminhos igualmente importantes: fé e obediência à lei.

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❖ ISRAEL NO SlNAI (ÊXODO 19 - NÚMEROS 1 0 )

A narração da permanência de Israel no Sinai é a perícope mais longa da Bíblia; estão presentes nela todas as leis relativas à vida social e religiosa de Israel ao longo dos tempos. Esse enquadramento dá um sig­nificado incomum às leis. Outras leis do antigo Oriente são leis estatais, proclamadas por um rei. As leis de Israel são presente de Deus para seu povo. Na mitologia babilônica, o ser humano é formado a partir do poder do derrotado do caos; o estado precisa assegurar a ordem mundial contra essa humanidade caótica. Já no AT, a vontade do Deus que libertou a Israel para que ele também trouxesse justiça aos oprimidos, está acima do estado, do templo e do sacerdócio.

A partir da análise de Paulo sobre a lei do AT (Romanos 3), alguns teólogos cristãos deduzem que haveria uma oposição entre lei e evangelho (grego: “boa nova”); mas isso não tem fundamento do ponto de vista do AT.

Somente nos Dez Mandamentos (20), que se apresentam como modelos para as demais leis, Deus fala diretamente com o povo. A pedido do próprio povo, todas as outras leis são dadas por intermédio de Moisés.

Depois deste preâmbulo, vem o chamado Livro da Aliança (21-23), como jurisprudência de Deus. Sacerdotes e Estado não aparecem nesse conjunto de leis. O povo autônomo de Israel pode regulamentar suas próprias questões legais. A composição seguinte (24) fala de três ações simbólicas que apontam o conjunto de leis do Sinai como fundamento da aliança de Deus com Israel:

• Como se fazia no fechamento de contratos, Moisés lê o “livro da aliança” e Israel o aprova.

Como se fazia no estabelecimento de uma irmandade de sangue, Moisés esparge o “sangue da aliança” sobre o altar.

Uma refeição, que Moisés e 70 anciãos tomam diante de Deus, sela a comunhão com Deus.

Ao usar a imagem de um santuário portátil extremamente ornamen­tado para uma tenda transportável, o texto fala do santuário pós-exílico, o templo de Jerusalém. Israel deve honrá-lo como sendo o lugar onde habita o Deus que lhes ensina a ter uma vida justa, pois este, ao entrar no

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A O fe rta de a liança (Êx 20) B Estabelecimento da a liança(Êx 2 1 -24 )

DEUS

do santuário fa la com

Moisés

^car reconciliação no santuário ; ,

E G a ra n tia d a a liança (Lv)

o ISRAEL convertido

constrói o santuário

D Nova A liança (Êx 33 -4 0 ) F A liança sag rada (Nm 1-10)

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seu santuário, se manifesta da mesma maneira como aparecia na nuvem no Sinai (40.34).

Em Deuteronômio 10.5S encontra-se outra ideia: o próprio Israel deve carregar a lei de Deus; a imagem usada é a da arca, uma caixa que contém as tábuas da lei. Mais antiga é a ideia da arca como

trono onde Deus toma assento no meio de Israel, e de onde se levanta para peregrinar com Israel (Nm 10.35).

Entre as instruções para a construção do tabernáculo (25-31) e para sua execução (35-40) estão intercalados textos que questio­nam se Israel seria digno da presença de Deus.

O relato sobre o bezerro de ouro (32) responde negativamente a essa pergunta. Enquanto Deus está no Sinai, instruindo Moisés a respeito do tabernáculo, o sacerdote Aarão declara que a imagem de um bezerro simboliza a presença de Deus. Já no Sinai, Israel quebra, assim, a aliança segundo a qual não deveria buscar a Deus em imagens feitas por eles mesmos (20.4).

Por trás dessa narrativa estão experiências do século VIII a.C., quando Israel, por medo dos assírios, se afundou no culto a imagens fundidas para assegurar-se da presença de Deus. Compare-se com Os 13.2: Homens beijam bezerros!

A composição nos versículos 3 3 e seguintes busca uma resposta positiva na mensagem da nova aliança. Ainda no Sinai, Deus renova a aliança por meio de uma nova revelação de seu nome - com nove promessas e uma ameaça (34 .6 S ) - e com um novo decálogo (3 4 .12 - 2 6 ) , que convoca Israel a observar os privilégios de Deus em sua vida cotidiana. Esse chamado direito privilegiado de Deus

• A prim eira pa rte da perícope do Sinai (20 a 24) compõe-se de textos que enfatizam que o p róp rio Israel, uma vez ensinado por Deus, deve cuidar pa ra que haja justiça.

• A segunda pa rte (25 -40 ) tra ta do significado do santuário.

• Na terce ira pa rte (Lv 1 - N m l 0), a continuação da narra tiva do Sinaié meramente ind icada pelas introduções antes dos textos legais. Uma rede de instituições deve d a r a homens falhos a possib ilidade de permanecer na aliança de Deus.

• Textos legais do AT in terpretam a trad ição do Êxodo; por isso, eles dão ao povo a prim azia sobre instituições estatais e religiosas. Nas leis, Deus ensina o povo por ele lib e rta d o a manter sua libe rdade .

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é mais antigo do que o decálogo; é possível que algumas das disposições já fossem incompreensíveis para os autores bíblicos (34.26b).

Devido à inserção dessas passagens, a construção do tabernáculo se torna um sinal da conversão de Israel (compare 32.2 com 35.29).

Rituais expiatórios bem definidos ajudam a recomeçar depois da falha (Lv 1-7);

• No dia da expiação, Israel tem, anualmente, a chance de recomeçar (Lv 16);

Leis acerca da pureza (originalmente: tabus) ensinam que sinais simples, como lavagens, são suficientes para honrar os âmbitos sagrados.

Também as leis sobre a sabedoria especial dos sacerdotes falam ao povo; as pessoas precisam saber de que forma o serviço sacerdotal lhes permitia aproximar-se de Deus. Somente uma lei se dirige diretamente aos sacerdotes: ela trata de comportamentos não permitidos ao sacerdote (Lv 10).

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❖ OS COMPÊNDIOS LEGAIS

O AT é composto por três compêndios legais:

O livro da aliança - B (Êx 20.22-23.33),

As leis de santidade - H (Lv 17-26),

A lei em Deuteronômio - D (12-28).

Em termos de construção e forma de linguagem eles se assemelham aos seus precursores do antigo Oriente. O mais conhecido foi o Código de Hamurabi (século XVIII a.C.) usado como texto escolar durante mais de mil anos. No prólogo, o rei se apresenta como o legislador encarregado pelo deus sol; o epílogo confirma a lei com bênção e maldição. Também os compêndios legais bíblicos terminam com bênção e maldição; o prólogo, no entanto, constitui-se das leis do santuário, que explicam como honrar a Deus. Esse início revela qual o objetivo dos códices bíblicos: eles não mostram como o rei executa a justiça, mas instruem Israel a como viver como o povo no meio do qual Deus habita.

B não menciona reis, nem sacerdotes ou qualquer instituição de jurisprudência.

D se refere ao povo como ideologias do antigo Oriente se referiam ao rei: ele é “eleito”. O rei somente tem a tarefa de ler, diariamente, a lei (Dt 17.19).

H contém prescrições especiais para os sacerdotes (Lv 2iss), mas elas são parte das regras válidas para o “povo santo”.

Também nos códices bíblicos há frases de direito casuístico, como os usados pelos especialistas na lei do antigo Oriente para compreender corretamente os incidentes (latim: casus) e determinar sentenças justas. No entanto, frases do tipo “quando..., então...” não são, aqui, direito san­cionado do estado; elas devem antes ajudar a assembleia de homens livres de determinado lugar a estabelecer a paz (Dt 21.19). O objetivo não é punir os agressores, mas resolver as disputas e reparar danos. A pena de morte está prevista somente quando há risco inevitável para a paz interna, e na maioria das vezes prevê apedrejamento executado de forma comunitária (Dt 21.21).

Sentenças apodíticas (evidentes, incontestáveis) assinalam limites que ninguém pode ultrapassar. Originalmente, elas aparecem nos ensinos

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^ k o d o 20: Decálogo

2 0 .2 2 -2 6Leis acerca da presença de Deus

Livro da A liança (B)2 3 .2 0 -3 3A dvertência e bênção

Êxodo 24 Estabelecimento da A liança

nÊxodo 25-31 Leis acerca d o Santuário

32 Q uebra da Aliança

Renovação da Aliança

^ jE x o d o 35-40 eis acerca do Santuário

Levítico 1-16 Leis rituais

de reconciliação

17Leis acerca da presença de Deus

Código de santidade (H)26Bênção, maldição, promessa*

Números 1-11 Leis para o povo em meio

do qual Deus está

A Leis do Sinai

O rei honra ao deus solar..

... po r isso escreve a lei com a qua l ...

... em uma hum anidade caótica...

§ § § § § §... estabelece a paz,

a justiça e a pro teção aos mais fracos

C Forma de discurso no cód igo de Ham urabi

Deuteronômio 1-11 Pregação d a Lei

Deuteronômio 29 Aliança através de Moisés

Deuteronômio 34 M orte de Moisés

D Leis em Deuteronômio

... ao povo, p a ra que homens livres

estabeleçam na terra...

... a pro teção aos mais fracos e justiça e lib e rd a d e

p a ra todos.

Sumérios

C. d e Ur-Nam m u | 30 §§^J

C. de Lipit-lshtar [40 §§_^J

babilônicos

C. de Eschnunna | 6 0 §^J

C. de H am urab i 28 2 í

usadocomotex toescolar

bíblicos

Códice deuteronomista

(Códice de santidade:idadej

séc. XXI

séc. XIX

séc. IX?

séc. VII

séc. VI

E Forma de discurso em D F Códices do A n tigo O riente

... a justiça de todos.

de discurso em B e H

Moisés.

atodo o povo...

... p a ra que...

se esforcem...

... pa ra p ro teger os fracos e...

Moisés transmite as pa lavras de Deus antes

de sua morte...

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pedagógicos, onde também está sua única comprovação extrabíblica. No AT, elas aparecem nas leis em listas de:

Delitos dignos de morte: “Quem fizer isso, certamente será morto” (Êx 21);

• Maldições contra pecados secretos (Dt 27);

Proibições: “Não farás... !” (Lv 18).

O Decálogo (Êx 20) não faz parte deste grupo. Ele utiliza a negação /o,6 presente em sentenças declarativas, e não a forma al presente nas proibições. Ele, portanto, não proíbe, mas em vez disso diz ao Israel libertado o que Deus espera deles: “Não farás...”

Estes enunciados não são juridicamente relevantes; essa é a forma de falar dos doutores da lei, não de legisladores. Isso também vale para a chamada lei de talião (latim: talis - qualis “tal qual”) em 2 1.23S S . Ela adverte a pagar “olho por olho, dente por dente...”, ou seja, quem causar dano a alguém, deverá pagar por isso reparação correspondente.

No prólogo ao Código de Hamurabi, o rei se apresenta como o ajudador dos fracos; as leis veterotestamentárias comprometem todo o Israel a ajudar de forma concreta:

• Os compêndios legais veterotestamentários

• B estabelece, mediante uma palavra de Deus, leis contra a exploração (Êx 22.2Óss);

não registram as leis do rei ou do estado, mas

• H interpreta leis sociais por meio do man­damento do amor ao próximo e ao estrangeiro (LV19);

as regulamentações do povo.

• Os compêndios legais bíblicos se apresentam como uma legislação

• D amplia antigas leis em benefício dos escravos (compare Êxodo 2 1.2S S com Deuteronômio 15 .12 S S ).

sem prazo de va lidade ; e la é o b rig a tó ria , mas não exige o mesmo em todos os momentos da história.

Os códices do antigo Oriente são datados a partir do nome do rei que os promulgou. De acordo com a narrativa bíblica, Israel, por sua vez, recebeu todas as leis no deserto. Mas comparações entre B, D e H permitem observar mudanças sociais:

• B trata de questões jurídicas comuns em sociedades rurais;

6 [NT] hebraico: não.

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D, ao contrário de B, já conhece a economia monetária; no “ano sabático”, o “descanso” não é previsto para os campos, mas para as dívidas (compare Deuteronômio 15 .1SS com Êxodo 2 3 .10 S ) ;

H ensina Israel, que não consegue mais regulamentar sua vida pública por conta própria, a viver como “povo santo do Deus santo”.

O relato de Números íoss é uma ilustração do motivo pelo qual as leis se modificam: Israel deixa o Sinai e entra em sua terra. Segundo a ficção subjacente a Deuteronômio, todos aqueles que estavam no Sinai já estão mortos há muito tempo. Diferentemente de B e H, D não teria sido anunciado no Sinai, mas pouco antes da entrada na terra.

Apesar disso, o Deuteronômio recorre a uma fórmula que protegia a redação das leis do antigo Oriente: “não acrescentareis nada, nem dimi- nuireis nada” (4 .2 ; 13 .1) . Dessa forma, também esse livro enfatiza que seu corpus legal é palavra de Deus dada no Sinai. É verdade que no Sinai Deus anunciou apenas o Decálogo e “nada acrescentou” (5 .2 2 ) , mas todas as outras leis foram confiadas à memória de Moisés, que as implantou na memória de Israel ( 3 1 .12 ) .

No período pós-bíblico, esse conceito foi transferido para toda a Escritura Sagrada. Ela deve ser observada com precisão - não como letra escrita, mas na memória das pessoas que convivem com ela.

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❖ Isr a e l no c a m in h o p ar a s u a t e r r a (Livro de N ú m e r o s )

As narrativas do deserto falam de um Israel que tinha sido libertado apenas exteriormente da escravidão, e ainda não era capaz de assumir responsabilidade própria. Imagens de Israel como uma criança, que precisa ser alimentada, carregada e guiada por Deus, ilustram essa situação (Nm 11.12; Dt 1.31). A promessa de “leite e mel” (segundo Isaías 7.15, uma alimentação infantil) deve tornar “saborosa” a terra na qual terão de trabalhar para obter o próprio sustento.

Temendo a morte (pelo exército egípcio, pela água insalubre, pela fome, pela sede) Israel se amotina contra Moisés e deseja voltar à escravi­dão. Moisés clama por ajuda; Deus o ouve e salva Israel.

Variações das narrativas pré-sinaíticas demonstram as mudanças na forma de conduzir as situações: como em uma expedição militar, Israel avança, com a arca à frente, sinalizando a presença de Deus no exército de Israel (10.11-36). De agora em diante, o próprio povo terá de arcar com as conseqüências por seus comportamentos errados. Quando ele se rebela por estar enjoado do maná, Deus lhe dá mais carne do que era necessá­ria; Israel a come com avidez e muitos morrem (11). As imagens da morte apresentam o tempo no deserto como uma transição cheia de crises.

Outros autores bíblicos desenham quadros idealizados do tempo no deserto (Os 2.17; jr 2.2s).

O relato dos espias (13S) marca o ponto mais baixo. Israel considera que a tarefa que o ajudará a conquistar a independência em sua própria terra é uma catástrofe política; seria melhor morrer no deserto. Novamente, Deus atende seus pedidos: uma geração inteira morre durante uma pere­grinação de 40 anos pelo deserto. No entanto, um relato que contém uma nova variação de um motivo pré-sinaítico, explica que Deus atua como um juiz que castiga somente em relação a indivíduos incorrigíveis: em Êxodo 15 .22S S , Deus foi o médico para todo o Israel; mas somente quem olha para a serpente de bronze que Moisés colocou sobre uma haste (21)

é curado.

Desde a quebra da aliança no Sinai, Moisés deixou de ser somente o líder de Israel, mas é também seu intercessor; ele “convence” Deus a poupar Israel (Êx 32 .11S S ; Nm 14 .2 0 ) .

Esse elemento da figura mosaica ajudará na interpretação das ações de Jesus.

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Caminhos difíceis

Símbolos de:

Caminhos de Israel

Caminhos dos espias

Permanênciaspro longadas

Conquistas fracassadas

passagem negada

j prim eiras conquistas de terras

Hebrom(13 .22)

Para oEufrates

Homá(14 .45)

A Informações g eo g rá ficas no livro de Números

0 5 0 lOOkm 1______ l________i________I________i

H Listas ■ Relatos,El Leis poemas

I. Israel, um povo fo rte (1 -10)

Números d o povo e de seus sacerdotes

Saída d o Sinai

II. Crise no deserto de Cades

1 1 -1 4 Israelmenospreza sua te rra

1 óss A aristocracia de Israel menospreza Moisés

20 Moisés menospreza a Deus

III. Crise em M oabe

21 Israel vence os gentios

2 2 -2 4 Um gentioabençoa Israel

25 Israel im ita os gentio:

IV. Uma nova geração (26 -3 7 )

antes de morrer, Moisés dá suas instruções pa ra a v id a na te rra

31 Teorias de gue rra apresen tadas em narra tivas

33 Paradas do caminho

B Estrutura do livro de Números

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Depois do Sinai, a rebelião contra Moisés é castigada como sendo uma resistência contra Deus, com uma punição particularmente dura para os sacerdotes (16). No entanto, o próprio Moisés se humilha; se dependesse dele, todos seriam cheios do Espírito de Deus e o seu cargo seria supérfluo

(11.29; 12-3! H-5; l6-4)-Mas a crise de Israel também alcança Moisés (20). Isso pode ser

observado em uma variação da narração pré-sinaítica da água que sai da rocha. Em vez de honrar a Deus pelo milagre, Moisés a apresenta como sinal de sua própria autoridade; por isso, ele também terá de morrer no deserto. Começa então uma nova porção narrativa: Israel se encaminha, sem mais rodeios, para sua terra prometida.

A história da origem do livro de Números pode ter começado com narrativas usadas no século XIII a.C., para buscar uma resposta para a pergunta por que apenas um pequeno grupo levou a fé do êxodo para a terra prometida. Mas certamente as imagens da crise no deserto refletem experiências do tempo em que Israel quase pereceu (séculos VIII a VI a.C.). Uma imagem de esperança aparece no final (26): está morta a

geração que fora contada (1); surge uma nova geração, igualmente numerosa.

O relato dos acontecimentos depois da revelação no Sinai contém uma quantidade especialmente grande de contradições. Ao lado dos juízos severos contra sacerdotes há textos que falam de procedimentos sacerdo­tais drásticos contra os costumes pagãos (Êx 32.26-28). O ponto alto está em Números 25: o sacerdote Finéias mata o restante da geração do êxodo. Essa camada textual deve ter sido adicionada no século V a.C., quando os sacerdotes assumiram a liderança de Israel. Nesta época, o pequeno grupo de judeus que regressava temia perder sua identidade pela adaptação aos não judeus. As narrativas da guerra contra os midianitas e da morte do casal misto (25 e 31) provavel­mente desejavam compensar as lembranças do casamento de Moisés com uma midianita.

• Antes dos eventos no Sinai, Deus estava disposto a a juda r Israel de form a incondicional (Êx 14-17).

• Depois da revelação no Sinai, Israel é responsável.

• Israel deve sua existência à lea ldad e com que Moisés intercedeu a Deus em fa vo r de um Israel que merecia a morte e à am izade entre Deus e Moisés, que perm itia que este convencesse aquele a mudar suas intenções.

Page 95: Atlas da bíblia     annemarie ohler;  tom menzel

Mas as imagens positivas desse casamento não foram apagadas: Deus o protege contra a difamação (12); não somente a nuvem de Deus guia Israel pelo deserto, mas também o cunhado midianita de Moisés (10).

As irregularidades frequentemente mostram que houve preservação de conteúdo de tradição antiga. Um documento extrabíblico fornece um argumento a favor do fato de que isso valia também para o episódio isolado em 22-24: quando Israel acampa a leste do Jordão, o vidente pagão, Balaão, filho de Beor, deve amaldiçoar o povo; no entanto, em obediência ao Deus de Israel, ele o abençoa. Em 1967, arqueólogos encontraram em Deir Alia (na Transjordânia) uma inscrição aramaica do século XIX ou VII a.C. com fragmentos de uma visão ameaçadora de um certo Balaão, filho de Beor. Aparentemente, os narradores bíblicos foram inspirados por um relato profético não israelita.

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❖ 0 D eu tero n ô m io

O Deuteronômio se passa em um dia e um lugar; no dia da morte de Moisés, quando Israel recebe seu legado. Deuteronômio se apresenta como o livro dos discursos de despedida de Moisés.

O primeiro discurso, um sermão sobre a lei (1-4), olha para trás, para o caminho de Israel do “Horebe” até a fronteira com a terra prometida, e introduz o tema principal de Deuteronômio: a vida em sua própria terra deve capacitar Israel a manter a aliança com Deus, como povo livre.

Em Deuteronômio, o Sinai é chamado de “Horebe”, “terra deserta”; possivelmente tentava-se evitar a semelhança com “Sin” (deus assírio da lua).

O segundo discurso contém a lei deuteronômica (D). Ele relata acontecimentos no Horebe (5 - 11) e interpreta D ( 12 -2 8 ) como palavra de Deus, que Moisés conhece desde aquela época e agora confia a Israel (5 .27SS).

Na cerimônia da aliança a seguir (29-31), Moisés compromete todo o Israel com essa lei, expressamente também crianças, anciãos, mulheres, estrangeiros e o Israel do futuro.

Originalmente, o final do Deuteronômio teria sido um cântico de Moisés (32), que conta o drama da história de Deus com Israel recor­rendo a figuras estranhas ao AT.

A conclusão do Pentateuco está em 33S. Os redatores que incluíram o Deuteronômio no Pentateuco colocaram no final a bênção de Moisés sobre as doze tribos (33 ) e o relato da morte de Moisés, que se conecta com Números 27.

Em um ponto, a história da origem do Deuteronômio pode ser fixada historicamente. Sua prosa artística cheia de pompa, incomum no AT, apóia-se em textos de contratos neoassírios do século VII a.C., com citações às vezes literais. Além disso, ela utiliza de elementos das fórmulas usadas pelos grandes reis do Oriente nos contratos que exigiam a lealdade de pequenos estados vassalos.

No século XIVa.C., os hititas usavam essa forma; no século VII a.C., os assírios a ampliaram para a recitação pública nos estados dominados. Um

Page 97: Atlas da bíblia     annemarie ohler;  tom menzel

M odelos de deuteronômio procedentes de... ... Impérios do an tigo oriente

... IsraelCódigos de leis

Compilações de leis vigentes

depois do ano 1 00 0 C ódigo do livro da Aliança (Êx 21-23 )

Séc. VIII e VII Pregação dos

profe tas

Acordos de vassalagem

Exigência de lea ldade de um grande rei

Séc. XIV tra tados hititas

Séc. VI Textos contratuais

assírios com retórica grandiosa

A Diferentes origens das form as de linguagem usadas em Deuteronômio

1 Babilônia 1 1 Q u’e 20 Tiro 26 Sais (Egito)2 Caldeus 1 2 Unqi 21 C idades dos filisteus3 Susa (Elam) 1 3 H atarica Ecrom4 M edos 1 4 Hamat Asdode5 Ullubu 1 5 C idade dos reis Asquelom • C idadeó Uratrtu de Chipre G aza IP Campo7 Kummuchu 1 6 Simirra 22 Amom8 Tabal 17 A rw ad 23 M oabe9 Gurgum 1 8 Biblos 24 Edom1 0 Sam’al 1 9 Sidom 25 Príncipes da A rá b ia

Judá, um dos muitos países vassalos d a Assíria no séc. VII a.C.

Page 98: Atlas da bíblia     annemarie ohler;  tom menzel

• Elementos dos tratados de vassalagem:

Prefácio:autoapresentação do rei; com pare com a apresentação que Deus fa z de si mesmo em 5.6.

Prólogo histórico: história dos parceiros do contrato; compare com as retrospectivas de Deuteronômio sobre o tempo no deserto e a visão da vida na terra prometida.

Declaração de princípios: mandamento de le a ld a d e ; am ar somente a um Senhor; com pare com 6.4.

Regulamentações individuais: com pare com D (12-26).

Lista de testemunhos contratuais divinos: não aparece em Deuteronômio; compare, no entanto, com a invocação de céus e terra em 32.1.

Bênção e maldição: com pare com 28.

• Os ensinos de Deuteronômio correspondem às esperanças de p rosperidade nacional na época de Josias.

desses vassalos assírios era Manassés de Judá (6 9 9 - 6 4 3 ) . Seu neto Josias ( 6 4 1-6 0 9 ) teste­munhou a decadência de Assur e aprovei­tou a ocasião para fazer uma reforma social e religiosa (2R S 22S .) Provavelmente, seus funcionários, treinados na retórica assíria, elaboraram as leis de Deuteronômio (D) e do Deuteronômio original.

Já o Livro da Aliança (Ê x 2 1-2 3 ) recorre à forma tradicional dos códices legais do antigo Oriente; o Deuteronômio reforça os elementos que dão função jurídica ao códice. A lei se torna válida quando é anunciada publicamente (5 .1) , e é registrada em pedra a fim de ficar sempre acessível e garantida contra modificações (5 .2 2 ) . O Deuteronômio nasceu durante um momento de renascimento da literatura oriental antiga; Assurbanipal (6 6 9 -6 2 7 ) criara sua famosa biblioteca pouco tempo antes.

Os autores do Deuteronômio possivel­mente conheciam a esteia com o Código de Hamurabi (século XVIII a.C.) com seus 2 8 2 parágrafos. Justamente por isso, eles enfatizam que o Decálogo dado ao povo por Deus (5) é um resumo memorizável da lei. Fizeram dele um guia para as leis do Deuteronômio, cujas leis particulares são interpretações concretas dos dez manda­mentos. Eles também conheciam o Livro da Aliança (B); afinal, adaptaram as leis de B, que valiam para uma sociedade rural, à sociedade urbana, reforçando aspectos humanitários.

U m único Deus e seu povo: o objetivo da política assíria era submeter os povos e seus deuses ao deus Assur. Manassés aceitara isso

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para que Judá sobrevivesse. Dt ensina que Israel e Javé estão comprome­tidos exclusiva (6.4) e mutuamente entre si.

Um povo solidário e sua terra: o império assírio estava organi­zado de maneira rígida, de cima para baixo; o projeto constitucional do Deuteronômio íóss divide os direitos públicos entre tribunais locais, sacerdotes, rei e os profetas. Israel deve praticar a solidariedade, pois Deus deu a terra como herança para todo o povo, para ser fonte de pros­peridade e liberdade.

Um único santuário e uma única lei: nas festas religiosas, Israel deve celebrar sua prosperidade como uma só família em um lugar sagrado. A lei deuteronômica a respeito do santuário (12) é revolucionária; ela se volta contra os muitos lugares em que as experiências dos antepassados com Deus eram lembradas. Está arqueologicamente comprovado que Josias profanou lugares sagrados (2Re 23). O único santuário de Israel devia ser o lugar onde os sacerdotes guardavam e ensinavam a lei.

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A obra histórica deuteronomista❖ SUA ESTRUTURA

Os seis livros de Josué a 2Reis7 contam a história de Israel, desde a entrada na terra prometida até a marcha para o exílio, de forma ininter­rupta, um livro continuando o relato do anterior. Há uma única teoria histórica fundamentando toda a narrativa.

As reflexões que marcam as passagens das épocas determinam padrões iguais para todas as épocas históricas: o povo e o rei obedeceram à lei de Deus? Eles serviram somente a Javé, ou também a outros deuses? Ao mesmo tempo, explicam o significado da terra para Israel:

Para quê Deus deu a terra a Israel no tempo de Josué (Js 1 e 23)?

Para quê escolheu salvadores para defender a terra no tempo dos juizes (2Rs)?

• Quais novas oportunidades se abriram no tempo dos reis (iSm 12.2; 2Sm 7; íRs 2)?

• Por que Israel perdeu sua terra (2RS17)?

Do ponto de vista ideológico e estilístico, as sentenças destes textos estão próximas do Deuteronômio; por isso é comum a exegese moderna designar esses textos de obra historiográfica deuteronomista.

A organização da Bíblia judaica ensina a ler de Josué a 2Reis (sem o livro de Rute), “os primeiros profetas" em conjunto com os “profetas posteriores” (Is, Jr, Ez, e o livro dos doze profetas8), como uma interpretação profética da história de Israel. No AT, o livro de Rute interrompe a apresentação deuteronomista.

A obra deuteronomista e o Pentateuco estão interligados de muitas maneiras. Alguns exemplos:

A libertação dos oprimidos, o objetivo do êxodo, ainda está pendente (Jz 6.13; 19.30);

• A arca, símbolo da presença de Deus no templo, acompanha Israel desde o Sinai (Nm 10 .3 5 S .) ;

7 [NT] não inclui Rute

8 [NR] Ou os profetas menores.

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Estruturação deuteronômica da história de Israel

Porlivros

Josué

1 Samuel

2Samuel

1 Reis

2Reis

Portemas

Lei de Deus:

Moisés a proclamou (Dt);

é a norma pa ra ju lgar:

no templo de Josué

Josué 1 e 23

no templo dos juizes,

Juizes 2

no tem plo dos reis,

1 Samuel 1 2

no reinado de Salomão,

1 Reis 2

na queda de Israel,

2Reis 17

na refo rm a deJudá.

2 Reis 23

Perde-se a lib e rdade política

Presença de Deus:

a arca a simboliza (Nm 10.35);

Ta arca

entra na te rra prom etida

(Js 4);

Israela

perde;(1 Sm 1-6)

ela chega a

Jerusalém. (2Sm 6)

Deus está presente no templo.(1 Rs 6-9)

Presente de Deus, a terra :

Moisés a tem a leste do Jordão (Nm 21 e 32),

Josué toma posse de la a oeste do Jordão.

É salva de mãos inimigas por “ juizes”,

pelo rei Saul, pelo jovem Davi.

Ela encontra paz no re inado de

Davi e

Salomão.

Corre perigo com a divisão

em dois países.

O rei Joaquim é libe rta do

na Babilônia.

O tem plo é destruído.

A te rra pertence a inimigos.

Épocas da história de Israel nas perspectivas bíb lica e moderna

Estruturaçãom oderna

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Moisés conquistou e repartiu as terras a leste do Jordão (Nm 21.32), e Josué, as terras a oeste (Js).

Do ponto de vista cronológico, as duas obras estão delimitadas pela morte de Moisés e pela entrega da liderança a Josué, e, do ponto de vista geográfico, pela passagem de Israel pelo Jordão.

São apresentados aqui cerca de 700 anos de história; um terço da obra compreende os quase 100 anos do início da monarquia, na época de Saul, Davi e Salomão. A datação precisa dos acontecimentos só é possível depois que Israel é mencionado em documentos escritos de Assur do século IX a.C.

Textos históricos da Mesopotâmia (desde o século III a.C.) sempre exaltam os feitos dos reis em relação aos objetos de seu poderio.

Textos hititas são mais críticos (século XIII a.C.); eles fornecem também perfis dos opositores dos reis e explicam os conflitos

enfrentados pelo rei.

A novidade na exposição deuteronomista é o relato de longos processos históricos e destinos complexos de dinastias e reinos. Principalmente a perspectiva é nova: os autores se interessam pelo destino do seu povo. Eles questionam o motivo pelo qual Israel precisa de reis e se o povo conseguiu manter sua singularidade em vista disto.

Narrativas originalmente indepen­dentes estão incluídas na obra de forma a refletir a aparência específica de cada época. Várias vezes, os autores se referem a fontes; aparentemente, puderam recorrer a uma vasta coleção delas. Mas, ao contrário dos primeiros historiadores gregos, não avaliaram que informações de suas fontes estavam corretas; as contradições podem aparecer lado a lado.

Por exemplo: de acordo com Juizes 1.18, a tribo de Judá tinha conquistado Jerusalém; segundo Juizes 1.21, esta é, “até o dia de hoje”, uma cidade dos jebuseus.

• O tema central é a crítica à m onarquia, o que era considerado novidade dentro da h is toriogra fia do antigo O riente.

• A intenção da obra seria p rovar que Israel perdeu sua te rra de form a merecida? Seriao ob jetivo lam entar essa perda?

•Será que a inform ação sobre a reform a de Josias deveria indicar que Israel, se vivesse segundo as leis de Deus, perm aneceria um povo independente e que a pe rda da te rra não muda esse fato?

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Não é possível determinar com precisão o objetivo da obra. Seu final fica aberto; depois da queda de Judá, ela ainda menciona a libertação do rei Jeconias (562 a.C.) e um asilo na Babilônia à altura de sua posição.

Outra interpretação é sugerida em 2Reis 23. Pouco antes de seu final lúgubre, a exposição chega a um ápice. Josias é louvado mais do que todos os outros reis. Nenhum outro seguiu as leis de Deus como ele. De acordo com a exposição deuteronomista, a reforma de Josias corresponde amplamente às exigências do código de leis de Deuteronômio 12SS. Nos capítulos finais não surgem mais nenhuma das sentenças deuteronomis- tas; ao contrário da queda de Israel (2Reis 17 ) , não há comentários sobre a queda de Judá.

Talvez os autores do Deuteronômio tenham considerado a liber­tação do filho de Josias, Joaquim, como sinal de que Israel continuaria vivo mesmo no exílio. É possível que a obra tenha sido concluída pouco depois destes acontecimentos, pois ela não contém nenhuma referência à reviravolta na época dos persas (desde 538 a.C.).

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❖ 0 l iv r o de Jo su é

Josué tem uma estrutura clara: Josué recebe a função de liderança de Moisés (1), conquista a terra (2-12) e a reparte (13-19); o livro termina relatando sua morte e sepultamento.

Em Js 2-12, vários textos diferentes compõem um retrato da conquista da terra de Israel:

• Histórias exemplares falam sobre a travessia do Jordão e a queda de Jericó, sobre cultos a Deus (3S ; 6), a maravilhosa conquista de Ai (8.18-26) e a traição dos gibeonitas (9).

Narrativas adicionais contam a vitória sobre cinco reis e seis cidades do sul (10) e as derrotas dos reis do norte (11). No final, há uma lista de 31 nomes de reis derrotados (12).

A terra é repartida somente depois do fim das lutas pela conquista (não se pode afirmar exatamente quando era feita a repartição da terra). É descrita mediante listas de lugares que documentam direitos tribais de forma inexplicavelmente precisa, que só poderiam ter se desenvolvido no decorrer de uma longa história. Por exemplo: lê-se que uma tribo tinha

cidades no território de outra ( 16 .9 ) , uma segunda tribo desmatou terras novas ( 17 .18 ) ,

duas outras estavam divididas por fronteiras precisas (18 .15S S).

No final do livro estão os discursos de despedida de Josué, uma pregação da lei e uma retrospectiva histórica, que convocam as tribos reunidas em Siquém à aliança. A tradição da “aliança de Siquém”, incluída aqui, deve remontar ao fato de que os habi­tantes da terra se filiaram à aliança com Javé feita pelo povo de Moisés (2 4 .14 S ) .

Com mais de 300 nomes de lugares, ele passa em revista o espaço onde acontecerá a história de Israel; narrativas e pregações exortam Israel a cultivar sua terra em “descanso” (21.44).

• Com sua construção sistematizada, Josué fa z mais uma in terp re tação da conquista de te rra do que um re la to da ap rop riação da terra .

• Para que Israel mantivesse o o lhar fixo no va lor de sua pá tria durante o períododo a taque assírio, os autores do livro de Josué transferiram um elemento da ideo log ia de guerra assíria pa ra Javé: por am or a Israel, Deus tinha ordenado que se “ limpasse” a te rra de todo povo estrangeiro.

Page 105: Atlas da bíblia     annemarie ohler;  tom menzel

Leis acerca da guerra de Dt 7 e 20.16ss

Josué 1

2-9

10

1 1

12

13-22

19.49

22.34

23

24,1-2824.29-33

Juizes 1

Juizes2.6 -9

Nomeação de Josué

Do Jordão a G ibeã o

Ilustração das leis acerca da guerra com relatos exem plares e enumerações

V itó ria sobre 5 reis e 6 cidades no sul

V itó ria sobre a coalisão dos reis do norte

Lista de 35 reis derro tados

A te rra é re p a rtid a entre as tribos de Israel

Listas de lugares e especificações de fronteiras

Conclusões

Despedida de Josué

Renovação da A liança em SiquémM orte e sepultamento de Josué

O que não fo i conquistado

Repetição: m orte e sepultamento de Josué

A Estrutura do livro de Josué B Cidades dos reis de acordo com Josué 2-11

fÕ ] H a z o r

Passagem no Jordão

Jarmute [Õ]• Maqueda

O Adulão■ Hebron

Eglom ÍOl Debir

Josue 11

[Õj Acsafe

(Madom?)

[~~j Sinrom

Jocneão

Megido I Taanaque

Siquém

Afeque

Josué 10

• • Hormá

Arade

60km

cidade da Idade do Bronze Recente

somente pequenas colônias da Idade do Bronze Recente

somente campos de ruínas da Idade do Bronze Recente

cidades da Idade do Bronze Recente e da Idade do FerroAntiga

colônias da Idade do Ferro Antiga sobre cidades da Idade do Bronze Recente

colônia da Idade do Ferro

Page 106: Atlas da bíblia     annemarie ohler;  tom menzel

A terra vale como um presente de Deus. Deus dá vitória após vitória; Josué e Israel são meros agentes executores. Israel só é derrotado quando um israelita, desobedecendo às ordens de Deus, se apropria de despojos (7). No momento da divisão da terra, Deus fala por intermé­dio de sorteios. Também o extermínio dos habitantes originais da terra acontece por ordem de Deus. Evidências sugerem que a destruição de todos os habitantes da terra é fictícia9:

Os nomes dos sete povos anteriores aos israelitas na terra (Js 3.10 e outros) são tradições culturais: os jebuseus ainda viviam em Jerusalém quando Davi tomou a cidade (2Sm 5); o nome cananeu corresponde ao território egípcio a oeste do Jordão; amorreu deriva do nome babilônio da Palestina, Amurru. Quatro nomes não são identificáveis.

Uma lista negativa de territórios (Jz 1.18-21) registra os lugares que Israel não conseguiu conquistar devido aos seus “carros de guerra”.

Narrativas explicam que cananeus tinham direito de viver em Israel: o clã de Raabe recebera o direito de morar em Jericó, pois a prostituta Raabe acreditava mais do que o inconstante Israel que Javé daria a terra a seu povo (2). Os gibeonitas obtiveram seu tratado de forma fraudulenta, que Israel é obrigado a manter (9).

Os conhecimentos arqueológicos também não corroboram a his- toricidade de uma grande campanha militar para conquistar a terra. Desde o século XIV a.C., Jericó já era desabitada, Ai (hebraico: “cidade de ruínas”) desde a Idade do Bronze Inicial. As derrotas das cidades reais dos cananeus no começo da Idade do Ferro, arqueologicamente compro­vadas, provavelmente decorreram do fato de que o Egito, o império que protegia essa região, enfrentava suas próprias pressões, abandonando os pequenos reis cananeus às suas próprias disputas internas. A maioria das novas cidades da Idade do Ferro estava em território antes não colonizado e ainda não estavam fortificadas; mesmo as pequenas colônias estabele­cidas sobre as ruínas de antigas cidades não estavam protegidas. Pessoas

9 [NE] As evidências registradas pela autora baseiam-se em hipóteses não conclusivas.Por outro lado, "o arqueólogo Nelson Glueck assinala: 'Pode-se afirmar categoricamente que nenhuma descoberta arqueológica jamais pôs em dúvida nenhuma referência bíblica. Dezenas de achados arqueológicos confirmam, com um esboço claro ou detalhes exatos, as afirmações históricas da Bíblia.'" (Glueck, RSHN, p. 31). Citado por M cDo w e ll , Josh em Novas evidências que demandam um veredito, Evidência I e II. Hagnos, São Paulo. pp. 227/228.

Page 107: Atlas da bíblia     annemarie ohler;  tom menzel

que constroem dessa maneira dificilmente podem ser consideradas con­quistadores violentos.

O livro Josué reflete experiências da época tardia dos reis. Noséculo VIII, quando os assírios desarraigaram povos por meio de depor­tações sistemáticas em nome de seu deus, a destruição de etnias inteiras se tornou histórica. Em vista deste perigo, os doutores da lei criaram leis marciais que deviam reforçar os laços de Israel com sua terra. Deus queria que a sua terra fosse a pátria para o seu povo, por isso teria ordenado a erradicação daqueles sete povos, desaparecidos há muito tempo (Dt 2 o .i 6 s s ). Josué ilustra essas leis por meio de narrativas. Aqueles doutores da lei davam outros nomes aos povos vizinhos que Israel conhecia; Deus teria expulsado povos mais antigos também para Moabe, Edom, Amon e os filisteus (Dt 2 .19 S S).

Mas os autores também advertem: a posse da terra é certamente uma condição para que Israel seja um povo responsável, que saiba cuidar de si mesmo (5 .12 ) , mas também a ideia de ser um povo entre outros povos pode seduzir. Se o povo se esquecer de que está comprometido primeira­mente com o seu Deus, o doador da terra, também ele será expulso dessa terra (2 3 .13 ) .

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❖ 0 l i v r o de J ui ze s

O livro de Juizes projeta uma imagem do Israel antigo totalmente diferente de Josué. De acordo com Josué, todo o Israel, sob as ordens de Deus, conquistara toda a terra “de uma só vez” (Js 10.42); já de acordo com Juizes, Israel repetidamente se esquecia de seu Deus e era oprimido por inimigos (Jz 2.ios). Além disso, é difícil imaginar que tenha havido união entre as 12 tribos de Israel de maneira constante, como consta nas antigas tradições. A parte principal do livro compõe-se de narrativas de libertação, nos quais os heróis libertam somente as suas próprias tribos da violência de vizinhos hostis (3-16).

• Com um assassinato político, Eúde, de Benjamim, dá início a uma rebelião contra o povo vizinho, Moabe (3).

Baraque, de Naftali, lidera um grupo de agricultores contra um exército de carros de guerra das cidades cananeias vizinhas (4S).

Gideão, de Manassés, expulsa os nômades midianitas e seus camelos de sua pátria (6-8).

• Jefté, o gileadita, invade o território vizinho de Amom (us).

Sansão, de Dã, prega peças desagradáveis às cidades costeiras vizinhas (13-16).

O chamado canto de Débora (5), o mais antigo texto longo do AT, de fato celebra uma vitória de “Israel”, mas cita somente Zebulon e Naftali entre os combatentes; quatro outras tribos teriam mostrado disposição para lutar; quatro tribos que ficaram distantes são ridicularizadas; as tribos de Judá, Simeão e Levi não são sequer mencionadas.

Como em uma espiral descendente, Israel afunda cada vez mais na maldade: encolerizado, Deus entrega o povo infiel a seus inimigos, mas como a miséria de Israel desperta a sua misericórdia, ele envia salvadores. No entanto, depois de 20, 40 ou 80 anos, Israel cai novamente e Deus o abandona novamente.

Os autores dão aos heróis das tribos um antigo título de autoridade: “juiz”. Veem neles heróis carismáticos, que guiam o povo somente durante as situações de necessidade.

O governo dos reis (9) foi uma imagem sinistra e fortemente con­trastante com a dos juizes. Abimeleque assassina seus irmãos, se declara rei em Siquém e, ao final, é responsável pelo final trágico que cai sobre

Page 109: Atlas da bíblia     annemarie ohler;  tom menzel

Juizes

1.1-3.11

3-163-8

3

4-5

6-89

10-16

10-12

13-16

17-21

17-18

19-21

Introdução

Diferenças entre o tempo dos juizes e de Josué

Tempo dos juizes Governo carismático assegura a existência de Israel

Realeza dá pouco valor à vida

Governo carismático se desvia

Jefté

Uma lista cita os nomes de mais cinco juizes

Sansão

Anarquia

Posse pervertida de terra

União pervertida

A Estrutura do livro de Juizes

0 15 1___ I_____I_____l_____I

B Ações dos juizes

30km

Page 110: Atlas da bíblia     annemarie ohler;  tom menzel

a cidade e sobre ele mesmo. Nesse relato está inserida a história do espi- nheiro como rei das árvores, uma sátira incomumente afiada a respeito da forma de governo comum daquela época.

Os capítulos seguintes mostram imagens sinistras também dos “juizes” cheios do Espírito:

A vitória de Jefté sobre Amom acarreta uma impiedosa guerra entre tribos de Israel (12).

Uma lista em duas partes, que emoldura o episódio de Jefté, cita cinco outros “juizes”, de quem, no entanto, somente louva a prosperidade.

Sansão desperdiça seus talentos com as mulheres, e somente na hora de sua morte se torna verdadeiro libertador de Israel (13-16).

Os capítulos finais criticam ainda agudamente a ordem igualitária na qual as decisões são tomadas por homens com direitos iguais:

O capítulo 17S conta sobre uma tomada de território que ofendeu o Deus de Israel. A tribo de Dã toma um ídolo de metal feito de material roubado, destrói uma cidade pacífica e constrói um santuário para essa imagem.

• 19 a 21 demonstram como a união pode ser perversa: “como umsó homem”, as tribos se unem para vingar a honra ferida de um

homem e não percebem que o acusador havia infligido violência à sua mulher. Por isso, Deus envia uma guerra civil a Israel, que mostra quão completamente corrompido estava o povo: os homens tomam mulheres com violência.

Em cada uma das três partes do livro, a tribo de Judá tem um papel especial:

• 1.1-21: Deus encarrega Judá de continuar a guerra de Josué contra os cananeus.

• 3.7-11: o primeiro “juiz” vem de Judá. A construção do relato é modelo para os ciclos de toda a composição: queda, misericórdia, salvação, nova queda.

• Em Juizes, narrativas de diversos form atos e orig inalm ente independentes se unem pa ra fo rm ar a imagem de um Israel assediado por inimigos.

• A questão da form a correta de governo é tema central do livro.

• Enquanto Josué circunscreve o espaço onde a história de Israel se desenrolaria, Juizes tra ta da ordem política de Israel.

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20.18: no relato final, Judá é a primeira tribo que Deus envia para a guerra civil com a tribo vizinha de Benjamim.

Aparentemente, os autores deutoronomistas queriam destacar de antemão o papel especial da tribo de Judá na história de Israel. Em 1 e 2 Samuel, descreverão como Davi, da tribo de Judá, em disputa com a casa real do benjamita Saul, inaugura uma dinastia que consolida Israel por fora, mas por dentro desencadeia guerras fratricidas.

Nada disso proporciona descanso duradouro para Israel. Juizes pinta o quadro de um Israel fraco, que só consegue resistir a seus inimigos por meio de astúcia, elemento surpresa e armas improvisadas como uma aguilhada de bois (3.31) ou um martelo dos trabalhadores (5.26). Os piores perigos, no entanto, vêm do próprio Israel.

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❖ OS PRIMÓRDIOS DA HISTÓRIA DE ISRAEL

De acordo com os relatos bíblicos, os antepassados de Israel eram pastores nômades pacíficos (Gn 12-50), enquanto o jovem povo de Israel se envolvia frequentemente em guerras (Êxodo a Juizes):

No êxodo, Israel vê o poderio militar egípcio afundando (Êx 14 S .) ;

na marcha pelo deserto, eles mesmos derrotam dois povos do deserto (Êx 17 , Nm 3 1) .

A posse da terra começa com a conquista do território a leste do Jordão (Nm 21) e termina com as vitórias sobre terras a oeste do Jordão (Js 1-12).

Depois, os heroicos juizes dão ao povo descanso em relação aos inimigos (Juizes).

Essa imagem da história anterior à nação de Israel como uma seqüência de guerras só se formou quando a liberdade nacional de Israel ficou ameaçada. Na época em que a Assíria e a Babilônia faziam história por meio de seu violento poderio militar, os autores bíblicos contavam que Deus fizera história nas guerras de Israel. Israel, militarmente fraco, sobrevivera graças à ajuda de Deus nas guerras.

Esboços modernos também pressupõem que havia pastores nômades entre os antepassados de Israel. Eles viviam em simbiose com os agricultores da Palestina, usando campos já ceifados como pastos e trocando produtos de seus rebanhos por cereais. É possível que tenham semeado campos ocasionalmente (Gn 26.12), mas não se estabeleciam em uma terra a não ser em caso de necessidade.

No final do século XIII a.C. surgiu uma necessidade deste tipo: arqueó­logos encontraram indícios da decadência da cultura urbana na Idade do Bronze tardia, no começo da chamada Idade do Ferro.

Já se conhecia o ferro não temperado há muito tempo. Seu uso aumentou cada vez mais depois que as migrações de povos causaram o colapso do comércio do estanho, necessário para fabri­cação do bronze.

No século X IV a.C., as cidades das planícies da Palestina, muito próximas umas das outras, ainda contavam com a proteção do Egito. Cartas do arquivo da residência egípcia de Amarna documentam que

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C idades da Id a d e do Bronze Recente

Hazor, 8 0 hectares

Laquis, 20 hectares

A lde ias d a Idade do Ferro Antiga

■ de 200 m 2

até 1 hectare

M eg ido , 5 hectares

Densidade dem ográ fica de assentamentos nas montanhas a oeste do Jordão

Séc. XII Séc. XI

Número de colônias Á rea to ta l das colônias

A Tamanho e densidade dem ográ fica das colônias na Palestina na Id a d e do Bronze Recente e Idade do Ferro An tiga

M eg id o , séc. XIV 0 25m

Tel Masos, séc. XI0 25m1 i

1 Cômodos cobertos I I J Cômodos não cobertos

B C idade d a Idade do Bronze recente (vista em corte)

C A ld e ia d a Id a d e do Ferro An tiga (vista em corte)

D Estratos sociais em C anaã E “ Parentes” de Israel

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os reis das cidades esperavam que o faraó os ajudasse contra os errantes hapiru, que infestavam o país.

No final do século XIII a.C., o Egito precisou se defender dos “povos do mar”, que invadiam pelo mar Mediterrâneo, e abandonou as cidades cananeias a seus conflitos.

A simultânea retomada da colonização das regiões montanhosas pode ser explicada pelo fato de que os agricultores servos aproveitaram a fraqueza de seus senhores para fugir para a liberdade das regiões monta­nhosas. Os artefatos de cerâmica encontrados nessas novas aldeias nas montanhas, assim como indícios de técnicas agrícolas e de pecuária uti­lizadas, permitem concluir que eles levaram a cultura cananeia consigo.

Juntaram-se a eles pastores nômades que, em tempos de dificuldades, eram forçados a cuidar de si mesmos. É possível que suas tendas tenham servido de modelo para as típicas casas com pilastras nas aldeias do início da Idade do Ferro. Nas casas das cidades cananeias, todos os cômodos ficavam ao redor de um pátio interno. Já nas aldeias da Idade do Ferro, o pátio se abria para fora, normalmente para o campo. Colunas nos lados do pátio sustentavam o telhado sobre salas semicobertas, e somente de um lado do pátio havia um ou no máximo dois quartos fechados.

As cidades cananeias tinham construções grandiosas, como templos e palácios; as diferenças entre as áreas da cidade refletiam a organização hie­rárquica de uma sociedade verticalmente estratificada. Nas novas aldeias, no entanto, os poucos clãs (de 8o a 500 habitantes) viviam em casas muito parecidas entre si. Como se contentavam com uma economia de subsis­tência, o status social não era determinado pelos bens visíveis, mas pela capacidade de socorrer os familiares em situações de necessidade.

A estrutura social nas aldeias da Idade do Ferro antiga era segmen­tada, ou seja, família, clã e aldeia eram independentes na hora de regula­mentar seus problemas de convívio. Comunidades maiores estavam per­sonificadas nos “pais” do passado; no presente, justiça e paz eram tarefas de “irmãos” de mesmo status social. Essa forma de vida era apropriada para a apertada região montanhosa; o número de colônias cresceu rapi­damente. O compromisso de ajudar os familiares acabou unindo habi­tantes de regiões inteiras em tribos, que frequentemente se denomina­vam pelo lugar em que habitavam.

Efraim (hebraico: “frutífero”) e Judá foram primeiramente nomes de regiões.

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As fontes egípcias daquela época empregam apenas nomes de povos, como Edom, em vez de termos sociológicos como hapiru ou shasu (nômade).

No século XI, a pressão populacional fez com que surgissem aldeias na região desértica do Neguebe e mesmo em regiões politicamente vulne­ráveis. Quando a terra cultivável se torna escassa, a solidariedade familiar não é mais suficiente para cuidar de todos. O comércio apresentou uma saída; as aldeias se urbanizaram e suas construções refletiam cada vez mais as diferenças sociais. Não por coincidência, as tradições sobre o surgimento do estado falam sobre pessoas à margem da sociedade. Os acordos entre clãs e tribos não eram mais suficientes para assegurar a paz e a justiça. Israel precisava de uma monarquia, que instaurasse a ordem de cima para baixo.

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❖ OS DOIS LIVROS DE SAMUEL

Os redatores puderam recorrer a uma extensa obra escrita, sobretudo sobre a história dupla da ascensão de Davi e da crise de estado durante o seu reinado (iSm 16 - íRs 2).

A monarquia foi muito criticada. Ao desejar um rei, Israel estaria rejeitando seu Deus (iSm 8.7; 12.12). Dois discursos atribuídos ao profeta Samuel, marcados por expressões comuns no deuteronomismo, declaram que a fundação do Estado havia agravado as tensões sociais. O povo libertado do “Estado escravizador” egípcio não deve confiar no estado, mas no apoio mútuo na “parentela de Javé”.

Mas essa convicção não impediu os redatores de incluir tradições que afirmavam que a organização estatal tinha se tornado necessária, uma vez que muitas pessoas tinham se afastado da solidariedade entre clãs e tribos (iSm 14 .2 1S ; 2 2 .2 ) .

O rei permanece debaixo da lei. Ele só obtém sucesso se for obediente a Deus. Isso fica claro sobretudo nas narrativas sobre o fracasso do primeiro rei, Saul, interpretando isso como conseqüência de sua desobediência à vontade de Deus conforme defendida por Samuel (iSm 13 .13S ; 15 ).

Lembranças históricas verdadeiras de Saul como o primeiro rei piedoso, mas fracassado, certamente contribuíram para que a antiga ideologia oriental - a de que o rei estaria cheio do poder divino - não se firmasse em Israel. Os profetas ofereciam resistência contra a arbitrarie­dade dos reis; uma série desse tipo de histórias de profetas foi incluída na obra deuteronomista, como por exemplo, 2Samuel 12.

A monarquia é desejo de Deus. Deus a instituiu por meio de seus profetas, para salvar Israel da derrocada. É historicamente comprovada a lembrança que Israel estava ameaçado pelo poderio superior dos filisteus. A obra deuteronomista fala de Samuel, Saul e Davi como salvadores do perigo filisteu, mas contrapõe à ameaça externa também a ameaça interna da desintegração de Israel.

As narrativas do final de Juizes e a história seguinte sobre a arca, em iSm, constroem imagens de um povo autodestrutivo. O ponto mais baixo é a perda da arca, símbolo da presença de Deus em Israel (iSm 6). Uma família gentílica a acolhe, e somente o rei Davi a devolverá a Israel (2Sm 6).

Há uma advertência contra a sucessão dinástica. A narrativa sobre a crise nacional demonstra o resultado do fato de Davi não instruir seus

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Ruína da fam ília e do reino de Davi

os filhos mais velhos de Davi são maus

1 ReisSalom ão é sucessor ao trono.jg /y\o rteEle consolida o reino de Davi

Representação da form ação do reino em três gerações

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filhos a usarem o poder de forma correta (2Sm 13 - 19 ; íRs 1.5S ) . Narradores deuteronomistas recorreram mais duas vezes a esse modelo para mostrar com que facilidade os filhos podem utilizar mal o poder herdado:

Eli acolhe aos peregrinos; seus filhos abusam dos privilégios sacer­dotais em benefício próprio (iSm 2.22-36);

Samuel tinha julgado justamente; seus filhos são corruptos (iSm 7 .2S .3).

No entanto, Israel não pode viver sem a esperança por um filho bom, que cuide da herança de seu pai. Os redatores encontraram essa ideia no “relato da crise nacional”. Ela explica como Salomão, um dos filhos mais novos de Davi, assumiu o trono como sucessor de seu pai. O relato dos autores deuteronomistas sobre as três figuras principais na história do surgimento da monarquia é parecido. Em segredo, todos os três foram escolhidos e destinados a salvar Israel muito antes de assumirem seu cargo:

• Deus chama o jovem Samuel, aluno de Eli, para ser profeta (iSm 1-3);

• Saul sai para buscar as jumentas de seu pai e volta para casa como rei ungido (iSm 9O;

• O jovem Davi é ungido rei em detrimento de seus irmãos mais velhos (iSm 16).

O fim da obra deuteronomista, menciona, sem outros comentários, a libertação do rei Joaquim, amado em Israel, da prisão babi­lônica. Será que essa repetição temática da vocação secreta dos salvadores deveria reforçar as esperanças no rei secretamente já escolhido?

O teor original de 2Samuel 7.1-17 prova­velmente contava como o profeta Natã profe­tizara ao rei Davi a sobrevivência de sua casa. Os autores deuteronomistas se basearam no conceito oriental que o rei seria “filho de deus” para transformar essa palavra no ponto de partida da vasta esperança por um rei da casa de Davi. No entanto, recordando

• 1 e 2 Samuel form am o centro da obra deuteronomista.Os escritores usam as tradições sobre o surgimento do Estado (século X a.C.) pa ra re fle tir sobre o problem a central de sua época (séculos VIII a VI a.C.), na qual Israel tinha pe rd ido sua independência política: Israel precisa de uma monarquia?

• A ideo log ia monárquica disseminada no antigo O riente - que o rei deveria ser honrado como um “ filho dos deuses” - é radicalm ente m odificada.

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que Davi educou mal a seus filhos, eles explicam que Deus seria “pai” do filho de Davi do mesmo modo como os professores dessa época eram para com seus alunos, educando-o “com açoites de homens”.

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❖ Sa u l e Davi

Saul quer cumprir o antigo ideal do salvador carismático de Israel e falha;

Davi adota ideias não israelitas de governo e edifica um reino capaz de subsistir.

Saul é rei de Israel e herói tribal

Em iSamuel 8-12, três tradições regionais benjamintas se unem, formando uma história do começo da monarquia:

Em Ramá, Saul é chamado e ungido pelo profeta Samuel;

Em Mispá, a sorte revela que Deus elegeu a Saul;

• Em Gilgal, o povo proclama Saul como rei porque ele tinha libertado a cidade de Jabes, da mesma tribo.

Os súditos confiáveis de Saul se restringem à tribo de Benjamin; as outras tribos somente o reconhecem na medida em que precisam de sua ajuda. Mas ainda assim ele consegue assegurar a existência de Israel:

Ele vence Amom no leste,

Expulsa os amalequitas para o sul,

E os filisteus, para as planícies costeiras do oeste.

Quando os filisteus invadem a região montanhosa pelo norte, ele os enfrenta. Lá ele é derrotado e morre. Tudo que ele tinha alcançado se perde (xSm 31).

A partir de iSm 16, a decadência de Saul e a ascensão de Davi são contadas como uma única história. Os autores procuram as causas do fracasso de Saul nas contradições internas de seu reinado. Sendo da tribo de Benjamim, Saul não suporta o sucesso de Davi, da tribo de Judá, ainda que, como rei de Israel, tenha se beneficiado disso. A hostilidade com que Saul trata seus ajudantes de confiança é atribuída pelos narradores à ação de um “espírito mau” enviado por Javé (16.14).

Mas eles não perderam o respeito por Saul, mesmo ele tendo sido abandonado por Deus:

• Jônatas, filho de Saul e amigo de Davi, luta até a morte por Israel, ao lado de Saul.

Davi honra Saul como o grande rei (iSm 24 e 26; 2Sm 1).

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Casa de 1 Samuel

Davi

16

2Samuel

21

24

1 Reis

2.46

Casa de Saul 1 Samuel

(Com entário deuteitro^ômiiV

lom ico

Saul: sua

___________________ k ascençãoj Com entário deutercjnômico

v sua re je ição

15

Q ueda de Saul

Davi, rei- de Judá- de Israel- em Jerusalém

31

2Samuel

V itó rias de DaviCondução d a a rca da !promessa de DaviV itó rias de Davi

m

Relato d a crisede estado nore inado de Davi

i

Palavra sobre a seca lO utras trad içõesa respeito de Davi

Palavra sobre a peste

O re inado de Salomãoé considerado

6 .20ssl

1 6 .1 -4

19.25ss

21

C am panha de gue rra de

4 H B Saul Seus inimigos

% C idades dos filisteus

Filisteus

0 30km Amalequit<

1_I__ I__ 1__ I

B Extensão da a tuação do rei Saul

A N a rra tivas de Saul e Davi

CaminhoA m a le q u ita s ; I através

(nômades) n <ie Èdom

C Extensão da a tuação do rei Davi

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Deus só se compadece da terra depois de Saul ser sepultado com honras (2Sm 21).

Em Jerusalém, cidade que, no tempo de Davi, já tinha mais de 800 anos de idade, surge o relato sobre a crise de estado. Em amplos arcos narrativos, ele apresenta um complexo processo histórico (2Sm 9 - íRs 2). Davi quer esconder o adultério com um assassinato; a conseqüência disso é uma crise que não foi resolvida durante toda a sua vida. Esse episódio é relatado com a arte dramática das narrativas bíblicas; o enredo se desen­volve em cenas com poucos personagens, caracterizados por seus gestos e discursos. Os narradores analisam o reinado de Davi, cujo formato não era familiar para Israel. Eles demonstram a culpa de Davi na decadência das tribos e a fidelidade dos mercenários estrangeiros. Mostram também o desagrado de Davi por depender de seu comandante, Joabe, para quem as vidas das pessoas valiam menos do que a unidade de Israel, e contam a

rapidez com que Salomão conseguiu pacificar o reino utilizando métodos semelhantes aos de Joabe.

Segundo o modelo dessa narrativa, os relatos sobre a ascensão de Davi foram reunidas em uma só história (iSm 16 - 2Sm 5).

Variantes dessas narrativas foram preserva­das: em duas ocasiões, Davi ainda é desconhe­cido de Saul (16 .17S ; 17 .55SS .), duas vezes, ele se refugia junto ao filisteu Áquis (21.11SS .; 2 7 ) , por duas vezes, poupa a vida de Saul (2 4 e 2 6 ).

A oposição entre Saul e Davi fica especial­mente clara nos capítulos de 27 a 31: enquanto os filisteus destroem o reino de Saul, Davi desfruta da confiança de um rei filisteu.

Para escrever 2Samuel 2-5, os autores puderam se basear em fontes mais precisas dos arquivos reais (?). Davi é triplamente coroado:

• Sua própria tribo de Judá o unge rei (2.4).

• Anos mais tarde, as tribos de Israel o aceitam como rei, mediante uma aliança (5.3).

• Torna-se rei de Jerusalém pela conquista.

• A descrição deuteronomista da época dos primeiros reis está entrem eada de fios narrativos que deixam clara a seriedade da ruptura na transição da sociedade tr ib a l pa ra o Estado.

• As narrativas sobre Davi são tão complexas que com certeza foram concebidas como relatos escritos, tornando-se, assim, testemunhos form ais da rev iravo lta cultural.

• O fe ito mais im portante de Davi fo i a abertu ra da fé em Javé pa raa cultura re lig iosa de Canaã.

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Os sucessos de Davi na política exterior são mencionados de forma breve. Ele expulsa os filisteus das regiões montanhosas, domina Amom e Moabe, nomeia governadores em Edom, no caminho para o Mar Vermelho, vence reis arameus, mas também toma uma princesa arameia como esposa. Hamat, uma terra bem ao norte, envia sinais de reconheci­mento diplomático.

E o que testemunha a narrativa da entrada da arca sagrada dos isra­elitas na cidade cananeia de Jerusalém (2Sm 6). A dança de Davi diante da arca é um costume do culto cananeu. A esse contexto pertence o cerne original da promessa davídica (2Sm 7): o profeta Natã ensina Davi que a arca não necessita de nenhuma casa, nenhum templo construído pelo rei, como era o costume cananeu. O rei, no entanto, precisava de uma casa, ou seja, uma dinastia, que Deus lhe construiria (7.5 e 11).

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❖ S a lo m ã o (IReis 3- 11)

Em iReis is, a narrativa da crise nacional no reino de Davi termina contando que Salomão, o novo rei, eliminou os partidários de seu irmão mais velho. A seguir, a apresentação deuteronomista do tempo de Salomão (íRs 3-11) exalta Salomão como o rei justo e sábio a quem Israel deve 40 anos de paz, mas no capítulo final ele é severamente criticado.

As narrativas sobre três manifestações de Deus organizam e explicam o todo:

Depois da primeira (3.2-15), Deus concede sabedoria política ao jovem rei que governa na cidade não israelita (!) de Gibeão. De fato, Israel precisou aprender a arte da política com a cultura cananeia, mais antiga.

As outras duas usam um estilo deuteronomista, sendo, portanto, elaboração dos próprios redatores. Na segunda (9.1-9), ameaças e promessas fazem a transição para 9.10-11.8: a riqueza de Salomão também abriga perigos.

A terceira ( 1 1 .9 - 13 ) anuncia um castigo. Segundo 11.14 S S , Salomão tinha três adversários (hebraico: “Satã”); depois de sua morte, seu reino se quebra.

A construção do templo (5.15-9.9) está no centro da narrativa; para os redatores, este é o alvo da história de Israel desde o êxodo.

Não está claro como e por que eles calculam que o êxodo tenha acontecido 480 anos antes da construção do templo (6.1).

A nuvem, que no êxodo é símbolo da presença de Deus com seu povo, teria entrado no templo (8.ios) e impedido o culto dos sacerdotes (8 .3 1SS ).

Os templos antigos eram reservados ao culto feito pelos sacerdotes. De acordo com a visão deuteronomista, o templo de Jerusalém tinha outra função: no templo, Deus quer estar próximo a seu povo.

Na realidade histórica, no entanto, acontecia em Jerusalém o mesmo que nas cidades pagãs, onde os reis se viam obrigados a garantir o culto. A narrativa sobre a construção do templo também mostra isso: Salomão contrata construtores fenícios; ele constrói o templo junto com seu palácio. Até hoje, as escavações no monte do templo estão proibidas. Mas as informações bíblicas permitem concluir que o templo de Jerusalém se assemelhava a um templo pagão.

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O fir?(lêmen)

IReisCasamento com a princesa egípcia

Prim eira m anifestação de Deus: Salom ão pede po r sabedoria

O re i justo (3 .16-5 .8 )

41-19 Províncias e governantes em Israel

20 Prosperidade de Judá e Israelc 1-4 Impostos dos povoso 5 s. Segurança de Judá e de Israel

7 s. Impostos das províncias

O rei sábio (5 .9 -14 )

O tem p lo (5 .15-9 .9 )

1 5 -3 2 A juda dos fenícios

1 -3 8 Sete anos de construção do tem plo

1-12 Treze anos de construção dopa lác io , casa d a princesa egípcia

13-51 Artistas fenícios

1-13 Traslado d a arca

1 4 -6 6 Dedicação d o tem p lo po r Salom ão

1 -9 Segunda m anifestação de Deus: promessa e advertência

O rei rico (9 .1 0 -1 1 .8 )

16 Dote d a princesa egípcia

1 -13 V isita d a rainha de Sabá

14 -29 Esplendor de Salom ão

1 -8 Seu harém Sua id o la tr ia

1 3 Terceira m anifestação de Deus: anúncio do castigo

14 -40 Três adversários:H adade , o edom itaRezom, o aram euJeroboão, o fu turo rei de Israel

4 1 -4 3 Notas finais

A Apresentação da época de Salom ão

Berseba

Eziom-Geber

A apresen tação d a época de Salom ão

300km

O fir?(Etiópia)

B Influência po lítica de Salom ão

^ ™ Comércio de Salomão

Reinos de Salomão: Israel e Judá

Influência de Salomão:; Canaã

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Havia uma diferença significativa: em vez de um ídolo, o lugar mais escuro e sagrado do santuário abrigava a “arca”, o “trono vazio” de Deus. A única parte visível eram as varas de transporte, que tinham se tornado inúteis. No templo, o santuário, que acompanhara os guerreiros de Israel, era um símbolo ainda mais significativo da presença do Deus intangível. O discurso de Salomão na consagração do templo (8.i2s), o texto mais antigo entre as narrativas deuteronomistas, refere-se a esta imagem tipi­camente israelita do mais recôndito dos lugares do templo. Muito pro­vavelmente, a Jerusalém da época pré-israelita adorava o “sol da justiça” como poder celestial; Salomão adora o Senhor do sol, que queria morar nas trevas com seu povo.

Os autores deuteronomistas descrevem a importância política de Salomão principalmente com materiais de arquivos, interpretados a partir de uma organização sistemática e comentários isolados. Mais uma vez fica claro que a obra deuteronomista surgiu em círculos que tinham acesso aos arquivos reais e sabiam como usar os documentos, ou seja, entre funcionários do governo.

O reino de Salomão não era um grande império como o Egito. Contidamente, o texto diz em 5 .4 S que Salomão teria “pisado” a terra entre o Eufrates e o Egito, quer dizer, que podia tomar posse sem correr riscos. Seu domínio se estendia de “Dã até Berseba”, ou seja, no território de Israel e Judá. O casamento de um rei pequeno como este com uma princesa egípcia era tão incomum, que os autores deuteronomistas colocaram este comunicado logo no começo do relato (3.1). As relações comerciais internacionais de um rei como Salomão, por sua vez, não eram incomuns na zona de trânsito que era Canaã; há dúvida, entretanto, se elas iam da Etiópia até a Ásia Menor (9.26; 10.28), é uma questão que permanece em aberto. As escolas para funcionários públicos do jovem país ensinavam cultura internacional. As narrativas sobre a visita da rainha de Sabá (10.1- 13), sobre a manifestação de Deus em Gibeão e sobre o veredito na disputa entre as prostitutas (3.16-28) se originaram nessas escolas. Para o povo tribal de Israel, era novidade a arte política que não conhecia partidaris­mos nacionais ou sociais. Salomão teve de usar essa arte também entre “Dã e Berseba”, pois, como revela a lista das seis províncias israelitas e seis não israelitas que mantinham a corte (4 ) , ali viviam também não israeli­tas. A informação de que Salomão casara uma filha na província israelita e outra, na província não israelita, deve ser entendida como sinal de que ele tentava fazer justiça a ambos os lados.

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O reino de Salomão rompeu-se logo depois de sua morte. Os autores deuteronomistas veem nisso um castigo para o fato dele ter permitido que suas esposas gentias celebrassem os cultos de suas terras natais no monte das Oliveiras (fora de Jerusalém). Historicamente mais correto é o relato de que Jeroboão, “adversário” de Salomão em Israel, se recusou a manter o trabalho escravo nas construções reais. O reino de Salomão se partiu porque os camponeses livres de Israel odiavam esse trabalho, que ia contra a fé do êxodo na libertação de Israel da servidão no Egito. No entanto, o estado teria sido antes fortalecido pelo fato de Salomão permitir que os povos amigos conservassem a prática de seus próprios cultos.

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❖ Israel e Ju d á ( I R eis 12 - 2R eis 17)

Depois da morte de Salomão, Israel e Judá se separaram. Durante muito tempo, os dois países guerrearam entre si. Cooperação houve somente no tempo da dinastia de Omrí, que incluiu Judá em sua política de casamento. Nos 2 0 0 anos de sua existência (9 2 6 - 7 2 2 ) , Israel viveu oito revoltas sangrentas. Em Judá, a dinastia de Davi reinou até 5 8 7 a.C., quando também este Estado caiu.

Os contrastes entre os dois reinos têm suas origens na sua proto- -história. Antes da criação do Estado, uma barreira de cidades cananeias separava Judá das tribos do norte. Um hino daquela época (Jz 5 ) , que exalta a união de Israel, não menciona Judá nem mesmo entre a tribos cuja ausência é censurada. Afinal, a tribo de Judá surgiria mais tarde, formada pelas campanhas de Davi, a partir de grupos que colonizavam as montanhas de Judá. Davi foi rei de Judá durante sete anos antes que as tribos de Israel finalmente fechassem um acordo com ele (2Sm 5 .3 ) ,

que, no entanto, era periodicamente cancelado (iSm 20.1). No tempo de Salomão, Judá não estava entre as províncias obrigadas a sustentar a corte de Salomão (iRs 4 .7S S), provavelmente porque de qualquer forma apoiasse o rei oriundo dessa tribo.

Os autores enfatizam isso por meio do sincronismo entre os dados dos reis de Judá e Israel obtidos nas crônicas da corte real. Certamente os anais registravam principalmente os feitos dos reis, que são propo­sitadamente ignorados pelos autores deuteronomistas; ao contrário do costume da época, não lhes interessava exaltar os reis. Por isso, os docu­mentos assírios são mais claros ao falar sobre o florescimento de Israel durante o reinado de Omrí do que as informações de iReis 16 .23SS .

De forma estereotipada, todos os reis que mantinham outros lugares sagrados, que não Jerusalém, são condenados. Na época dos dois reinos, tratava-se de um critério anacrônico; somente 10 0 anos depois da queda de Israel, o rei Josias declarou Jerusalém como o único lugar sagrado legítimo (6 2 2 a.C.). No entanto, de acordo com iReis 13 .2 , já na época de Jeroboão (século X a.C.) um profeta amaldiçoara, reportando-se a Josias. As sentenças eram formuladas como comparações: estaria o rei seguindo o modelo de Davi, que honrara Jerusalém como capital do Deus de Israel, ou cometia ele o “pecado” de Jeroboão, o primeiro rei do reino do norte, que fez de Dã e Betei santuários do reino?

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*

C idades cananitas em Israel 1 Dor, 2 M eg id o , 3 Taanaque,4 Ibleão, 5 Bet Seá, 6 G ezer,7 Saalab im , 8 A ija lom , 9 C e fira , 10 Q u iria te -Jearim , 11 G ideã o , 1 2 Beerote

Santuários do reino

Comunidades in teg radas à tr ib o de Judá

Territórios de fron te ira * .. .* • d isputados po r Israel e Judá

Sitema de províncias de Salom ão

BNos enclaves cananeusNos te rritó rios das tribos de Israel1 Efraim , III Manassés Oeste,VI Manassés Leste, VIII N a fta li,XI Benjamim, XII Rúben e G a d e

Judá Israel1 2 reis da fam ília de Davi 20 reis de 1 0 fam ílias

92 6

91 0908

868

852

845

84 0

801

7 8 7

7 5 9

7 3 5

7 2 8

Roboão Jeroboão 9 2 6

A za rias (Uzias)

G uerra Assas­

X sinato

Jotão (regente a té 7 3 9 ) Zao 7 4 7

1Acaz

Ezequias

Judá sobrevive

X'M enaém

♦ 7 3 7Peca

Oseias

Q ueda de Israel

735731

72 2

A O reino de Salom ão B A d inastia de Davi e as d inastias de Israel

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Mas a escolha dos acontecimentos relatados revela que judá somente estava no centro dos interesses deuteronomistas por ser guardiã do templo de Jerusalém. Os acontecimentos concernentes ao templo são relatados mesmo quando demonstram alguma fraqueza de Judá.

É o que acontece em 2Reis 14: o rei de Israel prende o rei de Judá, destrói o muro de Jerusalém e saqueia o tesouro do templo.

Essa interpretação é historicamente fundamentada. Davi trouxera a arca, o símbolo da presença de Deus em Israel, para Jerusalém, de forma a ligar as tribos do norte à residência dos reis de Judá. Inversamente, Judá, que politicamente nunca tinha sido uma tribo de Israel, se sentiu ligado a Israel por causa do templo construído para guardar a arca. Isso explica por que Judá continuou cultivando determinadas tradições de Israel depois da queda do reino do norte, disponibilizando-as assim à obra histórica deuteronomista.

As narrativas sobre profetas nessa parte da obra deuteronomista passam-se todas em Israel. Elas interpretam o abalo sofrido pelo reino durante a revolução religiosa de Jeú e as guerras dos arameus. As intervenções dos autores deuteronomistas se destacam desses relatos vivos principalmente nos momentos em que os profetas expressam, de forma estereotipada, as mesmas ameaças contra os reis de Israel.

Somente duas narrativas descrevem acon­tecimentos das histórias dos reis na pers­pectiva do reino do norte, ambas com estilo narrativo semelhante ao das histórias dos profetas do norte. As diferentes sentenças sobre pessoas são provocadas apenas pela descrição de sua conduta e de suas palavras:

• iReis 12 conta como aconteceu a divisão do reino de Salomão: o filho de Salomão fala com desprezo sobre seu falecido pai, não dá ouvidos ao seu conselheiro e impõe exigên­cias descabidas a Israel.

• Apesar dos contrastes entre os reinos de Israel e Judá, a época dos dois reinos é apresentada em1 Reis 1 2 - 2Reis 1 7 como sendo a história de um povo.

• Das sentenças sobre os reis se depreende que a história dos dois reinos foi escrita do ponto de vista do estado sobrevivente de Judá.

• A fé na presença do Deus de Israel no tem plo de Jerusalém, cap ita l de Judá, fez com queos autores de Judá entendessem a história do estado arru inado de Israel como p a rte de sua p róp ria história.

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2Reis çs descreve, com realismo sombrio, como o oficial Jeú mostra o seu “zelo para com o Senhor” (10.16): ele se apodera do reino de Israel mediante uma série de assassinatos.

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❖ Re f o r m a s n o r ein o de Ju d á (2Reis 18-25)

O reino de Israel caiu em 7 2 2 a.C., e Judá, em 5 8 7 a.C. No período entre estas catástrofes, professores e profetas criaram condições para que Israel não desaparecesse da História como outros pequenos povos daquela época. Em Judá, as tradições de Israel permaneceram vivas e se tornaram, depois de 5 8 7 a.C., fontes de identidade nacional para o povo cativo espalhado entre povos estrangeiros. Os reis de Judá de fato tornaram possível a manutenção dessas tradições, na medida em que mantiveram o Estado de Judá vivo, quase sempre como vassalo de potências estrangei­ras. Mas a descrição bíblica dessa época (2R S 18 -2 5 ) s° elogia dois desses reis, e exclusivamente por suas reformas religiosas.

A reforma de Ezequias

Em 7 3 5 a.C., Acaz, pai de Ezequias, tinha pedido ajuda à Assíria para combater a Síria e Israel, tornando-se vassalo assírio (2R S 16 .5SS). Na época de Ezequias, a Assíria destruiu o reino de Israel. Muitos israelitas ricos e cultos conseguiram fugir para Judá; isso impulsionou reformas em Judá.

Como todos os relatos sobre reis, também o registro a respeito de Ezequias ( 18 -2 0 ) dedica especial interesse ao templo. Os profetas denunciavam os ricos que tinham fugido de Israel e agora instiga­vam agitações sociais (Mq 2 .2 ; Is 5 .8 ) ; depreende-se de 2 R s 2 2 .14

que uma “nova cidade” tinha crescido em torno de Jerusalém.

Ezequias queria libertar Judá da Assíria e por isso estabeleceu contato com a Babilônia (2 0 ) . Documentos assírios confirmam que ele (junto com os filisteus) empreendeu rebeliões contra a Assíria (7 13 e 7 0 5

a.C.). Ezequias fortificou Jerusalém por meio de um aqueduto (2 0 .2 0 ) e da construção de muros (2Cr 3 2 .5 ) . A realocação de camponeses em regiões urbanas lhe deu a oportunidade de destruir os altares das regiões rurais. Seus antecessores já tinham tirado do templo símbolos cultuais abomi­náveis (íRs 15 .12 S ; 2 Rs 1 1 . 18 ) ; Ezequias removeu até mesmo uma imagem cultuai que remetia a Moisés ( 18 .4 ) , talvez inspirado pelas tradições dos refugiados de Israel.

Ezequias mandou compilar as tradições de Israel. Isso se infere a partir do fato de muitas tradições do então destruído reino de Israel estarem conservadas no AT. Lê-se em Provérbios 25.1 que os “servos de Ezequias” copiaram os provérbios.

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Sinais da bênção d iv ina

Venerados ‘em Canã e _ 1em Israel \ r\ n ) 1

i lrSímbolo de árvores e árvores (postes-ídolos

Pedrasungidas(colunas)

M encionados no AT em m emória dos antepassados de Israel

Em M arre

Em Betei

Em Berseba

M encionada no AT em m emória d a a juda de Deus no deserto

Figura de touro como pedesta l p a ra o Deus invisível Apesar de com batida ,

desde o séc. VII, pelos pro fe tas e reis

Judá como país vassalo

7 3 6 Acaz se torna vassalo

d a Assíria

7 2 8Ezequias

Reforma

Cam panha de

69 6Manassés mantém uma política de am izade com a Assíria

Senaqueribe d iante de Jerusalém

Juramento o b rig a tó rio de le a ld a d e p a ra

todos os vassalos da Assíria

6 22Reforma

6 09 Últimos reis

6 08

Q ueda da assíria

Vassalos do Egitoda Babilônia

5 9 7 Primeira d e p o rta çã o p a ra a Babil

587 Segunda dep o rta çã o p a ra a Babilônio

Q ueda do reino de Judá

Exilobab ilôn ico

701

6 6 7

62 6

60 9

Símbolos de lugares sagrados B Como Judá perm aneceu mais que Israel

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Uma evidência extrabíblica do alto respeito pelo povo, caracterís­tico da tradição bíblica, é uma inscrição no aqueduto de Ezequias: ela exalta os trabalhadores, e não o rei.

Ezequias fracassou. Em 701 a.C., a Assíria tinha destruído todas as cidades de Judá. Senaqueribe suspendeu somente o cerco contra Jerusalém. A razão para isso é desconhecida. Peste? Conflitos internos entre os assírios?

Os textos bíblicos trazem relatos de que Deus protegia sua cidade.

Judá continuou sendo Estado vassalo da Assíria. Durante 50 anos, Manassés, filho de Ezequias, impôs uma dura política favorável à Assíria. Seu filho foi assassinado. Mas o “povo da terra” nomeou o filho deste, Josias, como rei (21.24).

A reforma de Josias

De acordo com a narrativa bíblica, o ensejo para a reforma foi um livro encontrado durante uma limpeza no templo (22). O relatório da reforma de Josias (23) corresponde tão fielmente às exigências da lei deuterono­mista (Dt 12-28) que essa narrativa possivelmente serviu de legitimação dessa lei.

Josias purificou o culto. Como exigido em Deuteronômio 17.9; 18.11; 23.18; 28.10, ele combateu o sacrifício de crianças, a prostituição no templo e o culto aos astros e aos mortos.

Josias impôs a unificação do culto, como exigido em Deuteronômio 12. Ele combateu os antigos santuários de forma mais radical que Ezequias. Daquele momento em diante, o único lugar sagrado seria o templo de Jerusalém.

Ele ultrapassou as fronteiras de Judá. Com a desintegração da Assíria, ele pôde profanar os lugares sagrados do antigo reino de Israel. Seu objetivo era estabelecer um novo reino de Davi, em que um povo unido seria fiel somente ao Deus de Israel. Por isso, a Páscoa deixaria de ser uma festa familiar (Ex 12.3), tornando-se uma festa popular em

• Ambas as reform as contribuíram pa ra que Israel aprendesse a viver mais das pa lavras de suas tradições sagradas do que de sua ligação com um lugar sagrado. O fa to dessa transform ação te r contado com a pa rtic ipação de reis fo i pa ra que a fé bíb lica mantivesse suas implicações políticas.

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Jerusalém (2 3 .2 1S ; Dt 16 ) . Seu propósito de integrar o território de Israel ao seu reino ia contra a lei deuteronomista, pois Deuteronômio 17 atribui somente uma tarefa positiva ao rei: a incumbência de estudar a lei.

Josias fracassou. Talvez ele tivesse a esperança de unificar Israel com uma vitória como a que é cantada em Juizes 5. No campo de batalha em Megido (Jz 5.19), ele enfrentou o faraó, que apoiava a desintegrada Assíria. Josias foi morto (609). O faraó deportou seu filho mais velho; o segundo filho tornou-se vassalo egípcio, mas logo teve de se submeter à Babilônia. Suas tentativas de unir-se novamente ao Egito levaram à destruição do reino de Judá, de Jerusalém e do templo.

Ezequias e Josias fracassaram como reis e protetores da cidade sagrada. No entanto, foram bem sucedidos em seus esforços para fortalecer as tradições de Israel diante da cultura superior dos grandes impérios.

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❖ Is r a e l , J u d á e o s d e m a is pa íses

A questão do significado da monarquia, tema principal da obra deu­teronomista, torna-se especialmente premente com a ruína dos reinos de Israel e judá. Assim, este período constituiu a fase mais importante na elaboração da obra histórica deuteronomista:

• Depois de 722 a.C., os “servos de Ezequias” (Pv 25.1) registraram as tradições do Israel arruinado.

• Depois de 622 a.C., os funcionários continuaram escrevendo essa obra, incorporaram ideias da reforma de josias e acrescentaram a narrativa do fim de judá.

Os autores deuteronomistas distinguem três períodos no que diz respeito à relação de Israel com outros países.

Há quatro menções ao fato de que Salomão era aparentado, por casamento, com o faraó; mas o adversário de Salomão, Hadade de Edom, fazia parte da família do faraó, e Jeroboão refugiara-se no Egito antes de se tornar rei do Israel apóstata, após a morte de Salomão. Segundo fontes extrabíblicas, naquela época os faraós fracos imitavam as campanhas de seus antecessores poderosos, mas não conseguiram restabelecer o domínio sobre Canaã. Por isso, é possível que também tenham tentado ganhar influência de outras maneiras, como narram os autores bíblicos: políticas de casamentos, apoio a revoltas.

Quando Salomão reinava em Jerusalém, o chefe líbio Sisaque fundou uma nova dinastia egípcia; no templo em Karnak, ele publicou uma lista de cidades conquistadas, inclusive alguns lugares de Judá, mas não Jerusalém, cujos tesouros ele teria roubado, segundo iReis 14.26. É razoável imaginar que o pagamento de tributos no tempo certo tenha livrado Jerusalém de ser saqueada. Depois da incursão de Sisaque (em 925 a.C.), a narrativa deuteronomista diz que houve um longo período durante o qual nenhum grande império incomodou Canaã.

Na obra deuteronomista, essas hostilidades são relatadas nas histórias dos profetas. Uma fonte extrabíblica, a pedra memorial que comemora a vitória de Mesha sobre Israel, fala sobre a guerra contra Moabe; no entanto, segundo 2Reis 3 os reis (não nomeados) de Israel e Judá inter­romperam essa guerra, que não teve resultados.

De acordo com o relato deuteronomista, Israel precisou se defender principalmente contra Aram (Síria, Ben-Hadade - íRs 20ss). Segundo

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.Nínive

rase o •

Sam aría •

Jerusalém Assur

BabillônlaJ

300Km

Assíria8 5 3 D e rro tada p o r uma coa lizão cananeia

(Israel entre eles)841 Recebe tributos de Israel8 0 2 Subjuga Damasco7 3 8 Torna Israel um país vassalo7 3 5 Torna Judá um país vassalo7 2 2 Torna Sam aria uma província Assíria701 Destrói c idades de Judá671 e 6 6 4 Destrói c idades do Egito

Mênfis

Tebas

A Campanhas assírias transform am a situação de Israel e de Judá

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fontes assírias, no entanto, o reino arameu de Damasco era aliado de Acabe de Israel na luta contra Assíria (853 a.C.) Quando a pressão assíria diminuiu, Damasco deve ter se livrado dessa aliança e avançou no terri­tório israelita a leste do Jordão. Escavações confirmam o pano de fundo histórico da narrativa do cerco a Samaria (2R S 6 .24 S S ): a muralha constru­ída no século IX a.C. foi logo destruída.

2Reis 13.5 menciona um “libertador” de Israel. Estaria se referindo à Assíria, que em 809 a.C. enfraqueceu Damasco de maneira crucial? De qualquer maneira, Jeroboão II (782-747 a.C.) conseguiu restabelecer as fronteiras antigas de Israel, e Azarias fez o mesmo em Judá (2RS 14.22 e 25). A segunda época termina, portanto, com um aparente fortaleci­mento de ambos os países.

Ainda no tempo de Azarias, levantou-se Tiglate-Pileser / Pul (15.19). Também o ponto de vista moderno indica que ele deu início a um novo período; desse momento em diante, Assur deporta os povos e trans­forma suas terras em províncias assírias. Mas os autores deuteronomistas enfatizam que os reis de Israel e Judá teriam sido os principais culpados pela ruína de ambos os países. Para garantir seu trono, Menaém fez de Israel um vassalo assírio, e Acaz solicitou ajuda da Assíria contra o país irmão, Israel. O papel fatídico do Egito, que atiçava as rebeliões contra a Assíria, mas não tinha força o suficiente para impedir a queda de Israel (722 a.C.) e a ruína das cidades de Judá (701 a.C.), é apenas sugerido.

São totalmente ignoradas as conquistas assírias no Egito, das quais até a antiquís- sima Tebas foi vítima (664 a.C.).

Por outro lado, há uma descrição detalhada sobre uma comitiva enviada pela Babilônia (2RS 2 0 ), ainda que não tenha sido bem sucedida, pois a Assíria logo retomou seu domínio sobre a Babilônia (até 625 a.C.). Para os autores deuteronomistas, ela é sig­nificativa por causa dos acontecimentos de 58 7 a.C.: Ezequias mostrou as riquezas de Jerusalém aos enviados do reino que mais tarde destruiria a cidade!

Das comparações com fontes extra­bíblicas depreende-se que os autores

• No prim eiro período, o reino de Salomão estava apa ren ta do com o grande reino do Egito (1 Rs 3-12).

• No segundo período, países vizinhos se tornam inimigos de Israel e de Judá (1 Rs 13 - 2Rs 14).

• No terceiro período, Israel e Judá são aniquilados pelos grandes impérios (2Rs 15-25).

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deuteronomistas queriam registrar acontecimentos históricos; a escolha mostra quão pessimista era sua avaliação do reino. O Egito “aparen­tado” com Salomão não era confiável, os pequenos países de Canaã eram inimigos. Israel precisaria mesmo da monarquia, quando mesmo um rei bom como Ezequias tomava decisões politicamente erradas? Os autores informam, sem maiores comentários, que a rápida queda de Judá começou com a decisão do reformador rei Josias de impedir o avanço do faraó através do território em Megido.

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❖ In t e r p r e t a ç ã o p r o fé t ic a da h istó r ia

A obra histórica deuteronomista e os livros dos profetas estão histórica e tematicamente relacionados entre si:

As mesmas experiências históricas - o fim de Israel (722 a.C.) e Judá (587 a.C.) - levaram à elaboração da obra deuteronomista e ao surgimento dos primeiros profetas conhecidos por seus próprios livros.

• A mesma concepção histórica levou autores deuteronomistas e profetas a se perguntarem como a vontade de Deus se manifesta nos acontecimentos históricos. Com isso, criaram uma concepção nova de épocas históricas (algo novo no antigo Oriente), cujos acontecimentos formam um contexto de pleno sentido.

Essa concepção se expressa no fato da obra deuteronomista ser cortada por longos arcos que interligam as palavras dos profetas e seus respec­tivos cumprimentos. Elas se apresentam de maneira particularmente densa e formulista em 1 e 2Reis, onde os profetas anunciam o fim das dinastias. O castigo anunciado pode ser detido pelo arrependimento do rei (íRs 21.29)ou Pela compaixão de Deus (2RS 14.26); por outro lado, nemo rei Josias, cumpridor da lei, pôde evitar a ira de Deus causada por seu antecessor (2RS 23.26). Os autores não constroem um sistema rígido; na verdade, eles opunham sua fé, na qual Javé dirigia a história, levando em conta as percepções humanas e nem sempre cumprindo suas ameaças, à campanha assíria, que no século VII baseava o seu direito à hegemonia mundial em oráculos infalíveis. A obra deuteronomista pode também ser lida como uma história das manifestações de Deus.

Os livros de Josué e Juizes ainda têm conceitos da revelação divina comuns ao Pentateuco; como Moisés, Josué foi instruído pelo próprio Deus; os “juizes” são ensinados por mensageiros celestiais, como acontecera anteriormente com os antepassados de Israel.

Até o início da época dos primeiros reis há relatos em que Deus responde a perguntas (cuja resposta seria “sim” ou “não”) por meio de sortes e do “Urim eTumim” dos sacerdotes (instrumentos talvez desconhecido dos próprios autores?).

São da época dos reis as histórias nas quais essas possibilidades de conhecer os planos de Deus são substituídas pelo tenso modelo rei-profeta.

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M edian te instruções com as quais Deus mesmo guia Moisés e Josué

í Mediante

Desde o Êxodo...

—ique nomeiam salvadores de Israelj-

M ed ia n te informações que os governantes deviam p ed ir a ele

M ed ian te pro fe tas que corrigem os

governantes

... a te a distribu ição

d a te rraV*

... na pré-hstória

M ed ian te a promessa fe ita a Davi, com a qual

os governantes deveriam se com parar

Desde o Êxodo...

-----Samuel

N a tã

N arradores re latam as pa lavras e os

fe itos dos pro fe tas

VDesde que Deus deu descanso

a Davi

k/ W vjS a muel 7

G ade3 .14 & 6 .1 2 &

Semaías, 8 .15 &Jeú filho 9 .5 ^de Hanani 11.11

L 11.34s. & 14.8 &

M icaías 15.4 ^

filh o de Inlá

12.3 ^ 16.2 1 8.3 ^ 2 1 .7 íéÈ 22.2 ^

Josué

Juizes

1 Samuel

2Samuel

IReis

2 Reis

Mas a tua casa e o teu reino serão firmados para sempre diante de ti;teu trono será estabelecido para sempre.

2Samuel 7 .16

O que acontece com a promessa fe ita a Davi depo is do fim do reino de Israel?

1 f t v3 t r. . d

1 Reis que seguiram os passos de Davi

^ Reis que se afastaram do caminho de Davi

Profetas na ob ra histórica deuteronôm ica

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Profetas são conselheiros dos reis e também interlocutores com auto­ridade própria. O primeiro desses profetas, Samuel, nomeia Saul como rei e o descarta mais tarde. Essa imagem dos profetas com autoridade superior aos reis está presente principalmente no reino de Israel, onde reis de diferentes dinastias frequentemente buscavam a confirmação dos profetas. Por isso, as histórias de profetas dominam as tradições do reino do Norte (Israel) adotadas pelos autores deuteronomistas.

Sua concepção clara de que a História é guiada pela palavra de Javé não impediu que os autores deuteronomistas também incorporassem em sua obra narrativas que mostravam que Israel, assim como outros povos (principalmente a Assíria no século VII a.C.), recorria a variadas técnicas e talentos para detectar os poderes sobrenaturais que atuavam em todos os acontecimentos. Alguns relatos refletem períodos de ruptura, em que comunidades inteiras de profetas buscavam experiências de êxtase (iSm 10 .10 - 13 ; 19 .2 0 S ; íRs 2 0 .3 5 - 3 7 e outras). Esses profetas, pessoas que se tinham desvinculado da sociedade, eram ao mesmo tempo desprezados e temidos. Os narradores bíblicos os associam a figuras proféticas espe­cíficas, como Samuel e Elias, na qualidade de hóspedes ou discípulos. Afinal, o relato bíblico diz que Deus não chamava multidões inspiradas para anunciar sua vontade, mas indivíduos. É o que acontece, p.ex., em1 Reis 2 2 : a palavra que se cumpre é a de Micaías, filho de Inlá, e não as promessas de vitória de 4 0 0 profetas.

Dos profetas que deixaram livros, somente Isaías aparece na obra deuteronomista, sendo citado somente como auxiliar do rei frente à pressão assíria (2RS18-20). É possível que estas figuras específicas não se enquadrassem no conceito deuteronomista do profetismo. Os “profetas dos livros” apontam a culpa do povo, enquanto que os autores deutero­nomistas se concentram nas falhas dos reis. Eles julgam os reis por sua atitude em relação ao templo, mas o modelo não é Salomão, o construtor do templo. O modelo é Davi, que não foi autorizado a construir uma casa para Deus e, em vez disso, recebeu a promessa de que Deus lhe construi­ria uma casa (compare 2Sm 7.5b com 11b).

A promessa feita a Davi ocupa o centro da obra deuteronomista. Em 2Sm 7, ela se amplia em um longo discurso de estilo deuteronomista. Reportando-se a essa “lâmpada” de Davi, os autores deuteronomistas explicam a longa duração do reino de Judá. Fica em aberto, no entanto, que o significado futuro eles dão à dinastia davídica. O capítulo final

Page 143: Atlas da bíblia     annemarie ohler;  tom menzel

(2Reis 25) descreve a destruição do templo, que, segundo os autores deuteronomistas, devia provar a confiança dos reis no Deus único. A promessa davídica é mais antiga que o templo; não deveria ela continuar a ser “lâmpada” mesmo depois da perda do templo? Os autores deute­ronomistas ficam devendo essa resposta. Diferentemente da literatura extrabíblica antiga, sua obra tem um final em aberto.

Page 144: Atlas da bíblia     annemarie ohler;  tom menzel

Os profetas❖ P r o f e t a s n o A n t ig o O r ie n t e

A palavra “profeta” é grega. Dava-se o nome de “profeta” (“pregador”) ao sacerdote que traduzia os oráculos para uma linguagem compreensí­vel. Essa palavra chegou a nós por meio da tradução grega do AT, que a usou para traduzir a palavra hebraica nabi. O AT não tem uma palavra que designe somente profetas bíblicos. A forma como os profetas vetero­testamentários se viam é demonstrada principalmente pelas formas de discurso que empregavam.

Isso é válido, sobretudo, nos discursos de mensageiros. Os enviados políticos começavam seus discursos com a “fórmula do mensageiro”: “Assim diz Fulano..”, e seguiam empregando o “eu” do remetente da mensagem. Os profetas usavam este recurso para se identificarem como enviados de Deus. Na qualidade de arautos de Deus, proclamavam publi­camente a avaliação correta dos desenvolvimentos políticos.

A palavra nabi, por sua vez, evoca conceitos conflitantes. Ela se refere a pessoas que se mostram estranhas e temíveis.

Quando o “espírito mal da parte de Deus” se apoderou de Saul e ele tentou cravar a lança em Davi, o texto diz que ele “começou a ter manifestações proféticas”, ou “fúria de nabi” (iSm 18.10). A mesma palavra hebraica descreve o êxtase de um grupo de profetas que jazem nus no chão durante um dia e uma noite (iSm 19.24).

Para não ser confundido com esse tipo de pessoas, Amós rejeita ser chamado de nabi (“profeta extático”). O povo deve saber que ele está em seu juízo perfeito ao transmitir a mensagem de Deus. Mesmo assim, Amós explica que Deus lhe havia ordenado um comportamento nabi (Am 7 .14 S ) , pois sua mensagem é terrível e incompreensível: Deus quer preparar o fim de seu povo (8.2).

A ambigüidade da palavra reflete a luta dos profetas bíblicos em torno da visão correta de si mesmos. Naquela época, ninguém duvidava da exis­tência de profetas que previam o futuro. Os profetas bíblicos assumiram um papel há muito conhecido; a relação com esse papel tornou-os perso­nagens singulares.

Page 145: Atlas da bíblia     annemarie ohler;  tom menzel

Destinos futuros estão escritos nas estrelas,

Esperam-se previsões sobre o futuro...

de sábios que consultam sortes e oráculos de flechas,

dos que recebem visões e ouvem espíritos.

dos eruditos que observam ,

no vôo dos pássaros,

nas vísceras de animais sacrificados.

os feitiços e inovações.

Se espera que influenciem o futuro...

os rituais cúlticos,

que chamam os poderes que suplicam aos deusesdo bem p a ra lu tar contra o m al po r pro teção p a ra a te rra .

Práticas de ad iv inhação e m anipulação do fu turo do A n tigo O riente

Page 146: Atlas da bíblia     annemarie ohler;  tom menzel

Os antigos povos do Oriente Próximo viviam na convicção de que seus destinos eram dirigidos por poderes sobrenaturais, frequentemente maus. As freqüentes e violentas invasões de povos estrangeiros incentiva­vam-os a buscar por todo tipo de ajuda contra as ameaças:

A finalidade dos oráculos era esclarecer o futuro desconhecido. No entanto, os oráculos proféticos eram considerados incertos; o profeta poderia ter sido enganado por um espírito mau. Assim, iReis 22 conta como 400 profetas foram induzidos ao erro.

Os sinais, por sua vez, eram passíveis de verificação. A ideia de que o futuro está escrito no mundo mesmo antes que os homens o vivenciem, deu origem a uma elaborada ciência da adivinhação. Observações sobre o voo dos pássaros, animais sacrificados e estrelas foram sistematizadas. Grandes reis da Assíria recorriam a estes sinais para comprovar as mensagens proféticas.

Mesmo nos povos menores, a sorte lançada profissionalmente (cf. “Urim e Tumim” no AT) servia para averiguar as intenções ocultas de uma divindade.

O objetivo principal das cerimônias cultuais era acalmar poderes sobrenaturais maus. Em Mari, os profetas prometeram bênçãos se o rei realizasse o culto de forma mais cuidadosa.

As percepções intuitivas repentinas eram valorizadas principal­mente pelos povos semitas ocidentais, entre os quais estava também Israel:

Em Mari (século XVIII a.C.), homens e mulheres comunicavam ao rei as acusações e exigências de seu deus mesmo sem terem sido consultados.

p a rtir de sua oposição às certezas a rra igada s

• Os profetas bíblicos devem ser entendidos a

• Conta o viajante egípcio Wen Amun (século XI a.C.) que, em Biblos, um jovem, em estado de êxtase, saudou em voz alta a imagem de uma divindade que estava oculta em um navio.

de seus contemporâneos, e não tanto a p a rtir das • Uma inscrição aramaica de Amom (século

IX a.C.) faz referência à visão e palavra divinas de certo Balaão, filho de Beor, que também é citado em Números 22S.

ide ias de sua época e menos a inda a p a rtir dos conceitos de seus antecessores.

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A esteia de certo Zakur, de Hamat, informa que, na cidade sitiada de Hadraque (797 a.C.), um vidente teria lhe dito: “Não temas!”.

No século VII a.C., reis assírios mandaram registrar as palavras de salvação da parte dos deuses, proferidas por “pregadores” e “mulheres consagradas”.

O AT comprova que Israel também esperava ajuda especializada para se defender das desgraças esperadas:

Entre os pilares - há tempos inseguros - do reino de Judá, Isaías (3 .2S ) conta não somente guerreiros, juizes e anciãos, mas tambérrí com profetas, adivinhos, encantadores e feiticeiros.

• Jeremias (27.9) adverte os enviados de Moabe, Edom, Amom e Fenícia contra “profetas, adivinhadores, intérpretes de sonhos, médiuns e encantadores”.

Contrariando a ideia que os conhecedores experientes do sobrena­tural podiam dar conselhos e ajuda contra infortúnios ameaçadores, os profetas do AT esclarecem que não há previsão ou preparo que possa ajudar contra Javé; o povo é condenado por suas festas e assembleias solenes (Am 5.21). Jeremias combate até mesmo as pessoas que buscavam ajuda na “instrução do sacerdote”, no “conselho do sábio” ou na “palavra do profeta” (Jr i8.i8ss).

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❖ Pr o fe ta s n o s sé c u l o s X e IX a .C.

Os profetas veterotestamentários se viam como mensageiros do Deus de Israel com uma missão política concreta. Por isso, frequentemente é possível classificar as tradições proféticas com bastante precisão histórica.

Os primeiros desses profetas atuaram no período inicial do reino, os últimos, quando se tornou evidente que Judá só poderia subsistir com província dependente de uma grande potência.

Do ponto de vista da tradição histórica é possível distinguir dois períodos:

As coletâneas escritas das obras dos profetas surgiram somente depois do século VIII a.C.

• As histórias de profetas em 1 e 2Reis contam a respeito de profetas que, desde o século XI a.C., atuaram como opositores dos reis.

Natã e Gade aparecem nas narrativas sobre Davi em Jerusalém, que na época pertencia a Canaã. É possível que tenham sido profetas da corte, comuns em Canaã, mas obedeciam ao Deus de Israel e não ao rei. Em Jerusalém, Davi adquirira ideias cananeias sobre o poder real, estranhas a Israel. Exemplos disso são a contagem do povo (2Sm 24) e a interferência no casamento de um de seus guerreiros (2Sm lis):

Gade aparece como mensageiro de Javé, que deixa ao rei somente a escolha da maneira como o povo que ele havia contado seria dizimado.

Em nome de Javé, Natã anuncia ao rei as conseqüências funestas do adultério: a própria família de Davi e seu reino seriam arruinados.

Ambos ensinam a Davi que as desgraças, decorrentes do seu abuso de poder, devem ser entendidas como correções, por meio das quais Deus lhe ensina o que um rei de Israel não pode fazer. Davi reconhece sua culpa e está disposto a sofrer as conseqüências. Dessa maneira, ele aparece na tradição bíblica como o modelo de reinado que o Deus de Israel quer para seu povo.

Não há tradições proféticas do período de paz de Salomão; no entanto, as narrativas que falam de Aías de Siló, um profeta típico do reino do norte, comenta a crise que levou o reino à ruína. Em nome de Deus, Aías encarrega Jeroboão de fundar o reino de Israel, independente de

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História do surgimento do An tigo Testamento

Surgem as trad ições proféticas

Deuteroisaíasl r

Samuel N a tã Elias Amós NaumG a d e Eliseu Oseias Sofonias

M icaías filho Isaías Jeremias de Inlá M ique ias Ezequiel

Tradições proféticas no contexto d o surgimento do AT

Tritoisaías Zacarias 9.1 3 Ageu (Campanhas

Zacarias de A lexandre) M alaqu ias

em1000

em93 0

desde880

825

Desafios históricos

Decadência da so lida riedade fa m ilia r

Adoção de form as de governo cananitas por Davi -----------------------------

Samuel

cuida de grupos de pro fe tas errantes

proclam a Saul como rei e o re je ita

repreendem o rei em nome de Javé

Fim do re inado de Salomão em Israel e Judá —-----

Permanência de conflitos - entre Israel e Judá

Aías nomeia Jeroboão como rei e o re je ita

Tolerância sincretista_ da dinastia de O nri

Revolução re lig iosa

faná tica de Jeú

Decadência da ordem estatal e fam ilia r nos

reinos arameus —

| Elias [■

í5 •— 11

questionam sobre como Javé quer

ser Deus de Israel

Eliseu cuida de grupos de

pro fe tas errantes

Um discípulo de Eliseu unge Jeú como rei

Eliseu nomeia Asael rei de A rã

B As três épocas dos pro fe tas antigos

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Jerusalém. Mais tarde, também em nome de Deus, ele anuncia o fim da dinastia de Jeroboão (íRs 11.14). Os golpes de estado eram freqüentes em Israel; é concebível que os arrivistas buscavam se justificar pela palavras de profetas. As tradições de Aías, no entanto, traçam uma imagem de oposição profética a reis que, como Salomão, se preocupavam mais com seu poder, ou, como Jeroboão, mais com sua dinastia do que com o povo que lhes tinha sido confiado.

Da época em que grassavam as guerras entre Israel e Judá, causadas pela divisão do reino, a tradição só conserva o nome do profeta Jeú, filho de Hanani; em iReis 16 .2S S , os autores deuteronomistas lhe atribuem as palavras de um de seus juízos estereotipados.

Tradições independentes de profetas voltam a surgir somente nas crises que sacudiram o reino de Israel na segunda metade do século IX a.C.

Elias, Eliseu e Micaías, filho de Inlá, são os primeiros profetas que se viram obrigados pelas circunstâncias históricas a julgar a relação de Israel com outros povos, uma vez que a dinastia de Onri buscou a paz com os povos vizinhos e o casamento do filho de Onri, Acabe, com a fenícia Jezabel expôs Israel à influências fenícias. A narrativa da luta de Elias contra os profetas de Baal (íRs 18) pode estar baseada na lembrança que Elias foi bem sucedido em demonstrar ao povo de Israel a impotência do deus fenício.

A dinastia de Onri promoveu o culto a Baal entre a parte cananeia da população do reino de Israel. Impelido por um sangrento “zelo para com o SENHOR” (2R S 10.16), o capitão Jeú se rebelou contra a situação;

ele extirpou a casa de Onri e usurpou o trono. Mas esse golpe enfraqueceu Israel de tal forma, que quase sucumbiu durante as guerras contra os arameus.

As narrativas a respeito de Elias e Eliseu julgam essa revolução religiosa de maneira conflitante. Por um lado, Jeú é um rei ungido por ordem de Elias. Por outro, Eliseu teria designado, por ordem de Javé, também o rei dos arameus que, na época de Jeú, pre­judicaria duramente a Israel. Elias já tinha entendido que, por meio desses dois reis,

• Os pro fetas veterotestamentários entram em cena em momentos de crise.Eram capazes de reconhecer e in te rp re ta r essas crises de form a precoce, contribuindo decisivamente pa ra que Israel saísse delas renovado.

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Javé pretendia destruir o povo de Israel, com exceção de um pequeno remanescente fiel (íRs 19 .15S S ; 2Rs 8s).

As histórias de EIíãsT e Eliseu devem sua versão atual a uma longa tradição histórica na qual a questão inquietante, levantada em decorrên­cia do trabalho desses profetas, foi constantemente repensada: em quê se fundamenta o direito de Israel à existência, se a tolerância sincrética leva a uma reação fanática, que comprova que Israel não vivia como Javé desejava?

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❖ El ia s e El is e u

Israel floresceu nos governos de Onri e seu filho, Acabe; mas o AT os condena por terem construído um templo de Baal para seus súditos cananeus. A crise conseqüente é descrita detalhadamente (íRs 17 - 2Rs 13), mas sem citar sua real causa: Israel e Síria tinham de pagar tributos à Assíria e ambos queriam usar os lucros da rota comercial que passava pelo território a leste do Jordão para pagá-los. Acabe se aliara à Síria para guerrear contra a Assíria, mas seu filho iniciou a guerra contra a Síria. Alguns oficiais aproveitaram a oportunidade para um golpe de estado: Hazael, na Síria, e Jeú, em Israel.

De forma neutra, deixando o julgamento a cargo do leitor, 2Reis 9S conta como Jeú, cheio de “zelo para com o SENHOR”, assassinou o clã de Onri e os adoradores de Baal (10.16). Segundo a descrição bíblica, Elias e Eliseu influenciaram o desenrolar de acontecimentos políticos, mas sem tomar partido. Eles são figuras proféticas diferentes: Elias é solitário, enquanto Eliseu é seguido por um grupo de discípulos, mas é considerado sucessor de Elias. As tradições de Elias e de Eliseu também são diferentes. As tradições relacionadas a Elias compõem um quadro teológico coeso em iReis 17-19; já aquelas relacionadas a Eliseu conservam peculiaridades da narrativa oral.

A concordância de temas pode ser explicada pelo fato dos discípulos de Eliseu também transmitirem as histórias do solitário Elias:

Os dois profetas multiplicam o azeite da vasilha da viúva; ambos lutam, com a ajuda de Javé, pela vida do filho de uma mulher gentia (2RS 4; íRs 17).

• O rei chama o moribundo Eliseu de “carro de Israel e seus cavalei­ros”; Elias é arrebatado por Deus em um “carro de fogo” (2RS 13.14; 2.11-12).

As histórias em torno de Eliseu tratam de questões de fé oriundas da religiosidade de Jeú e das guerras contra a Síria, nas quais Israel quase sucumbiu.

Eliseu é aquele que auxilia Israel na guerra, mas somente como aquele que salva da fome e da sede; no entanto, ele também salva a vida de inimigos de Israel. O texto de 2Reis 5 narra um exemplo, único na Bíblia, de tolerância religiosa: Eliseu cura o comandante do rei da Síria e o despede em paz, ainda que este, daquele momento em diante, desejasse

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Desafios históricosLevam os p ro fe tas a perguntarem a Deus:De que m aneira Javé quer ser o Deus de Israel?

A época da dinastia de O nri

Sincretismo Elias aprend e a ser p ro fe ta

Seria Javé um deus de fe rt ilid a d e

como Baal?

845a.C . Revolução de Jeú

... en frentando o rei Acabe

... como aque le que anuncia a seca

... en frentando a Deus pe lo bem de Israel

Elias aprend e a encontrar v ida onde Israel iexperimentou a morte

... como aque le que anuncia a chuva

Elias vence os pro fe tas de Baal

através do sacrifício a Deus fe ito de acordo com a lei

Fanatismo através de um a to sangrento como fe z Jeú

M orte dos pro fe tas de Baal: seria isso “ zelo por Javé?"

Até 802a.C .G uerra dos arameus

Destruiçãoiminente

O nde está o Deus de Israel

se este fo r destruído?

... como conselheiro do rei

Elias precisa novamente aprend e r a ser p ro fe ta

e recebe novas missões políticas

Eliseu é cham ado p a ra ser díscipulo de Elias ... po r Elias... po r ver a ascensão de Elias ao céu

Eliseu rea liza m ilagres que salvam vidas

p a ra Israel na gue rra aram eia

... com a promessa de água

p a ra seus discípulos

p a ra estrangeiros e inimigos... a judando a viúva... a judando aos fam intos ... uma criança gentia ... a judando numa construção ... um genera l inim igo _____________ ____________ ... prisioneiros de gue rra

... com a promessa de pão

Eliseu cumpre missões políticas que trazem a morte

Eliseu m orto, um símbolo de v ida p a ra Israel

1 Reis 1 7 - '9

17.1

17

18ss.

18

18.4018.41 ss.

19

1 9.1 5ss.

2Reis2 -13

3.17ss.

4

5

ó6.24ss.

8 .7 -1 59 .1 -15

13

As composições do ciclo Elias Eliseu

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adorar a Javé, mas sem deixar de honrar o deus de seu rei. Os milagres de Eliseu ajudaram seus discípulos enquanto estes se ajudassem uns aos outros; assim multiplicou o pão, os alimentos envenenados são sanados e uma casa pode ser edificada.

As mudanças políticas na Síria e em Israel contribuíram para a deca­dência de Israel. Por ordem de Javé, Eliseu as preparou, mas de forma relutante.

Eliseu envia um discípulo para ungir Jeú , e com lágrimas nomeia Hazael como rei (8 .7SS ; 9.1-14).

Depois da vitória da Assíria sobre a Síria (802 a.C.), Israel se recuperou; narradores bíblicos atribuem também este feito a Eliseu. Ele teria anunciado essa mudança no seu leito de morte e até mesmo depois de falecer (13).

No relato da seca, Elias aprende que deve transmitir uma mensagem de morte, mas só é verdadeiro profeta de Javé aquele que, em vez de combater o rei Acabe, se une a ele em sua preocupação com a vida de Israel.

O relato da competição de sacrifícioslevanta a questão do significado do culto sacrificial. O culto a Baal pretende despertar o deus da chuva, que dava a vida, mas o deus dormia. Elias construiu o altar para o sacrifí­cio de Israel exatamente da forma prescrita pelas leis sagradas, e Javé aceitou o sacrifício. Mas o faz enviando um fogo que consome tudo que Elias tinha preparado.

Então Elias matou os sacerdotes de Baal. Dificilmente isso aconteceu no tempo do poderoso e tolerante Acabe. Na verdade, essa cena deve questionar se um ato como o de Jeú agradaria a um Deus que tinha consumido até mesmo a obra perfeitamente fiel à lei de Elias.

A narrativa da caminhada à montanha de Deus dá uma resposta teológica que não se coaduna à lógica da narrativa, mas sobre a qual vale refletir. Elias acabara de recuperar

• As narrativas de Elias e Eliseu comentam a crise em Israel no século IX a.C.

• Os relatos dos feitos de Eliseu (2Rs 2 a 1 3) ilustram como e pa ra quem o Deus de Israel é senhor sobre a v ida e a morte.

• Em 1 Reis 17 -19 , três relatos sobre Elias compõem uma história d idá tica . Somente ao de ixa r o cargo, Elias compreende o que significa ser p ro fe ta do Deus de Israel.

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Israel para Javé, e agora reclama por ser o único restante. Para quem ele devia ser profeta? Então Deus se revela a ele de uma maneira única na Bíblia. Elias reconhece a presença de Deus em um ruído praticamente imperceptível. Não seria a presença de Javé no mundo quase irreconhe­cível se Israel não fosse mais seu povo? Por isso, Elias precisa continuar seu trabalho como profeta, trazendo a morte não para os profetas de Baal, mas para o Israel apóstata.

A lembrança das histórias de Elias e Eliseu ajudou os discípulos de Jesus a entenderem a obra de seu mestre. O NT narra como Jesus, assim como Eliseu, salva o filho de uma mulher gentia, multiplica os pães, exige que os discípulos ajudem uns aos outros e, como Elias, sofre o destino de ser deixado sozinho.

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❖ A m ó s e O s e ia s , p r o f e t a s e m Is r a e l n o s é c u l o VIII a .C.

O Estado de Israel floresceu no início do século VIII a.C., pois a Assíria derrotara a Síria, inimiga de Israel, e depois colocou fim a seus ataques. Mas a expansão assíria recomeçou em 745 a.C. Em Israel, que, por sua localização, corria mais perigo que Judá, surgiram os primeiros profetas que interpretavam a situação. Sua mensagem contradizia a fé na bondade de Javé: é Deus quem destrói Israel. A Assíria é o instrumento que ele usa para trazer à tona a ruína interna de seu povo.

Amós anuncia isso desde o ano 760 a.C.: Israel tinha acabado de vencer a Síria quando Amós comunica que em breve Deus enviaria outro povo para oprimi-los (6.14). A ameaça das deportações mostra que ele se referia à Assíria: Israel será expulso para o norte, e a Síria, para o sul do Eufrates (1.5; 4.3; 5.27). Esta percepção de Amós foi intuitiva; em várias ocasiões, ele foi invadido pela certeza de que era Deus quem lhe “mostrava” coisas reais como a praga dos gafanhotos, a seca, a cesta da colheita, o prumo; assim ele compreendeu que o comportamento de Israel será “medido” e o fim chegará (7).

Com sábio conhecimento do mundo, ele reflete sobre essa intuição. Ele conhece a história dos arameus e filisteus; esses exemplos o fazem compreender que o Deus de Israel faz surgir e perecer os povos (9 .7 ) .

Amós conhece as diferentes formas de governo em Canaã e declara que nenhuma delas servirá de alguma coisa quando seus crimes forem punidos (9 .1S ).

Deus prova a seu próprio povo com mais rigor. Na verdade, Israel devia ser um povo de agricultores livres, que vivem de suas terras. Amós declara que Deus se indigna quando a liberdade e propriedade dos pobres são roubadas. Para Amós, as críticas à sociedade e às formas de cultuar caminham juntas: Israel celebra cultos arrebatadores, mas não dá atenção ao Deus da justiça (5 .2 1SS).

Quando Amós entrou no santuário real de Betei, o sumo sacerdote o acusou de tumulto e o obrigou a fugir para Judá, que era sua casa. Para que sua mensagem continuasse a ser difundida, Amós a anotou.

O livro de Amós é o primeiro exemplo de um novo gênero literário, uma coletânea das palavras de um único profeta:

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p A L IS / I DE REINOÍ GRAMEI

S a m a ria # ^ -

ÜNICIPADO )E MOABE

conduz os povos à liberdade

Futuro próximo: derrotas de Israel

. .Lebo Hamate0 2 5 5 0 K m

Nao precisa de nenhumpovo que o venere em

lugares sagrados Camaim

G ilga lriacho na

estepe

B e r s e b a

Em 76 0 aparece Amós.

Sua visão do passado e do futuro:

Séc. XIII Migrações dos filisteus, arameus, antepassados de Israel

Em 785fundação de um reino núbio: Cuxe

760Conquistas de Israel

destrói os reinos criminosos

0 250 500Km 1___ l_____I_____I_____I

REINO DE AM O M

■mO mundo e a história do ponto de vista de Amós

CIDADE

ESTADO

DE TIRO

O Deus

de Israel é Deus do céu, das

montanhas, do mar,

do mundo dos mortos

e dospovos.

Bete Édem #

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• Com censuras e ameaças, ele denuncia abusos e mostra as conse­qüências deles;

As exortações são poucas. Uma só é suficiente: que Israel “busque a Javé”;

As promessas são ainda mais raras; elas proclamam a fé tradicional de Israel com uma restrição significativa: “talvez” Javé mostre graça ao “remanescente” do povo (5.15).

Os livros dos profetas veterotestamentários são os mais antigos escritos denominados de acordo com seus autores; os títulos já mostram que eles contêm as palavras de homens que se responsabilizavam pesso­almente por seus discursos.

Oseias apareceu pouco depois de Amós. O judeu Amós podia ser expulso de Israel, mas Oseias era israelita e, como demonstra seu livro, trabalhou por mais tempo que Amós:

1 .4 S : A dinastia de Jeú terminou em 7 4 7 a.C.; Oseias chegou aconhecer sua prosperidade (2 .10 ) .

• 5.10: Oseias condena os abusos de Judá na guerra entre Israel e Judá, 734 a.C..

• 12.2: Ele censura o rei Oseias10 (731-722 a.C.), que oscilava entre o Egito e a Assíria.

Como o único profeta do norte de Israel a deixar um livro, Oseias está próximo das tradições proféticas do norte de Israel. Como Elias e Eliseu, ele descobre o conhe­cimento de Deus em experiências pessoais.Seu casamento com uma mulher adúlteratornou-se para ele ilustração da aliança entre Javé e Israel. Canaã, país agrário, celebrava o ato divino de procriação entre o céu que dava a chuva e a terra. Para Oseias, por sua vez, é a instituição do matrimônio que representa a aliança de Deus. Com razão, Deus rejeita o Israel infiel; mas no fim seu amor é mais

10 [NT] Rei de Judá, filho de Elá. 2 Rs 17.1

• As claras referências históricas das pa lavras dos pro fe tas do século VIII a.C. fazem delas os testemunhos mais antigos das tradições de Israel passíveis de serem datados com precisão.

• Para ambos, fé e com paixão não se separam. Para ambos, “ Israel” não é um país, mas o povo conduzido por Deus através de uma história à qual Judá também pertence.

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forte do que a infidelidade de Israel. Com “justiça” como dote, ele renova seu noivado com o povo (1-3).

A comparação com o matrimônio, que esteve presente durante muito tempo (na Bíblia: em Jeremias, Ezequiel e Colossenses), contri­buiu para fixar uma imagem masculina de Deus. Essa não era a intenção de Oseias. Seu poema sobre o Israel apóstata (11) conta a história de Israel como um filho rebelde, culminando com a palavra de Deus: sou Deus e não homem (11.9). Ao contrário do ser humano, que precisa condenar o filho perdulário para preservar as propriedades da família, Deus, o “Santo”, pode, depois de dura repreensão, ceder ao seu amor.

Oseias exige conhecimento Deus e solidariedade entre os homens(6.6), Amós, que o povo justo “busque Javé” (5.4).

Depois da queda de Israel, judeus que pensavam da mesma maneira reuniram anotações sobre as intervenções de Oseias, que salvara discípulos de profetas no estado irmão, formando assim o livro que leva o seu nome.

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❖ ISAÍAS E M lQ U EIAS , PROFETAS EM JüD Á NO SÉCULO V III A.C.

A partir de 745 a.C., uma nova política assíria levou vários países à destruição. Tiglate-Pileser exigia tributos ruinosos; o não pagamento era castigado com deportações, que acabavam por aniquilar os povos. Em 738 a.C., Israel pagou o primeiro tributo, em 722 a.C., caiu. Em 701 a.C., Judá estava às portas da ruína. Por trás dessa realidade desastrosa, os profetas bíblicos dessa época viam uma verdade incomparavelmente maior, positiva: a obra do Deus de Israel, que não tolera as injustiças. Ele se mantém fiel a si mesmo ao permitir a ruína de seu povo, que comete e tolera injustiças. Essa foi a mensagem anunciada por Amós e Oseias, em Israel, e Isaías e Miqueias, em Judá.

Isaías pertencia à camada mais alta da sociedade de Jerusalém.

Na primeira fase de seu ministério, o reino de Israel ainda era rico e autoconfiante (2.6ss). Isaías o condenou, como Amós fizera antes dele. No entanto, ele inclui Jerusalém em seu juízo condenatório; a injustiça prevaleceu (5 .1SS); sacrifícios zelosos servem apenas para disfarçar isso (í.ioss).

Na segunda fase, ele adverte o rei a não pedir a ajuda da Assíria contra o estado irmão inimigo. Não tem sucesso.

Em 738 a.C., Damasco e Israel se negaram a pagar tributos à Assíria e marcharam contra Judá a fim de colocar também ali um rei inimigo da Assíria. A guerra siro-efraimita termina em 733 a.C., quando a Assíria anexa uma grande parte de Israel e deporta a população.

O “memorial” (6-9) explica o fracasso de Isaías. Ele começa com a narrativa de uma visão que é datada, coisa que somente acontecia em decretos reais. Isaías declara que, no ano em que morreu o rei Uzias (736 a.C.), Deus se manifestou a ele como rei e o enviou a advertir Judá. Mas, ao mesmo tempo, lhe avisou que Judá desprezaria a mensagem e que manteria suas decisões, que levariam à devastação do país irmão.

Exegetas modernos, que veem nessa “missão de obstinação” a inter­pretação para todo o ministério de Isaías, negam que as promessas em Isaías sejam do profeta.11

Na terceira fase de seu ministério, Isaías adverte contra as atitudes anti-Assíria, decorrentes da morte de Tiglate-Pileser (727 a.C.). Isaías

11 [NE] Pois as promessas não eram do profeta, mas sim de Deus.

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é enviado...tem plo

(6 )

. a acusar Judá:

Ele esperou justiça, mas houve sangue derramado

5.7

... a denunciar a Assíria:

(disse o rei d a Assíria:)

removi as fronteiras dos povos e roubei os seus tesouros

10.13

... e a am eaçar:

O SENHOR dos Exércitos jurou:

(...) destruirei a Assíria na minha terra.

14.24,2 5

Ele julgará entre as nações e será juiz entre muitos povos (2.4)

O rei da Assíria, T ig la te Pileser, se a tribu i o nome de “ rei do mundo”

Expansão Assíria

Tig late Pileser(745 -7 2 7 )dominou:74 5 caldeus74 4 tribos de Zagros7 4 3 -7 4 0 arameus73 9 Urmia7 3 8 arameus e hurritas7 3 7 Urartu7 3 6 medos7 3 4 -7 3 2 arameus, Israel,

fenícios, filisteus7 3 1 -7 2 8 caldeus

Salmanasar (727 -722 ) e Sargão (722 -7 0 5 ) destroem Israel

Senaqueribe (705 -6 8 1 ) dominou: cimérios, Amon, M oabe, Judá, filisteus, egípcios

vê e escuta

Javé, o rei

Serafins egípicios louvam o rei:

Toda a terra está cheia da sua glória.

Mudanças políticas, do séc. VIII, ju laadas po r Isaías

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data uma dessas advertências como sendo do ano da morte do rei Acaz (14.28), fazendo referência ao “memorial”, datado de forma semelhante. Esta advertência contra a Assíria fora feita em tempo, mas o rei Acaz não lhe dera ouvidos. Será que o mesmo se repetiria com o rei Ezequias?

Isaías estava certo, e o novo rei assírio atacou com dureza e rapidez. Em 722 a.C., Israel foi destruído. Segundo a narrativa (Is 36-39 = 2Rs 18-20), Ezequias de Judá teria dado ouvidos a Isaías; no entanto, de acordo com documentos assírios, ele se rebelou contra a Assíria. Em 712 a.C., ele se livrou das ameaças pagando os tributos. Em 705 a.C., por ocasião de uma mudança no trono assírio, ele fez nova tentativa de se livrar da pressão.

Na quarta fase de seu ministério, ele advertiu o rei a não confiar no Egito. Durante anos, Isaías andou descalço e nu (como os assírios depor­tavam seus prisioneiros de guerra), demonstrando que a Assíria logo faria mais prisioneiros e venceria o Egito (20).

Naquela época, os países rebeldes em Canaã colocavam suas esperan­ças no Egito, que desde 740 a.C. se fortalecera sob a liderança dos faraós cuxitas (etíopes). No entanto, um exército egípcio que chegara para ajudar Ezequias foi rechaçado pela Assíria. Em 701 a.C., Judá estava devastado, com exceção de Jerusalém. Apenas um remanescente de Judá sobreviveu como país vassalo da Assíria.

As últimas palavras de Isaías são um lamento do ano 701 a.C.: Jerusalém comemora sua salvação e se esquece das vítimas da guerra (22).

Diferente de seu contemporâneo Isaías, Miqueias de Moresete atuou na área rural de Judá. Proclamando uma visão grandiosa, ele adverte que Jerusalém poderia ser destruída da mesma maneira como a capital de Israel: o Deus de Israel caminha sobre as montanhas, que se derretem a seus pés; Samaria foi destruída, e a desgraça avançava na direção de Jerusalém, passando por outras dez cidades (1).

Essa advertência deve ter contribuído para que um remanescente de Judá sobrevivesse em 701 a.C.

Depois de 722 a.C., refugiados de Israel investiram riquezas resgata­das em Judá, perturbando assim a paz social. A ampliação de Jerusalém está arqueologicamente documentada. O texto de 2Reis 22.14 menciona uma “parte baixa” da cidade. Isaías e Miqueias aplicam a crítica social de Amós às circunstâncias de Judá. Eles denunciam os ricos que formavam

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latifúndios tirando a terra e a liberdade dos pequenos lavradores. Ambos invocam o lamento dos mortos (“Ais”) sobre o povo que morria de dentro para fora (Is 5.8ss; Mq 2.1).

O templo tem menos importância para Miqueias do que para Isaías. Isaías estava convencido de que a glória de Deus, que “enche toda a terra” (6 .3 ) , podia ser experimentada no templo; já, Miqueias, indignado com as construções feitas em Jerusalém com dinheiro extorquido do povo, anuncia que a cidade será destruída junto com o templo (3 .9SS).

Sua palavra só se concretizou em 5 8 7 a.C.; mas, em 6 0 8 a.C., Jeremias foi condenado a morte por causa de uma palavra contra o templo. No entanto, alguns dos “anciãos da terra” (de onde também vinha Miqueias) salvaram o profeta, declarando que, no passado, Ezequias tinha escutado as palavras de Miqueias com relação ao templo (Jr 2 6 ) .

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❖ Pr o fe ta s no sé c u lo VII a .C.

Durante os séculos VIII a VI a.C., o Oriente Próximo testemunhou, em três ocasiões, o surgimento de uma nova potência. Os profetas viam isso como obra do Deus de Israel. Com isso, a questão sobre o significado dos acontecimentos mundiais adquiriu, para eles, uma nova dimensão. As respostas da criação do mundo e do início da história de Israel não eram mais suficientes; afinal, eles viam o quanto a criação de Deus estava corrompida: em seu próprio povo reinava a injustiça, e os povos que Deus usava como ferramenta de juízo contra Israel cometiam crimes.

No século VII a.C., Naum, Sofonias e Jeremias expressaram essa convicção, renovando as mensagens dos seus antecessores do século VIII a.C., como se seu poder não tivesse sido alterado nos 70 anos durante os quais Judá foi vassalo da Assíria e nenhum profeta surgiu.

Assim como Amós, Naum e Sofonias anunciavam o “dia do Senhor”, em que Deus destruiria as potências violentas.

Na verdade, Naum repetiu, no tempo do rei Manassés, que era fiel aos assírios, as ameaças de Isaías contra a Assíria: Deus libertaria Jerusalém e afastaria as imagens de culto assírias.

À camada superior da sociedade de Jerusalém, que enriquecera durante a Pax assíria, Sofonias somente anuncia a promessa de Amós, que é quase uma ameaça: Buscai a justiça; talvez sejais poupados no dia da ira do SENHOR (2 .3 ; Am 5 .14 S ). Mas ele tem certeza da salvação dos pobres: “um povo humilde e pobre” será deixado entre vocês (3 .12 ) .

Jeremias se torna profeta no mesmo ano em que os caldeus conquis­tam a Babilônia (626 a.C.), dando início à decadência da Assíria. Mas Jeremias prevê a chegada de novas desgraças, o “inimigo do norte”. Assim como Amós, ele também teve certeza dessa desgraça ao contemplar um evento cotidiano: uma panela fervendo (Jr 1.13 S ) . Ele desenvolve uma figura paterna a partir da figura do casamento apresentada por Oseias: Deus deseja encontrar na “esposa Israel” o “filho” a quem ele pode confiar sua herança, mas Israel continua sendo uma esposa adúltera (3 .19 S ).

No NT, essa figura paterna tem um significado central: Jesus é o único verdadeiro filho de Deus, que trabalha até o fim pela herança de seu pai.

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760 -70 1\

Amós

Oseias

M iqueias

Isaías

a lertam seu povo sobre aautossuficiência

enxergam o quanto seu povo está arru inado

previnem contra alianças com a Assíria ou o Egito

Isaías acusa a Assíria

6 3 0 -6 2 0

Naum

Sofonias

Jeremias

levantam esperanças por Judá percebem a aprox im ação de novas desgraças

6 2 2 -6 0 9

Reformas do rei Josias

Habacuque acusa a Babilônia

6 0 9 -5 7 3

Jeremias

Ezequiel

anunciam que o Deus de Israel tinha dad o , naquele momento, a hegemonia mundial à Babilônia

5 3 9

Deutero-isaías

vê C iro como o ung ido de Javé

5 2 0 lAgeu

Zacarias

pedem a renovação do tem plo

Tritoisaías Veem os povoscom em orando o

M alaqu ias cu|to a Jayé

7 6 0

7 4 07 3 8

73 3

71 2

701

63 0

6 2 6

6 2 06 1 2

6 0 9604

5 9 7

5 8 7

573

54 9 -546

5 3 9

5 255 2 0

Egito...

sob os fa ra ós etíopes fom enta rebeliões contra a Assíria

c

7 45 -61 2 o im pério assírio...

recebe impostos de Israel

anexa partes do te rr itó r io de Israel

vence Asdode, a lia d o de Judá

de rro ta as tropas de a juda do Egito

to rna Judá reino vassalo

destró i a c id a d e rea l de Mênfis

destrói a c id ade rea l de Tebas

Egito, novamente livre

6 2 6 -5 3 9 O im pério babilônico...

Um caldeu se to rna rei d a Babilônia

Nínive é destruída pelos caldeus

fom enta rebeliões contra a Babilônia

to rna Judá reino vassalo

deporta populações de Judá para a Babilônia

destrói Jerusalém, segunda dep o rtação

5 4 9 -3 3 0 O im pério persa...

C iro se torna senhor de todos os povos desde a Pérsia a té a Ásia menor

é receb ido a legrem ente na Babilônia

Cperm ite que os judeus retornem a sua p á tr ia

Cambises se torna governante do Egito

Papel dos pro fe tas veterotestam entários nos tempos de mudanças dos grandes reinos.

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Aparentemente, Jeremias também sabia onde iriam parar os deporta­dos do reino de Israel, e esperava por seu retorno. Deus já estaria imagi­nando com que cuidado ele levaria seu filho primogênito, Efraim, a mais forte das tribos de Israel, de volta ao lar (31.8s).

Durante um breve período, parecia que as esperanças dos três profetas se tornariam realidade. Em 622 a.C. , o rei Josias, já livre do jugo assírio, começou uma reforma religiosa. Em 612 a.C., os caldeus destruíram a capital da Assíria, Nínive. Mas quando o faraó veio em socorro da Assíria, Josias o enfrentou, confiando nas promessas dos profetas, acabou morrendo (609 a.C.). Seu filho Jeoaquim tornou-se vassalo do Egito; depois da derrota do Egito (605 a.C.), ele se submeteu à Babilônia.

Habacuque se torna porta-voz do povo diante de Deus. Seria justo que povos inteiros fossem alvos de caça para os caldeus? Ele se vê como um visionário que “vigia” para descobrir se Deus se defenderia. Mas o cerne de sua mensagem é uma palavra de Deus, que devolve a Israel o questionamento a respeito da justiça, e que promete a vida aos que per­manecerem fiéis a Deus. O justo viverá por sua fé (literalmente: “por sua firmeza interior”, 2.4). Essa declaração renova as palavras de Isaías, que prometem lugar seguro aos que buscam firme apoio em Deus (7.9; 28.16).

Romanos 1.17 cita o texto de Habacuque 2.4; a palavra hebraica emunah (fidelidade, firmeza) é traduzida como o grego pistis, “fé”. Foi assim que Lutero encontrou essa declaração e, com ela, a expe­riência inicial da Reforma.

Jeremias fez muitos inimigos nessa época. O partido reformista está furioso, pois ele chama o templo, que Josias desejava tornar o centro de Israel, de antro de ladrões (7.11), uma vez que aqueles, que se supõem seguros no templo, são piores que ladrões. Jeremias ameaça o rei com o sepultamento de um “jumento” (22.19), porque ele oprimia o povo com tributos para a Babilônia e também para seu próprio luxo.

Solitário e perseguido, Jeremias desen­volve uma nova compreensão da sua missão profética. Ele levanta queixas, que culminam

• Os pro fetas estavam convencidos de queo sentido de todos os acontecimentos mundiais se reve la ria no futuro.

• Depois do fim ab rup to da esperança pela renovação de Israel,a autocompreensão dos pro fe tas mudou: Habacuque e Jeremias reclamam contra Deus.

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na acusação de que Deus não seria confiável, e publica esses versos junto com a repreensão que recebera de Deus por causa de suas palavras. Ele se solidariza com seu povo, que também já não sabe mais em que confiar. Deveriam eles esperar pelas correções de Deus?

Por fim, Jeremias responde afirmativamente a essa pergunta. No início do século VI a.C., ele testemunha a queda de Jerusalém e entende-a como correção de Deus. Ao mesmo tempo, ele volta a ver possibilidades de interpretar os tristes acontecimentos históricos a partir do futuro bom que Deus preparou para seu povo.

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❖ Je r e m ia s e Ez e q u ie l , p r o f e t a s d u r a n t e

A QUEDA DE JERUSALÉM

Profetas veterotestamentários anunciam uma mensagem inimaginá­vel em outras religiões antigas: o Deus de Israel prepara o fim de seu povo. O ano 587 a.C. trouxe a confirmação; Jerusalém foi destruída junto com o templo, o símbolo da comunhão de Israel com seu Deus.

Já na primeira fase de seu ministério (626 a.C.), Jeremias pergunta o que acontecerá depois do fim. Para as tribos do norte (deportadas em 722 a.C.), o caminho de destruição autoinfligido teria chegado ao fim; agora Deus queria possibilitar-lhes o caminho do arrependimento (3.12; 31).

“Arrependimento” torna-se uma palavra de esperança. Ezequiel declara que Deus não deseja a morte dos culpados, mas que eles se arrependam e vivam (33.11). Jesus também chamará ao arrependi­mento (Mc 1.15).

Na segunda fase, depois do fracasso da reforma de Josias (609 a.C.), Jeremias está convencido que Jerusalém teria de perecer arrastando consigo o templo (7). A origem do livro de Jeremias pode ser acompa­nhada desde esse momento de seu ministério:

Jeremias escreve conjissões, testemunhos de sua luta interior. Obrigado a anunciar desgraças, ele sente compaixão de seu povo e luta com seu Deus (12.1-6; 15.10-21; 17.12-16; 20.7-18).

Impedido de pregar em público, ele dita uma coletânea das palavras que Deus lhe havia dito a seu amigo Baruque (36.4). Esta coletânea pode ser reconstruída a partir dos capítulos de 1 a 9.

Mais tarde, Baruque escreverá a história dos sofrimentos de Jeremias (36-45).

Funcionários que tinham apoiado a reforma de Josias protegem Jeremias (26.24). Suas famílias teriam transmitido as palavras de Jeremias no estilo de Deuteronômio (livro daquela reforma, por exemplo: 7.21-28).

Na terceira fase, Jeremias vê confirmada sua advertência. Judá se aliou ao Egito; Nabucodonosor o conquista, saqueia o templo, prende o rei Jeoaquim e deporta muitos nobres (597 a.C.). Jeremias recomenda suportar o jugo estrangeiro. Os deportados deveriam se estabelecer na Babilônia (29). Os políticos consideram que, neste momento, uma luta

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O seiasantes d a queda de Israel, 722 :

(Deus tinha dissolvido seu “ m atrim ônio” com Israel, mas depois diz:)

E me casarei contigo pa ra sempre sim, eu me casarei contigo em justiça, juízo,

e tu reconhecerás o SENHOR. (2.19*).

Je rem iasdurante o cerco a Jerusalém, 587 :

Portanto, assim diz o SENHOR, o Deus de Israel, acerca desta cidade:

<Farei com eles uma aliança eterna. E os plantarei com firmeza nesta terra, com toda a minhafidelidade e dedicação.(32.36 a 41)

Atualização das palavras de Jeremias nas famílias de funcionários do governo:

Mas esta é a aliança que farei / — com a casa de Israel:

Porei a minha lei na sua mente e a escreverei no seu coração. E não ensinarão mais cada um a seu próximo: conhecerei o SENHOR!(31.33ss)

Ezequielna Babilônia, depois de 587:

Assim fa la Javé:Então aspergirei água pura sobre vós.Também vos darei um coração novo (corajoso)(...)e saberão que eu sou o SENHOR. (36 .25 ,26 e 38)

Imagens proféticas da nova aliança com Deus.

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pela liberdade política representa afastastamento de Deus. O babilônio Nabucodonosor seria “servo de javé”, realizando o trabalho de Deus na terra (27 .6 S ).

Ezequiel, um dos deportados, é tomado pela convicção de que o Deus de Israel tinha escolhido a Babilônia como lugar para sua atuação. Na visão de chamado, datada de 592 a.C., ele vê a chegada de Deus à Babilônia. Ele a descreve com motivos babilônicos, elevados à máxima potência (1-3). O carro real de Deus é o firmamento; seus quatro condu­tores têm quatro faces cada um e, como os quatro ventos, cada um segue na direção de um ponto cardeal.

Desde o século II, as quatro faces - homem, leão, touro e águia - são símbolos dos quatro evangelhos.

Em uma segunda visão (8-11), o profeta vê como os que ficaram em Jerusalém profanam o templo e se apropriam das casas dos deportados (11.3). Ele vê como Deus então deixa o templo e manda fogo sobre a cidade.

Ezequiel está convencido de que Jerusalém perece merecidamente; por meio de longas retrospectivas históricas, ele justifica a justiça dos castigos (16; 20; 23). Tanto para ele quanto para Jeremias, o ponto mais baixo de depravação são os sacrifícios de crianças (20.26; Jr 7.31), com os quais Jerusalém, por medo de cair, queria apaziguar a Deus.

A sinistra palavra de Ezequiel, segundo a qual Deus havia ordenado esses sacrifícios Dara destruir a Israel, encontra eco em Gênesis 22.

Por meio de sinais, Jeremias explica que o fim é o início da mudança. Durante o cerco a Jerusalém, ele compra um terreno e anuncia que Israel voltaria a viver em sua terra (3 2 ) .

Ele mesmo experimenta o contrário: refugia­dos judeus o arrastaram, contra sua vontade, para o Egito (42SS). Lá ele desaparece.

A última palavra de Ezequiel data de 573 a.C., quando ainda não se avistava o fim do exílio. O profeta, no entanto, fundamenta sua esperança em um pensamento antigo, ao qual ele dá novo significado:

• Apesar da perda de todos os símbolos perceptíveis da p rox im idade de Deus, Jeremias e Ezequiel se entendem como mensageiros do Deus de Israel.

• Jeremias e Ezequiel declaram que a história de Israel precisa term inar mal, no entanto, eles têm esperança pa ra Israel.

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• Oseias anunciou que, depois da separação, Deus iria se reconciliar com a esposa adúltera, Israel (2.16).

• Jeremias deduziu disso a expressão “nova aliança” (32.36SS).

Ezequiel declara que todos os que foram dispersos e separados uns dosoutros seriam chamados individualmente a uma decisão em favor da nova aliança (18). Com isso, o profeta corta os laços do indivíduo com o povo, coisa que era inimaginável até então.

A terceira visão de Ezequiel (40-48) mostra que esse individualismo é só um recurso de emergência. O profeta esboça uma constituição para seu povo. A presença de Deus no templo se tornaria o centro. É nova sua ideia de que palácio e templo, política e religião não devem mais consti­tuir uma unidade.

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❖ OS LIVROS PROFÉTICOS

Os profetas falavam diretamente às pessoas. Os vestígios dessa oralidade podem ser vistos nos livros proféticos, pois as palavras dos profetas foram notadas para que encontrassem seus destinatários; eram consideradas autênticas as palavras escritas que como, as faladas, exigiam atenção e resposta. A palavra profética deve ser eficaz, nem que fosse apenas como uma escritura muda.

Amós foi o primeiro “profeta escritor”, pois ele precisou fugir de Israel (7). Seu livro deve ter sido escrito pouco depois da fuga, pois a datação “dois anos antes do terremoto” (1.1) se dirige a seus contemporâneos.

Em tabuletas, Isaías registra palavras às quais ninguém dera atenção a fim de provar que Deus havia advertido a tempo (8.1; 30.8).

Às pessoas desesperadas, Habacuque (2.2) e Jeremias (30.2) deveriam garantir, por escrito, que ainda haveria um futuro para Israel.

• Quando foi proibido de falar, Jeremias pede que seu amigo Baruque leia suas palavras. O rei queima seus escritos, Jeremias os dita novamente (36).

Na Assíria, as palavras proveitosas dos profetas eram preservadas em arquivos. As palavras dos profetas veterotestamentários foram registra­das por não terem encontrado ninguém que lhes desse atenção.

No período do exílio, a comunicação escrita ganhou importância. Jeremias escreveu para a Babilônia (29); deu o rolo a um amigo para que o lesse ali (5 1 .6 0 S ) . Mas o discurso oral ainda tinha prioridade. Por isso, Jeremias declara que a “pena mentirosa” dos escribas corrompe a lei de Deus (8.8); é possível possuir os escritos sem conhecê-los. Na visão de sua comissão, Ezequiel deve engolir um rolo, mas recebe a ordem de falar a Israel (3 .1-4 ) .

Assim, os discípulos de Amós respondem às ameaças do profeta com hinos nos quais reconhecem que a destruição profetizada por Amós seria um castigo justo inclusive para suas próprias culpas.

Frequentemente, as adições mencionam situações nas quais as palavras antigas do profeta devem adquirir novo significado.

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Em to d o o liv ro de Ezequiel o p ro fe ta fa la de si mesmo de duas form as fundam entais

O livro de Ezequiel conta os anos a p a rt ir

d a d e p o rta çã o de 5 9 7

Olhei e vi... Relato de visões

1-3Chamado C hegada de Deus à planície d a Babilônia

8-11JuízoIda de Deus ao seu tem p lo

37SalvaçãoOssos secos revivem na planície da Babilônia

Enredossimbólicos

A palavra do SENHOR veio a mim. O rdens de Deus e seu cumprimento

em duas form as fundam entais. ____________________|_________________

Mensagens

4s.Conquista de Jerusalém

12D eportação

5 ° . ano

Palavras am eaçadoras contra os montes de Israel (6s.)

Ensino sobre o fim

Lidando mal com as profecias (12 .21 - 14.11)

■■ Juízo im placável (14.1 2ss.)H istória m alsucedida de Jerusalém (16)

Juízo sobre os reis (17)

5 ° . ano

I Responsabilidade pessoal (1 8)

H istória m alsucedida do Êxodo (20) - - —-■Juízo im placável (21 s.)H istória malsucedida

de Israel e Judá (23)24Destruição de Jerusalém

2 5 -3 2 Palavra contra sete povos;contra os vizinhos de Israel (25) contra os principa is adversários da Babilônia:

- Tiro (26 -28 )-E g ito (29 -31)

7 o. ano

Inclusão(quebracronológica)

33Notícia da quedade Jerusalém fa z a b r ir a boca do p ro fe ta

Ensino sobre a m udança p a ra a salvação

Chamado de Ezequiel como v ig ia p a ra o indivíduo

Deus, o bom pastor de Israel (34)

Palavras ameaçadoras contra os montes de Edom (35) 1 1 ° . ano Palavras de salvação para os montes de Israel (36)

tem plo

Reunificação de Israel e Judáem volta do templo de seu Deus (37.15ss.)

Renovação 38s. Previsão apocalíptica; Inclusão43.3 : Entrada de Queda de Gogue e Magogue,Deus na nova inimigos mistificados do norte

25 ° . ano

Composição do livro de Ezequiel

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Amós acusou a Israel; seus discípulos incluem Judá entre os estados criminosos (Am 2.4SS).

Os autores dessas adições entendem a si mesmos como profetas que reconhecem na situação original um modelo que, em circunstâncias dife­rentes, leva a um novo conhecimento das ações de Deus.

Jeremias 28 conta como Jeremias desmas­cara um falso profeta que, sem modificações, aplica à Babilônia palavras de Isaías profe­ridas contra a Assíria (14.25): a vontade de Deus deve ser buscada novamente em cada situação.

O acréscimo atualizador mais recente a um texto profético está em Zacarias 9.13: os judeus só tiveram lutas contra os “filhos de Javã” (gregos) no final do século IV a.C.

Oseias, Amós, Miqueias, Sofonias e Ezequiel, assim como partes de outros livros proféticos, antigamente independentes, terminam com promessas. O objetivo era iluminar o sentido positivo que havia mesmo em palavras de destruição: Deus faz justiça para que a vida prospere. Mas não se deve negar que sempre surgirão novas desgraças. As promessas foram escritas como palavras de consolo para os momentos difíceis. Por isso, as promessas não cumpridas não eram simplesmente esquecidas.

A palavra hebraica para “consolo” signi­ficava deixar respirar, dar alento. Consolai o meu povo: assim começam as promessas na segunda parte de Isaías (40.1).

Os profetas anunciaram que o abalo das ordens políticas também representava o juízo do Deus de Israel sobre os demais povos. Os redatores reuniram essas chamadas “palavras

• Os próprios pro fetas escreviam seus discursos somente em caso de extrem a necessidade:

• Os discípulos dos pro fe tas anotaram e com pilaram as pa lavras de seus mestres. Mesmo a versão fina l dos livros dos pro fe tas está m arcada pelo fa to de que os discípulos entendiam as pa lavras de seus mestres como um discurso que dem andava respostas.

• Os redatores dos livros proféticos concebiamas mensagens dos profetas como um todo. Frequentemente, eles organizam as pa lavras dos pro fetas em uma seqüência de duas partes, que leva “ do juízo à salvação” .

• Redatores posteriores p re fe riram uma seqüência em três partes: “ juízo sobre Israel - juízo sobre os povos — salvação pa ra Israel” .

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aos povos”, intercalando-as de maneira que a ordem antiga era mantida, na medida do possível.

Em Ezequiel, essas “palavras aos povos” dividem textos relaciona­dos entre si. Em Jeremias, sua ordem não se definiu até o século III a.C.; a Septuaginta as apresenta como segunda parte do livro e a Bíblia hebraica, como a terceira parte do livro.

Portanto, também esses redatores não consideravam seu esquema como uma doutrina válida para todo o tempo, como se a ruína dos povos fosse uma condição para a salvação de Israel. Somente os apocalípticos conseguiam imaginar o começo da dispensação com a condição de que as violentas potências mundiais fossem primeiramente destruídas.

Para os redatores que criaram o cânon com quatro profetas “maiores” e doze profetas “menores”, o principal valor desses está na sua condição de documentos do passado. Com isso, torna-se insignificante a diferença entre as narrativas dos profetas e as composições discursivas dos livros proféticos, de modo que também o livro de “Jonas” pudesse ser contado entre os doze profetas.

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❖ D e u t e r o is a ía s , p r o f e t a n a Ba b il ô n ia

Depois de Nabucodonosor, o brilho da Babilônia se apagou. Ciro, o persa, conquistou o reino dos medos (550 a.C.) e a Lídia (547 a.C.). Ao contrário dos reis que o antecederam, ele respeitou a elite dos povos con­quistados. Quando ele entrou na Babilônia (539 a.C.), a cidade o festejou como um “arauto” de seu deus Marduque. As províncias babilônicas se submeteram a ele; seu império se estendeu desde o Irã até a fronteira egípcia. A fim de estabilizar a região da fronteira de Judá, ele permitiu que escravos judeus na Babilônia retornassem para sua terra.

O assim chamado segundo Isaías ou Deuteroisaías (Dtls) interpreta essa mudança. Suas palavras foram transmitidas anonimamente em Isaías 40-55. Originalmente, essa parte de Isaías era um livro à parte:

O prólogo (40) e o epílogo (55) falam a respeito da saída e regresso da palavra de Deus.

A linguagem poética metafórica se assemelha mais aos salmos do que aos discursos proféticos.

Diferentemente dos profetas antes e depois dele, o Deuteroisaías anuncia somente a salvação, mas de forma a renovar a mensagem dos profetas da destruição. Assim, ele saúda Ciro com um título honorífico concedido a Davi: “ungido de Javé” (“Messias”; Is 45.1), contradizendo dessa forma a esperança por uma nova liberdade política.

O livro de Isaías reflete considerações a respeito desse pensamento. As promessas messiânicas delineiam, com intensidade crescente, imagens do rei de paz da linhagem de Davi (7 .14 ; 9 .1SS ; n.iss).

Dtls entende a queda de Judá como a morte de Israel; um novo Israel só surgiria quando Deus, como Criador, realizasse algo novo, inédito, também na história (4 3 .18 S ) .

Em aparente contradição com isso, o profeta recorre de muitas maneiras, como nenhum outro antes dele, às tradições de Gênesis a 2Reis. É evidente que ele conta com destinatários que estão de tal maneira ligados ao passado anterior à queda de Israel que são capazes de compre­ender claramente alusões aos temas daquela tradição.

Seus versos são uma das evidências de que judeus conscientes das tradições criaram aquele complexo de textos na Babilônia. Estes mesmos círculos devem ter começado a não mais registrar os

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Isaías Deuteroisaías Tritoisaíasem Jerusalém na Babilôn ia em Jerusalém

(7 4 0 -7 0 1 ) (antes de 538 ), (po r vo lta de 520 ),in te rp re ta a am eaça d a Assíria prom ove o retorno conforta os que

contra Jerusalém como um a to de Deus a Jerusalém reto rnaramdecepcionados

Isaías 1 -39 Isaías 4 0 -5 5 60-62

Atualizações e anexos do período Am pliaçõespós-exílico 5 6 -5 9 , 6 3 -6 6

A As três partes d o livro de Isaías

B Deuteroisaías in te rp re ta a história de sua época

C Deuteroisaías vê a renovação do Israel destruído

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discursos proféticos sob o nome do respectivo profeta, além de usar o nome “Isaías” como expressão tradicional para “profecia”.

Deuteroisaías não está preso às tradições, como normalmente acontece com os exilados; na verdade, ele está convicto que a unidade de Israel depois da queda se justifica apenas no fato de que Deus dá a vida e a morte.

No mesmo século, os filósofos gregos (pré-socráticos) atribuíram a pluralidade do mundo a uma única força que, sendo ela mesma imóvel, a tudo movimentaria. Deuteroisaías, por sua vez, anuncia que aquele único Deus proporciona oportunidades históricas totalmente novas.

Deuteroisaías projeta cenas em que Deus chama os povos para o julga­mento, com Israel como sua testemunha. No exemplo de Israel, os povos devem ver que Deus pode fazer justiça novamente. Deuteroisaías vê os povos chegando e participando da salvação de Israel.

As controvérsias em torno dessa ideia, até então inédita nas tradições veterotestamentárias, permeiam Isaías. As palavras hostis contra os outros povos, inclusive contra a Babilônia, que na época era aliada de Judá (13SS) só são atribuídas ao Isaías do século VIII a.C. Por outro lado, já em Is 2 aparece a imagem da caminhada

dos povos em direção a Jerusalém, em busca de conhecimento.

A volta para Jerusalém deve ser uma prova histórica que Israel foi escolhido por Deus. Uma mudança de perspectiva destaca essa ideia. No meio do livro encontramos o chamado: “Saí da Babilônia!” (4 8 .2 0 S S ).

Antes desse chamado, o profeta fala de Israel como o servo infiel vendido por Deus, mas agora comprado de volta e libertado. Depois do chamado, ele fala de Jerusalém como uma mãe que vê retornarem filhos e filhas des­conhecidos (a geração criada no exílio) e de Deus como o marido que contesta que em algum momento tenha havido um divórcio.

Mas todas as imagens mostram quão exígua é, para Deuteroisaías, a chance de que Israel possa se renovar. Jerusalém é a esposa

• É o prim eiro, na Bíblia, que fa la de Deus comoo único autor de fodas as coisas (45.7).

• A esperança que muitos povos depositaram no rei persa Ciro leva o p ro fe ta a re in te rp re ta r a re lação Deus — Israel — povosde uma maneira nova e positiva.

• O ob je tivo principa l do p ro fe ta é político; ele defende a noção de que os deportados devem vo lta r a Jerusalém e reconstruir a cidade.

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estéril, Israel, o servo cego e surdo. O caminho para Jerusalém é descrito como um caminho no deserto, árido como nenhum outro; ele só é tran­sitável porque Deus pode transformar a terra seca em lugar habitável (43-19s)-

Ainda assim, Deuteroisaías entende a renovação de Israel como tarefa humana. Mas somente uma pessoa será capaz de cumpri-la: o Servo de Deus. Como uma figura misteriosa, este aparece em quatro poemas dispersos ao longo do livro, referindo-se a algo único no AT. O sofrimento do servo fará dele “aliança para Israel” e “luz para os povos”. Segundo a interpretação judaica, tratam-se de imagens da trágica história do povo judeu; o NT interpreta os sofrimentos de Jesus a partir dos “cânticos do Servo de Deus”.

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❖ Pr o fe ta s do Per ío d o Pe r s a I

Durante duzentos anos, o tempo de duração do Império Persa, Judá foi uma província persa leal. Ainda que Ciro, alegremente recebido por Deuteroisaías, não tenha trazido a mudança salvadora, seu império, que respeitava a individualidade dos povos, era considerado uma ferramenta por meio da qual Deus queria renovar Israel.

Ciro tinha permitido o retorno dos judeus à sua terra (539 a.C.), mas não o promoveu; as campanhas de conquistas a leste eram mais impor­tantes para ele. Cambises (530-522 a.C.) conquistou o Egito por mar; por isso, Judá era insignificante para ele. Os judeus que voltavam para sua terra a encontravam desorganizada; sua herança tinha sido ocupada por pessoas das camadas sociais inferiores da sociedade, que não tinham sido deportadas.

Zacarias 5 apresenta referências a roubos, perjúrios e brigas pelas propriedades.

Quando Jerusalém caiu, os edomitas tinham entrado em Judá e se estabelecido por lá.

O pequeno livro de Obadias reflete a inimizade mortal dos judeus em relação a Edom.

Dario (522-486 a.C.) avançou por terra até o Egito. Para ganhar o favor de Judá, por onde passava seu caminho, ele enviou Zorobabel, neto do rei Jeconias, deportado em 597 a.C., e o sacerdote Jesua à sua frente, permitindo a reconstrução do templo. A obra foi concluída em 515 a.C.

Xerxes (486-465 a.C.) exigiu impostos elevados das elites e dos templos das províncias, mas o AT não o censura em nenhum momento.

Os textos bíblicos que falam da reconstrução do templo elogiam Ageu e Zacarias por seu empenho em favor do templo (Ed 6.14). Os textos de Ageu e Zacarias demonstram que, apesar de sua posição favorável à cons­trução do templo, eles continuaram a criticar culto e hábitos sociais, da mesma maneira que os profetas pré-exílicos.

Ageu criticou Zorobabel e Jesua por suas residências luxuosas, enquanto o templo estava em ruínas (1.4). A reconstrução do templo começou 24 dias depois (1.15).

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Im pério de Ciro [559-530] Conquistas de Cambises Conquistas de Dario(550) Conquistas [5 3 0 -5 2 2 ] [522-486]

A Império Persa na época dos últimos pro fe tas veterotestam entários

Lembrançado a taque da Assíria (701) Isaías 17.21 ss.

Deuspresente ^

W Ê emSião B

Ele ensina a paz

JU L 4Israel se a le g ra em seu Deus p

Povos peregrinam a Sião

Povos presenteiam Sião

a le g ra em seu Deus Povos desejam acom panhar Israel

Isaías 2; M iqueias 4

Isaías 60

Zacarias 8

B Novas imagens de esperança dos pro fe tas do período persa

Assim fa la o Senhor: O céu é o meu trono, e a terra é o estrado dos meus pés. Que casa edificarieis para mim? (Is 66)

Os sacerdotes de Jerusalém trazem o fe rtas desagradáve is (impuras), os povos trazem ao Senhor o fe rtas agradá ve is (MI3)

C Crítica ao tem p lo fe ita pelos p ro fe tas do período Persa

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Datas precisas caracterizam as palavras de Ageu (na contagem atual: de 22 de agosto a 18 de dezembro de 520 a.C.) e Zacarias (de outubro de 520 a.C. até novembro de 518 a.C.) como respostas oficiais de Deus aos muitos decretos com os quais Dario estabele­ceu a ordem no reino persa.

O lugar de culto para as festas de sacrifícios e lamentos dos judeus também tinha sido a ruína do templo. Ageu declara que seria repugnante (“impuro”) celebrar ao Deus vivo em ruínas mortas (2.10SS).

Zacarias exige que os jejuns fossem celebrados como festas de júbilo pela vinda de Deus (8.19). Quem jejua, não serve a Deus, mas a si mesmo; Deus só se agrada do jejum daqueles que se compadecem dos necessita­dos (7).

O segundo templo superava o templo de Salomão em significado. Durante 600 anos, ele foi o centro do povo judeu disperso; sem este centro visível, o povo dificilmente teria voltado a constituir uma unidade viável.

Dario havia promovido a reconstrução com dinheiro de impostos; o conceito positivo que Deuteroisaías tinha dos povos parecia confirmado. Ageu e Zacarias anunciam até mesmo que o templo de Jerusalém seria o luear no mundo em aue os povos honrariam o Deus de Israel. Quando

a construção é interrompida, Ageu anuncia(2.6) que Deus faria tremer o céu, a terra e o mar, traria os tesouros dos povos para sua casa e faria a paz. O profeta está conven­cido de que o mundo mudaria mais com a presença invisível de Deus no templo do que pelo império persa, que, sob Dario, abrangia desde a índia até a Líbia e o Danúbio. Zacarias (8.22) já vê os povos chegando para celebrar, junto com Israel, o fim do tempo da ira de Deus, em dias de jejum transformados em dias de festa.

Terceiro Isaías é a designação dada às palavras proféticas anônimas de Is 56-66. Logo no começo (56JOSS), uma lei de Moisés é revogada por amor aos povos (Dt 23.2SS): o profeta anuncia que o templo será aberto a estrangeiros e eunucos (frequentemente, os

• Para Ageu e Zacarias, o tem plo reconstruído nãoé somente um lugar de culto, mas, em prim eiro lugar, um sinal de que Deus voltou a estar presente em Israel.

• Os pro fe tas do prim eiro período persa ensinavam que o tem plo era o lugar da presença de Deusem Israel, entendendo-o como sinal de que o Deus supremo sobre todo o mundo quer estar próxim o das pessoas de todos os povos.

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funcionários do governo persa eram eunucos). Já os chefes de Judá são insultados e chamados de “preguiçosos” e “cães gulosos”. O parágrafo final dessa palavra é mais grave: Deus escolherá “sacerdotes e levitas” dentre os povos; mas todo o mundo sentirá nojo dos cadáveres dos adver­sários do Senhor (6 6 .15S S ).

M alaquias testemunhou o descuido com o templo; provavelmente, a culpa era dos altos impostos cobrados por Xerxes. Porém, Malaquias acusa os sacerdotes e declara que o nome de Deus será honrado mesmo sem seus indignos cultos no templo; no mundo todo, oferecem-se ofertas puras ( i .i i s s ) .

Disso deriva, no terceiro Isaías, uma crítica ao templo, que inclui o conceito original da fé bíblica no Deus dos oprimidos: precisaria Deus, que tem seu trono no céu, de um templo para ver os pobres e os contritos, que são tão queridos a seu coração?

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❖ P r o f e t a s do P e r ío d o P e r s a II

Durante o período persa ficou decidido como Israel havia de se regenerar. Uma etapa importante nesse processo foi uma frustração. Quando Dario enviou Zorobabel, neto do rei Jeconias, a Jerusalém (520 a.C.), alguns esperavam que a dinastia de Davi seria renovada; mas Zorobabel desapareceu logo, sem deixar traços.

Ageu havia lhe dado o título de honra que Jeremias havia negado ao deportado Jeconias (22.24): “anel de selar” de Javé (2.23). Estaria ele acre­ditando que Zorobabel, como rei, seria o selo que comprovava que Judá pertencia a Javé, e não aos persas?

Graças a sete visões em uma noite, Zacarias obteve a convicção de que a mudança tinha sido decidida no céu (1-6). Na primeira visão ainda não há mudanças, mas, nas cinco seguintes, Deus remove os obstáculos que se opõem à salvação, de maneira que, na sétima visão, os quatro disparam a fim de levar o Espírito de Deus, que move o mundo, até as regiões mais distantes do norte - talvez até os citas, temidos pelos persas?

Autores apocalípticos utilizam imagens dessas visões para descrever o final dos tempos; para Zacarias, são quadros do presente. Da mesma maneira como Dario falava com mensageiros por meio de instâncias intermediárias, Deus falava a Zacarias por intermédio de um anjo intérprete. Da mesma maneira como cavaleiros persas per­corriam o reino na condição de “olhos do rei”, os cavaleiros celes­tiais exploram a terra para Deus.

O profeta usa imagens em código para ocultar o significado político às patrulhas persas. Afinal, a quarta visão declara a razão pela qual Deus havia enviado Zorobabel e o sacerdote Jesua a Judá: ele restauraria o reino de Judá sob uma autoridade dupla; o filho de Davi e o sacerdote seriam seus “ungidos”.

Quando Zorobabel desaparece, a reação de Zacarias é uma ação simbólica (6.9SS), na qual ele também se reporta a Deus. Dois homens já tinham doado uma coroa. Zacarias a toma emprestada para coroar a Jesua, pois agora somente o sumo sacerdote guiaria o povo. Em seguida, o profeta guarda a coroa no templo, como sinal de que Deus não se esquece daqueles que, esperando um rei da casa de Davi, tinham feito uma coroa e tinham sido decepcionados.

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Até 61 2 reis assírios propagam o “terror do deus Assur”

Desde 539príncipes persas reinam como “reis de todas as nações”

eles conduzem os povos como com coleiras

povos reforçam seus tronos

O filho de Davi e o sacerdote, ramos das árvores celestiais, recebem óleo do candelabro de Deus

de muralhasJerusalemnao precisa

Os chifres de violência serão arrancados dos povos.

Os quatro ventos; levam o espírito de Deus ao distante norte.

A patrulha celestial anuncia nada se agita.

B Sete imagens misteriosas de Zacarias: surgimento de um reinado duplo em Israel

Maldições escritas e ladrões entram voando

A in iqü idade e a id o la tr ia vão em bora de Israel.

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Zacarias insere mais uma visão na sua série, garantindo a “pureza” de Jesua (adequação ao culto) e renovando a esperança pelo “Renovo” (de Davi, Zc 3).

Aquela coroa desapareceu. O sinal duradouro da fé que Deus não se esqueceria da esperança de Israel era outro: as promessas não cumpridas de Zacarias e Ageu foram registradas por escrito.

No entanto, depois do episódio de Zorobabel a confiança em uma mudança histórica profunda que traria a salvação se extinguiu; não havia mais observação e avaliação dos acontecimentos atuais por parte dos profetas; a escatologia (do grego: “doutrina das últimas coisas”) tornou-se mais importante.

Os profetas mestres da lei viam-se como renovadores das palavras de seus antecessores. Eles formulavam seus pensamentos de forma anto­lógica, ou seja, como um mosaico de alusões às escrituras mais antigas.

Esse processo de atualização dos livros dos profetas só terminou muito depois da época dos profetas.

A parte central do terceiro Isaías (60-62) atualiza a mensagem sobre Jerusalém que o Deuteroisaías tinha anunciado na Babilônia. Não há referências concretas sobre a época da redação das poesias; no entanto, as imagens de esperança usadas revelam o quão tenebrosa ela deve ter sido: as “velhas ruínas” seriam reconstruídas, não se trabalharia mais para estrangeiros, os filhos não nasceriam para morrerem subitamente.

Deuterozacarias (Zc 9-14) entende profecias anteriores como mensa­gens escatológicas. Um dia haverá novamente um rei da casa de Davi; ele entrará em Jerusalém de forma humilde, montado num jumentinho, e não como um homem poderoso (9.9); será rejeitado e morto, porém, depois, pranteado. Assim ele salvará a Israel (11-12).

No NT, as imagens de Zacarias 9-12 descrevem o destino de Jesus; nenhum outro texto é tão citado no NT quanto este.

O capítulo final (14) dá um novo sentido universal às concepções bíblicas da monarquia que aparecem em textos como iSm 8: um dia, o Deus único será rei de toda a terra.

O epílogo do cânon dos profetas - o grupo fechado dos livros de Isaías, Jeremias, Ezequiel e os doze profetas - em Malaquias 3 .2 2 S o insere duplamente nas Sagradas Escrituras:

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O versículo 3.22 exige fidelidade à lei, estabelecendo, desse modo, uma ligação com Js 1, que inicia os livros históricos. Isso corresponde à ordem dos livros na Bíblia hebraica, na qual todos os livros de Josué a Malaquias são considerados interpretação da torá (Gênesis a Deuteronômio), trazida por profetas (Neviim).

Já em 3 .2 3 S há uma imagem apocalíptica: Elias retornaria; o período dos profetas começaria novamente. Quando, então, “pais e filhos” (os políticos responsáveis) derem ouvidos a Elias e trabalharem em harmonia, Deus poderá evitar a ruína da terra. Lucas repetirá essas palavras no começo de seu evangelho (1.17). Na época do Novo Testamento, Jesus era visto como o Elias prometido por Malaquias.

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Literatura apocalíptica❖ Tex to s a p o c a l íp t ic o s n o s livr o s d o s p r o fe t a s

Apocalypsis (grego) significa “revelação”.

Na Bíblia há somente dois livros desse tipo de literatura multiforme: um dos mais antigos, Daniel (século II a.C.), e um dos mais recentes, Apocalipse (século II d.C.). Alguns textos apocalípticos podem ser encon­trados também já nos livros dos profetas.

Para os profetas veterotestamentários, o Império Persa tinha sido o instrumento por meio do qual Deus restaurara Israel. No entanto, no longo prazo os judeus fiéis não conseguiam compreender por que estran­geiros “dominam sobre o nosso corpo e sobre o nosso gado como bem lhes parece” (Ne 9.37) na terra que Deus havia dado a seu povo. O reino persa era instável (sucessores ao trono eram assassinados); a pequena Grécia derrotou os persas - e ainda assim durou 200 anos). Em meio a esta situação confusa, parecia impossível descobrir as intenções de Deus. Sumiram os profetas que buscavam reconhecer os sinais da vontade de Deus na história de sua época. Nenhuma voz bíblica se manifestou a respeito da campanha de Alexandre ou do fato de que Judá se rendeu sem resistir (332 a.C.). Durante mais de 150 anos, Judá continuou sendo província de impérios estrangeiros. O brilho e o brutal exercício do poder mal escondiam a instabilidade desses reinos helenísticos.

Depois da morte de Alexandre (323 a.C.), seu império se dividiu. Ptolomeu, senhor do Egito, venceu Seleuco, governador da Síria (312 a.C.), ganhando assim a Palestina. Apesar de Judá ter se mantido neutro, muitos judeus foram deportados e escravizados. Para os ptolomeus, Judá era uma posse “conquistada pela lança”, entregue aos judeus apenas mediante indenização e na medida em que os próprios conquistadores não a desejassem.

Quem aguardava algum futuro para Israel não esperava mais que Deus atuasse por meio das potências históricas, mas contra elas. Algumas imagens usadas por profetas antigos para interpretar seu tempo sugeriam o modo como isso poderia acontecer.

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Desde 7 6 0 (Amós anuncia os ataques da Assíria)

7 4 5 -6 1 2 Im pério assírio

Textos datáveis dos pro fe tas declaram :

As potências estrangeiras que oprim em Israel são instrumentos de Deus. 6 2 5 -5 3 9

Im pério bab ilôn ico

a té 5 2 0(Zacarias comenta o desaparecim ento de Zorobabe l descendente de Davi)

5 4 6 -3 3 2 Im pério persa

Deus m anda as moscas do N ilo e as abe lhas d a Assíria p a ra a torm en tar sua c id ade de Jerusalém.

3 3 3 -3 2 3 Im pério de A lexand re

Am pliações não datáveis de textos proféticos prometem:

3 1 2 -1 9 8 Palestina pertence ao Im pério dos ptolomeus,

impérios dos sucessores de

A lexand re

B Uma im agem pro fé tica d o séc. VIII

Os gafanho tos que invadem o país são apenas um dos exércitos que Deus envia contra seu povo.

Depois, no entanto,Deus de rram a espírito pro fé tico sobre seu povo,

e no d ia de Javéele mesmo luta de Sião contrao a taque dos povos

Deus an iqu ila rá as potências violentas.

198-141 pertence ao Im pério dos selêucidas (Síria)

A D iferentes juízos sobre as grandes potências C Seqüência de imagens do livro de Joel

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Passagens inseridas nos livros dos profetas refletem desespero e uma esperança que não tem nenhum ponto histórico concreto para se sustentar. Imagens de horror intenso também deviam trazer algum alento, pois, quanto pior a situação, mais próximo estaria o fim do sofrimento.

Em Ezequiel 38SS, os oráculos contra “Gogue e Magogue”, que refletem os antigos temores relacionados aos povos selvagens do norte distante, transformam-se em imagens meta-históricas do último inimigo de Deus.

No livro de Joel, uma praga de gafanhotos seria não somente uma figura para todos os inimigos enviados por Deus para converter seu povo, mas também um símbolo da luta final. Jerusalém não escapa dos gafa­nhotos, mas do golpe final sim, pois, antes do início deste, Deus tratará de providenciar a conversão de seu povo. Seu Espírito faria com que grandes e pequenos, homens e mulheres, escravos e livres profetizassem e compreendessem seus planos.

Contrastes sociais, como aqueles enumerados por Joel, agravaram os conflitos da fé naquela época. Sujeitar-se aos senhores estrangeiros prometia vantagens, enquanto a solidariedade para com os pobres do próprio povo trazia desvantagens. A fé na salvação de todo o Israel não era mais algo natural.

Isaías 66 descreve como Deus cria a justiça que não existe na História, trazendo um fim terrível também para seus opositores dentro de Israel. Mas, como em outros textos apocalípticos, também aqui prevalece a esperança na salvação de Israel, que ultrapassa todas as fronteiras do his­toricamente possível.

Segundo Zacarias 9.13, Deus cancelaria até mesmo a divisão do reino de Salomão; Judá e Efraim seriam suas armas contra “Javan” (Grécia).

O assim chamado apocalipse de Isaías(Is 24-27) levanta polêmica em torno da autoimagem dos reis gregos, que se fazem adorar como heróis semelhantes a divin­dades, capazes de dominar povos, mares e desertos e, como as estrelas, determinar destinos. Ele também projeta imagens de

• O ob je tivo dos textos apocalípticos cristãos judeus antigos era d a r alento aos oprim idos e indefesos, mostrando-lhes o que na m aioria das vezes está oculto na história: as grandes potências opressoras caminham necessariamente pa ra o fim.

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catástrofes cósmicas, pelas quais Deus vence todas as potências políticas e, finalmente, também a morte (26.19).

Textos veterotestamentários antigos veem a morte somente como “retorno ao pó”; mas agora também Daniel 12.2 fala de uma vida além da morte.

Textos apocalípticos lançam um olhar para além da história, mas se mantêm firmes no conceito que a fé de Israel precisa se alicerçar em expe­riências históricas. Na época helenística, muitas pessoas ficaram fasci­nadas pelo pensamento supranacional, alimentado pela filosofia grega, que pretendia entender até mesmo o relacionamento entre Deus e ser humano à parte de desenvolvimentos históricos. No apocalipse de Isaías, no entanto, Deus celebra a vitória sobre a morte com uma festa preparada para os povos no monte Sião (2 5 .8 S S .). A angústia chega ao fim no lugar que, venerado como local da presença de Deus, se torna cada vez mais o centro da diáspora judaica nesse momento da história.

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❖ O liv ro de Da n ie l

Nos séculos III e II a.C., levantou-se uma resistência nacional-religiosa, reprimida pelos governantes, contra a helenização que se fazia sentir em todo o Oriente. Esta resistência encontrou expressão nos escritos apo­calípticos. Usando pseudônimos e ilustrações enigmáticas, os “oráculos do oleiro” (no Egito), o “oráculo de Histaspes” (na Pérsia) e “Daniel” (em Judá) descreviam tempos difíceis e uma renovação efetuada pelo poder de Deus.

Daniel se apresenta como o livro de um certo Daniel que teria sido conselheiro dos reis da Babilônia desde o terceiro ano do reinado de Jeoaquim, de Judá (6 0 5 a.C.), até o terceiro ano do reinado de Ciro (5 3 6

a.C.). Em profecias, ele interpreta eventos históricos dos séculos VI a II a.C. como parte do plano de Deus, que tinha como alvo uma futura transformação salvadora. A época presente dos autores é referida como anúncio que o templo de Jerusalém seria profanado com uma “abomi- nação assoladora” ( 1 1 .3 1) , uma referência ao símbolo de Zeus que Antíoco IV mandou colocar no templo na época da perseguição contra a religião judaica ( 16 7 a.C.). A única previsão autêntica (11.4 0 S S ) não se cumpriu, pois Antíoco morreu na Pérsia ( 16 4 a.C.), e não na Judeia.12

As muitas linguagens usadas em Daniel mostram quão complicada é a história do surgimento deste livro:

Em 2-7, usa-se o aramaico do dia a dia dos judeus na Palestina.

Em 1 e 8-12, o texto utiliza a língua hebraica cultuai.

• Em 13S, o livro usa o grego dos judeus da Diáspora.

A parte em aramaico (2-7) está bem organizada e a camada maisantiga se compõe de histórias.

Duas histórias de reis (4, 5) se dirigem a Israel, que não passa mais de mero objeto de poderes políticos externos, dizendo que Deus humilha e levanta reis a seu bel prazer, enviando umasentença de morte: “Mene, Mene, Tequel e Parsim”.

12 [NE] Embora se encaixe na descrição, não há comprovação de que Antíoco seja a personagem da profecia de Daniel. Inclusive há divergências quanto ao local e data de sua m orte.

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Passado p ro fe tiza d o' . ...-— —— Visão do reino

de Deus

Babel M edos e Persas Reinos helenísticos6 0 5 -5 3 6 167

Tempo fictício de Daniel na

corte de Babilônia

t l f í t tProfanação

do tem p lo de Jerusalém

O lha r sobre o passado

^ Perspectiva dos autores de Daniel

A O lha r através dos períodos do livro de Daniel

I: Introdução ao livro

2: Sonho do rei estátua de quatro partes r

Os capítulos em aram aico

Imagens dos qua tro reinos e de seu fim

Histórias de sa lvacão ||j Í 6

_ y 7 : Visões de Daniel

mHistórias de reis

-I- ----------4 Julgamento de Deus sobre os reis 5

Ele humilha e exa lta

Os piedosos são salvos da fo rna lha

Ele envia a sentença de morte

í.Ktl'V

quatro impérios vistos como animais

Os piedosos são salvos da cova

dos leões

Os capítulos em hebraico

■1 2: outras visões de Daniel

™ e, finalm ente, um como fig u ra humana

12

Luta de considerações

A lexand re

Os poderes angelicais lutam no céu

Q uantotem poainda?

N a te rra lutam osCálculos reis do nortede tem po (selêucidas)

icontra osreis do sul(ptolomeus)

X

M igue l,o anjo de Israel, vence.

Os mortos recebem o que de d ire ito .

B Estrutura do liv ro de Daniel

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Duas histórias de salvação (3, 6) foram desenvolvidas a partir de imagens de textos bíblicos mais antigos - a “fornalha da aflição” (Is 48.10) e a violência semelhante à dos leões (SI 35.17) - e exaltam judeus fiéis.

Orações (3) e variantes históricas (13S) escritas em grego ampliam as nar­rativas, emolduradas por duas descrições de visões. As imagens da estátua em quatro partes (2) e dos quatro animais (7) são as mais antigas descrições da história mundial como um todo. Quatro reinos sucedem um ao outro, em crescente maldade e fraqueza; todos perecem, e tem início o reino de Deus. Seus nomes - Babilônia, medos, persas, gregos - mostram quão concretas são as alusões das imagens. Desde que a Babilônia destruíra Judá, Israel estava debaixo de autoridade estrangeira; no entanto, nunca esteve debaixo do jugo dos medos. Mas Daniel projeta uma história do mundo; e nesse contexto devia caber também a conquista da Ásia Menor pelos medos.

Heródoto, grego da Ásia Menor, se refere aos medos como anteces­sores dos persas.

Os pés frágeis da estátua, de uma mistura de ferro e barro, também têm um significado concreto: o objetivo dos casamentos de cunho político entre os reinos helenísticos era trazer a paz, mas acabaram causando assassinatos e guerras por vingança.

As duas visões interpretam a história do mundo por perspectivas diferentes:

No capítulo 2, o rei da Babilônia sonha que os reinos do mundo seriam destruídos “sem o auxílio de mãos”.

No capítulo 7, o judeu fiel, Daniel, vê Deus ajustando as contas com os poderes políticos do mundo.

Somente o judeu é avisado que a história do mundo acabará bem. O “chifre insolente” (Antíoco13) é destruído, e os outros “chifres” do último “animal” tem seu fim adiado até que Deus finalmente dê seu poder a um ser humano.

Daniel 7.27 usa uma charada para responder à pergunta sobre quem é esse “filho do homem”: a “multidão dos santos do Altíssimo” receberá, um dia, o poder universal. Seria uma expressão da esperança que Israel serviria ao senhorio de Deus mesmo antes de todos os demais poderes do mundo serem forçados a se render?

13 Ver nota da página 192.

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O NT testifica o tamanho da esperança despertada pela imagem do “filho do homem”.

A parte hebraica (8-12) projeta outras imagens da história do mundo. A motivação concreta para escrever em hebraico foi a “abominação” no templo. Era impossível celebrar cultos verdadeiros, e por isso ao menos o texto de protesto deveria ser escrito na língua de adoração. Insistente, o texto hebraico pergunta quando Deus finalmente interviria. As respostas são calculadas a partir de uma indicação cronológica na parte em aramaico (7.25); em primeiro lugar, o texto diz que Deus estabelecerá o seu reino em 1150 dias (8.14), depois, é necessário esperar mais 200 dias (12.12).

Essa “espera pela proximidade” pretendia animar Israel, forçado a tomar decisões rápidas. O povo estava dividido na época da redação destes capítulos; fascinada pelo pensamento grego, a aristocracia sacer­dotal colocara-se ao lado dos governantes helenistas.

O objetivo das imagens da história da humanidade era ajudar na tomada de decisão. Com grande conhecimento de detalhes, elas descrevem ações de ptolomeus e selêucidas, mas não se dignam a citar seus nomes. A descrição da história terrena termina com a perseguição religiosa por Antíoco, quando muitos tinham “violado a aliança” (11.32), e com a rebelião dos macabeus, que os autores avaliam apenas como um “pequeno socorro” (11.34).

Eles desaprovam a reação violenta. Ao enfatizar que as lutas dos anjos decidem as disputas entre os povos, os autores sublinham que a huma­nidade pouco influencia o curso da história. Eles defendem a confissão pacífica em favor do Deus de Israel, que, como senhor de todos os poderes do mundo, fará justiça até mesmo aos mortos (12.2).

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❖ T e x to s a p o c a l íp t ic o s e n t r e o AT e o NT

O livro de Daniel foi escrito durante a perseguição religiosa de Antíoco IV, antes de 164 a.C.

• O discurso sobre o fim dos tempos em Marcos 13 originalmentepode ter sido um panfleto que chamava à fuga durante a revolta judaica (70 d.C.).

O livro do Apocalipse reflete o culto exagerado ao imperador Domiciano, 96 d.C.

Daniel é um dos livros mais antigos e Apocalipse, um dos mais recentes da rica literatura apocalíptica judaica, que repetidamente desenhava novas imagens de um curso histórico que termina em trevas.

Pouco antes do surgimento do livro de Daniel, foi escrita a “visão dos animais” (livro de Enoque) que conta como a história dos “cordeiros” (Israel), planejada desde o princípio do mundo, conduzia ao desastre.

Na mesma época do Apocalipse, a “visão da águia” (4 Esdras) projetava as imagens da inevitável queda de Roma.

Entre os séculos II a.C. e II d.C., várias crises alimentaram a ideia que a história mundial tinha chegado a um nível tão baixo que Deus precisa­ria por um fim a tudo:

Para muitos judeus, o fato de reis judeus assumirem também a função de sumo sacerdotes (142 a.C.) representava uma escanda­losa profanação do templo.

Pior ainda foi que irmãos em disputa pelo trono pedissem ajuda a Roma, entregando Judá à autoridade da potência pagã (63 a.C.).

A destruição de Jerusalém e do templo (70 d.C.) forçou ainda mais o surgimento de questões sobre como seria o futuro de Israel.

Os livros apocalípticos que surgiram durante essas crises interpretam a história do mundo do ponto de vista daqueles que não tinham nenhum poder político. Enquanto interpretações veterotestamentárias mais antigas investigavam se o passado de Israel continuava agindo, os apo­calipses julgavam a história a partir do futuro do mundo. O fim dessa era (éon) estava próximo, um novo éon eterno chegaria.

A ideia de dois “éons” só parece dualista, pois a interpretação apo­calíptica do mundo é estritamente teocêntrica, atribuindo todos os

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Textos apocalípticos...

perm anecem preservados

em manuscritos bíblicos judaicos

Vsurgiram

em meio ao conflito com os reinos opressores- os romanos desde 63a.C . até começo do séc. II d.C.

- sumos sacerdotes ilegítimos a té 1 41 a.C.

- Antíoco IV persegu ição re lig iosa 167 -16 4

em coleções cristãs de livros

Tradição e surgimento

manuscritos bíblicos

etíopela tim

se apo iam em

revelações de Deus

em figuras da história do Israel disperso

da história do Israel unido

tempos prim itivos em Enoque

in terpre tam o tem po presente

como momento dos últimos sofrimentos antes do fim do mundo

prometem p a ra um futuro próxim o

o fim de todas as grandes potências,

o juízo justo de Deus, através de Cristo,

a instauração do domínio de Deus.

e como irtício da salvação ^inal em

; Jesui! Crista;

que vem como o Filho do Homem.

In te rp re tação do mundo

Apocalipse judaico e cristão

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acontecimentos ao Deus incompreensível. Por causa dessa base concei­tuai, as ideias apocalípticas também sobreviveram à frustração das expec­tativas imediatistas. A ideia que o poder de Deus age para além da história do mundo gerou a esperança, até então desconhecida no AT, pela ressur­reição dos mortos, de forma que a salvação futura passou a ser aguardada também para quem já tinha morrido.

As imagens do fim dos dominadores violentos e as promessas que Deus daria o governo do mundo aos seus impediam que as pessoas perdessem a autoestima. As imagens do juízo sobre pessoas impiedosas expressavam o seu desejo por justiça.

A trad ição textual desses livros até hoje polêmicos é, muitas vezes, incerta. A maioria das versões originais em aramaico, grego e hebraico só podem ser deduzidas a partir de versões gregas, latinas, siríacas, coptas, etíopes e eslavas. Os rabinos aceitaram apenas o livro de Daniel; todos os demais apocalipses judaicos foram transmitidos por cristãos, muitas vezes junto com livros bíblicos.

O Novo Testam ento mostra o quão influente foi o pensamento apo­calíptico do primeiro século.

João Batista é considerado o precursor de Jesus, mas os textos neo- testamentários o apresentam também como aquele que veio preparar o caminho para Deus e trazer a mensagem do juízo final. A salvação não é para quem se fundamenta nos privilégios do passado de Israel, mas para aquele que vive de forma justa, confiando na justiça do futuro reino de Deus. E, como sinal de que todo o perdão era certo para cada indivíduo, João administrava o batismo.

Jesu s deu um novo significado às ideias apocalípticas ao se apresentar como o men­sageiro de Deus por meio do qual o domínio futuro de Deus já se tornara realidade presente. Ele declara: Mas, se é pelo dedo de Deus que eu expulso os demônios, então o reino de Deus chegou a vós (Lc 11.20). Suas parábolas sobre imagens de cresci­mento explicam como a unidade da salvação presente e da consumação futura: a grande árvore já está presente na pequena semente.

• Os apocalipses bíblicos estão bem datados, pois eram respostas à crises agudas.

• Os destinatários dessa lite ra tura eram pessoas indefesas d iante das aflições opressivas de seu tempo.

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Na época do cris tia n ism o p rim itivo , a ideia de um fim já presente e ainda em desenvolvimento continuou a ser desenvolvida. A crença que Deus havia glorificado aquele que morrera na cruz deu origem à expectativa que, da mesma maneira como Deus tinha dado início ao fim dos tempos por meio do Jesus terreno, ele a consumará no Jesus glorificado. Ocasionalmente, Jesus chamava a si mesmo de “Filho do homem”; agora ouvia-se nisso a promessa que ele voltaria como o “filho de homem” (Dn 7-A21). O próprio Jesus tinha feito diferença entre si mesmo e o “filho de homem” do final dos tempos (Lc 12.8), mas já os primeiros cristãos, que ainda falavam aramaico, o invocavam como futuro salvador: “Maranata" (“vem, Senhor!” 1C0 16.22).

Esse chamado é uma das poucas palavras em aramaico conservadas no NT grego.

Mas o tema principal dos textos do NT é a presença de Cristo nas igrejas. Sendo assim, o NT praticamente só tem motivos apocalípticos esparsos; relatos coesos dos acontecimentos dos fins dos tempos só são apresentados em Mc 13 (e textos paralelos) e no Apocalipse.

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Os Salmos❖ Po e m a s n o A n t ig o T e st a m e n t o

Narrativas em verso podem ser encontradas na literatura antiga de muitas culturas. Elas ajudavam povos e países a compreender a si mesmos e ao mundo. No Antigo Oriente, uma epopeia contava a história do herói Gilgamesh, que só não conseguiu vencer a morte. A festa babilônica do ano novo estava vinculada ao mito da vitória do deus Marduque sobre o caos. Mitos cananeus falam da luta do deus Baal contra a água, de sua morte e seu retorno à vida, do rei Keret e seu filho. O AT contém diversos motivos desses poemas, mas não há epopeias que falem de heróis antigos nem narrativas que relatem a fundação do mundo em forma de versos.

A obra principal do AT (Gn-2Rs) aborda a questão da razão da existên­cia de Israel em uma longa narrativa em prosa. Ela começa com a criação e termina com Israel perdendo sua terra e liberdade. O fim terrível faz com que essa obra, mais do que celebrar poeticamente um grande passado, leve ao questionamento crítico sobre os primórdios de Israel.

Os poemas bíblicos são discursos inteiramente dramáticos, ou seja, um narrador fala a uma platéia imaginada:

Nos livros dos profetas, os versos indicam inspiração e uma procla­mação originalmente oral.

Nos provérbios e poemas didáticos, os versos servem para facilitar a memorização dos conselhos de sabedoria.

Nos salmos, os versos expressam a vontade das pessoas de buscar ao seu Deus em conjunto.

A forma básica do verso semítico é o paralelismo. A origem dessa forma poética na magia e na invocação, na música e na dança pode clara­mente ser reconhecida em poemas semíticos antigos, nos quais os versos repetem várias vezes as mesmas palavras ou as modificam levemente. O AT surgiu no período tardio da literatura do antigo Oriente; os poetas veterotestamentários empregavam essa forma apenas como um arcaísmo. São comuns os versos duplos, em que o segundo verso parafraseia o sentido do primeiro. É como se os pares de conceitos iluminassem cada

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A Textos em prosa e verso na Bíblia hebra ica

Os paralelismos dos textos poéticos veterotestam entários são

sinônimos

| Mas tu, ] | SENHO^\ |nõo te distancies de mim. f | Minha força, [apressa-te |em socorrer-me

quiasmas (do nome da le tra g re g a X, lida como “ qu i” )

me cercam muitos fouros; fortes touros de Basã me rodeiam

antitéticos

| Uns |[tropeçam |[~< mas nós|| nos erguemos |[ e ficamos de péT]

Abrem | j o boca || contra mim 3ZZX como um leão |~qüe despedaça || e ruge j

arcaizantes (repetição das mesmas palavras)

|0s ríos| |/evontoramy||ó SENHOR, |jos rios||/evan/aram || seu rui'do7p^> os ríos|~/êvonfaramj| seu fragõfTj

Um [elemento do verso |(kolon)| ^)> uma palavra no hebraico

B Regras de fo rm ação do verso veterotestam entário

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afirmação a partir de dois pontos de vista, dando a cada ideia um eco. Muitas vezes, os versos descrevem habilmente as mudanças nas emoções e pensamentos, pois as partes do verso (grego: kolá) podem ser interliga­das de formas diferentes: sinônima, antitética, complementar, intensifi- cadora etc.

No estilo oratório da prosa veterotestamentéria, determinadas palavras têm peso especial, pois as frases são, de modo geral, curtas. Os versos do AT reforçam o peso das palavras, pois um kolon normalmente forma uma unidade de conteúdo com apenas três ou quatro palavras.

Muitas vezes, também o pensamento é dividido em duas partes, como o verso duplo. O todo é analisado a partir de dois polos (céu - terra) ou expressões correlatas (pecado - castigo). A prosa e o verso preferem a parataxe; as afirmações aparecem lado a lado e cabe ao leitor estabelecera relação entre elas. Mesmo antíteses são ligadas por “e”. Enquanto o pensa­mento europeu tende a delimitar e definir, os textos bíblicos aproximam da realidade a partir de pólos opostos; desta forma, chamam a atenção para o fato de que a realidade faz surgir questionamentos para os quais não existe uma resposta definitiva no mundo.

O ritmo e a sonoridade eram importantes - afinal, poemas são discursos primordialmente orais mas não são bem conhecidos. A ali- teração de consoantes muitas vezes serve para dar expressão. Já as rimas são usadas para a zombaria. A métrica é baseada na acentuação, ou seja, o que importa é a quantidade de sílabas tônicas, que geralmente coincide nas duas kola. O ritmo desigual é perturbador; é o que acontece, por exemplo, no ritmo de 3 por 2 do lamento fúnebre (hebraico: qinah).

O lamento pelos mortos era profano, pois Israel celebrava Javé somente como Deus da vida; por isso, é tão assustador que o livro de Lamentações use a sonoridade da qinah para falar da destruição de Israel como uma ação de Deus.

Graças aos Salmos, a poesia veterotestamentária permanece viva até hoje. Sua forma musical está perdida; ela só é lembrada por causa das

palavras “salmo” (grego: “canção acompa­nhada de instrumento de corda”) e “saltério” (grego psalterion “harpa”).

A música israelita era famosa. Os assírios gostavam de levar cantores e cantoras de Jerusalém como prisioneiros de guerra.

• Coletâneas de poemas e composições maiores em verso só são encontradas em escritos isolados no AT.

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Assim como a música, a linguagem dos salmos vive de variações; o paralelismo é usado para variar um tema também nas formas A-B-A e em estrofes duplas. Sua linguagem não é informativa, mas comunica­tiva e emocional: os poetas abrem seu coração e se dirigem a outros - Deus, poderes criadores, Israel, povos, os justos, inimigos, seu próprio coração. Eles falam de maneira concreta e clara, mas sem usar uma ter­minologia hermética. Isso dá ocasião a um fenômeno único na literatura mundial: desde o seu surgimento até os dias de hoje, os salmos nunca deixaram de ser literatura funcional, mesmo onde só são compreendidos em traduções. Sempre houve pessoas que reconhecem suas experiências e esperanças nestes textos.

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❖ Fo r m a s de d is c u r s o n o s s a l m o s

Cada salmo é um poema único. Por isso, é mais fácil comparar os salmos entre si e com poesias religiosas dos arredores de Israel se nos limitarmos a unidades discursivas menores dentro dos próprios salmos.

Quase todos os salmos são orações, mas os salmistas raramente falam de “orar”. Eles “suspiram”, “choram”, “cantam”, “dançam”, “riem” etc.; o comportamento cotidiano é expressão do voltar-se para Deus. Fora de Israel, essa forma de expressão também era usada por suplicantes que, em “devoção pessoal”, veneravam um dos deuses como seu deus. Mas os salmistas também falam dessa maneira “pessoal” em canções populares.

Um testemunho único da religiosidade pessoal é o hino de Aquenaton (século XIV a.C.), no qual Aquenaton, por ser faraó, se apresenta como o único mediador do único Aton, seu deus.

Algumas delas são invocações usadas até hoje; na época bíblica, elas também tinham um significado profano: hosana (vem ajudar!) pede proteção legal (2RS 6.26), ehallel (“Aleluia”) também pode ser a admiração em voz alta expressa diante de uma mulher bonita (Gn 12.15). Os animais também clamam; nos salmos, seus gritos também valem como clamores a Deus.

Aquenaton descreve a noite como o distanciamento de deus; já no Salmo 104.21, o rugido noturno dos leões é um clamor ao Deus único, aquele que alimenta também os animais hostis ao homem.

As pessoas gritam diante de situações que as surpreendem; excla­mações, aclamações, pedidos de socorro tem por objetivo chamar a atenção de outras pessoas. Os salmistas clamam a Deus: “Vê!”, “Escuta!”, “Desperta!”. Os povos vizinhos de Israel não tinham essa liberdade de se dirigir a seus deuses com imperativos. Mas havia outra forma de oração conhecida também pelos babilônios.

Sofrer em silêncio seria uma contradição da fé de Israel em um Deus vivo. Os mortos se calam; quem está vivo deve “derramar o coração” perante Deus (62.8). Como o suplicante narra a maneira pela qual seu coração vivência a aflição, a situação externa muitas vezes não fica clara: estaria ele doente, perseguido, abandonado...?

As acusações contra inimigos pessoais e nacionais são muito mais freqüentes nos salmos do que na literatura de oração não israelita. Uma

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Formas de o ração aparecem nas r .nos arredores de Israel fo rm ,as dce ,o ra 5ao

dos Salmos

tudo que tem v id a , juntamente, louva

a face de Deus buscam

a ele refle tem

pa ra ele dançam

como a titude p iedosa ind iv idua lJavé é meu Deus

o reconhecem abertam ente : louvam

e Deus de Israel

ele salvou a Israel;

disso se recordam ? confiam

Ele é o Senhor do Mundome a juda a o ra r ao Senhor do M undo

me abandonou Coloca o sofrimento em pa lavras: lamentaacusam a ele, que

causa todas as coisas

um dem ônio r%. ( me prende

com todas as criaturas vulnerávei, juntamente, o invocam.Formas de discurso nos Salmos

como poemas de culto

como expressãoA ordem universal d iv ina ") d a fé de Israel

é ce leb rada ,

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explicação possível é o fato que as compilações escritas de salmos só tenham surgido quando Israel não era politicamente livre e estava inter­namente dividido. Já os pedidos de vingança e as acusações por parte de Deus não são encontradas fora do ambiente israelita; os salmos mostram quão ardentemente a fé em um Deus que tudo opera buscava as razões das aflições. Dois exemplos mostram com que facilidade o politeísmo explicava as aflições:

• Em canções sumérias, as lamentações da deusa pela destruição de sua cidade são respondidas com palavras dos deuses do céu e da

terra - o cosmos ainda se mantém.

• Devotos babilônios lamentam assim: “Meu deus me abandonou”; a origem da aflição são os demônios, que agem livremente.

Para os salmistas, no entanto, Javé é “meu Deus” e Deus de Israel e Senhor do mundo. As adversidades não podem atribuídas a outro, e a derrota dos inimigos só pode ser pedida a ele.

Da Síria vem o nome “Ishtar é meu filho”; um guerreiro de Davi se chamava Urias, “minha luz é Javé”. Assim como os apaixo­nados chamam um ao outro de “meu...”, os salmistas diziam “meu Deus”, “minha Luz”, “minha rocha”, “minha salvação”...

No NT, a expressão “meu Deus” só aparece na última exclamação de Jesus na cruz.

A expressão “meu” não é uma constata­ção da realidade, mas um objetivo: quem ora quer lembrar-se do seu Deus. Já os salmistas querem que Deus se lembre deles: “sou justo”, “somos teu povo”; essas frases são um lembrete para Deus que ele tem motivos para intervir.

As mudanças de atitude são típicas. Isso se observa particularmente em lamentos pessoais; sem qualquer motivação externa, o lamento se transforma em louvor. Algo

• A linguagem especialmente re lig iosa é rara .

• Muitas vezes os salmistas lançam exclamações.

• A principa l form a de o ra r quando em aflição era, tanto em Israel como na Babilônia, a lamentação.

• As expressões de confiança dos salmos demonstram uma p iedad e cotid iana da qual também testemunham nomes pessoais de outros povos.

• Louvor e lamento são, para os salmistas, expressões da vida, cujos efeitos são apenas sugeridos em seus cânticos.

• Os relatos elogiosos dos feitos de Deus são o princípio da proclam ação da fé.

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aconteceu no interior do indivíduo; ao discutir com Deus , aquele que ora descobre um caminho que conduz para fora da aflição. O louvor marca o início de uma nova vida, frequentemente a partir de um voto concreto: o salmista deseja compartilhar a alegria da salvação com muitos.

O louvor público tem mais força que a gratidão individual. Os egípcios também agradeciam a seu deus publicamente pela salvação obtida, cons­truindo esteias. Mas somente os cânticos de louvor bíblicos falam das coisas que Deus fez por seu povo.

O canto de louvor em Êxodo 15.21 fala da salvação de Israel do Egito: javé tinha “lançado no mar” os carros e cavaleiros dos egípcios. E a história da fé neotestamentária começa com um relato de louvor pelos feitos de Deus em Jesus Cristo:fo i a este Jesus que Deus ressuscitou (At 2.32).

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❖ AS COLEÇÕES DE SALMOS EM SALTÉRIOS

O lugar de origem do Saltério é Jerusalém. Provavelmente surgiu aqui a primeira coletânea de salmos, como um substitutivo ao culto depois da destruição do templo (587 a.C.); nos séculos seguintes, ela foi gra­dualmente ampliada, formando um livro que possibilitou aos judeus da Diáspora manter a comunhão em oração com o segundo templo. “Seqüências de salmos” indicam que, apesar da diversidade de seus poemas, o Saltério era lido como um livro. Salmos consecutivos estão ligados por um mesmo tema, o que lhes dá um novo significado, sem prejudicar o seu próprio sentido original:

A crítica aos sacrifícios, em 51, se reporta a 50; a oração de arrepen­dimento em 51 deve ser lida como resposta à acusação que Deus faz contra Israel em 50.

Os Salmos 1 e 2 são emoldurados por bem-aventuranças, unindo esses dois poemas muito diferentes entre si em uma porta de entrada dupla para o Saltério: Israel deve neles encontrar sabedoria de vida e os governantes estrangeiros devem aprender o temor de Deus.

É possível reconhecer o esboço da história da origem do Saltério porque os redatores respeitaram as coletâneas existentes. Sendo assim, os salmos de 42 a 83 provavelmente formavam um saltério separado para os judeus da Diáspora, que de forma consistente substituíram o nome Javé, por elohim, “Deus”.

Este saltério elohista contém três livros de salmos mais antigos, um dos quais abrange os últimos 11 salmos elohistas, de 73 a 83. Eles lamentam a destruição do templo e pedem que Deus derrote os povos. O nome “Asafe” no título se refere à comunidade de cantores que já não podiam mais desempenhar sua arte e, por isso, criaram esse livro para ser lido.

Também o Livro de Lamentações de Jeremias foi composto por um cantor que, depois da destruição do templo, queria deixar ao menos um registro escrito de sua arte. Afinal, somente leitores podiam perceber que as primeiras letras dos versos ou também das estrofes formavam o alfabeto. A intenção deste esquema artístico era controlar a angústia e o medo.

Doze dos salmos elohistas (51-72) trazem o título “salmo de Davi”; oito deles relatam a situação de aflição em que Davi se encontrava naquele

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O rdens dos Salmos orientam a sua le itura no contexto de I

os cinco livros do saltério e sua doxo log ia ( )

i rSalmos 3 -72 como orações conforme fa z ia Davi, que buscava a Deus,

Salmos 4 2 -8 3 como livro da fé , que sobrevive a destruição em

- Salmos do clã de Corá (42 -49 )

- Salmos segundo Davi (5 1 -72

- Salmos do clã de Asafe (73 -83 )

Salmos 1 -119

como instrução p a ra a v id a (torá)

Salmos 2-1 5 0 como louvor a Deus, Senhor do mundo

em três livros do re inado de Davi:

1. F ide lidade de Deus a Davi (41)

2. F ide lidade de Deus ao filh o de Davi (72)

3. Fim do re inado de Davi (89)

e dois livros do re inado de Deus:

1. Lamentações, confiança, música de Israel (90 -92 )

culminam em

Salmos1-41

Finalizados com: sete salmos de

“ a le lu ia ” , um canto de agradecim ento

(1 11-118 ) e um salmo da to rá

(119)

Hinos do Reino de Deus (93-1 00).

2. Preço d a bondade de Deus pa ra com Israel (107) dem onstrado em

Salmos1 07 -14 5

Salmos de peregrinação (1 20-1 34).

culminam nopreço da bondade de Deus p a ra com todos os viventes (1 45)

In terpre tação m últip la dos Salmos

D oxolog ia fina l: dez vezes a le lu ia .. *

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momento. Quem vivenciou o fim da cidade de Davi poderia, ao Ier esses salmos, entender seu próprio sofrimento como parte de uma dor ainda maior, mas também de uma esperança igualmente maior. Afinal, Davi já era o salvador de Israel em meio aos sofrimentos aos quais os títulos se referem.

Esse saltério de Davi foi complementado por meio de uma coletânea mais recente e mais diversificada (3-41), na qual “Davi”, o modelo de pessoa que busca a Deus, aparece como o arquétipo do salmista.

Uma tradição dupla mostra que os redatores mantiveram as coletâ­neas intactas: as coleções mais antigas e mais recentes continham o mesmo salmo de Davi e ambas foram mantidas (14; 53).

A fórmula de conclusão - Terminam aqui as orações de Davi (72.20) - indica que todo o bloco de 3 a 72 era lido como oração por um novo reino davídico.

Redatores posteriores provavelmente consideraram essa oração tão importante que, em consideração a ela, deslocaram a última parte do saltério elohista, o livro de Asafe (73-83), para um novo livro, preenchido com um grupo de salmos especialmente escolhidos (no entanto, apenas “javistas”, 84-88), dos quais dois, assinados por “Coré”, emolduram outras orações davídicas.

Os Salmos 2 e 89 foram adicionados então como enquadramento interpretativo para o assim formado livro de Salmos.

Com isto, os três primeiros livros do Saltério estavam com seu formato final pronto. Eles começam e terminam com salmos reais:

O Salmo 2 celebra a aliança de Deus com Davi;

O Salmo 41 confirma essa aliança;

O Salmo 72 confirma a aliança para o filho de Davi;

• O Salmo 89 lamenta seu fracasso.

Essa composição em três partes provoca questionamentos quanto ao sentido do reinado de Davi.

Os últimos dois livros respondem a isso, cantando sobre o reinado de javé e apontando para um Israel que será testemunha do

• O lamento é transform ado em louvor a Deus, as orações individuais são incluídas na oração de Israel.

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senhorio de Deus, não como estado, mas por sua submissão a Javé. Era assim que os judeus sob o domínio persa viviam sua fé, não mais esperando que sua salvação viesse de uma mudança no rumo da história. Uma indicação para isso é que a partir do salmo 90 muitas vezes faltam os títulos que estabeleciam o contexto histórico dos salmos mais antigos.

Na redação final dos cinco livros do Saltério, o final de cada um deles é marcado por uma exclamação de louvor a Deus.

Há doxologias (grego: “palavras de louvor”) no final dos Salmos 41, 72, 89,106,145.

Os cinco Salmos finais (146-150) trazem diferentes variações desse hallelu-Ja (hebraico: “Javé seja louvado!”) e concluem com uma concla- mação para que todos os seres vivos tragam cantos de louvor ao lugar certo, ao único Deus de todo o mundo. O título hebraico do Saltério, tehillim (“louvores”) dá nome a esse objetivo da arte dos salmos em Israel.

Duas tendências proporcionam unidade interna à variada coletânea dos salmos:

Uma terceira tendência se esconde em salmos diversamente classifica­dos: os salmos são canções de Israel, que representa todos os povos diante do seu Deus, o rei de todo o universo.

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❖ Fo r m a s de in t e r p r e t a ç ã o d o s s a l m o s

Exegetas modernos usam duas metodologias principais para buscar vias de acesso aos salmos: pela análise da forma final dos textos e pela classificação em “gêneros literários”.

A exegese do texto final pressupõe que os salmos foram marcados pelas condições em que surgiram bem como por atualizações posterio­res, principalmente pelas novas interpretações derivadas de sua posição no saltério. Os próprios salmos seriam testemunhas das suas primeiras repercussões históricas; os vestígios das revisões mostram que foram lidos de forma nova como modelos de interpretação para o presente (refraseado para falantes do português).

Esse tipo de recepção dos salmos tem um significado especial para o NT. A paixão de Jesus, p.ex., é contada recorrendo a motivos dos salmos de lamentação; o modelo dos salmos de gratidão ressoa quando Lucas anuncia que a proclamação da mensagem de Cristo começa com o louvor público dos feitos de Deus.

No entanto, raramente é possível verificar de maneira inequívoca os detalhes das ampliações atualizadoras, uma vez que a linguagem dos salmos de qualquer forma deixa ampla margem à interpretação. Os salmos são poesias líricas; os acontecimentos exteriores são símbolos da transformação interior daquele que ora. As experiências individuais destacam valores universais, o concreto revela conhecimento espiritual.

O estudo dos gêneros literários considera que os salmos não foram influenciados por realidades históricas datáveis, mas por realidades que só mudam lentamente. Ele analisa padrões lingüísticos e temas repetidos a fim de detectar a “ligação com a vida real” dos salmos, isto é, as realida­des da vida nas quais determinados tipos de salmos foram originalmente usados.

O exemplo das chamadas lamentações contra os inimigos demonstra o quanto essa pesquisa é necessária para a compreensão dos salmos. Nos lamentos populares, possivelmente cantados nas celebrações de peni­tência durante a época do exílio, os inimigos daquele que orava eram as potências estrangeiras que ameaçavam a existência de Israel (74).

Os cantos individuais podem apresentar vários tipos de “inimigos”:

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Período pré-exílicoTextos usados individualm ente

p a ra os doentes em pe rig o de m orte

p a ra o acusado em litígios —

p a ra o reiam eaçado ------po r inimigos

Í Período pós-exílico Texto de le itura p a ra o Israel no exílio

modelos p a ra cantos de lamento e de g rá fico em

situações semelhantes

A História d a in te rp re tação b íb lica de salmos isolados

No Salmo 29 se encontram

Conteúdo como nos ditos dos p ro fe tas M eios de representação como dos poemasveterotestam entários desde o séc. VIII cananeus a té o séc. XIV

In te rp re tação histórica:o cham ado estrondoso de Javé ressoa po r toda a história de Israel (SI 29.5 e 8)

Líbano

Promessa:paz p a ra um Israel fo rta lec ido (SI 29.1 1)

V a lor do nome de Deus,po r Ele con fiado somente a Israel:

| C |

Liturgia p a ra o rei divino em seu pa lác io sobre águas celestiais

“Tributai ao SENHOR, seres angelicais, tribu ta i g lória e força ao SENHOR. Tributai

i ao SENHOR a g ló ria dev ida ao seu nome!”

Descrição de fenômenos divinos que nenhum

ser humano já tinha visto

B Salmo 29: um salmo b íb lico com longa pré-h istória ex tra b íb lica

Temasmísticos

Page 214: Atlas da bíblia     annemarie ohler;  tom menzel

• As orações dos enfermos refletem os receios da pessoa rejeitada, que via amigos e vizinhos como “inimigos” (31);

• Nos cantos dos acusados que buscavam justiça e asilo no templo, o “inimigo” era o oponente, e

• Nos cantos reais, os adversários políticos.

Quando as orações eram atendidas, elas eram levadas ao templo em sinal de gratidão; os melhores poemas devem ter servido de modelo para orações em situações semelhantes.

As lamentações pessoais constituem o gênero mais presente (40 dos 150 salmos), um sinal da sua importância no tempo pós-exílico, no qual o sucesso dos dominadores estrangeiros frequentemente envolvia o desprezo à fé judaica. Ser piedoso significava ser pobre. A piedade dos pobres, essencial para a sobrevivência da fé judaica, apoiava-se nas lamentações individuais. As orações reais e de exílio recebiam novo sig­nificado; com a ajuda delas, a comunidade judaica pobre e sem liberdade entendia que, diante de Deus, o fraco é semelhante ao rei, e que os injus­tiçados são respeitados.

A espiritualidade dos pobres alimentada pelos salmos influenciou o NT; textos centrais, como as bem-aventuranças do Sermão do Monte (Mt 5.3SS), foram marcados por ela.

Transferências de significado como essa mostram que as circunstân­cias de origem dos salmos só os explicam parcialmente. Salmos não tem apenas um lugar de origem.

Alguns salmos contêm linguagem litúrgica (alternância entre “eu” e “nós”, perguntas e respostas, refrões), mas eram antes paráfrases das situações ritualísticas do que textos que acompanhavam atos rituais.

A liturgia de entrada se reflete de forma diferente nos salmos 15 e 2 4 , além de ser referida de uma terceira maneira em Is 33 .14 S S .

A métrica e a linguagem dos salmos têm sua fonte na arte poética e nas formas de orações dos povos vizinhos a Israel; muitos temas são seme­lhantes aos deles.

No entanto, a “ligação com a vida real” dos salmos está na fé específica de Israel. Fora de Israel, os hinos, por exemplo, tinham uma

• O saltério surgiu no ambiente do tem plo, mas a origem da poesia dos salmos não é o culto.

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ligação mais próxima com o culto do que outros poemas religiosos; no Saltério, eles têm um significado diferente.

Hinos dizem mais do que as pessoas conseguem expressar de fato. Descrevem a glória de Deus, que a tudo preenche, como se não houvesse nada antidivino no mundo. Fora de Israel, os sacerdotes que enxerga­vam as imagens ocultas celebravam a presença divina com esse tipo de canto. Hinos egípcios foram encontrados escritos nas paredes interiores de templos. Já no Saltério, os hinos não somente descrevem como Deus é, mas também informam como ele se manifestou a seu povo; a memória histórica aparece lado a lado com outras narrativas. Os hinos bíblicos celebram a Deus e se dirigem a Israel. Seus poetas são professores que querem transmitir ao povo conceitos e ideias necessários para que vivam diante do único Deus, que existe para Israel e para o mundo inteiro. Os hinos da parte final do Saltério mostram que tais professores criaram esse livro para que o encontro com Deus, antes possível somente no culto no tempo, se tornasse possível em qualquer lugar.

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A literatura sapiência❖ S u r g im e n t o e l u g a r e s de o r ig e m

A Bíblia chama de “sábio” o homem que dá bons conselhos às questões da vida. Os registros desse tipo de ensino de vida estão entre as mais antigas obras literárias da humanidade. No terceiro milênio a.C., as primeiras nações surgiram no Egito e na Mesopotâmia e, diretamente relacionadas com elas, os primeiros escritos sapienciais na forma de livros-texto usados na formação dos funcionários governamentais.

Imhotep, o construtor da primeira pirâmide (século XXVIII a.C.), era venerado no Egito como o inventor desse tipo de literatura. O mais antigo texto de sabedoria conservado contém os ensinos de Ptahotep (por volta do ano 2350 a.C.).

Os funcionários eram chamados de “escribas”, devido à sua principal incumbência: eles registravam leis e fatos de forma verificável. Além da arte da escrita, os futuros funcionários do governo precisavam adquirir conhecimentos técnicos e sobre a natureza humana, mantendo uma conduta irrepreensível que os tornasse capazes de julgar imparcialmente sobre assuntos de Estado. Para isso, os alunos das escolas para funcio­nários governamentais copiavam textos que transmitiam todos esses conhecimentos. A maior parte dos textos sapienciais conservou-se nestas cópias produzidas pelos alunos.

O conteúdo e forma dos textos sapienciais são bem variados:

Listas enumeram conhecimentos da natureza e da humanidade de maneira ordenada.

Provérbios e narrativas dão exemplos de regras e paradoxos da vida; orientam a observar devidamente a conduta humana.

• Debates fictícios têm o objetivo de mostrar o quão difícil é conhecer a ordem do mundo que deveria orientar os sábios.

Como a experiência da vida era considerada a fonte da sabedoria, os * “ensinos dos antigos” são muito valorizados na literatura sapiencial. Os funcionários do Estado precisavam conhecer os costumes estrangeiros, por isso as tradições de outros povos eram adotadas e analisadas. Esse

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1000 80 0 60 0 40 0 200 v.C.■ --- . i i i

Egito

Pv1L1 Arameus no reino persa

! 1 ________ Árabes h ím h E

;mo

Sabedoria

A Influências não israelitas nos livros de sabedoria da Bíblia

Temas de ensino

f l Métodos

Conhecimentos

o mundo humano e a natureza

Arteso ra tória ,escrita,

construção

Comportamentos

justiçabondade,civ ilidade

EscutarEscrever(copiar) Colecionar e com parar

experiências

Meios

Educador

C astigo/rep reensão ... pois o filho insensato é

“ louco” , ou seja, egocêntrico

“ Pai” mestre

B O ensino da educação na lite ra tura sapiencial

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tipo de literatura dirige-se ao “filho”, o jovem que carregará as responsa­bilidades políticas.

A sabedoria é recompensada, a prudência e a diligência trazem o sucesso. Mas, apesar de todo o conhecimento sobre as ciências, pessoas e mundo, nem tudo dá certo. Quem é sábio considera a limitação da sabedoria humana.

A figura principal da sabedoria de Israel é Salom ão. No século I a.C. ainda existia um livro sapiencial chamado “Sabedoria de Salomão”. Salomão tinha estabelecido uma administração regulamentada para o reino. Ele se inspirou no Egito e nas tradições de funcionários governa­mentais cananeus para formar os escribas. No tempo de Salomão, as cida- des-estado cananeias já praticavam a política e a diplomacia há vários séculos. Famílias de funcionários de Jerusalém, a cidade real conquistada por Davi, entraram para o serviço de Salomão.

Também na arquitetura Salomão dependeu de Canaã: seu arquiteto era Hirão, de Tiro (íRs 7.13).

Portanto, desde o princípio a sabedoria de Israel bebeu das fontes sapienciais de culturas mais antigas. Sua abertura às formas populares de ensinos sobre a vida e às tradições de povos menores lhe deu sua coloração peculiar.

iReis 10, por exemplo, fala sobre os enigmas trocados por Salomão e pela rainha de Sabá

A forma final dos escritos sapienciais bíblicos se originou na época em que Judá não passava mais de uma província dos impérios persa e grego. Isso explica por que as questões políticas ocupam menos espaço do que os problemas da vida diária. Apenas alguns poucos parágrafos de Provérbios vieram das escolas de escribas do tempo de Judá livre.

O livro sapiencial aramaico de Ahiqar era muito conhecido no império persa (séc. VI-IV a.C.); livros bíblicos também foram influenciados por ele.

• Escritos sapienciais na form a de livros-texto usa­dos na form ação dos fun­cionários governamentais.

• A re lação entre os textos de sabedoria vai além de épocas e de fronteiras.

• Os ensinamentos da sabedoria ensinam o indivíduo a te r uma v ida bem sucedida; o estado aprende como a paz é possível.

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Provérbios 23.13S cita Ahiqar IX.3S; de acordo com Tobias 1.21, Ahiqar era alto funcionário do rei e aparentado com o judeu piedoso Tobias.

A abertura para pensamentos estrangeiros também se manteve em relação ao helenismo. Os livros de Eclesiastes e Sabedoria analisam conceitos gregos. Sabedoria 8.19S, por exemplo, admite um dualismo entre corpo e alma desconhecido no AT hebraico. Mas, enquanto a filosofia grega tenta resolver o mistério do mundo do ponto de vista teórico, a sabedoria bíblica, inclusive posterior, trata de questões relativas à vida.

A importância histórico-religiosa das tradições sapienciais das culturas decorre do fato de que o politeísmo era insignificante para o sábio. Tanto na Bíblia quando fora dela, as instruções de sabedoria ensinam o “temor de Deus”; o sábio precisa reconhecer que a ordem boa e divina se impõe mesmo quando seus próprios planos fracassam. Muito antes de Israel existir, a “sabedoria” concebeu a ideia que o mundo seria regido por uma divindade única. Quando há muitos deuses, cada um com suas próprias responsabilidades, é possível jogar uns contra os outros. No entanto, a ordem mundial única só é reconhecível em determinados aspectos; no todo, ela é incompreensível e só pode ser reverenciada.

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❖ 0 l i v r o de P r o v é r b io s

O livro de Provérbios contém várias coletâneas claramente divididas. Duas delas são coleções de sentenças formuladas de maneira concisa (normalmente em dois versos) que, usando linguagem figurativa e muitas vezes com um tom de humor, falam de experiências de vida que qualquer pessoa poderia ter. São elas:

375 “ p r o v é r b i o s de Salomão” (10.1-22.16).

131 “provérbios de Salomão coletados pelos homens de Ezequias” (25.1-29.27).

Raras vezes o leitor é abordado de maneira direta; muitas vezes, o uso de paradoxos ou antíteses exageradas serve para levar o próprio leitor a refletir sobre qual seria o comportamento adequado.

Em duas outras coletâneas, no entanto, o leitor é veementemente convidado a ouvir:

Poemas didáticos (1-9) advertem os “filhos” contra as más compa­nhias e da “mulher estrangeira”; a “sabedoria” e a “tolice” se apre­sentam como figuras femininas que cortejam o leitor.

Provérbios de exortação mais longos (22.17-24.34), de 4 a 6 versos, dão boas lições para o dia a dia. Muitos deles são uma reprodução livre do “Ensino de Amenemope” (1000 a.C.).

O final do livro é constituído por:

Três pequenas composições proverbiais (30),

Um poema alfabético (31, as letras iniciais de cada linha formam o alfabeto), em que a mulher sábia faz lembrar a figura feminina da “Sabedoria” dos poemas didáticos do começo do livro.

A parte mais antiga possivelmente é uma tradução dos ensinos de Amenemope. 25-29 são atribuídos ao rei Ezequias que, em vista da ameaça que a Assíria representou para Judá no século VIII a.C., mandou registrar por escrito as tradições orais. A parte mais recente são os poemas do início e do fim do livro; trata-se de composições antológi­cas, redigidas a partir de inúmeras alusões a textos de Deuteronômio, Jeremias e Isaías; eles são dirigidos a um público que tinha estudado e conhecia bem esses textos.

Em todos as camadas, revelam-se maneiras de pensar raras no AT.

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Conceitos veterotestam entários sobre o relacionam ento entre Deus e a hum anidade

é Deus de Israel

intervém na História

fa la e se deixa invocar

atua como criador de todo o universo

criou cada ser humano

atua na vida de cada um individualmente

atua também no sofrimento da humanidade

ilum inado pelas pa lavras de Javé

entrem eado nos provérb ios

Os provérbios pensam sobre

relacionam entos entre as pessoas

no pais e na sociedade

vizinhança

am izade

fam ília

os provérbios de Javé levam

à reflexão:

Javé pode intervir

a re lação do indivíduo

consigo mesmo

em pensamento e ação

como Criador de todas as pessoas

os pobresentre

Lcom seuplano entre

planos humanos

as pessoas e seus inimigos

como o juiz entre

como aquele que examina

e sua realização

o reconhecimento de si mesmoe o profundo do coração

Nenhum provérbio de Javé fa la sobre os temas

d iligência

exceção: provérbio sobre a

mulher (1 8.22)ociosidade

A Conceitos sobre a atuação de Deus no livro de Provérbios

Provérbios 1 -91 2 poemas d idáticos (am p liados em 6 exortações)

Os filhos homens são:

- prevenidos contra as más com panhias e a mulher im oral

- requisitados pe la sabe do ria e pe la tolice

Provérbios 10 .1 -22 .6 375 “ Provérbios de Salomão”

Provérbios 22 .1 7 -2 4 .3 4 44 exortações

segundo modelos egípcios

Provérbios 2 5 -2 9131 “ provérbios copiadospelos servos de Ezequias”

Provérbios 30-31 3 composições de provérbios elouvor à mulher sábia (a sabedoria)B Estrutura do livro

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A personificação da sabedoria (1-9) usada pelos pensadores vete­rotestamentários se une à antiga busca dos egípcios por uma interpreta­ção única e totalmente abrangente do mundo. Muito mais antigas do que “senhora Sabedoria” bíblica são a Maat egípcia, que era ao mesmo tempo ordem do mundo e deusa, e a doutrina egípcia que sabedoria humana eqüivalia a honrar Maat e submeter-se às suas ordens.

Em Provérbios, a “senhora Sabedoria” fala como era comum aos profetas veterotestamentários; ela exorta à conversão, também ameaça e fala de si mesma como os profetas falavam de Deus: ela se afasta de quem não a busca, entregando a vida desta pessoa à ruína. Mas ela salva aquele que lhe é fiel; seu espírito criador de vida é transmitido às pessoas. É singular a imagem da sabedoria alegre que incentiva Deus durante a criação (8 .27SS ).

A sabedoria dos provérbios mais antigos não busca uma única ordem, mas ordenanças que não podem ser completamente compreen­didas, mas que, por isso mesmo, devem ser procuradas e definidas com maior afinco. Nesta parte de Provérbios, faltam as tradições específicas de Israel (o êxodo, a proclamação das leis, a promessa davídica) não aparecem nessa parte de provérbios. Por outro lado, os conceitos desses provérbios podem ser encontrados em várias tradições veterotestamentárias:

Narrativas lidam com problemas da vida que também são abordados pelos provérbios (cf., p.ex., 18 .8 e Gn 3 .1 - 6 ; 2 8 .17 e Gn 4 .14 ; 30 .2 1S S e Gn 16 .4 ) .

Muitos provérbios se referem à chamada justiça retributiva; os profetas a aplicam a Israel. Assim como ações más mudam o próprio ser humano, Israel tinha causado sua própria ruína interior (cf. 15.27 e Is 1.23; 16.11 e Mq 6.11; mas também 12.25 e Is 58.10).

• Assim como os provérbios, também as leis condenam o juiz injusto, aquele que aceita suborno, o homem que falseia os pesos e medidas e viola os direitos das viúvas (cf. 10.11 e Dt 25.13; 15.25 e Dt 19.14; 17.15 e Êx 23.7; 18.23 e Êx 23.8).

No entanto, a ausência da tradição histórica confere novo significado a esses temas nos provérbios. Com um otimismo raro no AT, eles lembram o indivíduo que ele mesmo é responsável por sua vida e que esta só estará bem encaminhada se ele cumprir com seus deveres sociais.

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Apenas 50 dos quase 600 provérbios citam o nome javé, e também o fazem sem qualquer tom nacionalista. Os homens que assim falam estão obviamente convencidos que a fé de Israel leva a conclusões a que qualquer pessoa poderia chegar. Isso mostra onde se deve procurar a origem da sabedoria dos provérbios: em círculos que mantinham contato com outros povos e países. É discutível se havia uma escola de funcio­nários públicos na corte de Jerusalém; mas é certo que os cargos eram passados de geração para geração nos clãs de funcionários. É possível que tenham surgido aqui provérbios que atestam sabedoria política e também a preocupação com a educação, o patrimônio familiar, as terras para lavoura e o gado. Depois da queda dos reinos, estas famílias de boa formação tradicional devem ter cultivado esses provérbios como uma valiosa herança de tempos melhores, ampliando-a com novos poemas. Essa seria uma explicação para o fato de o livro de Provérbios conter cole­tâneas de diferentes tipos, e todas elas serem prova de uma abertura para o mundo notável no AT.

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❖ 0 LIVRO DE JÓ

Por que o mundo está cheio de desgraça?

Desde o fim do século III a.C., esta pergunta é tema significativo da literatura.

Nos poemas didáticos egípcios, ela aparece na busca pela ordem do mundo (maat):

O “Diálogo entre um homem cansado de viver e sua alma” constata que é impossível encontrar uma ordem justa neste lado da vida;

Os “Discursos do homem do oásis” acusam a injustiça que os destrói.

Poemas babilônicos procuram saber se a desgraça era da vontade dos deuses:

• Em lamentos, as pessoas desafortunadas perguntam por que o seu deus os tinha abandonado;

Na chamada teodiceia babilônica, um sofredor, que se rebela contra os deuses, dialoga com seu amigo, que defende os deuses.

Esses textos se difundiram como herança cultural até o primeiro milênio a.C.

O livro de Jó se dirige a um público que compreende alusões cultas:

• A temas e formas lingüísticas de textos extrabíblicos;

A circunstâncias econômicas e sociais de sua época;

Às tradições da fé de Israel.

No contexto do monoteísmo, a pergunta sobre a presença do mal no mundo é uma questão teológica: se Deus é o único que tudo opera, não seria ele também aquele que traz o mal? Seguindo o raciocínio sapien­cial tradicional, o livro de Jó questiona como o ser humano conseguirá conduzir sua vida diante de tal interpretação das experiências funestas.

O livro é constituído de partes formalmente muito diferentes, mas perfeitamente coordenadas entre si.

Um relato em prosa emoldura uma série de diálogos em verso. Na narrativa, Jó é pai de família e proprietário de rebanhos; nos diálogos, um nobre cidadão. Nos seus discursos, ele protesta contra Deus; na narrativa, ele louva a Deus em meio ao sofrimento. Eram conhecidas as histórias

Page 225: Atlas da bíblia     annemarie ohler;  tom menzel

Desde fins do terce iro milênio

até 4 0 0 a.C.

Egito

Poemas apresentam a questão do sign ificado do sofrimento

Suméria e Babilônia

D iá logo entre o que está cansado de viver e sua p ró p r ia alm a r O raçã o de lamento na busca do

Deus pessoal

Discurso do camponês injustiçado d ian te do tribuna l

D iá logo entre o sofredor revo ltado e seu am igo

Diá logos didáticos entre Jó e seus

amigos

O livro de Jó adm ite essas trad ições

A O livro de Jó - uma ob ra ta rd ia das trad ições d idá ticas no an tigo oriente

Jogo com form as lingüísticas

N a rração d idá tica term ina com

m aldição

D iálogos didáticos mesclados com:

- Discursos de disputas legais

- O rações delamento

Hino e juram ento de purificação

como com entário ao d iá lo g o d idá tico

Hinos de criação como discursos apocalípticos

N a rração d idá tica sobre temas de

promessas proféticas

Textos em prosa Textos em verso

42M oldu ranarra tiva

Tema principa l: existe d iá lo g o entre Deus e as pessoas?

!omo as pessoas

29-31 Discurso fina l

de Jó

3 2 -3 7Inclusão: discurso d idá tico

38-41 Dois discursos de Deus

Deus, o c riado r do mundo, conversa com Jó. Jó, o m orta l, responde a

Deus.

Pessoas começamo d iá lo g o sobre o am or ao próxim o.

B Estrutura e linguagem do livro de Jó

Page 226: Atlas da bíblia     annemarie ohler;  tom menzel

sobre um homem piedoso e tolerante chamado Jó (cf. Ez 14.14); em Jó is, elas são questionadas. Seria Jó tão paciente se soubesse que Satanás, o adversário dos homens, tinha “provocado” a Deus? A narrativa prepara a situação em que Jó discutirá com Deus.

A maldição de Jó é o primeiro dos discursos poéticos. Na narrativa, sua esposa o aconselha inutilmente a amaldiçoar a Deus. Depois de sete dias, com seus três amigos sentados a seu lado, em silêncio, Jó muda. Ele amaldiçoa a si mesmo e ao mundo inteiro. Seus amigos não conseguem tolerar essa maldição, que também os atinge.

Em três turnos de discursos, Jó os percebe, cada vez mais, como inimigos. Por isso, sua atitude para com Deus também se modifica; ele espera pela ajuda de Deus contra aqueles que o consideram culpado por seu sofrimento.

A moldura atua como uma narrativa didática, mas, em vez de ensinar, ela provoca: que Deus é esse que faz uma aposta com Satanás?

O poema de maldição imita Jr 2 0 .14 S S ; no entanto, enquanto a maldição de Jeremias expressa a sua solidão desesperadora, a maldição de Jó leva a um diálogo didático.

O diálogo didático trata da questão de Jó da maneira sapiencial tradicional: Jó e seus amigos refletem juntos sobre o significado da questão da justiça de Deus na vida humana. Jó, no entanto, se dirige muitas vezes ao próprio Deus, como em um salmo de lamen­tação: reclama, acusa os amigos e culpa a Deus. Por fim, ele apresenta uma acusação como se fosse uma queixa judicial: que um tribunal decida entre ele e os amigos, sim, também entre Deus e a humanidade.

Dois poemas comentam os três turnos de discursos: nem diálogo nem queixa podem resolver a questão de Jó. Um poema didático enfatiza quão inalcançável é a sabedoria; um juramento de purificação de Jó põe fim

• Como é possível conciliar a v ida em um mundo cheio de m aldade e conservar a fé no único Deus?

• Formas trad ic ionais de discurso adquirem novo significado.

• Assim como também outras obras de lite ra tura sapiencial, o livro de Jó está abe rto à sabedoria dos estrangeiros, mas de uma maneira específica: Jó é á rabe ; do á rabe, Israel pode aprende ro que d iferencia sua p róp ria fé , a coragem de lutar por experiências concretas com Deus.

Page 227: Atlas da bíblia     annemarie ohler;  tom menzel

à queixa não resolvida. Somente a acusação que desafiou a Deus será respondida.

Antes porém, se introduz o discurso de um certo Eliú, em que Deus é defendido mais uma vez.

Os discursos de Deus desenvolvem um tema do diálogo didático: as coisas belas e terríveis da criação não existem apenas para a humanidade. A discussão entre Jó e seus amigos agora se torna revelação; Deus se dá a conhecer.

A conclusão da narrativa que emoldura o texto recorre a motivos das promessas proféticas escatológicas para mostrar como o mundo se trans­forma para o ser humano que aceita a revelação: o hostilizado intercede por seus inimigos; os ricos ajudam os pobres; as filhas têm os mesmos direitos; as bênçãos de Deus são realidade.

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❖ 0 LIVRO DE ECLESIASTES

No período pós-exílico em Judá, a sabedoria bíblica entrou em crise. No livro de Jó, o diálogo sapiencial sucumbe ao protesto pelo sofrimento do inocente; Eclesiastes (Kohelet) enfatiza que, por princípio, não é possível reconhecer uma ordem mundial que faça sentido. Por trás desse livro se encontram experiências históricas deprimentes.

Eclesiastes surgiu no tempo dos ptolomeus (século III a.C.). A inclusão de Judá no grande contexto econômico e a economia monetária imposta pela cobrança de impostos por parte dos dominadores estrangeiros beneficiou os judeus mais ricos; já os empreendimentos rurais tradicio­nais empobreceram. Os ptolomeus promoviam tudo que lhes trouxesse mais dinheiro e tributos. O seu sistema, que arrendava a cobrança de impostos aos nativos, lhes assegurava uma arrecadação sem falhas e, ao mesmo tempo, a lealdade dos mais ricos. Eclesiastes enumera as conse­qüências: exploração, denúncia, abuso do poder e do sistema judicial. A literatura sapiencial sempre apresentou análises críticas da política; em Eclesiastes, prevalece a consciência da impotência política em um país que não era livre.

K o h e le t (K., no hebraico, “o que lidera uma assembleia”) é pseudô­nimo de um professor de Jerusalém, e o livro de Eclesiastes é uma edição de suas palestras. Subjetivo como nenhum outro autor do AT, Kohelet expõe suas experiências e pensamentos em primeira pessoa. Ele não diz nada novo, mas nenhum outro observa as ideias da época e as sentenças tradicionais com consistência tão inexorável:

• Os conselhos proverbiais sobre como ser bem-sucedido na vida são reduzidos à questão do que resta depois da morte.

Jó e Provérbios excluem os temas específicos da fé de Israel; Kohelet elimina o fundamento dessa fé de base histórica ao declarar que até mesmo a lembrança é passageira.

• Ele reforça o antigo juízo que toda a sabedoria é limitada; esse seria um “mau negócio”, que impele o anseio pela eternidade no ser humano, mesmo que isto seja irrealizável.

Nesse livro, encontra-se tanto a maneira grega de pensar quanto também os topoi babilônicos e egípcios:

Page 229: Atlas da bíblia     annemarie ohler;  tom menzel

A O ensino de Eclesiastes sobre a busca de sentido do ser humano

Deusna e te rn ida de fe z tudo bom, cada um em seu p ró p rio tempo. Ele enviou o ser humano a p a rt ic ip a r de tudo isso através da

Mas o ser humano que quer conhecer a obra de Deus, fracassa.

nas circunstâncias nas contingências no esquecimento, na transitoriedade, da época, da vida,

recebeu dois caminhos de acesso à luz de Deus.

em sua v ida social

Ele colocou a etern idade no coração do ser humano,

mas o ser humano a busca inutilmente

Apesar das trevas que existem no mundo, a

humanidade

em sua p iedade em sua sabedoria em sua força

___[Antiga sabedoria de Israelj.

A vida é bem sucedida quando se juntam ambas:

a atuação virtuosa do ser humano e

Eclesiastes

a atuação incomensurável de Deus

oferece

fe lic idade interior ao ser humano

Egito

do que os que adotam cada a legria presente

Filosofia helenística

é garantida quando se esquecem daquilo

que não podem possuir.

-Tópicos da sabedoria do antigo oriente-^- J Babilônia [p —

em vez de lutar heroicamente

contra a invencíve

Conselho da hospedeira na epopeia de Gigamesh

Canção do cego que tocava harpa nos banquetes festivos, representada em afrescos funerários

Eclesiastes, um texto d idático de sabedoria do antigo oriente, em confronto com a filosofia helenista

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Assim como a “Canção do saltério” egípcia, Eclesiastes combina os temas de “alegria de viver” e da “morte”.

Da mesma forma como a epopeia babilônica da criação, Eclesiastes lamenta que o homem tenha sido criado para sofrer “fadiga”.

A recomendação para desfrutar da alegria (9 .7SS) no ponto de virada de Eclesiastes lembra o “Conselho da anfitriã”, um poema crucial da epopeia de Gilgamesh.

É possível imaginar que, se Kohelet 9.7 considera “o comer e o beber” como as primeiras alegrias nobres, seria por apreciar o costume grego do symposium, em que os discursos filosóficos eram usados para inquirir qualquer patrimônio intelectual quanto ao seu sentido.

Kohelet dá continuidade à tradição oriental de expressar doutrinas sapienciais em versos, mas também traduz a prosa filosófica grega para o hebraico, desenvolvendo para isso uma linguagem própria, frequen­temente extraída do jargão cotidiano. Ele questiona, p.ex., qual seria a “vantagem” de determinada atitude, ou imita o estudo experimental grego adotando o papel de Salomão para averiguar se, no fim, resta algo além de “vento” mesmo ao mais rico ou ao mais sábio dos homens.

Os discursos gregos da filosofia popular helenística serviram de modelo para sua com posição:

Na exposição (1.3-3.22), Kohelet desenvolve e fundamenta sua questão: se tudo perece, existe algum “ganho” do qual o ser humano possa dispor livremente?

• No desenvolvimento (4.1-6.10), ele aprofunda a questão com uma crítica religiosa e social mais concreta e afiada.

• Na refutação (6.11-9.6), ele a defende diante da antiga sabedoria proverbial.

• Na aplicação (9.7-12.7), ele exorta que se busque a alegria como o único “ganho” possível, tanto na juventude como na velhice.

A exortação a uma atitude ativa completa o topos segundo o qual a alegria no dia a dia é a melhor coisa que o homem pode encontrar

• A sabedoria do antigo O riente sempre fo i in ternacional; Eclesiastes a ab re pa ra o pluralismo cultural do helenismo.

• Eclesiastes defende um ceticismo fundam ental incomum na Bíblia.

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em sua breve vida. No entanto, isso não resolve as dissonâncias dos ensi­namentos de Kohelet.

Kohelet enfatiza que as circunstâncias temporais e os acasos da vida são mais poderosos do que a força humana. Para ele, nem mesmo a lei de Deus, centro da piedade veterotestamentária, é uma base firme (7 .16 SS ).

De forma consistente, ele evita o nome Javé. Sendo Deus o Senhor dos tempos, ele, como “divindade inescrutável”, é também Senhor dos tempos ruins, nos quais juizes iníquos condenam os inocentes (3 .16 SS ).

Kohelet dá muito espaço à negação; isso aumenta ainda mais o efeito de suas afirmações positivas. A lembrança se apaga no ser humano, a lembrança se extingue, mas Deus “busca o perseguido”. O ser humano nunca compreenderá o que Deus faz, mas perceberá que é “bom”. Por isso, Deus “recompensa” o sábio por seu esforço em pensar e proceder retamente com uma “parte” do todo inalcançável: momentos de alegria.

Talvez esse livro singular tenha entrado no cânon somente porque tenha mostrado seu valor nos debates com o helenismo na escola do templo.

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❖ 0 C â n t ic o d o s C â n t ic o s

O Cântico dos Cânticos é uma coletânea de canções de amor, todas transcritas em discurso direto; a mulher fala 30 vezes, o homem, 18 vezes. Como em uma peça de teatro, aparecem também irmãos, amigos, amigas.

Um jovem chama a moça escondida. - Uma mulher convida seu amado. - Irmãos zombam de sua irmã. - A guardiã de uma vinha justifica-se perante as mulheres da cidade pelo que lhe aconteceu no campo. - Pastores provocam uma pastora que procura seu amado...

As form as lingü ísticas também são diversificadas. Cântico dos Cânticos contém canções que falam de fanfarronice e admiração, relatos sobre experiência e sonhos, autorretratos e lamentações. Descrições relacionam as partes dos corpos do amado e da amada com metáforas estranhas: o pescoço é comparado a uma torre, os dentes, a ovelhas com filhotes. Para quem ama, a pessoa amada torna tudo maravilhoso e benéfico.

Com isso, profanava-se a “divinização dos membros” que os teólogos egípcios usavam para conciliar o politeísmo e o monoteísmo: cada membro de divindade única recebia o nome de um dos deuses.

As figuras de linguagem não são descritivas, mas referem-se a efeitos invisíveis que emanam da pessoa amada. As imagens da gazela que corre animada pelo deserto árido e do “lírio” (nenúfar), a primeira flor das águas primordiais, são de origem egípcia. As imagens de mulher das montanhas e dos animais selvagens, da cabra montês, o animal da guerreira deusa do amor e da pomba como símbolo de vitória procedem do Oriente próximo.

Em Marcos 1.10, a pomba ainda é usada como imagem do amor vitorioso: o Espírito de Deus desce sobre Jesus “como pomba”.

Cântico dos Cânticos combina essas imagens com outras provenien­tes do ambiente de Israel. O livro surgiu em Jerusalém, mas a cidade é criticada. Em suas ruas reina a noite; a moça busca seu amado em meio a perigos. No campo, no entanto, os apaixonados de encontram. Nomes geográficos do reino do norte, prematuramente separado de Jerusalém, ou de terras vizinhas são associados a imagens de experiências amorosas.

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|Comparaçõo| Comparação em segundo plano |

“O meu amado é semelhante a um cervo” (animal indomável das

estepes)

| Comparação citada

"Os seus cabelos são pretos como o corvo” (tão assustador é para mim)

Símbolo

Nenúfar (lírio), a primeira flor da criação.

comometáfora

“ Eu sou a rosa de Sarom,o lírio dos vales.”

(um novo mundo para você)

Combinação de metáforas

“ Os teus seios são como dois filhotes gêmeos da gazela,

que repousam entre os lírios.”(o amor presenteado

livremente é nova vida)

A Figuras de estilo no Cântico dos Cânticos

A igreja, ainda presa ao mundo terreno, oferece a Cristo

os frutos das boas obras.

“Ó tu, que habitas nos jardins, os amigos querem ouvir-te; deixa-me ouvir tua voz também.”

“ ...e à nossa porta está todo tipo de frutos excelentes, frescos e secos, que guardei para ti, ó meu amado.”

B Uma interpretação alegórica medieval do Cântico dos Cânticos

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Recorrendo a uma antropologia teimosa, Cântico dos Cânticos ensina as orgulhosas tribos de Israel a valorizar o indivíduo. Os amantes não se importam com nação ou família; eles buscam o indivíduo. Não se mencionam matrimônio ou descendência, nem o pai e chefe da família; Cântico dos Cânticos se refere de forma zombeteira à “casa”, que funda­menta a honra do varão.

A mulher se deixa levar a um “salão de banquetes”. Ela leva o amado à casa da mãe dela. Um bosque é “casa” do amor.

De acordo com Gênesis 2, a mulher não foi dada ao homem apenas para a procriação, mas para que o ser humano não tomasse decisões vitais sozinho. Cântico dos Cânticos recorre aos motivos desse relato das origens para louvar os enamorados que redescobrem o plano original para o homem e a mulher. No antigo Oriente, amor e morte eram consi­derados poderes divinos. Da mesma maneira como Gênesis 2S dessacra- liza a morte - o homem voltará ao pó -, Cântico dos Cânticos faz com o amor. Apesar de celebrar o poder sobre-humano do amor, que é forte como a morte, ele só pode ser experimentado a partir do efeito que emana daquela pessoa amada, inconfundível, e que, para os enamorados, renova o mundo.

O título hebraico, “Cântico dos Cânticos de Salomão”, cita Salomão como a figura original da sabedoria de Israel. A sabedoria oriental ensina a aprender com as experiências de outros, para o benefício da própria vida. Por isso, Cântico dos Cânticos descreve as experiências do amor da juventude. Dá prioridade à mulher, a fim de ensinar os jovens varões; no centro do livro (5.1), eles são encorajados a compreender o amor como a maior alegria da vida.

Ressoa aqui o motivo importante em Eclesiastes; o tema central de Eclesiastes - o tempo - é encontrado também em Cântico dos Cânticos: o amor nem sempre floresce. Pode se perceber que Cântico dos Cânticos é da mesma época que Eclesiastes pelo estilo refinado, pelo uso de aramaísmos, um estran- geirismo persa e um grego (pardes, “pomar” em 4.13; “liteira” em 3.9). O livro opõe a arte literária e de vida orientais à fascinante cultura helenística.

• O Cântico dos Cânticos é uma coletânea de canções de amor.

• Cântico dos Cânticos é um livro sapiencial.

• O livro de Cântico dos Cânticos não fa la de Deus.

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A única exceção, um tanto oculta, está na comparação do poder do amor com a “labareda flamejante” em 8.6.

Depois que a maneira de pensar veterotestamentária se tornou ultra­passada, Cântico dos Cânticos passou a ser interpretado como uma alegoria. Na realidade, o livro trataria do amor de Deus por Israel ou de Cristo pela igreja ou pela alma que busca a Deus. O AT, no entanto, nunca considera os aspectos mundanos profanos no sentido que o ser humano possa dispor deles; antes, o ser humano recebeu o mundo para que, com entendimento e ousadia, dele cuide e lhe dê forma. A melhor dessas dádivas é o outro ser humano. Cântico dos Cânticos exalta o amor da juventude, que move cada ser humano a buscar o outro. Sua linguagem figurativa não é apenas um enfeite, mas uma mensagem: o amor só pode ser explicado por símbolos que, de forma fantasticamente variada, teste­munham a força com que o amor move as pessoas, de dentro para fora, a buscar o sentido de sua existência em outra pessoa.

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❖ O liv r o Ec l e s iá st ic o o u de J e s u s S ir a q u e

Jesus Siraque era professor em Jerusalém no século II a.C. Assim como Kohelet fizera anteriormente, ele colecionou seus discursos em um livro, mas com uma intenção bem diferente.

Ele não teve sucesso; pouco tempo depois, partidos judeus inimigos começaram a lutar entre si. Seu livro foi afetado por isso; é possível que não tenha sido incluído na Bíblia por elogiar o sacerdócio dos zadoqueus, o que fez com que ele fosse considerado participante do partido dos saduceus. Esse partido era rejeitado pelos fariseus, os precursores dos rabinos que criaram o cânon bíblico. Siraque foi conservado na tradução grega da Septuaginta.

Em 1896, partes do Eclesiástico hebraico foram encontradas em uma sinagoga no Cairo; também em Qumran foram encontrados fragmentos desse livro.

No tem po de Jesu s Siraque, o reino teocrático de Judá parecia estar florescendo, a despeito das desvantagens da dominação helenística.

Como os apocalípticos, Siraque lamenta o domínio dos reinos opres­sores e a destruição dos povos. Ele implora pelo fim, por amor de Israel.

Como Kohelet, ele denuncia os abusos do poder e a exploração, e adverte contra os novos ricos que saboreiam seu poder.

O historiador Flávio Josefo (século I) conta a respeito do clã judeu dos tobitas, que financiavam o pagamento dos tributos de Judá aos ptolomeus e, se preciso, usavam de violência para reaver seu dinheiro. Siraque encontrou esse tipo de pessoas em Jerusalém.

Interiormente, Judá já estava dividido. Mas Siraque também teste­munhou como os selêucidas, depois de tomar a província de Judá das mãos dos ptolomeus (198 a.C.), reconheceram a constituição teocrá- tica do reino. O sumo sacerdote Simeão conseguiu que Antíoco III, o novo governante, reduzisse os impostos, além de garantir que a pureza do templo seria mantida. Durante o período de domínio estrangeiro, o templo e o sumo sacerdócio tinham se tornado os principais símbolos de identidade judaica. Sob a liderança de Simeão (218-192 a.C.), reve­renciado como “o justo”, o reino de Judá conheceu um curto período de prosperidade.

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DeusSua sabedoria atua

na criação e na história.Ela habita

no

Manifesta-se na torá.

Esta sabedoria é celebrada no culto em Israel e I_______________ estudada nas escolas.______________

Todo o Israel a vivência na beleza O s sábios a vivenciam em discursosdo culto no templo. compostos com beleza.

A Onde habita a sabedoria segundo o livro de Eclesiástico

Camada superior da sociedade

Empregados

Dependentes

Desempregados

Protege-se dos poderosos

despreza os comerciantes

O sábio é rico o suficiente para se educar com tranqüilidade.

Não tem nada em comum com os agricultores e artesãos.

Ele apoia os sacerdotes.

Respeita os médicos.

Paga o trabalhador com justiça.

Ajuda o indefeso.

Mantém os escravos ocupados.

Dá esmola aos pobres.

B A posição social do sábio segundo a apresentação do livro de Eclesiástico de Jesus SiraqueUm homem honrado está ligado

i

ao irmão leal

; como amigocomo filhoJ

a sua compreensiva

como pai

como dono da casa

mulher

-aos filhos homens os quais educa severamente

_à filha a quem protege em casa

- ao escravo bom a quem liberta c

Mas nenhum deles deve dominá-lo.

.ao trabalhador a quem paga corretamente

C O estreito círculo de relacionamentos conforme recomenda Jesus Siraque.

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Siraque viu nisso uma oportunidade para armar seus discípulos contra o helenismo e educá-los na fidelidade à tradição. Kohelet, uma geração mais velho, criticou duramente as sentenças tradicionais; Siraque, por sua vez, cultivava a antiga sabedoria proverbial, que devia ser testada em vez de debatida. Siraque exorta, ensina a discernir com clareza, louva e censura. Seu livro termina com poemas laudatórios (42-50), que pintam um brilhante quadro geral das tradições de Israel, da criação até a recons­trução de Judá depois do exílio. O louvor do sumo sacerdote Simeão fecha o livro com “chave de ouro”.

Os poemas dedicados à sabedoria (1, 24) expressam o entusiasmo da época. Neles, Siraque combina abertura à sabedoria de outros povos com a autoconfiança do povo judeu. A sabedoria é mais antiga que a torá, estudada pelo sábio, mais antiga que o culto dos sacerdotes no templo. Afinal, a sabedoria guia o culto celestial, e Deus usa de sabedoria para conduzir a criação e a História. Na torá, a sabedoria vem ao encontro do homem com amabilidade, e seu lar é Jerusalém.

Naquela época, Jerusalém era o centro de um país pobre e depen­dente, e o judaísmo, a cultura de uma pequena minoria. Para Siraque, no entanto, a religião de seu povo dava um sentido mais abrangente às realidades culturais, sociais e políticas. Essa postura continuou presente na História enquanto os reinos helenísticos pereciam.

A ruína destes começou já na época de Antíoco III. Roma derrotou- -o (188 a.C.) e exigiu enormes indenizações, que o forçaram a saquear o reino. Ele foi assassinado durante uma apreensão no templo de Susã (187). Seu sucessor, Antíoco IV, provocou a rebelião dos macabeus, ao intervir no culto em Jerusalém com a permissão da aristocracia sacerdotal helenizada (167 a.C.).

Siraque foi um novo tipo de mestre de sabedoria.

• Jesus Siraque defende um Israel unido por meio de uma am pla síntese de várias tradições da fé , da história, da adoração e do etos da comunidade.

Seu desprezo por todos que ganham a vida com seu trabalho é helenístico. O sábio deve ser abastado, dedicar-se aos estudos e ampliar sua formação em viagens.

Siraque propaga os ideais do antigo Israel. Um verdadeiro israelita desfruta das riquezas herdadas, mas as entende como

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compromisso de se preocupar com o bem-estar de seu povo. A novidade está na maneira elitista como Siraque concebe esse dever; ele convida jovens aristocratas que, como ele, viviam na opulência, a freqüentar sua “casa de ensino” (50.23). Esse ideal não podia subsistir. O próprio Siraque lamenta que é praticamente impossível proteger a riqueza herdada. Ele mesmo não vê a família mais como o clã que abarca várias gerações, res­ponsável pela herança, mas a pequena família, na qual a responsabilidade patriarcal pela herança paterna se degenera em mera afirmação da auto­ridade do pai em sua própria casa.

Em vista das lutas que se desencadeariam logo depois em torno do cargo de sumo sacerdote, era mais significativo para o futuro o fato de Siraque ver, no mestre da sabedoria, a figura de um líder com o mesmo valor de um sacerdote.

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❖ 0 l i v r o d a S a b e d o r ia

O livro da Sabedoria, escrito em grego refinado, provavelmente foi escrito no século I a.C., na metrópole cultural egípcia de Alexandria, onde vivia uma grande comunidade judaica, que há muito lia suas escri­turas sagradas na tradução grega. O livro se conservou como parte desse AT grego.

A comunidade judaica de Alexandria cresceu com os imigrantes que fugiam da perseguição político-religiosa em Judá.

Flávio Josefo conta que Alexandre Jannai, sumo sacerdote e rei (103-76 a.C.), ordenou a crucificação de 800 fariseus.

Os governantes helênicos concederam autonomia administrativa às comunidades judaicas. Em troca, estas se adaptaram, na medida do possível, à forma de vida de sua cidade. No entanto, não deixaram de acontecer desavenças com os cidadãos gregos. Alguns costumes judaicos (sábado, proibições de comer determinados alimentos e outras regras de pureza) pareciam estranhos demais. Sabedoria reflete estas experiências variadas dos judeus da Diáspora:

a orgulhosa cultura grega se combina com firme ligação às tradições judaicas;

conhece-se a “xenofobia” egípcia (19.13);

• mas também a perseguição do “justo” por parte das facções judaicas inimigas.

As circunstâncias cronológicas concretas não são mencionadas, uma vez que o livro pretende falar em linhas gerais; mesmo as alusões a tradições bíblicas não mencionam nomes.

1-6 volta-se contra judeus hostis. A referência aos judeus só é percebida no fato dos poemas imitarem o paralelismo semítico e confron­tarem o justo com o ímpio da mesma maneira como faziam os provér­bios. São colocados na boca dos “ímpios” discursos nos quais estes usam conceitos veterotestamentários tradicionais a respeito da humanidade para justificar a violência.

Compare-se 2.1-8 com Gênesis 3.19: como a morte não conserva nada do ser humano, deve-se aproveitar ao máximo a breve vida.

O autor anônimo em si apresenta uma escatologia (ensino sobre as últimas coisas) desconhecida no AT hebraico. Ele combina o ensino

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duas digressões:

- po r que os castigos de Deus são justos (1 1 e 12)

- a insensatez dos gentios (13 -15 )

sete antíteses:

bondade de Deusp a ra com Israel,seus castigos p a ra o Egito

Estrutura do livro de S a bedoria ; suas imagens da sabedoria .

1 - 6ensinoescatológico

-E xo rta ção a um governo justo (1)

-Perseguição do justo pelos ímpios (2)

11 Esperança dos justos (3 e 4)

-Sentença contra os ímpios no Juízo Final (5)

Exortação a gove rna r com sabedoria

11-19ensinohistórico

ó - l lensino da sabedoria

Asabedoria é ---------- r

am ada com panheira do trono

re fle te a luz de Deus

bondade racional, que tudo penetra

presente de Deus aos frág e is seres humanos

sa lvadora d a hum anidade na história

mestra de virtudes

am ada com panheira do sábio —

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judaico tradicional da “relação entre fazer e receber” e o conceito apo­calíptico judaico do poder de Deus, que faz justiça inclusive aos mortos, com a ideia grega da imortalidade da alma e a imagem egípcia do juízo dos mortos: chegará o dia em que os ímpios tremerão; a vida do justo, por sua vez, está protegida em Deus, mesmo que tenha morrido sem filhos e de modo torturante.

A parte final (u-19) usa uma figura de linguagem grega para causar polêmica contra o Egito. Sete antíteses valorativas demonstram como Israel experimentou a bondade de Deus no êxodo, enquanto o Egito sofria o justo castigo.

Com isso, Sabedoria responde ao escárnio de autores antigos que diziam que o êxodo não passou da expulsão de ladrões leprosos do Egito.

Dois excursos atacam o culto aos mortos, aos animais, aos ídolos e aos poderosos; o adjetivo “egípcio” refere-se a tudo que distingue as outras religiões da fé judaica. Mas os argumentos foram extraídos da polêmica grega racional contra a idolatria.

“Salomão” conta como ele conquistou Sofia (Sabedoria) como sua companheira para toda a sua vida, e a exalta em um discurso retorica- mente adornado, que combina a cultura helenística com o conceito antigo de sabedoria. As 2 1 características (7 .2 2 S ) de Sofia a tornam semelhante à

“alma do mundo” estoico, que a tudo revigora com bondade racional. Os judeus fiéis devem reconhecer nela a imagem de seu Deus, o eflúvio de

seu poder, o brilho de sua luz, a emanação de seu poder (7 .2 5 S ).

Prepararam-se assim ideias que, no século II, seriam usadas para fundamentar a doutrina da divindade de Cristo. Não foi por acidente que a antiga cristologia surgiu em Alexandria.

De Sabedoria 9 .4 seria possível até depre­ender um desvio do monoteísmo judaico: Sofia é chamada de consorte no trono de Deus. Mas isso não é um retorno ao biteísmo. Antes, é uma mistificação quase herética do anseio pelo conhecimento de Deus, também expressa nos Salmos (como o 4 2 S ). Como Deus ama Sofia, ela seria a melhor intermediária

• As partes inicial e final do livro reforçam a iden tidade judaica, polem izando e delim itando.

• A p a rte central do livro (a p a rtir de 6.22) se apresenta comoum discurso, no qual “ Salom ão” in tegra ideias gregas à doutrinas judaicas.

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do amor de Deus. Quem busca a sabedoria e, como “Salomão” inicia uma história de amor com Sofia, é presenteado com o amor de Deus.

Apesar das imagens ousadas e da forma artificial do discurso, o livro não pretende transmitir uma doutrina secreta a um círculo elitizado. Já em 1.1, o livro se volta contra o individualismo helênico, exigindo justiça no reino. A figura de Sofia, que aconselha o Criador (8.4) e ensina justiça à humanidade, remete à imagem egípcia de Maat, deusa do cosmo e da ordem social que ensina o rei a governar com justiça. Em Sabedoria, por sua vez, o “rei Salomão” ensina o público em geral sobre quem é Sofia, pois “é no grande número de sábios que se encontra a salvação do mundo” (Sb 6.24).

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A literatura narrativa posterior❖ A OBRA HISTÓRICA DAS CRÔNICAS

O cronista descreve os acontecimentos desde a criação até a queda de Judá, já relatados em Gênesis a 2Reis. Muito do que está escrito só é com­preensível a leitores que conheçam bem essa base.

O próprio cronista cita como únicas fontes o “livro dos Reis” e os livros dos profetas, mas usando os dois nomes para se referir aos mesmos textos, a saber, iSamuel a 2Reis, que são lidos como inter­pretações proféticas da História.

Ele escolhe algumas passagens específicas desses livros e as amplia com conteúdos que em parte vão muito além da cronologia. Sem se preocupar com plausibilidade histórica, o autor expõe como Deus conduz a história com justiça e disposição ao perdão. Ele está mais interessado na sistema- tização da teologia histórica do que na apresentação do curso histórico. A imagem do passado é marcada (mas não turvada) pelas experiências da época do autor, quando o povo judeu estava disperso e politicamente escravizado.

No início (1-9), listas de nomes, começando por Adão, oferecem um quadro da família humana à qual, entre outros povos, pertence também Israel. Todo o Israel (9.1) é mencionado, mas muitos nomes israelitas são associados apenas a clãs, tribos, comunidades locais e profissionais. O único símbolo da unidade de Israel é o templo confiado a todo o Israel (2Cr 1.2; 5.3; 7:8).

A parte principal (íCr 11-Cr 9) é o relatório da construção do templo.Davi prepara a construção, Salomão a executa. As páginas escuras das vidas de ambos os reis são omitidas para não ofuscar a brilhante imagem da construção do templo entendido como caminho de salvação. Desde que o templo passou a existir, os pecadores tem a possibilidade de encontrar perdão em um lugar concreto. Como o templo estava em Judá, o cronista deixa de lado a história do reino do norte, Israel. O único fato importante para ele é que as tribos do norte também peregrinavam até o templo. O personagem central é Davi, não porque ele tenha fundado o reino, mas porque ele deu início à música no templo.

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Listas de nomes1 Crônicas 1 -9

Israel surge em meio à hum anidade

História dos reis de to d o o Israel

1 Crônicas 1 0 a 2Crônicas 9

H istória dos reis de Judá

2Crônicas 1 0 -36

fMjS a u l

A d ã oH is tó r ia d a h u m a n id a d e

Is ra e lS e d e s t a c a m n o m e s d e

J u d á

C a s a d e D a v i

F u n d a ç ã o d o t e m p lo a t r a v é s d e

F Davi 'incumbe f

os levitasdo

serviçodo tem plo

\ ; ...y

Os reis do reino do norte desprezam o

tem plo

destruído

ím p ios

Judá no exílio, o tem p lo destruído, mas C iro clama:

OtAlvo d a história n a rra d a : Israel se volta

pa ra o tem plo, o centro do mundo e da hum anidade.

Estrutura dos livros de Crônicas e a visão histórica que eles transmitem

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Originalmente, a obra deve ter servido como manual de história para os levitas, pois ela dá muito espaço para os cargos e genealogias dos cantores e servidores do templo.

A parte final (2Q 9-36) só reconhece dois tipos de reis entre os sucessores de Davi e Salomão: os reis que foram como Davi e tiveram sucesso, ou os que, como Saul (íCr 10), não buscaram Javé na hora da adversidade e levaram o povo à desgraça. Quanto mais piedoso o rei, inaior sua riqueza, seu poderio militar e seus edifícios.

Os ideais persas e helênicos a respeito de um domínio bem-sucedido são transferidos ao pequeno reino de Judá. Os antigos persas, ptolomeus, selêucidas tiveram exércitos tão grandes como os que o cronista atribui aos reis de Judá. Eles invadiram a província de Judá, causando-lhe sofri­mento. De acordo com o cronista, os reis piedosos do derrotado reino de Judá precisavam apenas levantar seus exércitos e Deus se encarregava de confundir seus inimigos e dar vitória a Judá. Para o autor, só existe uma virtude militar: resistir até que Deus mande seu auxílio.

Provavelmente o cronista se posicionava em um debate de sua época. Os generais helênicos gostavam de contratar combatentes judeus, pois os filhos dos camponeses que habitavam as terras pobres de Judá eram conhecidos por sua honestidade e bravura. Talvez alguns judeus já pensassem em aplicar as técnicas militares helênicas aprendidas contra os próprios dominadores estrangeiros. Talvez já houvesse videntes que anunciavam que os impérios violentos se destruiriam a si mesmos (cf. Dn 2.34). Os dois grupos passaram a atuar no tempo dos macabeus (depois de 167 a.C.). Nenhum dos dois podia se apoiar no cronista.

As listas de nomes já sugerem que os judeus conseguiam viver semum Estado próprio. Ele cita aqueles que regressaram do exílio (9) e mostra a força da vitalidade da casa de Davi mesmo sem ter poder político: o rei deportado Joaquim tem sete filhos varões, e a lista de descendentes de Davi termina com o mesmo “número completo” de filhos (3.17-24).

Para o autor, a província persa de Judá é o centro do povo de “Israel”, e, para ele, Israel, a parte da família humana a quem o templo foi confiado, é único lugar da terra onde é

• A obra do cronista é o exem plo mais antigo de in te rp re tação da Escritura.

• De form a autoconfiante e alheia a qua lquer polêm ica, o cronista define a posição de Judá na História mundial.

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possível encontrar o Deus disposto a perdoar. O cronista culpa os ricos ímpios de Judá pelo fato do templo ter sido destruído ao final do período monárquico. Já a sua reconstrução se deve, segundo sua interpretação, ao curso favorável da História mundial, a saber, a transformação da Pérsia em grande potência. Na fase final de sua obra, ele formula o decreto de Ciro, o persa, que permite aos judeus voltar para sua terra e reconstruir o templo, de tal forma que ele se assemelha a uma chamada profética para a peregrinação até Jerusalém.

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❖ 0 l i v r o de E s d r a s e N eem ias

Assim como Crônicas, Esdras e Neemias constituem uma só obra, dividida em duas partes por ser grande demais para caber em um único rolo.

Esdras começa da mesma forma que 2Crônicas termina: com a ordem do rei persa, Ciro, formulada como palavra profética, que o templo de Jerusalém fosse reconstruído. Mas Esdras/Neemias é uma obra indepen­dente de Crônicas:

De acordo com Crônicas, Israel tem um centro religioso, o templo; de acordo com Esdras/Neemias, Israel precisa também de um centro político, Jerusalém, onde a lei de Israel seja cumprida, os casamentos mistos dissolvidos e os estrangeiros, obrigados ao descanso sabático.

De acordo com Crônicas, Israel é membro da família humana; de acordo com Esdras/Neemias, Israel é um povo especial. As práticas de alimentação, o sábado, a circuncisão - que durante o exílio se tornaram sinais essenciais da identidade judaica - são interpretados do ponto de vista religioso: como o templo é sagrado, os judeus devem se separar dos povos, como “semente santa” (Ed 9.2).

As vozes contrárias aparecem em Isaías 56, dizendo que o templo deve estar aberto também aos estrangeiros e aos eunucos, e no livro de Rute, que elogia a ancestral moabita de Davi.

1. A construção do tem plo (Ed 1-6) é ordenada por Ciro no início do domínio persa sobre Judá (539 a.C.) e promovida com a devolução do tesouro do templo a Sesbazar (um descendente de Davi?).

De acordo com uma fonte babilônica, o chamado “cilindro de Ciro”, este rei honrou Marduk, deus da babilônia, de forma semelhante.

A construção só começou sob o domínio de Dario (em 520 a.C.).

Es 4.7 fala em “Artaxerxes”, o que todavia não seria possível, uma vez que Artaxerxes I reinou somente de 463 a 423 a.C. O autor de Esdras provavelmente não se lembrava que o sucessor de Ciro se chamava Dario.

Há uma explicação plausível para o atraso:‘ o povo de Samaria teria conseguido que o rei dos persas proibisse a construção, uma vez que a

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Esdras 1 e 2: Assim fa la o rei da Pérsia:... o Deus do céu me deu todos os reinos da terra.

A Q uadro histórico de Esdras e Neemias: os reis persas servem à c idade sagrada de Jerusalém

Enviados pelo rei persa,

... Sesbazar traz de volta os utensílios

do tem plo (Ed 1)

juéser

Vizinhos inimigos

M izpá x; ® G ibeão

Jerusalém

Zanoa

.-0 Q ueila

pLaquis V Bete-Zur

de Asdode

vizinhos inimigos

| § sára®es

O reino de Judá antes da destruição

0 20 40km 1__I____I____I____l

AM O M províncias assírias

grupos infiltrados ao sul do reino arru inado de Judá

ooms*CZZ;J te rritó rio do reino de Judá

MMMI te rritó rio da provínciapersa de Judá

• lugares de onde vieram os colaboradores na construção dos muros de Jerusalém (Ne 3)

C Província de Judá na época de Neemias

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participação dos samaritanos nessa obra em Jerusalém teria sido recusada com a justificativa que não pertenciam a Israel.

2. A proclamação da lei (Es 7-10 e Ne 8-12) acontece no ano sétimo de Artaxerxes.

Trata-se de Artaxerxes II (404-359 a.C.); Esdras chegou em Jerusalém no ano 398 a.C.

Por ordem do rei persa, Esdras deveria anunciar a “lei do seu Deus e a lei do rei” em Judá; portanto, fora autorizado a promulgar a torá como lei do império persa.

Segundo fontes egípcias, pouco antes disso os persas teriam codi­ficado também as tradições legais egípcias como leis do império persa.

3. A reforma política (Ne 1-7 e 13) é realizada por Neemias, um judeu que era funcionário persa, no vigésimo ano do reinado de Artaxerxes I (445). Ele restaura as muralhas da cidade e instaura a paz social por meio do perdão de dívidas. Ele volta para a Pérsia por um breve período de tempo e, quando volta (432 a.C.), precisa combater novamente antigos abusos em Jerusalém.

Moedas encontradas em escavações mostram que jehud (Judá) era uma província autônoma; isso provavelmente é conseqüência do trabalho de Neemias.

A promulgação da lei anunciada em Esdras 7SS só é executada em Neemias 8ss. Esdras obriga o povo inteiro a obedecer à torá. Esse relato se tornou a narrativa da fundação do judaísmo; ele registra como Gênesis-Deteuronômio (o Pentateuco, a torá) se tornou a “lei” do povo judeu e o cerne da bíblia judaica.

• Na obra hebraica, a troca de correspon­dência com os reis persas e a incumbência de Esdras são reproduzidas em aramaico, o idioma administrativo persa (Ed 4.8-6.18; 7.12-26), provavelmente a partir de documen­tos do arquivo do templo.

• Esdras/Neemias abrangem três períodos da história de Judá, datados pelos anos de re inado dos reis persas.

• Esdras e Neemias contêm muitas datas, nomes e documentos.

• Esdras e Neemias contribuíram consideravelmente pa ra a reafirm ação da iden tidade de “ Israel” depois deste te r pe rd ido sua lib e rd a d e política.

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• As listas de nomes em Esdras e Neemias (repatriados, matrimônios transculturais, signatários da torá, reassentados em Jerusalém e outros) são tão semelhantes entre si que provavelmente foram con­feccionadas a partir de uma única lista de arquivo.

• A lista de construções (Ne 3) cita nomes de 47 famílias, grupos de trabalho e comunidades locais. Os nomes das localidades indicam que a província de Judá abrangia somente um raio de 30 quilôme­tros em torno de Jerusalém.

O memorial (Ne 1-7 e 13), um relatório escrito por Neemias na primeira pessoa, também terá sido preservado no templo. Como funcionário do governo persa, Neemias era eunuco e não poderia entrar no templo (ó.ns). Um livro em que expunha seu trabalho em favor de Jerusalém seria seu representante no templo.

Em Esdras/Neemias, a figura de Esdras é a mais apagada; ele só consegue anunciar a lei depois de Neemias ter consolidado Judá do ponto de vista político. Textos judaicos posteriores citam apenas Neemias (Sr 49.13; 2Mc 2.13). Mas o centro político criado por Neemias caiu; o Talmude considera Esdras, o professor da lei, como o novo Moisés e o fundador do judaísmo.

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❖ Os l i v r o s de R u te , J o n a s , E s te r

Na época do segundo templo, foi preciso reafirmar a identidade do povo judeu, que estava vivendo disperso. Os livros de Crônicas, Esdras e Neemias contam como o templo e Jerusalém se tornam novamente centrais para o povo judeu; os livros de Rute, Jonas e Ester explicam como os judeus deviam conviver com os não judeus.

O modo de narrar é novo: enquanto as narrativas bíblicas mais antigas são parte de uma composição maior, esses três livros são como novelas fechadas, que tratam de um acontecimento único e fabuloso:

• Uma família de judeus revive graças à fidelidade de uma moabita (Rute);

Uma palavra profética anunciada a contragosto converte uma cidade gentia (Jonas);

Graças a uma mulher, um plano para a aniquilação de judeus se transforma em vitória para estes (Ester).

É novo também o jogo com motivos antigos:

Abraão sai de sua terra natal atendendo ao chamado de Deus (Gni2); Rute faz o mesmo por amor à sua sogra.

Abraão luta com Deus por Sodoma (Gn 18); Jonas foge de Deus para impedir a salvação de Nínive;

José recebe grande poder do faraó (Gn4i); Ester, da corte persa.

O livro de Rute se volta contra o rigor proposto por Esdras/Neemias. Uma lei proíbe receber moabitas na “assembleia de Deus” (Dt 23.4; Ne 13.1); isso também valeria para uma jovem moabita que, por amizade, acompanha uma anciã judia de volta à terra natal desta, a fim de ajudá-la? O relato desperta simpatia por todos os personagens e acaba demons­trando, pela interpretação criativa de duas leis, que a torá praticamente exigiria o matrimônio do judeu Boaz com a moabita Rute.

Levirato: o irmão do homem que morre sem deixar descendentes deve proporcionar-lhe herdeiros casando-se com a viúva (Dt 25).

Direito de resgate: antes de uma terra tornar-se propriedade de um estranho, um irmão deve comprá-la (Lv 25).

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Como o povo judeu disperso entre os povos conquistou uma nova identidade? N arradores respondem po r imagens:

Os livros de Crônicas, Neemias, Esdras, reproduzem imagens d a história.

Israel precisa de um centro político e religioso, rodead o de fortes muralhas.

O liv ro de Rute mostra imagens da v id a rura l. O Israel p a tr ia rca l precisava

de uma in te rp re tação renovada da le i, que favorecesse a pa rtic ip ação das mulheres na v id a social.

Israel precisa entender a razão por que Deus salva os seus que estão em pe rig o de vida.Ele os leva aonde sirvam ao propósito da sua m isericórdia universal.

O livro de Jonas re in te rp re ta uma imagem mítica.

O livro de Ester fa z uma caricatura do po d e r despótico.

Israel precisa, p a ra sobreviver como povo sem poder, do o lhar fr io dos poderosos ante os mais fracos.

Imagens d a renovação de Israel na época do segundo tem plo.

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A narrativa confia menos no Israel patriarcal do que na coragem de duas mulheres; mesmo o bondoso Boaz só chega à conclusão correta por causa da astúcia delas.

No livro de Jonas, Deus obriga um profeta a reforçar sua misericór­dia por Nínive. Quando Jn foi escrito, Nínive estava destruída há muito tempo; profetas tinham anunciado que Deus destruiria a cidade como castigo por sua maldade (Na 3). O livro convida a repensar totalmente estes julgamentos, levando os leitores ao tempo antes de Nínive (Assíria) empreender suas guerras destrutivas contra Israel.

Jonas sabe que as palavras de advertência de Deus, que ele deveria proclamar, podiam salvar Nínive. Por isso, ele foge, mas, apesar disso, um milagre o leva para Nínive. Então ele proclama as palavras de Deus em apenas uma parte da cidade. Mesmo assim, a cidade inteira se arrepende e Deus pode poupá-la da destruição. Um novo milagre ensina a Jonas o quão humana é a vontade salvífica de Deus. O final deixa em aberto se Jonas entendeu ou não a mensagem.

O livro conta uma parábola; ela convida a refletir sobre o que significa o fato de Deus conceder vida mesmo a cidades como Nínive, de quem seu próprio povo se tornou vítima. Irar-se, como Jonas fez, traria algum benefício? A fabulosa história do milagre do peixe interpreta as catástro­fes que espalharam o povo judeu por todas as nações: como Jonas, Israel foi tragado, mas justamente isso o preservou da morte que Deus lhe havia anunciado por intermédio dos profetas.

De forma satírica, o livro de Ester exagera o luxo e a arbitrariedade do rei dos persas. Hamã, o favorito do rei, irritado com o fato de um judeu não se curvar diante dele, obtém permissão para exterminar todos os judeus do reino. Felizmente, o rei gostava muito de vinho e de mulheres, pois desta forma Ester se aproximou dele. Desafiando a morte, ela se utiliza

de sua beleza, convida-o para um banquete e o faz mudar de ideia. Hamã perde a carta branca que recebera para cometer os assas­sinatos; decreto idêntico é concedido depois aos judeus (8.11 - 3.13).

A perseguição aos judeus era impensável no governo persa; o livro trata de eventos da época helênica. Ele encoraja os perseguidos;

• Os três relatos defendem que as pessoas que acreditam no Deus de Israel devem in terv ir em fa vo r de seus semelhantes.

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mas também adverte: quando o poder chega às mãos de quem antes não tinha nenhum, este tende a tratar seus antigos perseguidores da mesma maneira como fora tratado antes por eles (9.12SS).

A tradução grega reduz o rigor da advertência ao dizer que os judeus apenas se defenderam (8.12S).

Permanece em aberto quem conduz Rute e Ester coincidentemente ao lugar certo e quem convence Nínive a mudar seu comportamento. Deus atua secretamente; aos seus, ele dirige de modo que possam socorrer outras pessoas, ainda que de forma surpreendente - Boaz e Rute, por bondade; Jonas, forçado; Ester, sob ameaça de que a ajuda viria de “outra parte”, mas que ela mesma não poderia ser mais salva (4.14).

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❖ Os l iv r o s de Tobias e Ju d ite

No século II a.C., o esplendor do helenismo fascinava os judeus mais ricos; Tobias e Judite projetam imagens opostas. Tobias e Judite são ricos e cumprem rigorosamente as leis que diferenciavam os judeus dos demais povos. Comem alimentos “puros” preparados de acordo com os costumes judaicos e se casam dentro de seu clã.

Tobias é um relato didático, que ensina como os judeus podem per­manecer fiéis à sua fé em um mundo não judaico. O justo pode mos­trar-se aprovado, tanto em tempos bons e mais ainda na perseguição. A antiga doutrina dos limites da sabedoria é reinterpretada aqui como a doutrina dos limites do justo. Quando Tobias, o fiel cumpridor da lei, cai na pobreza, ele deixa de ver a bondade dos outros. Somente com a ajuda de um anjo ele reconhece que, mesmo para o justo, a vida afortunada é um dom imerecido de Deus.

Com realismo sábio, o livro conta que Deus só faz prosperar aquilo que o próprio ser humano prepara. Quando Deus envia o anjo, Tobias se lembra que certa vez dera muito dinheiro em depósito a um irmão de fé. Ele envia seu filho, Tobias, de Nínive para Ragés (820 km) a fim de buscar o dinheiro.

O valor é 10 talentos = 410 kg de prata = 60.000 dracmas. De acordo com Tobias 5.15, um dracma eqüivale a um bom pagamento por um dia de trabalho.

Aconselhado pelo anjo, no caminho Tobias ainda conhece a mulher destinada a ele e consegue remédio para o pai.

O narrador, extrovertido e erudito, brinca com formatos e motivos bíblicos e extrabíblicos.

Recorrendo ao mesmo estilo em primeira pessoa, usado para elogiar os mortos nas biografias escritas nas lápides, Tobias fala de sua retidão e abnegação (1-3).

As palavras de despedida do anjo (12) e do pai ao filho (4.14) cons­tituem discursos didáticos em estilo proverbial.

Ajicar, figura principal de um livro sapiencial muito conhecido, é primo de Tobias.

Os motivos das lendas (expulsão de demônio, vitória sobre o peixe) foram adaptados à fé judaica e ao conhecimento medicinal da época.

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Os caminhos de Deus são caminhos de justiça e misericórdia...

no passado,

Caminhos de IsraelIsrael v ive em sua te rra e peregrina a té o templo.

no presente,

> futuro.

Israel vive disperso entre os demais povos,gu iado po r mensageiros de Deus.

O tem p lo distante, inalcançável.

Caminhos de justiça e m isericórdia.

Israel vive em sua te rra , unido e próxim o ao templo.

Os povos peregrinam até J e ru s a lé m .fH H & ra g ^ m ra 11A O livro de Tobias: in te rp re tação do período do exílio como tem po de seus dire itos

B O livro de Judite: ânimo para Israel

Mestres incomuns:

a mulher de Samaria

o homem de Amom

eles vencem contra Israel.

Judite os persegue.

Jerusalém, cidade de Deus

Todos os povos se submetem a ele,

Israel só é vencido quando

é in fie l a seu Deus.

Israel precisa defender a cidade de Deus,

quer Deus o salve ou não.

Ultimato:

“ Se nenhuma ajuda

chegar em cinco dias...”

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A questão sapiencial sobre como o indivíduo deve viver é com ple­mentada com a busca pelo objetivo da história de Israel. Durante a vida inacreditavelmente longa de Tobias acontece a divisão de Israel (930 a.C.) e a deportação (722 a.C.); Tobias prevê o segundo templo (520 a.C.) e seu esplendor escatológico. Jerusalém é considerada o centro de Israel e o futuro centro dos povos, mas os judeus do relato nem pensam em retornar, apesar de fazerem longas viagens. Permanecer no exílio faz sentido, pois assim os povos podem ver como é bom viver com a fé de Israel.

Ju d ite é um a narração p seu d o-h istórica que pretende combater o temor que o povo judeu desapareceria na miscigenação racial causada pelos grandes impérios. No décimo oitavo ano do reinado de Nabucodonosor, ou seja, no ano em que este destruiu Jerusalém (587 a.C.), uma mulher teria salvado sua cidade de um imenso exército. Nabucodonosor é autorizado por Deus a destruir os deuses dos povos, mas se considera a si mesmo como deus. Como Israel sabe que ele não passa de um homem, não se submete a ele; por isso Nabucodonosor envia um exército de povos. Por fim, os sitiados reagem com um ultimato: se Deus não os salvasse em cinco dias, eles se renderiam.

O autor cria polêmica contra uma religiosidade apocalíptica que espera que Deus diminua a duração da tribulação (cf. Dn 9 .2 4 S S ) .

Judite encarna a sua ideia de fé autêntica. Ela declara que, ainda que Deus não salve, submeter-se ao arrogante dominador do mundo seria pecado para o povo libertado da escravidão do Egito. Ela intervém em favor de seu povo com sua vida e beleza, com astúcia e energia. O relato descreve a figura extraordinária de uma mulher independente, uma viúva rica e sem filhos, que vive de maneira ascética e a quem homens com responsabilidade política obedeciam. O livro contradiz tendências de seu tempo:

• iMacabeus celebra as vitórias do exército judeu; Judite fala de uma vitória que só custa a cabeça do general inimigo.

• Judas Macabeu luta contra Amom (iMe 5); em Judite, Israel também deve sua salvação a um amonita.

• Tobias e Judite discutem como os judeus obrigados a viver em grandes reinos não judaicos podem continuar a ser judeus.

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João Hircano, rei de Judá, destruiu o templo samaritano (128 a.C.) e Samaria (107 a.C.); Judite conta como uma mulher samaritana salva Jerusalém como uma verdadeira “judia” (hebraico: judit).

Originalmente escritos na língua popular aramaica, não entraram na Bíblia hebraica por serem considerados relatos recentes e populares demais. Por isso, os dois livros só foram conservados nos manuscritos cristãos da Bíblia católica e na tradução grega.

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❖ O PRIMEIRO E SEGUNDO LIVRO DE MACABEUS

Depois de 420 anos de domínio estrangeiro, Judá reagiu contra as violações do líder selêucida Antíoco IV contra o culto no templo, iniciando em 167 a.C. uma rebelião pela liberdade, liderada por Judas Macabeu (“martelo”). Em 141 a.C., Demétrio II reconheceu o último irmão sobrevivente de Judas como governante independente. Três livros (1 e 2 Macabeus e Daniel) descrevem os acontecimentos dessa época de forma semelhante, mas os avaliam de maneira bem diferente.

Segundo Daniel 11.34, os êxitos dos macabeus são apenas uma “pequena ajuda”; a verdadeira salvação será trazida pela queda das grandes potências mundiais e pelo reino de Deus. Essa avaliação contri­buiu para que o livro de Daniel fizesse parte da Bíblia hebraica, uma vez que os judeus que criaram o cânon da Bíblia no século II viam o estado judaico resultante da rebelião dos macabeus com suspeita.

Mesmo tendo sido redigido em hebraico, iMacabeus só foi conser­vado em grego. O livro exalta os “hassídicos” (hebraico: chassidim, “piedosos”), que suspenderam a luta depois da purificação do templo (7 .33S S), mas defende que isso não era suficiente para assegurar a exis­tência de Israel. Não era suficiente que os dominadores estrangeiros garantissem a liberdade religiosa; também era necessário combater os “traidores em Israel”, que fomentavam a “miscigenação com as nações”, queriam eliminar a circuncisão e planejavam construir um ginásio grego em Jerusalém. Isso ainda teria permitido a aceitação do livro de iMacabeus na escola judaica no século II, mas o mesmo não acontecia com sua sóbria avaliação da política dos asmoneus. Quando os “asmoneus” (nome de clã macabeu) chegaram ao poder, eles o empregaram da mesma forma como os dominadores helenistas haviam feito. O livro apresenta essa história de maneira diferenciada e claramente estruturada.

Ele não menciona o fato de que a política do poder romano tinha obrigado os selêucidas a violar leis judaicas. Os selêucidas tinham conquistado a Palestina em 198 a.C., renovando os privilégios judaicos. Em 190 a.C., foram vencidos por Roma e tiveram de pagar enormes tributos. Antíoco IV precisava de dinheiro e vendeu o cargo de sumo sacerdote pela melhor oferta. Outros atentados à lei judaica se seguiram, provocando a rebelião.

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Períodos de tem po apresentados em...

G overno dos selêucidas e sua destruição segundo apresentados em...

Daniel 1 M acabeus

332a A lexandre,32 3 o G rande

desde301 Ptolomeus (Egito)

Daniel 8 -1 2 2M acabeus IM acabeus

Os selêucidas respeitam o trono

saqueiam o tem plo

Subida a o trono d o selêucida Antíoco IV (175)

sumo sacerdote ilegítim o

Assassinato do sumo sacerdote legítim o

judeus helenizados propag am a ide ia de miscigenação de Israel com os povos

Expedição de Antíoco contrao Egito

Perseguição re lig iosa e “ abom inação” no tem p lo (167)

Rebelião lid e ra d a por Judas M acabeu

desde 2M acabe

198 Selêucidas (Síria)

antesde164

desde141 judeus

Disputa134 SSWS8®,» pelo

trono

Consagração do tem p lo pu rifica do (164)

V itó ria de Judas M acabeu (1 62)

A d iáspora g rega deve ce leb ra r a

festa da consagração do tem plo

Época de surgimento de

- Danieldepois de 1 24

dep o is , de 1 0 4 *

N arra tivas da história de Judas em Daniel, IM acabeus e 2 M acabeus

2M acabeus ------- IM acabeus

o novo sumo sacerdote é novamente helenista

Jônatas, irm ão de Judas (161 -1 4 3 )

Simeão, irm ão de Judas (143 -135)

Promoção de um estado judaico pelo p a rt id o dos

piedosos

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Na introdução, iMacabeus narra o começo da rebelião e depois fala de três irmãos que a lideraram, um após o outro. Todos os três tentaram fazer um acordo com Roma contra os selêucidas e morreram de forma trágica:

• Judas ainda defende que os judeus lutam somente por seu povo e sua lei;

Para obter vantagens políticas, Jônatas envia tropas judaicas para ajudar um antigo inimigo;

Simão aparece em iMacabeus como príncipe pacificador, mas o livro também informa que ele buscava fama por meio de um gigantesco monumento.

O livro termina com notícias de disputas pelo direito ao trono e assas­sinatos na casa real.

Os triunfos dos macabeus valem apenas como salvação provisória. Judas remove o altar profanado e impuro; Simão é confirmado pelo povo no cargo de sumo sacerdote, que ele já ocupava por graça dos reis gentios; mas o livro enfatiza que as duas coisas só valem até que um profeta decida (4.46; 14.41). É possível que a intenção desses juízos fosse conquistar os hassídicos para a causa do estado judeu livre, que, apesar das deficiências, possibilitava uma vida em conformidade com a lei judaica.

Os descendentes dos hassídicos viveram em Qumran. Textos de Qumran que denunciam um “sacerdote sacrílego” provavelmente se referem a Jônatas, o primeiro judeu que aceitou que um rei gentio o nomeasse sumo sacerdote. iMacabeus parece comparar Jônatas a seu antecessor Alcimo que, como zadoqueu, era sumo sacerdote legítimo, mas traíra seu povo e assassinara hassídicos pacíficos (7).

Independentemente de iMacabeus e 2Macabeus terem sido escritos em grego, relatam acontecimentos da mesma época. Seguindo o estilo helenista, o texto é adornado com lendas de anjos e mártires. Mais ainda do que iMacabeus, 2Macabeus busca as origens da desgraça combatida por Judas na luta pelo sumo sacerdócio.

Jasão suplanta a seu irmão Onias e é, por sua vez, vencido por Menelau, que oferece mais dinheiro pelo cargo, saqueia o templo e manda matar Onias, o sumo sacerdote legítimo.

O livro divulga duas festas. A primeira, uma recordação da purificação do templo (164 a.C.) é celebrada até hoje na festa judaica do Hanucá.

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Também a segunda comemora a salvação do templo. O gentio Nicanor quis profana-lo, mas foi castigado por um anjo, converteu-se e foi curado das conseqüências do castigo mediante um sacrifício no templo. Em 12 .4 3 S a virtude expiadora do templo é ainda mais enfatizada: Judas Macabeu tem certeza que os falecidos libertados de seus pecados depois da morte, por meio de um sacrifício no templo, não precisam temer o dia da ressurreição.

O livro é precedido por uma carta (provavelmente autêntica) do ano 124 a.C. Esta convoca os judeus da Diáspora que estão no Egito a celebrar a festa da dedicação do templo, o Hanucá.

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A época do segundo templo❖ J u d á , pr o v ín c ia fr o n t e ir iç a de su c e s s iv o s

GRANDES IMPÉRIOS

Há três designações comuns para a época entre a primeira (587 a.C.) e a segunda destruição de Jerusalém (70 d.C.):

1. O período pós-exílico na verdade se limita ao tempo em Jerusalém e em um Judá reduzido. Poucos judeus aproveitaram a chance para voltar (desde 528 a. C.); a maioria continuou vivendo dispersa entre vários povos. O fato de continuarem sendo um povo deve ser atribuído à sua fidelidade à Escritura Sagrada. As promessas do retorno de todo Israel para sua terra continuavam válidas para eles e fora de Judá tudo era “exílio”.

2. A expressão início do judaísmo é correta na medida em que os descendentes da tribo de Judá e os sobreviventes da nação de Judá se con­sideram representantes de todo o povo de Israel.

A população de Israel, deportada já em 722 a.C., não tinha conseguido estabelecer uma memória duradoura de sua comunidade; suas tradições sobreviveram somente no país irmão, Judá. Já a camada social superior de Judá, deportada para a Babilônia em 587 a.C., teve mais liberdade para tratar de seus assuntos. A diáspora babilônica tornou-se o centro da con­servação das tradições e da renovação espiritual do povo.

Quando os persas quiseram estabilizar a situação no território frontei­riço com o Egito, encontraram naquelas comunidades judaicas homens dispostos a defender Judá: Zorobabel começou a construção do templo (520 a.C.); Neemias criou uma administração independente de Samaria, que era, até então, centro administrativo (450 a.C.); Esdras trouxe a torá para Jerusalém, elaborada a partir das tradições de “Israel” (398 a.C.).

Os sucessivos grandes impérios reconheceram o “povo judeu” como um povo existente também fora de Judá.

3. Época do segundo templo é a denominação mais significativa para esta época. Mesmo diante de violentas disputas, os judeus entenderam que só havia um lugar onde o único Israel poderia adorar o único Deus. Em Judá, o templo tornou-se instituição dominante também do ponto de vista político. Como o cargo de sumo sacerdote era transmitido como

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A Mudanças de governo

Judeia até 164 a.C.

antes de 1 64, território somente colonizado por judeus

Conquistas dos Asmoneus

Separado de Judá por Roma em 63 a.C.

cidade-estado helenística

O cidade/co lôn ia helenística

1 Sidom 1 1 Ab ila 21 Apolônia2 Tiro 1 2 Dora 22 Jope3 Paneia 1 3 G aba 23 Jamnia

(Cesareia 14 Citópolis 24 Azotode Filipe) 15 Pela 25 Ascalom

4 Selêucia 16 Gerasa 26 Antedom5 Ptolemaida 17 Estrátonos 27 Marisa6 Hippos (Cesareia) 28 Adora7 Dion 1 8 Samaria 29 G aza8 Séforis 19 Siquém 30 Rafia9 Filoteria 20 Filadé lfia10 G adara (Rabate

Amom)

M odificações das fronteiras de Judá

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herança dentro do clã dos zadoqueus, havia sempre um sumo sacerdote para servir de referência aos governantes estrangeiros.

Josefo, p.ex., informa que os ptolomeus cobravam os impostos de Judá do sumo sacerdote; em uma ocasião, um amonita adiantou o dinheiro (“Ant.” 12.4).

A certeza da sucessão neste cargo fez com que os sumo sacerdotes se tornassem também líderes não religiosos. Para proteger o templo de graves danos, tiveram de procurar também aliados não judeus, fato que logo causou tensões. Neemias defendia que Judá fosse independente, para que o povo não desaparecesse em meio a miscigenações étnicas. Ele exigiu a dissolução dos casamentos mistos em Judá (Ne 13 .2 3S S ), e expulsou de Judá o filho do sumo sacerdote, que tinha se casado com uma mulher de Samaria (Ne 2 8 ) .

Estas oposições cresceram sob o domínio grego. Como os persas tinham promovido a construção do templo e a consolidação política de Judá, seu domínio era considerado da vontade de Deus. Para muitos judeus, no entanto, o helenismo e o judaísmo eram inconciliáveis. Durante bastante tempo, praticamente não houve conseqüências externas, pois os reis helenistas reconheceram Judá como um país teocrático, no qual valia a lei judaica. Eles atraíram a hostilidade dos judeus devido ao seu corrom- pedor sistema de cobrança de impostos, que era arrendada aos nativos, e ainda mais por dizerem que Judá, na qualidade de país “conquistado pela lança”, era possessão real; quem quisesse morar lá, teria de pagar por isso. Para os judeus, em contrapartida, a terra que tinha sido confiada ao povo era “herança de Javé”. Para os judeus, era insuportável testemunhar o culto a imagens, chamativo e politeísta; o culto aos soberanos era ridículo, uma vez que o império de Alexandre se desintegrara rapidamente e seus suces­sores guerrearam entre si.

De 301 a 198 a.C. a Palestina foi parte do reino ptolomeu (Egito), mas sempre contra as pretensões dos selêucidas (Síria). Depois que estes conquistaram a Palestina, sua derrota para Roma (190 a.C.) marcou logo o início de seu declínio.

Mesmo assim, o contato com o helenismo modificou o judaísmo. A fim de aproveitar as oportunidades para prosperar econômica e cultu­ralmente, os judeus aprenderam a falar grego. Em Alexandria (Egito), o hebraico era tão pouco falado no século III a.C. que muitos queriam

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ouvir as leituras e interpretações das Escrituras em grego. As primeiras sinagogas surgiram onde os judeus celebravam a palavra de Deus, num tipo de culto único na Antiguidade. Oração, cânticos ou interpretação das Escrituras não desafiavam a lei que os sacrifícios só podiam ser reali­zados no templo.

Em Jerusalém, no entanto, surgiram conflitos acirrados entre judeus. Ao redor de Judá floresciam cidades que, munidas dos direitos da polis, participavam do comércio mundial. Membros da aristocracia sacerdo­tal subornaram Antíoco IV para que este autorizasse a helenização de Jerusalém. A introdução de rituais gregos no templo foi o estopim para a rebelião dos macabeus. Esta fez de Judá um estado livre, mas os partidos judaicos continuaram suas disputas sobre o que seria o verdadeiro judaísmo.

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❖ Co n s e q ü ê n c ia s d a c r is e d o s m a c a b e u s

Em 167 a.C. iniciou-se uma época de lutas religiosas e disputas entre judeus como nunca antes na Antiguidade, judeus morreram defendendo os rolos da torá de judeus helenistas; um assassinato causado por “zelo pela torá” foi o estopim para o início da rebelião dos macabeus (iMe 2.26). Essa foi conduzida por pequenos agricultores que, encorajados pelo mandamento de que cada família deveria viver em sua própria terra (Lv 25 .23S S ), se revoltaram contra sistema econômico helênico, que favorecia os latifúndios. A rebelião teve sucesso porque os filhos dos fazendeiros tinham, muitas vezes, servido como mercenários e conheciam as táticas de combate helenistas. Judá tornou-se um país livre, mas a vitória dos macabeus trouxe novas divisões:

Os hassídicos (“piedosos”) tinham encerrado a luta assim que o templo fora libertado (iMe 7.13). Essa decisão foi motivada por sua inter­pretação apocalíptica do mundo. Para eles, o fato do inimigo ter saído da classe sacerdotal judaica era um tempo de tribulação como nunca houve desde que existiu nação até então (Dn 12.1).Quando perceberam que seus companheiros de luta, os macabeus, também agiam como os senhores helenistas, se convenceram definitivamente que Deus teria de intervir logo.

Os asmoneus (macabeus), no entanto, só conseguiram assegurar a independência de Judá lançando mão de uma política conseqüente de poder. Isso incluía a introdução dos impostos do templo, que uniu judeus de todas as terras a Jerusalém. Quando Jônatas se apropriou do cargo de sumo sacerdote (152 a.C.), que, por direito, pertencia ao antigo clã dos zadoqueus (2Sm 8.17), um grupo de sacerdotes se afastou, liderado por um zadoqueu, provavelmente o “mestre de justiça” citado nos textos de Qumran.

Antes da descoberta dos textos de Qumran, essa comunidade já era conhecida por meio da obra de Josefo, onde é chamada de “partido dos essênios”.

Os essênios consideravam sua comunidade como sendo o verdadeiro templo, que subsistiria até Deus fazer justiça. Eram aristocratas cultos e estavam certos de que conheciam a verdadeira torá, válida até o final dos tempos. Quando os romanos atacaram Judá e Jerusalém (66-73 d.C.),

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Antesde175

175

167- 1 6 4

desde152

desde142

desde134

128

104

7 6

63

37— 4 a.C.

Elites governantes de Jerusalém Elites governantes d a popu lação rura l

sacerdotes fié is à lei (zadoqueus)n;cidos pelos governantes estrangeiros, honrados pe lo povo

aristocracia sacerdota l helenizante...

... persegue os fie is à lei

Asmoneus (macabeus) sobem ao pod e r

sumo sacerdote asmoneu

Saduceus ^(“ Zadoqueus” )

sacerdotes po liticam ente ativos

reis sacerdotes asmoneus

conquistas dos asmoneuscircuncisão fo rça d a na Idumeia

destruição do tem p lo dos samarit<

circuncisão fo rça d a na Itureia

sob A lexand re Janeu ....*£

sob a viúva S a lo m é ......... .

servindonominalmente

aos sumos sacerdotes

Antipas tem o pod e r

Herodes, filho de Antipas, rei da Judeia:

í TTVi1... nom eia — renovasumos sacerdotes ° tem p lo

Rebelião dos M acabeus

Os hassídicos (“ piedosos” ) detêm a luta

O sumo sacerdote legítim o (um zadoqueu) funda a com unidade dos essênios

Fariseus (“ separatistas") protestam

Fariseusconclamam uma gue rra civil

.......fariseus são crucificados

Disputa sucessória dos asmoneus

Judeia se to rna estado vassalo de Roma

w m m à M X

Construção do

com plexo de Qumran

.......fariseus recebem lugare voto no supremo conselho

os fariseus ensinam os le igos a viver como sacerdotes

Zelotes (“ fanáticos” ) conclamam resistência contra Roma

Saduceus

Os judeus na Palestina estão d iv id idos em:

Herodianos Fariseus Zelotes Essênios

Conseqüências da crise dos macabeus

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os essênios entenderam isso como sinal para a derradeira luta contra os inimigos de Deus; eles se apresentaram para lutar e pereceram.

Os saduceus, também da nobreza sacerdotal dos zadoqueus, toleraram sumo sacerdotes ilegítimos de outros clãs desde que o culto no templo não fosse alterado. Convencidos de que Deus tinha confiado sua honra à liberdade humana, eles se dedicaram ao templo, inclusive politicamente, apesar de muitas humilhações impostas por governantes estrangeiros. O partido se desintegrou depois da destruição do templo (70 d.C.).

Os fariseus (peruschim, “separatistas”?) se opuseram à política dos asmoneus. Quando esses conquistaram territórios que tinham perten­cido a Israel (Samaria, Idumeia, Galileia) e obrigaram os estrangeiros que viviam ali a obedecer as leis judaicas, os fariseus perceberam isso como um atentado tão sério à pureza do povo judeu que desencadearam uma guerra civil. Foram derrotados e o rei-sacerdote asmoneu mandou cruci­ficar muitos deles. Em conseqüência disso, os fariseus aumentaram seus esforços para doutrinar laicos; como a aristocracia sacerdotal desprezava as leis sagradas, era necessário que a pureza sacerdotal fosse vivida no cotidiano do povo judeu. Devido aos compromissos necessários para que isso fosse possível, os textos de Qumran chamam os de “niveladores”, e o NT, de “hipócritas”. O povo, no entanto, os reverenciava como mestres que se importavam com cada indivíduo (Mt 23.15). Graças a sua inter­pretação criativa da lei, o judaísmo sobreviveu a catástrofe de 70 d.C.; os ensinos de Hillel (30 a.C - 10 d.C.) foram muito úteis, com sua noção de que a fidelidade à lei exigia abstenção política.

Os samaritanos se consideravam parentes dos judeus, apesar das tensões entre eles.

Os livros da torá (Gênesis a Deuteronômio), redigidos no século IV a.C., são, até hoje, sua Escritura Sagrada (Pentateuco Samaritano).

Depois da queda de Israel (7 2 2 a.C.), a política assíria de miscigenação deportou estrangeiros para a região de Samaria. Estes adotaram a religião da terra e se tornaram crentes em Javé (2R S 17 .2 4 S S ). Quando Alexandre transformou Samaria em colônia macedônia (330 a.C.), eles se mudaram para Siquém e construíam um templo em Gerizim, monte consagrado pela tradição mosaica (Dt 27 .4 S S ). Os asmoneus destruíram esse templo ( 12 8 a.C.); desde então, há inimizade entre judeus e samaritanos.

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Uma disputa pela sucessão do trono asmoneu (63 a.C.), em que os irmãos pediram a Pompeu que decidisse entre eles, deu ocasião a que o território da Judeia fosse incorporado ao império romano. Pompeu instituiu o mais velho deles como sumo sacerdote, entregou a respon­sabilidade política a seu amigo, o idumeu Antipas, e submeteu a Judeia ao governador romano na Síria. Separou Samaria e a planície costeira da Judeia, e expulsou colonos judeus para este território já superpovoado. Para muitos, foi insuportável o fato de que agora seus impostos iam para Roma e não para reis-sacerdotes judeus. Até o século II d.C., houve recor­rentes rebeliões de judeus contra Roma.

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❖ Os ju d e u s n o im p é rio R o m a n o

A cultura greco-romana absorveu todos os povos da região mediter­rânea. Somente os judeus permaneceram um povo com uma cultura própria, apesar de viverem dispersos desde os planaltos do Irã até a Espanha, desde o Alto Egito até a Ásia Menor.

A diáspora judaica se formara a partir de fugitivos, deportados, escravos, mercenários, de maneira que era comum fazerem parte das camadas sociais inferiores das regiões urbanas. Mesmo quando prospe­ravam, continuavam marginalizados, pois se negavam a adorar as divin­dades da cidade. Por outro lado, as reuniões nas sinagogas, onde não se faziam sacrifícios, atraíam a muitos gentios. Os “tementes a Deus” aceitavam o monoteísmo ético dos judeus; “prosélitos” aceitavam até mesmo a lei judaica inteira.

Um malicioso lugar comum antijudaico da Antiguidade chamava os judeus (em At 24.5 também a Paulo) de “peste contagiosa”, devido ao poder atrativo de sua religião.

Eles tinham permissão de enviar seus impostos do templo a Jerusalém e eram dispensados do culto ao imperador. A única exigência é que ofere­cessem dois sacrifícios diários pelo imperador no templo. Mas os políticos romanos frequentemente não compreendiam o status especial da Judeia.

Para judeus de todas as nações, as peregrinações, a direção para onde voltavam suas orações e o imposto do templo eram o sinal de que per­tenciam ao povo do único Deus, que, presente no templo de Jerusalém, é Deus para o mundo todo. Quando Pompeu entrou no templo ao anexar a Judeia a Roma (63 a.C.), para demonstrar o senhorio romano também ali, Roma se tornou, para muitos judeus do mundo todo, um poder inimigo de Deus. Os rebeldes anti-Roma tornaram-se inimigos de morte dos saduceus, que continuavam buscando entendimento com Roma para que o culto não fosse interrompido.

Herodes (37-4 a.C.), filho de Antipas (veja p. 271), era idumeu, mas para os romanos era o judeu que ganharia a Judeia para Roma. Como rei cliente romano na Palestina, ele conduziu seu reino à prosperidade econômica e deu novo esplendor a muitas cidades com suas constru­ções de estilo helenístico. Pacificou a Judeia com dureza, mas, enquanto estava lá, respeitava as leis judaicas. Fez isso de maneira especialmente rigorosa na luxuosa ampliação do templo, que o transformou em atração

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turística em Jerusalém devido à ausência de imagens, o que era exótico para os gentios. Depois de sua morte, Roma dividiu seu reino. Herodes Arquelau se tornou rei da Judeia, mas foi destituído no ano 6 d.C. devido às queixas levantadas pelos judeus. A Judeia tornou-se parte da província romana da Síria.

Os funcionários romanos da Judeia frequentemente violavam as leis judaicas e movimentos contra os romanos se expandiram.

Desta forma, Pilatos provocou protestos violentos dos judeus contra a violação da proibição das imagens cometida quando mandou que os soldados levassem seus estandartes a Jerusalém.

Os zelotes (grego: zelosos) combatiam também seus conterrâneos judeus que toleravam a dominação estrangeira dos romanos. As duras contramedidas tomadas pela administração romana reforçaram sua convicção de que o fim dos tempos era iminente e que Roma cairia. Um gesto obsceno de um soldado romano diante do templo foi a causa, e a recusa dos sacerdotes em fazer os sacrifícios pelo imperador foi o sinal que iniciou a guerra contra Roma (66-73 d.C.). Os judeus foram derrota­dos, Jerusalém e o templo foram destruídos.

O redirecionamento do tributo destinado ao templo de Jerusalém para o de Júpiter Capitolinus causou rebeliões entre a diáspora judaica (115-117 d.C.). Estas foram reprimidas de forma tão sangrenta que, depois disso, praticamente não havia mais judeus de fala grega. Na Judeia, Bar Cochba fez mais uma tentativa de proclamar um estado judeu (132-135 d.C.); também ele foi vencido pelas legiões romanas.

Com a permissão de Roma, intelectuais do ramo pacifista dos fariseus se reuniram em Jamnia para assegurar as tradições de seu povo. No ano 100 d.C., a extensão da Bíblia judaica estava definida; no ano 200 d.C., surgiu o primeiro resumo escrito das doutrinas judaicas (mischna, “repetição”). Testemunhos sobre as conversas dos rabinos (mestres) nas escolas da

Palestina e da Babilônia sobre questões da vida judaica foram continuamente acrescen­tados até a Idade Média; surgiram assim os enormes compêndios do Talmude palestino e babilônico.

Durante muito tempo, os rabinos mal per­ceberam que uma segunda corrente judaica pacifista havia sobrevivido nas comunidades

• Roma concedeu direitos especiais aos judeus.

• G raças aos fariseus, o judaísmo sobreviveu as derrotas causadas por Roma.

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cristãs, pois os cristãos judeus eram considerados pessoas incultas, e os cristãos gentios, estrangeiros. Depois das guerras judaicas, os cristãos gentios predominavam em número. Mas eles não se esqueceram da origem judaica do cristianismo. Eles cultivavam tradições helenistas- -judaicas, estranhas para os rabinos e desacreditadas pela política de poder dos asmoneus e de Herodes. Os cristãos de língua grega continu­aram o trabalho de reconciliar o pensamento hebraico e judaico com o greco-romano, que tinha sido iniciado pelos judeus helenistas.

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❖ Lit e r a t u r a do ju d a ís m o p r im it iv o

Quando Israel perdeu a terra e a liberdade, os judeus eruditos se encarregaram de repensar, registrar e organizar suas tradições religio­sas. Durante os séculos de tranqüilidade que antecederam a crise dos macabeus, estes blocos de tradições foram organizados entre si sob o nome de torá. Assim surgiu uma obra que seria historicamente tão importante como sua contemporânea filosofia grega (Platão, Aristóteles), o núcleo do cânon bíblico, em três partes:

O centro dos cinco livros de Moisés (Gênesis a Deuteronômio) é a torá da reconciliação (Lv 16): Israel vive porque o culto no templo é expiatório.

A obra histórica (Josué a 2Reis) justifica a perda da liberdade política com o desprezo de Israel pela torá.

• Os livros dos profetas (Isaías a Malaquias) são interpretados no versículo final (Ml 4.4) como lembrança da torá.

Os trabalhos de elaboração do cânon bíblico só foram retomados depois da destruição do segundo templo. As escolas rabínicas debatiam quais livros eram ketubim (“escritos”) e por isso pertenciam à Escritura Sagrada.

Antes dos achados de Qumran, somente a tradição cristã dava teste­munho da variada literatura judaica primitiva que tinha sido produzida até o século II d.C.:

Os apocalipses questionavam as formas engessadas da fé: confiar no poder expiatório do culto seria suficiente? O apreço pela torá poderia prejudicar o espírito profético? Os apocalípticos interpretavam as antigas palavras proféticas como mensagens sobre o objetivo final da história mundial como um todo.

As narrativas históricas atualizavam a fé veterotestamentária de que o Deus único não deveria ser procurado no mundo das ideias, mas nas experiências históricas. As obras históricas do Antigo Testamento eram recontadas como padrão de interpretação do presente. O livro de Crônicas tinha remodelado materiais do livro de Reis; o livro extrabíblico dos “Jubileus” lida de forma parecida com materiais de Gênesis e Êxodo. A obra de Josefo é o ponto alto dessa historiografia (em 100 d.C.). Josefo escreve “A Guerra dos Judeus” baseando-se, em parte, em suas próprias

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Séculos V-lll a.C.

Do séc IV a.C ao II d.C.

Do séc.III a.C. ao I d.C.

Do séc.III a.C. ao II d.C.

Do séc.I a.C. ao I d.C.

Textos estão o rgan izados entre si como testemunhos d a perm anentem ente v iva torá de Moisés

A torá de Moisés é a basedos juízos

Gênesis » »

Êxodo

levítica»Reconciliação

Números

Deuteronômio

Os p ro fe tas recordam .

presente no culto

históricos; <a

Josué | Isaías

Juizes f História Jeremias1 de Israel l

1 2 S a -\ em sua / Ezequielmuel ' te rra /

Doze1 2 Reis p ro fe tas

O núcleo do cânon bíb lico

N arradores se refe rem aos textos canônicos

Um livro de Salmos (SI 1 -119)

in icia o estudo d a torá.

Repetições de

A narrativas A história judaica acom panhadas de modelos antigos de pensamento

r >

As Sagradas Escrituras são traduzidas p a ra o g rego

m n

Eruditos d a lei compõem mosaicos de citações da escritura p a ra ...

iniciarmeditações

Eruditos comentam textos ...

re fo rça resperançasmessiânicas

em A lexand ria , judeus helenistas, com métodos a legórico-racionais:

Os livros de Moisés e a f ilo so fia g rega ensinam verdades semelhantes.

Formas de in te rp re ta r as escrituras na época do segundo tem plo

em Q umran, sacerdotes apocalípticos , com uma compreensão espirituc

Os textos antigos proféticos escondem novas revelações.

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experiências; ele inicia suas “Antiguidades Judaicas” recontando os livros veterotestamentários e segue apresentando a história dos judeus até sua época. Seu pensamento teológico-crítico, moldado a partir do AT, con­tradizia a ideia grega que o ser humano estava sujeito ao seu destino; ele demonstra o quanto Israel era culpado de seu próprio destino.

Os ensinos populares foram conservados de forma muito mais ampla do que em outros povos da Antiguidade:

As histórias ilustram os conteúdos bíblicos de forma vivida:

• Asenate, a esposa egípcia de José, torna-se uma prosélita exemplar;

As biografias de profetas descrevem a vida e morte de grandes tes­temunhas da fé;

“A vida de Adão e Eva” fala da penitência dos antepassados.

Os testamentos se apresentam como discursos de despedida de figuras bíblicas, que ensinam lições morais e religiosas a seu povo.

A arte dos salmos continua viva em novos cantos:

• Em Bíblias siríacas, o saltério contém cinco poemas a mais, que expressam a piedade mais íntima das pessoas.

No livro dos 18 “Salmos de Salomão”, os lamentos pela destruição do templo desembocam no clamor pelo Messias.

O grego coloquial da Septuaginta revelou o conteúdo das Escrituras Sagradas aos judeus de fala grega. Este trabalho de tradução, único na Antiguidade, criou os fundamentos lingüísticos da literatura grega judaica e cristã.

Os escritos eruditos em língua grega conciliavam a assimilação e a autoafirmação judaica:

A “Carta de Aristeas” atribui a glorificação da torá a um gentio; baseado em uma interpretação alegórica, ela explica por que a torá separa os judeus dos outros povos.

Fílon de Alexandria (13 a.C. - 45 d.C.), filósofo da religião judeu helenista, interpreta os cinco livros de Moisés pelo método alegórico que era aplicado à exegese helenista de Homero. Assim ele prova que Moisés ensinava a mesma verdade que os filósofos gregos. Teólogos cristãos aprenderam com a terminologia usada em sua extensa obra.

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Comentários sobre livros de profetas de Qumran investigam o texto do AT versículo por versículo para descobrir, por meio de uma inter­pretação inspirada pelo Espírito, os segredos escatológicos até então ali escondidos.

O Novo Testamento deve ser lido diante do pano de fundo não somente do texto do AT, mas também dos textos da variegada litera­tura do judaísmo primitivo. Assim como os textos de Qumran, o NT refere-se principalmente aos salmos e aos profetas. O NT se apega à torá (Mt 5.17SS), não em fidelidade textual, mas em uma interpretação aberta dos conteúdos e dos motivos. Compartilha com os textos de Qumran a concepção de que uma nova revelação clarificaria o sentido das Escrituras Sagradas legadas pela tradição. Por isso, os cristãos gastaram mais tempo que os rabinos para estabelecer um cânon. Desta forma, os manuscritos cristãos também contêm textos judaicos que os judeus tinham deixado de transmitir; alguns deles passaram a fazer parte da Bíblia cristã1.

14 [NT] Refere-se à Bíblia católica.

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❖ A B ib l io t e c a de Q u m r a n

Entre 1947 e 1956, nove rolos e fragmentos de outros 800-900 foram encontrados em onze cavernas junto ao Mar Morto, que tinham sido escondidos ali na época da guerra judaica. Pelos textos, infere-se que essa biblioteca pertencia aos essênios. Este grupo judaico surgiu em meados do século II a.C. em protesto aos asmoneus. Isso explica porque a festa do Hanucá, que relembra a libertação do templo pelos macabeus (asmoneus), não aparece no calendário de Qumran. Tampouco valia em Qumran o calendário lunar introduzido pelos asmoneus; o ano tinha 364 dias, para que as festas caíssem sempre no mesmo dia da semana.

A biblioteca de Qumran inclui:

1. Muitos exemplares de escritos dos essênios.

Os salmos de gratidão, testemunhos de experiências religiosas intensas, provavelmente foram escritos pelo fundador da comunidade.

O Escrito de Damasco o chama “mestre de justiça”. Em Damasco, longe do impuro Israel, Deus o chamara para fundar a “Nova Aliança”. E possível que “Damasco” fosse pseudônimo de um lugar de refúgio dos essênios, que só chegaram a Qumran em 100 a.C.

A regra da Comunidade tinha por objetivo formar a elite que guiaria Israel “no final dos dias”. Essa certeza explica porque a regra dita o ódio aos “filhos das trevas”. Regras sobre admissão, exclusão, hierarquia, oração, estudo, além da comunhão nas refeições e nas propriedades garantiam a pureza cultuai da comunidade.

A lei de guerra descrevia como “os filhos da luz” levam a cabo a luta final e alcançam a vitória.

O rolo do templo se apresenta como uma nova revelação do Sinai, na qual Deus promete que habitará em um novo templo no meio de Israel.

Os pesharim (pesher é uma palavra que só aparece no livro de Daniel, em aramaico, onde significa “interpretação de sonhos”) também pressu­põem a existência de uma nova revelação. Descobrem profecias a respeito de experiências dos essênios, até então não compreendidas, nos livros dos profetas veterotestamentários. Figuras históricas recebem nomes simbólicos: “sacerdote sacrílego” (um asmoneu), “homens de violência”

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Textos pa ra o estudo de

Mistérios da criação,

fina l dos tempos e céu

Normas de v id a justa

no fin a l dos tempos

Textos especiais dos

essênios

Textos d a RevelaçãoIn te rp re tação dos textos

da revelação

Pesharim Hc f“ com entários” Nade I

Paráfrases e aperfe içoam entos

de

Estrutura da b ib lio teca de Qumran

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(aristocratas judeus), “ímpios de Efraim” (fariseus), “homem da mentira” (chefe dos fariseus), “kittin” (romanos).

2. Os livros bíblicos preenchem um terço da biblioteca, incluindo uma quantidade muito grande de exemplares dos livros proféticos e de Deuteronômio, o protótipo do “regulamento”. O cânon bíblico ainda estava em aberto, como mostra a quantidade de livros que tratam de mistérios da criação, do fim dos tempos e do céu: há 54 exemplares dos “jubileus”,10 de “Enoque”, 16 de Gênesis e sete de Daniel. Há versões em hebraico ou aramaico de Siraque, Tobias, Baruque e Salmos 151-155, que até então só eram conhecidos em Bíblias cristãs.

3. Reproduções e ampliações de relatos bíblicos também aparecem em numerosos exemplares, pois esses materiais eram tão apreciados em Qumran quanto em todo o judaísmo daqueles séculos.

4. Há muitos hinos, orações e poemas místicos. Em parte, eles imitam os salmos bíblicos, mas também apresentam formas e conteúdos novos, como p.ex.:

a “Bênção dos sete príncipes angelicais”,

o “Canto do anjo sobre o carro de Deus”,

a “Celebração da graça de Deus”.

A biblioteca era poliglota. Os textos dos essênios estão escritos em um hebraico reformado; paráfrases de materiais bíblicos foram escritas aramaico coloquial; há uma tradução aramaica do livro de Jó. Na caverna 7 foram encontrados somente fragmentos gregos; um pôde ser associado ao Êxodo, outro a Baruque; outros 17 fragmentos são muito pequenos para determinar a procedência.

A biblioteca preenche uma lacuna da literatura judaica que havia se formado entre Daniel (164 a.C.) e o início da coletânea escrita dos ensinos rabínicos (200 d.C.) depois da guerra judaica, quando os eruditos judeus deixaram de transmitir todos os textos que não pertenciam ao seu cânon bíblico.

Os textos de Qumran contribuem para a compreensão do NT, pelo fato de conterem testemunhos sobre as maneiras de pensar e falar dos judeus da Palestina do tempo de Jesus e da igreja primitiva:

• Expressões como “justiça de Deus” e “obra da lei” aparecem tanto nos textos de Paulo quanto nos de Qumran, mas não no AT. Paulo

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compartilha com esses textos a ideia da justificação exclusiva por Deus.

A expressão neotestamentária “Filho de Deus” não ressoa ideias helenistas sobre semideuses; na verdade, as expressões “filho do Altíssimo” e “Filho de Deus” em Lucas 1.32 e 35 e também no 4Q246 (no texto 246 da caverna 4) devem ser entendidas num contexto apocalíptico.

Quanto ao conteúdo, no entanto, o NT e os textos de Qumran divergem muito. Esses pertenciam a uma comunidade elitista que se preparava, com rigor intransigente, para liderar um ideal do povo de Israel. Os evan­gelhos, por sua vez, relatam como Jesus, um mestre leigo, buscava as “ovelhas perdidas”, e como Paulo levava as boas novas às nações.

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0 Novo Testamento / Introdução❖ His t ó r ia p o l ít ic a n o p e r ío d o n e o t e s t a m e n t á r io

Jesus e seus discípulos não pertenciam às elites reconhecidas de sua época. Por isso, não é de admirar que nenhum texto da época fora do NT mencione Jesus. O NT, por sua vez, reflete a história de sua época tal como é percebida pelas pessoas que não passam de objetos da política. Roma, que na época de Jesus já completara 100 anos de domínio hege­mônico na Palestina, considerava-se uma potência pacificadora, mas não conseguira conquistar o povo judeu. Depois de pagar impostos e tarifas, muitas pessoas ficavam apenas com o absolutamente necessário para sobreviver. Os governantes precisavam de muito dinheiro para exibir seu poder e confirmá-lo com presentes.

É significativo que a primeira coisa a ser queimada na Guerra Judaica foi o arquivo de dívidas (Josefo, “Guerra” 2,427).

O Im perador A ugusto (27 a.C. - 14 d.C.) tinha dado a Herodes, con­siderado “amigo do povo romano”, liberdade de ação na política interna e ainda executou o testamento deste no ano 4 d.C. O reino de Herodes foi dividido em quatro partes; três partes passaram para seus filhos:

Herodes Antipas tornou-se tetrarca (do grego: “governador de uma quarta parte de um reino”) da Galileia e da Pereia;

• Filipe tornou-se tetrarca de territórios de maioria gentílica do leste e do norte da Galileia;

Herodes Arquelau tornou-se etnarca (governador de um povo) da Idumeia, Judeia e Samaria.

Decápolis (território de dez cidades) tornou-se parte da província da Síria.

A Galileia, terra natal de Jesus, era governada por Antipas, “amigo de Roma”, até ser destituído por Calígula em um ato arbitrário (39d.C.). Antipas fora educado no judaísmo e seus coletores de impostos eram judeus; no entanto, sua política de impostos era tão dura que ele temia rebeliões, principalmente pelo fato da aristocracia sacerdotal de Jerusalém, mais tolerante, ter menos influência na Galileia.

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im peradores G overnantes SumosRomanos na G a lile ia na Judeia Sacerdotes

HerodesAugusto Arque lau

Tibério

pre fe itosromanos Anás

PôncioHerodes Pilatos Antipas

(Lc 3.1 s.)

(Calígula)

C láud io Herodes A g rip a I

C a ifás

Nero(Ap 13,18?)

procuradoresromanos

FelixFesto

Herodes A g rip a II nomeia os sumos sacerdotes

(Vespasiano) Rebelião judaica7 0

□ Regentesd a fam ília de Herodes

■ I Sumos sacerdotes d a fam ília de Anás

Recenseamento na Judeia (Lc 2.1)

Antipas m anda d e ca p ita r João Batista (Mc 6 .27)

Pilatos m anda cruc ificar Jesus

A pedre jam ento de Estêvão

A g rip a m anda d eca p ita r T iago (A t 1 2.2)

C láud io expulsa judeus de Roma (At 1 8.2)

Paulo d iante do procônsul G á lio (A t 1 8.1 2)

Preso po r Félix,Paulo se de fende d iante de Festo e de A g rip a (At 25s.)

Destruição de Jerusalém (Mc 1 3,2)

A Acontecimentos históricos do Novo Testamento

m m O im perado r Romano <36 S B

confirm a

da Província d a Síria

G overnante d a Judeia

nomeia dentre a aristocracia

sacerdotal

sumo sacerdote

^ d e cre ta r' : A u to rid ade judicialpena de m orte sobre os judeus

juntamente com o Supremo Conselho(71 saduceus, fariseus, eruditos)

arrendadores e subarrendadores de impostosImpostos da popu lação

como am igo de Roma

%paga

tribu to fi

governante nativo da G a lile ia CL

plena au to rida de judicial

A rrendad o r

Jde impostos

S ubarrendador

Impostos d a popu lação

Sistema jud ic ia l e tr ib u tá rio d a Judeia e da G a lile ia no tem po de Jesus

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Antipas mandou executar João Batista porque o povo o seguia.

Na Judeia, Augusto destituiu Arquelau em 6 d.C., a pedido dos judeus. Até 41 d.C. a Judeia foi administrada por prefeitos romanos, supervisiona­dos pelos respectivos governadores na Síria.

O governador Quirino empreendeu imediatamente o recensea- mento descrito em Lucas 2.2 como um evento mundial. Na Galileia, um certo Judas iniciou uma rebelião; considerava um sacrilégio pagar impostos ao imperador (Josefo, “Guerra” 2,118).

Os prefeitos moravam em Cesareia; durante as festas de peregrina­ção, mudavam-se com suas tropas para Jerusalém. Somente eles podiam decretar a pena de morte, e as demais questões jurídicas deviam ser resolvidas pelas autoridades locais, de modo que o sumo sacerdote e o Sinédrio tinham novamente responsabilidades políticas. O Sinédrio reunia 71 representantes da aristocracia sacerdotal e laica e dos fariseus. O prefeito escolhia o sumo sacerdote dentre a aristocracia sacerdotal e podia destituí-lo a qualquer momento.

Anás, nomeado no ano 6 d.C., foi destituído no ano 15 d.C.; segui- ram-se três sumo sacerdotes que oficiaram por pouco tempo. Somente Caifás, genro de Anás se manteve por mais tempo no cargo (18-36 d.C.).

O im perador T ibério (14-37) promoveu a continuidade na adminis­tração da Judeia. Grato foi prefeito de 15 a 26 d.C., Pilatos, de 26 a 36, e Caifás provavelmente se entendeu com ambos. Um exemplo dessa coo­peração foi a execução de Jesus, executada por Pilatos, operada por Caifáse, em segundo plano, por Anás. Por fim, a administração brutal de Pilatos acabou por lhe custar o cargo. Pilatos teve de voltar a Roma para prestar contas sobre uma massacre cometido contra peregrinos samaritanos. Caifás foi destituído na mesma época.

O im perador Calígula (37-41) exigiu que se erigisse uma estátua sua no templo em Jerusalém. O governador atrasou sua execução devido à ameaça de uma rebelião entre os judeus; na Galileia, os judeus já tinham suspendido o trabalho agrícola. A morte repentina de Calígula evitou uma guerra.

O im perador C láudio (41-54) pacificou os judeus ao reunificar o reino de Herodes, o Grande, e colocar o neto deste no trono. Agripa 1 agiu como representante do imperador ao desviar para os cristãos a tensão acumulada durante a crise de Calígula, e mandou executar Tiago (At 12).

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No ano 49 d.C., o próprio Cláudio expulsou de Roma alguns judeus que, como escreveu o biógrafo Suetônio (25.4) causavam distúrbios instigados por um tal “Chrestos”. Talvez os cristãos tivessem gerado descontenta­mento por não mais fazerem distinção entre os gentios e os judeus privi­legiados por Roma.

Quando Agripa morreu (44 d.C.), Cláudio colocou a administração da Judeia novamente nas mãos de funcionários romanos (procuradores), que agora controlavam também a Galileia e a Samaria. O filho de Agripa tornou-se rei do distante Cálcis, mas manteve o direito de eleger sumos sacerdotes.

De acordo com Atos 25, durante uma visita ao procurador Festo, Agripa II quis ouvir o prisioneiro Paulo (59 d.C.).

A guerra ju daica tinha sido apenas adiada. Os procuradores mudavam com frequência; raramente conseguiram se adaptar às parti­cularidades judaicas. O estopim da guerra foi o ataque de Floro (64-66) ao caixa do templo. A destruição do templo (70 d.C.) abalou também os cristãos; eles precisaram de uma nova compreensão sobre o motivo pelo qual Jesus se manifestou como enviado de Deus em Israel e foi crucifi­cado em Jerusalém.

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❖ J e s u s de Na z a r é : q u e s t õ e s h ist ó r ic a s

Buda, Maomé e jesus são conhecidos somente pelos escritos de seus seguidores. Isso não é uma deficiência; pessoas distanciadas raramente compreendem figuras carismáticas. Os autores não bíblicos apenas relatam que “Pôncio Pilatos mandou executar Jesus” (Tácito, “Annales” 15.44) e que “Tiago, irmão de Jesus, chamado o Cristo” foi apedrejado (Josefo, “Antiguidades” 20.200).

O louvor a Jesus em “Ant.” 18.64 é uma inclusão cristã.

Os textos neotestamentários são testemunhos da fé em Jesus Cristo, mas também lembram Jesus como um judeu que se preocupou com seu povo nos anos relativamente calmos antes da metade do século I. Somente Lucas 3.1 menciona uma data: “No décimo quinto ano do reinado de Tibério” (28 d.C.) apareceu João Batista. A atuação pública de Jesus começou logo depois e durou três anos.

Mateus, Marcos e Lucas resumem a cronologia, ao contrário de João; cf. 2.13; 5.1; 7.2; 10.22.

João Batista anunciava ao povo judeu o juízo final, no qual antigos sinais da salvação, como a posse da terra, de nada serviriam; para simboli­zar isso, ele não se nutria do fruto da terra. A salvação seria somente para quem deixasse o mal caminho e, por meio do batismo, reconhecesse que a transformação é operada por Deus. Dificilmente os discípulos teriam inventado a notícia de que João também batizara a Jesus e de que este continuava a pregação de João Batista.

Também Josefo fala de profetas que atraíam multidões ao deserto com a mensagem da proximidade do reino de Deus. Roma esmagara essas peregrinações ao deserto mesmo quando não eram violentas (“Ant.” 20.97), pois temia os rebeldes anti-Roma que agiam a partir do deserto.

Assim como aqueles profetas escatológicos, Jesus também viveu distante de sua família, sem residência fixa e pobre. Mas, diferentemente deles, Jesus ia ao encontro das pessoas no dia a dia e lhes ensinava que o domínio de Deus se impõe sem violência e já começara a salvar os pobres em meio às suas necessidades.

Jesus se mantinha distante tanto dos saduceus, que queriam se assegurar a identidade judaica por meio de compromissos políticos, como

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Sacerdotes Fariseus e eruditos

nas sinagogas nos lugares d a an tiga história sagrada

nas celebrações fam ilia res João Batista e outro s pro fe tas

fo ra de seus esconderijos

rebeldes contra Roma

Jesus ensina

no d ia a di<durante as refeições em conjuntc nas loca lidades p re fe rid a s po r ele

Deus quer reunir Israel

todos que o buscavamja pecadores conhecidos

em ambientes de trab a lho nas ruas

pessoas da classe mais baix< pobres e abandonados

Judeus perguntam qua l a vontade de Deus p a ra Israel. Aparecem como mestres da fé ...

na te rra h a b ita d a no deserto

no tem plo no centro estudos de Qumran

Lugares de ap re n d iza d o da fé judaica nos tempos de Jesus

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dos elitizados essênios. Já os fariseu s se preocupavam com cotidiano dos judeus, como Jesus. Jesus enfrentou muitos conflitos com eles. Os evangelhos falam de discussões sobre a purificação e o sábado, questões importantes para a vida dos judeus, e isso apesar do fato de que a maioria dos cristãos na época do surgimento dos evangelhos já consistia de não judeus. Eles desenham a perfil de um Jesus mais cumpridor da Palavra do que os cristãos gentios posteriores.

Como o Talmude (baseado nos ensinos dos fariseus), também Jesus ensinava que pureza de culto e a pureza interior são inseparáveis e que o sábado era um bom presente de Deus ao ser humano.

É concebível que os fariseus ficassem ofendidos com a mensagem de Jesus - de que o reino de Deus já teria começado, justamente pelos des­prezados - e com sua comunhão à mesa com pecadores bem conhecidos.

Permaneceu vivo na lembrança dos cristãos, cuja maioria era de não judeus, o fato de Jesus ter enviado seus discípulos somente para Israel (Mt 10.5S). A questão da vontade de Deus para Israel impulsionou Jesus e também os essênios, saduceus, fariseus e apocalípticos. Mas ele não fazia essa pergunta como doutor da lei ou como profeta. Na verdade, ele anunciava o reino de Deus como uma realidade que já se fazia presente em suas palavras e seus atos.

Grande parte da singularidade das tradições a respeito de Jesus se explica pelo fato dele e seus discípulos pertencerem a um grupo social que não possuía nem escrevia livros. No entanto, o NT mostra como os

judeus simples eram versados em questões de fé. A cada sábado, judeus de todas as camadas sociais tinham a oportunidade de aprofundar seu conhecimento das Sagradas Escrituras, lendo e escutando as Escrituras Sagradas nas sinagogas.

A crucificação era a pena romana para os rebeldes. Provavelmente, Jesus teria aprovei­tado a festa da Páscoa, que atraía multidões de peregrinos a Jerusalém, para conquis­tar seu povo para seu ensino pacífico sobre o reino de Deus. Se Pilatos acreditasse que Jesus era um rebelde, teria sido obrigado a mandar prender também os seus discípulos,

• Os evangelhos surgiram depois da G uerra Judaica (6 6 -7 0 d.C.), mas refletem uma d ivers idade judaica que deixou de existir depois daque la catástrofe.

• Jesus queria curar a desunião de seu povo.

• Historicamente, está com provado que Pilatos mandou crucificar Jesus.

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que, pouco depois, pregavam a fé em Jesus abertamente em Jerusalém. É razoável imaginar que Pilatos temia que o entusiasmo por Jesus desenca­deasse um tumulto antirromano durante a festa que celebrava a liberta­ção do Egito; é concebível imaginar que as autoridades judaicas também quisessem prevenir esses distúrbios sociais. Alguns anos antes, Pilatos mandara matar galileus no templo (Lc 13.1) Os responsáveis pelo templo preferiram entregar Jesus a Pilatos, a fim de evitar o risco de uma nova profanação do lugar santo.

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❖ A IGREJA PRIMITIVA

Depois da crucificação e morte de Jesus, seus discípulos falharam até mesmo com a sagrada obrigação do sepultamento, para não serem presos e condenados como cúmplices de um crucificado.

Os discípulos de Jesus apareceram publicamente em Jerusalém meros 50 dias depois da morte de Jesus (At 2). O NT explica essa mudança de atitude com o fato de que Deus ressuscitou Jesus e encarregou os discí­pulos de testemunhar esse acontecimento. No entanto, os discípulos não retomaram a vida errante para a qual Jesus os chamara, mas permanece­ram em Jerusalém. Aparentemente eles compreendiam a morte de Jesus como um sinal de que Deus tinha novos planos.

A promessa de retorno de Israel a Sião (Is 40.çs) deve ter motivado Jesus a anunciar em Jerusalém a necessidade de se decidir pelo reino de Deus; afinal, ele certamente sabia do perigo que corria ali. Crendo que Jesus agora estava com Deus, como o “filho do homem” prometido em Daniel 7, pronto para implantar o reino de Deus, os discípulos conti­nuaram a tarefa de reunir seu povo do ponto onde Jesus tinha parado. Jesus tinha formado o grupo dos doze como um símbolo do povo de doze tribos, incluindo as tribos perdidas desde 722 a.C.; Pedro o renovou (Ati).

A igreja primitiva se considerava o renovo do Israel escatológico. Sua fé era reforçada pelo rápido crescimento, por experiências carismáticas e por curas. Judeus provenientes da diáspora que foram a Jerusalém se juntaram a essa comunidade. Na esperança que a reunificação do povo espalhado já começara, eles honravam o templo; no entanto também cul­tivavam os próprios símbolos de sua comunidade:

• o Pai Nosso, a oração que Jesus tinha ensinado;

o abba (aramaico: “pai”), a maneira que Jesus usava para dirigir-se a Deus;

a exclamação marana tha (aramaico: “vem, Senhor nosso!”), o pedido pelo regresso de Jesus;

o batismo e a ceia do Senhor.

O batismo, realizado por João como símbolo da conversão operada por Deus, passou a ser realizado “em nome de Jesus”, como símbolo da filiação ao Israel renovado conforme os ensinos de Jesus. A expressão

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em A ntioquia

A Imagens d a ig re ja prim itiva sobre o início e fim dos tempos

B Mudanças na m aneira de proceder d a ia re ja p rim itiva de Jerusalém

Entre 30 d.C. (morte de Jesus) e 32 d.C. (morte de Estêvão)

O g rupo dos doze, símbolo de to d o o Israel

Os doze, com Pedro, pertencem ao g rupo dos

os sete, com Estêvão, fo ram escolhidos dos

fa lan tes de aram aico den tre os fa lan tes de g re g o den tre os

cristãos judeus de Jerusalém

Missionários itinerantes

visitam os amigos de Jesus na Palestina.,

Depois de 32 d.C.

“ Três p ila res”Tiago, irm ão de Jesus,

Pedro e João

em Jerusalém jj

^-yOs doze se tornam novamente

missionários itinerantes

Os “ helenistas” expulsos iniciam sua missão entre os cjeqtios.

Depois de 43 d.C. (M orte de T iago Zebedeu): o g rupo dos doze se dissolve.

Tiago, irm ão de Jesus juntamente com

os mais velhos d a com unidadePedro, fu g id o de Jerusalém,

come com cristãos gentios.Polêmica sobre essa p rá tica

Busca de uma decisão pa ra resolver essa po lêm i^ flgj

6 2 d.C. M orte de Tiago

A ig re ja im itiva toma

p a ra si promessas dos pro fe tas

veterotestament»

Os povos pe re g rin a rã o

a Sião.

Na te rra já começou o re to rno de Israel a Jerusalém.

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unanimemente partindo o pão todos os dias (At 2.46) indica que um gesto cotidiano tinha se transformado em um ritual das ceias fraternas. Para muitos pobres da comunidade, estas tinham se tornado ao mesmo tempo a única refeição em que podiam matar a fome.

Os discípulos tinham deixado seus ofícios e propriedades na Galileia; além disso, a mensagem de Jesus continuava atraindo especialmente as pessoas das classes sociais mais baixas.

A renúncia espontânea dos ricos às suas propriedades socorreu os necessitados. Judeus da diáspora tinham feito reservas para quando fosse possível regressar a Jerusalém; agora, um vendia um terreno, outro colocava à disposição da comunidade moradias com bastante espaço para acolher peregrinos.

As notícias posteriores sobre a pobreza na comunidade de Jerusalém (At 1 1 .2 9 S ; G1 2 .10 ) mostram o quão pouco se pensava em uma segurança permanente.

Os membros da primeira comunidade eram provenientes de quase todas as tendências e camadas do judaísmo:

• Assim como os discípulos, pessoas simples da Galileia tinham abandonado lares e ofícios. Isto incluía também mulheres que se tornaram discípulas de Jesus e o haviam seguido desde a Galileia (At 1.14; cf. Mc 15.41).

Fariseus e sacerdotes (essênios?) que professavam Jesus (At 6.7; 15.5) podiam continuar sendo o que eram, desde que não rejeitas­sem os menos instruídos, que praticavam a lei com menos rigor.

Zelotes que haviam renunciado à violência traziam consigo seus ideais sociais. De acordo com Lucas 6.15, havia entre os doze um certo “Simão, conhecido como Zelote”.

• Mesmo assim, a prim eira comunidade de seguidores de Jesus surgiu logo depois de sua morte em Jerusalém, a c idade dos adversários de Jesus.

• Os “helenistas” formavam um grupo próprio. Em Jerusalém havia sinagogas de judeus que tinham retornado do exílio e que continuavam cultivando sua língua materna grega. A comunidade de Jesus respeitava a sua particularidade. Barnabé, que tinha formação grega (devido à sua origem de

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Chipre) e judaica (por ser 1 evita), intermediava entre os grupos lingüísticos (At 4 .3 6 ; 11.2 2S S ; 13 .1) .

Ao lado do grupo dos doze, logo surgiu um grupo de sete, composto por helenistas.

A aristocracia sacerdotal dos saduceus era inimiga da comunidade de Jesus. Convicto de que o culto no templo era o único sinal de recon­ciliação que Deus dera ao seu povo, esse grupo politicamente influente não tolerava que uma comunidade judaica anunciasse, justamente em Jerusalém, o início de uma nova época de salvação em Jesus.

Três golpes atingiram a igreja primitiva:

Em 32 d.C., o linchamento de Estêvão, porta-voz dos helenistas,

• Em 43 d.C., a decapitação de Tiago Zebedeu, que era um dos doze,

Em 62 d.C., o apedrejamento de Tiago, irmão de Jesus e líder da comunidade.

Os seguidores de Jesus entenderam também esses acontecimentos como sinais que Deus lhes estava indicando novos caminhos. E espantoso que eles, diferentemente do que Jesus tinha feito, começaram a fazer missões também entre os não judeus.

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❖ C r ist ã o s ju d e u s e c r ist ã o s g e n t io s

Quem pertence a Israel? O primeiro debate sobre essa questão se impôs aos cristãos logo em 32 d.C.

A razão para isso foi um conflito surgido entre judeus cristãos e judeus helenistas, provavelmente em torno do significado do templo (At 6.9). As ceias cristãs lembravam que Jesus tinha convidado os pecadores a participar de sua mesa como sinal da reconciliação com Deus. Será que além disso ainda seria um ritual de reconciliação no templo, ainda mais que seria executado por sumos sacerdotes não confiáveis? As críticas ao templo atingiam o âmago da fé judaica; o conflito escalou a ponto de causar o linchamento de Estêvão. Pilatos não interveio, e os inimigos da igreja primitiva aproveitaram a oportunidade para expulsar os seguidores helenistas de Jesus de Jerusalém. Os discípulos que tinham seguido Jesus por muitas regiões viram nisso um sinal de que não deveriam pregar a renovação de Israel no espírito de Jesus somente em Jerusalém. Eles se tornaram novamente missionários viajantes.

É possível que alguns nunca tenham abandonado essa forma de vida. A igreja de Damasco, visitada por Paulo logo depois da morte de Estêvão, possivelmente foi fundada por esses discípulos.

Fora de Jerusalém, apenas alguns poucos não judeus aceitaram a mensagem de Jesus; Atos 10 reflete como era difícil para os cristãos judeus aceitar os cristãos não judeus.

Helenistas expulsos de Jerusalém foram missionários em cidades gregas. Apesar de ensinarem em sinagogas judaicas, estas eram abertas a todos os tementes a Deus. Em Antioquia, a participação de não judeus nas ceias cristãs cresceu tanto que as pessoas começaram a chamar os seguidores de Jesus de “cristãos”, a fim de diferenciá-los dos judeus (At11.26).

Para os inimigos da igreja primitiva, que viviam em Jerusalém, isso era uma prova de que todos os cristãos desprezavam as leis sagradas do povo judeu. Herodes Agripa certamente se fez apreciado ao mandar decapitar Tiago (43 d.C.), um dos doze, acusando-o de quebrar a lei. Como líder da comunidade, Pedro correu perigo e fugiu para Antioquia. Um relato bíblico (At 12) conta a história de sua libertação.

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A n tio q u ia u l 1.19), c a p ita l d a província romana da Síria

Sidom (27.3)

P tolem aida (21.7)

cios cristãos em 6 6 d.C.

Samarii

Jerusalém

Lugares das obras de Jesus, prováveis comunidades prim itivas1 N a za ré ; 2 Caná; 3 C a farnaum ; 4 Corazim ; 5 Betsaida; 6 Naim ;7 Sicar; 8 Jericó; 9 Betânia

Comunidades citadas em Atos, fundadas 3 -4 anos depois da m orte de Jesus

Regiões onde se encontravam ta is comunidades

Missões dos helenistas

1 OOkm_l

Território de Herodes Filipos a té 34 d.C.

Território adm in istrado por Pilatos a té 36 d.C.

Território de Herodes Antipas a té 39 d .C

Decápolis, re g iã o das cidades helenísticas

Jope (9.36)

Lida (9.3i

Asdode ( 8 .4 0 ) /®

Damasco (G l 1.17)

ntes de 32 d.C.

Comunidades Cristãs fundadas entre 30 e 33 d.C.

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O grupo dos doze, símbolo da esperança por uma nova nação de doze tribos, nunca mais se completou. No entanto, as pessoas agarraram- -se à expectativa de que a decisão sobre a salvação definitiva viria sobre Jerusalém, a igreja primitiva precisava subsistir. O novo líder veio a ser Tiago, irmão de Jesus, cuja fidelidade à lei o tornava respeitado também entre os judeus (Josefo, “Ant.” 20.200).

Os acontecimentos em Antioquia mostraram como era difícil a convi­vência dos cristãos judeus com os cristãos gentios na igreja.

A resposta deveria ser definida no chamado concilio dos apóstolos. O relato mais antigo (G1 is) mostra a intensidade do conflito. Pedro tinha ceado com cristãos gentios em Antioquia, mas deixou de fazê-lo quando os cristãos de Jerusalém chegaram. O próprio Barnabé, que tinha con­quistado Paulo para as missões entre os gentios, votou pela separação nas refeições. Paulo insistiu no fato de que Deus tinha aberto um acesso próprio ao seu povo para os não judeus. O costume judeu de evitar a comunhão à mesa com pessoas que observavam os mandamentos de pureza do judaísmo ameaçou causar uma divisão.

De acordo com a compreensão judaica, na verdade não existe nenhum mortal que seja “puro” o suficiente para se apresentar diante de Deus. Mas os mandamentos de pureza do AT citam sinais

de pureza muito simples que satisfazem a Deus: abluções, regras sobre os alimentos e evitar grande proximidade com os “impuros”.

O conflito iniciado em Antioquia deveria ser decidido em conjunto com a igreja original de Jerusalém; de acordo com as indicações cronológicas de Gálatas 2.1, isso aconteceu em 48 d.C.

Trinta anos depois, o relato mais novo (At 15) conta como Tiago, que era fiel à lei, encontrou uma saída: as restrições alimen- tares não foram totalmente revogadas para os cristãos gentios, mas foram aliviadas. Ele baseou essa flexibilização do rigor judaico em uma promessa escatológica do AT, dirigida às nações.

• Quem pertence a Israel? O prim eiro deba te sobre essa questão se impôs aos cristãos logo em 32 d.C.

• A evangelização especificamente vo ltada aos gentios começou em Antioquia, cap ita l da província.

• Os gentios precisariam prim eiro se to rna r judeus pa ra que os cristãos judeus pudessem ter comunhão à mesa com eles?

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No entanto, as promessas escatológicas do AT não permitem definir claramente o relacionamento entre cristãos judeus e cristãos gentios. Os profetas anunciam que no fim dos tempos o Deus de Israel chamaria para si também os outros povos. O que valeria então: a palavra de Isaías 2.3, que diz que os povos aprenderiam a lei de Israel, ou a de Isaías 19.25, em que Deus chama os estrangeiros de “seus povos”?

As igrejas paulinas, por exemplo, não seguiam a recomendação de Tiago de evitar a carne sacrificada a ídolos (cf. 1C0 8.iss e At 15.20).

O conflito a respeito da comunhão à mesa se resolveu por si só quando os cristãos judeus foram reduzidos a uma pequena minoria.

A execução de Tiago (62 d.C.) e a dissolução da igreja durante a Guerra Judaica (66 d.C.) não foram motivos para buscar novas maneiras de fazer missões; o NT nem mesmo menciona estes dois acontecimentos.

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❖ Es c r it o s n e o t e s t a m e n t á r io s

Jesus pregou em aramaico, a língua cotidiana dos judeus da Palestina; o NT, no entanto, está escrito em grego.

Esta mudança de idioma não causava dificuldades na Palestina. Qualquer trabalhador na parte oriental do Império Romano tinha que entender grego.

Por isso, os relatos do NT pressupõem que um capitão romano ou Pilatos podiam conversar com Jesus naturalmente, sem necessitar de intérprete.

Constantemente chegavam a Jerusalém peregrinos cuja língua materna era o grego; muitos acabavam se mudando para lá. Com certeza as pessoas desse grupo que se filiaram à igreja primitiva também transmi­tiram a mensagem de Jesus em grego.

Ao serem expulsos de Jerusalém, esses “helenistas” levaram a mensagem de Jesus para as cidades gregas (32 d.C), contando com textos escritos para ajudar sua memória. Na busca por tal texto, os pesquisado­res modernos reconstruíram, a partir de Mateus e Lucas, a chamada fonte Q (do alemão Logiertquelle). Supõe-se que essa coleção de discursos de Jesus tenha sido anotada por missionários helenistas.

Para muitos judeus, o hebraico, usado apenas por eruditos, era a única língua válida para os textos sagrados. A mensagem de Jesus, no entanto, foi, desde o princípio, anunciada sempre na língua mais conhecida da respectiva região. Isso estava de acordo com a intenção de Jesus, que queria alcançar as pessoas em seu dia a dia.

Judeus que falavam grego também consideravam a Septuaginta como texto sagrado. Essa tradução grega do AT também tinha sido escrita no grego simples que depois das campanhas de Alexandre passara a servir de idioma oficial entre os diferentes impérios. Mas o koiné tinha se tornado o meio de expressão de uma mensagem de fé específica. Os autores neo­testamentários se basearam nele.

Em suas viagens, Paulo tomava conhecimento dos problemas das igrejas que ele fundara; mesmo distante, ele aconselhava, ensinava e preparava visitas. Uma geração mais tarde, a situação frequentemente tinha se alterado de tal forma que seus discípulos tinham justificativa para explicar os ensinos de Paulo novamente, em nome dele.

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Sete cartas “ gera is” (d ir ig idas a to d a a cristandade)

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O rga n izaçã o e extenção dos 2 7 textos do cânon do Novo Testamento

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O NT inclui sete cartas de Paulo; outras seis foram escritas por seus discípulos.

Enquanto viviam na esperança que Jesus voltaria logo para julgar o mundo, os cristãos não sentiam falta de uma narrativa coesa da obra de Jesus. A Guerra Judaica obrigou-os a reconsiderar essa expectativa imediata. Até então, Jerusalém tinha sido o centro de suas atenções; durante muito tempo, acreditavam que era o local escolhido por Deus para executar o que tinha preparado para seu povo. Quando a violência dos rebeldes que combatiam Roma escalou, eles deixaram a cidade.

Eusébio (séc. IV d.C., “Hist. Ecl.” III 5.3) informa que fugiram para Pela.

Em Jerusalém, Jesus defendera o surgimento de um novo Israel, e fora morto por isso.15 Quando os cristãos obedientes à mensagem pacífica de Jesus saíram de Jerusalém, todo o seu legado teve de ser reexaminado. O testemunho mais importante disso são os evangelhos.

Isto é indicado por:

Marcos 13.18: Não se sabe se seria necessário fugir de Jerusalém durante o inverno.

• Marcos 13.2: O autor esperava que o templo fosse demolido, mas ele foi incendiado.

Marcos 13.10S S recomenda fugir em tempo, e busca dar sentido à fuga: antes do fim do mundo, “é necessário que o evangelho seja

pregado a todas as nações”.

Marcos foi utilizado como base para outros dois evangelhos, mas permaneceu como uma obra autônoma.

Mateus tratou da questão do distan­ciamento entre judeus e cristãos iniciado depois da Guerra Judaica.

Lucas escreveu uma obra dupla, focado em questões históricas: o evangelho e os Atos dos Apóstolos.

15 [NE] Mesmo não tendo sido esse motivo real que levou Jesus à morte, foi o atribuído pelos sacerdotes que não entenderam tratar-se do estabelecimento de um reino espiritual e não físico como 0 esperado.

• O NT fo i re d ig ido na língua g rega cotid iana, conhecida como koiné.

• As cartas de Paulo são os textos mais antigos do NT (5 0 -6 0 d.C.).

• O evangelho mais antigo fo i escrito por Marcos (como considerado por muitos estudiosos) pouco antes da destruição de Jerusalém.

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João é testemunha de muitas tradições de Jesus que de outra forma não seriam conhecidas.

Todos os quatro evangelhos foram considerados importantes; não se viu razão para ajustar suas diferenças. Afinal, para os cristãos a autoridade não estava nos testemunhos escritos de sua fé, mas na pessoa a respeito de quem falavam: Jesus Cristo. Para os autores cristãos, até o século II somente os livros do AT eram considerados como Escritura Sagrada.

É significativo que os primeiros documentos que dão autoridade igual aos textos do NT surgiram na época em que a igreja de Roma rompeu com Marcião que rejeitava o AT (145 d.C.). Pouco depois, Justino menciona (“Apologia” I, 67, 3) que os cristãos escutavam tanto as “memórias dos apóstolos” (evangelhos) como os “profetas” (AT) no culto. No ano 367 d.C., Atanásio, bispo de Alexandria, cita, pela primeira vez, todos os 27 textos neotestamentários, em uma carta oficial. Em outras partes da cristandade, os limites do cânone neotestamentário ainda continuaram indefinidos durante muito tempo.

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❖ Hist ó r ia d o s t e x t o s do N o vo T e st a m e n t o

O NT é o livro antigo mais bem documentado; porém, não se conservou um “texto original”, uma vez que até o segundo século os escritos cristãos eram considerados testemunhos de fé muito valiosos, mas não documen­tos imutáveis.

Lucas e Mateus reescreveram textos de Marcos e também incorpo­raram uma coleção de ditos (Q), que depois desapareceu. As igrejas às quais Paulo escreveu consultavam essas cartas quando surgiam novos problemas; as lembranças da motivação original foram se dissipando. Várias cartas foram compiladas em um texto didático. O texto de 2 Pedro 3.16 documenta a precocidade com que cópias das cartas de Paulo começaram a ser disseminadas: o autor pressupõe que seus leitores sabiam o que Paulo ensinava em todas as suas cartas.

Quando os autores cristãos primitivos falam da “Escritura”, eles se referem sempre ao AT. Muito mais raramente se referem às “palavras”(!) de Jesus. A carta de Clemente (95 d.C.), p.ex., menciona mais de uma centena de citações do AT e somente duas da “palavra do Senhor”. Mas quanto mais distante se tornava a ligação com as primeiras testemunhas, mais importantes ficavam os testemunhos escritos. No ano 130, Papias defendeu Mc contra acusações de imprecisão. A preocupação com a con­fiabilidade do texto cresceu principalmente depois que Marcião produziu uma “Bíblia” a partir de textos do evangelho de Lucas e das cartas de Paulo dos quais expurgara as referências ao AT.

Os textos mais antigos são papiros, ou seja, folhas feitas a partir do junco (papiro), com inscrições na frente e no verso. Noventa e seis papiros (P.) datam dos séculos II a VIII; muitos são fragmentos minúscu­los. Eles foram numerados na ordem em que foram encontrados; o texto mais antigo (início do século II) foi o 52°a ser encontrado e é citado como P52.

Desde o princípio, os textos cristãos são conhecidos por abreviaturas especiais:

apo Th(eo) Ypater K(yrio) Y CH(risto)Y,

de Deus, Pai do Senhor Jesus Cristo.

Numa época em que a literatura gentia e judaica ainda usava rolos, os cristãos já utilizavam formas primitivas de códices. Cadernos feitos

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de várias folhas de papiro dobradas eram mais baratos e mais fáceis de esconder nos períodos de perseguição.

Hoje são conhecidos mais de 250 códices maiúsculos*6 com textos do NT dos séculos IV a IX. Eles são identificados por letras maiúsculas, pela ordem em que foram encontrados. A partir do século X, o custo dos pergaminhos (eram necessárias 50 peles de animais para conseguir 200 folhas) fez com que se desse preferência às letras minúsculas.

A reconstrução dos “textos originais” (crítica textual) parte dos manuscritos mais antigos. Na verdade, há 43 P. mais antigos, mas muitos deles contêm modificações arbitrárias e erros dos copistas. Depois do

século IV, essa variedade de formas textuais desapareceu de (quase) todos os manuscri­tos; restaram somente três tipos de textos.

Dois acontecimentos explicam essa uni­formização. Quando Diocleciano mandou destruir textos cristãos (303 d.C.), os cristãos com certeza entregaram P. copiados de próprio punho e esconderam as cópias importantes, feitas de maneira cuidadosa e destinadas ao ensino e ao culto. Quando Constantino legalizou o cristianismo (313), as novas igrejas precisavam de livros. A partir dos bons manuscritos salvos, os escribas produziram séries completas, e os bispos impuseram seu uso nas regiões sob sua influência.

Dos mencionados 43 P. mais antigos, é provável que os 20 próximos dos três textos unificados sejam manuscritos cuidadosa­mente guardados. Por exemplo: os versícu­los conservados no P75 (início do século III)

aparecem sem nenhuma modificação no códice Vaticanus (meados do século IV).

16 Idem ant.

17 [NR] A palavra não se refere à letra em caixa alta em si, mas ao estilo tipográfico usado com frequência em manuscritos bíblicos (caixa alta, sem separação entre palavras, sem pontuação, com parágrafos apenas para iniciar capítulos novos).

• Os textosneotestamentários foram editados.

• Até meados do século II, os cristãos consideravam somente o AT como Escritura S agrada .

• Os textos mais antigos são papiros.

• O NT só se conservou completo em códices de pergam inho do século IV, escritos em ca ixa a lta , as chamadas maiúsculas.17

• As primeiras traduções foram fe itas no finaldo segundo século, nas regiões de fronte iras do Império Romano.

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A leste do Eufrates, Tatiano escreveu, em siríaco, o “Diatessarori” (grego: “dos quatro”), que funde os quatro evangelhos.

Este está conservado em uma tradução para o alemão arcaico (século IX, “Heliand”), e em um comentário armênio do século IV.

No norte da África, moravam mercenários enviados por Roma, cuja língua em comum era o latim do exército. Surgiram aqui os precursores da “Vetus (velha) Latina”, conservada em vários códices posteriores.

No século V, as línguas nacionais se impuseram ao grego. No Oriente, surgiu a “Peshitta” e, no Ocidente, a Vulgata (respectivamente, do siríaco e latim para “popular”). Ambas se baseiam em cópias produzidas segundo a cuidadosa tradição dos escribas. A “Peshitta” substituiu a harmonia dos evangelhos de Tatiano; a “Vulgata” suplantou a multiforme “Vetus Latina”. Ambas as traduções são usadas ainda hoje nas igrejas orientais e ocidentais.

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Os evangelhos / Introdução❖ O GÊNERO LITERÁRIO "EVANGELHO"

Nos reinos helenísticos, o nascimento e a ascensão de um soberano ao trono eram celebrados com muitas euangelia (grego: “boa notícia”). O NT, no entanto, traz o termo euangelion apenas no singular e com artigo definido.

Esse termo deriva da versão grega de Isaías 52.7: o profeta prevê a chegada do “evangelista” (“mensageiro de alegria”) que anuncia o senhorio salvador de Deus. Não há salvação definitiva na História; os autores neotestamentários também sabem disso. Os textos mais antigos do NT, as cartas de Paulo (50 a 60 d.C.), trazem como evangelho apenas um único acontecimento histórico: a morte de Jesus na cruz; de resto, o evangelho é a mensagem da salvação que Deus preparou para a eterni­dade. Jesus, ressurreto dentre os mortos, vive junto a Deus e no final dos tempos salvará da morte todos os que lhe pertencem - aqueles que, de outra forma, seriam destruídos (íTs 1.5 e 10).

No entanto, as lembranças da vida terrena de Jesus nunca foram insignificantes na proclamação da mensagem cristã. Paulo registrou uma delas: em sua última ceia, Jesus interpretou sua morte nas palavras sobre o pão e o vinho (1C0 11.23). Mas somente Marcos apresentou as tradições dos feitos de Jesus em ordem geográfica e cronológica, começando pelo início na Galileia até a morte, em Jerusalém. A razão para isso deve ter sido o seguinte raciocínio: a Guerra Judaica tornara a pátria de Jesus inacessível e nesse meio tempo as testemunhas oculares tinham sido martirizadas:

Ano 43 d.C, o apóstolo Tiago,

Ano 60 d.C., Pedro, provavelmente em Roma, no contexto da per­seguição aos cristãos perpetrada por Nero,

Anos 62 d.C., Tiago, irmão de Jesus.

A partir do ano 66 d.C. (início da guerra), os cristãos abandonaram a Galileia e Jerusalém, confiando na mensagem de Jesus de que o reino de Deus se instalaria sem violência. Os cristãos espalhados pelo império romano deveriam ter pelo menos um registro escrito de como aquele em

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Para Israel o senhorio de Deus traz

aos lugares destruídos,aos prisioneiros.

A Na Septuaginta, em Isaías 40 .9 ; 5 2 .7 ; 61.1 encontramos o verbo: eúayyeXi£eiv anunciar as boas nova :-

A salvação de fin itiva vem de Deus através de Cristo

p a ra Israel e p a ra as nações

Deus o ressuscitou,e salva.Jesus fo i morto,

B N a missão cristã existe um conceito teo lóg ico preciso: anunciar o evangelho

O início do evangelho da salvação no fim dos tempos é a v id a histórica de Jesus

a té sua m orte na cruz

desde o batismo de João

Ao anunciar esse evangelho a todos os povos

se rea liza a salvação fina l

escrever o evangelho

le itura pública do evangelho

na re a lid a d e terrena.

C Com a p a la v ra “ evangelho” . Marcos se re fe re à un idade p a ra d o xa l

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quem criam tinha caminhado por sua pátria, da Galileia até Jerusalém, e anunciando ali ao seu povo o reino de Deus.

Somente alguns elementos isolados permitem uma comparação entre os evangelhos e a literatura de sua época:

• Em alguns momentos, o Talmude introduz seus ensinos com anedotas ou histórias de milagres. Os evangelhos trazem introduções semelhantes para os ensinos de Jesus.

• As biografias helenistas (p.ex., Plutarco) apresentam vida, comportamentos e ações de pessoas importantes. Os evangelhos fazem algo parecido, mas em vez de descrever a per­sonalidade de Jesus, eles mostram o que foi realizado por meio dele.

• As histórias veterotestamentárias de profetas eram familiares aos autores do NT. O estilo sóbrio da narrativa dos sofrimentos de Jeremias (Jr 36SS) pode ter influenciado o relato neotestamentário da Paixão. Motivos encontrados no ciclo Elias-Eliseu retornam nos relatos sobre Jesus: a escolha dos discí­pulos (Mc 1; íRs 19); a ressurreição da criança morta (Mc 5; 2Rs 5); o milagre da multiplica­ção dos pães (Mc 6; 2Rs 6s); a ascensão aos céus (At 1; 2Rs 2).

O esboço geral do evangelho de Marcos, no entanto, é algo inédito. Para Paulo, a morte de cruz é o único acontecimento da biografia de Jesus que pertence ao evangelho de Marcos descreve como a reivindicação de Jesus de que o reino de Deus tinha vindo por meio dele exigiu, desde o início de seu ministério, uma decisão a favor ou contra ele. Toda a obra de Jesus levou à crucificação e ressurreição.

• No NT, “ evangelho”(E.) é um term o teo lóg ico expressivo. A mensagem que Deus salvou o mundo de uma vez por todas por meio de Jesus Cristo é o evangelho.

• A obra de Marcos se tornou modelo pa ra a lite ra tu ra evangélica especificamente cristã.

• Do ponto de vista lite rá rio , o ineditismo do evangelho de Marcos está no fa to de uma b io g ra fia te r sido escrita como “ o evangelho” (Mc 1. 1).

• Do ponto de vista teológico, o aspecto inédito é que “ o evangelho” é contado como uma seqüência de acontecimentos do passado.

• Os evangelhos constituem um novo gênero lite rá rio também por serem destinados à leitura no culto a Deus, a inda que fossem textos mais recentes.

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Assim como para Paulo, também para Marcos “o E.” é a mensagem de salvação que Deus preparou há muito tempo para Israel e para os povos.

Para Israel (Mc 1.14 e Is 52.7); para os povos (Mc 13.10 e Is 66.19).

De acordo com Marcos, esta salvação definitiva se tornou fato histórico quando João batizou Jesus. Por isso, pregar o E. também significa contar a respeito da vida terrena de Jesus. Nisso se reflete o paradoxo da fé cristã: o fim dos tempos começa no meio da História. A ideia de viver no fim dos tempos torna-se guia para a vida cotidiana; a “boa nova” que a salvação definitiva já está presente dá coragem para entregar a vida (Mc 8.35; 10.29).

Desde o início, os cristãos liam os livros do AT como Escritura Sagrada, que lhes testemunhava como Deus tinha revelado sua vontade na história de Israel. Com a leitura dos evangelhos no culto teve início um processo que por fim levou à formação da Bíblia cristã com suas duas partes (o AT e o NT).

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❖ A TRADIÇÃO DOS SINÓTICOS

Marcos, Mateus e Lucas coincidem com tanta frequência que podem ser lidos como “sinóticos” (do grego, synopsis, “vista do conjunto”). A explicação mais razoável para isso é que o evangelho de Marcos, o mais curto, tenha servido de base escrita para Mateus e Lucas.

Mateus tem 10 6 8 versículos, Lucas, 1 14 9 , Marcos, 6 6 1. Apenas 2 0

versículos de Marcos não possuem paralelo em Mateus ou Lucas.

Mateus e Lucas trabalharam com o evangelho de Marcos indepen­dentemente um do outro, pois os textos só estão organizados da mesma maneira quando ambos seguem o texto de Marcos; os versículos adicio­nais que não constam do texto de Marcos encontram-se em contextos narrativos diferentes. Mesmo assim, em 230 deles há coincidências importantes, frequentemente literais.

Uma frase do Sermão do Monte, em Mateus 6 .2 4 , p.ex., que fala da escolha entre Deus e Mamon (aramaico: “luxo”), aparece em Lucas 16 .13 na parábola do administrador infiel.

Semelhanças tão exatas não podem ser fruto de tradição oral. A teoria da dupla fonte explica as concordâncias dos sinóticos: Lucas e Mateus se basearam em duas fontes:

Um exemplo: o discurso em Marcos 1.7S , com que João anuncia aquele que “vem depois” dele, aparece em Mateus 3 .7 - 10 e Lucas 3 .7 - 9 complementado com o mesmo discurso de juízo; no entanto, em Mateus ele se dirige contra os fariseus e saduceus, e em Lucas, contra o povo em geral.

Lucas incluiu textos da Fonte Quelle (Q) em dois blocos no texto base de Marcos: uma “pequena inserção” (Lc 6.20-8.3) no relato sobre os feitos de Jesus na Galileia; e uma “grande inserção” (Lc 9.51-18.14) no relato sobre a viagem de Jesus a Jerusalém.

Mateus intercalou o material da Fonte Q de forma isolada, coorde- nando-o com o assunto narrado.

Os textos de Mateus e Lucas que não se utilizam dessas fontes são chamados de material especial.

A reconstrução da fonte Q foi amplamente bem sucedida. Os eruditos estudaram diferentes versões dos ditos, ou logias, comuns a Mateus e Lucas e ausentes em Marcos, a fim de distinguir as características

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Evangelho de Mateus Evangelho de Lucas

C rono logia coincidente d a v ida púb lica de Jesus

desde os discursos a té os discursos de Jesusde João Batista sobre o fim dos tempos

I _______________________________________________________ í

Fonte Q(reconstrução hipotética)

Evangelho de Marcos

M a te ria l

M a te ria l I específicoj

A A hipótese das duas fontes: M arcos e Q são textos base pa ra Mateus e Lucas

Fonte Q

Pregação de João Batista

M ateus

3.1 -ó

aos fariseus 3.7-1 0>Lucas

%3 .2b -6

ao povo 3 .7 -9

às d iferentes classes sociais 3 .1 0 -1 4

A parece João Batista 1.1-6

Anunciação daque le que v iráe seu trab a lho na colheita

DiscussãoJesus-Satanás

3.1 1 s.

3.12

3 .13 e 16s.

Conversa João Batista — Jesus 3 .14s.

►4. 1-1 1

4.1 2s.

Cumprimento d a escritura 4.1 5s.

4 .1 7 <

4 .1 8 -2 2

(7.28)

h istória de João Batista 3 .1 8 -2 0

3.21 s. 4 Batismo de Jesus 1.9-11

G enea log ia de Jesus 3 .2 3 -2 8

4. 1-13

<Tentação de Jesus no

deserto 1.1 2s.

<2 Retorno de Jesus à G a lile ia 1.14

4 .43

Jesus em N a zaré 4.1 6 -3 0

5.1-11

M ensagem sobre o ino de Deus 1.15

4.31 s. <C//C ham ai

t____Puido dos discí­

pulos 1 .16-20

Jesus ensina em Cafarnaum 1.21 s.

B Trabalho de ed ição das perícopes iniciais de Q e M arcos po r Mateus e Lucas

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que devem ser atribuídas aos próprios autores ou não. Os “discursos originais” reconstruídos são citados de acordo na seqüência das “inserções” em Lucas.

A Fonte Q foi o texto cristão mais antigo. Os ditos da Fonte Q refletem a vida na Galileia no tempo de Jesus, com suas aflições políticas e econômicas,

em que era melhor resolver a pendência com o credor em particu­lar, antes que este buscasse um juiz (Mt 5.25; Lc 12.58),

e o ambiente rural e a economia doméstica,

nas imagens dos lírios do campo, das aves do céu, do pão, etc. (Mt 5 .22SS e par.; Mt 13 .3 3 e Par-! <lpar” refere-se às passagens paralelas nos outros evangelhos).

As acusações contra os fariseus seguem categorias judaicas, como “puro/impuro” (Mt 23.25 e par.); os gentios só aparecem como exemplos contrários à falta de fé de Israel (Lc 7 e par.).

Assim, a Fonte Q originou-se na Palestina, mas era um texto grego e não aramaico, e por este motivo também não repete as palavras exatas de Jesus. Mesmo no aspecto do conteúdo muita coisa não é característica da época de Jesus.

As perseguições (Mt 5.11 e par.) só começaram depois da morte de Jesus. Q fala delas usando uma expressão não familiar ao grego: “levar a sua cruz” (Mt 16.24 e par.).

A Fonte Q era um texto judaico cristão. A imagem do cristianismo refletida por ela difere claramente do que se apresenta nas cartas de Paulo (50-60 d.C.). Q enfatiza um Jesus fiel à lei; Jesus vence Satanás com ajuda da torá (Lc 4.1-13 e par.) e sabe que nenhum “pequeno ponto” cairá da Lei (Lc 16.17 e par.).

Já Marcos 13.31 enfatiza que as palavras de Jesus jamais passarão; cf. Lucas 21.33.

A Fonte Q não conhece o título “Cristo”; nela faltam a história da Paixão (e a ideia da força expiadora da morte de Jesus) e as imagens da ressurreição de Jesus.

As coincidências entre Marcos e Q se explicam pela tradição oral, que data de época ainda mais antiga. Dessa forma, Marcos e

• Além do material narrativo do evangelho de Marcos, Mateus e Lucas incluem logias (grego: “ ditos” ) de um texto perd ido , conhecido como Fonte Q.

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Q retratam uma seqüência da atuação de Jesus, que começa depois da morte de João Batista e termina com os discursos sobre o fim dos tempos. O discurso escatológico em Marcos 13 termina com a parábola do senhor que viaja para o exterior e deixa suas propriedades aos cuidados de seus empregados; Q termina com uma parábola semelhante, a do dinheiro confiado a terceiros (Mt 25 e par.). No ponto em que Lucas traz ambas as versões, pode-se reconhecer que Q e Marcos absorveram variações dos mesmos ditos (logia), o que é comum na tradição oral.

Para Lucas, a fonte Q é, evidentemente, uma das fontes históricas às quais ele se reporta (Lc 1.3) e que ele deseja infringir o mínimo possível.

Já Mateus funde partes duplicadas de Marcos e Q. Como Q, ele escreve para cristãos judeus que conheceram a terra natal de Jesus; possivelmente procurou corrigir Q para eles.

A comparação entre essas tradições variadas permite uma percepção de como teria sido o início da recepção da mensagem de Jesus.

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❖ D is c u r s o s de J e s u s

As palavras de Jesus nos evangelhos com frequência mostram quem ele era. Ele falava como um judeu simples da Galileia, que desejava con­quistar seus pares com sua mensagem. Ele não apresenta ensinos prontos, mas provoca.

As afirmações de Jesus são paradoxais: Quem quiser preservar sua vida, irá perdê-la. Provavelmente isso era o que os zelotes belicosos diziam uns aos outros: quem foge corre um risco ainda maior. Na boca de Jesus, essa “lei marcial” certamente tem outro significado: cada pessoa precisa descobri-lo por si mesma.

As figuras de linguagem apresentam as coisas da vida cotidiana em situações estranhas: quem colocaria “uma candeia acesa debaixo de um cesto”? As palavras de Jesus chamam a atenção, mas não fornecem a interpretação.

Muitos desses discursos pertencem à camada neotestamentária mais antiga, formada por tradições das quais beberam também Mc e Q. A “lei da guerra” é a expressão mais documentada (Mc 8.35; Mt 10.39; 16.25; Lc 9.24; 17.33). A figura da lâmpada aparece em Marcos 4.21; Mateus 5.15; Lucas 8.16 e 11.33.

As parábolas contam em poucas palavras um acontecimento surpre­endente, mas tão realista, que parece fácil determinar uma sentença. O que pensar de alguém que coleciona pérolas e vende tudo o que possui para comprar uma pérola bela (Mt 13 .4 5 S .)? Mas quem se dá conta de que o narrador da parábola é Jesus, que abandonou tudo por amor de sua mensagem, precisa reavaliar seu juízo.

O conteúdo de seus discursos é a realidade dos tempos de Jesus, apresentada de forma diversificada e exata. Menciona-se uma casa em cujo único cômodo há uma única lâmpada para todos os moradores, mas também um homem que deixa suas imensas posses aos cuidados de seus funcionários para poder viajar, como fazia Herodes Antipas quando ia para Roma. Os ensinamentos judaicos e helênicos da mesma época nunca usavam atividades femininas como ilustração; já os ditados duplos de Jesus citam o trabalho de homens e mulheres: buscar a ovelha/varrer a casa; semear/fiar; cuidar do jardim/assar o pão; escolher um odre de vinho/remendar um manto; investir dinheiro/vigiar a candeia.

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oprim em os povos estão d iv id id o s entre si, vestem roupas macias

Citado s p o r Jesus ... j j

„ como maus exem plos v p a ra a com unidade

de seus seguidores,

Homem da classe superior

ba tem à sua p o rta , um p o rte iro ab re , como bom senhor

p lan ta sua vinha, com valas, lagares, to rre , em prega tra b a lh a d o re s no tem po d a colheita,

em sua casa hab itam servos e servas, nom eia um de seus escravos como chefe dos outros,

em sua ausência devem aum entar seu ca p ita l, e le é justo e bom p a ra com seus servos,

tem muitos convidados aos banquetes em sua casa

Elite de erud itos: fariseus e escribas vestem túnicas longas, são encontrados nas c idades,

esperam que todos lhes saúdem e lhes reservem lugares d e honra, g ua rda m m eticulosam ente os m andam entos, acusam os

dem ais de não fa ze r, o que devem a seus pa is anciãos, p re fe re m tra z e r ao tem p lo

em imagens re lac ionadas

a Deus,

em polêm icas,

M o ra d ia :

Trabalho feminino:

Trabalho masculino:

A lim entaçã

Costumes:

Insegurança:

Famílias cam ponesas três gerações em uma casa,

que tem apenas um côm odo sem janelas, somente uma la m pa rina p a ra todos os m oradores,

fiam , va rre m , rem endam e enfe itam , acendem a luz, moem duas vezes o g rão , assam o pão , defum am e salgam ,

semeiam em terrenos mais ou menos fé rte is ( tr ig o e m osta rda), observam o crescimento dos caules, das espigas e dos grãos, com

a fo ice fazem a co lhe ita , queim am a e rva dan inha, cuidam das árvores fru tífe ra s e das vide iras, acumulam o esterco, pasto re iam

as ovelhas, buscam e salvam as d esg a rradas

fa rin h a d e tr ig o , levedura , pão , figos, uvas, pe ixe , ovo, sal, águ a , vinho (em odres)

conhecem as regras d o clim a, esperam encontrar um tesouro, ju lgam uns aos outros, em prestam e ava liam corre tam ente

enterram os m ortos, cantam lamentos, ba tem no pe ito , ce lebram casamentos, a o som d a f la u ta dançam ,

à vo lta d o m ercado brincam seus filhos

serviços forçados, são espancados, se arm am p a ra p ro te g e r suas casas contra os ladrões,

p re fe re m o aco rdo am igá ve l do que ir a o juiz, prisão ao d e ve d o r a té que pag ue suas d ív idas,

aos end iv id ados se lhes tom a tudo que têm

em discursos sobre a conduta hon rada

no re ino d e Deus

M estres itinerantes e seus discípulos

não tra b a lh a m , d e ixa ra m suas fam ílias, dependem d a hosp ita lidade ,

saúdam e dese jam a paz, seus pertences (discípulos de Jesus possuem menos):

va ra , sacola com pão , d inhe iro no cinto, segunda camisa, sandálias

________ -____________________________4>M a rg in a liza d o s

indigentes, necessitados, cegos, a le ijados , leprosos

em p a lavras aos segu idores

em promessas

Aspectos d a v id a social na G a lile ia , a p a r t ir d e discursos de Jesus em M arcos e Q

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Com frequência, o objetivo dos discursos é a justificação. Jesus dá preferência aos desprezados, pois os sãos não precisam de médico. Ele não exige penitência, mas celebra um banquete de reconciliação, pois “num casamento não se jejua”. Ele adverte os discípulos que comparti­lham sua vida errante a não ter saudades de casa: “quem põe a mão no arado, não olha para trás”.

Esse tipo de discurso busca concordância; o ouvinte deve segui-lo baseado em suas próprias experiências.

O tema de todos os discursos é o “reino de Deus”. Os judeus conheciam o significado disso a partir de suas Escrituras Sagradas: Deus resistirá a todos os poderes sinistros e curará todas as feridas da criação e da História. Essa esperança era interpretada de maneiras muito diferentes:

Os fariseus esforçavam-se para cumprir todos os mandamentos, para que o senhorio de Deus já presente em Israel ganhasse espaço.

Os zelotes lutavam para que Israel pudesse viver livre de leis estrangeiras.

Os apocalípticos esperavam tudo de Deus; ele destruiria o mundo corrompido e instauraria seu reino.

A novidade nos discursos de Jesus não estava apenas na forma, mas no conteúdo da sua apresentação sobre o Reino de Deus. O reino da justiça de Deus já está presente na vida cotidiana, sem que as pessoas precisem cumprir pré-requisitos políticos ou religiosos. É preciso aceitá-lo com a mesma naturalidade com que um filho amado aceita aquilo que necessita para viver (Mc 10.15).

As parábolas sobre crescimento explicam que os primórdios escon­didos do reino de Deus transformam tudo de maneira irresistível. Um pouco de fermento é suficiente para levedar três medidas de farinha, transformando-a em massa boa para assar pães que se conservassem bastante tempo (Mt 13 .33S . e par.).

Os discursos proféticos de Jesus, com exigências duras, são ao mesmo tempo conselhos sábios. “Amarao inimigo” (Mt 5.44), ou seja, melhorar as condições de vida do adversário, sempre era considerado como uma boa política dos mais fortes (cf. a doutrina egípcia citada em Pv 25.21). Mas Jesus exige que os fracos renunciem a violência contra seus opressores; para os oprimidos, pode ser prudente entregar ao agressor mais do que ele

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exige, de forma aberta e destemida (Mt 5 .39 S S ). Acima de tudo, porém, a reação violenta é nova injustiça e, por isso, não pertence ao reino de Deus, que cura a injustiça. Quem procura indenização por uma injustiça sofrida (“olho por olho, dente por dente”) atrasa o progresso do reino de Deus; Jesus adverte que o próprio Deus providenciará a compensação: não julgueis, para que não sejais julgados. Jesus compara o início do reino de Deus com uma crise aguda; a decisão não pode mais ser adiada.

As bem-aventuranças, em geral usadas para saudar os justos por suas vidas bem-sucedidas (por exemplo: SI 1), valem para os pobres. Se eles evitarem a “ansiedade” (Mt 6.25), isto é, a preocupação com as necessidades da vida, que facilmente impele as pessoas oprimidas a atos de violência, suas vidas serão modificadas. Jesus dá um exemplo muito concreto quando propõe que um empreste ao outro sem esperar devolução.

Os ais dos profetas veterotestamentários antecipam de modo ameaçador os alentos fúnebres por aqueles que levam Israel à desgraça (Mq 2.1). Os ais de Jesus se dirigem contra os ricos, que não reconhecem que precisam de ajuda.

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❖ Feito s de J e s u s

No começo dos movimentos religiosos muitas vezes há fenômenos carismáticos. Isso também vale para o cristianismo primitivo. Mas Paulo só menciona os “milagres” que o identificariam como verdadeiro apóstolo ao ser forçado a fazê-lo (1C 012.12), e nunca recorre a tais habilidades para promover a mensagem cristã. Ele tinha razão para tal. As cidades helênicas onde ele atuou como missionário apreciavam as histórias dos feitos mara­vilhosos de “homens divinos”. Em Atos 4 .8 SS Lucas conta o efeito que uma cura milagrosa teve em um contexto semelhante: provocou admiração pelo autor do milagre, mas não disposição para ouvir a pregação de Paulo.

Já nos evangelhos há muitas situações que lembram o ambiente total­mente diferente da Palestina rural, por onde Jesus caminhou. Os milagres tiveram grande importância na pregação de Jesus; nesse ambiente, eles eram vistos como intervenções de Deus para ajudar seu povo necessitado.

Muitos estrangeiros viviam na fértil Galileia. As pequenas empresas familiares dos judeus não conseguiam competir com as formas econô­micas bem mais eficientes dos gregos. No campo, os agricultores judeus empobreciam, enquanto nas cidades os estrangeiros enriqueciam às custas das fazendas que antes tinham pertencido a judeus.

Jesus evitava as cidades; no campo, ele era rodeado por deficientes físicos, cegos, mendigos e doentes indefesos.

Os judeus, que empobreciam em sua própria terra, experimentavam a supremacia dos estrangeiros como se tivessem sido esquecidos por Deus. Vários deles pensavam estar dominados, “possessos” por forças malignas.

Os relatos de exorcismos falam de um Jesus que pensava da mesma forma. Demônios o atacam, mas ele os expulsa das pessoas que haviam possuído. As ideias apocalípticas estão bem vividas aqui. João Batista tinha anunciado o juízo da ira de Deus às pessoas cheias de justiça própria; Jesus executa essa ameaça em relação aos “espíritos impuros” (contrários a Deus).

Nos relatos de curas, Jesus se comporta de maneira diferente. Gestos simples de atenção mútua são sinais de que Deus revela seu poder. Jesus toca os enfermos e permite que eles o toquem. Quem busca socorro participa da cura; Jesus explica aos agora saudáveis que a fé deles mesmos os ajudou. As pessoas trazem seus doentes a Jesus e essa fé vicária opera

Page 321: Atlas da bíblia     annemarie ohler;  tom menzel

F C idade

I V ila mencionados no evangelho como lugares onde Jesus esteve:

A V ilas e c idades na G a lile ia e re g iã o na época de Jesus

Jesus fa la aosespecialmente sem d ign id ade ,

com açoes simbólicas e...

Jesus e os fariseus querem renovar Israel

na fid e lid a d e das trad ições sag rada s .u

Eles andam pelas vilas... eles ensinam a santidade

no d ia a d ia em discursos públicos

Os fariseus se ded icam a pa rticu la ridade s do judaísmo.

... e cidades,

Jesusencoraja homens e mulheres que trab a lha m arduam ente a com partilha r sua v ida itinerante.

po r issoJesus atua de m aneira que as pessoas o compreendem:

busca contato com publicanos e pecadores, toca enfermos, expulsa demônios.

-------- --------------- Fariseusensinam os homens a serem tã o puros na v id a cotid iana quanto os sacerdotes no templo.

Estão convencidos de que Deus quer estar presente em Israel, 1

Jesus se hospeda em casas de fariseus,

deb a te e conversa com eles.

-----------—— — -V p o r issoos fariseus evitam todas as pessoas que, como “ impuros” , não podem entrar no templo:

os publicanos,que lidam com os gentios,doentes,que sofrem de supurações.

B Jesus e os fariseus: semelhanças e diferenças

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cura. Diante de Jesus, as pessoas se sentem parte do povo de Deus, no qual uns ajudam aos outros.

O fato de tanto discípulos quanto não discípulos participarem do poder milagroso de Jesus (Lc 10 .9 e par.; Mc 3 .14 ; 9 .3 9 ) é considerado como sinal que confirma a renovação de Israel. Somente três relatos falam dos milagres de Jesus na vida de estrangeiros e mesmo estes três enfatizam que Jesus socorre primeiro seu próprio povo. Jesus se mantém longe dos doentes não judeus; na verdade, os próprios gentios pedem que Jesus saia de perto deles (Lc 7 .6 S ; Mc 5 .18 ; 7 .2 4 S S ).

Era estranho que Jesus buscasse a renovação de Israel em pessoas sem estudo. Ele mesmo era carpinteiro; ele buscou seus discípulos nesse mesmo grupo social. No grupo dos doze, formado como símbolo das doze tribos de Israel, havia pescadores e camponeses, além de um publicano que trabalhava para Roma e um zelote que lutara contra Roma. Sua con­vivência com pessoas consideradas pecadoras era de fato escandalosa.

Por meio de seus atos e também de suas palavras Jesus exige uma tomada de posição contra ou a favor de si. São ações simbólicas e profé­ticas que demonstram, de maneira concreta, que o reino de Deus já está sendo implantado por meio de sua atuação. Ele ensina com “autoridade”

(Mc 1.22) e expulsa os demônios com o “dedo de Deus” (Lc 11.20).

As parábolas e discursos de Jesus, seus milagres e seu empenho em favor dos des­favorecidos proclamam uma só mensagem:

As palavras de Jesus, que convidam a trabalhar para o reino de Deus e buscam discípulos, se dirigem a pessoas esforçadas e trabalhadoras; as parábolas e dizeres de Jesus têm origem em suas próprias experiências.

Já os milagres de Jesus alcançam as pessoas que não conseguem mais cuidar de si mesmas.

Ambas as camadas de tradições são marcadas pela mesma convicção que também está no centro das Sagradas Escrituras de Israel: no povo de Deus, os menos favore­cidos têm lugar de honra. O AT conta que

• As histórias milagrosas neotestamentárias refletem a crise da sociedade judaica na te rra nata l de Jesus.

• As histórias de m ilagres fa lam de um Jesus que cura o Israel despedaçado.

• Os evangelhos descrevem um Jesus que, por sua p róp ria e surpreendente competência, se d iferencia muito dos judeus tradicionalistas.

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a história de Israel começou com a sua libertação do jugo egípcio, pois o Deus de Israel fica indignado quando pessoas são oprimidas. Jesus se empenha em favor dessa antiga crença de seu povo e a interpreta de maneira concreta, com suas palavras e ações, para o povo judeu de sua época, profundamente inseguro na terra da Palestina.

Page 324: Atlas da bíblia     annemarie ohler;  tom menzel

❖ A Pa ix ã o I

Roma só aplicava a cruel e humilhante pena da crucificação pública a escravos e a não romanos condenados por rebelião política. Para os judeus, o crucificado era um maldito; ele tornava o país inteiro “impuro”.

De acordo com Deuteronômio 21.23, 0 corpo de um condenado devia ser enterrado no mesmo dia de sua morte. Teria sido para cumprir esta lei que o nobre judeu, José de Arimateia (não men­cionado em nenhuma outra ocasião), foi a Pilatos pedir o corpo de Jesus (Mc 15.43)?

Os seguidores de Jesus analisaram a morte na cruz com muita precisão.

Lugares: Betânia, Betfagé, Getsêmani, o “Pavimento de Pedra” (hebr. Gabatá) do palácio de Pilatos, Gólgota;

Testemunhas do acontecimento: Simão, o cirineu, José de Arimateia, mulheres galileias, algumas citadas por nome;

• Personagens históricos: Anás, Caifás, Pilatos.

A cronologia não é uniforme; dificilmente será possível esclarecer o motivo disso:

De acordo com Marcos, Jesus foi crucificado na sexta-feira que iniciava a festa da Páscoa judaica, e ficou pendurado na cruz da terceira até a nona hora (das çh às 15b).

De acordo com João, Pilatos proferiu a sentença de morte ao meio-dia de uma sexta-feira anterior à festa.

Há muitos detalhes que os cristãos dificilmente teriam dito caso não tivessem realmente acontecido assim. Um dos doze traiu Jesus; Pedro o negou; os discípulos fugiram. Somente algumas mulheres que seguiam a Jesus ficaram para ver o que aconteceria, ainda que elas também corressem perigo.

É certo que desde o início as intenções de interpretação determi­naram a escolha dos detalhes incluídos na narrativa:

Jesus é preso à noite; o sinal da traição é um beijo; ele recusa a bebida entorpecente; ao seu lado são crucificados dois ladrões; uma inscrição na cruz informa o crime: “Rei dos Judeus”... Pelo mesmo motivo, os narra­dores acrescentaram cenas das quais provavelmente não havia testemu­nhas: a oração solitária de Jesus no jardim; as conversas no Sinédrio e na casa de Pilatos.

Page 325: Atlas da bíblia     annemarie ohler;  tom menzel

—[T I— ► ! Betônio

Jesus

m va i três vezes de Betâniaao tem plo

LU expulsa os comerciantes

m ensina no á trio do tem plo

a caminhando, ensina seus discípulos

EU ce lebra a última ceia

r a ora no M onte das O live iras

m é condenado pelo sumo sacerdote

c i é conduzido a Pilatos

ü é conduzido a Herodese novamente a Pilatos

m é levado ao p re tó rio

m é cruc ificado no G ó lg o ta

r a é sepu ltado na re g iã o próxim a

aam a*cle 630m 720m 75 Om

A Os últimos caminhos de Jesus de acordo com os Sinóticos

Domingo

Segunda--fe ira

Terça--fe ira

Q u a rta --fe ira

Q uinta--fe ira

Sexta - - fe ira

9 horas 12-15 horas

S ábado

Domingo

Jesus vem a Betânia e Betfagé,entra em Jerusalém m ontado num jumentinho,visita o tem p lo e volta a Betânia

Va i p a ra Jerusalém, expulsa os comerciantes do templo, à noite d e ixa a c idade.

Vai p a ra Jerusalém, chega ao tem plo, ensina publicamente, sai do tem p lo ; ensina os discípulos no M onte das O live iras.

2 d ias antes da Páscoa, as au to ridades judaicas decidem po r sua morte.

Refeição em Betânia

Os discípulos vão a Jerusalém p re p a ra r a Páscoa,Jesus chega ao f in a l da ta rd e .

Depois d a re fe ição vai p a ra o M onte das O live iras; é preso e levado à casa do sumo sacerdote.Pedro vem ao p á tio d a casa do sumo sacerdote; o g a lo canta.

A o amanhecer Jesus é levado a Pilatos,soldados o levam ao Pretório,levam-no a o G ó lg o ta , crucificam -no na 3a hora.

Entre as 6 e 9 horas há trevas; Jesus m orre na hora nona.

Ao fim do d ia José de A rim a te ia o sepulta.

Sábado, d ia de descanso.

C edo de manhã, as mulheres querem em balsam ar o corpo de Jesus.

M arcos 11.1 11.1 1

1 1.12 e 15 1 1.19

1 1.20 e 2713.1 e 3

14.1

14.3

14.12 e 16 14.17

14.26 e 3214.5314.54 e 72

15.115.16 e 20 15.22 e 25 1 5.33s.

15.42ss.

15 .42 ; 16.1

16.1

B A última semana da v id a de Jesus: lugares e horários no evangelho de Marcos

Page 326: Atlas da bíblia     annemarie ohler;  tom menzel

As questões relacionadas à culpabilidade na morte de Jesustêm relevância até hoje. De forma unânime e historicamente confiável, os evangelhos informam que as autoridades judaicas entregaram Jesus a Pilatos, para que este o condenasse. Com certeza também é verdade que tentariam ocultar isso do povo durante o maior tempo possível.

Marcos estiliza a audiência no Sinédrio, narrando-a como sessão ordinária de um tribunal; mas era proibido mantê-las à noite. Lucas deve estar mais próximo da verdade: Jesus foi entregue a Pilatos depois de uma decisão informal. O NT diz que o Sinédrio como um todo condenou a Jesus, mas menciona somente “saduceus, escribas e anciãos”, deixando de fora os fariseus, que também participavam e votavam no conselho.

Mesmo em Jerusalém, os fariseus e herodianos, opositores de Jesus na Galileia, se limitavam aos debates (Mc 12 .13S S ). No entanto, de acordo com João 18 .3 , os “guardas dos fariseus” também participa­ram da prisão de Jesus.

A elite de Jerusalém se considerava guarda do templo e por isso ficava atenta ao modo de vida dos judeus, pois os “impuros” não podiam entrar

no templo. A pessoa ficava “impura” ao comer determinados alimentos, mas também pelo simples contato, mesmo involuntário, com outra pessoa que estivesse “impura”. Quem podia comer o que, na companhia de quem? Tais questões interferiam com a vida cotidiana.

Os responsáveis pelo templo e por toda a ordem de vida dos judeus se sentiam afron­tados pelo fato de Jesus alimentar multidões sem buscar saber quem estava comendo; mais ofendidos ainda ficavam com o fato de Jesus aceitar convites de “impuros” para refeições. O principal motivo para a fúria das autoridades religiosas contra Jesus foi a rei­vindicação deste de que a soberania salvífica de Deus se cumpria por meio dos atos dele. Afinal, eles estavam convencidos que o único meio de salvação que Deus dera a Israel era o culto no templo realizado de acordo com

• O re la to da p a ixã o é a m aior unidade narra tiva do NT. Neste aspecto, os sinóticos e Jo coincidem mais do que em outros relatos, além de c ita r muitos detalhes que não aparecem em nenhum outro lugar do NT.

• Os responsáveis pe la prisão e entrega de Jesus não foram os judeus em si, mas os representantes das aristocracias sacerdotal e laica.

• Havia razões políticas e religiosas pa ra entregar Jesus ao Estado romano.

Page 327: Atlas da bíblia     annemarie ohler;  tom menzel

todas as prescrições das Escrituras. Sendo assim, é perfeitamente com­preensível que o sumo sacerdote exigisse a morte de Jesus, uma vez que este declarara praticar suas obras em nome de Deus (Mc 14.62).

Não haveria um risco para a identidade judaica se o povo guiado por Jesus deixasse de seguir os mandamentos sagrados? Não estaria em perigo a paz entre romanos e judeus se a definição do verdadeiro Israel não partisse da elite disposta ao compromisso, mas de uma multidão de seguidores entusiasmada com Jesus, o ajudador dos pobres? A afirmação de Jesus a respeito de sua missão podia ser interpretada de forma política, e isso foi suficiente para que as autoridades judaicas convencessem Pilatos a ordenar a pena de morte.

No entanto, os relatos do NT mostram que Pilatos não estava nem um pouco convencido das intenções políticas de Jesus. Não estaria ele muito mais interessado em manter um bom relacionamento com a aristocracia judaica do que fazer justiça a um indivíduo?

Page 328: Atlas da bíblia     annemarie ohler;  tom menzel

❖ A Pa ix ã o II

A cruz, instrumento de execução vergonhosa, tornou-se o símbolo da bênção cristã. Os evangelhos iniciam essa reinterpretação com reflexões sóbrias. As lendas dos mártires em 2Macabeus 6s exaltam a coragem dos que morreram por sua fé enaltecendo as torturas a que foram submetidos. O NT fala sobre o sofrimento de Jesus e diz apenas que ele foi açoitado e crucificado.

Da mesma forma como o sofredor justo dos salmos, Jesus é abando­nado pelos amigos e traído por um companheiro de refeições; os inimigos planejam sua morte; eles o maltratam e zombam dele, dão-lhe vinagre para beber, dividem suas roupas entre si. Abandonado por Deus, Jesus clama ao Pai.

(SI 38.12/Mc 14.50; SI 41.10/Mc 14.18; SI 42.6/Mc 14.34; SI 69.22/Mc 15.36). As referências ao Salmo 22 são especialmente densas.

Assim como o “servo de Deus” do Deuteroisaías, Jesus é escolhido por Deus, desprezado pelas pessoas. Jesus toma o sofrimento sobre si de forma voluntária; cala diante das acusações, é entregue, contado entre os criminosos e morre por muitos.

(Is 53.10/Mc 14.24; Is 53.7 /M c 14.61; Is 5 0 .6 /M c 14.65; Is 53.8S/MC 15.27; Is 53.11SS/MC 14.42).

Da mesma forma como o rei humilde de Zacarias 9-14, Jesus vem montado num jumentinho, dá seu sangue por Israel, é vendido por trinta moedas de prata e é o pastor assassinado cujas ovelhas fogem.

(Zc 9.9/Mc 11.7; Zc 9.11/Mc 14.24; Zc 11.12/Mc 27.3; Zc 13.7/Mc 14.27).

Essa fusão das três figuras veterotestamentárias só aparece no NT. No AT, as três figuras são acompanhadas por imagens de esperança:

Os salmos de lamentos normalmente terminam com louvor a Deus, aquele que salva a vida dos justos.

Deus permite que seu servo, já sepultado, “veja a luz” (Is 53 .9 S ).

Zacarias 14 .9 vai ainda mais longe: somente Deus será rei em toda a terra. Não haverá mais destruição.

Com certeza os autores neotestamentários conheciam esses motivos de esperança, mas não aludem a eles.

Page 329: Atlas da bíblia     annemarie ohler;  tom menzel

o pastor, que guia Israel, como nas visões do fina l dos

1 Samuel 1 6 Jeremias 31 Daniel 7Israel espera liberdade Deus espera que Israel, As pessoas esperampolítica do rei ungido seu filho, preserve o fim dos poderes mundiaiscom o espírito de Deus. sua herança. “ ferozes” com o filho

do Homem.

\ _ ________ v 7Jesus de Nazaré

Rei dos Judeus ----------- 7--0

“ Deus meu, Deus meu, por que me desamparaste?”

O rei crucificado é o ungido. Jesus é o “ Cristo” .

Aquele abandonado por Deus e pelos homens

é o filho de Deus.

Aquele que foi humilhado virá como

o Filho do Homem.

B Reinterpretação dos títulos veterotestamentários

Page 330: Atlas da bíblia     annemarie ohler;  tom menzel

O fundamento para a interpretação cristã da história é a certeza de que, ao morrer, Jesus trouxe vitória ao plano de Deus para salvar o mundo. A história da paixão apresenta este conceito em seu momento decisivo, quando a sentença de morte é pronunciada (Mc 14.61 e par.).

Como título para Jesus, “Cristo” (do grego: “ungido”) aparece mais de 500 vezes no NT, mas nunca pela boca do próprio. “Ungido” (hebraico: “mashiach", que em grego é pronunciado como “messias”) é o título veterotestamentário dado aos reis de Israel “ungidos” com coragem. Na época de Jesus, a esperança por um Israel livre e unificado sob um “Messias” alimentou rebeliões contra Roma. Mas Jesus promulgou uma coragem sem violência, especialmente ao pregar esta mensagem em Jerusalém e morrer ali. Depois disso, seus discípulos entenderam a inscrição na cruz - “Rei dos judeus” - como referência ao título vetero­testamentário e passaram a exaltá-lo como “o Cristo”. Para o pensamento judaico, no entanto, a ideia de um Messias crucificado não fazia sentido. Provavelmente o termo “cristão” foi, inicialmente, uma forma pejorativa de se referir aos que acreditavam nisto.

No AT, “Filho de Deus” refere-se às vezes ao povo de Israel (Êx 4.22; Jr 31.9). Essa metáfora tem como base a mentalidade dos povos agrícolas, em que os pais esperavam que o filho continuasse a trabalhar a terra que lhe seria dada por herança. Jesus compreendia seu empenho pelarenovação de Israel como seu trabalho na “herança” de Deus. A históriada Paixão conta que, no Monte das Oliveiras, longe dos seus discípulos, Jesus chamou Deus de abba (aramaico: “Pai”) (Mc 14.36). Os narrado­

res não tinham como saber a respeito dessa oração feita em solidão; com essa cena, eles antecipam a solidão do Crucificado, que foi obrigado a ver que, além dele, não sobrara ninguém desta “família” dos discípulos, que devia ser o início de um novo Israel. Os cristãos interpretam essa situação chamando a Jesus de “o Filho de Deus”.

Os concílios dos séculos IV a VI ampliaram essa ideia: Jesus, que provou ser um bom filho, é o Filho de Deus

“Filho do homem” (aramaico para “ser humano”) deve ter sido uma maneira

• Os narradores apontam para o significado do sofrimento de Jesus por meio de alusões a textos do AT.

• O p róp rio Jesus te ria provocado a sentença de morte ao ace itar pa ra si os três títulos que exaltam seu pape l central no plano de Deus.

Page 331: Atlas da bíblia     annemarie ohler;  tom menzel

humilde que Jesus usava, às vezes, para referir-se a si mesmo. Diante do sumo sacerdote, no entanto, que buscava motivo para condená-lo à morte, Jesus ameaça com a vinda do “Filho do homem” que instauraria o reino de Deus no final dos tempos {Dn 7). Jesus estava familiarizado com as ideias apocalípticas; talvez ele tivesse entendido seu sofrimento como parte do final dos tempos. Os narradores neotestamentários combinam a ideia do “homem” Jesus com a do “Filho do homem” que virá, usando para ambas uma fórmula incomum no grego: “filho de um homem”. Eles estão convictos de que o mesmo Jesus que sofreu uma morte humilhante no final julgará o mundo.

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❖ Relato s da Re s su r r e iç ã o

Jesus tem relevância na História universal porque as pessoas acreditam que ele está vivo e presente. Os evangelhos relatam o surgimento dessa fé em relatos individuais enumerados de forma livre. Não é possível recons­truir a partir deles uma seqüência de acontecimentos posterior à morte de Jesus; a ressurreição em si é omitida. Todos os textos neotestamentá- rios reconhecem que Jesus vive, mas nenhum conta como ele ressuscitou.

O comportamento dos discípulos é contado de maneira crítica:

Marcos 16: apavoradas com a mensagem do anjo, as mulheres fogem do sepulcro.

Lucas 24: as mulheres anunciam a mensagem, mas os apóstolos não acreditam nelas.

Mateus 28: o Ressuscitado aparece, os discípulos o homenageiam e também duvidam.

João 20: Maria procura com tanta intensidade pelo Jesus morto que não reconhece o Cristo vivo.

Quando Jesus morreu, seus discípulos voltaram frustrados para sua terra, a Galileia.

Assim se explica o fato dos relatos da ressurreição se passarem na Galileia (Mt; Jo 21).

A decepção é compreensível. Jesus tinha dito que Deus prevaleceria contra todo o mal nos lugares onde Jesus atuara. Sua morte aparente­mente contradizia isso. O pensamento judaico natural seria honrar Jesus como mártir, crer que Deus o consolava e anunciar sua mensagem sobre a renovação de Israel. Mas os discípulos proclamavam que Jesus tinha se manifestado a eles vivo.

A exclamação “Maranata!” (aramaico: “Vem, Senhor nosso!”, 1C0 16.22) é o testemunho mais antigo de um significado de Jesus cujo conceito não tinha sido preparado durante a sua vida terrena. A comunidade primitiva, que falava aramaico, já invocava a Jesus da mesma maneira que os judeus invocavam a Deus: como aquele que vive, vem e salva. Ao mesmo tempo, também se transferiu para Jesus a antiga esperança que Deus finalmente entregaria o domínio do mundo a um “homem” (Dn 7).

“Deus o ressuscitou”/“ele foi ressuscitado” são as formas neotesta- mentárias mais freqüentes para a nova convicção dos discípulos de Jesus.

Page 333: Atlas da bíblia     annemarie ohler;  tom menzel

Em vão foram procurá-lo no sepulcro

Jesus se apresenta prim eiram ente

às mulheres

Jesus se apresenta em Jerusalém...

Jesus se apresenta na G a lile ia ...

a discípulos, cuja fé está a g o ra vacilante, e novamente os envia a pregar.

M arcos 11 6.1 -8 r

João

IS | 28.1-8 28.9-10 |

|2 4 .1 - ll |

20.1-9 20.11-1 8j

24.13-3524.36-5320.19-2320.24-29

A Os relatos d o surgimento d a fé na ressurreição de Jesus

- ► [28.16-20|

Esperanças veterotestam entários do fim dos tempos

Deus

d a rá o domínio do mundo ao filh o de um homem. Daniel 7.1 3

Deus

ressuscitará seus mortos. Isaías 26 .1 9

>Os cristãos encontram novas expressões para :

• invocar a Jesus:“ M a ra n a ta !” — “ Vem, Senhor nosso!”

• o hino a ele:“ Jesus Cristo é o Kyrios”

• o louvor aos fe itos de Deus: “ Deus o ressuscitou!"

• a na rra tiva :Jesus fo i e levado junto a Deus, mas veio em corpo

Fé veterotestam entária na fid e lid a d e de Deus

Deus

revelou seu nome a todas as gerações. Êxodo 3.1 5

Deus

a rre ba tou seu am igo ao céu. 2Reis 2

B Nova in te rp re tação de ide ias veterotestam entários sobre a ressurreição d e Jesus

Fim da missão de Jesus ►M otivos dos relatos sobre as manifestações de Jesus Início d a missão

M orte na cruz >— marcas d a p a ix ã o

rno ressuscitado

Sepultura na rocha/ > mulheres junto

ao sepulcroNomes dos que testem unhaX como prim eiras

it /t L"ram a m orte e sepu ltam ento/ testemunhas

Fuga dos discípulos m anifestações de Jesus na G a lile ia

Envio dos discípulos

Com ra p id e z surpreendente após a m orte de Jesus

Novas m aneiras de seguir a Jesus• com unidade itinerante de

Jesus se to rna , em Jerusalém, a ig re ja prim itiva

• a p regaçã o de Jesus em Israel se expa nde aos gentios

Novas comunidades de Jesusse am pliam além d a a tuação de Jesus

Novos conceitossobre o s ign ificado de Jesus no plano de salvação de Deus

C Relatos das m anifestações de Jesus ressurreto: ponte entre acontecimentos historicamente com provados

Page 334: Atlas da bíblia     annemarie ohler;  tom menzel

Não pode ser explicada a partir de tradições judaicas. A ideia de ressurrei­ção dos mortos (plural!) no fim dos tempos tornou-se um modelo inade­quado para o fato de que Deus tinha confirmado novamente a reivindica­ção de Jesus e continuava a executar seu plano de salvação por meio das obras de Jesus e já no presente.

Os cristãos encontraram outra expressão para essa convicção transfe­rindo para Jesus a paráfrase para o nome de Deus mais comum na versão grega do AT: Jesus Cristo é “o kyrios” (grego: “senhor”, cf. Fp 2.11). Essa série de expressões com novos significados continua: Jesus é “justificado”, “exaltado”, “glorificado” “elevado”... Fica difícil explicar a rápida formação de novos conceitos somente com o argumento que os discípulos estavam elaborando a impressão que a vida e a morte Jesus deixara sobre eles.

O texto mais antigo da tradição das manifestações do Jesus ressurreto é um discurso mnemônico em quatro partes (íCr 15 .3 S ) : Cristo morreu e foi sepultado, foi ressuscitado e “apareceu”. Paulo não oferece provas nem exige uma fé cega: ele cita testemunhas que poderiam ser consultadas; apenas “alguns já faleceram”. O próprio Paulo procurara dois dos citados, Pedro e Tiago, logo depois de sua conversão. Provavelmente é a eles que Paulo se refere ao dizer que seus discursos foram “recebidos”.

Nos evangelhos, o túmulo vazio é apenas um sinal de afirmação (Mc 16) ou antes de múltiplos significados (Mt 28). As mulheres, as únicas

do grupo de discípulos que viram a morte e sepultamento de Jesus, são as primeiras a ficar sabendo que Jesus estava vivo. Os fatos meramente enumerados em iCoríntios 15 são narrados aqui de maneira plástica: o Ressurreto é o mesmo que caminhara pela terra com os discípulos e que morrera na cruz. De acordo com esses relatos, os homens precisaram de sinais mais penetrantes da identidade do Ressuscitado; Jesus mostra suas feridas e toma a refeição com eles, como costumava fazer.

Conforme o pensamento grego, somente o espírito seria imortal; esses relatos afirmam que Jesus está fisicamente vivo. Mas sua

• Mesmo do ponto de vista histórico o surgimento da fé na ressurreição é um mistério.

• Os relatos neotestamentários das manifestações de Jesus enfatizam que os discípulos somente começaram a crer na ressurreição porqueo p róp rio Jesus tinha tom ado a in iciativa.

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vida é diferente; ele entra e sai de forma misteriosa. As pessoas que o conheciam antes da morte só o reconhecem quando Jesus assim o deseja.

Não há êxtase. As manifestações não dominam a razão; o Ressuscitado responde às perguntas e se volta aos que duvidam. As narrativas das manifestações se assemelham às histórias dos chamados no AT, nas quais as pessoas experimentam a ordem de Deus para algo novo em meio ao dia a dia e mesmo contra a sua própria vontade. Assim, o Ressuscitado instrui seus desconfiados discípulos a terem uma nova compreensão a respeito dele e de sua obra. É historicamente comprovado que eles cumpriram essa missão com impressionante rapidez na fundação da igreja primitiva e no início das missões entre os gentios.

Page 336: Atlas da bíblia     annemarie ohler;  tom menzel

Os evangelhos sinóticos❖ A FONTE Q

Mateus e Lucas dispunham da chamada fonte Q (do alemão: Quelle, “fonte”), uma obra redigida em grego, mas na qual alguns ditos se tornam mais compreensíveis quando vertidos de volta ao aramaico, língua materna de Jesus.

Por exemplo: em Lucas 11.34, 0 °lho é chamado de “candeia do corpo”; o aramaico usa essa expressão para referir-se ao olhar que irradia o que está escondido no interior do ser humano.

A mensagem de Jesus está principalmente na fonte Q, que, assim como os textos sapienciais do AT, dá bons conselhos sobre como ser bem- -sucedido na vida. Os provérbios veterotestamentários falam ao homem esforçado; já os logia da fonte Q se dirigem ao pobre que mal consegue se sustentar. A pobreza na região rural da Galileia é interpretada como crise do final dos tempos, e os pobres são orientados a defender, de forma confiante e não violenta, a ideia que a salvação de Israel começará neles.

Q exorta a ser generoso com aqueles que são ainda mais pobres (6.20s); adverte contra as preocupações desanimadoras (12.22SS); reforça sua confiança na bondade de Deus, lembrando-lhes sua própria bondade (n.ios).

Os pobres são elogiados (6.20s) pelos bons resultados de tais ensinos; louva-se a Deus por preferir os “pequeninos” aos “sábios” (10.21). Como “filhos” de Deus, eles devem seguir o exemplo do “pai” e demonstrar bondade aos maus (6.35); a oração ao “Pai” encoraja a isso (n.2ss).

O conflito em torno da mensagem de Jesus surge por causa de seus milagres (7.22S; 11.14S); os lugares na Galileia onde Jesus atuou são ameaçados de destruição (10.13SS).

A fonte Q enfatiza a singularidade de Jesus; para ele, há somente dis­cípulos ou inimigos (11.23); ele se afasta “dessa geração” (7.31SS) e chama os fariseus de “sepulturas ocultas” (11.44).

Esta descompostura tinha um significado muito concreto na Galileia: em Tiberíades, Herodes construíra por cima de sepulcros; os judeus evitavam a cidade, pois ao pisar inadvertidamente

Page 337: Atlas da bíblia     annemarie ohler;  tom menzel

Discursos de João Batista sobre o fim dos tempos,

Discursos de Jesus sobre o fimdos tempos

quatro deles são in troduzidos no re la to

O juízo f in a l está próxim o.Aque le “ que v irá " recolherá o g rã o e que im ará a palha

Jesus re je ita Satanás e reconhece somente a Deus.

1. Jesus recolhe o grão.

Ele fo rta lece os pobres com bem-aventuranças e regras de v ida .

Invocações

l Exortações

f Advertências

Somente sua p a la v ra a juda os que creem. Ele veio, não como se esperava, mas como “ Filho do Homem” , a lvo de zom baria e sem um lar.

Texto de Lucas

3.2 e 7 -9 16s.

4 .1 -1 3

Discípulos são r - sem lar,ajudantes —l— persegu idos/indefesosna colheita l_ receb idos /re je itados

Quem o recebe encontra Deus, o “ Pai” a través do "F ilho”

2. Jesus separa o g rã o d a palha

Rejeita o com entário sobre Belzebú, rep rova “ essa geração perversa” /o s fariseus;

apresenta juízo sobre essa geração.

Anima a anunciar sem m edo e tra b a lh a r sem preocupações p a ra o reino de Deus.

3. Ele que im ará a palha.

O Filho do homem v irá como um la d rã o ,como o senhor que “ fa z em pedaços” o m al adm in istrador

Ele já chegou; o sofrimento do fim dos tempos está presente.

N ão se pod e im ped ir o crescimento do reino de Deus.;

N ão e n tra rã o /se rã o repudiados.Estrangeiros serão convidados p a ra o banquete.

Regras de v id a p a ra os discípulos no fim dos tempos.

4. O fim está chegando.

\7O d ia do Filho do Homem vem como um re lâm pago. E imprevisível quando v irá .Prestarão contas dos bens administrados.

6 .2 0 -2 32 7 -3 9

7 .1 -4 e 6 -9 18s .e 2 2 -2 8 3 1 -3 5

10.2; 9 .5 7 -6 0 3s.5 -9 /1 0 -1 5

2 1 -2 4 1 1 .2-4 e 9 -1 3

14s. e 18-262 9 -3 5 /4 2 -4 4 ,4 6 s .49-51

12 .2-122 2 -3 4

39s.4 2 -4 6

51 ,53 -56 .58s .

1 3.1 8s. e 20s.

25.28s. e 34s. 14.16-21 e 23

27.34s.; 16 .1 6 -1 8 ; 17 .1 -4 , 6 ,33

17.23s., 26s., 30 34s.

19.1 2s., 15 -24 e 261 -4 e 6

A fonte Q reconstruída como com posição d a p a la v ra do que “ vem”

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em uma sepultura, a pessoa não sabia que estava “impura” e que precisava se purificar para não ofender a Deus.

Mas os discípulos de Jesus são advertidos com a mesma severidade ao julgar o próximo (6.37) ou observar as pequenas falhas dos “irmãos” (isto é, outros judeus), mas não as suas próprias (6.41).

Na época em que Jesus viveu entre eles, os discípulos podem ter anotado palavras dele para usá-las quando eram enviados para pregar de forma autônoma (Mc 6.7SS).

Dois anos depois da morte de Jesus, os cristãos judeus heleniza- dos precisaram fugir de Jerusalém. É possível que tenham usado aquelas anotações em aramaico para redigir a primeira versão da fonte Q, que então levaram consigo a título de lembrança. As experiências com essa perseguição podem ter intensificado em Q o relato dos conflitos que causaram a morte de Jesus, de forma que a vulnerabilidade vivida por Jesus pode ter sido compreendida de maneira mais radical (10.3S). Em Q, a separação do povo judeu começa de maneira judaica. Em Jesus há “mais” sabedoria do que em Salomão; João Batista é “mais” do que um profeta (7.26; 11.31). Este “mais” se refere à mensagem do juízo final, quando não importará a eleição de Israel, mas as ações de cada indivíduo (3.8).

As palavras duras denunciam que a separação do seu próprio povo é dolorosa. É como se alguém não pudesse enterrar nem mesmo o próprio pai falecido (9.60). Estrangeiros se sentam à mesa com os pais de Israel, e Israel é “lançado fora”; e haverá “pranto e ranger de dentes” (13.39).

Antes da Guerra Judaica (a partir de 44 d.C.), os discursos sobre o fimdos tempos tornaram-se ainda mais radicais. Partidos judaicos brigavam ferozmente entre si e levantavam falsas esperanças:

• Profetas anunciavam que Israel precisavai r para o deserto a fim de encontrar novamente o pão (“maná”);

• Sacerdotes garantiam que Deus salvaria o templo;

• Zelotes diziam que o povo precisava do poder político.

Por meio do relato da tentação de Jesus (4.1SS), a fonte Q interpreta essas esperanças

• A fonte Q é um texto judaico-cristõo, que fo i am p liado várias vezes.

• Q re fle te as expectativas im ediatas dos primeiros cristãos, mas também perm ite reconhecer como eles lidavam com o fa to de que o fim do mundo não chegava.

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como propostas de Satanás; Jesus as rejeita usando palavras das próprias Escrituras Sagradas judaicas. Mas a mesma radicalização da advertência sobre o final dos tempos valia também para a comunidade de Jesus. Não é suficiente somente chamá-lo de “Senhor!” (13.15); ao voltar, o “senhor despedaçará” (12.46) o escravo que açoita ao outro escravo.

A mensagem do “Vindouro” emoldura Q. No início, João Batista anuncia a vinda daquele que vem separar o trigo do joio (3.17); no final, Q adverte as pessoas que já não contam mais com a “vinda do Filho do homem” (17.22). No entanto, o“Filho do homem” que fala em Q já “veio”, foi ridicularizado e viveu sem lar (7.34; 9.58).

O discípulo não está acima do seu mestre (6.40). Com essa atitude, os cristãos conseguem adiar o debate sobre o princípio do final dos tempos para tempos mais tranqüilos. Esse processo é demonstrado pelo novo contexto no qual a fonte Q é inserida em Mateus e Lucas.

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❖ 0 EVANGELHO DE MARCOS

É provável que Marcos tenha surgido em Roma, onde desde cedo havia comunidades cristãs com muitas conexões com todo o Império Romano. Por isso, todas as tradições de Jesus incluídas em Marcos puderam confluir aqui. Marcos organizou pequenas compilações:

Depois de sete histórias sobre o início da obra de Jesus (1.16-39) seguem-se polêmicas, ligadas a narrativas sobre o surgimento da “família” de Jesus (até 3.35); depois vêm as parábolas (até 4.34), etc.

A introdução (1.1-13) conta como a atuação de Jesus foi preparada no deserto; em seguida, Marcos descreve, em três seções, o caminho de Jesus pela Palestina.

1. Jesus anda pela Galileia e chega a uma região habitada por gentios (1.14-8.26).

2. Dali, Jesus atravessa a Galileia em direção a Jerusalém, passando por Jericó (8.27-10.52).

3. Jesus entra na cidade, vai para o templo e morre no Gólgota (11-15).

A conclusão do livro (16) é enigmática: mulheres fogem horrorizadase não contam a ninguém sobre a mensagem de ressurreição dada pelos anjos. Na Antiguidade, um final aberto era tão estranho que mais tarde Marcos foi complementado com relatos da ressurreição extraídos de Mateus, Lucas e João (16.9-20).

Usando seqüências de m otivos que permeiam o evangelho, Marcos induz conexões entre textos aparentemente não relacionados.

1. Jesu s percorre a G alileia e faz milagres. Marcos completa as histórias de milagres com dois motivos enigmáticos:

Jesus ordena silêncio tanto aos que havia curado publicamente como aos demônios que o reconhecem como “Filho de Deus”, e mesmo aos discípulos que levara consigo especialmente quando ressuscitou um morto.

• Os discípulos não compreendem quem Jesus é. Em seis milagres (4.35-6.56), Jesus se mostra a eles cheio do poder de Deus, mas eles permanecem “obstinados”. A tradição sobre o envio dos discípulos inserida neste ciclo reforça o enigma.

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abre Deus oscéus, chama Jesus de seu “filho amado'

Demônios exclamam: ilho de Deus!”

Eles são obrigados a se calar.

Jesus se solidariza com os pecadores

Seus discípulosele os chama para testemunharem de seus feitos 1.1 óss.

Caminhos de Jesus desde L seu batismo.

... vem como nuvem

Aparece a eles com poder divino, 4 .3 9 ; 6.48

os envia a expulsar demônios. 6.7

Eles não compreendem quem é ele. 6 .5 2 ; 8 .17

... confirma Jesus: “Meu Filho amado!’ e adverte: “Ouçam-no”

Ele resplandece diante deles :om luz divina.

Eles ficam cheios de medo. 4 .4 1 ; 6 .49 ; 10 .32

Em sua aflição Jesus clama ao “Pai”.Os discípulos não o ouvem. 14.32ss.

Quando Jesus morre iO véu do templo se rasga, io centurião exclama: “Este era o Filho de Deus

somente as seguidoras são testemunhas.

... enviou seu anjo ao sepulcro; este confirma a promessa de Jesus:

mas elas fogem cheias de medo.

1 .16 -8 .2 6

pelas vilas da Galileia,

sobre o mar

nas redondezas

8 .2 7 -1 0 .5 2

através da Galileia

paraJerusalém

11 -16

desde a entradaj em Jerusalém

até a sepultura

Jesus voltará a caminhar com seus discípulos.

O evangelho de Marcos como mistério de Jesus

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2. Jesus vai para Jerusalém e, no caminho, ensina seus discípulos. Marcos começa com duas narrativas sobre Pedro: quando ele reconhece que Jesus é “o Cristo”, este lhe ordena silêncio; quando Pedro quer livrar Jesus do sofrimento, este o chama de “Satanás”. Essas narrativas indicam o sentido da ordem de silêncio: só quem acompanha Jesus em seu sofri­mento pode testemunhar da dignidade dele.

No entanto, a incompreensão dos discípulos se torna ainda mais enig­mática. Jesus se revela a eles sob a luz divina; o próprio Deus os admoesta a dar atenção ao seu “filho amado”. Mas eles apenas se assustam e não entendem. As experiências com a proximidade de Jesus com Deus (4.41; 6.51S; 9.6) poderiam encorajá-los a acompanhar Jesus nos seus sofrimen­tos; mas eles o acompanham a Jerusalém cheios de medo.

3. No relato da paixão, a angústia também se apodera de Jesus. Mas em oração ao “Pai” no Monte das Oliveiras, ele se esforça para aceitar seu sofrimento. Ele quer incluir pelo menos seus três discípulos principais (14.32SS), mas eles dormem e não escutam sua oração, apesar de serem justamente aqueles a quem o próprio Deus tinha advertido para que obe­decessem seu “filho”.

A seqüência mais significativa de motivos usada por Marcos em seu evangelho são as palavras “Filho de Deus”. Jesus é chamado assim nos três pontos críticos da narrativa - por Deus, por seus opositores, por um romano:

x. Em sua chamada: Jesus recebe o batismo de João junto com pecadores; o céu se abre e Deus o chama de “filho amado” (1.9-11).

2. Ao ser condenado à morte: Jesus provoca a condenação respondendo afirmativamente ao ser questionado se ele era “filho do Deus bendito” (14.62).

3. Em sua morte: quando Jesus morre, o véu do Santo dos Santos se rasga e o centurião que estava como sentinela perto da cruz exclama: Este homem era o Filho de Deus! (15.38S).

A expressão “Filho de Deus” não pode ser separada dessas cenas. Marcos não cria novas expressões lingüísticas; ele conta sobre o mistério de existirem dois lados irreconciliáveis na missão de Jesus: ele se torna um homem afastado de Deus, e por isso mesmo abre um caminho que leva a Deus.

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O propósito narrativo de M arcos está além do texto. As mulheres tinham presenciado tanto a morte como o sepultamento de Jesus, e também escutaram como Deus confirmava novamente o ministério de Jesus por meio do anjo. Elas, portanto, conhecem os dois lados da missão de Jesus, mas, ainda assim, continuam sem entender. A esperança de que a morte de Jesus não seria o final nasceu apenas de uma promessa de Jesus recapitulada pelo anjo: depois de sua morte, Jesus irá para a Galileia à frente de seus discípulos (14.28; 16.7). Fecha-se o ciclo do caminho de Jesus; a partir da Galileia (nas igrejas cristãs), o Ressuscitado recomeçará a abrir o caminho a Deus para os que estão afastados.

Na época de Marcos, essa tradição já era considerada ultrapassada, pois desde a Guerra Judaica a Galileia era inacessível aos cristãos. Marcos, no entanto, registrou todas essas tradições a respeito de Jesus para que, em qualquer lugar onde se reflita a respeito do caminho de Jesus, seja possível haver um começo no qual o Ressuscitado vai adiante de seus discípulos.

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❖ O EVANGELHO DE MATEUS

O cânon neotestamentário começa com Mateus, o que sinaliza sua importância para a igreja primitiva. Somente em Mateus Jesus fala sobre sua ekklesia, “igreja” (do grego: assembleia dos cidadãos “convocados” a deliberar um assunto). Jesus construirá sua igreja sobre Pedro, a “rocha”; este e a igreja como um todo recebem o poder de “ligar e desligar” (16.18; 18.17).

No AT grego, ekklesia refere-se ao Israel “chamado”; no evangelho de Mateus, à igreja de Jesus, separada do povo judeu. De acordo com Mateus 27.25, “todo o povo” judeu assumiu a culpa pela morte de Jesus ao amal­diçoar a si mesmo. Para Mateus, essa profecia cumpriu-se na Guerra Judaica. Os ais contra os fariseus (23.13SS) são dirigidos ao judaísmo pós- -guerra, no qual já não havia mais lugar para os seguidores de Jesus.

Mateus registra que Jesus tinha sido enviado somente “às ovelhas perdidas da casa de Israel” (10.5 e 6; 15.24), e enfatiza com a mesma clareza que isso é passado. Assim como mais tarde seus discípulos (10.25), também Jesus fracassa com seu povo; ressuscitado, ele envia seus discí­pulos “a todas as nações” (28.19).

Mateus recorreu a textos de Marcos e de Q para mostrar como a mensagem de Jesus continua válida nestas condições. Partindo do material discursivo dos textos-base, Mateus compôs cinco discursos, organizados de acordo com as situações da vida de Jesus.

1. O Sermão da Montanha (5.1-7.29) é, por assim dizer, a constituição de Jesus.

2. O discurso de envio (10) se segue a dez relatos de milagres; Jesus primeiro encoraja seus discípulos, depois os envia.

3. O discurso das parábolas (13.1-53) liga os textos que falam de um Jesus humilde nas lutas e perigo e os textos que falam de como o reino de Deus se impõe de maneira irresistível, ainda que oculta.

4. No discurso sobre a igreja (18), antes de deixar sua terra, a Galileia, Jesus apresenta à sua ekklesia o compromisso da “fraternidade”.

5. Depois do discurso sobre o final dos tempos (24S) vem o relato da paixão.

Mateus conecta os ensinamentos cristãos à história da vida de Jesus e, com isso, também à lei veterotestamentária com a qual Jesus viveu.

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Em Mateus, fala o judeu Jesus, aquele que “cumpre a lei”. Só que ele exige “mais” do que fidelidade à lei. As obras de seus discípulos deviam mover “as pessoas” (isto é, todos os povos) a louvar a Deus, “o Pai” de Jesus Cristo (5 .16). Com isso, Mateus atualiza uma esperança do AT: os cristãos que sobreviverem à Guerra Judaica devem considerar-se como os que “escaparam” e, em Is 66.19 , são convocados a anunciar a glória de Deus às nações.

Os destinatários de Mateus são cristãos que queriam continuar sendo judeus, mas que se viram obrigados a buscar sua pátria na própria ekklesia. A figura da transferência de domínio, com a qual Mateus traça uma nítida fronteira entre judeus e cristãos, vem da literatura apocalíp­tica judaica: “o reino” será dado a outro povo fiel (Dn 7.14; Mt 21.43).

Mateus contempla a obra de Jesus diante do horizonte da história mundial.

O passado é a história de Israel e o que Jesus fez por Israel;

O presente é a igreja das nações;

O futuro é o juízo final.

Na obra de Jesus, estes três períodos de tempo se encontram.

As chamadas citações de cum prim ento expressam essa sobreposição com “jogos de palavras” baseados nas Escrituras; as esperan­ças veterotestamentárias encontram seu alvo na vida de Jesus, e assim também preparam as missões aos povos, anunciadas no AT.

P.ex.: Mateus 12.17SS dá um novo sentido à ordem de silêncio dada por Jesus, extraída de Marcos, citando Isaías 42.1SS: em silêncio, Jesus age como o “servo de Deus em quem os povos terão esperança”.

O prólogo (is) interpreta a vinda de Jesus como o alvo da história de Israel:

• A genealogia termina em José, homem da tribo de Davi, que reconhece Jesus como seu filho legítimo, de modo que Jesus é, segundo a lei humana, “filho de Davi”.

• As experiências dos cristãos judeus, que se tornaram estranhos ao seu p róp rio povo, marcam o evangelho de Mateus.

• O evangelho de Mateus é uma obra que in te rp re ta a Históriado ponto de vista judaico-cristão.

• No fim dos tempos fica rá c laro que o “ reino de Deus” é m aior do que a ig re ja .

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• fie/atos,construídoscomfrasesdoAT,anunciamque Jesus, nascido como o “salvador de Israel” (1.21), teria “toda a Jerusalém” como inimiga, enquanto que estrangeiros o homenageariam (2.2S).

O epílogo que Mateus agrega ao material de Marcos dirige o olhar para o momento em que surgirá de todos os povos uma igreja na qual Jesus estará presente (28.20). Durante a história de Jesus, Mateus também dirige o olhar várias vezes para esse tempo:

Na narrativa do juízo final do mundo (25.31SS), Mateus explica que, no final das contas, a única coisa que importa é que o ser humano exerça a compaixão em relação aos outros seres humanos. Ele ensina a esperar por Jesus como o “Filho do homem”, que convida para o “reino” preparado “desde o princípio” também as pessoas que não o conhecem.

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Os evangelhos de Mateus, Marcos e Lucas contêm, em grande parte, o mesmo material narrativo e discursivo, organizado na mesma seqüência, mas com objetivos diferentes:

• Depois que a terra natal de Jesus afundou na Guerra Judaica, Marcos explica como o mistério de Jesus fora revelado em suas caminhadas por aquela terra.

• Depois que o judaísmo dos fariseus se tornara estranho para os judeus cristãos, Mateus mostra como o “reino de Deus” chegou à “igreja” das nações.

Lucas concebe seu trabalho em duas partes como um “relato” histórico (Lc í.iss; At 1.1).

Lucas escreve para o leitores de formação helenista que desejam organizar historicamente as origens de sua fé. Enquanto Mateus, sem se preocupar com anacronismos, introduz ideias sobre a natureza da igreja na história da vida terrena de Jesus, Lucas prepara um relato separado, Atos, para mostrar como a mensagem de Jesus alcança as nações. Ele cita datas históricas (Lc 1.5; 3.1; At 11.28) e conta como imperadores romanos (Lc 2.1; At 18.2), reis judeus (Lc 23; At 12 e 25) e administradores romanos (Quirino, Pilatos, Félix, Festo, Gálio) intervém na história de Jesus e na propagação de seus ensinos.

O material exclusivo de Lucas permite deduzir as m udanças sociais ocorridas nas comunidades cristãs; também pessoas ricas e respeita­das tinham se tornado cristãs. Nos discursos de Jesus, elas são exortadas a empregar bem suas riquezas; Atos elogia os cristãos que colocam suas casas à disposição da igreja e compartilham seus bens com os pobres. Há mulheres com patrimônio próprio, que o utilizavam para ajudar Jesus ou a igreja cristã (Lc 8.3; 10.38; At 12.12; 16.14). Lucas extrai da fonte Q a exigência de que os mensageiros de Jesus devem viver sem propriedades (Lc 9.3; Mt 10.09); no entanto, ele também fala de Zaqueu, que quer dar “metade dos seus bens” aos pobres e foi elogiado por Jesus por causa disso (Lc 19.9).

O ju ízo sobre Rom a é equilibrado (semelhante ao do historia­dor Josefo, contemporâneo de Lucas). Lucas sabe que os funcionários romanos nem sempre servem à justiça, mas também que o estado romano

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Lembranças da c id ade santa história do início d a ig re ja

no re la to de Lucas sobre a

vinda de Jesus ‘ (Lc 1-3)

ded icação de Jesus a seu povo

. (Lc 4 -23 )

l i

Jesus ensina no tem p lo (Lc 20.1)

O rigem da Ig re ja

á m é t f í

W T tOs discípulos, no tem plo, louvam

o a a + a Deus, que exa ltou a Jesus (Lc 24 - A t 2) (Lc 2 4 .5 3 ; A t 2.4ós.)

IMissão de Pedro

- (At 3 -12)

judeus,

A com unidade de Jesus samaritanos,; estende desde Jerusalém

até toda a Palestina gentios.

Missão — de Paulo (A t 13-28)

Paulo,apósto lo dos gentios,

começa

Jerusalém

c id a d e de Deus,

d e tid o no templo, como pris ioneiro leva a mensagem de J (At 2 1 .33ss.)

A ob ra dup la de Lucas como re la to do caminho da fé de Jerusalém até Roma

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é um ambiente no qual a mensagem de Jesus poderia ser anunciada de forma livre. Sem a pressão dos judeus, Pilatos teria libertado Jesus, da mesma maneira que Felix teria feito com Paulo (Lc 23.20; At 24.27). Lucas sabia da morte de Paulo (At 20.25), mas omite a informação que ele teria morrido como mártir em Roma. A obra é encerrada com a notícia que Paulo, ainda que preso, enuncia a mensagem de Jesus em Roma (At 28).

Seus juízos a respeito dos judeus também são diferenciados. No caso da morte de Jesus, Lucas considera maior a culpa da elite judaica do que a de Pilatos; em Atos ele relata a furia com que os judeus atacaram os cristãos. Mas também elogia o conselheiro judeu José de Arimateia e conta com que sabedoria o fariseu Gamaliel defende a liberdade de fé em favor dos apóstolos (Lc 23.50; At 5.34).

Atos 7.60 sugere esperança pelo fim da separação entre judeus e cristãos, quando Lucas conta como um perseguido inocente intercede em favor de seus inimigos judeus. De acordo com Jó 42.7SS, uma oração como essa move Deus a reconciliar inimigos.

Os primeiros a crer em Jesus foram judeus: “muitos milhares” se aglo­meraram em torno dele, “milhares” se converteram (Lc 12.1; At 4.4).

Para Lucas, a cidade de Jerusalém tinha um status especial. Lucas começa com a cena no templo e termina contando como os discípulos, cheios de júbilo pela ascensão de Jesus, permaneceram “sempre” no templo. Em Atos, Jerusalém é a terra natal dos cristãos, a cidade com a qual os missionários no mundo todo permaneciam em contato. Lucas certamente sabia da dissolução da igreja cristã de Jerusalém (64 d.C.) e da fuga dos cristãos para Pela (66 d.C.), mas não fala sobre isso. O material exclusivo de Lucas contém a cena em que Jesus chora ao anunciar a des­

truição de Jerusalém (70 d.C.) (Lc 19.41SS).

Tanto Lucas 21 quanto Marcos 13 combinam imagens da destruição de Jerusalém e do fim do mundo. Mas a destruição da cidade santa não é mais considerada como aconte­cimento escatológico. Jerusalém “será pisada pelos gentios, até que os tempos destes se completem” (Lc 21.24). Lucas não desiste da esperança em favor de Jerusalém; os “tempos” dos povos, no entanto, ele chama de kairoi, ou seja, tempo de oportunidades.

• Lucas ressalta quea história da fé cristã começa no judaísmo.

• Lucas entende a expecta tiva escatológica como uma força presenteada aos cristãos, capaz de encaminhara história inconclusa de maneiras inesperadas.

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Ele recorre a imagens e palavras veterotestamentárias para falar sobre isso. O “Espírito de Deus”, que Jesus recebeu ao ser batizado (Lc 3.22), é derramado sobre os discípulos (At 2) e lhes dá coragem para entender as perseguições como oportunidades (Lc 21.17S; At 20.23). A obra dupla de Lucas (Lc e At) é fruto dessa concepção, na qual ele descreve como a igreja das nações se desenvolveu a partir de Israel e passando por Jesus.

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❖ 0 EVANGELHO DE LUCAS

Lucas fala sobre a atuação de Jesus como um historiador da Antiguidade e como um professor que deseja convencer o leitor do valor perene de Jesus. Nos trechos em que não está preso a suas fontes, ele é de tal forma eloqüente que vários temas são conhecidos até hoje:

• A seqüência de eventos: Páscoa - ascensão - Pentecostes (Lc 24; At1.3,9; 2 i-3);Imagens: o bebê na manjedoura, os anjos na noite do nascimento de Jesus (Lc 2);

Palavras: o bom samaritano, o filho pródigo, o pobre Lázaro, fariseu como sinônimo de presunçoso.

Assim como na obra histórica do AT (Josué a 2Reis), as profecias mostram que Deus conduz os acontecimentos de maneira invisível.

Os relatos sobre a infância (is) falam das promessas do nascimento e de seu cumprimento, de anjos e de judeus fiéis à lei que anunciam que um dia Jesus salvará Israel. A fala do velho Simeão antecipa o tema de Atos. Ele relembra promessas do AT: Deus quer abrir o caminho da salvação de Israel para os povos (2.32; Is 42.6), mas Israel se “opõe” (2.34; Is 8.14).

Lucas caracteriza o tempo da obra de jesus (4-23) na primeira pregação decisiva deste com uma citação do AT que fala do “ano da graça”, mas em seguida conta como a palavra se tornou “contraditória”: quando Jesus acrescenta que a salvação não estaria reservada somente para Israel, a admiração se transforma em ódio (4.28S). Lucas retorna o tema da mudança de ânimo na história da paixão (compare 21.28 com 23.13SS). O historiador Lucas presta atenção na mudança dos tempos. Como his­toriador, ele sabe com que facilidade as pessoas cedem às mudanças das épocas; como um professor religioso, ele relata que o “tempo de Satanás” pode interromper o “tempo da graça”. Jesus também sabia disso.

“O povo” se aglomera em volta de João Batista (3.7), como se o tempo da graça já tivesse chegado; para Jesus, no entanto, o tempo em que “Satanás se afasta dele” - ainda que apenas até que chegasse “ocasião oportuna” (4.13) - começa somente depois do batismo, do recebimento do Espírito Santo e da tentação. Lucas fala de Jesus como o “profeta” (24.19) “impelido” pelo “Espírito” (4.1 e 14; 5.17). Convencido de que o reino de Deus já tinha chegado, Jesus quer reunir Israel, mas já sabia antecipadamente que por

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Lucas 1 e 2 O menino Jesus

fo i saudado po r judeus piedosos que esperavam a salvação de Israel;

Simeão a g u a rd ava a g ló ria de Israel e luz p a ra as nações;

p ro fe tiza a contrad ição de Israel (2.32s.)

Lucas 4-21 O mestre Jesus

Todos o louvam (4.15).8 em to d a te rra de judeus / ^

O povo o ouve (ó .l 8).

4 .2 3 -3 0 4m N a zaré

9.51 ss. no caminho p a ra Jerusalém

Ele ensina a salvação dos povos,

é o d ia d o po r seu povo.

Muitos o acom panham (14.25.)

CSeus opositores são envergonhados, o povo se a le g ra (1 3.17).

1 9.28ss. no tem p lo de Jerusalém

Todo o povo o ouvedesde cedo de manhã (21,38).

Os d irigentes de Israel temem o povo (22.2).

Lucas 22 e 23 O sofrimento de Jesus

23.21 d iante de Pilatos

23.35 na cruz

Os líderes e o povo exigem:

C rucifica-o !

O povo olha.

Os líderes zombam.

2.3.48 depois d a m orte de JesusO povo se a rre pende e vo lta atrás.

Lucas term ina a p rim e ira p a rte de sua ob ra dup la com uma pergunta.

O povo de Israel como destina tá rio das obras de Jesus no evangelho de Lucas.

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causa disso teria sofrer em Jerusalém, dirigindo-se conscientemente para lá (13.33).

No Monte das Oliveiras chega o tempo “oportuno” para “Satanás”. Apesar de suas orações, Jesus experimenta por antecipação tal angústia de morte que seu “suor tornou-se como gotas de sangue”. Pedro cai na tentação (22.53SS).

Na cruz, no entanto, começa o novo tempo, determinado pela atuação do Espírito Santo. Ao morrer, Jesus entrega seu espírito a Deus (23.46). Antes de subir aos céus, ele promete o dom de Deus aos discípulos (24.49) • No Pentecostes, eles experimentam o sentido daquelas palavras de Jesus; recebem o Espírito que os encoraja a se tornarem testemunhas de Jesus (At 2). Assim começa o período dos apóstolos, no qual o “Espírito” guia os discípulos na terra a pregar a mensagem de Jesus e, do céu, o próprio Jesus os orienta.

A parte principal (Lc 3-23) baseia-se principalmente nas fontes usadas por Lucas: Marcos e Q. Lucas resume o texto de Marcos, mas acompanha a seqüência narrativa. Ele elabora cenas apropriadas para os discursos de Q e conecta-as em bloco com textos de seu material exclusivo em dois pontos marcantes de sua obra:

Na “pequena inserção” (6.20-8.3), Jesus apresenta a lei funda­mental aos discípulos. (Em Mt 5-7 esses discursos são detalha­dos e formam o “Sermão do Monte”, que Jesus fala diante de uma multidão, rodeado por seus discípulos.)

A “grande inserção” (9.51-18.14) vem depois da decisão de Jesus de ir para Jerusalém, onde a morte e ascensão o esperam.

O m aterial exclusivo de Lucas inclui parábolas. Este tipo de narrativa falta nos outros evangelhos; Lucas as emprega com a habilidade de um catequizador:

Os cristãos podem aprender até mesmo com o administrador infiel (16). O mandamento principal do “amor ao próximo” é cumprido por aquele que é passível ser “amado” pelo necessitado (10.36). A riqueza não serve para nada na hora da morte (12.16-21).

Lucas completa a série de parábolas da fonte Q (da ovelha e da moeda perdidas) com a parábola do filho pródigo e o pai bondoso.

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Tradições exclusivas registradas por Lucas parecem historicamente confiáveis:

• Jesus estava mais próximo dos fariseus do que fazem parecer os relatos posteriores, marcados pela reação aos eventos depois do ano 70 d.C. Jesus é hóspede de fariseus (7.36; 11.37); fariseus previ­nem-no contra Herodes (13.31).

Mulheres acompanham Jesus por toda parte e são, desde o começo, alunas suas (8.2s; 24.6). Mulheres choram em protesto pela cruci­ficação de Jesus (23.27).

Da mesma forma como Mateus, Lucas também amplia a seqüência narrativa de Marcos com um prólogo e um epílogo. As histórias da infância de Jesus, no entanto, têm apenas alguns poucos pontos em comum com Mateus (a concepção pelo “Espírito”; o nascimento em Belém); já nos relatos da ressurreição, Lucas omite a tradição de Marcos referente às aparições na Galileia, enquanto Mateus as amplia. Para Lucas, o lugar da experiência da ressurreição é em Jerusalém, o foco do povo judeu.

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Os Atos dos Apóstolos❖ O liv ro de Ato s

Atos surgiu no ano 8o d.C. e relata acontecimentos do período entre os anos 30 e 60 da era cristã. O esquema da obra é antecipado em Lucas 24.47: o Ressurreto chama seus discípulos para serem seus mensageiros em “todas as nações, começando por Jerusalém”. Atos descreve a con­cretização dessa palavra; ela começa em Jerusalém e depois, ainda que não chegue a “todos os povos”, ela alcança Roma, o centro do mundo mediterrâneo.

Atos é um a obra singular, sem precedentes nem imitações. Apesar do título “Atos dos Apóstolos”, que remete a narrativas antigas e para o qual há comprovação desde o ano 180 d.C., o relato de Atos deixa claro que os discípulos não seguem voluntariamente o caminho delineado em Lucas 24.47, mas devido às pressões externas ou cumprindo orientações sobrenaturais.

Em pouco tempo, a incumbência de Jesus parece estar cumprida em Jeru salém (2.1-6.7). Judeus de muitas línguas diferentes ouvem a pregação de Pedro; seriam eles “todos os povos”? Surge uma igreja em que as tensões são rapidamente resolvidas e as diferenças entre os grupos lingüísticos encontram uma boa solução. A igreja é amada pelo povo; “Jerusalém” já teria sido conquistada?

Neste momento, ataques por parte de judeus (ó.çss) impelem muitos discípulos à fuga, e só agora eles começam a cumprir aquela parte de sua missão que os enviava aos povos. Filipe prega aos samaritanos (8); uma visão faz com que Pedro abandone sua aversão aos “gentios” (não judeus), e ele batiza um romano (10); em Antioquia, os gregos passam a fazer parte da igreja (11.19SS); em suas viagens missionárias, Paulo e Barnabé presen­ciam a conversão de muitos gentios (13S).

Para os judeus, comer à mesma mesa com não judeus era uma infração das regras de pureza. Tiago encontra uma saída: bastaria que os gentios respeitassem o mandamento que Deus dera a Nóe de não comer carne com sangue (Gn 9.4). Mas Lucas ainda atribui uma segunda citação a

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1 .2-2 .13Preparação

Missão bem sucedida entre os judeus

até 6 .7

Missão de Pedro na Palestina

Início da missão entre os povos

até 1 5.5

15 Concilio dos apóstolos

^ Sucesso da missão entre os judeus 1 de acordo com A t 1 3 e 14

( j ) Sucesso da missão entre os não judeus 2 de acordo com A t 1 6 e 17

Transição de judeus a gentios 3 de acordo com A t 1 9

A n tioquia H ostilidade por p a rte dos judeus

[F ilipos H ostilidade por p a rte dos gentios

D erbe Nenhum re la to correspondente

B Sucessos missionários e com unidades fundadas p o r Paulo conforme Atos

13-20Viagens de Paulo

Missão de Paulo no M ed ite rrâneo

2 1 -2 8 Missão do prisioneiro Paulo

Estrutura de AtosC Paradas de Paulo e relatos sobre ele em Atos 20.5-21.1

Trôade 20.8-1 2: Paulo ressuscita 4 „ um morto

b Assos

M itilene

20 .1 7 -3 8 : Discurso de despedida

de Paulo aos anciãos

de Efeso

Quios

Samos

M ile to

’á ta ra

300kmRodes

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Tiago: Deus restabelecerá Israel para que os povos comecem a buscar o Deus de Israel (Am ç.nss). Desta forma, Lucas toca em um problema que fica em aberto até o fim de At: a missão de evangelizar os povos deveria ser suspensa até que Israel fosse restaurado?

Lucas analisa essa questão ao falar sobre as viagens de Paulo. Nos capítulos iniciais, é Pedro quem ocupa o primeiro plano; cada novo desenvolvimento é sancionado por ele, terminando com o “concilio dos apóstolos” (15.7SS). Pedro representa o bom passado, antes do debate sobre a missão entre os povos. Mas, para Lucas, mesmo a missão de Paulo, conforme narrada em Atos, já pertence ao passado.

Quando Atos foi escrito, a divisão entre judeus e cristãos já se tornara inevitável. Em Atos, Lucas se despede de um passado idealizado, em que os discípulos de Jesus pertenciam ao povo judeu. Mesmo Paulo percebe que é melhor ser prisioneiro dos romanos do que ser entregue ao seu povo

(21.31SS; 23.12SS). Por meio do discurso final de Paulo em Atos (28.25SS), Lucas interpreta essa situação citando Is 6.9S: Deus tornou Israel um povo “insensível”. Só agora Paulo adquire certeza do envio aos povos: essa salvação fo i enviada aos povos. Ele termina o discurso com uma promessa que Lucas também não viu cumprida: os povos “ouvirão”.

Lucas não consegue imaginar que pudesse haver um caminho de salvação no judaísmo longe da fé cristã (compare 4.12).

Assim como outros historiadores da Antiguidade, também Lucas interpreta os acontecimentos com discursos; judeus, cristãos e gentios têm a palavra. Os 26 discursos formam um terço do texto: oito deles são de Pedro, nove, de Paulo. Muitos discursos recorrem a citações de textos vete- rotestamentários e assim provam que os judeus são “pais e irmãos” dos discípulos de Jesus. Outros exaltam a piedade dos pagãos ou lamentam as divisões entre os cristãos.

• Atos re la ta como a mensagem de Jesus p a rte de Jerusalém e alcança os povos.

• O “ concilio dos apóstolos” (1 5) traz uma mudança decisiva.E possível chegar a uma regulam entação que perm ite que cristãos judeus e não judeus partic ipem juntos da ceia.

• A parte principal de Atos (1 3-28) fa la de Paulo como um missionário judeu que enfrenta vários obstáculos, que só depois de alguns fracassos começa a anunciar a mensagem de Jesus também aos não judeus.

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Com certeza, Lucas utilizou outras fontes, mas é praticamente impossível reconstituí-las.

Em 16.10-28.16, as histórias sobre Paulo interrompem a lista de paradas feitas em uma viagem por mar, que Lucas reproduz na primeira pessoa do plural. Seria isso um testemunho próprio, ou apenas um estilo lingüístico?

Alguns dados se contradizem:

Os três relatos da chamada de Paulo (9; 22; 26): teria ele recebido o chamado a pregar aos povos na sua conversão ou, mais tarde, no templo?

Muitos detalhes devem estar historicamente corretos. Uma inscrição encontrada em Delfos confirma que Gálio era procônsul da Acaia, conforme relatado em Atos 18.12. A inscrição permite datar o referido episódio no ano 52 d.C.; estabelece-se assim um ponto fixo para a crono­logia neotestamentária.

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Textos joaninos❖ O EVANGELHO DE JOÃO

Apesar de sua estrutura geral ser a mesma dos evangelhos sinóticos, João é claramente diferente deles (Marcos, Mateus e Lucas).

Por um lado, o Jesus histórico mal pode ser reconhecido: Jerusalém é mais importante do que sua terra natal, a Galileia. No lugar das pregações e parábolas, nas quais se nota a forma convidativa com que Jesus falava, aparecem discursos majestosos, nos quais Jesus anuncia de onde e para quê ele foi enviado. Tanto João Batista quanto o narrador falam no mesmo estilo solene de Jesus.

Por outro lado, somente João menciona detalhes concretos que desa­parecem pouco depois da época de Jesus: Betânia e Enom como lugares de batismo (1.28; 3.23), Sicar como cidade de samaritanos (4.5). Somente João fala sobre o Gabatá, o lugar do tribunal romano de Jerusalém (19.13), sobre a peregrinação para Páscoa e a festa dos tabernáculos (2.23; 7.2) e da festa de dedicação do templo (10.22). Um discurso feito no último dia da festa dos tabernáculos faz referência a um ritual de água executado nesse dia (7.37).

Algumas vezes é difícil encontrar coerência entre esse evangelho e Mateus, Marcos ou Lucas. Teria Jesus batizado como João (3.22SS)? Teria ele, diferentemente do que diz Mateus (10.5S; 15.24), buscado “ovelhas perdidas de Israel” também em Samaria (4.12), de modo que os judeus o chamassem de “samaritano”, a fim de insultá-lo (8.48)? É concebível que, diferentemente das narrativas dos sinóticos, tenha havido mais do que apenas uma festa de Páscoa durante a vida pública de Jesus (2.13; 6.4; 11.55).

A linguagem usada em Jo é específica, como se usa em grupos que possuem uma terminologia comum. As sentenças são construídas de maneira simples, o grego está correto, o vocabulário é limitado e ao mesmo tempo distante do coloquial. Há expressões extremadas que falam sobre a vida, a verdade, o caminho, o mundo, a luz, a escuridão, o conhecimento e o desconhecimento.

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/

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O autor enfatiza que o sentido real das palavras de Jesus só foi com­preendido mais tarde. De fato, os contemporâneos de Jesus não tinham como saber que “novo nascimento” se referia ao batismo cristão (3.4), ou como a carne de Jesus poderia servir de “comida” (6.52). Os discípulos também não entendem Jesus, nem mesmo quando ele se revela a eles em particular nas suas longas falas durante a última ceia (13.28; 14.9). Até mesmo seus próprios pensamentos só foram compreendidos pelos dis­cípulos depois do fim do período que eles passaram com o Jesus terreno (2.17 e 22).

Mas João não é um manual de teologia; ele fala de conflitos. Afirmações discrepantes a respeito dos “judeus” sinalizam o conflito principal. O contexto judeu de Jesus era tão familiar ao autor que não há dúvidas de que ele também teria sido judeu. Ainda assim, ele emite um julgamento geral sobre os judeus, como se fosse alguém de fora.

5.18; 10.31: Os judeus estão indignados com o discurso de Jesus e querem matá-lo.

De acordo com João, a maior rejeição de Jesus dirige-se justamentecontra os judeus que acreditam nele: O vosso pai é o diabo (8.44). Por outro lado, ele se soli­dariza com os judeus, opondo-se aos sama­ritanos: Nós adoramos o que conhecemos; porque a salvação vem dos judeus. A imagem dos fariseus é mais clara, mas anacrônica. Na época de Jesus, somente a aristocracia sacerdotal tinha privilégios; no entanto, em João os fariseus têm autoridade: eles podiam interrogar os seguidores de Jesus e “expulsar da sinagoga” (9.34; 12.42), receber denúncias e intimar (11.46 e 57), mandar guardas para prender (7.32; 18.3). Só no final do século I havia razão para falar assim dos fariseus. Depois que Roma destruiu Jerusalém, os fariseus assumiram a responsabilidade pelo judaísmo, àquela altura ameaçado de desa­parecer. Com a aprovação de Roma, empe­nharam-se para que o povo se reunisse em

• João surgiu em igre jas que conservavam tradições específicas a respeito de Jesus.

• De form a conseqüente, João apresenta a v ida de Jesus do ponto de vista da fé , isto é, que em Jesus a ve rdade divina atem pora l fo i reve lada no tempo.

• Em João, um judeu cristão responde à crise que as igre jas joaninas enfrentaram em decorrência da unificação do judaísmo.

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torno da torá, em vez de no templo, adquirindo assim uma nova compre­ensão do que significava ser “judeu”.

Em João, os fariseus às vezes são chamados de “os judeus” (1.19,24;3.1; 9.13,18).

Eles viam os dissidentes, que antes eram membros do povo judeu, como inimigos da unidade judaica. Os cristãos em João tiveram de ser contados entre esses inimigos por três razões: por sua confissão mes­siânica (politicamente sujeita a interpretações equivocadas), por sua abertura aos não judeus, por sua linguagem peculiar.

As sinagogas eram instituições reconhecidas por Roma; as igrejas cristãs, não. Por isso, judeus cristãos renomados temiam a expulsão. É a eles que João se refere quando fala dos judeus conhecidos que eram discí­pulos de Jesus “embora em segredo por medo dos judeus” (3.1; 19.38). Já os cristãos que queriam se desprender de suas raízes judaicas eram confron­tados com a imagem de um Jesus que vivia de acordo com o calendário das festas judaicas e chamava o templo de “a casa de meu Pai” (2.16).

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❖ O EVANGELHO E AS EPÍSTOLAS DE JOÃO

i-3joão estão escritas no mesmo estilo que João. Aparentemente foram concebidas em meio à mesma comunidade, conhecida como círculo joanino. A história dessa comunidade pode ser inferida a partir de João e de i-3João.

Nos evangelhos sinóticos, Pedro é o principal discípulo. Já em João há um “discípulo amado” mais próximo de Jesus do que Pedro. Esse discípulo, cujo nome nunca é citado, aparece somente em João, a partir de 13.23:

A ele Jesus diz quem seria o traidor.

• Por ser conhecido do sumo sacerdote, ele consegue introduzir Pedro no palácio, tornando-se testemunha da negação (18 .15S S).

• Depois da fuga dos outros discípulos, ele permanece com as mulheres junto da cruz (19.26).

Ele crê na ressurreição de Jesus antes de Pedro (20.8).

A linguagem específica de João pode ser explicada pelo fato desse discípulo, familiarizado com os círculos eruditos de formação grega em Jerusalém, ter introduzido as formas de discurso e pensamento de seu grupo social em sua mensagem cristã. Uma coisa é certa: durante bastante tempo, os cristãos joaninos cultivaram uma tradição própria a respeito da atuação de Jesus, independente dos evangelhos sinóticos.

A primeira ocorreu no fim do primeiro século, quando os cristãos judeus deixaram de ser reconhecidos como judeus. Ela se reflete nos conflitos com os judeus relatados por João.

A segunda foi precipitada pouco depois, quando o círculo joanino, na tentativa de sair de seu isolamento, buscou contato com igrejas nas quais se usava a tradição sinótica da primazia de Pedro. João 21 indica isso.

2 0 .3 0 S já são uma palavra final. Mas logo em seguida é acrescentado o relato de uma manifestação de Jesus (2 1) , na qual Pedro recebe a primazia que, de acordo com os sinóticos, já recebera bem mais cedo. Mas a sentença final ressalta o valor da tradição joanina: como testemunha ver­dadeira, o discípulo amado tinha “escrito tudo”.

Uma parte dos cristãos joaninos, no entanto, não aprovou a ligação com as igrejas de Pedro, e se separou. Esse acontecimento se reflete em i-3João. Aqui não há qualquer menção aos conflitos com os judeus que

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V id a púb lica de Jesus

i

30d.C.

32

64

66

90

100

de acordo com os evangelhos sinóticos

Jesus percorre alde ias da G a lile ia

pa rte pa ra Jerusalém,

m orre na cruz

¥t

Discípulos d a G a lile ia

acom panhamJesus

fogem quando é preso

Pedro renova o g rupo dos discípulos

S eparação do judaísmo, inicia com a expulsão dos cristãos judeus helenistas de Jerusalém

Perseguição aos cristãos em Roma Execução de Paulo e Pedro

Rebelião judaica

Evangelho de Marcos

Destruição de Jerusalém '

Evangelho de M ateus

^ t j ~~Evangelho de Lucas

segundo o evangelho de João

Durante três Jesus ensina na G a lile ia

Sam aria

Jerusalém

junto à cruz está o

“ discípulo am ado”

/-LJnÇcírculoao re do r do “ discípulo am ado”

Jesus se preocupa com -ag tfrad ições da língua g rega ,

tem casa nas sinagogas educação helenística judeus

Fariseusrenovam

id en tidadejudaica

1a. Crise:expu lsão dos cristãos das sinagogas

JoãoEvangelhi

21*Evangelho de João

(Cham ado de Pedro) está lig a d o a João

o ciclo joanino buscaseguir as com unidades de Pedro

2a. Crise: Divisão do ciclo joanino

Fortalecimento do restante f ie l em

1 -3 João

Surgimento dos evangelhos sinóticos e dos textos joaninos

Ênfase especial na a lta cristo log ia joanina

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aparecem em João. Em vez disso, lê-se a respeito de cristãos que “saíram” e de um homem que “gosta de ser o líder” da comunidade e “exclui” quem o desagrada.

íjoão e 2joão são cartas breves de um mestre reconhecido em várias comunidades cristãs, que se identifica somente como o “ancião”.

Em 2joão ele encoraja uma igreja à qual se dirige como “senhora”; em 3João, ele anuncia que visitará essa igreja cujo líder pretende ser “dominador”.

íjoão é uma dissertação que aborda de maneira mais ampla os temas polêmicos que são apenas mencionados nas cartas. Também aqui o autor deve ser “o ancião”; ele dá a seus “filhinhos” argumentos contra os afastados. No entanto, muitas vezes é praticamente impossível discernir entre os ensinos heréticos destes e a a fé defendida pelo “ancião”.

P.ex.: 1.8 condena os cristãos que se dizem sem pecado no entanto, de acordo com 3.9, nenhum batizado (“nascido de Deus”) comete pecado, pois a “semente de Deus” está dentro dele.

Apoiando-se em ensinos de João, o “ancião” exorta a que permaneçam unidos.

• “Permaneçam em Jesus” (1J0 4.13) é entendido a partir de João 15.4: o ramo só pode dar fruto se permanecer na videira.

• íjoão 2.10 e 2joão 4 relembram o manda­mento de Jesus de “amar uns aos outros” (Jo 13.34). No caso das igrejas que sofriam com divisões internas, era significativo que, antes de dar esse mandamento, Jesus tenha falado da traição de Judas e da negação de Pedro.

Desta forma, os textos de João que falam sobre os conflitos com os judeus podiam ser aplicados à divisão dentro da própria igreja.

Os judeus cristãos que já tinham perdido seus lugares nas sinagogas experimentaram essa crise como se fosse a “última hora”. Surge uma nova expressão apocalíptica: os adver­sários são difamados como mensageiros do “Anticristo” (1J0 2.18; 2J0 7).

• O “ discípulo am ado” te ria sido o fundador do círculo joanino.

• Duas crises que aba la ram essa comunidade fizeram com eles escrevessem suas tradições e as interpretassem a p a rtir de novas experiências.

• Uma re in te rpre tação de João começa a ser desenhada no capítulo 21.• 1 -3João são uma resposta a uma crise interna do círculo joanino.

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Já em João a expectativa imediata é atenuada: “a hora” do julgamento final não traria nenhuma novidade além daquilo que Jesus já havia feito (5.25-29).

Com certeza os causadores de divisões davam mais peso à tradição específica de João. A cristologia elevada de João provavelmente os levou à conclusão que a humanidade de Jesus não tinha nenhum significado soteriológico. Por isso, o “ancião” enfatiza várias vezes que o mesmo Jesus que é filho de Deus tinha se tornado mortal (“carne”) e salvara o mundo por seu “sangue” (1J01.7; 2.2; 4.2; 5.5-8; 2J0 7). Além disso, ele fundamenta sua autoridade com o fato de que “nós” (ele e seus amigos) “[tocamos Jesus com] nossas mãos” (1J0 1.1).

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❖ A CRISTOLOGIA DE JOÃO I

De acordo com Marcos, Mateus e Lucas, os milagres dão início à soberania de Deus; já em João, Jesus usa “sinais” para revelar sua própria identidade: “o pão da vida” (milagre da multiplicação dos pães, 6.48), “a luz do mundo” (cura de um cego, 9.5), “a ressurrei­ção e a vida” (ressurreição de Lázaro, 11.25).

Os sinóticos trazem parábolas do reino de Deus; já em João, Jesus cita metáforas do AT que exaltam a Deus e à torá, aplicando-as a si mesmo ao dizer “eu sou”. Também ele é a videira, a verdade, o pastor, o caminho. Interpretando o AT de forma consistente como um testemunho sobre o Cristo, João ensina os judeus cristãos - que tinham perdido seu lugar na sinagoga - que em Jesus eles podiam voltar a experimentar a proximidade do Deus de Israel. - Em Qumran, livros inteiros do AT eram lidos com uma interpreta­ção atualizadora semelhante, aplicando-a à própria comunidade.

Em Marcos 14.62 e textos paralelos, Jesus só se reconhece como enviado do céu ao ser interrogado pelo Sinédrio. Em João, por sua vez, Jesus conquista inimigos ao falar abertamente de seu relacio­namento próximo com Deus.

Mateus e Lucas fundamentam a dignidade de Jesus falando sobre o Jesus infante, que desde o princípio viveu pelo poder do “Espírito Santo”; já o prólogo de João começa com o princípio na eternidade. Antes da criação do mundo, aquele cuja vida terrena é narrada pelo evangelho era o “Verbo” que estava com Deus, aquele por meio de quem tudo se fez. João parte deste conceito. Jesus apresenta-se como aquele que conhece a sua preexistência e sabe que sua morte é “glorificação”, retorno para Deus (8.58; 17.5).

João absolutiza o ideal israelita do esforço de pais e filhos em favor da herança de família, uma imagem que no AT representa a aliança entre Deus e Israel: Jesus chama a Deus de o Pai e a si mesmo de o Filho. A salvação que vem de Deus é realizada somente por meio de Jesus.

Meio século depois de João, surgiram textos gnósticos que falavam sobre a descida e ascensão de um redentor celestial, que ensina ao ser humano o “conhecimento” (grego: gnosis) de que as almas seriam fagulhas de Deus e de que o céu seria o lar delas. Em João, por sua vez, mostra-se

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Deusemp a lav ra em Cristo e xa lta d o

A p a la v ra se fez “ carne".

am a o mundo

em seu filho.

O Filho regressa.

A O evangelho de João como reve lação que Jesus fez de si mesmo

B Conceitos joaninos sobre o Cristo celestial

revelou-se

como aque le que sempre existiu e perm anece p a ra sempre.

m ediante a p a lav ra :

C riado r Deus é

Ele o enviou a ju lga r o mundo.

Rejeitá-lo significa: Segui-lo significa:fa ze r o mal na escuridão p ra tica r a ve rdade na luz.

WÊC Conceitos joaninos sobre a o b ra de Cristo na te rra

A p a la v ra estava com Deus

Relatos das obras de Jesus seguem a mesma seqüência dos sinóticos.

desde o encontro de Jesus com João Batista

apresentam igualm ente como, em sua v id a te rrena, o filho de José de N azaré ,

Junto a Deus vive o e xa lta d o

a té as m anifestações d o ressuscitado

S a lvado r através do que fo i levantado

através de se filho:

Ele

a tra irá

todos

a si

mesmo.

Iluminacada pessoa;

mas as pessoas vivem na escuridão.

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o pensamento judaico, que não separa o conhecimento da prática. Jesus exige que se pratique a verdade (3.21); o evangelho não ensina autoconhe- cimento, mas a viver em favor do próximo.

João 13 apresenta isso de maneira plástica: lavar os pés era trabalho dos escravos; como um escravo, Jesus se coloca totalmente a serviço dos outros.

A sabedoria como figura feminina é exaltada como companheira do Criador (Pv 8; Sr 24). Em Sabedoria 18.15 um mestre judeu helenista fala sobre a “palavra” de Deus como se fosse uma pessoa.

Os textos de Qumran contêm dualismos semelhantes a João: ver- dade-mentira; luz-escuridão. No entanto, a interpretação dualista do mundo é combatida pela fé em um Deus que se volta para o

mundo criado (3.16). As palavras sobre a vitória sobre o mundo expressam necessida­des concretas, e não desprezo pelo mundo (16.33).

• Círculos helenistas, de pensamento uni- versalista, preferiam falar de um salvador enviado por Deus “que devia vir ao mundo” (11.27) em vez de referir-se ao Messias de Israel.

• O Apocalipse judaico de Enoque conhece a ideia da preexistência; o “Filho do Homem” do fim dos tempos já estava com Deus há muito tempo.

João chama o Cristo preexistente e exaltado de “Deus” (1.1; 20.28), sem que isso contradiga o monoteísmo judaico, pois a palavra grega theos pode ser equiparada à palavra veterotestamentária elohim, um plural abstrato (“divindade”) frequente­mente usado no AT parar referir-se também a deuses e seres divinos.

Em João 10.34SS Jesus recorre ao uso vetero- testamentário da palavra para argumentar contra as acusações de que ele teria arrogado para si a condição de Deus.

• D iferentemente dos evangelhos sinóticos,João tra ta de uma única questão: quem é Jesus?

• Com suas ideias sobre a p rox im idade entre Deuse Jesus, João se opõe à principa l corrente do pensamento judaico.

• João ado ta ideias de grupos judaicos m arginalizados.

• No contexto do pensamento judaico, é totalm ente incabível a expressão: “ o Verbo se fez carne (ser humano m orta l)” (1.14).

• O conceito da encarnação da pa lavra de Deus tornou-se o fundam ento específico do credo cristão.

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O preexistente é o Jesus histórico, filho de José (6.42). João agarra-se a esse paradoxo especialmente ao falar da paixão, morte e res­surreição de Jesus. Quando o Ressurreto lhe pede que toque as marcas da crucificação em seu corpo, Tomé exclama: “Senhor meu e Deus meu!” (20.24). O homem mortal Jesus é aquele que existiu antes de qualquer princípio; também o “Exaltado” ainda é “carne”. Esses paradoxos de João tiveram importantes conseqüências históricas.

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❖ A CRISTOLOGIA DE JOÃO II

Muitas das palavras específicas joaninas são interpretações da morte de Jesus:

Cordeiro de Deus (1.29): essa singular nomeação de Cristo prova­velmente exalta Jesus como o cordeiro pascal, cujo sangue salva os homens da ira de Deus contra o pecado (Ex 12.21SS).

Exaltação: essa expressão de significado duplo fala tanto da cruci­ficação quanto de uma entronização.

A hora: como Jesus sabe a hora de sua morte, ele não se intimida em suas aparições públicas, apesar dos ataques (7.25; 8.20). Quando chega o momento, ele se esconde (12.36). Desta forma, sua morte não é nem o triunfo de seus inimigos, nem conseqüência de sua própria coragem diante da morte. Um paralelo da mesma época era o desprezo pela morte apresentado pelos judeus que lutavam pela liberdade, que esperavam que Deus lutaria por eles.

Glorificação: essa palavra explica que a luz de Deus rebrilhou na morte de Jesus.

Em João, paixão, morte e ressurreição de Jesus estão apresentadas na mesma seqüência que nos evangelhos sinóticos:

Betânia, entrada em Jerusalém, última ceia, prisão no Monte das Oliveiras, interrogatório pelo sumo sacerdote, entrega a Pilatos, crucificação, sepultamento, ida ao túmulo, manifestações de Jesus.

De acordo com Marcos, Mateus e Lucas, na última ceia Jesus instituiu o ritual por meio do qual os cristãos recordam sua morte e celebram sua presença; já em João a ceia é somente o contexto no qual Jesus ensina seus discípulos, de uma maneira diferente, a respeito de como estará presente com eles depois de sua morte, primeiramente com a lavagem dos pés e depois em longos discursos de despedida (13-17).

O calmo discurso de ensinamento que evita a polêmica dos discursos públicos de Jesus deve ter sido para os cristãos joaninos um modelo de como fortalecer a fé uns dos outros. Isso explica a grande extensão dos discursos.

Esta é a única cena em João que Jesus está sozinho com os discípulos e, mesmo aqui, o assunto é o mundo. Assim como Deus o enviou ao mundo, assim também Jesus envia seus discípulos (17.18). Ao mesmo tempo,

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ganha novo significado a convicção cristã de que o Espírito Santo atua nos cristãos. Uma expressão joanina específica chama o Espírito deparakleto, “que foi chamado a ajudar” (cf. latim: advocatus). Jesus promete que ele - ou melhor, seu Pai - enviará o Espírito aos discípulos como um “assistente jurídico” para enfrentar o mundo.

A ideia do Espírito como uma pessoa enviada pelo Pai e pelo Filho é óbvia; mais tarde, isso foi significativo para a doutrina do Deus trino.

Em João a promessa do parakleto interpreta os sofrimentos aos quais os cristãos joaninos estavam sujeitos como disputas legais; no lugar das provas entrava o testemunho do Espírito que atua nos discípulos.

Na história da paixão (i8s) o autor se atém à mesma seqüência narrativa dos sinóticos, mas formata-a de acordo com sua cristologia. De uma maneira ainda mais concreta, ele descreve a tensão insolúvel entre a divindade e a humanidade de Cristo. Por um lado, mesmo sendo vítima indefesa dos poderosos, Jesus continua sendo superior, diante do que os captores caem por terra (18.6); por outro lado, o Ressurreto exibe as feridas do Crucificado (2 0 .2 5 S S ). O soberano é açoitado, insultado, torturado. Como que sentindo a necessidade de combater a dúvida de que “o verbo se fez carne”, o autor enfatiza que o morto foi perfurado e que da ferida saiu “sangue e água” (19.34).

Os nomes de lugares que deixaram de existir depois da destruição de Jerusalém enfatizam o fato de que a morte do “Filho de Deus” foi um acon­tecimento histórico. A tradição de que Anás, o sogro ainda politicamente ativo do sumo sacerdote, teria sido o primeiro a interrogar Jesus também é um testemunho do conhecimento preciso a respeito das circunstâncias da época (18.12).

De acordo com Josefo (“Antiguidades” 20.1), Anás era o líder do clã sacerdotal mais influente de Jerusalém.

O julgamento diante de Pilatos é descrito em sete pequenas cenas de crescente dramaticidade. Diante do representante do poder mundial Jesus se revela como “aquele que veio ao mundo”.

Esta cena (18 .37 S ) está registrada em um papiro do início do séculoII, o testemunho histórico mais antigo de João.

Mesmo entendendo as palavras de Jesus como uma prova de sua inocência, Pilatos manda açoitá-lo. O açoite fazia parte da pena de

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crucificação, mas Pilatos a ordena de forma ilegal, ainda antes da conde­nação. Desta forma, o comportamento de Pilatos se torna um símbolo de como o “mundo” não “pratica” a pouca verdade que conhece. Além disso, dessa forma o evangelista mostra a única cena em que Jesus é apresentado como vítima indefesa no centro da história da paixão; a flagelação é a maior humilhação de Jesus.

Com fina ironia, João mostra como também os judeus se enredam na culpa. Eles invocam a lei de Deus contra Jesus e logo depois negam o reino de Deus. Mas o vitorioso é o executado, que exclama, ao morrer: “Está consumado”.

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Paulo / Introdução❖ O CHAMADO DE PAULO

Paulo não escreveu para o futuro, pois estava convencido que o fim do mundo estava próximo (íTs 4.17). De vinte a trinta anos depois da morte de Paulo, Lucas elaborou um relato coerente da atuação do apóstolo em Atos, sem ter conhecimento das cartas, mas também sem contradizê- -las de forma significativa, de maneira que os dados dessas duas fontes formam um quadro geral confiável da obra de Paulo.

No NT, somente as cartas de Paulo se originaram numa época em que a fé cristã ainda podia ser considerada como uma faceta entre muitas de um variegado judaísmo. Mas Paulo já questionava: o que une cristãos e judeus? O que os separa? As cartas mostram como isso o tornava con­troverso. Mas depois que o cristianismo se separou do judaísmo, estas cartas, nas quais Paulo lidava com problemas específicos de cada comu­nidade, se tornaram textos didáticos para todos os cristãos.

Assim, várias cartas foram reunidas em um único texto, dando origem a 1 Tessalonicenses, 1 e 2Coríntios e Filipenses.

Devido à sua origem e educação, Paulo estava familiarizado tanto com a cultura greco-romana como também com as tradições judaicas. Ele pertencia a um clã judaico conservador de Tarso, capital da Cilícia, um centro da cultura grega, e possuía a cidadania romana (Fp 3.5; At 9.11; 22.28). “Paulo” é um nome tribal romano (cf. At 13.7). Paulo usava esse nome junto com seu nome judaico Saulo, provavelmente em honra ao homem a quem ele devia sua cidadania romana. Sua língua materna era o grego; ele dominava o aramaico e o hebraico.

Paulo deve ter chegado em Jerusalém somente depois da morte de Jesus. É verdade que em 2Coríntios 5.16 ele escreve que ele tinha “conhecido a Cristo segundo os padrões humanos”, mas aqui ele se refere ao conhecimento “carnal”, que fez dele um perseguidor dos cristãos.

Quando estudou com os fariseus em Jerusalém, participava da perse­guição dos “helenistas” cristãos.

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Redação das Cartas 5 0 -5 6 d .C

Hipoteticam ente enumeradas: quinze cartas d e Paulo

Edição f in a l no NT: sete cartas de Paulo

depois de sua fuga deTessalônica ^ (At 17.10)

As cartas de Paulo em ordem cronológica

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Os “helenistas” criticavam o culto celebrado por sacerdotes indignos de confiança. Judeus conservadores consideravam a fé na reconciliação com Deus por meio de Jesus como uma afronta aos rituais de reconcilia­ção que Deus lhes ensinara na torá.

Por ora, os “hebreus” da comunidade primitiva que era piedosos e fiéis ao templo (At 2.46) ainda eram poupados das perseguições.

De Atos 9.2 depreende-se com que naturalidade os cristãos judeus helenistas ainda se consideravam judeus: Paulo esperava encontrar hele­nistas fugitivos nas sinagogas de Damasco. Pelo fato das sinagogas serem consideradas tribunais máximos em casos de disputas religiosas, ele também pretendia usá-las também para executar a punição imposta aos hereges.

Mais tarde, quando ele pregava a mensagem de Cristo, ele mesmo sofreu a punição usual nas sinagogas, as 39 chicotadas, em cinco ocasiões (2C011.24).

Paulo passou pela mudança decisiva em sua vida a caminho de Damasco.

Sem se preocupar em ser absolutamente preciso, Lucas fala três vezes sobre esse acontecimento (At 9; 22; 26) como sendo uma manifestação celestial.

Paulo se refere a esse momento como os profetas veterotestamentá- rios falavam sobre seu chamado: Deus lhe revelou o Crucificado como sendo seu Filho e enviou Paulo a pregar essa mensagem. Baseado no tes­temunho que sua fé em Cristo não era devida a pessoas humanas, ele se considera tão “apóstolo” (do grego: “enviado”) quanto aqueles a quem o Ressuscitado apareceu primeiro (1C0 9.1; 15 .8SS).

Mas Paulo se considera enviado a uma missão especial, como “apóstolo dos gentios” (Rm 11.13). Ele, cujo zelo pela lei de Deus o levou a ofender a vontade de Deus, é convocado como mensageiro; para Paulo, isso é um sinal de que terminara o tempo em que a torá de Israel era o único caminho para a salvação. E ainda mais: a ressurreição de um crucificado, amaldiçoado pela lei de

• As cartas de Paulo (5 0 -5 6 d.C.) são os textos mais antigos do Novo Testamento; além disso, são os únicos que tra tam diretam ente de acontecimentos ocorridos na comunidade cristã prim itiva.

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Israel (Dt 21.23), é para ele prova que a mensagem de Cristo vale também para os povos afastados de Deus, que não conhecem a lei de Israel.

De acordo com Gálatas 1 .15 , Paulo entendeu esse chamado logo depois de sua visão e conversão. Isto está de acordo com Atos 9.19 SS , onde se diz que ele começou a anunciar a fé cristã na cidade pagã logo depois de encontrar os discípulos de Jesus em Damasco e receber o batismo.

Outros locais e épocas de sua missão podem ser depreendidos de informações de Atos e das cartas, principalmente em Gálatas is, onde Paulo fala sobre sua atuação passada com a finalidade de defender sua missão. Depois disso, ele trabalhou durante cerca de 30 anos como mis­sionário, fundador, organizador e professor de igrejas, sempre fora da pátria do povo judeu. As cartas foram escritas durante seis anos dentro desse período de tempo na vida de Paulo.

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O lugar da missão entre os gentios foi, primordialmente, a sinagoga judaica. Os não judeus que valorizavam o monoteísmo e a ética dos judeus, além das celebrações nas sinagogas, frequentemente temiam a conversão ao judaísmo, pois a necessidade de cumprir as exigências de pureza os distanciaria de seu ambiente social. Estes “tementes a Deus” eram atraídos pelo ensino de Paulo, de que Cristo lhes abrira um acesso próprio ao único Deus. Paulo, por sua parte, encontrava neles um público capaz de entender sua mensagem, uma vez que conheciam o fundamento, que era a fé judaica. Só havia sinagogas em lugares onde viviam muitos judeus, ou seja, nas cidades. Jesus tinha evitado as cidades; o ministério paulino fez do cristianismo uma religião urbana.

O latim paganus, “morador do campo”, transformou-se em desig­nação para os não cristãos [“pagão”, em português].

Os “tementes a Deus” frequentemente eram pessoas respeitadas e os judeus, cujos costumes os tornava estranhos, precisavam da proteção destes seguidores. Por isso, muitas vezes viam os missionários cristãos como concorrentes indesejados. Quando os cristãos eram expulsos das sinagogas, eles transferiam suas missões para os lares particulares, onde de qualquer forma se reuniam para celebrar a ceia.

A presença de não cristãos na Ceia do Senhor é pressuposta em iCoríntios 14 .23S S ; Paulo aconselha a comunidade a falar de tal maneira que os “incrédulos” compreendessem.

Quando havia conflitos públicos entre judeus e cristãos, as autorida­des tendiam a tomar partido contra a nova comunidade. Logo no começo do seu ministério, Paulo foi expulso duas vezes: de Damasco e da Arábia.

Na certeza de que a ressurreição de Jesus marcava o início do final dos tempos, Paulo queria cumprir sua missão como “apóstolo dos gentios” o quanto antes e por isso começou a pregar nas sinagogas de Damasco logo depois de sua conversão. Quando sua pregação deu origem a agitações, Paulo partiu para sua primeira viagem missionária à terra gentia vizinha, o reino dos nabateus, na Arábia. Também ali encontrou oposição. Quando ele deixou a região três anos depois, os nabateus o perseguiram até Damasco (GI1.17S; 2C 0 11.32; At 9.23S).

Pouco antes (35 d.C.), Aretas IV, rei dos nabateus, estendera sua esfera de influência até lá ao derrotar Herodes Antipas.

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Saulo - PauloBíblicos” |

nascimento 10 d.C. ?

j | Extra bíblicosPontos cronológicos fixos

Cresceu em Tarso, em uma fam ília de judeus conservadores com c id adan ia romana.

30 C rucificação de Jesus

Estudou com fariseus em Jerusalém Zeloso pe la le i de Deus Perseguidor dos discípulos de Jesus

Vocação p a ra apósto lo aos gentios

Missão em Damasco e A rá b ia Foge de Aretas, re i da A rá b ia

Hóspede de Pedro em Jerusalém

33 - ~ G á la tas 1.18 “ três anos”

ZH Josefo, Ant. 1 8:Aretas, in im igo do rei judeu

Missão na C ilícia e na Síria

Dez anos co la b o ra d o r de B arnabé

J

Form ação d a ig re ja de Antioquia

De A n tioqu ia p a ra a Síria em missão

V iagem missionáriade A n tioqu ia passando po r Chipre,sudeste d a Ásia M enor vo ltando a A n tioquia

com Barnabás no concilio dos apóstqtes-

1 G á la ta s 1.18 “ quinze d ias”

G á la ta s 2.1 “ catorze anos”

Compromisso com a missão aos gentios

V iagem missionária com Silas e Timóteo pe la Ásia M enor, M acedôn ia a té Corinto, vo lta a A n tioqu ia passando po r Efeso

C onflito com Pedro e Barnabé a respeito da missão aos gentios u

Viagem missionária com Tito e Timóteo p a ra Efeso, Prpassando pe la M acedôn ia , até Corinto, de vo lta pe la M acedôn ia chegando a Jerusalém

Cinco (sete?) anos de prisão

em Cesareia

V iagem a Roma

em Roma

execução?

m artírio?

antesde49'

i Suetônio C láudii cristãos judeus c

C láud io 25: expu lsão dos de Roma

Atos 1 8.2 dois deles, A q u ila e Priscila, encontram Paulo em Corinto;1 Coríntios 1 ó . l 9 eles vivem em Efeso

50 C --.Inseri* ProccInscrição em Delfos: G á lio Procônsul d a Aca ia

J Atos 1 8.1 2 Paulo d ian te de G á lio 1 Atos 1 8.1 8 “ um tem po a mais”

5 3 c Atos 20.31 ‘ ‘três anos”

54J M

°

M orte de C láudio, re torno Roma daqueles que fo ra m expulsos

^==:'56i=JimRomanos 1 Ó.3 Áqu ila e Priscila novamente

Roma, Paulo saúda-os estando em Corinto

5 7

5 9

Atos 20 .3 "três meses"

Atos 2 4 .2 7 mais de “ dois anos”

62 Suetônio, N ero 1 6: a pena de morte é comum ser a p lica d a aos cristãos

Tácito, An. 15 .44.2 : Perseguição aos cristãos depois d o incêndio <de Roma

B iog ra fia de Paulo em ordem cronológica

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Depois desse fracasso, Paulo consultou a igreja inicial em Jerusalém quanto à correção de seu ensino. Cefas (Pedro) o hospedou (G1 1.18). Ambos aprenderam um com o outro:

Mais tarde, Pedro defendeu a missão aos gentios (At 11.4 S S ; 15 .7S S ).

Paulo “recebeu” a forma de ensinamento que ele cita em iCoríntios 15 .3SS como “evangelho”, e que chama Cefas de primeira testemu­nha da ressurreição.

Após uma estadia de apenas duas semanas, Paulo partiu para novas viagens missionárias, dessa vez para a Cilícia e a Síria (G11.21).

O relato em Gálatas 1 omite os quatorze anos seguintes, uma lacuna que pode ser preenchida a partir de At. A missão aos gentios começou em Antioquia, capital da Síria. Barnabé foi de Jerusalém para lá a fim de cuidar da situação (At 11.22), pois, sendo levita de Chipre (At 4.36), era o mediador mais adequado para lidar com os conservadores que falavam aramaico e os cristãos de língua grega. Ele também tinha atuado como mediador entre Pedro e Paulo, quando da visita deste a Jerusalém (At 9.27).

Agora Barnabé procura Paulo, que andava pela sua terra natal, a Cilícia, e consegue sua ajuda para fundar uma igreja em Antioquia. De acordo com Atos, eles trabalham lá durante um ano ( 11 .2 6 ) e depois saíram juntos em viagem missionária para Chipre e Cilícia (13S ). De acordo com Gálatas 2 .1 , ambos se reencontraram quatorze anos depois da visita de Paulo a Pedro no chamado Concilio dos Apóstolos em Jerusalém.

O sucesso da missão entre os gentios deixara os cristãos judeus inseguros: poderiam eles comer à mesa com os gentios “impuros”? Um acordo sugerido por Tiago, líder da comunidade e fiel à lei (At 15.20), acalmou a discussão.

Paulo foi reconhecido por essa assembleia (G1 2.2s) e pode aceitar sua decisão. Ele também condenava a “imoralidade” (1C0 5.9SS) e concor­dava com exigências relacionadas à comida, pois ele mesmo aconselhava abster-se das comidas que poderiam escandalizar um “irmão” (1C0 8.13).

Na certeza de estar unido aos primeiros apóstolos, ele partiu para a Europa, acompanhado de Silas/Silvano (nome duplo judaico-romano, como Paulo/Saulo), discípulo respeitado em Jerusalém. No caminho, conquistou também Timóteo, filho de um casal judeu/gentio, e fez com

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que fosse circuncidado (At 16.3). Ambas as decisões mostram que Paulo estava de acordo com a igreja primitiva.

No entanto, ao retornar para Antioquia, ele percebeu que Pedro e Barnabé tinham entendido a decisão do Concilio dos Apóstolos de maneira diferente dele. Isto levou a uma polêmica dura sobre o signifi­cado das leis de pureza.

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Judeus e cristãos esperavam que o Deus de Israel reunisse todos os povos; a discussão girava em torno de como isso aconteceria.

Mesmo muitos cristãos judeus pressupunham que Israel teria prio­ridade diante de Deus: no final dos tempos, Deus renovaria a Israel, e só depois os povos também aprenderiam a torá (Is 2; 51.4; Zc 2.15 e outros). Até então, a lei de Deus era uma “muralha” entre judeus e gentios, que só podia ser atravessada pelos prosélitos (do grego: “recém-chegado”), que adotavam a torá e junto com ela também a circuncisão e as leis de purificação. A posição privilegiada de Israel no templo era óbvia: somente podia entrar quem fosse “puro” segundo a torá. As mulheres deviam per­manecer no pátio a elas destinado, por precaução, e os não judeus corriam risco de vida se não ficassem no pátio dos gentios.

Paulo esteve em perigo de morte ao ser acusado de trazer um grego ao templo (At 21.28S).

A questão sobre quem de fato seguia a torá dividiu os judeus em grupos que se rejeitavam mutuamente. Inicialmente, os cristãos eram considera­dos como judeus com conceitos novos sobre o que seria fidelidade à torá.

Paulo sabia que Jesus “estava sujeito à lei” (G1 4.4), mas que para este os “perdidos de Israel” tinham precedência. Ele tinha comido com pessoas que eram consideradas “impuras” e, como sinal de que o reino de Deus era maior do que Israel, tinha reivindicado a honra da casa de Deus para o pátio dos gentios numa ação espetacular (Mt 21.13). Isso servia de base para as igrejas que também recebiam gentios (At 10). Em Antioquia, cristãos judeus e gentios costumavam celebrar a ceia do Senhor juntos, de forma regular. O conflito em torno da missão entre os gentios surgiu somente quando os cristãos de Jerusalém convenceram Pedro a desistir dessas celebrações. Paulo se opôs; o resultado foi um escândalo (G12.nss).

Os argumentos de Paulo são melhor conhecidos que os de seus oposi­tores, dos quais se tem apenas informações indiretas, por intermédio das argumentações paulinas.

Para Paulo, os cristãos que esperavam que a fidelidade à torá os salvaria, desprezavam Cristo. A imagem sombria que ele fazia do ser humano cor­respondia à atmosfera apocalíptica de sua época; ele não considerava

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A No fim dos tempos: as nações se unirão ao povo de Deus, Israel

B No presente: o povo judeu ganha prosélitos e simpatizantes tementes a Deus

C Nas com unidades de Paulo: judeus e gentios estão unidos como povo de Deus

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nem judeus nem gentios capazes de viver da maneira como Deus deseja. Somente a morte de Cristo pode salvar o mundo doente.

Lutero deve ter se baseado neste conceito para fundamentar a doutrina da graça da justificação individual diante de Deus.

Dessa forma, Paulo defendia a missão entre as nações, para a qual se sabia chamado. Não judeus não precisavam se tornar judeus para pertencerem ao judeu Jesus.

Essa ideia foi preparada por textos veterotestamentários como Isaías 19.45: no fim dos tempos, também os povos serão “povo de Deus”.

O sinal da circuncisão como testemunho de filiação ao judaísmo servia somente para os homens. No povo de Deus renovado por Cristo, por sua vez, um único sinal - o batismo - serve para agregar tanto homens como mulheres. Paulo ensina que diante de Deus nada importa, nem a muralha da torá, nem a diferença entre os sexos, nem as divisões presentes nas sociedades pagãs. Pois... em Cristo Jesus... não há judeu nem grego, não há escravo nem livre, não há homem nem mulher... (G13 .2 6 S S ).

Por causa dessa convicção, em Fm Paulo recomenda a um senhor que receba seu escravo como “irmão”; mulheres eram colaborado- ras suas na obra.

Paulo não ensina que a pessoa esteja livre da lei; ele conduzia à crítica da lei. Obedecer à torá é bom, desde que não perturbasse a união de judeus e gentios no mesmo povo de Deus.

O AT reconhece uma crítica semelhante à lei: a lei fundamental da torá é o amor a Deus a ao próximo (Dt 6.5; Mq 6.8).

Como tanto judeus quanto gentios estão invariavelmente enredados na culpa, Deus criou algo novo: a fé em Cristo, que possibi­lita a justificação de judeus e gentios.

Também essa ideia está preparada no AT: somente um Israel regenerado poderá cumprira torá (Ez 3 6 .2 6 S ) .

Do ponto de vista do conteúdo, Paulo não concordava com os cristãos judaizantes. Mas uma coleta realizada entre suas igrejas em

• Para Paulo, a igua lda de de judeus e gentios d iante de Deus era o princípio fundam ental da época que começara com a morte e a ressurreição de Cristo.

• A torá não é necessária pa ra a salvação.

• O bedece r à torá era um dom de Deus.

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favor da igreja de Jerusalém mostra o quão importante era, para ele, a unidade dos cristãos.

Somente no século XX surgiu o conceito de cristãos e judeus como “dois povos de Deus”; para Paulo só existe um povo de Deus. Ele entendeu seus fracassos na missão entre os judeus como sinal de que ele deveria se voltar para os povos e, ao inverter a ordem da precedência de Israel, ele esperava que, vendo a salvação dos gentios, os judeus se encheriam de tanto zelo que se arrependeriam e reconheceriam a Cristo (Rm 11.11).

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❖ V ia g e n s e m fa v o r da fé

As cartas de Paulo mencionam 65 viagens, muitas de longa distância.

Com bons ventos, levava-se três dias para atravessar os 360 km por mar entre Éfeso e Corinto; a viagem de navio de Corinto a Roma durava pelo menos uma semana; de Filipos até Tessalônica são 150 km, uma viagem que, a pé, leva pelo menos quatro dias.

Apesar da relativa segurança dentro do Império Romana, as viagens ainda eram perigosas.

Outras religiões oriundas do Oriente viviam somente em comunida­des locais; os judeus, por sua vez, entendiam-se, em qualquer lugar, como parte de um único povo de Deus, e os mestres da fé judaica percorriam “o mar e a terra” (Mt 23.15).

Também os cristãos viajavam; eles fundavam novas igrejas, fortale­ciam as já existentes, encontravam-se para conferências; mensageiros traziam cartas, notícias, doações. As viagens conectavam as comunidades dispersas à “Igreja”.

Paulo chama tanto as comunidades locais quanto a comunidade de todos os cristãos de “Igreja (ekklesia) de Deus”. O fundamento disso está na palavra veterotestamentária usada para designar a “comunidade” santa (Nm 16.3), e que Paulo, intencionalmente não traduz por synagoge, como faziam os judeus, mas com a palavra grega usada para a assembleia deliberativa dos cidadãos.

(Legenda da tabela da página 389)

A tabela baseia-se nos seguintes textos:1. Gálatas 1.17

2. Gálatas 1.18

3. Gálatas 2.1,9,11

4. Gálatas 1.21; 4.13

5. Gálatas 1.1; 3.1

6. Gálatas 4.13; iTessalonicenses 2.1

7. iTessalonicenses 2.1; Filipenses 4.16

8. 2Coríntios 11.8; Filipenses 4.16

9. Filipenses 1.1; 2.19,25; 4.16,18; 2Coríntios 8.iss

10. iTessalonicenses 3.1

11. iTessalonicenses 3.6

12. iTessalonicenses 1.1; 3.6

13. Viagens missionárias e de consolidação das igrejas: íCoríntios 1.12 (Atos 19.24); iCoríntios

16.19 (Atos 18.2,18); 2Coríntios 2,iss; 12.14; 13.1; notícias: íCoríntios 1.11; 11.8; 16.10,17; 2Coríntios ío.iss; cartas: íCoríntios 1.1; 4.17; 5.9; 7.1; 16.10; 2Coríntios 1.1; 2.3; 7.8; 10.9; outras viagens: íCoríntios 1.1 (Atos 18.17); íCoríntios 16.12

14. Filemom

15. 2Coríntios 2.12S

16. 2Coríntios 7.5SS

17. 2Coríntios 7.5SS; 9.2; 12.14; X3J

18. Gálatas 2.10; 2 Coríntios 1.15S; 8 e 9

19. Romanos 16.1

20. Romanos 16.3 (íCoríntios 16.19); 16.5,7

21. Romanos 16.8s.13

22. íCoríntios 9.5S; 2Coríntios 11.24SS._________

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Os cristãos também herdaram dos judeus o costume da hospitalidade para com os irmãos na fé. Em Corinto, Paulo foi hóspede de um casal judeu, que mais tarde colocou sua casa à disposição da comunidade cristã também em Éfeso e depois em Roma (At 18.2; 1C 0 16.19; *6.3). Os rela­cionamentos com pessoas de lugares distantes facilitavam a missão. Nas suas cartas, Paulo cita 60 cristãos pelo nome; ele recomenda colaborado­res, saúda e manda saudações. Antes de chegar a Roma, ele já conhecia ali por nome nove mulheres e dezenove homens (oito deles pessoalmente) e pressupõe que oito cristãos de Corinto sejam conhecidos em Roma.

Como aluno de fariseus, Paulo aprendera um ofício, a fim de não precisar depender do ensino religioso. Isso lhe foi útil em suas viagens. Ele conhecia a palavra de Jesus de que um mensageiro da fé tem direito ao seu salário (1C0 9.14; Mt 10.10), mas se orgulhava de não cobrar esse direito.

Em 2Coríntios 2.17 ele se distancia daqueles que são “mercenários da palavra de Deus”.

Seu modelo seria seguido por missionários cristãos até os tempos modernos.

Diferentemente dos cristãos judeus conservadores, Paulo estava con­vencido de que fronteiras étnicas não tinham significado para os cristãos. O sucesso da missão cristã entre a população miscigenada das cidades romanas mostra que suas ideias se impuseram.

Paulo foi o primeiro a planejar missões em grande escala. Quando o Concilio dos Apóstolos lhe assegurou que “não tinha corrido inutil­mente” (G1 2.2), ele foi para a Europa onde nenhum outro enviado de Cristo tinha estado antes dele. A fundação da primeira comunidade cristã

europeia significou, para ele, o “princípio do evangelho” (Fp 4.15).

Também Lucas enfatiza o significado desse passo; de acordo com Atos i6.6ss, o “Espírito” e uma visão levam Paulo à Macedônia.

Paulo queria visitar os cristãos romanos para que estes o equipassem para a viagem à Espanha, pois não havia mais o que o detivesse na região oriental (Rm 15.23). Ele tinha esperança de que a fé das igrejas exis­tentes se espalharia mesmo sem a presença

• A herança judaica dos cristãos incluía a disposição para enfrentar os perigos das viagens em nome da fé.

• Uma novidade era o plano de Paulo de p re g a r a mensagem da fé aos povos que a inda não a conheciam.

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dele (íTs 1.8). Ele não se sente responsável pelo “campo de atuação de outro” (2C0 10.16); na verdade, ele se sabe enviado a providenciar para que a mensagem de Cristo fosse anunciada em toda parte antes do final dos tempos.

A importância que Paulo dava à sua ligação com a origem da “igreja” é demonstrada pelas viagens que ele e seus colaboradores fizeram por todos os países de sua missão - Galácia, Ásia, Macedônia, Acaia - com a finalidade de coletar ofertas para ajudar a igreja de Jerusalém.

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As cartas de Paulo❖ Aos T e s s a lo n ic e n s e s

Paulo queria que a fé em Cristo se arraigasse acima de tudo nos centros do poder romano:

De Antioquia, capital da Síria, ele foi para a Europa;

Em Tessalônica, capital da Macedônia, ele quis fundar uma igreja sólida;

Passou um ano e meio em Corinto, capital da Acaia, com a mesma finalidade;

Atuou durante três anos em Éfeso, capital da província da Ásia.

A missão na Macedônia encontrou resistência dupla:

Os judeus temiam perder os protetores gentios das sinagogas.

As autoridades romanas ficavam desconfiadas quando outros grupos, além dos judeus (cujas particularidades eles conheciam), se recusavam a honrar os deuses do império romano.

Paulo foi rapidamente expulso de Filipos, onde surgira a primeira igreja europeia, mas deixou lá seu colaborador Timóteo. Esse enviou- -lhe as doações recolhidas (Fp 4.15) e certamente também boas notícias. Com seu outro colaborador, Silas, Paulo foi para Tessalônica (2.2), mas tiveram de fugir depois de um início com bons resultados. Ficaram por um tempo em Bereia, a fim de poderem retornar logo. Paulo teve que fugir novamente (2.18). Silas permaneceu em Bereia, mas os cristãos de Tessalônica ficaram órfãos.

Paulo conseguiu retomar o contato com eles por meio de Timóteo, com quem se encontrara em Atenas (3.1S). Timóteo era um desconhecido para as autoridades de Tessalônica; no entanto, o mesmo valia para os cristãos lá. Por isso Paulo lhe deu uma recomendação escrita com que se apre­sentar. Outro objetivo desta carta, a mais antiga de Paulo na Bíblia, era garantir que o desaparecimento repentino de Paulo não levasse a igreja a pensar que ele fosse um daqueles charlatães piedosos que rondavam a região. Por isso relembra seus trabalhos missionários.

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Tessalônica

Timóteo^

‘ irmãos de Fiiipos

Atenas

<#> C a p ita l de província

Fundação de ig re ja

0 5 0 100 km 1____I_____I_____l_____l

tirm ãos 1 = -Fiiipos

Paulo, Tim óteo e Silas

1a p a r t ir da Ásia M enor

BereiaTimoteo

Razões p a ra as viagens

Corinto

Missão(At 17; 1 Ts 2.2)

Doação p a ra Paulo (Fp 4.16)

Encontro com Paulo (1 Ts 3.1)

Entrega de cartas m otivadas por preocupação (lTs 3.1 ss.)

Doação de Fiiipos e notícias de Bereia e Tessalônica (Fp 4 .16 ; 2Co 1 1.8;A t 18.5; lTs 1.1)

Entrega da ca rta de consolo (1 Ts 1.1; 4.9ss.)

Timóteo, Silas,“ irm ãos” de Fiiipos

Paulo

Viagens re lacionadas com a fundação da ig re ja de Tessalônica

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Paulo tinha encontrado trabalho e, com isso, estabeleceu contato com negociantes e artesãos (compare 4.6,11). Eles eram gentios, e Paulo abordou-os com a polêmica judaica típica com relação aos ídolos (1.9) e defendeu a fé em um Deus único para o mundo inteiro. Mas ele fez isso usando o “evangelho”: por meio de Jesus Cristo, Deus salva a humani­dade presa à destruição.

A essa carta logo se seguiu uma segunda. Timóteo veio de Tessalônica para Corinto (para onde Paulo tinha se mudado àquela altura) portando boas notícias (3.6). Ele trazia perguntas: cristãos em Tessalônica tinham falecido. Onde estavam eles? Eles veriam a volta de Cristo? Paulo manda a resposta por escrito com os acompanhantes de Timóteo que voltaram para casa.

Paulo nomeia Silas também como remetente (1.1). Aparentemente, Silas tinha retornado de Bereia para reunir-se a ele.

Em Tessalônica, Paulo não tinha tido tempo para apresentar a doutrina da ressur­reição dos mortos; agora ele o faz por escrito (4.13SS): Deus ressuscitou Jesus da morte; por isso, os cristãos podem ter a esperança que Deus conduzirá à glória, junto com Jesus, também os seus mortos. Como os gregos consideravam o corpo como uma prisão do espírito imortal, Paulo enfatiza o pensamento judaico da unidade do espírito com o corpo e

recomenda manter o corpo “irrepreensível” para a vinda de Cristo (5.23).

O redator mudou tão pouca coisa que é possível, pelas interrupções na forma e conteúdo, perceber onde a carta mais antiga, escrita em Atenas, foi inserida na carta mais recente, escrita em Corinto.

Essa maneira de ensinar desenvolvida por Paulo alcançaria grande importância para os cristãos do primeiro e segundo séculos.

• 1 Tessalonicenses é a única carta de Paulo que fala sobre uma missão pioneira.

• Um reda to r uniu essas duas cartas para fo rm ar um único texto d idático : e assim surgiu 1 Tessalonicenses.

• Estrutura comum nas cartas daque la época:

a) Cabeçalho: remetente, destinatário , saudação;

b) Introdução: pa lavras de ação de graças;

c) Corpo: conteúdo da ca rta ;

d) Exortações e planos (somente em Paulo);

e) Saudações e desped ida.

• 1 Tessalonicenses é o exem plo mais antigo de um novo gênero lite rá rio : no NT, não há textos d idáticos artific ia lm ente escritos como “ epísto la” , mas cartas reais.

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Em iTessalonicenses há duplicação dos itens b)-e):

DE ATEN AS DE CO RINTO iTessalonicenses

a) Cabeçalho 1.1b) Ação de graças 1.2-4

c) Início em Tessalônica 1.5-10c) Inícioem Tessalônica 2.1-12

b) Ação de graças 2.13-16c) O enviado Timóteo 2.17-3.5

c) Retorno de Timóteo 3.6-10

e) Votos de despedida 3.11-13

d) Exortações 4.1-8

c) Respostas às perguntas 4-9-5-nd) Exortações 5.11-22

e) Votos finais 5.23-28

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❖ AOS CORÍNTIOS

Na época de Paulo, Corinto (destruída no ano 146 a.C., reconstruída em 45 a.C. como colônia romana, capital da província desde 27 a.C.) era uma cidade cosmopolita com portos nos mares Egeu e Adriático. A igreja ali fundada por Paulo era composta de pessoas de todas as camadas sociais, principalmente não judeus. Havia ali muitos tipos de dons carismáticos. As pessoas discutiam entre si e contestavam Paulo a fim de defender seus próprios conceitos. Havia quem duvidasse até mesmo da capacidade de Paulo e de sua vocação. É possível acompanhar três anos de sua luta por união na igreja e pela aceitação de sua mensagem, pois Paulo teve de se corresponder com Corinto por ter ficado em Éfeso por mais tempo do que tinha planejado (1C0 4.19; 16.8; 2C 01.8). O intenso intercâmbio comercial entre as cidades favorecia a troca de notícias.

Indícios desse fato são referências a cartas anteriores, mensageiros, mudanças de planos de viagens e o tratamento diferenciado dado aos mesmos temas.

As questões são sempre atuais. Em iCoríntios xi e 15 Paulo relembra os temas centrais da missão. Como tinha ouvido a respeito da maneira egoísta como os coríntios se comportavam durante a ceia, ele fala sobre a última ceia de Jesus. Como havia muitos que duvidavam da ressurreição do corpo e questionavam o chamado do apóstolo, Paulo repete o credo da morte e da ressurreição de Cristo e cita as testemunhas da ressurreição e a si mesmo, o último e menor dentre os apóstolos.

Com certeza Paulo deve ter falado muito mais sobre Jesus oralmente do que nas cartas, até mesmo para esclarecer que o Crucificado não tinha sido nem escravo nem rebelde.

A expectativa escatológica levou muitos coríntios a desprezar as coisas do mundo vivendo em libertinagem ou ascetismo. Paulo adverte os dois grupos que a proximidade do juízo final torna ainda mais urgente a responsabilidade para com a situação presente da igreja. Ele julga com dureza, mas também era capaz de ceder.

Em duas ocasiões, ele pede, em vão, que os egoístas sejam excluídos. Por fim, ele se contenta com a opção da “maioria” de reconciliar- -se com todos e exigir a mesma coisa de todos, para que “Satanás”

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Visitas para fo rm ar igrejas: 50-51 d.C. em Corinto 53-55d .C . em Éfeso

A ig re ja de Corinto Mensageiros Ensinos de Paulo

prim avera

54prim avera

55prim avera

... está d iv id ida . Alguns perguntam: Seria Paulo inteligente? Existe im ora lidade e disputas judiciais.

Pessoas de CloéL>

..... .......... t S Distinção:Timóteo ^ do mundc

loucura d<

1a. C artaSabedoria

m undo/da cruz

... não escuta Paulo. Alguns dizem: tudo é perm itido.

Timóteo p> 2a. C arta

ç A m i g o s de Corinto Respeito ao corpo, última ceia

... duvidam da ressurreição !______________em carne. Alguns dizem: Será Paulo Amigos p realm ente um Apóstolo? |

3o. Carta

Ressurreição de Jesu: e de todos os mortos

...envia perguntas por escrito.

Carismáticos se mostram presentes.Estêvão e outrosJí> 4 a. C arta

Esperança do fimEstêvão e outros ^ dos tempos, valores

na maneira de viver

0 ------j^Paulo já tinha enviado a Timóteo

... escuta aos judaizantes e diz: Paulo busca a p rópria fama. Timóte O p / 5 a. C arta

Tito e “ irmãos” M aravilha de servir ; na nova aliança

... re je ita Tito.

Paulo v ia ja p a ra Corinto

... m ortifica Paulo.6a. C arta

Fraqueza do apósto­lo, sinais do poder de Deus

... pede perdão. Paulo v ia ja ao encontro de Tito

<=C Tito

7 a. C arta

Consolo de Deus aos sofredores

Inverno de 5 5 /5 6 Paulo perm anece em Corinto po r três meses.

Trabalhoderedação

1 Coríntios1.1-5.8M-------6 . 1-1 1

5.9-13 —

6.12-20

10 e 1 1

15

7 - 9 -

1 2 -1 4 -16

2Coríntios

2.14-7.4

1 0 - 1 3

1.1-2.13

7 .5 -1 6 -

9 -------------

Intercâmbio de notícias e cartas entre a Igre ja de Corinto e Paulo

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não se faça passar por justo; sobre isso, cf. iCoríntios 5.2SS, 9SS;

2Coríntios 12.21; 11.15; 2.6ss.

Em compensação, ele enfatiza ainda mais o padrão duplo da vida cristã:

Cada cristão é um “templo" da presença de Deus, uma vez que o Espírito de Deus já está presente nele. Por isso, ninguém pode violar seu próprio valor.

Cada cristão deve sacrificar sua vida pelos outros, seguindo o exemplo de Jesus.

Também os carismas que Deus deu a alguns coríntios são medidos pelo benefício que trazem a outros.

Em Paulo, carisma (grego: “graça”) adquire o significado de “emanação”.

Quando Paulo toma conhecimento de sua presença, envia Timóteo para tomar providências. Timóteo não é bem-sucedido, de modo que Paulo fundamenta, por carta, a diferença entre a “antiga” e “nova aliança” (2C0 2.14 a 7.4). Deliberadamente, Paulo envia Tito, seu colaborador não judeu, como mensageiro.

Tito também é encarregado de levantar uma coleta em favor de Jerusalém (2C0 8), provavelmente para aplacar os judaizantes.

Tito é rejeitado e Paulo vai para lá pessoalmente, mas é ofendido e retorna logo.

Esta segunda visita de Paulo pode ser depreendida de 2Coríntios 12.14; 13 -1-

Com mais uma carta, escrita “com muitas lágrimas” (2C0 2.4) e novamente confiada a Tito, Paulo quer reconquistar a igreja. Para isso, ele relata necessidades e sofrimentos pelos quais passou em sua carreira como apóstolo, como que se “orgulhando de sua loucura” (2C0 11). Apresenta-se a si mesmo como exemplo de uma doutrina despre­zada em Corinto, cidade ávida por diversão, e que é frequentemente enfatizada em 1 e

• 1 e 2Coríntios resumem seis ou sete cartas.

• Os principais opositores de Paulo são os cristãos judaizantes, que contestam o fa to de que também os não judeus são reconciliados com Deus por meio de Jesus.

Page 399: Atlas da bíblia     annemarie ohler;  tom menzel

2Coríntios: Deus demonstra seu poder por meio daquilo que aos homens parece fraco.

A “carta das lágrimas” de Paulo obtém mais sucesso junto à “maioria”. Muito inquieto, ele viaja para a Macedônia, ao encontro de Tito, o portador da carta, e ouve a respeito de “saudade, lágrimas, dedicação, defesa própria, indignação, temor, preocupação e punição” na igreja (2C0

7-7.ii)-Uma carta deve selar a reconciliação, alcançada porque os coríntios

podem ter certeza da ajuda de Deus. Afinal, eles receberam o batismo como “selo” da aliança com Deus e o espírito que atua dentro deles como “garantia” (2C0 i.i8ss). Apesar de seu juízo rigoroso (cf. 1C0 6.11; 10.13; 2C0 13.11S), Paulo está convicto que os batizados estão salvos.

A carta de Clemente (96 d.C.), escrita depois do NT, mostra que o sucesso de Paulo não foi duradouro. Mas a composição epistolar de 1 e 2Coríntios manteve seu significado.

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❖ A os F ilip e n se s ; a o s G á la t a s

Paulo escreveu a carta aos Filipenses na prisão em Éfeso (55 d.C.). Os filipenses tinham enviado Epafrodito para ajudá-lo. Paulo mandou-o de volta com uma carta surpreendentemente amorosa. Os filipenses também estão aflitos e Paulo os anima. Ele mesmo tinha experimentado que até mesmo as aflições são úteis ao evangelho. Na prisão, ele ganhara pessoas da “casa de César” (escravos?) para Cristo, e o seu exemplo encorajara outros a anunciar o evangelho. É verdade que alguns o faziam buscando sua própria fama, mas P. os suporta: “Se eles anunciam a Cristo, eu me alegro”.

“Alegria” é a palavra-chave da carta.

O tom da carta muda repentinamente. P. adverte contra a “falsa cir­cuncisão” e explica que, apesar de ser um judeu “irrepreensível”, isso era para ele como “esterco”.

Por causa da dureza inexplicável de 4.4 depois de 3.1, essa polêmica (3.2-4.3) provavelmente é uma inserção de outra carta.

Mudança semelhante acontece em 1 e 2Coríntios. Em iCoríntios 15.8, Paulo não reage a uma expressão injuriosa lançada contra ele e se chama a si mesmo de um “nascido fora do tempo”; já em 2Coríntios 11.13 ele ataca os “falsos apóstolos” que anunciam “um outro Jesus”.

Em Gálatas há invectivas semelhantes.

A carta aos Gálatas é um libelo áspero e polarizador, que até hoje dificulta o diálogo judaico-cristão. Lutero lia-a como uma convocação à liberdade cristã, contra a primazia de Pedro.

Em Gálatas os inimigos permanecem anônimos, mas as coincidências com Filipenses 3 e 2Coríntios 11 revelam quem Paulo estava combatendo.

A carta destina-se a celtas (em grego: “gálatas”) que viviam na Ásia Menor (At 18 .3 3 ) . Eles haviam cuidado de Paulo quando este adoecera em viagem e tornaram-se cristãos (4 .13S ). Depois de visitá-los pela segunda vez, Paulo ficou sabendo que tinham adotado um “outro evangelho” ( 1.6 ) . Ele preferiria ter ido pessoalmente (4 .2 0 ) ; como possivelmente não dispunha de um mensageiro confiável (cf. Fp 2 .2 0 ) , ele defende sua mensagem com uma carta doutrinária em que apresenta detalhadamente dois argumentos:

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Mísia

Antio<

rota comercial

província romana

relações amistosas com Roma

re g iã o da Mísia

de acordo com Atos 1 8.23

Caminho de Paulo

de acordo com ^ Atos 1 6.6

Deus

Cristo

Celtas que acreditam

em Cristo são

filhos de A b raã o .

B Cumprimento d a promessa fe ita a A b ra ã o e d a lei d o Sinai segundo a ca rta aos G á la tas

Portão da Cilícia

J__ l__ l__ IA As duas visitas de Paulo à “ te rra dos ‘celtas’ (g rego : gá la tas)”

prom ete bênçãos a todas as tribos da te rra

Forças dos elementos escravizam a todos os povos

Sua m ald ição alcança a todos

que pra ticam a injustiça.

A torá cuida do Israel imaturo.

A b ra ã o crê na

suas bênçãos..

se tornam verdade iras através de

(Ankara)

$Terra dos Q á la tas

Troade

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í. Ele não tinha recebido de homens o evangelho que anunciava(is).

Para provar isso, ele conta que visitou os apóstolos originais somente muito tempo depois de sua chamada, e por um período breve. Mas ele enfatiza da mesma forma que eles o aceitaram. A veemência com que ele acusa Cefas mostra a autoridade que este representava para ele: Cefas teria desistido de participar da ceia com os cristãos gentios somente devido ao “medo” dos cristãos judeus. Para Paulo, o fato de cristãos “comerem juntos” é um sinal indispensável de sua unidade.

2. O evangelho que ele anuncia está de acordo com as Escrituras(3-6).

Paulo demonstra isso com uma ousada reinterpretação dos sinais essenciais característicos dos judeus:

Os inimigos de Paulo certamente louvavam a circuncisão como símbolo da aliança de Abraão (Gn 17). Já Paulo explica que essa aliança só é cumprida por aquele que, como Abraão, crê na promessa (Gn 15.6). Os gálatas só são “filhos de Abraão” na medida em que nada têm a apresen­tar a Deus além de sua fé em Cristo; mas então a linhagem de Abraão e Isaque continua ininterruptamente também entre os celtas.

A lei veterotestamentária impressionara aos gálatas principalmente por causa da ordenança do sábado e das festas. Talvez os opositores de

Paulo pertencessem a grupos judaicos para os quais as questões relativas ao calendário tinham significado central. Paulo adverte os gálatas: quem espera que a observância de dias sagrados traga salvação pratica idolatria. O tempo seria um dos “poderes elementa­res” que escravizavam as pessoas. Por meio de Cristo, Deus anulou estes poderes, que os pagãos veneravam como deuses. A partir de então, também a torá tinha um novo significado; outrora ela tinha “guardado” Israel (3.24), mas sem trazer as bênçãos que prometia aos justos.'8

18 [NE] Esse novo significado veio com Cristo, no qual se cum prem a lei e os profetas, e as bênçãos se to rnam decorrentes do reconhecim ento de sua cruz.

• Paulo reba te cristãos judeus que duvidavam de sua in teg ridad e e anunciavam o evangelho de maneira d ife ren te da que ele tinha fe ito.

• Ele não tinha recebido de homens o evangelho que anunciava (1 s).

• O evangelho que ele anuncia está de acordo com as Escrituras (3-6).

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“Guardar” tem uma conotação positiva para Paulo; também a “paz de Deus guarda” as pessoas (Fp 4.7).

Como ninguém está livre da injustiça, se cumpriria a maldição com que a torá ameaça a todos que cometem a injustiça (Dt 28). Por isso Deus interveio e enviou bênçãos através de Cristo.

Mesmo na doutrina judaica veterotestamentária, a pré condição para ser abençoado não são as ações justas, mas a resposta da fé à bondade de Deus. A única novidade no ensino de Paulo é que a fé em Cristo salva.

No entanto, é incompatível com as ideias veterotestamentárias a imagem da torá como “pedagoga” (grego: “guia de crianças”). No mundo grego, o “pedagogo” era um escravo idoso que cuidava da criança no caminho para a escola. Mas a torá veterotestamentária é a instrução para um Israel já maduro, que deve controlar sua própria vida e assim tornar-se um povo que responda ao amor de seu Deus de forma livre.

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❖ A os R o m a n o s l

Paulo escreveu suas cartas movido por grande preocupação pelas igrejas por ele fundadas:

iTessalonicenses se propõe a dissipar temores;

íCoríntios pretende curar divisões;

• Filipenses encoraja a igreja perseguida;

2Coríntios e Gálatas combatem os judaizantes.

Somente em Romanos Paulo se dirige a uma igreja que ele não conhecia.

Também aqui Paulo tinha razões atuais. Ele escreve a carta em 5 6 d.C., de Corinto. Seu trabalho no Oriente estaria concluído (15 .2 3S S ); a única coisa que ele ainda quer fazer é levar a coleta de suas igrejas a Jerusalém, para então - ainda antes do fim dos tempos ( 13 .11) - iniciar sua missão na Espanha. Ele espera encontrar ajuda em Roma para essa missão; da mesma forma, sua carta deve servir para conquistar os cristãos romanos para essa causa.

Das exortações (12.1-15.13) depreende-se que Paulo conhecia as circuns­tâncias em Roma. Provavelmente ele lembra o direito do Estado porque sabia que cristãos tinham causado “tumultos” que levaram o imperador Cláudio a expulsar judeus de Roma em 49 d.C. (Suetônio, “Cláudio” 25.4). Paulo conhecera algumas dessas pessoas no Oriente; ele os saúda no v.16; aparentemente eles tinham regressado depois da morte de Cláudio (54 d.C.). Provavelmente aqueles tumultos começaram devido a discussões sobre as prescrições alimentares; para Paulo, isso é motivo para orientar as igrejas a serem tolerantes nessa questão.

Na parte principal e doutrinária da carta (1.18-11.36) Paulo presta contas de sua fé, de forma refletida e cuidadosa.

Para isso, ele recorre ao estilo do discurso oral, encenando, p.ex., discursos judiciais contra as pessoas, os judeus ou até um monólogo de Adão (7.14-24).

Quanto ao tema, Romanos está relacionado a Gálatas, mas enquanto Gálatas adverte aos não judeus a aceitar a torá, Romanos ensina que cristãos gentios e judeus formam uma só comunidade. Paulo sabe que a lei judaica é apreciada por muitos cristãos gentios de Roma (1.6; 7.1) e que o seu ensinamento os provoca. Ele aproveita esse gancho: teria Deus escolhido Israel, ensinando o povo com ajuda da torá, para depois exigir

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SUA justiça, po r meio de Cristo,

m orte pelas injustiças de todas as pessoas, ressuscitado p a ra que Deus possa fa z e r justiça a todos.

Compreensão do mundo na ca rta aos Romanos

no fim do mundo Sua ira a n iqu ila rá a todos os injustos.i li tiíalllMÊÊÊIÊÊlÊtÊlíÈÍÊÊÊÍlÊÊÍÊÊÊÍÊttÊÍItt

Deus

Justiça conduz revela Injustiça conduzà v id a

Pois a injustiça dom ina

Coração razaohumano

despertaser

Esperançaque cre

toraensinaIsrael

na

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dele somente a fé em Cristo? Romanos é o único texto neotestamentário que questiona o sentido do povo judeu continuar existindo.

A questão das intenções de Deus está no centro de Romanos. Paulo não a resolve, mas esclarece a seus destinatários a realidade em que vivem. O que aconteceu com eles quando se tornaram cristãos? O que mudou no mundo com a morte e ressurreição de Cristo? Ele desenvolve a lógica interna desse acontecimento; relacionando expressões filosó­ficas e bíblicas, ele elabora uma linguagem exigente. Para ele, p.ex., a promessa que Deus curaria a infidelidade de Israel quando “escrevesse sua lei em seu coração” (Jr 31.33) comprova que torá e consciência (2.15) têm a mesma importância. Interiormente, mesmo os gentios sabem o que é certo e errado.

Já no cabeçalho da carta Paulo aponta para o significado universal de Cristo, ao substituir o credo que afirma que Jesus “ressuscitou” (1C 015.4) pelo tópos apocalíptico da “ressurreição dos mortos”. A obra de Cristo beneficia a todos que precisam morrer. Paulo explica detalhadamente o significado disso, primeiro do ponto de vista negativo, depois positivo.

Ele começa (1.18-3.20) afirmando que o mundo está, com justiça, entregue à morte. A “ira” de Deus se mostrará definitivamente no final dos tempos, mas já é perceptível há muito tempo. Afinal, todos os povos desconsideram o poder com que poderiam promover a justiça e proteger a vida: no caso dos gentios, a razão, e no caso dos judeus, a torá.

Na segunda etapa (3 .2 1 -5 .2 1) , ele explica que Deus exerce sua justiça de maneira a salvar a humanidade. O AT hebraico fala da justiça de Deus como um poder que cura a injustiça. Paulo atribui o mesmo significado ao grego dikaiosyne, quando descreve as intenções de Deus como a “reconci­liação” que oferece a seus inimigos (5 .10 ) , ou a “libertação” do indivíduo da prisão do pecado e da morte (7 .2 3S ).

É incompreensível o fato de Deus tolerar toda essa injustiça; mas Paulo sabe para quê Deus exerce paciência e não permite o fim do mundo. Todos devem receber a oportunidade com a qual os cristãos já vivem. Paulo esclarece isso com uma variação do credo cristão: Cristo fo i entregue à morte por causa das nossas transgressões e ressuscitado para a nossa justificação (4.25). Deus “torna justo” ao permitir que se tome parte na vida do Ressuscitado. Paulo não explica o porquê disso: também o Deus gracioso é incompreensível.

Page 407: Atlas da bíblia     annemarie ohler;  tom menzel

Em Romanos, Paulo explica o que o leva a pregar a mensagem de Cristo aos povos. Provavelmente ele esperava que na capital do mundo seria possível encontrar cristãos que tivessem aprendido a ignorar as barreiras entre judeus e gentios. Talvez esse pensamento o tenha motivado a apelar ao imperador, apesar da perspectiva de receber um julgamento justo na Palestina (At 26.32), pois isso o levaria a Roma. Ele não tinha como saber que naquela época um cristão dificilmente receberia um juízo justo em Roma (Suetônio, “Nero” 16).

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❖ Aos R o m a n o s II

De acordo com a doutrina paulina, Deus abriu o caminho da salvação para todos os povos por meio de Cristo. Em Rm, Paulo analisa esse ensi­namento de forma profunda: poderia uma pessoa estar de fato salva (ou “justa”, no modo de falar paulino) diante de Deus? Desde Lutero, o cris­tianismo se divide por causa da questão de como a pessoa pode se tornar “justa” diante de Deus. Por isso é muito importante que se leia Rm como uma carta específica para seus destinatários, que viam essa questão de maneira diferente. Os cristãos romanos eram amigos do judaísmo; eles se perguntavam se o ensino de Paulo não colocava em risco a primazia do povo judeu, escolhido por Deus.

Na exposição de sua doutrina (1-5), Paulo mostrou que, diante de Deus, os judeus são tão pouco “justos” quanto os gentios, e já reconhe­ceu que neste caso é preciso considerar a primazia dos judeus (3.1-8). Na discussão ele aborda as seguintes questões:

1. Qual é o sentido da torá se o cumprimento da lei não traz salvação (6 .8)?

2. Seria a eleição de Israel sem valor, uma vez que Deus salva todo aquele que acredita em Cristo (gss)?

Paulo recorre à autoridade da Escritura Sagrada: mais que nunca, ele pressupõe que seus destinatários a conhecem e compreenderão as refe­rências. Como outros judeus de sua época, ele também está convicto de que seu significado só será completamente revelado no final dos tempos; para Paulo, esse período começou com Cristo.

1. A lei é, para Paulo, o sinal sagrado da eleição de Israel; mas ele tem certeza de que a lei não pode salvar a humanidade presa no pecado.

“Lei” (grego: nomos para o hebraico torá) é como Paulo denomina tanto a lei do Sinai como a Sagrada Escritura, particularmente os cinco primeiros livros, nos quais Deus instrui Israel sobre qual é a sua vontade para o mundo todo (Gn 1-11), para os patriarcas de Israel (Gn 12-50) e para o próprio Israel (Ex-Dt).

Paulo acumula argumentos para provar que a torá é boa, mas impotente:

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A norma da v ida p rá tica cristã é “ a le i” ,

que fo i transm itida po r Moisés a Israel

O m andam ento p rinc ipa l de am ar a o p ró jç im o dá lib e rd a d e de considerar subohtfnàdos todos os outros

A A vigência d a “ le i” p a ra os cristãos conforme o ensino de Paulo

Antes de Cristo

r ADeus entregou a seu povo a Lei e a Promessa

p a ra que com elas vivesse.

Quem é filh o de Israel Aque le que, como filho desomente na carne, Israel, confia na promessa,confia nas obras d a lei será presenteadoe não encontra v ida nenhuma. com vida.

V ___________ ____________>

Os povosque não conhecem a Deus,

desprezam

bom senso e consciência e morrem por isso.

No fina l dos tempos

filhossegundo a carne

dependem das obras da lei

e não encontram vida.

Israel L J

fr, os filhosda promessa

Os povos

o chamadosremanes-

fie lvive.

e recebem a v ida . — -M a crer.

No fim do mundo

Todo o IsraelA to ta lid a d e dos povos

são libertados do poder da morte pe la m isericórdia de Deus

B Israel e os povos, na história do mundo, conforme o ensino de Paulo

Page 410: Atlas da bíblia     annemarie ohler;  tom menzel

• Histórico: a lei do Sinai só veio depois que Deus tinha entregado o mundo à morte por causa do pecado de Adão;

• Cognitivo: a lei permite que a pessoa reconheça até que ponto suas maldades, que ela mesma condena, a dividem interiormente;

Psicológico: as proibições da lei mostram ao ser humano dominado por seus desejos o que mais ele poderia cobiçar;

• Por sua própria experiência (cf. página 195): o zelo pela lei de Deus pode levar ao pecado.

O cumprimento da lei só se tornou possível através de Cristo, pois quem sabe que não precisa obter sua própria salvação tem coragem de obedecer ao “espírito” da torá, em vez de, temeroso, se apegar às letras.

2. Quanto à eleição de Israel, Paulo já tinha se referido a ela em 1.16 com as palavras “primeiro do judeu”. Em 9SS ele pergunta o que significa o fato de que o “evangelho”, anunciado primeiramente aos judeus, tenha sido rejeitado pela maioria deles. Também essa questão é abordada a partir de vários ângulos:

O “não” de Israel dá origem a algo bom; cumpriu-se assim a escritura: a mensagem de salvação chegou aos povos (15 .9 SS ).

Cristãos gentios, no entanto, não têm razão para se enaltecer acima de Israel. São como ramos de oliveira silvestre enxertados na oliveira nobre de Israel e alimentados por suas raízes (11.17 S ).

Com veemência, Paulo enfatiza que Israel não está, de maneira nenhuma, descartado. É verdade que ramos nobres da oliveira foram cortados, mais estes são mais fáceis de reenxertar do que os ramos silvestres.

Já há dois sinais da contínua fidelidade de Deus a seu povo: judeus tornaram-se cristãos, de modo que a promessa do “remanescente” santo (11.5) já se cumpriu. Acima de tudo, o próprio Cristo “se tornou servo da circuncisão” (15.8). Paulo questionara o valor da circuncisão para a salvação (Fp 3.2); aqui ele enfatiza que os cristãos devem respeitar o estilo de vida dos judeus por amor a Jesus.

• Recorrendo a uma imagem veterotesta­mentária (Is 6 5 .1S ) , Paulo concebe a missão

• Q ual é o sentido da torá se o cumprimento da lei não traz salvação (6.8)?

• Seria a eleição de Israel sem valor, uma vez que Deus salva todo aquele que acred ita em Cristo (9ss)?

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às nações como uma nova maneira de Deus cortejar seu povo; Israel deve ter “ciúmes” (10.19; n-u)- Paulo usa a mesma palavra para falar de sua missão aos povos como um serviço a seu próprio povo (11.14).

Em discurso profético, ele anuncia um mistério: “todo o Israel será salvo” (11.26). Ele não diz como isso acontecerá; mas ele sabe como pode contribuir para isso: quando a “plenitude dos gentios” for convertida, Deus se compadecerá de Israel.

Portanto, Paulo entende também Romanos, que preparava seu minis­tério na Espanha, como parte do serviço que ele prestava ao povo judeu. Ele sabia o perigo que esse “ciúme” de seu povo poderia trazer para ele. Ele planejava viajar para Jerusalém e suspeitava que os “rebeldes na Judeia” (15.31) lhe fariam mal. Uma visita ao templo lhe custaria a liberdade (At 2iss) e, por fim, também a vida.

Page 412: Atlas da bíblia     annemarie ohler;  tom menzel

Repercussão das cartas de Paulo❖ A SEGUNDA CARTA AOS TESSALONICENSES COMO INÍCIO DA COMPREENSÃO PAU LI NA

2Tessalonicenses se assemelha a iTessalonicenses na argumentação e em parte até na redação. O próprio Paulo escrevia de outra forma; cada carta abordava de maneira nova um problema do momento. Em 2Tessalonicenses, são novos apenas os 30% do texto que desenham uma imagem singular, única no NT, sobre os tempos que precedem o fim do mundo.

1.5-10: A salvação dos cristãos e a “perdição eterna” daqueles “que não obedecem ao evangelho” estão colocadas em oposição.

2.2-10: Primeiro é preciso que seja “tirado do caminho aquele que agora o detém”, pois então esse “ímpio será revelado”, para que Cristo apareça e o destrua.

No entanto, para o autor esses motivos apocalípticos só servem para defender Paulo das falsas interpretações. Ele estava certo: Paulo de fato não ensinara que “o dia do Senhor já estivesse bem perto” (2.2). 2Tessalonicenses registra como os cristãos lidavam com o fato do regresso de Cristo, anunciado por Paulo, não ter acontecido.

Assim como Paulo, também seu discípulo avisa que Cristo é mais forte do que qualquer sofrimento (Rm 8.18), mas que a esperança do final dos tempos não deveria desvalorizar o presente. De maneira um tanto grosseira, ele exorta a que se viva o cotidiano de maneira responsável (3.10, cf. lTs 5.14): “se alguém não quer trabalhar, também não coma”.

Em 3.17, o autor simula uma assinatura de Paulo enfatizada como tendo sido feita “de próprio punho”. 2Tessalonicenses é um texto pseudoepígrafo.19

19 [NE] É verdade que Paulo geralmente empregava um copista ou secretário, a quem ditava suas cartas, que muitas vezes eram concluídas com algumas palavras de seu próprio punho. Hoje nove das treze epístolas paulinas são geralmente aceitas como autênticas. Contudo, até mesmo aqueles que rejeitam a autoria direta de Paulo [para algumas destas epístolas], geralmente admitem que as cartas contêm material paulino genuíno. (Veja LADD, George Eldon, Teologia do Novo Testamento - ed. Revisada, Hagnos, São Paulo, 2012, pp. 528, 547). Da mesma maneira, outros estudiosos afirmam que Paulo não só assinava suas cartas, como também atribuía um sinal a elas. Já que haviam forjadores de cartas em Tessalônica e, dessa forma facilitava a identificação de seus escritos por seus leitores.

Page 413: Atlas da bíblia     annemarie ohler;  tom menzel

Cronologia

50-56 d.C. Paulo na Ásia Menor e Grécia

Fontes no NT

cartas de Paulo dos mesmos anos

57-60 d.C. Preso em Cesareia e Roma ~30 anos mais tarde narrado em Atos 21 -27depois de 60 d.C.

62? 64? d.C.desaparece em Roma

possivelmente executado por Nero

70-100 d.C. discípulos de Paulo suprem a falta do mestre

2Tessalo-nicenses

Colos- Efésios 1 e 2Timóteo, senses Tito

As obras de Paulo Caminhos intermediários Continuidade da obra através dos discípulos

50 duas cartas a Tessalônica encarregadas de uma missão independente

combinadas em uma carta doutrinária imitada em 1 Tessaioni

censes. JTTessaloni- ^ ---------- j2Tessaloni-

censes & ---------- A censes

53 Viagens de Paulo do país dos Gálatas até Efeso pelo vale de Lico

^Hierápolis

Colossos

55

Epafras, preso com Paulo

! Filemom 22

tinha pregado no

uma carta do “ prisioneiro Paulo” para

Hierápolis ^

Laodiceia^ ^Colossos

Carta da prisão _R|emom fíZdohospedeird ,em Éfeso ao seu hospedeiro no vale de Lico Filemom 2

é sucessor de EpafrasColossenses 4.17-— íColossenses 4 .1 /

reelaborada como texto doutrinário do “ prisioneiro Paulo”

Efésios

Caminhos da tradição paulina

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No AT, a pseudoepigrafia (grego: “falsa atribuição”) serve para organizar linhas de tradições; as leis são ampliadas segundo a maneira de Moisés, salmos compostos ao modo de Davi, etc. Também filósofos gregos transmitiam pensamentos do líder de sua escola sem diferenciá- -los de interpretações posteriores. Paulo, por sua vez, não pretendia fundar uma tradição nem uma escola de pensamento, pois esperava o fim do mundo iminente.

• 2Tessalonicenses refere-se à compensação de toda injustiça no juízo final, para que as pessoas vivam de maneira correta já no presente.

Colossenses e Efésios por sua vez, ensinam que as esperanças do fim dos tempos já se cumpriram na igreja.

iTimóteo, 2Timóteo e Tito exigem uma regulamentação firme da igreja para a luta contra os hereges que diziam que somente a res­surreição do espírito era importante.

Nestes escritos, a mensagem surpreendentemente nova da salvação por meio de Cristo se torna uma verdade doutrinária, e o polêmico Paulo

transforma-se em autoridade doutrinária.

Como não se mencionam questões de igrejas concretas, é difícil datar e ambientar esses textos com precisão. Somente Colossenses é uma carta real. 2Tessalonicenses é mais antiga do que Timóteo e Tito, que já reflete conhecimento de todas as cartas de Paulo.

Por meio desses textos, os cristãos garan­tiram a herança de Paulo da maneira usual: as tradições doutrinárias eram personaliza­das. Falava-se sobre vida e morte exemplares do mestre, fosse ele um Sócrates ou um Rabi Aquiba, de quem se dizia ter morrido como

mártir proclamando em alta voz sua fé no Deus único (135 d.C.). Quando o próprio Paulo apontava a si mesmo como modelo de imitação de Cristo, ele sempre enfatizava também sua fraqueza. Os veneradores de Paulo falam de outro jeito: colocam pedidos comoventes na boca do prisioneiro Paulo (2Tm 4.9-13) e imitam suas cartas. Surge a história de Paulo.

20 [NE] Veja a nota da página 412 .

• 2Tessalonicenses fo i escrito por um discípulo de Paulo, im itando1 Tessalonicenses.20

• Não houve a form ação de uma escola paulina, mas uma compreensão va ria d a e a té d ispare dos textos de Paulo, tra b a lh a d a de maneira pseudoepigráfica.

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O próprio Paulo legitimou essa pseudografia.

Suas cartas deveriam unir as comunidades individuais em uma só igreja geral.

Em iCoríntios 1.2, p.ex., Paulo se dirige não somente à igreja em Corinto, mas também a “todos os que em todo lugar invocam o nome de nosso Senhor Jesus Cristo”. Escreve Romanos porque esperava encontrar junto aos cristãos romanos ajuda para as igrejas que ainda surgiriam.

Paulo considerava seus discípulos como “ministros de Deus no evangelho de Cristo” (lTs 3.2) e não como seus auxiliares. Ele promovia sua independência e fortalecia sua autoridade.

Nas cartas, ele cita por nome 26 homens e 9 mulheres de seu grupo de colaboradores.

Suas igrejas deveriam cumprir sua missão de maneira autossufi- ciente (lTs 1.7). Certamente mostravam, cheias de orgulho, as cartas que recebiam do apóstolo; afinal, quando é que pessoas comuns possuíam cartas? Tudo isso fez com que as cartas de Paulo não fossem lidas apenas como respostas a questões de momento.

Isso aconteceu desde cedo, como mostra 2Tessalonicenses. Do ponto de vista formal, seu modelo é iTessalonicenses, fruto da combinação de duas cartas de Paulo, pois 2Tessalonicenses imita até mesmo certos deslizes estilísticos que aparecem no texto como resultado dessa combinação (cf. pág. 203).

A compreensão dos textos de Paulo começou como um trabalho de redação em suas cartas e continuou em textos que seus discípulos redigiram em nome do mestre.

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❖ Ca r t a a o s Co l o s s e n s e s e a o s Ef é s io s

Colossenses é uma carta destinada a três igrejas vizinhas junto à rota comercial para Éfeso. Paulo tinha se hospedado brevemente na casa de um certo Filemom e mais tarde enviou seu companheiro Epafras para lá, como missionário. Em Éfeso, Paulo encontrou o escravo fugido de Filemom, ganhou-o para Cristo e recomendou-o ao seu senhor como novo “irmão”. O autor de Colossenses tem conhecimento desses eventos (que podem ser deduzidos da carta a Filemom). Mas para ele Epafras já pertence ao passado; agora o líder da igreja é Arquipo, filho de Filemom. Colossenses é, portanto, uma carta de um discípulo de Paulo.

Efésios é um texto estilizado como carta de Paulo, que elabora os ensinos de Colossenses.

Os autores partem da fé cristã para tratar das cosmovisões atordoantes e tentadoras que existiam nas igrejas cristãs.

As religiões de mistério disseminavam o medo também entre os cristãos.

Ensinavam que a terra tinha sido separada de Deus por planetas inimigos, e que a alma precisava se libertar dessa prisão por meio da ascese e da introspecção mística. Essa visão do mundo contradizia o ensino de Paulo de que todo aquele que fosse batizado na morte de cruz de Jesus também participaria da glória do Ressuscitado. Por isso os discípulos de Paulo queriam refutá-las; os autores de Colossenses e Efésios fazem-no com a ajuda dos ensinos sobre o logos (grego: “razão”), muito conhe­cidos na época, uma força que permeia o universo.

Grupos judaicos helenistas já tinham relacionado esses ensinos com ideias bíblicas.

O poema da “sabedoria” que atua como auxiliar do criador do mundo (Pv 8) era lido como uma canção sobre o logos.

• Colossenses e Efésios dirigem -se a cristãos que misturaram a fé em Cristo com ideias religiosas de seu entorno.

• As religiões de mistério disseminavam o medo também entre os cristãos.

• As doutrinas do logos explicavam que o universo antropom órfico era anim ado pela razão.

• G rupos judaicos de elite p ropagavam ideias exageradas sobre a santidade do povo de Deus.

Page 417: Atlas da bíblia     annemarie ohler;  tom menzel

A A pregação de Paulo sobre o batism o (A2), uma contrad ição ( A l ) e uma visão de mundo que contribui positivam ente (A3)

A p lenitude de Deus em

Cristo

Page 418: Atlas da bíblia     annemarie ohler;  tom menzel

Fílon (contemporâneo mais velho de Jesus) tinha interpretado Gênesis 1.26 (criação do ser humano à “imagem de Deus”) como a criação de um universo antropomórfico.

Colossenses e Efésios desenvolvem a ideia de Cristo como mediador da Criação. Para combater esse medo do mundo aumentado pelas ideias apocalípticas, os autores ampliam a esperança paulina pela volta de Cristo com imagens da salvação há muito já presente no mundo por meio de Cristo. Em hinos, eles louvam a Cristo como a “imagem” visível do Deus invisível e o exaltam como aquele por meio de quem a plenitude de Deus atua no universo (Cl 1; Ef 1).

Ao mesmo tempo, corrigem ensinos populares sobre o logos, que esperavam toda a salvação do poder do espírito e reforçavam o desprezo pelo corpo praticado pelas religiões de mistério. Uma imagem de Paulo os ajudou. Inspirado nas doutrinas políticas do estoicismo, Paulo chamara a igreja de “corpo de Cristo”, no qual os diferentes membros precisavam uns dos outros, formando uma unidade (1C0 12 .12 S S ). Colossenses e Efésios relacionam essa imagem com o pensamento do significado universal de Cristo:

Cristo é o “cabeça da igreja” e cuida dela como seu “corpo”.

• Como Cristo é também o “cabeça do universo”, seu “corpo” também tem importância universal.

No entanto, essa doutrina de Cristo como o cabeça podia ser mal com­preendida, pois os cristãos judeus atribuíam uma grandeza supramun- dana à igreja.

A igreja terrena deveria ser perfeita como o templo celestial de Deus. Essa concepção está documentada nos textos de Qumran; é possível que isso tenha servido de consolo e sobrecarga para determinados grupos judaicos depois da destruição do templo de Jerusalém. Efésios usa imagens discordantes para indicar que não há perfeição na terra.

O corpo cresce em direção à cabeça (4.15).

• A igreja templo se fundamenta nos apóstolos e profetas cristãos, ou seja, em figuras do passado, mas precisa ser continuamente cons­truída antes que alcance a pedra de esquina que já foi colocada, Cristo (Ef 2 .2 0 S ) .

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Uma terceira imagem para o relacionamento entre Cristo e a Igreja vem das alegorias veterotestamentárias sobre o “matrimônio” entre Deus e Israel; Efésios 5.32 anuncia isso como mistério.

Para os autores, mais importante do que as claras doutrinas sobre a importância de Cristo para o mundo e para sua igreja é a lembrança da obra de Cristo na história:

Cristo venceu os poderes inimigos de Deus por meio de sua morte de cruz (Cl 1.20);

Ele não removeu o muro que divide o aqui e o além, mas o muro que separa judeus e gentios (Ef 2.13).

As instruções para a vida cotidiana ensinam que os cristãos devem con­siderar a realidade terrena com seriedade. O conjunto de regras tomado do estoicismo mostra que a ordem social na vida cristã não era alterada, mas que era necessário tratar os subordinados com respeito, pois Cristo entregou sua vida pelos homens como um “escravo” (Fp 2.7).

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❖ AS CARTAS PASTORAIS

iTimóteo, 2Timóteo e Tito são cartas pastorais (past.), ou seja, textos doutrinários para líderes de igrejas (latim: pastores). O autor conhece as cartas de Paulo e Atos, mas inventa uma situação que não encontra nesses textos: Paulo teria deixado Timóteo em Éfeso e Tito em Creta. Por carta, ele envia instruções para um período longo de trabalho, mas mesmo assim os chama: eles devem deixar seus trabalhos e ir ao encontro dele. O autor descreve sua própria situação: assim como Paulo, também Timóteo e Tito tinham “passado” (morrido), mas o fim do mundo estava demorando para chegar. ,

Para não serem “perturbados”, os cristãos devem orar pelos líderes e poderosos e “sujeitar-se a eles” (íTm 2.2; Tt 3.1). A base para o culto aos imperadores, no entanto, é eliminada. Os imperadores romanos gostavam de celebrar o caráter salvador de sua epiphaneia (manifestação) e sua philanthropia (amor ao ser humano). As past., no entanto, chamam Deus de “o salvador de toda a humanidade”; os cristãos experimentaram a “manifestação de seu amor ao ser humano” e esperavam pela epifania de Cristo no fim dos tempos (Tt 2.13; 3.4; e outros).

O autor está tão convicto da importância da fé cristã que divide a história do mundo em “antes” e “depois” de Cristo, em épocas de espera pela primeira e segunda epifanias de Cristo. Mas recomenda aos cristãos a adaptação ao seu ambiente social:

• Diferentemente de Colossenses os escravos não são tratados como pessoas especialmente próximas de Cristo, mas são exortados a serem obedientes “para que o nome de Deus e a doutrina não sejam blasfemados” (íTm 6.1).

As mulheres não devem somente se “submeter”, mas também são de fato caluniadas como “perigo para a sã doutrina” (íTm 2.nss; 2Tm 3 . 6 s ) .

A calúnia às mulheres precisa ser considerada no contexto da luta contra as doutrinas heréticas. É possível que algumas dessas doutrinas atraíssem principalmente mulheres porque essas eram marginalizadas pelos homens nas igrejas que, no entanto, estavam mais estruturadas.

As epístolas pastorais combatiam hereges que se consideravam res­suscitados e por isso desprezavam todas as coisas terrenas, exerci­tando o celibato e a ascese. Contra pessoas assim, Colossenses e Efésios

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As cartas pastora is são textos d idáticos em fo rm a to de

Cartas

Paulo está presente na mente de seus co laboradores mais próximos.Textos didáticos

Os cristãos sabem qua l é a ve rd a d e de Deus.

C ada g rupo deve honrar o ensino.

Decência e m ora lid ade valem acima de tudo

Heresias pretendem ser um conhecimento superior.

Instruções

C atá logos de v irtudes e vícios

Temores

quefundam entam "

Os cristãos são testemunhas de que Deus deseja so lvar a todos.

Todos unidos form am a casa de Deus

A e p ifa n ia de Cristo é meio e f in a lid a d e d a história.

A p a rt ir de le a dou trina é transm itida fielmente.

A Níveis d e significação de 1 e 2Timóteo e Tito

A casa bem gove rnada

num pais o rgan izado

O la r bem adm in istrado

Clientes

pa raPai

M ãe Parentes3S> Filhos

EscravosAmigos

na história d ir ig id a po r Deus r ~

A com unidade cristã bem gove rnada

Lar dos batizados, cheios do Espírito de Deus

funções bons pais de fam ília

bons cabeças de suas fam ílias

casadas somente uma vez

homens honrados mulheres discretas filhos obedientes

a b e rta a todos que Deus salva

B A organ ização doméstica das com unidades cristãs conform e as cartas pastorais

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defendem a santidade da Criação e do matrimônio, usando imagens que exaltam Cristo como mediador da Criação e o casamento como mistério que simboliza a união de Cristo com a igreja. As past. são mais sóbrias. É verdade que enfatizam que a Criação é boa e lembram a doutrina de que somente a graça de Deus salva. A principal arma contra os hereges, no entanto, é a desqualificação moral. Em vão Paulo ordenara que os coríntios “entregassem a Satanás” um homem que vivia com a mulher de seu pai (1C0 5.4S), isto é, que o entregassem à sua imoralidade mediante exclusão da comunidade. De acordo com iTimóteo 1.20, ele usou as mesmas palavras para combater dois hereges, citados por nome.

Baseando-se nessa forma de exclusão, mais tarde a igreja passou a usar uma dureza tal contra os hereges que nem Paulo nem o autor das pastorais tinham imaginado.

A organização sólida da comunidade tem por objetivo reprimir aspi­rações individualistas; a escolha de bons dirigentes e a sucessão confiável nos cargos deve assegurar a tradição da fé.

De acordo com as past., a sucessão na liderança da igreja começa com Paulo; a ideia que prevaleceu é a de que essa sucessão viria de Pedro.

A imposição de mãos torna-se símbolo da transmissão de um carisma aue só o novo líder recebe. (O modelo veterotestamentário está em

Números 27.23, quando Josué, o sucessor de Moisés, recebe parte no espírito de Moisés por meio desse gesto). Esse “carisma do líder” deve manifestar-se em boas ações na vida cotidiana: o líder deveria ser um bom pai de família, um mestre amigável que interpreta as “escrituras inspiradas por Deus” (o AT) com competência.

Começam a aparecer os primeiros indícios de estruturas hierárquicas. Os destinatários das cartas de Paulo eram as igrejas; “Timóteo” e “Tito”, autoridades subordinadas a Paulo, devem transmitir a doutrina dele às igrejas e supervisionar o seu cumprimento.

• A cristandade deve preparar-se pa ra um longo “ período de tra b a lh o ” na terra .

• Algumas asperezas das cartas pastorais são exp licadas pe la m otivação destes escritos: a luta contra uma heresia espiritualista.

• As cartas pastorais refletem a consolidação das estruturas eclesiásticas.

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As primeiras igrejas cristãs se organizavam de diferentes maneiras; algumas nomeavam um “supervisor” (episkopos) e “servidores” (diakonos), a exemplo das associações gregas; outras seguiam o exemplo das sinagogas judaicas e escolhiam “anciãos” (presbyteros). O autor procura organizar isso ao determinar que presbíteros ç diáconos fiquem sob a autoridade de um único bispo.

De iTimóteo 5.9SS ainda se infere que havia a função eclesiástica das “viúvas”; de acordo com as instruções do autor, ela deveria transformar-se simplesmente em uma instituição assistencial.

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Textos doutrinários tardios do Novo Testamento

❖ A c a r t a a o s He b r e u s

Hebreus, uma “exortação” (13.22) que só no final assume o estilo de uma carta, foi escrito na Itália (13.24), numa época em que a tradição cristã já existia há algum tempo (2.3).

A primeira carta de Clemente, escrita em Roma, em 96 d.C., faz refe­rência a Hebreus (36.1-5).

Os destinatários são cristãos gentios que não conheciam a fé em Deus antes de se converterem (6.2).

Provavelmente o escrito foi chamado de “Carta aos Hebreus” somente porque cita o AT de forma muito mais freqüente do que qualquer outro texto neotestamentário.

O autor se dirige a cristãos para os quais a fé se tornara insossa. Ele os adverte contra a apostasia, mas principalmente procura cortejá-los, recorrendo a um grego bem formulado, uma argumentação detalhada e uma interpretação do credo cristão única no NT.

De acordo com o hino aparentemente conhecido citado em Filipenses 2 (55 d.C.), desde cedo os cristãos testemunhavam de três maneiras a respeito de Cristo:

Jesus Cristo é

• O preexistente, que sempre esteve com Deus;

O humilhado, que morreu na cruz;

O exaltado, a quem Deus não abandonou na morte.

A carta aos Hebreus dá um novo brilho a essas conhecidas palavras, que com o tempo tinham se tornado comuns.

Sendo preexistente, Cristo está tão próximo de Deus como a luz está de sua fonte; ele é o filho que Deus colocou como herdeiro sobre o universo. Para o autor, esse porvir atemporal é a verdadeira realidade, enquanto as coisas terrenas são apenas uma sombra transitória. Assim como Fílon de

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A Nova concepção do reconhecimento de Cristo na carta aos Hebreus

A realidade eterna do mundo restaurado

Cristoentrana presença de Deus através do véu com o sinal de sua entrega voluntária.

O sumo sacerdote veterotestamentário entrano Santo dos Santos d o templo terrenocom o sangue de animais sacrificados.

O mundo terreno d e sombras

B O d ia da reconciliação no templo transitório, prefigurando a reconciliação eterna

Page 426: Atlas da bíblia     annemarie ohler;  tom menzel

Alexandria (contemporâneo de Jesus), ele relaciona a fé bíblica com ideias da doutrina platônica. Mesmo sua principal fonte de conhecimento, o AT, é lida do ponto de vista platônico. Para ele, a escritura sagrada pré-cristã é a Palavra de Deus, mas uma palavra que se limita a apontar, de maneira não muito nítida, para a verdadeira salvação, que só Cristo traz.

Mais tarde, esta ideia levou os cristãos a depreciarem o AT; mas o autor quer despertar a paixão dos cristãos da época por Cristo com palavras extraídas da única escritura que eles conheciam como sendo palavra de Deus.

O autor prova que o AT fala de Cristo usando métodos exegéticos especulativos e atualizadores, iguais aos que os judeus da época também usavam. Nestes métodos,

As palavras de determinado texto são individualmente relaciona­das ao presente,

• Palavras de contextos diferentes são entendidas como afirmações sobre um mesmo assunto,

Figuras ou situações são interpretadas como tipos do futuro (inter­pretação tipológica).

No entanto, por não querer abreviar a mensagem de Cristo, o autor vai além do pensamento platônico. A verdadeira realidade que ele anuncia não é uma ideia filosófica, mas o Jesus histórico.

Na condição de humilhado, Jesus foi um homem que sofreu até mesmo crises [humanas] (5.7), como acontece com todo ser humano. Cristo, que pertence totalmente ao mundo superior, à realidade divina, ao mesmo tempo também está completamente do lado da humanidade. Com isso o autor fundamenta uma doutrina cristã que assume o lugar da expecta­tiva escatológica dos primeiros cristãos, àquela altura já extinta: Cristo operou a purificação do pecado “de uma vez por todas”, definitivamente.

O autor explica como imaginar isso recorrendo aos ritos veterotesta- mentários do Dia da Expiação. Ele compara o caminho de Cristo da humi­lhação à exaltação com a caminhada do sumo sacerdote que, uma vez por ano, podia entrar no lugar Santíssimo do templo, a fim de reconciliar Israel com Deus.

Depois da destruição do templo, os judeus também passaram a interpretar as leis para esse dia (Lv 16) de forma tipológica, para mostrar que sua validade permanecia inalterada.

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Para o autor de Hebreus, esse culto expiatório - e todas as demais coisas terrenas - é somente uma sombra fugaz, mas, ainda assim, um testemu­nho confirmado por Deus sobre a verdadeira realidade do além, à qual Cristo conduz. A fim de alcançar vida para seu povo, o sumo sacerdote entra no recinto da presença simbólica de Deus na terra com sangue de animal (o sangue é símbolo da vida; cf. Lv 17.11). Jesus, por sua vez, entrou no lugar da verdadeira presença de Deus por meio de seu próprio sangue, entregando-se a si mesmo. O primeiro ritual trazia pureza passa­geira e precisava ser repetido anualmente. O caminho de Jesus começa na história terrena passageira e conduz à eternidade.

Como aquele que foi exaltado pela humilhação, Cristo sabe o que se passa com o ser humano decaído e por isso pode ser seu guia. Para desen­volver esse pensamento, Hebreus rompe pela segunda vez com as ideias metafísicas espaciais, dessa vez recorrendo a categorias temporais: os cristãos alcançarão a verdadeira realidade no futuro, mas a “âncora” de sua esperança, Cristo, já está fixada no alto.

Mas também essa esperança é interpretada pelo autor por meio de uma concepção platônica. Os filósofos ensinavam que o espírito humano mora no espaço das ideias eternas; Hebreus declara que a eternidade vive no ser humano. Ele é irmão daquele que é preexistente, pois procedem do mesmo Deus (2.11). Cristo é “o filho” que precede seus “irmãos”.

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❖ AS CARTAS GERAIS

As igrejas orientais leem Tiago, íPedro e íjoão como cartas dos primeiros apóstolos. No Ocidente, elas são agrupadas com 2 e 3joão, Judas e 2 Pedro, formando o grupo das sete cartas gerais, ou seja, cartas enviadas para toda (grego: katholon) a igreja. Os títulos antigos se jus­tificam na medida em que 1 e 2Pedro, Tiago e Judas testemunham que a tradição geral da igreja, fundamentada na autoridade dos apóstolos, se consolidou no final do primeiro século.

As cartas são dirigidas a diferentes destinatários (sobre 1 e 2J0, ver pág. 362).

íPedro é uma carta circular dirigida às igrejas paulinas da Ásia Menor. Aparentemente, naquela época Pedro também já era reconhecido como autoridade: em seu nome, a carta anima as igrejas a confessarem sua fé apesar das discriminações. Ele se dirige às pessoas simples; os escravos são honrados por meio de um hino especial a Cristo (2 .2 2S S ), as mulheres são encorajadas a não se deixarem “intimidar”, e todos são exortados a viver corretamente.

A sociedade helenista era tolerante com as religiões, mas dificil­mente suportava pessoas dependentes vivendo de forma não con­formista, ainda menos quando estas antigamente adoravam os deuses da cidade como todos os outros habitantes.

íPedro ensina os cristãos a terem um tipo de autoconfiança que aceita a subordinação como uma forma de vida cristã normal em um ambiente não cristão, pois isso calaria “a ignorância dos insensatos” que, de outra forma, blasfemariam de sua esperança em Cristo.

Tiago segue paralelo a íPedro. Ambas as cartas se dirigem à “Diáspora”: íPe é a carta do apóstolo principal, enviada da “Babilônia” (Roma), enquanto Tiago é a carta do líder da igreja de Jerusalém às “doze tribos”.

Provavelmente essa maneira de se referir à igreja, única no NT, foi copiada de circulares judaicas, que por sua vez imitavam a carta de Jeremias aos deportados da Babilônia (Jr 29).

A linguagem grega elegante e a habilidade retórica revelam uma formação helenística. Assim como íPedro, também Tiago procura for­talecer os cristãos contra as dificuldades da vida em um ambiente não

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Pedro, líder dos apóstolos,de Roma e Babilôniaaté aos dispersos na Ásia M enor

Paulo

Judas, irm ão de Tiago, aos chamadosTiago, líde r d a ig re ja de Jerusalém,

a todo o povo de Deus disperso

Pedro, a todos, e em am or a Paulo

A Os qua tro au to ridades p a ra todas as ig re jas em nome de quem foram red ig idos os últimos documentos do NT

Cristãos como estrangeiros

am eaçados no mundo

Como se pode tes tifica r da fé

apesar d a discrim inação do mundo?

1 Pedro

Como se manter na fé apesar

da tentação do sucesso no mundo?

Deus salva o mundo

através de Cristo.

Judas

Como m anter a fé d ian te do desprezo

do mundo?dos cristãos

2Pedro

Como crer, em um mundo cheio de m aldade,

que a esperança cristã tem fundam ento?

Cristãos am eaçados por sua p e rda de esperança

B Questões de fé em qua tro cartas gera is do Novo Testamento

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cristão. Mas os destinatários são pessoas ambiciosas, que se adaptam por interesse, adulando os ricos, desprezando os pobres e usando sua justi­ficação pela fé (cf. Rm 3.28) como fundamento para saciar seus próprios interesses. Baseado em ensinos judaicos, como os encontrados em Eclesiástico e nas palavras de Jesus no sermão do monte, Tiago exige uma fé “não dividida”, que se comprova pelas boas obras.

Lutero chamou Tiago de “epístola de palha”; íPedro, por sua vez, é elogiada. Segundo ele, essa carta contém “tudo o que um cristão precisa saber”.

Judas foi escrita em um grego tão bom quanto Tiago; o autor auto­denomina-se “irmão de Tiago”. Baseando-se na autoridade do líder da primeira igreja cristã, a carta de Judas discute com os hereges que negam que haja um único Deus e afirmam ser visionários cheios do Espírito.

Talvez estes já fossem representantes da gnose (gnosis, do grego: conhecimento), um movimento entusiástico que desprezava o mundo físico, para o qual o Criador era apenas um antideus obscuro. Há comprovações dessa heresia desde o fim do século II.

Judas clama contra os hereges e lembra que o juízo está próximo, a fim de forçar as igrejas cristãs a expulsá-los. Mas o autor adverte para que eles não sejam condenados; afinal, mesmo Satanás é condenado somente por Deus.

2Pedro usa 19 dos meros 25 versículos que compõem Judas. Mas essa carta combate outro tipo de herege, a saber, pessoas que zombavam da aparente invisibilidade da salvação dada por Deus (3.4). O autor explica que os cristãos já podem ter certeza da salvação definitiva, apesar de ainda terem de se esforçar para que ela venha. Deus atrasa o fim do mundo para que todos tenham a oportunidade de converter-se.

Usando um linguajar grego altamente estilizado, o autor usa a termino­logia dos mistagogos pagãos, referindo-se aos cristãos como “neófitos” e como “participantes da natureza divina”. Chama atenção como esse autor, o mais jovem dos neotestamentários, preserva a unidade das tradições judaica e cristã. Ele pressupõe que seus leitores conheçam ideias do apo- caliptismo judaico.

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Acima de tudo, ele pressupõe o conhecimento da fé cristã; para ele, Pedro e Paulo são autoridades para toda a igreja (3.15S). Paulo só é con­traditório para os “ignorantes” que “distorcem” suas palavras “para sua própria destruição”.

De íPedro a Tiago, de Tiago a Judas e de 1 a 2 Pedro, os autores se apoiam em um texto anterior, mas usam seu modelo para abordar outros problemas das igrejas que lhes estavam mais próximas. Por isso, essa série de cartas neotestamentárias tardias se assemelha a uma conversa amistosa que enfoca, a partir de vários pontos de vista, o tema principal do NT: a salvação vem de Deus por meio de Jesus Cristo.

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O livro profético do NT❖ A p o c a l ip s e de J o ão

Um João de resto desconhecido escreveu o Apocalipse como uma carta circular a sete igrejas que ele não podia visitar, pois estava preso por causa de sua fé. Apocalipse contém:

2s: carta aos sete destinatários;

4-22: relatos de visões;

22.21: a despedida da carta.

As cadeias de motivos e os jogos numéricos que perpassam as visões e as cartas em seqüências de sete mostram que as visões apocalípticas, geralmente atribuídas a homens de um passado distante, são, aqui, parte de uma carta real. A nova forma corresponde a uma nova visão de mundo; a salvação definitiva e a miséria do presente estão ligadas. Cristo se apresenta às igrejas sofredoras em majestosa primeira pessoa e está junto ao trono de Deus como o “Cordeiro que parecia estar morto” (5.6).

Há referências a necessidades concretas: ameaças de prisão e de morte, um mártir é morto, mercadores cristãos são boicotados (2.12; 13 .17 ) ; hereges destroem as igrejas. 17 .9 SS indica, de maneira codificada, a origem do sofrimento: o imperador Domiciano ordenara que todos os que não o adorassem como divindade fossem castigados.

Fontes romanas confirmam esse culto: Domiciano (81-96 d.C.) foi o primeiro a se autodenominar “senhor e deus”.

No entanto, esse sofrimento foi considerado apenas parte de uma história mundial muito maior e tenebrosa.

Apocalipse é uma obra tardia do apocaliptismo. Muitas imagens só são compreendidas por quem está familiarizado com o AT. Por exemplo, a besta de 13 .2 (que segundo Ap 17 .9 SS é Roma) é uma combinação dos quatro animais que em Daniel 7 representam os reinos da terra que causaram sofrimento a Israel. A miséria presente parece continuação dos sofrimentos de Israel.

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1.1 Apocalipse (revelação) Jesus Cristo C a rta a sete ig re jas na Ásia Menor, escrita por João, preso em Patmos

2 C artas de Cristo às sete comunidades

T ia tira

; V isão do trono de Deus

O pod e r de Cristo p a ra resolver os sete enigmas

Visão dos sete selos e as sete trom betas

Tribulações em todo o mundo,

i | l mas há salvação T$Sf p a ra Israel e pa ra

incontáveis pessoas de todas as nações

1 i Destruição do tem p lo terreno,

12

19 O canto das bodas no céu.

Visão fina l com sete partes

A v itó ria de Cristo contra os poderes da te rra e Satanás

| A Jerusalém celestial sobre a te rra ,( e Deus é Deus p a ra todas as nações.

22.6-21 Conclusão da carta

O livro do Apocalipse de João: estrutura e símbolos.

Q ueda de Roma, prostituta Babilônia

Visão de dois sinais nos céus

Tribulações d o povo de Deus e atos violentosda potência m undial, Roma

o tem p lo celestial perm anece abe rto .

O sinal d a mulher celestia l e

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Como também outras obras apocalípticas, Apocalipse associa acon­tecimentos terrenos a eventos celestiais, mas em uma seqüência nova: a visão da salvação definitiva antecede as imagens das calamidades. O “Cordeiro” já recebeu poder absoluto e aqueles que lhe pertencem já são reis (5). Só então surgem três seqüências de imagens, cada uma reconhe­cível por sinais próprios, que apresentam os horrores do fim do mundo:

1. Sete selos são abertos; soam sete trombetas (6-11).

A série começa com imagens de quatro calamidades que atingem o mundo inteiro e termina com a proclamação do reino de Deus. De forma aparentemente ilógica, o toque de vitória da sétima trombeta é seguido por imagens da destruição de Jerusalém e do templo. Com isso, no entanto, Apocalipse adota ideias judaico-apocalípticas segundo as quais a salvação do mundo é decidida pelo destino de Israel. O lugar terreno da presença de Deus já não existe, por isso Deus precisa se revelar do céu como aquele que deseja estar com a humanidade.

O autor é cristão judeu; ele analisa a questão fundamental do apo­calipse judaico: é possível que os impérios violentos do mundo aniquilem Israel, a nação que pertence ao Senhor do mundo? As promessas dão a resposta: em primeiro lugar, o Israel regenerado,

com 144 mil (12 x 12 x 1000) salvos, pertencerá ao reino de Deus, seguido por pessoas incon­táveis de todas as nações (7.14).

2. Dois “sinais no céu” (12.1; 15.1) articulam uma seqüência de imagens que representam as calamidades existenciais de Israel (12-18).

O arquétipo celestial de Israel aparece como uma mulher com 12 estrelas, e o povo judeu é seu filho nascido entre dores. Também Satanás (hebraico: “adversário”) que, em forma de dragão, ameaça a mulher e o filho, é uma figura celestial; na condição de acusador da humanidade, ele pertence à corte de Deus (cf. 12.10; Jó í.óss). Mas como Satanás não deseja apenas acusar, mas aniquilar, Miguel, o anjo de Israel de acordo com a tradição apocalíptica, lança Satanás do céu para a terra.

• Sete selos são abertos; soam sete trom betas (6 -11) .

• Dois “ sinais no céu”(1 2.1; 1 5.1) articulam uma seqüência de imagens que representam as calam idades existenciais de Israel (12- 18).

• Somente a última sucessão de imagens descreve o fim dos tempos a p a rtir da perspectiva cristã (19-22).

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49 Esdras, um apocalipse judaico do final do século primeiro, diz a mesma coisa sem a imagem: quem acusa o povo judeu tem razão. Mas seria justo aniquilar Israel?

Na história posterior, não raro problemática, os cristãos muitas vezes invocaram Apocalipse para erradicar os inimigos em nome de Deus. Em Apocalipse, no entanto, não são os homens que lutam em favor de Deus, mas o poder divino luta pela vida do ser humano, que é fraco como um recém-nascido.

Apocalipse não oferece uma solução para o enigma do mundo. Assim, o poder de Roma vem de Satanás (13.4), mas este é, originalmente, servo de Deus. Apesar de todos os mistérios que envolvem um mundo cheio de sofrimentos, o autor mantém o teocentrismo da tradição apocalíp­tica. Antes, ele fixa um olhar penetrante nas intrigas que fazem as nações violentas se assemelharem a Deus, mostrando como elas acabam provo­cando a própria ruína.

3. Somente a última sucessão de imagens descreve o fim dos tempos a partir da perspectiva cristã (19-22).

Esta sucessão se articula pelas sete vezes em que se escreve: Então vi... A ideia de um reino de Deus igualitário é nova. A Jerusalém celestial desce à terra, e não há mais um em cima e um embaixo. Deus estará pessoal­mente presente entre os homens; ele não precisará mais de um templo.

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0 cânon bíblico❖ O c â n o n da B íb l ia h e b r a ic a

A diretriz (grego: kariort) da fé e da vida prática não é cada um dos escritos sagrados por si só, mas a coleção de livros que se desenvolveu ao longo de séculos.

Atanásio (século IV d.C.) cunhou a expressão cânon bíblico ao aplicar a descrição “regra” de fé à lista de livros que podiam ser lidos no culto.

Ela surgiu no século IV a.C., quando o governo persa exigiu que se codificassem as leis nativas dos povos e os judeus também buscavam reconhecimento de suas leis junto aos persas. A fim de apresentar suas leis aos persas, eruditos judeus redigiram o corpo de leis da forma como hoje se apresenta nos livros de Êxodo a Deuteronômio. Sem resolver con­tradições, eles interpretaram todas as leis como conseqüência da torá do Sinai, que o povo recebera para todos os tempos.

O relato do Sinai oferece três diretrizes para a interpretação da Lei:

Êxodo: as leis ensinam a conservar a liberdade dada por Deus.

Deserto: a vontade de Deus é anterior às instituições da terra (Estado, templo).

• Moisés: as leis são ensinos fidedignos transmitidos por meio de Moisés a respeito do que Deus espera de Israel.

Com esta obra de múltiplas vozes inicia-se a formação de um cânon que não oferece uma diretriz única.

Por volta de 200 a.C., Jesus Siraque lia esses livros como uma narrativa dentre as grandes do passado que desde o princípio da humanidade tinham testificado a atuação de Deus (Eclesiástico 44-49).

Hebreus 1.1 e 12.1 baseia-se nisto: o cânon de personagens por meio dos Deus se revela culmina na pessoa de Jesus, seu alvo.

O neto de Siraque (prólogo de Eclesiástico) diferencia três partes do cânon hebraico, mas delimita a terceira de uma maneira pouco precisa; ele fala da “Lei, dos profetas e dos demais escritos”. Os livros que inte­gravam os “Escritos” foram definidos por eruditos rabínicos somente no

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Conceitos sobre < un idade dos muitos textos.

Moisés a anunciou no Sinai, no deserto nova e novamente.

Essa história da fundação de Israel é a origem das muitas form as da torá.

os de

a levam po r to d a a história de Israel

A Conceito o rien tad o r p a ra a redação d a le i (séc. IV a.C.)

Os livros de Israel contam a história única das muitas famosas testemunhas do Deus de Israel

! Reis e pro fe tas

Os juizes U

B A un idade dos muitos livros de acordo com o poem a d idá tico de Jesus S iraque (2 0 0 a.C.

Formas textuais A m pliação da torá

e livros ( ÇP)

Eclesiástico!"^ ^(jbbtaTJ) ^que não estão no cânon hebra ico ^ posterior.

in te rp re tação p ro fé tica de:

Hebreas Isaíaá

^ S l + S a lm o lT l | i Ecd 5 1 anunciam: o presenteP r f —" e ° Tinal dos tempos

C O cânon a b e rto da com unidade de Cunrã (antes de 7 0 d.C.)

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rastro da renovação do judaísmo depois da Guerra judaica (depois de 70 d.C.).

Josefo (90 d.C., “Ápion”, I, 38SS) declara que os judeus possuíam somente 22 livros sagrados.

Pouco tempo depois, os rabinos estabeleceram outro escrito de auto­ridade junto com o cânon bíblico. Sempre houve necessidade de inter­pretação para que o cânon polifônico fosse praticável. Uma coleção de interpretações da torá muito considerada pelas escolas rabínicas foi compilada na Mishná (hebraico: repetição); esta, por sua vez, foi inter­pretada de várias maneiras no Talmude, até o século VII.

Um testemunho disso é a tradução grega do AT, surgida entre os séculos III e I a.C., chamada Septuaginta, cujas ampliações de textos e livros adicionais a afastam do cânon hebraico. Antes da descoberta dos textos de Qumran (desde 1947), isso era atribuído a tradições especiais dos judeus helenistas. Mas Qumran revelou não somente testemunhos dos textos do cânon hebraico, como também textos da Septuaginta na

versão hebraica e fragmentos de textos hebraicos que até então só eram conhecidos a partir do AT grego. Até mesmo a torá deixou de ser intocável até 70 d.C., pois o “rolo do templo” de Qumran se apresentava como nova torá, que Moisés teria recebido depois que Israel quebrou a aliança no Sinai.

Também a concepção de cânon ainda era aberta:

• Os fariseus, precursores dos eruditos rabínicos, fundamentavam a unidade das muitas escrituras com o fato da torá ter sido renovada muitas vezes para as novas gerações de Israel.

• Já a comunidade de Qumran lia os textos como testemunhos da palavra de Deus trans­mitida pelos profetas, que aponta para o presente percebido como final dos tempos. É nesse sentido que os textos de Qumran citam profetas veterotestamentários e salmos inter­pretados como palavras proféticas.

• Na Bíblia hebraica, a prim eira e mais antiga p a rte do cânon bíblico chama-se “ a Lei” (torá).

• Os dois conjuntos de livros que no cânon hebraico são chamados de “ a Lei e os Profetas” foram com pletados a té o século II a.C.

• Antes da catástrofe de 7 0 d.C. o cânon hebraico a inda não estava fechado.

• Logo depois do ano 70 d.C., a trad ição bíblica hebraica se tornou a escritura defin itiva pa ra os judeus.

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Os autores neotestamentários estão convictos de que o fim dos tempos anunciado na “Escritura” começara com Cristo. Como eles escreviam em grego, a maioria das citações do AT era tirada da Septuaginta.

Somente os humanistas do século XVI questionaram se uma tradução grega seria verdadeira palavra de Deus.

Isso valia mesmo quando a Bíblia era lida em grego. Por isso, um rolo dos doze profetas menores, escondido por rebeldes judeus no início do século II d.C. e descoberto ao mar Morto em 1960, contém um texto da Septuaginta corrigido com base no texto hebraico. Por isso, algumas citações veterotestamentárias no NT provavelmente estejam mais próximas da tradição hebraica do que da grega porque o autor teria se baseado em um destes textos corrigidos de acordo com regras mais recentes.

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❖ 0 " A n t ig o T e s ta m e n to " d o s c r i s t ã o s

Dois terços da Bíblia cristã são livros que também são Escritura Sagrada para os judeus. O NT atribui autoridade indiscutível a estes livros; eles confirmam a credibilidade da mensagem cristã.

Em meados do século II, Marcião, filho de um bispo de Sinope, ensinava que o Deus severo do AT fora substituído pelo misericordioso pai de Jesus Cristo. Ele criou uma Bíblia composta somente por cartas de Paulo expurgadas de suas referências veterotestamentárias e por Lucas. Para se defender dos ensinos marcionitas, os cristãos se decidiram delibe­radamente em favor do AT e, mais do que antes, consideravam os textos não expurgados de citações do AT como testemunhos autênticos de fé. Isso contribuiu para que no fim do século II os livros do NT tivessem o mesmo valor que os textos sagrados herdados dos judeus. Irineu ( f 202) foi o primeiro a se referir aos evangelhos e às cartas dos apóstolos como “a Escritura”.

Desde então, os cristãos fundamentam a unidade do cânon bipartido com a mensagem de Cristo. Tertuliano ( f 220) declarou que o AT seria o testamentum (latim: disposição testamentária) de Deus, aberto somente depois da morte de Cristo. Impôs-se, no entanto, a interpretação de tes­tamentum como tradução da palavra grega diatheke, “aliança”.

A formação desse entendimento foi acompanhada por duas interpre­tações problemáticas a respeito da relação entre as duas partes do cânon:

• “Antigo” significaria “antiquado” e “inválido”.

• O verdadeiro significado do AT só poderia ser compreendido pelos cristãos. •

Tal compreensão do cânon, que priva os judeus de suas Sagradas Escrituras com frequência foi depreendida, de forma errada, dos textos neotestamentários. Um exemplo: a maldição dos judeus sobre si mesmos em Mateus 27.25, que do ponto de vista do evangelista havia se cumprido na catástrofe de 70 d.C., foi entendida como uma declaração de validade permanente a respeito do povo judeu.

Mesmo a proposta moderna de substituir “Antigo” por “Primeiro” Testamento também pode causar mal-entendidos. O NT nunca foi um “Segundo” Testamento independente do AT.

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AntigoTestamento Novo

Testamentoos livros do cânon hebraico Acréscimos

da Septuaginta

v textos judaicos textoscristãos

A A grande proporção de textos judaicos no cânon bíblico cristão

B Uma concepção neotestamentária da relação entre a mensagem de Cristo e a “Escritura”

C História do cânon bíblico para cristãos e judeus

Sagradas Escrituras judaicastradiçãohebraica são honradas ( tradição

grega

Textoscristãos

no templo pelosfariseus

em Cunrã na diáspora na Missão judaica cristã

Destruição do templo e da comunidade de Cunrã Decadência da diáspora judaico-helenística

■Definição do

cânon hebraico

Transmissãoeinterpretação

nasescolas

rabínicas

defendidas como escritura sagrada para

enfrentar as heresias

_JCristãos dão preferência ao cânonj^ —I hebraico em questões de ensino j-v

transmiçãoe

coletâneas

defendidas como escritura sagrada para

enfrentar as heresiasCristãos convivem

com uma Bíblia com dois testamentos

d.C

50

100

150

200

250

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A relação entre o AT e o NT deve ser entendida a partir de duas condições:

1. Os livros veterotestamentários do cânon cristão não sofreram nenhuma modificação. A diversidade de vozes que caracteriza o cânon bíblico desde o princípio é reforçada na Bíblia cristã. Os cristãos são instados a entender os testemunhos de fé pré-cristãos como diretriz para sua própria fé.

2. O NT e o AT não se misturam, mas ainda assim estão ligados. Essa forma canônica corresponde à particularidade da mensagem de Cristo. Por um lado, o NT testifica que Jesus reforçava as tradições de seu povo e, por outro lado, relaciona toda a esperança em Deus à pessoa de Jesus, de uma maneira nunca antes vista pelo povo judeu.

Também em Qumran o AT era lido como um anúncio do tempo presente vivido como fim dos tempos. Mas o fundador da comuni­dade, o mestre da justiça, desaparece por trás do ensino.

O NT anuncia que o reino de Deus estaria presente por meio de Jesus; nele estariam “cumpridas” as palavras das Escrituras. Marcos 9 ilustra a unidade do NT e AT com uma imagem de amizade. Os discípulos veem Jesus transfigurado em glória divina, conversando com Moisés e Elias, representantes “da Lei e dos Profetas”, as duas partes principais das Escrituras Sagradas judaicas.

Essa mensagem nova a respeito do Cristo não podia ser entendida como uma continuação do cânon antigo, como acontecera com os rolos de Qumran, nem como uma interpretação autorizada do mesmo, como era o caso da Mishná e do Talmude. Os textos neotestamentários podem estar marcados pela linguagem e maneira de pensar do AT (em Mt, p.ex., há 130 citações e 370 alusões ao texto veterotestamentário), mas precisam

de novas formas para anunciar a fé: carta e evangelho.

O cristocentrismo neotestamentário é novo, mas ainda assim está ligado ao AT. O centro unificador das sagradas escrituras judaicas é o nome de Deus; o Deus único de todo o mundo revelou seu nome somente a Israel. O NT dá a Cristo o título que a Septuaginta usava para parafrasear esse nome: kyrios (Senhor). A comprovação mais

• Os cristãos leem o “Antigo Testamento” como testemunho da antiga aliança de Deus com Israel, e o “ Novo Testamento” como testemunho da aliança renovada por meio de Cristo.

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antiga dessa denominação é exclamação aramaica marana tha, “vem, nosso Senhor!” (1C0 16.22)

Nos primeiros tempos da discussão em torno do “antigo” e do “novo”, as diferenças entre a tradição grega e a hebraica do AT foram muitas vezes entendidas como um sinal de que os cristãos consideravam a Septuaginta (mais próxima do NT grego) como “autêntico” texto vete- rotestamentário. Jerônimo ( f 420) traduziu a Bíblia hebraica para o latim a fim de preservar a veritas hebraica (verdade hebraica) para a igreja. Em seus comentários, no entanto, ele também recorria à versão grega. Depreende-se disso a ideia que os textos bíblicos não são a palavra de Deus em si, mas testificam a respeito dela.

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❖ 0 c â n o n d o N o v o T e s ta m e n to

As “palavras” de Jesus, o “testemunho” dos apóstolos e “a Escritura” (AT) formavam a diretriz tripla da fé da igreja primitiva.

Mesmo Justino ( f 165), em “Diálogo com o judeu Trifão”, se refere à autoridade “da Escritura, da palavra do Senhor e da memória dos apóstolos”.

Textos neotestamentários surgiram para disseminar a mensagem oral de Cristo e de maneira nenhuma eram considerados documentos intocáveis.

As tradições verbais sobre Jesus permaneceram vivas junto com os textos escritos; é possível, p.ex., que até mesmo o evangelho de Tomé (escrito em 150 e descoberto em 1946) contenha palavras autênticas de Jesus.

Aos cristãos, o AT bastava como Escritura Sagrada, pois estavam convictos que Deus cumprira em Cristo o que fora anunciado no AT.

Nenhum autor neotestamentário concebia que pudesse existir, no futuro, um judaísmo vivo e autônomo que não cresse nessa mensagem, que afinal tinha sido entregue primeiramente ao povo judeu. Paulo desenvolve uma imagem da ação misteriosa de Deus, em que este arranca alguns ramos da nobre oliveira de Israel (judeus que rejeitam a Cristo) e enxerta em seu lugar ramos de uma oliveira selvagem (cristãos gentios), mas reservando os ramos cortados para serem enxertados novamente no final (Rm 11.13SS).

O mais antigo tratado antijudaico que se conhece surgiu no ano 130; apresentado como “carta de Barnabé”, chegou a ser integrado ao NT durante algum tempo, mas foi definitivamente excluído no século III.

A ideia de que os textos neotestamentários também pertenciam às Escrituras Sagradas se consolidou à medida que eles começaram a ser lidos no culto cristão, como se fazia com os textos do AT. O primeiro evangelho, Mc, provavelmente foi escrito com essa finalidade (em 70 d.C.). Além disso, a valorização destes textos aumentou com o distancia­mento temporal em relação aos primeiros testemunhos; as comunidades os colecionavam e trocavam entre si:

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a nobre o live ira Israel

ramos silvestres enxertados cristãos gentios

ramos cortados, judeus que não creram em Cristo

a o live ira silvestre outros povos

Deus tem o pod e r p a ra enxertá-las

novamente

A A concepção de Paulo sobre a salvação dos gentios e dos judeus (Rml 1)

C a rta de Barnabé

canonicos

1 3 cartas de Paulo

A pocalipse

Documentos’ , de Paulo

Pastor de Hermas

reconhecidos como canônicos

Tratados no O rien te no O cidente

s ; Hebreus (A p o ca lip se

3João2 Pedro2João

Noainda nao

Mateus Evangelhode Pedro

Evangelho dos hebreus

Marcos Ampliações das trad ições de Jesus

JoaoLiteratura D idaquê doutriná ria

Documentos} Pregação Literatura VS*e P e d r o / pop u la r de devocionat arrepend im ento

Evangelhode Tomé

O des deSalomão

Lendas orais populares

Literatura gnóstica exotérica

Lucas

B Delim itações da lite ra tu ra secundária cristã em re lação ao cânon neotestam entário (fins do séc. II)

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2Pedro 3.16 (no ano 100) menciona “todas as cartas de Paulo”; um papiro (P52) atesta que Jo era conhecido no Egito em 125; a “carta de Barnabé” (4.14) cita Mateus 9.13 e 22.14 como palavras escritas.

A tradição cristã estava duplamente ameaçada de falsificação:

Por restrição: Marcião tinha difundido uma Bíblia que continha apenas alguns poucos textos dos que eram utilizados nas comunidades cristãs;

Por diluição: os textos neotestamentários tinham sido imitados:

Evangelhos relatavam a infância de Jesus e o período de tempo entre a ressurreição e a ascensão de forma fantasiosa;

Tratados eram apresentados como cartas dos apóstolos;

Atos de apóstolos falavam de milagres;

• Apocalipses descreviam visões do céu e do inferno.

Algumas ideias procedentes desta literatura se mantiveram vivas na iconografia cristã, como p.ex. imagens do inferno no apocalipse de Pedro e do menino Jesus brincando.

A seleção dos textos canônicos aparentemente valorizou a postura destes em relação à realidade do mundo. Foram rejeitados os textos que prometiam uma gnosis sobrenatural (grego: “conhecimento”), que teria sido revelada por Cristo a certas pessoas especialmente iluminadas, mas escondida dos indivíduos comuns.

Para os gnósticos, o termo apócrifo (grego: “oculto”) tem um sentido positivo. Depois da Igreja ter rejeitado os textos gnósticos, o termo “apócrifo” foi transferido a todos os escritos não incluídos no cânon.

O critério principal de canonicidade era o uso prolongado e generali­zado nas comunidades cristãs e sua coincidência com a mensagem trans­mitida de forma oral. No fim do século II, os seguintes escritos eram con­siderados normativos em praticamente todas as comunidades: os quatro evangelhos, Atos, treze cartas de Paulo, íPedro e íjoão.

Este fato está documentado na Gália (Irineu), em Roma (fragmento deMuratori), no norte da África (Tertuliano) e na Ásia Menor (Melito).

As fronteiras do cânon permaneciam imprecisas:

• Em meados do século II tornou-se necessário dec id ir quais textos deveriam ser considerados normativos.

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Controversos eram os textos de Hebreus, 2Pedro, 2 e 3João;

Textos reconhecidos em muitos lugares: o “Didaquê”, que se apresenta como “ensino dos doze apóstolos” e traz instruções de ética judaica com coloração cristã; e o “Pastor de Hermas”, um texto que reveste sermões de penitência com imagens de visões populares (ambos do começo do século II).

Devido à resistência contra os excessos das literaturas apocalípticas, Apocalipse passou a ser reconhecido no Ocidente no final do século II mas no Oriente só foi incluído entre os livros aceitos no cânon no século X.

O bispo Atanásio (367) foi o primeiro a citar, em uma “carta de Páscoa”, todos os 27 livros neotestamentários conhecidos até hoje como “canônicos”. Ele recomendava o “Didaquê”, “Hermas” e os livros vetero­testamentários conhecidos somente pela tradição grega para a leitura devocional particular. O AT deveria conter somente os livros do cânon hebraico reconhecidos pelos judeus.

Na época dele, o judaísmo e o cristianismo já eram, há algum tempo, duas religiões independentes; a Bíblia cristã, no entanto, manteve-se como testemunho das origens judaicas da fé cristã.

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Interpretação bíblica❖ Q u e st õ e s f u n d a m e n t a is

Ao final de sua longa história de formação a Bíblia se tornou “cânon”, ou seja, a norma de fé válida para todos os tempos. Ela mantém suas muitas vozes, marcada por experiências e pensamentos de diferentes sociedades e épocas. As tensões internas da Bíblia permitem fazer dife­rentes avaliações de testemunhos bíblicos a partir de questões de outras épocas. Quem pensa conhecer a única interpretação bíblica correta não faz justiça à riqueza de seus significados. Isso se aplica particularmente à interpretação bíblica dos cristãos, uma vez que a Bíblia cristã se compõe, em grande parte, de livros que são também escritos sagrados para os judeus.

Funções da interpretação bíblica

Confirmação de textos. As diferenças em textos antigos podem resultar de erros de transcrição, mas também de uma reinterpretação do texto original, frequentemente difícil de entender de forma inequívoca.

Explicação. Para evitar mal-entendidos, é preciso buscar correlações lingüísticas, literárias, históricas e lógicas do texto e de seus elementos específicos.

Tradução. Quando a forma de falar e pensar do texto se torna incom­preensível, seu significado precisa ser reescrito de forma que possa ser compreendido novamente.

Ensino. Se a intenção for manter o mesmo caráter normativo do texto que ele tinha na época da formação do cânon, é preciso questionar em que sentido ele continua sendo diretriz para a interpretação do mundo e para o direcionamento da vida.

Conexão entre tradições. Dessa forma os textos bíblicos são atua­lizados acima de tudo onde pessoas de todas as épocas sabem que são parte da mesma comunidade de fé na qual o cânon surgiu. Assim a inter­pretação bíblica também considera tradições de fé que partem e evoluem a partir da Bíblia.

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A Bíblia testifica

A tradição cristã de interpretação bíblica

O Humanismo:

Redescoberta das línguas da antiguidade

A Reforma:

A Bíblia, única diretriz para a fé em Cristo

Interpretação bíblica desde a Reforma: tensão entre texto e tradição

Deus fala em acontecimentos. Sua palavra acontece.

:| Sua palavra, || registrada

em livros,

produz a fé

O movimento cíclico do pensamento bíblico

O movimento cíclico da exegese moderna

1LModos de falar

. Modos depensarConceitos

Acontecimentoshistóricos

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Entender afirmações do textoX T

e recebida,

proclamada,f

Feitos da época bíblica I” Provar 05 textos bíblicos por trás dos textos buscam

B Interpretação bíblica desde o lluminismo: tensão entre os pensamentos moderno e bíblico

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Problemas de interpretação bíblica foram acentuados de muitas maneiras na história intelectual do Ocidente:

A Reforma. Lutero apelou para os ensinos específicos ainda incontro­versos da tradição cristã para combater as doutrinas de fé que se distan­ciavam da Bíblia. A Bíblia devia “enfatizar Cristo”:

Entender a Bíblia significa aprender a crer em Cristo a partir dela.

Para ter essa compreensão da Bíblia, a interpretação bíblica deve, por sua vez, orientar-se “somente pela Escritura” (latim: sola scriptura). Na época da Reforma, humanistas arrancaram do esquecimento línguas e obras da Antiguidade; aprendeu-se com eles como seguir o princípio da sola scriptura:

Entender a Bíblia significava compreender seus “originais” em hebraico e grego.

Desse método de leitura duplo surgiu a questão fundamental da inter­pretação bíblica moderna:

O Iluminismo. Essa questão foi acirrada pela exigência de que a pessoa madura precisaria encontrar por si mesma o que fosse verdadeiro e justo. A interpretação bíblica moderna não exige mais que as afirmações sejam compromissivas; ela explica que decisão a pessoa toma ao escolher a Bíblia como norma de fé.

Antigamente, “exegese” (grego: “interpretação”) referia-se à teologia como um todo, enquanto hoje se trata de uma disciplina teológica de raciocínio histórico.

A exegese histórico-crítica busca os fatos históricos que fundamentam o texto.

• A exegese moderna entende a Bíblia como uma fonte histórica que precisa ser criticamente questionada.

Mas a Bíblia não relata fatos históricos com um distanciamento crítico objetivo. Ela conta acontecimentos que “falam” àqueles que os percebem

com atenção suficiente e relata a respeito de palavras que são “acontecimentos”.

• A Bíblia entende os eventos históricos e naturais como “palavras” que mostram o que Deus quer realizar.

• Como as afirm ações de textos de um passado distante podem se to rnar compromissivas no presente?

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A interpretação bíblica moderna tem a tarefa de entender textos que foram cunhados a partir de uma maneira de pensar que se tornou estranha.

A hermenêutica (“tornar compreensível") explica como isso é possível. Para compreender algo, é necessário já ter uma certa noção a respeito; portanto, quem observa algo sempre já traz consigo um “pré- -conceito”. Aproxima-se da compreensão quem estiver disposto a corrigir seus preconceitos e maneiras de pensar ao estudar o objeto de seu interesse.

Qualquer reflexão sobre o ser humano e o mundo move-se dentro de “círculos hermenêuticos”. Os reformadores adotaram esse tipo de pensa­mento cíclico ao examinar a compreensão bíblica cristã tradicional à luz dos textos bíblicos originais. Mas mesmo os próprios textos bíblicos são testemunhas de uma maneira de pensar deste tipo. A Bíblia traz as falas de pessoas que tentavam entender as ações do Deus incompreensível a partir de suas limitadas experiências. Elas enxergam em acontecimen­tos terrenos sinais que apontam para o Deus que está acima do mundo inteiro, porque estão convictas que ele se dá a conhecer dessa maneira.

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❖ In t e r p r e t a ç ã o b íb l ic a c r ist ã n a A n t ig u id a d e e n a Id a d e MÉDIA

Em poucas décadas e sem nenhuma pressão externa, a Bíblia cristã encontrou seguidores em todas as nações do Império Romano. Com ela, ideias e formas de pensar judaicas foram enxertadas na cultura greco- -romana, pois a mensagem neotestamentária de Cristo, apesar de valer para todos os povos, só pode ser compreendida a partir das sagradas escri­turas do povo judeu. Sem o AT, o NT seria incompleto. Essa complicada unidade da Bíblia em duas partes, o AT e o NT, tornou-se problemática principalmente para os cristãos não judeus. Por muito tempo, tentou-se resolver isso à custa da identidade própria do AT.

O NT já considerava algumas cenas veterotestamentárias como tipologia, como um “anteprojeto” (grego: typos) dos eventos da vida de Cristo, ou como alegorias, que “falam de outra maneira” (grego: allos agorain), mas que se referem a Cristo.

Mateus 12.36 interpreta o salvamento de Jonas da barriga do peixe como um typos da ressurreição. De acordo com iCoríntios 10.1-4, Cristo estava presente nas nuvens e na rocha que jorrava água quando o povo peregrinava no deserto.

Estes métodos foram sistematizados na interpretação pós-bíblica; surgiram diversas doutrinas sobre os múltiplos significados da Bíblia.

Seguindo os exegetas judeus helenistas, Orígenes ( f 254) ensinava que a interpretação devia ser racional e textualmente acurada partindo do “corpo” em direção à “alma”, ou seja, partindo do sentido histórico-gramatical para o moral, chegando, por fim, à interpretação alegórica do sentido “espiritual” dos mistérios de Deus.

Até a Idade Média, os ensinos correspondentes aguçaram o olhar para a complexidade da Bíblia, mas também foram utilizados, principalmente nas alegorias, para elaborar constructos arbitrários. Por isso, os eruditos das novas ordens de pregadores do século XIII usavam a interpretação alegórica somente para edificação. A fim de resistir nas discussões com os judeus, eles estudavam o hebraico e partiam do significado das palavras:

Tomás de Aquino (dominicano, f 1274) somente permitia o uso de alegorias como argumento quando a interpretação literal de outro texto bíblico contivesse o mesmo ensinamento.

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Em sua “Postilla litteralis" (“interpretação literal”), Nicolau de Lyra (franciscano, f 1349) se reporta frequentemente à obra do judeu Rashi (século XI), que sempre buscava o sentido original do texto. A Postilla foi o primeiro comentário bíblico impresso (1471).

Não influenciados pelos debates entre os eruditos, os cristãos liam o AT como livro histórico, que contava a respeito de um passado distante e de exemplos de comportamento correto.

Carlos Magno ( f 814) oferece um exemplo significativo desta inter­pretação bíblica prática: ao conduzir a reforma no império, ele se viu incumbido de renovar aquela ordem terrena e espiritual única, indivi­sível, estabelecida também pelos reis Josias (2RS 23) e Davi. Para que a Bíblia se tornasse regra de vida genuína e matéria básica de educação, ele mandou fazer transcrições da Vulgata sem erros e escritas de maneira clara e legível. Os livros escritos eram raros; por isso, a Bíblia deveria ser acessível a qualquer pessoa por meio de uma liturgia organizada, com leitura, pregação e canto de salmos. Traduções e paráfrases da Bíblia nas línguas românicas e germânicas faladas no império deveriam inspirar os sacerdotes a explicar os textos sagrados de forma compreensível na pregação e na catequese.

As palavras de Jesus em aramaico só foram conservadas em versões gregas; a tradução grega da Bíblia de Israel (Septuaginta) tornou-se o AT cristão.

Por isso, Agostinho ( f 430) ensinava que a linguagem trazia apenas “signos”; sagrado não seria o texto, mas o “assunto” apresentado, a mensagem bíblica.

Nas regiões onde se falava latim no dia a dia já havia traduções da Bíblia para este idioma no começo do século II. Jerônimo ( f 420) também fez uma tradução confiável da Bíblia hebraica para o latim. Quando o latim se tornou uma língua entendida somente pelos eruditos, essa Bíblia ficou conhecida no Ocidente como a “Vulgata” (“comum”), e serviu de base para traduções para outros idiomas. Como acontecera no Oriente, agora

• O NT in te rp re ta a v ida de Cristo a p a rtir do AT; os cristãos, por sua vez, entendiam o AT como testemunho de Cristo.

• Desde o começo, as traduções pa ra línguas vernáculas tiveram muita im portância na história da Bíblia cristã.

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também no Ocidente as traduções da Bíblia contribuíram para tornar as línguas faladas em línguas literárias.

O latim da Vulgata era o laço unificador entre os povos cristãos da Europa, mas cada povo também encontrou seu próprio acesso à Bíblia: nas representações dentro e fora dos prédios de igrejas, imagens do cotidiano e ideias pagãs eram reinterpretadas à luz da Bíblia; poemas transferiam motivos bíblicos para o contexto de cada região.

Um exemplo dentre muitos: um poema chamado “Heliand”, escrito em saxão antigo fala do Cristo heróico.

As línguas originais da Bíblia, no entanto, não foram esquecidas. Entre os cristãos havia judeus com a Bíblia hebraica; depois da queda de Constantinopla (1453), quando os cristãos fugiram para o Ocidente, levando sua Bíblia grega, surgiu ali uma percepção renovada do grego neotestamentário. Na Europa da Idade Média Baixa havia, portanto, três línguas sagradas: hebraico, grego e latim.

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Como resultado das revoltas contra Roma na Palestina e da Diáspora (70,115 e 138 d.C.), grupos importantes de judeus desapareceram.

As tradições judaico-cristãs permaneceram vivas por meio dos cristãos. Eles preservaram a Septuaginta, aprenderam a exegese alegórica com a obra de Filo e a ler o AT como obra histórica, com Josefo.

Duas formas de interpretação bíblica judaica sobreviveram àquelas catástrofes e permanecem até hoje:

x. Os cultos nas sinagogas celebram as Escrituras Sagradas deIsrael.

A precedência é da torá (Gn-Dt); ela é lida integralmente no decorrer de um ou mais anos; a segunda leitura traz um texto dos “Profetas” (Js-Ml) que combine com a parte lida da torá. Os salmos são as orações da comu­nidade que vive com a torá. A pregação interpreta o texto bíblico como orientação para a vida (hebraico: torá).

Relatos neotestamentários de como Jesus ou Paulo ensinaram nas sinagogas lembram a herança judaica do culto cristão.

A linguagem litúrgica é hebraica. Quando é necessário traduzir, o intérprete não deve ler o texto direto do rolo da torá, para que a tradução não seja tomada por sagrada.

Explicações em aramaico (targumim) foram conservadas apenas como textos escolares no século IX.

Traduções gregas, que imitam o hebraico de maneira literal, subs­tituíram a Septuaginta cristã.

Saadja ( f 942), diretor de uma escola judaica babilônica (século X), criou uma Bíblia em árabe.

2. A interpretação bíblica erudita serve para fundamentar as regras religiosas, morais e legais da vida do povo.

Quando o templo, lugar da presença de Deus, foi destruído, o ensino farisaico que Deus estava presente no povo, que por isso, deveria viver de forma sacerdotal, ganhou importância central. Discursos didáticos sobre esse tema foram registrados por escrito na Mishná (hebraico:

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A múltipla compreensão bíblica judaica no séc. I d.C.

Judeus na Babilônia e na Palestina

No séc. II surge a Mishná;

entre os sécs. IV e VII o |Tanach é ampliado ao Talmud,

da torá escritatodos os livros bíblicos

O

surge também o Midrashim,

|que joga com textos e livros bíblicos

Judeus em reinos islâmicos

A partir do séc. VIII Exatidão textual

Caraítas Massoretas

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Judeus da Europa cristã

A partir do séc. XI Escola exegética de Rashi.

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cristãos gentios

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(Séc. XIX) Atenção especial ao Judaísmo reformado Texto massorético

Interpretações bíblicas judaicas desde o séc. I d.C. até a Idade Média

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r Liturgias das sinagogas

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“repetição”), por volta de 200 d.C. As interpretações de textos bíblicos na Mishná também tem por objetivo concretizar este ensino.

P.ex.: os eruditos discutem quando e como recitar a confissão de Deuteronômio 6.4, mas não o entendimento correto desse texto.

À medida que o cristianismo se fortaleceu, os rabinos (“Rabbi” é título dado aos estudiosos da ford) reforçaram a individualidade judaica, cercando a Mishná com comentários diversificados. Surgiu assim o Talmude (hebraico: “estudo”), entre os séculos IV a VII. Reportando-se a uma “torá oral”, igualmente originada no Sinai, os ensinos do Talmude também eram considerados compromissivos, mesmo aqueles cuja conexão com a Bíblia era distante.

Diferentemente do que acontece na liturgia, na interpretação bíblica todos os livros bíblicos tinham a mesma importância. Os rabinos preen­chiam lacunas de sentido detectadas no Midrash (hebraico: “pesquisa”) com citações textuais remotas, a fim de fundamentar regras essenciais para a Halachá (hebraico: “caminho”) que faltavam no texto escrito da torá e para ampliar os textos da Hagadá (hebraico: “narração”) de forma especulativa.

Desta forma, o chifre do carneiro que Abraão sacrificou em lugar de seu filho transformou-se no shofar usado para anunciar o ano do Jubileu (Gn 22; Lv 25.9).

Ao lado desses midrashim espalhados pelo Talmude e relaciona­dos a passagens específicas, até o século X surgiram outros midrashim para livros inteiros da Bíblia. Eruditos judeus que viviam em territórios islâmicos rejeitaram os midrashim e observavam o sentido literal das palavras (talvez inspirados pela exegese do Corão?).

Os caraítas, denominação derivada da palavra mikra, “seguidores das Escrituras” (da mesma raiz lingüística que a palavra corão)

rejeitavam todo o ensino da “torá oral”.

O trabalho dos massoretas teve influên­cia permanente. Entre os séculos VIII e X da era cristã eles definiram a gramática e a pronúncia do texto bíblico, que até então não eram claras.

No século XI, o rabino Rashi ( f 1105) fundou uma famosa escola exegética em

• Os cultos nas sinagogas celebram as Escrituras Sagradas de Israel.

• A in te rpre tação bíblica e rud ita serve pa ra fundam entar as regras religiosas, morais e legais da v ida do povo.

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Troyes (no norte da França), que seguia um comentário bíblico cuja argumentação recorria ao sentido das palavras. Até então os judeus não tinham dado atenção à interpretação bíblica cristã; para eles, os cristãos eram “gentios” sem qualquer noção sobre a torá. Rashi, no entanto, mostrou os lugares onde os textos veterotestamentários sugerem que os judeus podiam aprender com os “gentios” e os “gentios” com os judeus (Zc 8 .13 ; Êx 18 .14 S S ). Mas qualquer oportunidade para um intercâmbio desse tipo foi brutalmente destruída pelos cristãos, principalmente por causa dos pogroms deflagrados com a primeira Cruzada ( 10 9 6 ) .

No século XIII, os dominicanos e franciscanos até aprendiam hebraico, estudavam a exegese judaica e até mesmo o Talmude, mas apenas para poderem derrotar os judeus com suas próprias armas.

Nicolau de Lyra cita e ratifica muitas vezes as palavras de Rashi em seu comentário bíblico; isto não o impediu de levantar polêmicas antijudaicas em outros escritos.

Somente depois do Holocausto as igrejas cristãs passaram a reco­nhecer a legitimidade da interpretação bíblica judaica. Desde então, os cristãos buscam acesso às suas próprias origens por meio do diálogo com os judeus sobre sua interpretação bíblica; também judeus se baseiam em exegetas como Rashi para que o debate com a Bíblia cristã os ajude a encarar a sua própria tradição de outro ponto de vista.

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Nenhuma obra da Antiguidade abriu um horizonte tão grande como a Bíblia. Na Idade Média ela era considerada como o livro que continha a chave para o sentido de toda a história do mundo, e as pessoas tinham convicção que ela teria de ser interpretada mediante a colaboração de eruditos de todas as épocas. Por isso, muitos comentários bíblicos da Idade Média consistem de catenas (latim: “cadeias”), isto é, uma coleção de interpretações de textos de vários séculos.

Da mesma maneira, o Talmude reúne textos de muitas épocas.

Crítica bíblica da modernidade

Seguindo o lema adfontes ([ir] às fontes), os eruditos do Renascimento também queriam entender a Bíblia somente a partir de suas origens, inde­pendentemente de tradições interpretativas; eles estudavam as línguas, as instituições e particularidades geográficas do mundo bíblico.

O princípio seguido por Lutero, que “a Bíblia interpreta a si mesma”, não tinha por objetivo estudar o passado, mas garantir ao presente um acesso à Bíblia não distrocido por tradições. Na Idade Média, passagens “obscuras” da Bíblia era interpretadas a partir das passagens “claras”. Já Lutero rejeitava textos bíblicos que ensinavam que o ser humano é salvo pela obediência à lei, pois contradiziam a palavra de Romanos 3.22 (“somente pela fé”), tão importante para ele.

A cosmovisão bíblica tornou-se questionável quando Galileu provou que a terra, lugar da história da salvação, não era o centro do universo. O conhecimento das ciências naturais e da Bíblia coincidem cada vez menos.

Quando os arqueólogos descobriram as grandes culturas do antigo Oriente e ficou claro que o antigo Israel era um povo pequeno e tardio daquele círculo cultural desaparecido, o AT passou a ser, para muitos eruditos, um precursor superado do NT. Também os textos neotestamen­tários passaram a ser vistos frequentemente apenas como testemunhos de uma insignificante ramificação secundária da história intelectual do mundo helênico.

Durante muito tempo, parecia que a aceitação da Bíblia pela fé era incompatível com o questionamento histórico. Somente em 1943 o

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ensino da igreja católica flexibilizou a proibição à pesquisa histó- rico-crítica da Bíblia.

Análises históricas

No início do século XX aumentou o interesse pela pesquisa histórica sobre a vida cotidiana. Isso incluiu a pesquisa sobre a história dos gêneros literários da Bíblia. Descobriu-se que as “pequenas formas discursivas” da Bíblia normalmente são construídas de maneira semelhante, justifi­cando esse fato pelo seu uso pré-literário e esquadrinhando o “contexto vital” (do alemão Sitz im Leben) no qual tais formas de discurso teriam sido usuais.

As questões sobre a história do surgimento das grandes unidades textuais, começando pelo Pentateuco, esbarravam nos limites da análise histórica. As hipóteses elaboradas em relação a isso nunca foram capazes de explicar completamente as rupturas na seqüência do texto.

Só é possível formar uma imagem coerente de determinado contexto histórico quando dá para criar pontes plausíveis sobre lacunas do

conhecimento histórico. É preciso verificar constantemente a estabilidade dessas pontes. Isso vale especialmente na reconstrução da longa história da formação da Bíblia em meio a um povo pequeno e distante dos centros políticos da época.

Devido a essas imprecisões, não poucos pensadores modernos consideravam obsoleta a fé bíblica que Deus se revela na história.

• Para os iluministas, a fé era uma fase pre­liminar da verdadeira religião; seria uma crença simplória, por se apoiar em coinci­dências históricas (Lessing, século XVIII).

• Para os existencialistas, era um “mito” que, independentemente de sua veraci­dade, demanda uma escolha pessoal pela fé (Bultmann, século XX).

• A Bíblia é lida como livro de um passado distante e estranho.

• A ide ia da unidade interna dos ensinos bíblicos começa a ex ib ir fissuras.

• Foram descobertas falhas objetivas e contradições na Bíblia.

• Pesquisadores da Bíblia entendem textos bíblicos como fontes da história re lig iosa antiga que a inda pode ser reconhecida por trás deles.

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Considerando a história da atuação

Atualmente, o significado múltiplo dos textos frequentemente é o ponto de partida da interpretação. Seguindo as teorias da recepção, os exegetas pressupõem que, dependendo do contexto no qual o leitor está ao ler determinado texto, ele descobre significados que de outra forma permaneceriam ocultos.

Observa(m)-se:

• A história da interpretação dentro da própria Bíblia: faz-se uma “releitura” dos textos (termo técnico: relecture, do francês). Apontam para isso inserções, referências a textos vizinhos e alusões a textos mais distantes.

A história da atuação pós-bíblica, que pode ser apreendida em interpretações pré-modernas e apresentações imagéticas.

As formas de leitura de diferentes comunidades de fé que convivem com a Bíblia. Isso vale principalmente para a interpretação do AT.

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Os motivos são fornecidos pela própria Bíblia cristã. No AT, ela apresenta livros judaicos sem modificações aos cristãos, e no NT ela explica que a mensagem de jesus e a fé em Cristo têm seu fundamento no AT. Quem acompanhar o NT no entendimento que a história inicial do cristianismo é uma continuação legítima da história da fé judaica do AT acaba por descobrir neste, retrocedendo a partir do NT, significados que de outra maneira permaneceriam escondidos. Por isso, exegetas modernos analisam os textos do AT em duas etapas: na primeira, como se o NT não existisse; na segunda etapa, examinam-no a partir do ponto de vista do cristianismo.

Exegeses que testam abordagens do feminismo, da psicologia do profundo e da teologia da libertação também dependem sempre da análise do próprio ponto de vista particular. Se os exegetas considerarem de forma cuidadosa e consciente as contradições que o texto apresenta aos seus próprios ideais, este tipo de interpretação engajada pode revelar a frequência e a variedade de formas com que se busca resposta na Bíblia para as questões da vida.

De fato, a interpretação histórico-crítica é a que tem a maior probabi­lidade de inspirar tais cuidados, por dispor de um conjunto coordenado de métodos e etapas de trabalho claramente identificáveis:

Crítica literária: como fundamentar as delimitações do texto a ser estudado? Ele é coerente por si só?

Crítica textual: como a forma textual pode ser fundamentada a partir de testemunhos textuais anteriores?

Crítica semântica: de onde procedem elementos particulares do texto, p.ex., imagens e formas de discurso?

Crítica dos gêneros: quais experiências da realidade são expressas? Em que situação de vida alguém falaria de tal maneira?

Crítica das tradições: de onde se conhecia a realidade apresentada no texto?

Crítica da redação: a imagem da realidade está tingida por nuances de intenções específicas, perceptíveis também em outros textos?

As percepções das contingências temporais dos textos, detectadas a partir destas perguntas, previnem contra interpretações arbitrárias.

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P.ex., quando se conhece o contexto no qual surgiram alguns textos antissemitas no NT ou trechos que exaltam a violência no AT fica impos­sível ouvir ali a palavra eternamente válida de Deus, que demanda obediência.

Exegese do texto final

Enquanto o método histórico-crítico, desenvolvido a partir do Renascimento, é usado para rastrear o surgimento e o desenvolvimento dos textos bíblicos (de preferência até suas versões mais antigas) de forma “diacrônica”, a exegese do texto final, surgida no final do século XX, pretende entender o texto bíblico de maneira “sincrônica” em seu formato final.

M. Buber antecipou este desenvolvimento; para ele, o texto bíblico pronto seria rabbenu, “nosso mestre”.

Seguindo modelos lingüísticos, os textos são entendidos como “textura” (tecido) composta por sinais lingüísticos e analisados quanto à sua interligação, como p.ex.:

• Lingüística: o que se observa no vocabulário, na construção e estruturação das sentenças?

Semântica: quais elementos do texto estabelecem o significado do todo?

Pragmática: quem fala? Com quem? Com que objetivo?

Narrativa: o que conduz ao objetivo? Em que ponto particular?

Tais perguntas ajudam na interpretação de textos individuais. Para uma exegese de texto final capaz de revelar e pesar os resultados inter- textuais no cânon completo (ainda?) faltam métodos bem coordenados.

A exegese moderna não pode mais ler os textos bíblicos como parte de uma história que vai da Criação até o fim do mundo; a crítica bíblica moderna não pode mais ser ignorada. Mas a combinação da interpre­tação bíblica histórico-crítica, das questões lingüísticas e das questões contemporâneas permite reconhecer que mesmo a perda da cosmovisão e da imagem histórica coerentes na Bíblia traz algum benefício.

Na Bíblia ressoam vozes de muitos séculos, que nem sempre concordam perfeitamente. A maneira como essa diversidade se formou pode ser detectada justamente nos pontos em que a antiga exegese histórica, que se

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interessava somente pelo “núcleo histórico” encontrou apenas vestígios de uma religiosidade engessada. Tradições antigas eram interpretadas de forma resumida, pois as comunidades pequenas e oprimidas queriam continuar convivendo com as experiências de fé (verbalizadas em suas tradições). Foi nestas comunidades judaicas e cristãs que também surgiu o cânon. Portanto, a “interpretação canônica” busca a importância do texto que é tomado como testemunho de experiências de Deus com as quais comunidades de fiéis querem conviver e subsistir.

Questões que comovem o ser humano sempre são percebidas apenas de maneira aproximada, muito provavelmente por meio de simpatia. É assim que também a Bíblia se aproxima da realidade que se formou na História por meio da fé em Deus: de forma repetidamente nova, a partir de diferentes ângulos e várias abordagens. A exegese científica possibilita o melhor acesso possível a essa realidade.

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ap a rtir

do séc. XXXIII

Ap a rtir

do séc. XXIX

Em270 0

2340

2198

Ap a rtir

de2151

Ap a rtir

de2000

1850

1530

M esopotâm ia

C idades-estadosumérias

Desenvolvimento da escrita cuneiforme

Palestina / Síria

Imigrações de povos semitas

G ilgamesh, um lendário rei de Uruk

O reino semítico de Acade

restauraçãosuméria

zigurates, adágios, fábulas, hinos, rituais

Listasacádico-sumérias

pequenas c idades ao Sul: Jericó, A ra d e outras

poderosas cidades-estado ao Norte:Ebla, M a ri

Egito

Unificação do a lto e ba ixo Egito: Reino antigo

Pirâmides

Desenvolvimento da escrita h ierog lífica

Estado burocrático, lite ra tu ra sapiencial

Hinos

Colapso do Reino Antigo

Cultura Cananita

C idades parcia lm ente fo rtif ica das, influência egípc iaJerusa lém , Biblos

Relato da fuga de Sinuhe p a ra C anaã

Antigo Império Babilônio

C ódigo de Ham urabi A rquivo cuneiforme de M ari Epopéias: Gilgamesh,criação, d ilúvio c idades fo rtifica das:

J a ffa , Asdode, Géser, Siquém, Hazor e outras

Ap a rtir

de1600

1350a

1290

1200

Ásia M enor

Im pério H itita

Predomínio H itita

em Ugarítico: a lfa b e to cuneiforme, mitos, epopeias

Levantes dos H apiru / “ Hebreus”

Invasão dos “ povos d o m ar”

Hicsos(“ domínio estrangeiro” ) •

Ap a rtir

do séc. XXX

Ap a rtir

do séc. XXVII

2143

1785

Reino Novo

/""P re d o m ín io do Egito

C artas de Am arna Aquenaton

Predomínio do Egito

Ap a rtir

de1540

13531336

Reinos sucessores do im pério H itita

Surgimento de uma nova cultura de a lde ia

Retorno de C anaã

A te rra da Bíblia entre as prim eiras grandes culturas

Page 468: Atlas da bíblia     annemarie ohler;  tom menzel

PeríodosA rqueo­lógicos Características

Acontecimentos de História da época

Formação d a Bíblia Épocas

A té 1 1 50 Idade

do Bronze ta rd ia

Declínio das cidades de C anaã

M ig ração dos “ Povos do M a r” Lendas sobre

locais e heróis

1 2 0 0 -1 0 0 0

1150a

1000

Idade do fe rro 1

novas a lde ias nas montanhas

C idades dos filisteus, no lito ra l

Combinação de tribos

União das tribos de Israel

Canções,Provérbios

Princípios legais

períodopré -esta ta l

1000a

60 0

Idade do fe rro II

cidades principais e fronteiriças de novos povos: Israel, Judá, M oabe, Aram , Amom

apartir

de1000

ap a rtir

de931

85 0a

80 0

Saul,Davi, Salomão

dois estados: Is rae l/Judá

Aram ameaçou Israel

Ciclos narrativos sobre o início de Israel

Co letâneas de provérb ios e leis

Relatos de Elias / Eliseu

1000a58 6

período degovernop róp rio

influência assíria na construção de edifícios e

72 2 Assíria destruiu oAm os/O seiasIsaías/M ique ias

na a rte ap a rtir

de73 3

622

Judá é vassalo da Assíria

Reforma de Josias

ob ra histórica javista-e loísta

Deuteronômio

6 0 0a

5 0 0

Idade do

p a rtirde

605

58 6

Judá é vassalo da bab ilô n ia

Destruição de Jerusalém

Sofonias, Naum, Habacuque

Jeremias,Ezequiel

ob ra histórica deuteronom ista

fe rro III

Declínioeestagnação

até538

Judá éprovínciabab ilôn ica

a p a rtir de 5 8 6

Dominaçãoestrangeira

Israel a té a queda d o estado de Judá

Page 469: Atlas da bíblia     annemarie ohler;  tom menzel

Épocasa

partir Acontecimentos e desenvolvimentos Surgimento da Bíblia

5 3 8 -3 3 3

de550 Triunfo de Ciro Deuteroisaías

538 Edito de Ciro:prim eiro re to rno a Jerusalém

Tritosaias

D

1

520a

515Retorno o rgan izado, reconstrução do Templo

Ageu, Zacarias

Textos sacerdotais

O"O,0

a>a .

450a

433

398

Neemias,Independência da província de Judá

Esdras anuncia a Torá em Jerusalém

Rute

M a laqu ias Defin ição da to rá

em360

Teocracia do sumo sacerdote em Judá

A g ita çã o no Im pério Persa

Jó; ob ra de crônicas

Joel e complementos

3 3 3 -6 3a

partirde

334

330

Triunfo de A lexand re

Sam aria , co lônia m acedônica, Santuário no M onte G eriz im

escatológicos dos livros proféticos Ester

A torá se to rna a Bíblia sam aritano

De 301 até 198

_Q DO o &

'D £ .23 o o £

-=í T5 T> cl.

apartir

de250

em200

Helenização do sacerdócio em Jerusalém

Auge d a teocracia em Jerusalém

em A lexand ria traba lham na septuaginta Conclusão de Provérbios, Eclesiastes,Cântico dos cânticos (Cantares)

Doze livros dos profetas, Saltério

De 198 até 141o

198 Reconhecimento da teocracia através dos Selêucidas

Helenização fo rça da

Jesus S iraque (Eclesiástico)

'E0)<uxo

167 Cuito a Zeus no Templo, perseguição aos judeus ortodoxos

TJ.2<ü

Cl.Insurreição dos M acabeus (tam bém cham ados Asmoneus) Daniel

Judá

so

bdo

mín

iodo

sS

elêu

cida

s 152

141

Um Asmoneu se to rn a sumo sacerdote; sepa ração dos fariseus e essênios

G regos expulsos de Jerusalém

(prim eiros registrosde Cunrã; outros livros do judaísmo antigo extra bíblicos)

De 141 até 63

apartir

de141

Asmoneu é reconhecido pe lo povo como sumo sacerdote e, depois, como rei

Judá

so

bdo

mín

iodo

sA

smon

eus

aDartir

de129

107103

65

G uerras de conquista dos asmoneus, conversão fo rça d a ao judaísmo Destruição da Sam aria Submissão d a G a lile ia

Disputa pe lo trono; Roma decide

1 M acabeus 2M acabeus

Judite

Desde 63 a.C. pe ríodo Romano

Judá no período persa e helenístico

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A B í b l i a m a r c o u a n o s s a c u l t u r a

Ela descreve pessoas e conta histórias que, muitos

séculos depois, ainda inspiram pintores, composito­

res e escritores na produção de suas obras. Ela mesma

contém prosa e poesia literariamente significativa.

A Bíblia faz parte da nossa herança espiritual e é

o fundamento de várias denominações religiosas.

Ainda assim, é desconhecida para a maioria das pes­

soas hoje em dia, um best-seller não lido: o Livro dos

livros é considerado volumoso demais, nebuloso e difí­cil de entender, sendo usado no máximo como fonte

de citações. Mas mesmo o leitor que a folheie com

prazer e frequência, apreciando-a como obra histó­

rica ou obra literária, às vezes procura informações

adicionais e gostaria de saber mais sobre governantes,

culturas e religiões do Antigo Oriente. O objetivo do

Atlas da Bíblia é facilitar o primeiro contato ou uma

reaproximação com a Bíblia. Textos detalhados, tabe­

las cronológicas, m apas e gráficos informam sobre

contexto e conteúdo dos livros bíblicos, sobre a tra­dição textual, pessoas, geografia e história. O Atlas da Bíblia oferece um resumo compacto da estrutura dos

diferentes livros do Antigo e do Novo Testamentos, e

usa linguagem simples para relatar a posição atual da pesquisa bíblica moderna.

ISBN 978-85-7742-120-6

788577 421206

Categoria: Referência