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ASSOCIAÇÃO JUINENSE DE ENSINO SUPERIOR DO VALE DO JURUENA AJES INSTITUTO SUPERIOR DE EDUCAÇÃO DO VALE DO JURUENA - ISE CURSO: ESPECILAIZAÇÃO EM PSICOPEDAGOGIA COM ÊNFASE EM EDUCAÇÃO INFANTIL “O FAZ-DE-CONTA NO DESENVOLVIMENTO DA CRIANÇA DAS SÉRIES INICIAIS” DA ESCOLA MUNICIPAL “BRINCANDO E APRENDENDO” MARIA FÁTIMA ALVES DE SOUZA Orientador: PROF. ILSO FERNANDES DO CARMO CÁCERES/2008

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ASSOCIAÇÃO JUINENSE DE ENSINO SUPERIOR DO VALE DO JURUENA AJES

INSTITUTO SUPERIOR DE EDUCAÇÃO DO VALE DO JURUENA - ISE

CURSO: ESPECILAIZAÇÃO EM PSICOPEDAGOGIA COM ÊNFASE EM

EDUCAÇÃO INFANTIL

“O FAZ-DE-CONTA NO DESENVOLVIMENTO DA CRIANÇA DAS SÉRIES

INICIAIS” DA ESCOLA MUNICIPAL “BRINCANDO E APRENDENDO”

MARIA FÁTIMA ALVES DE SOUZA

Orientador: PROF. ILSO FERNANDES DO CARMO

CÁCERES/2008

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ASSOCIAÇÃO JUINENSE DE ENSINO SUPERIOR DO VALE DO JURUENA AJES

INSTITUTO SUPERIOR DE EDUCAÇÃO DO VALE DO JURUENA - ISE

CURSO: ESPECILAIZAÇÃO EM PSICOPEDAGOGIA COM ÊNFASE EM

EDUCAÇÃO INFANTIL

O FAZ-DE-CONTA NO DESENVOLVIMENTO DA CRIANÇA DAS SÉRIES

INICIAIS” DA ESCOLA MUNICIPAL “BRINCANDO E APRENDENDO”

MARIA FÁTIMA ALVES DE SOUZA

[email protected]

Orientador: PROF. ILSO FERNANDES DO CARMO

“Trabalho apresentado como requisito parcial para a obtenção do titulo de Especialização em Psicopedagogia com Ênfase na Educação Infantil”.

CÁCERES-MT, 2008

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ASSOCIAÇÃO JUINENSE DE ENSINO SUPERIOR DO VALE DO JURUENA AJES

INSTITUTO SUPERIOR DE EDUCAÇÃO DO VALE DO JURUENA - ISE

CURSO: ESPECILAIZAÇÃO EM PSICOPEDAGOGIA COM ÊNFASE EM

EDUCAÇÃO INFANTIL

BANCA EXAMINADORA

ORIENTADOR

Prof: Ilso Fernandes do Carmo

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DEDICATÓRIA

Primeiro ofereço esse árduo trabalho ao ser Onipotente, que as vezes sem eu

perceber deu-me forças para continuar a buscar esse conhecimento tão indispensável a mim e

às crianças com o qual trabalho.

Dedico este trabalho também as criaturas mais lindas do mundo “meus filhos”;

aos meus colegas, amigos de sala e de trabalho, que direta ou indiretamente sempre estiveram

prontos a me ajudar, ora com palavras, ora com material de estudo.

De modo particular, dedico este trabalho a todos (as) professores(as) que

estiveram nesse trajeto de final de curso, e em especial, ao professor e orientador Ilso

Fernandes do Carmo, que com seu vasto cabedal de conhecimento, auxiliou-me na construção

da pesquisa, do olhar à prática pedagógica e da sistematização desse processo no trabalho que

finalizo, por meio desta monografia, à comunidade acadêmica da AJES.

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AGRADECIMENTOS

Agradeço, primeiramente a Deus pela vida, inteligência e disposição que me

impulsionou na batalha para conquistar meus ideais.

A todos os meus familiares, pai, mãe, irmãos(as) e cunhados(as) e em especial

aos meus filhos, Reginaldo, Ronison e Regiane, por compreenderem as horas ausentes e sem

atenção da mãe que se dedicava à tarefa árdua e apaixonante de ser professora pesquisadora.

Aos professores que colaboraram para somar a essa etapa, mais uma parcela de

conhecimento, e em especial minha professor e orientador Ilso Fernandes do Carmo, que não

mediu esforços, demonstrando entusiasmo e amor em todos os momentos. Que Deus a

ilumine sempre e nossos caminhos se cruzem outras vezes.

Aos colegas de turma, pela amizade e carinho demonstrado principalmente

Rosilaine, Maria dos Reis e Neuzely, amigas de todos os momentos.

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RESUMO

O presente trabalho, além de ser uma tarefa exigida para obtenção do titulo de

Especialista em Psicopedagogia com ênfase na Educação Infantil, é também uma pesquisa

que tem como objeto de estudo “o faz-de-conta no desenvolvimento da criança das séries

iniciais” da escola Municipal “Brincando e Aprendendo”, e a relevância desse brincar para

que ocorra o aprendizado das mesmas, fazendo-se analogias a teoria walloniana e os

acontecimentos imaginários interpretados e representados por elas no espaço dessa escola.

Foram realizados estudos sobre a história dos jogos infantis e o papel que o brincar assumiu e

assume na educação das mesmas, identificando nestes momentos o brincar imbuído de certa

alienação às reais necessidades sociais e infantis caracterizada por pressupostos culturais e

ideológicos que perduravam de uma situação social para outra. Visando construir elementos

para a análise e melhor compreensão do processo educativo por meio do brincar, foram

realizadas leituras orientadas para o processo de desenvolvimento e sobre a relevância do jogo

(o brincar nas séries iniciais) e no processo de ensino. Com os estudos de Galvão e a

observação participante desenvolvida nessa escola, pude compreender o significado da

afirmação do autor sobre como o “ato mental” se projeta em “atos motores”. Com a

observação das brincadeiras das crianças e os estudos realizados compreendi como o faz-de-

conta contribui para a que a criança interaja com seu meio social e crie uma cultura específica,

para o seu desenvolvimento. Cultura essa que pode ser subsídio importantíssimo a ser

trabalhado com elas no contexto pedagógico escolar do dia – a – dia, transformando – o esse

ambiente prazeroso e dando – o ao educando o gosto em aprender com alegria.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO .................................................................................................................... 07

CAPÍTULO I ........................................................................................................................ 08

INFÂNCIA, O LÚDICO E A EDUCAÇÃO ....................................................................... 08

1.1 Breve histórico da Infância ............................................................................................ 08

1.2 Do lúdico, da educação e do corpo na infância ............................................................. 13

1.3 O brincar e o corpo: o desenvolvimento infantil e o faz-de-conta ................................ 19

CAPÍTULO II ....................................................................................................................... 25

OS JOGOS NA EDUCAÇÃO .............................................................................................. 25

CAPÍTULO III ..................................................................................................................... 30

DO OBSERVADO AO ANALISADO: uma reflexão sobre a prática pedagógica no contexto

das séries iniciais .................................................................................................................. 30

3.1 Descrição das brincadeiras observadas.......................................................................... 30

3.1.1 Atendimento Médico. .................................................................................................. 30

3.1.2 O Trabalhador .............................................................................................................. 31

3.1.3 Mãe e Duas Filhas (família e o intruso) ...................................................................... 31

3.1.4 O Cavalo e a Arma de Luta ......................................................................................... 32

3.1.5 Viagem de Luta ........................................................................................................... 32

3.1.6 Marcha Soldado ........................................................................................................... 32

3.2 O faz-de-conta na prática pedagógica ........................................................................... 32

CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................................... 37

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ................................................................................. 40

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INTRODUÇÃO

Fui motivada pelo anseio de entender e compreender qual o valor pedagógico

das brincadeiras, principalmente o faz-de-conta que acontece sucessivamente nos ambientes

escolares infantis e também no dia a dia das crianças dessa faixa etária ( 5 a 6 anos). Nesse

Trabalho me ative primeiro numa leitura bibliográfica e seguidamente a pesquisa de campo (

espaço escolar), que passou a ser o meu paralelo de análise entre o que dizia os livros (

autores), e o desenrolar desses fatos no dia-a-dia das crianças.

Com essas brincadeiras pretendo tornar o aprendizado mais rico, o ambiente

escolar mais prazeroso e aconchegante, haja vista que brincando a criança terá um valor

especial e inesquecível para relembrar com prazer por toda vida os seus momentos escolares.

No primeiro capítulo faço uma revisão literária, resgatando a história da

criança desde séculos anteriores, também enfatizo algumas leis e o desenvolvimento do

brincar nas séries iniciais, no segundo priorizo a importância dos jogos na Educação e o

terceiro capítulo traz os frutos da revisão literária e da observação participante, com as

reflexões adquiridas nessa pesquisa.

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CAPÍTULO I

INFÂNCIA, O LÚDICO E A EDUCAÇÃO

1.1 – BREVE HISTÓRICO DA INFÂNCIA

Por ser de tamanha relevância para a sociedade “a temática da infância tem

sido objeto sistemático de estudo desde os séculos XVIII e XIX, sendo que registros de

propostas educacionais para crianças se fazem presentes desde a Antiguidade Clássica”

(OLIVEIRA, 2005, p. 96).

Embora bem raro a Literatura narrada por Ariès, traz alguns relatos que

referem-se a criança desde os séculos XI, XII, XIII. Temos com exemplo: “a cena do

Evangelho em que Jesus pede que se deixe vir à ele as criancinhas” (ARIÈS, 1981, p.50).

Ariès descreve um outro tipo de criança “seria o modelo e o ancestral de todas

as crianças pequenas da história da arte”, o menino Jesus, ou Nossa Senhora menina, pois a

infância aqui se ligava “ao mistério da maternidade da Virgem e ao Culto de Maria”, ainda

aparece um outro tipo de criança nessa época, “a criança nua”, contrapondo-se a imagem

primeira (ARIES, 1981, p.53).

Ao ler esses relatos descritos por Ariès nos séculos XI, XII. a XIII, quando este

se refere ao evangelho, parece-nos que o autor quer nos mostrar claramente o quanto as

crianças eram como se não existissem ou nem eram vistas como pessoas, pois Jesus naquela

época era o rei supremo, porém as crianças não podiam vê-lo, e quem dera poder tocá-lo.

Portanto, esse menosprezo à criança perdurou ainda por séculos e séculos,

somente mudava a forma como era representada na iconografia, o sentimento pelos mesmos,

continuava sem ser algo de preocupação.

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Embora as condições estatísticas não tenham mudado quase nada, até o século

XVII surge “os retratos de crianças sozinhas, e das famílias se organizando em torno da

criança” (ARIÈS, 1981, p.65).

“Para analisarmos o conceito de infância, se faz necessário e fundamental,

localizarmos as raízes do conceito moderno de infância, bem como as perspectivas

educativas a elas inerentes conforme Charlot (1983)”. (OLIVEIRA, 2005, p.96).

De acordo com estudos de Gouveia (2001) “etimologicamente a palavra

infância advém do termo ‘infant’ que significa aquele que ‘não deve falar’ ou que “não deve

falar”, (OLIVEIRA, 2005, p.97), portanto, essa mesma autora tem outra origem para a

palavra infância “deriva do verbo latim fari, falar, dizer e do seu particípio presente Fans.In-

Fans, no caso diz respeito à ausência de fala e à incapacidade” (OLIVEIRA, 2005. p.26).

Portanto, ao ler e analisar o termo “infância” fica claro como as crianças eram

desmerecidas de toda e qualquer condição que as mesmas necessitavam, tanto nos aspectos

físicos, afetivos e cognitivos.

Segundo Oliveira (2005) para compreender “a construção do conceito de

infância precisamos recuperar o processo das transformações ocorridas na sociedade”, o

que não é explicitado por Ariès (1981) quando refere-se a história da infância ( p.98).

Neste sentido, faz-se necessário recuperar a história das relações de trabalho

para compreender quando a infância passa a ser preocupação dos governos e legisladores,

quando Oliveira afirma que “no período medieval não existia ainda o sentimento de

infância” (2005, p.98).

Conforme a autora, a consideração concreta da criança na família e na

sociedade apareceu mais tarde com a sociedade capitalista, citado por Oliveira (2005), este

fato leva ao entendimento que a criança começou a ser olhada como criança não porque era

pequena, mas pela necessidade que surgia naquele momento histórico, pois o fato de as mães

irem trabalhar no início da industrialização fomentadora do capitalismo ocidental, as crianças

eram sinônimo de prejuízo, “atrapalhavam”. Com isso, criou-se na sociedade alguns lugares

para deixar os filhos das trabalhadoras, porém sem nenhum cuidado especial, principalmente

na parte educativa.

Ao ler relatos e fatos sobre a história da escolarização das crianças, pude

perceber a existência de escola, que tem como finalidade a educação religiosa, cujo cuidado

com a infância não havia como uma característica de desenvolvimento por faixa etária, por

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exemplo. Nestes contextos educacionais, reuniam desde homem barbado à crianças pequenas,

pois ainda não havia o sentido da importância da educação para a criança, assim como temos

hoje, em colocar as crianças em classes separadas por fases de desenvolvimento e oferecer-

lhes uma educação diferenciada.

Mas essa escolarização, com amontoado de idade numa mesma classe,

começou a ter outro rumo a partir do final do século XVIII. De acordo com Ariès criou-se “o

liceu ou o colégio para os burgueses (o secundário) e a escola para o povo (primário). O

secundário é um ensino longo. O primário um ensino curto” (ARIÈS, 1981, p.192).

No início do século XIX apesar da demanda escolar e o insucesso dos colégios

em exercícios, criou-se os “internatos” e as “escolas normais”, oficializando assim a

desigualdade social, característica de uma sociedade de classes como a nossa, permeando

século a século essa desigualdade também por meio das instituições escolares. As

consideradas de boa qualidade, para os burgueses (ricos) e de péssima qualidade, para o povo

(pobre).

Esses relatos acima citados nos dão impressão de haver realmente uma escola

para ensinar conteúdos pedagógicos para a burguesia, cuja finalidade é instruí-la para a

manutenção do “status” familiar desta classe em detrimento dos “trabalhadores”. As escolas

dos/para pobres eram simplesmente para amontoar pessoas a fim de não atrapalharem a mão

de obra destes trabalhadores, sem a mesma finalidade educativa da escola burguesa com

conteúdos pedagógicos específicos escolares. Uma vez que os filhos da classe trabalhadora

eram considerados como insetos ou pragas, apesar de fazerem todos os trabalhos para os

burgueses, estes eram chamados vagabundos, “João ninguém”. (ARIÉS, 1981).

Permeando o final da Idade Média e início do Período Moderno “a criança

conquistou um lugar junto de seus pais tornando-se indispensável, e os adultos passaram a se

preocupar com sua educação, carreira e futuro” (ARIÈS, 1981, p.270). Portanto, essa

conquista relevante para a criança ficou praticamente restrita a classe rica, as crianças pobres

ainda no início do século XIX, continuaram com o tratamento dado a elas e as famílias

medievais, enclausuradas e separadas dos pais, dividas em dois mundos num mesmo

território, ou seja, a desigualdade em que a criança (pobre) estava mergulhada parecia não ter

fim.

Através das pesquisas realizadas por Oliveira (2005), pude fazer análises e

reflexões a respeito da infância em épocas passadas e compreender a dinâmica social que

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atribui as mudanças e manutenção de idéias presentes na educação atual. Percebendo assim,

que não tem sido muito diferente os sentidos da educação escolar para a criança da classe

trabalhadora, percebo que esse desequilibro familiar vem perpassando de geração em geração.

Pois como vimos na história, para a classe pobre tinha abrigo assistencialista, para os ricos,

escolas com desenvolvimento moral e intelectual das crianças, e na atualidade, vemos que

também hoje existe essa diferenciação escolar, uma camada social na escola pública outra

camada na escola particular. E a interrogação sobre os objetivos da escola separada por classe

social continua a ser uma curiosidade para mim, pois será que o conteúdo pedagógico

trabalhado hoje na escola pública é o mesmo da particular? Será que continua como antes

cada uma tem um objetivo diferente a ser alcançado, e este conteúdo também direciona os

objetivos da escola para cada classe?

Ao falar em crianças e educação não pode ser ignorado nesse contexto os maus

tratos a que elas são submetidos, em virtude do descaso político enfatizado por Oliveira “as

crianças ricas são tratadas como dinheiro, as da classe média atada às patas da televisão e

as pobres como lixo” (2005. p.42). Diante dessa reflexão, penso que não é incorreto falar da

repugnação a qual é submetida a classe economicamente desfavorecida.

Fazendo uma analogia às pesquisas de Ariès, relatando como eram os cuidados

dedicados à escolaridade e infância das crianças em séculos passados, e de Oliveira, em

décadas mais próximas ao nosso tempo, percebo que pelo visto, o trato da criança pobre está

quase como era antes. Oliveira enfatiza muitos abusos que disfarçadamente são submetidas as

crianças empobrecidas, por exemplo:

“a cultura lúdica corporal (jogos, brincadeiras) é tecida à luz de constrangimento como: [...], acúmulo de responsabilidades precoces, além de marcas visíveis e invisíveis deixadas nos seus corpos e nas suas subjetividades” (2005, p.46).

É passível de percepção nesse relato que a criança pobre continua desprovida

dos direitos assegurados por lei (Estatuto da Criança e do Adolescente), mas esta afirmativa

não necessariamente é válida para a classe dominante, para quem as leis asseguram direitos.

Conforme Oliveira, como os pais não conseguem sozinhos dar sustento aos filhos, acabam

por deixá-los fora da escola, colocando-os, desde muito cedo, no mercado irregular de

trabalho infantil “[...] cujos impactos incidem nos países periféricos, aumentando a plêiade

de miseráveis e novos pobres [...], novos excluídos da nova ordem global”. (OLIVEIRA,

2005, p.47).

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Apesar do déficit em que anda o ensino nas escolas, principalmente na

Educação Infantil, o Ministério de Educação (MEC) divulga o Programa Nacional de

Educação Pré-Escolar em 1981, para atendimento de crianças de 0 a 3 anos, sendo esta de

responsabilidade do Município e da Assistência Social, obrigatória em período integral

(creche), para as crianças de famílias de baixa renda.

Neste processo de encaminhar novos rumos para a escolarização das crianças

pequenas, em 1988, a Constituição Federal define que a educação pré-escolar, caracterizada

neste momento de 0 a 6 anos, é de responsabilidade do Município e deve ser oferecida

gratuitamente.

Aos trancos e barrancos, com os estudos e mais estudos empreendidos por

especialistas brasileiros, em 1996, consegue-se aprovar no Congresso Nacional a nova Lei de

Diretrizes e Bases da Educação Nacional, a LDBN 9.394/96, que regulamenta a Educação

Infantil, decretando-a como sendo a primeira etapa da Educação Básica, incluindo a criança

de 0 a 3 anos no sistema Educacional, e ainda, exigindo a formação apropriada do profissional

para atuar nessa fase de educação da criança, uma nova área de trabalho diferenciando-o do

caráter assistencialista até então desenvolvido na maioria das práticas educativas presentes nas

creches municipais de todo o Brasil.

No entanto, esta nova legislação não atende a realidade da qual participo como

educadora da creche em Cáceres-MT, em 2005. Pois atuo nessa área com crianças de 2 e 3

anos, e mesmo após 8 anos da lei aprovada, a creche continuava sendo atendida pela

Assistência Social. Como já refletimos com Ariès (1981) e Oliveira (2005), acima, não sei até

quando em nosso país as leis, principalmente as que amparam as crianças, vão continuar

como papéis engavetadas, enquanto as crianças continuam sendo atendidas quase nos mesmos

moldes de séculos atrás.

Nos mais recentes andamentos das leis, surgem a de n.11.114, aprovada em

2005, que inclui a criança de 0 a 6 anos na Educação Fundamental. Diante do exposto, do

histórico apresentado neste capítulo, não tenho ainda condições de avaliar se os resultados de

sua implantação serão bons ou ruins para as crianças da classe trabalhadora. Não sei até que

ponto na pré-escola, as adequações de espaços, de ambientes diversificados e educativos vão

ser garantidos, assim como a formação específica, contínua e qualificada dos profissionais

serão assegurados, pois o que tenho visto em minha prática e nos estudos empreendidos nesta

pesquisa é o permanente descaso das políticas públicas educacionais, voltadas para a criança

pequena. Com a inserção da criança na escola de Ensino Fundamental, terá esta o respeito a

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sua condição de criança pequena? Terá a escola recebido o investimento financeiro para

receber de forma adequada a criança de 6 anos de idade? Ou será mais uma vez recorrido a

introdução da criança na escola como um paliativo social de demanda econômica e esta

passará a ter que se adequar as normas do ensino formal, sem movimento, sem brincar, sem

prazer em aprender e sem o direito de ser criança?

1.2 DO LÚDICO, DA EDUCAÇÃO E DO CORPO NA INFÂNCIA Vale destacar, conforme Oliveira, que as legislações que tratam da criança e do

adolescente, dão prioridade as atividades de esporte e lazer. As práticas corporais são

consideradas relevantes no “Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) é uma lei aprovada

em 1990, que substitui o Código de Menores de 1979, modificação de 1927, e regulamenta o

Artigo 227 da Constituição Federal do Brasil”. (2005. p.13).

O ECA traz no capítulo IV, dedicado exclusivamente ao Direito à Educação, à

Cultura ao Esporte e ao Lazer, considerando-os essencial para o pleno desenvolvimento

infanto-juvenil e da cidadania.

Porém, mesmo após anos e anos de tantas leis votadas e aprovadas pelos

governantes, com parágrafos e mais parágrafos a favor das crianças de todas as classes,

religiões, etnias e culturas diferentes, parece que quase nada mudou.

Segundo Oliveira, o destaque do século XVII foi Comenius, no contexto

pedagógico, que apontou, entre outras coisas, a criação de uma escola maternal e primária e

seus respectivos princípios educativos (OLIVEIRA, 2005, p.100).

O pedagogo e pensador Comenius, defendia uma educação para todos, que

devia ir para as escolas não “só os filhos dos ricos e dos próceres, mas nobres, plebeus, ricos

e pobres, meninos e meninas”. (LUZURIAGA, 1990, p.140). Portanto é com esse

“reformador dos ideais escolares” que se inicia a separação das crianças por idades nas

escolas, com conteúdos diferenciados, porém não se sabe se realmente isso aconteceu como

ele queria (uma escola para todas as camadas da população), no entanto, marca-se com esse

pedagogo um novo “ideal” para vida escolar das crianças daquele período.

Russeau, outro importante educador responsável pelas mudanças do

pensamento da sociedade sobre a educação da criança, percebeu que não são iguais as mentes

da criança e do adulto e em seus estudos valorizou a aprendizagem através de experiência, dos

desafios e da busca pelo próprio desenvolvimento. Suas contribuições foram extremamente

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significativas para a educação da criança, ele entende que a educação deve ser bem

abrangente, acatando todas as “fases do desenvolvimento: infância, adolescência, juventude

[...], a vida afetiva tem de ocupar lugar importante, como a razão, e que a educação deve ser

integral, total humana” . (LUZURIAGA, 1990, p.167).

Aliado às contribuições de Russeau, Pestalozzi amplia os estudos voltados para

a educação. Este último é considerado um dos maiores destaques da pedagogia, para ele, a

família é o centro de toda uma educação, porém deve haver contribuição das outras

instituições educativas.

“No pensamento pedagógico de Pestalozzi, destacaram-se três teorias: 1) da educação natural, retomada de Russeau, considerando a criança como dotada de todas as faculdades da natureza humana, cabendo à educação desenvolvê-las; 2) da formação espiritual do ser humano a ser desenvolvida por meio da educação moral, intelectual e profissional, articuladas; 3) da instrução tendo como ponto de partida a instituição que seguia em particular a psicologia infantil”. (OLIVEIRA, 2005, p.100).

Em seus estudos ele relata três focos de muita importância para o

desenvolvimento das crianças “a família, o Estado, e a humanidade [...] assim como destaca

que “a educação deve partir das circunstâncias reais, imediatas do homem” (LUZURIAGA,

1990, p. 176).

Pestalozzi defende o estudo interligado ao trabalho, isto é, o aprender fazendo,

ele atribui que a educação deve ser em tempo integral “[...], nesse processo, o homem é,

assim, um ser instintivo ou animal, um ser social e um ser moral”. (LUZURIAGA, 1990,

p.176).

Neste período, com o interesse dos médicos sobre o corpo das crianças,

falavam que as escolas eram o lugar praticamente certo para detectar algum tipo de problemas

nas mesmas, com isso, passaram a realizar exames físicos, com o objetivo de identificar sinais

diferentes no sistema nervoso e assim evitar dificuldades de aprendizagens.

Ainda na Idade Média, conforme relatos descritos por Ariès as brincadeiras

permeavam o mundo das crianças, porém elas brincavam até os 7 anos e sempre juntos com

os adultos. Era comum as crianças brincarem de cavalo-de-pau, malha, cata-vento e outros.

Em seus estudos, Ariès estabelece a relação entre os jogos e brincadeiras infantis com o

mundo adulto, por exemplo, a brincadeira do cavalo-de-pau, reflete a atitude imitativa das

crianças em diversas etapas do brincar “numa época em que o cavalo era o principal meio de

transporte e de tração”. (1981, p.88).

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Portanto, pode-se considerar que mesmo num passado longínquo, o faz-de-

conta era utilizado pelas crianças como representação da vida cotidiana ou ainda como uma

forma de conhecer a sua realidade. Apesar de serem construídas desde séculos anteriores, as

brincadeiras e jogos, sempre faziam parte de um compromisso educativo, um ritual de

treinamento físico e de preparação para a vida. Conforme relatos de Ariès, os exercícios eram

utilizados mesmo não sendo dado muita importância pelos religiosos da época, mas era usado

porque acreditava-se, e pode-se afirmar que ainda há muitos educadores que acreditam, que o

exercício “provoca um grande desenvolvimento da saúde”, esperava-se (e espera-se) que os

jovens e crianças [...] joguem de maneira honesta e agradável, para o alívio do trabalho e o

justo repouso” . (1981, p. 111).

No decorrer do século XVII, alguns estudiosos já percebiam as possibilidades

educativas das brincadeiras e jogos principalmente os humanistas do Renascimento. Os

jesuítas priorizavam os jogos, e para incrementar, escreveram obra em latim na qual continha

as regras do jogo que achavam ser o mais adequado para educar os corpos que seriam

dominados para a elevação da alma cristã.

Mesmo compreendendo que essas brincadeiras não eram exclusivas para as

crianças, percebe-se que houve um crescimento em adequá-las à vida das pessoas como

podemos ver na escrita de um professor de filosofia e matemática em 1722, “é necessário que

o corpo humano se agite muito enquanto cresce”. (ARIÈS, 1981, p. 113).

Portanto, o desenvolvimento dos jogos não acontecia por acaso, havia impulsos

sociais e de educadores que os deixavam fluír no decorrer dos séculos, ora eram bem aceito

por religiosos e autoridades, ora por uma minoria da população, mas o comando dessa

preocupação, segundo Ariès, girou em torno de três eixos: “a moral, a saúde, e o bem

comum”. (1981, p. 114).

A preocupação dos médicos aliados e em conseqüência do crescimento das

indústrias e meios de transportes artificiais, promovem uma busca em melhorar as condições

físicas das pessoas, o intuito desta busca volta-se para a educação da criança, pois concebe-se

que o começo do adulto está na criança. Assim, o objetivo no auge da industrialização era

“trabalhar com valores considerados universais, higiene e saúde, educação, cultivo do corpo

e do espírito”. No Brasil “civilizado” este movimento mobiliza educadores com as premissas

da “eficiência” e do “rendimento”. (OLIVEIRA, 2005, p.30).

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A partir deste olhar sobre a história da educação e da educação do corpo,

Oliveira afirma que com a perspectiva de atualizar as pessoas para competir com um mundo

moderno e com o discurso da modernidade, “caberia à educação física preparar a criança para

a época nova...”, estes ideais da educação física “[...] baseava-se nas palavras de Darwin,

para quem ‘eugenismo’ é a ponte que une o domínio da ciência ao domínio humano”. (2005,

p. 31).

Como vimos nesta breve contextualização, não é de hoje que o jogo vem sendo

utilizado como recurso auxiliar na aprendizagem, desde a Antiguidade, embora não tivesse

nenhuma experiência do quanto eles eram importantes para o desenvolvimento das pessoas

(crianças), mas talvez isso ia acontecendo como uma cultura em evolução, ou seja, devia ser

passada de geração em geração.

Depois dessas observações o esporte chega com força total, como um preparo

para a vida social do indivíduo no qual os exercícios físicos são “vistos” como mediador da

higiene mental. Com isso a educação física tornou-se o carro chefe no preparo das crianças

para a época nova e com qualidade do homem moderno.

“A preocupação da Educação Física com a Educação Infantil não é algo recente. A ginástica ainda no século XIX, era utilizada para “domar” os corpos – no contexto da educação moral e corporal – das crianças ‘pequenas’”. (OLIVEIRA, 2005, p.101).

Não se tinha nesse período a Educação Física das crianças como um

desenvolvimento integral das mesmas, porém, usava-se a física, ainda não configurada como

disciplina do currículo, mas como prática educativa a serviço da “educação do corpo”, para

amansar o corpo e, assim, tentar enquadrá-lo num perfil definido como ideal para os objetivos

da escola, ou seja, da classe social dominante em virtude da sociedade a qual a criança deveria

ser integrada.

Portanto, ainda no início do século XX, percebe-se uma certa preocupação com

a “educação do corpo” ou seja da educação física, principalmente voltada para o crescimento

intelectual das crianças. Ainda na “década de 1930, com a criação dos Parques Infantis em

São Paulo, [...] na perspectiva da formação integral, os estudos acerca do desenvolvimento

motor e da aprendizagem motora também foram incorporados!”. (OLIVEIRA, 2005, p.101).

Marcando uma nova era na formação das crianças, vale ressaltar, esse ideal de

“formação integral”, marcado na escola brasileira no início da década de 70, teve como

objetivo a constituição de hábitos higiênicos, e da intervenção pedagógica no sentido de

adestramento dos movimentos das crianças no contexto escolar.

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Neste período, houve um avanço significativo em relação a “educação do

corpo”,

“[...] a partir da década de 1970, a psicomotricidade adentrou esse cenário pedagógico e percebemos que desde então o discurso sobre à Educação Física, especificamente quanto às suas finalidades na Educação Infantil, tem buscado nela o seu respaldo”. (OLIVEIRA, 2005, p.101).

No entanto, com o avanço conquistado nessa década para a Educação Física,

pouco melhorou os resultados pedagógicos, pois estando orientada pelas concepções

dicotomizadas, como corpo-mente, sala-pátio e teoria-prática, ainda não adquirem a qualidade

necessária para se pensar a educação da criança na pré-escola.

Segundo OLIVEIRA (2005), Negrine é considerado um precursor da

psicomotricidade, por ele denominada de “educação psicomotora”, influencia na década de 80

as propostas da Educação Física voltada para a Educação Infantil. As bases teóricas dos seus

estudos psicomotores resultam no entanto

“[...] numa perspectiva idealista, alheia em geral aos fatores sociais e, apesar de criticar o dualismo corpo-mente, na realidade este só assume outra ‘qualidade’, na medida em que a relação entre cognição, motricidade e afetividade não desaparece”. (BRACHT, apud OLIVEIRA, 2005, p.102).

Percebe-se então que Negrine tem uma visão um pouco diferente para a

Educação Física, pois condena a fragmentação corpo-mente e dá lugar a uma outra forma de

ver e Educação Física para a Educação Infantil, enfatizando a afetividade nesse campo de

recreação pedagógica.

Por volta do final da década de 1980, ganha impulso às “perspectivas de

Educação Física voltada para o desenvolvimento motor, com elementos da psicomotricidade,

cujas produções também apontam objetivos para a pré-escola”. (OLIVEIRA, 2005, p.102).

Mas nesse campo de busca de ensino na pré-escola, com um aprendizado de melhor qualidade

aparece Guiselini (1987) pontuando que esse ensino deve contemplar o estímulo

“das capacidades perspectivas e motoras, priorizando o movimento como o ‘facilitador’ do desenvolvimento cognitivo, afetivo e psicomotor da criança, reforçando a aprendizagem pelo movimento” (OLIVEIRA, 2005, p. 102).

Com essas descobertas de aprendizagem pelo movimento, surge um novo olhar

no campo pedagógico da Educação Infantil e passa-se a valorizar mais a cultura do aluno, seu

modo peculiar de ser, objetivando no processo de ensino caminhos mais prazerosos, por meio

das brincadeiras e jogos e considerando todas as formas de movimento e, portanto, de

desenvolvimento que este apresente.

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Ainda conforme Oliveira (2005), pode-se afirmar que nos estudos voltados

para crianças, enfatizam que para ter segurança num projeto para criança essa proposta deve

valorizar ela como

“ser humano completo, em fase de desenvolvimento, um ser histórico e social, inserido numa dada realidade e cultura [...] focado na dimensão, em que o movimento, a linguagem e a expressão lúdica estejam no centro das discussões de aprendizagens” (OLIVEIRA, 2005, p.104).

Mas foi com a realização dos trabalhos de “Comenius (1593), Russeau (1712)

e Pestalozzi (1746), que [...] aparece proposta educativa dos sentidos, fazendo uso de

brinquedos e centradas no divertimento” (WAYSKOP, 2005, p.20), portanto, percebe-se a

lenta introdução do brincar na educação e que este movimento não é tão recente. A evolução

dos jogos como auxiliar na educação, vem acontecendo passo a passo, e de modo diferente em

cada fase histórica, pois em cada período histórico este demanda da orientação do adulto

sobre o brincar na infância. Com isso, pode-se afirmar que antes os jogos eram uma forma de

recreação coletiva, ou divertimento para as crianças, mas ao mesmo tempo, estes não eram

exclusivos da criança.

Foi motivado pelos estudos filosóficos de seu tempo que “[...] os pedagogos

Froebel (1782-1852), Montessori (1870-1909), e Decroly (1971-1932) [...] romperam com a

educação verbal e tradicionista do sistema pré-escolar” (WAYSKOP, 2005, p.21),

recorrendo ao ideal do brincar envolvente e atrativo proporcionado pela ludicidade que se

transforma em uma junção “[...] própria nas instituições de educação infantil, transformando

a pré-escola em uma espécie de grande brinquedo educativo”. (WAYSKOP, 2005, p.22).

Até como um suporte o jogo é utilizado atualmente na escola, visando ajudar as

crianças a se entrosarem, relacionarem-se criando novos vínculos de amizade. As brincadeiras

e jogos têm sido muito relevantes na educação infantil, pois os professores consideram que

não há nada melhor que um brinquedo ou uma brincadeira bem animada para integrar o aluno

recém chegado que chora, por não querer ficar na escola.

De acordo com a idéia de vários autores, as brincadeiras são como as histórias

e as lendas, que vão sendo transmitidas de geração em geração, sendo uma “cultura” comum a

todos os povos, porém cada grupo com as suas peculiaridades culturais (culturas especificas).

Nas palavras de WAYSKOP (1995, p.28), a brincadeira pode ser definida se

tomarmos a concepção socioantropológica por base, pois esta

“[...] entende que a brincadeira é um fator social, espaço privilegiado de interação infantil e de construção do sujeito-criança como sujeito humano,

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produto e produtor de história e cultura. A brincadeira na perspectiva sócio-histórica e antropológica é um tipo de atividade cuja base genética é comum à arte, ou seja, trata-se de uma atividade social humana, que supõe contextos sociais e culturais, a partir dos quais a criança recria a realidade através da utilização de sistemas simbólicos”. (WAYSKOP, 2005, p.130).

O educador tem papel extremamente importante conforme vimos nessa citação,

pois deve estar atento a toda e qualquer manifestação nos brinquedos das crianças, criando

espaços com utensílios para atender as exigências daquele cenário em necessidade.

É incalculável no ser humano a proporcionalidade que o movimento propicia,

principalmente nas crianças. Há quem diga que o movimento está presente na vida da criança

desde a gestação, mas para termos idéia da dimensão do movimento, podemos começar a

pensar num bebê desde os primeiros dias, pois todos os gestos, olhares e articulações que o

mesmo realiza, buscam alcançar um objetivo, seja para auto-realizar-se, seja para que uma

necessidade ou desejo seja atendido, ou seja, o movimento serve para que a criança, desde

bebê, comunique-se, o movimento é como que o seu linguajar comunicativo.

O primeiro ano é regido pela emoção, é por meio do choro, do gemido do

balbucio que os bebês soltam gritos por socorro para suprir as suas necessidades biológicas e

estabelece aí seus primeiros experimentos e ralação com o mundo, testando quem está perto

(geralmente a mãe). Um exemplo dessa situação é a criança dengosa que chora quando quer

ganhar um colo, e a mãe sem saber que é um aprendizado ou mesmo uma conquista, vem

rapidamente e o coloca no colo, com isso ela vai compreender que sua estratégia foi eficaz.

Portanto, uma das funções mais importantes do movimento no

desenvolvimento infantil é o seu objetivo, porém qualquer exercício que o corpo realize, por

mais simples que seja o movimento, comunica a si e ao outro o que ele pode e talvez o que

não pode fazer consigo, ou seja, com o corpo.

1.3 O BRINCAR E O CORPO: O DESENVOLVIMENTO INFANTIL E O FAZ-DE-

CONTA

Para Wallon o movimento é fundamental no desenvolvimento humano e “[...]

a imitação é uma forma de atividade que revela de maneira incontestável, as origens motoras

do ato mental”. (Apud GALVÃO, 1995, p.72). As representações mentais do movimento

ficam expressas quando a criança monta o cenário e representa uma cena conforme a situação

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ou condição que se coloca, por exemplo, para falar do tamanho do seu carrinho abre os braços

mostrando com as mãos a distância maior ou menor, proporcional ao tamanho do objeto.

Nesse processo evolutivo do movimento a criança pode usar um mesmo objeto

para inúmeras representações dos seus atos mentais, podendo ter vários significados,

conforme a visão walloniana “[...] em sua mão uma caneta não serve só para desenhar, mas

também para cutucar o vizinho, fazer um batuque sobre a mesa, voar como se fosse um

aviãozinho e muitas outras finalidades”. (GALVÃO, 1995, p.74).

Antes de seis ou sete anos é difícil a criança ficar por muito tempo parada.

Como nos orienta a teoria de Wallon, “[..] essa capacidade está ligada ao amadurecimento

dos centros de inibição e descriminação situado no córtex cerebral, que se dá por volta dos

seis ou sete anos”. (GALVÃO, 1995, p.74).

Se observarmos com cuidado, percebemos que é assim que acontece depois

dessa idade. Para este teórico, é nessa faixa etária que a criança começa a se concentrar para

as atividades, sejam elas livres ou dirigidas, porém este é um lento processo em que a cultura

social tem papel relevante. Neste trajeto, a escola deve trabalhar com firmeza e

responsabilidade a questão do limite (disciplinas e normas) para auxiliar na estruturação das

relações da criança com o mundo com o qual ela está interagindo e foi integrada

culturalmente.

O ritmo do desenvolvimento humano segundo a teoria de Wallon, se dá através

de processos diferenciados, influenciados pelos “[...] aspectos físicos do espaço, as pessoas

próximas, a linguagem e os conhecimentos próprios de cada cultura [...] e as

disponibilidades da idade”. (GALVÃO, 1995, p.39). Portanto, são vários os fatores que

poderão contribuir para o desenvolvimento das crianças, porém, devem levar-se em

consideração, o meio, os recursos, a interação e o ritmo próprio de cada ser independente da

idade.

Para Wallon a inteligência precisa interagir com a linguagem, para junto à

cultura crescerem com mais agilidade no desenvolvimento, “[...] dependendo das condições

oferecidas pelo meio e do grau de apropriação que o sujeito fizer dela”. (Apud GALVÃO,

1995, p.41). Assim, é tarefa difícil discernir o desenvolvimento infantil, pois ele permeia

situações de conflitos, valores mediados por adultos e pela cultura, sem contar com a

infinidade direta e indireta de causa, que podem contribuir para o desenvolvimento da

aprendizagem. Segundo GALVÃO (1995), “[...] vê o desenvolvimento da pessoa como uma

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construção progressiva, em que se sucedem fases com predominância altamente afetiva e

cognitiva”. (p. 43).

Para uma melhor compreensão do desenvolvimento humano Wallon descreveu

os aspectos de cinco estágios, no “[..] estágio impulsivo-emocional que abrange o primeiro

ano de vida, o colorido peculiar é dado pela emoção”. (GALVÃO, 1995, p.43). Nesse

estágio percebe-se o reflexo intenso da inexperiência do bebê, buscando mais e mais a atenção

do adulto para si, manifestando muitas manhas para conseguir atenção, e também atinja algo

que esteja por perto.

Outro estágio importantíssimo da criança é “[...] sensório-motor e projetivo,

que vai até o terceiro ano de vida, o interesse dela se volta para a exploração sensório

motora do mundo físico”. (GALVÃO,1995, p.44). Fator primordial desse período é o desejo

de pegar, olhar, revirar, uma característica dessa fase é também querer tudo para si.

No estágio seguinte, é normal segundo a teoria walloniana que estejam

presentes momentos de vai-e-vem até que o processo de desenvolvimento se firme e

caracterize-se com um novo estágio. Portanto, “[...] no estágio do personalismo, que cobre a

faixa dos três aos seis anos, a tarefa central é o processo de formação da personalidade”.

(GALVÃO, 1995, p.44). É muito marcante nessa fase as imitações, pois por meio dela a

criança se intera do seu meio e representa-se como um ser social em desenvolvimento, porém,

com necessidades afetivas.

Já “[...] por volta dos seis anos, inicia-se o estágio categorial”

(GALVÃO,1995, p.44), com a finalização no estágio anterior da função simbólica. É o

momento de um grande avanço no entendimento e vontade da criança conhecer o mundo que

a rodeia.

O último e o mais impulsivo de todos os estágios da infância é a adolescência

quando chega a hora que parece não existir mais sossego ocorre a mudança brusca no estado

físico, orgânico, corporal. Neste estágio o adolescente chega a se olhar no espelho de minuto

em minuto, na busca da identidade ideal, para aquele momento de reconstrução da sua pessoa,

na busca incessante da afetividade.

A concepção walloniana define o desenvolvimento do ser humano em etapas

que podem ser influenciadas pelas pessoas mais próximas à criança, pela linguagem e cultura,

mas também pela disponibilidade da idade, que também interfere no desenvolvimento, no

entanto segundo GALVÃO (2005), ele baseou-se em quatro elementos básicos que se

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comunicam o tempo todo: a afetividade, o movimento, a inteligência e a formação do eu

como pessoa.

A imitação é um fato importante no desenvolvimento da criança, que reforça a

relação da disponibilidade orgânica por idade com as formas de brincar. Dependendo da idade

a criança brinca sozinha, às vezes fica só observando o que as outras estão fazendo e assim

nesse cotidiano ela vai interagindo, conquistando seu espaço físico, cognitivo e até

fortalecendo suas relações como o meio social.

Essa idéia walloniana do desenvolvimento por etapas, não quer dizer que existe

idade pra isso ou aquilo acontecer e sim estágios variáveis. Independente da idade, cada

criança com seu ritmo próprio encontra-se num dos estágios que, nem são rígidos conforme a

idade, nem são rígidos conforme a especificidade ou predominância de um dos elementos

definidos acima. O que se compreende com os estudos de Wallon é que no processo

permanente e conflitivo em que interagem estes diferentes e implicados elementos que as

idéias surgem e a aprendizagem acontece. Assim, o aprendizado configura-se como uma

caminhada ao longo de toda a vida do ser humano, pois para ele, a mente é comparada a uma

fonte que nunca seca, sempre tem algo a oferecer em busca do conhecimento.

Na faixa etária de um a três anos de vida, considerada o período da prática e

simbologia e a integridade do eu com a linguagem, é comum a criança perguntar, apontar para

um objeto (quando não fala direito), pois é característica dessa fase querer saber o nome de

tudo, do seu mundo, de si mesma. Pode-se afirmar que nesta fase esta é a forma que a criança

tem para realizar-se com o seu mundo físico.

Também nessa fase fica bem definido o ponto alto do brincar de faz-de-conta.

É nesta fase que a criança tenta a passagem do imaginário para o real, por exemplo, quando

ela pede: eu quero um copo de água! Ela se coloca como um adulto pensando no futuro e

sentindo, desde pequena, o gosto pela atenção recebida pelo outro que lhe “obedeceu”

(característica marcante do ser humano adulto).

A faixa etária dos três aos seis anos é caracterizada pela formação do eu da

criança. Segundo OLIVEIRA (1995, p.132), “continuam presentes brincadeiras

principalmente do faz-de-conta, que ela chama de ‘brincadeiras sócio-dramáticas”, porque

nestas são envolvidos vários papéis”, não só o imaginário, mas também os papéis sociais, que

foram aprendidos no dia-a-dia, na família, na televisão, revistas e outros. Portanto, às vezes,

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os papéis são fortes nas brincadeiras, que algumas crianças desistem e não dão continuidade

ao brinquedo naquele momento.

Wallon dá ênfase ao movimento destacando ser de fundamental importância na

afetividade e cognição, desde o primeiro ano de vida, nas habilidades de pegar, tocar, apontar

e prosseguindo por toda a vida do ser humano. Quando se fala em movimento já vem a nossa

mente o andar, correr, pular, etc., porém esse movimento pode aparecer numa expressão

fisionômica ao ler determinado texto ou olhando alguma cena na televisão ou mesmo num

fato real, basta um simples olhar para quem está visualizando a cena e perceberá no seu rosto

que algo bom, ruim ou alegre está acontecendo.

Segundo Wallon “o ato mental projeta-se em atos motores”, (GALVÃO,

1995) como exemplo no faz-de-conta, isso fica bem claro; quando a criança pega o giz e

dirige-se ao quadro dizendo eu sou professor (a), o menino pega uma roda diz que é o volante

do carro e outras, definir quanto o movimento permeia todas as atividades delas e leva-o a

articular o seu cognitivo representando- o através dos movimentos que deseja naquele

momento, como expressão do seu pensamento, o jogo é também uma forma de desenvolver

em todas as dimensões que está presente em toda a trajetória de vida do desenvolvimento

humano.

Por meio de KISHIMOTO (1993), busquei refletir sobre as várias dimensões

do jogo. Para ela definir jogo é tarefa difícil, pois o jogo tem uma dimensão incalculável, não

se sabe se a criança ao jogar tem todo esse aparato que o mesmo pode propiciar, bem sabemos

que boa parte das astúcias já é usada pelas crianças, porém vão crescendo jogando,

observando e cada vez mais jogando melhor.

O jogo é uma linguagem infantil, e uma opção que ocorre na imaginação e para

que isso ocorra aquele que joga (brinca) deve ter o domínio da linguagem simbólica. Para isso

acontecer é preciso a criança ter conhecimento da realidade próxima a apropriar-se dos

conteúdos fornecidos pela mesma, porém apropriando-se desses conteúdos, ela dá-lhes outros

significados, pois a função simbólica é a capacidade de fazer uma coisa representando outra.

No ato de brincar, os sinais, os objetos significam outra coisa daquilo que

aparenta ser, porque ao brincar as crianças assumem papéis frente à realidade de maneira a

transferir e substituir suas funções cotidianas pelas ações e características do papel assumido.

Para a criança o jogo é uma atividade fundamental favorecendo o

desenvolvimento da identidade, autonomia, no qual desde pequena ela pode se comunicar por

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meio de gestos, sons e ampliar capacidades importantes, tais como a atenção, a imitação, a

memória, a imaginação, sem falar o quanto amadurecem por meio de interação,

experimentação e regras.

Ao utilizar a linguagem do faz-de-conta, as crianças enriquecem sua

identidade, porque podem experimentar outras formas de ser e pensar, enriquecendo suas

concepções sobre as coisas pessoais ao representar vários papéis ou personagens. Nessa

brincadeira, vivenciam concretamente a elaboração e negociação de regras de convivência

assim como a elaboração de um sistema de representação dos diversos sentimentos, das

emoções e das construções humanas. Isso ocorre porque a motivação da brincadeira é sempre

individual e depende dos recursos emocionais de cada criança que são compartilhadas em

situações de interação social.

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CAPÍTULO II

OS JOGOS NA EDUCAÇÃO

O progresso e o delinear dos jogos desde a Antiguidade até os dias atuais tem

passado por vários objetivos, nas festas religiosas ou datas comemorativas, ora eram um elo

para unir as pessoas, mesmo as que moravam longe, ora como um investimento para ganhar

dinheiro (nas apostas) tornando-se uma profissão rentável.

Mas para compreender a progressão e o desenrolar das várias significações, nas

quais o jogo (brincar) vem sendo implantado nas instituições de educação infantil podemos

dar destaque à Frobel, sendo ele “o primeiro filósofo a justificar seu uso para crianças pré-

escolares, (...) entendo, também, que a criança necessita de orientação para seu

desenvolvimento” (Apud SANTOS,1997, p.27).

Portanto, conforme as perspectivas froebelianas, aparecem duas vertentes do

jogar para a educação infantil, pois no momento que introduz o brincar nessas instituições, diz

haver necessidade que esse brincar seja orientado.

Acho que o jogo (brincar), numa concepção pedagógica, não foi muito

diferente da criação dos sistemas escolares para as crianças, pois sempre existiram duas

modalidades na sociedade: a elite e a classe popular, confirmando minha suspeita. Vejamos o

que a autora diz sobre a criação dos jardins de infância naquele momento de grande expansão

e imigração da população urbana, aí pelo século XIX, quando a literatura americana era a voz

do momento dizendo criar-se as creches “para atender as crianças pobres, cujas

necessidades, acreditavam-se, eram diferentes daquelas da elite, [...] nesses jardins [que são

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as primeiras creches brasileiras] foram obrigados a exigir disciplina e ordem no cotidiano

institucional” (SANTOS,1997, p.29).

Nesse relato da autora fica explícito a materialização da ordem enraizada em

vários países por séculos e séculos, e no Brasil não foi diferente, pois as instituições escolares,

desde as infantis ainda na década de 30 em São Paulo e Rio de Janeiro eram transmissoras da

ideologia do aprender e do brincar supervisionado, como uma forma de desde pequeno

aprender só ouvir e calar sem nenhuma chance de liberdade e autonomia.

Por ser de tamanha complexidade, o jogo pode ser considerado um fator social,

adaptado a cada realidade na qual está inserido. Vejamos: “atirar com arco e flecha, para

uns é jogo, para outros é preparo profissional [...] enquanto fato social, o jogo assume a

imagem, o sentido que cada sociedade lhe atribui”. (KISHIMOTO, 1996, p.106-108). Essas

afirmações de KISHIMOTO me levam refletir e repensar o porque dificilmente um grupo de

crianças ao reunirem-se para brincar nem sempre sabem o mesmo jogo igualzinho, acontece

divergências referentes as regras e peculiaridades de cada grupo.

Portanto, o jogo em si tem três aspectos bem característicos e fácil de

percepção ao observarmos os escritos de KISHIMOTO nesses itens, “diferenciando

significados atribuídos por culturas diferentes, pelas regras e objetos que o caracterizam”.

(1993, p.17).

Para caracterizar o jogo, HUIZINGA, apud KISHIMOTO (1993), afirma que o

jogo é mais um componente da cultura, podendo ser em muitas situações “o prazer como

distintivo do mesmo, há casos em que o desprazer é o elemento que o caracteriza” (p.23).

De acordo com essa afirmação, fica explícito o traço competitivo marcante nos

jogos, pois sempre joga-se com duas ou mais pessoas em equipe, ao final têm os perdedores e

os ganhadores e porque não o prazer e o desprazer.

HUIZINGA (1999), considera o jogo como um exercício espontâneo das

pessoas, mas atribui “o caráter improdutivo de não criar nem bens pois [...] no jogo nunca se

tem o conhecimento prévio dos rumos da ação do jogador”. (KISHIMOTO,1993, p.114).

Portanto, como saber o rumo do jogo se cada um tem direito de jogar e desmoronar a jogada

do outro, tirando assim aquela coisa de “vou fazer desse jeito”, pois vai depender sempre da

intenção e criatividade do outro naquele momento para o desenrolar da jogada dar certo ou

não.

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“Partimos de um estado social em que os mesmos jogos e brincadeiras eram comuns à todas as idades. O fenômeno que se deve sublinhar é o abandono desses jogos pelos adultos das classes sociais superiores e, simultaneamente, sua sobrevivência entre o povo e as crianças dessas classes dominantes [...], é notável que a antiga comunidade dos jogos se tenha rompido ao mesmo tempo entre as crianças e os adultos e entre o povo e a burguesia. Essas coincidência nos permite entrever desde já uma relação entre o sentimento da infância e o sentimento de classe”. (ÁRIES, 1981, p. 124).

Por ser considerada uma linguagem infantil a brincadeira é um gesto

acontecendo num determinado momento, por algumas crianças com conhecimentos

antecipados de algum momento vivenciado por um ou demais, por isso a brincadeira é sempre

uma representação daquilo que a criança presenciou em algum lugar, portanto, ao brincar elas

tentam trazer naquele momento as cenas visualizadas sejam elas alegres ou tristes.

Uma das características marcantes da brincadeira é modo de agir que as

crianças utilizam ao representar determinado papel num contexto, e para isso acontecer é que

se pode calcular e observar o grau de inteligência das mesmas, embora ainda bem pequenas,

elas conseguem se posicionar, falar, interpretar e dar ordens, prevalecendo ali um clima livre,

alegre, mas com determinação.

A brincadeira propicia na criança um certo conforto, pois naquele momento ela

distancia-se da vida real (as vezes tão sofrida) e mergulha num mundo imaginário ora bom,

ora ruim, uma atividade que a envolve de tal maneira que chega a esquecer as inúmeras

dificuldades que a vida tem lhe oferecido. Portanto, nesse brincar as crianças pensam e

recriam com liberdade de expressão e assim representam com entusiasmo o tão encenado

papel.

Sem dispensar comentários a brincadeira favorece a auto-estima da criança,

podendo até demonstrar como um perfil da mesma apontando se está doente ou não, pois se

não brinca algo de errado existe, e isto pode despertar mais atenção do adulto para com a

mesma.

A atividade do brincar infantil é como uma mola impulsora do seu

desenvolvimento, no qual elas estabelecem vínculos, apropria-se da realidade próxima,

transforma-se em personagem e aí aparece a função extraordinária do brincar que é o ponto

entre fantasia e a ação de imitar a realidade.

Nesse brincar envolvente de imitação as crianças põem em ação seus ideais

para decidir algumas dúvidas que acham mais pertinentes e significativas, portanto, “cria-se

um espaço no qual elas podem experimentar o mundo e internalizar uma compreensão

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particular sobre as pessoas, os sentimentos e os diversos conhecimentos”. (RADESPIEL,

2003, p.30), tendo aí um cenário fictício com personagens nos mais variados estilos, com

oportunidade de experimentar formas diferentes de ser e raciocinar.

“Quando utilizam a linguagem do faz-de-conta, as crianças enriquecem sua identidade [...] vivenciam concretamente a elaboração e negociação de regras de convivência assim como a elaboração de um sistema de representação dos diversos sentimentos, das emoções e das construções humanas. Isso ocorre porque a motivação da brincadeira é sempre individual e depende dos recursos emocionais de cada criança que são compartilhados em situações de interação social [...] por meio da repetição de determinadas ações imaginadas que se baseiam nas polaridades presença/ausência, bom/mau, prazer/desprazer, passividade/atividade, dentro/fora, grande/pequeno, feio/bonito, etc. as crianças também podem internalizar e elaborar suas emoções e sentimentos, desenvolvendo um sentido próprio de moral e de justiça”. (RADESPIEL, 2003, p. 31).

Admite-se ainda que ao brincar a criança apresente outras características

peculiares, podendo ser comum ou servindo de observações para o seu dia-a-dia escolar ou

familiar. Conforme pesquisa Vigotskiana “é na brincadeira que a criança se comporta além

do comportamento habitual de sua idade, além de seu comportamento diário”. (WAJSKOP,

2005, p.32), portanto esse espaço pode ter clima harmônico ou não harmônico, depende muito

do quanto a criança quer ir além na tentativa de solucionar problemas, às vezes fugindo das

regras estabelecidas, deixando fluir uma negatividade no grupo.

É através das brincadeiras que as crianças expressam seu modo de ser, agir e

permeiam-se completamente ao ambiente no qual se inserem, também ampliam os exercícios

motores, aprendem valores, comportamentos, desenvolvem hábitos úteis para o dia-a-dia

como: aguardar a sua hora no brinquedo, falar e ser ouvido pelos colegas. Ainda de acordo

com estudos da autora adquirem costumes para “compartilhar momentos bons e ruins, fazer

amigos, ter tolerância e respeito, enfim, a criança desenvolve a sociabilidade”. (SANTOS,

1997, p.56).

Portanto, é no brincar das crianças que se colocam em relação com elas

mesmas e com as outras, é um momento ímpar, e ao mesmo tempo integrante de um grupo,

no qual atuam com suas capacidades de relacionar-se, opinar, observar e construir seus

projetos futuros.

Por ser uma linguagem infantil a brincadeira, especialmente o faz-de-conta

conduz a criança, que já tem conhecimento de um objeto ou circunstância real próxima, a

pensar e solucionar problemas imaginários representando diversos sentimentos, personagens,

porém, isso só será possível num ambiente propício de interação, no qual elas elaboram os

mais diversos conhecimentos e desenvolvem a linguagem oral e gestual.

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Nesse brincar que deverá dispor de um cenário previamente organizado, as

crianças recriam, interpretam fatos, compartilham dos recursos afetivos e emocionais que

dispõem cada ser presente ali, no qual se tornam atores representando diversos papéis sociais,

refletindo suas construções mentais, para a decisão de dúvidas que lhes são importantes e

significativas para o seu dia-a-dia.

Sem contar que além de favorecer a auto-estima, o faz-de-conta auxilia no

aprendizado da matemática se trabalhado com blocos de madeiras, maquetes, ou objetos que

contenham números e outros, pois ao manusear, empilhar, construir pirâmides, estão

automaticamente contando, olhando o alto/baixo, maior/menor, muito/pouco.

As brincadeiras infantis por seu caráter e perspectiva de acontecer ou não,

muitas vezes tornam-se lugar de repetir cenas contrárias, vivenciadas no seu cotidiano.

Portanto, é nesse momento único, exclusivo delas que podem imaginar e compartilhar

situações novas.

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CAPÍTULO III

DO OBSERVADO AO ANALISADO: UMA REFLEXÃO SOBRE A PRÁTICA

PEDAGÓGICA NO CONTEXTO DAS SÉRIES INICIAIS

Para o desenvolvimento desse trabalho, as brincadeiras de faz-de-conta foram

sendo registradas durante a prática pedagógica desenvolvida na Creche, extensão da “Escola

Municipal Aprendendo e Brincando”, durante o período de agosto a novembro de 2005. Esta

observação foi realizada durante minha prática pedagógica com crianças de 2 a 4 anos. Esta

possibilitou posteriormente a análise de como o imaginário da criança vai construindo sua

relação com o mundo real.

Para melhor compreendermos os estudos Wallonianos, neste capítulo,

apresento algumas das brincadeiras observadas a fim de dar visibilidade a forma que a criança

aprende dentro do contexto da sua própria cultura infantil, assim como as estratégias com as

quais criam suas formas de interação com o mundo a partir de seu imaginário.

3.1 DESCRIÇÃO DAS BRINCADEIRAS OBSERVADAS

3.1.1 ATENDIMENTO MÉDICO. Local/Espaço: Sala de atividades da creche.

Quem brinca: Meninos e meninas de 2 a 4 anos.

Descrição: Primeiro as crianças montavam o consultório arrumavam as cadeiras para o

médico, a enfermeira e o secretário recepcionista, procuram roupas brancas para

caracterização dos papeis assumidos. Em seguida, no cenário entra um casal com o filho

aparentando estar muito doente, rapidamente o recepcionista atende e passa para o médico,

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este para o enfermeiro(a) que oferece todo o atendimento àquele paciente, dando remédio e as

vezes até injeção. Após todos esses cuidados o casal já saia dali mais feliz com o filho

medicado aparentando melhora e todos ficam satisfeitos com o “trabalho” realizado.

3.1.2 O TRABALHADOR Local/Espaço: sala com brinquedos

Quem brinca: Um menino de 3 anos.

Descrição: Em meio aos brinquedos (velhos) oferecidos para as crianças brincarem no espaço

da creche, esse aluno achou um objeto parecido com um machado, e com esse objeto ele fez

várias demonstrações de trabalho e até de descanso com o mesmo.

Em seguida, segurava o machado e fazia de conta que estava cortando a lenha batendo-o com

toda força no chão (madeira), nesse incansável trabalho suava, suava e limpava; escorava-se,

sentava-se no cabo do machado. Foi uma imitação de me deixar pensando como uma criança

nessa idade conseguia deixar tão claro uma cena de trabalho adulto.

3.1.3 MÃE E DUAS FILHAS (FAMÍLIA E O INTRUSO1) Local/Espaço: sala de atividades

Quem brinca: três meninas (representando a família), menino representando um fantasma (o

intruso), crianças com idade entre 2 a 4 anos.

Descrição: Inicialmente aparentava um cenário familiar com um menino fazendo o papel de

mãe e pai. O casal tinha duas filhas que necessitava dos seus cuidados constantemente. Dentre

os papéis desempenhados pela mãe destaca-se o de dar banho nas filhas, esfregando

cuidadosamente cada parte do corpo das mesmas, em seguida vestia roupa, calçava os

sapatos, penteava os cabelos e tudo nos mínimos detalhes.

Após todos esses cuidados às filhas tinham que obedecer, pois se teimassem sofriam punições

e castigos. Depois, com a observação sem interromper a criação coletiva do faz-de-conta,

percebi que depois de todos esses cuidados maternais, sempre aparecia na casa (fictícia) um

menino fazendo o papel de assombração e tentava pegar as crianças, porém a menina (mãe)

enfrentava com força e coragem, protegendo as crianças como se fosse obrigada a dar a

própria vida para salva-las.

1 Faz-de-conta: Mãe e duas filhas (família), e um intruso para assombrar (crianças).

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3.1.4 O CAVALO E A ARMA DE LUTA Local/Espaço: sala de atividades

Quem brinca: um menino

Descrição: Nos guardados de móveis quebrados o aluno encontrou uma perna de cadeira e

com essa transformou rapidamente num guerreiro fazendo daquela perna de cadeira uma

espada para lutar contra algum inimigo que pudesse surgir, em seguida transformava essa

espada num meio de transporte (cavalo) que galopava em busca do tal inimigo que não o

encontrou.

3.1.5 VIAGEM DE LUTA

Local/Espaço: sala de atividades

Quem brinca: muitos meninos e meninas de 2 e 4 anos.

Descrição: Iniciava-se uma viagem com muitas crianças andando a caminho e sem se saber

por qual motivo, de repente, começava a cair crianças como mortos; outros desmaiados,

porém imediatamente, os dois assistentes de saúde secreto entravam em ação prestando

socorro dando remédio, e rapidamente os doentes recuperavam e voltavam com força total

para a viagem.

3.1.6 MARCHA SOLDADO Local/Espaço: sala de atividades

Quem brinca: meninos e meninas de 2 e 4 anos.

Descrição: Em fila as crianças iniciam a brincadeira representando a cantiga infantil, “Marcha

Soldado”:

- Marcha soldado cabeça de papel,

- Que não marchar direito vai preso pro quartel!

- O quartel pegou fogo, São Francisco deu sinal!

- Acode, acode, acode, a Bandeira Nacional!

- Brasil dois mil a escola infantil quem mexeu saiu.

No final ao falar quem mexeu saiu, todos deitam e ficam imobilizados por alguns segundos.

3.2 O FAZ-DE-CONTA NA PRÁTICA PEDAGÓGICA

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As observações das brincadeiras de faz-de-conta no ambiente da creche, me

conduziram a uma viagem extraordinária presente nas pesquisas walloniana, pois olhar os

papéis interpretados pelas crianças no momento do brincar, parece estar afirmando sua fala:

“o ato mental projeta-se em atos motores”. Portanto, o movimento está presente em todos os

momentos da vida da criança e do ser humano, isto é real, pois no cotidiano da prática

pedagógica, orientada pelos estudos realizados para essa pesquisa, fui compreendendo as

dimensões do movimento no desenvolvimento das crianças, no qual qualquer atividade

planejada por elas lhe conduz a um determinado deslocamento.

O movimento dinâmico e espontâneo é marcado pela comunicação da criança,

seja quando anda ou por meio de um olhar, por meio de um aceno ou quando imita algum

objeto usando o seu próprio corpo, se expressa em todas as dimensões de seu corpo/pessoa.

Portanto, é através do movimento que a criança conquista o que quer, constrói

sua autonomia na busca do que deseja naquele momento, enfim, é brincando e articulando

elementos do seu meio, que ela interage com as outras e transforma seus ideais imaginários

numa fonte inesquecível de desenvolvimento e na formação de sua personalidade.

Na cena das brincadeiras de faz-de-conta, o “Atendimento Médico” e “O

trabalhador”, pode-se visualizar as afirmações de Wallon, quando se refere às formas de

atividades infantis, que dependendo da idade, a criança brinca sozinha e um mesmo objeto

pode ter um, dois ou mais significados, como é o caso do machado.

É impressionante a organização das crianças, os cuidados e os detalhes para

criar o cenário e os personagens com os quais vão interagir. Há uma preocupação em torno da

arrumação do espaço para preparar o “consultório”, com cadeiras, materiais para atendimento

e as roupas brancas, criam o cenário e com a expressão cada criança assume o papel de

médica ou enfermeira ao atender aquele paciente, sem falar da expressão sofrida que os “pais”

chegavam com a “criança doente”. No brincar, fica explicito as idéias wallonianas, por meio

dos personagens dessas duas brincadeiras, percebe-se como as crianças lidam com os “dados

de sua realidade” (GRANDO, 1997) e vão formando suas personalidades.

Como apresentado na retomada histórica, feita nos capítulos anteriores, vemos

ainda na Idade Média o faz-de-conta era visto como uma forma de encarar a vida cotidiana.

Ainda hoje esta forma de perceber a brincadeira conserva algumas características, com as

brincadeiras do faz-de-conta, vimos como as crianças incluem novos recursos tecnológicos

nos papéis que representam, possibilitando-as a interpretar e identificar uma série de

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experiências novas com as quais elas reconhecem a própria realidade social vivenciada no

mundo com os adultos, não necessariamente boas, “ora boa, ora ruim”, isto é, a situação do

consultório não é necessariamente uma situação com a qual as crianças reconheceriam como

boas no cotidiano, mas na brincadeira, lidam com os limites e as necessidades do

enfrentamento da doença e do papel dos pais no cuidar.

Uma situação do cuidar e do papel que não é somente agradável à criança, elas

expressam com a brincadeira da mãe e das duas filhas, com a “viagem de guerra”, por

exemplo. Nestas brincadeiras ficam claras as idéias de Wallon, pois no decorrer dos fatos

brincais, percebe-se que não existe idade para isso ou aquilo, depende do momento e da

disponibilidade da criança para aquela oportunidade, também no desenvolver desse cenário há

uma relação da criança com ela mesma e com o outro (as) na ocasião de falar, interpretar e dar

ordens. O ser adulto e o ser criança interagem ao mesmo tempo.

Esta dinâmica fantasiosa está presente na criação da brincadeira infantil, pois

não há magia nos remédios dados aos doentes que recuperavam-se instantaneamente, sem

falar o quanto a busca é incessante no grupo que brinca, por um final feliz, percebe-se como a

cultura está explicidada e é apreendida pelas crianças quando brincam. Há um ideal social

assumido pela criança que brinca, com isso ela vai apreendendo valores, normas e formas de

interagir com situações as quais no cotidiano, quando são reais, as crianças têm dificuldades

de enfrentar. Ao brincar, buscam atender a um ideal de transformar as ações imaginárias

representadas de forma imitativa do mundo adulto em realidade e, a realidade, como no

imaginário da sociedade adulta, expressa também uma perspectiva de um futuro bem sucedido

e feliz - o paciente doente é curado e sai do consultório com uma expressão de cura.

Na brincadeira “Marcha Soldado” não há o que discutir, está explicitamente

claro! O ponto fundamental e educativo é o da cultura tradicional infantil. A história da

brincadeira infantil reproduz e conserva elementos da história da sociedade na qual as

crianças estão inseridas. Nestas são as próprias crianças que se organizam e dão as ordens

explicitas pela cantiga infantil. E, ai de quem não obedecer, as crianças quando brincam

sozinhas reproduzem o que é mais conservador e tradicional da nossa sociedade. Neste

processo a criança que não atender a norma, é retirada pelas demais da brincadeira, mas até

pode ser recebida novamente mais tarde, ou em outro dia.

Portanto, comprovam-se as reflexões de WAYSKOP (2005) e SANTOS (1997)

quando dizem que no brincar as crianças adquirem hábitos úteis para a vida, aprendem

comportamentos, valores, ter tolerância, discutem regras, opinam, aceitam sugestões,

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constróem inúmeros conhecimentos, respeito e desenvolvem a sociabilidade necessária para

inserção na sociedade.

Os estudos de Áries, apresentados no primeiro capítulo deste trabalho,

narrando os ideais do famoso educador Pestalozzi que ressalta o papel da educação em

circunstâncias reais imediatas do homem, que neste contexto se apresenta interligada ao

trabalho, nos faz refletir sobre o papel da brincadeira de faz-de-conta.

“O trabalhador”, personagem assumido pela criança naquele trabalho, falou

que logo de manhã o tio tinha cortado lenha para a avó acender o fogo e fazer o café para

tomaram antes de vir a creche. Em cada situação de criação, o educador da Educação Infantil

tem um papel de diálogo com a realidade imaginária, compreendendo-a e interagindo com ela

para contribuir com a criança, ora criando novos desafios, que segundo Wallon, são conflitos

com os quais criamos de fato possibilidades de aprendizagem, ora com a tentativa de

contribuir com a explicitação e organização dos dados construídos e organizados a partir das

brincadeiras criadas pelas crianças.

Para falar dessa coleta de dados e da expectativa que essa experiência causou

na minha prática pedagógica, devo primeiro fazer um pequeno retrocesso dessa prática de

ontem e de hoje, e buscar compreender como dar continuidade a função de educadora da

Educação Infantil num futuro próximo.

O que posso concluir neste processo de produção de novos conhecimentos

sobre a própria prática pedagógica, é que antes de dar início a essa pesquisa, o brincar das

crianças para mim era apenas um passa tempo necessário para as crianças se relacionarem,

trocarem confidências, extravasar as energias. Enfim, uma forma “gastar energia”, ou de

exercitar o corpo.

Porém, a partir das leituras e orientação, passei a perceber daqui e dali que ao

brincar elas têm a possibilidade de desenvolver todos os seus potenciais de desenvolvimento,

a partir daí, optei por ler e ler, e aceitar o desafio de registrar o que a princípio era o cotidiano

com o qual eu já estava acostumada.

Passei a observar a criança constantemente, em todas as suas atividades lúdicas

e especialmente, no faz-de-conta, uma das brincadeiras que observei ser a mais freqüente

entre as crianças no contexto da creche.

No entanto, essas observações condicionaram-me a dar prioridade aos jogos e

brincadeiras que as crianças traziam do seu ambiente familiar, fazendo com que a maioria dos

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conteúdos trabalhados passassem a ser inseridos de forma lúdica. Porém, sem perder de vista

os objetivos deste trabalho, busquei construir também a compreensão da própria prática

pedagógica. O mais importante passou a ser, neste processo de pesquisa-participante, o

aprendizado das crianças e o meu próprio, que ficou prazeroso, tornando o ambiente

educacional em um ambiente aconchegante, no qual as crianças, e eu também, sentíamos à

vontade, e com vontade de nos encontrarmos todos os dias .

Também pude constatar o quanto é importante trabalhar com o que se tem em

mãos no momento. Este trabalho me possibilitou perceber que a maior riqueza está nas

pessoas, crianças e professores, pois os materiais são criados de acordo com a capacidade e a

interação entre esses sujeitos da educação. Às vezes, por exemplo, com um pedaço de pano ou

um objeto qualquer, a relação aluno/aluno ou aluno/professor, constroem juntos personagens e

montam um cenário inacreditável, sendo assim, o espaço social e cultural construído nesta

relação é que vai ser o principal referencial para o educador. É com esse olhar de educadora

que os estudos me proporcionaram que quero continuar a ler, observar e valorizar a

criatividade das nossas crianças na Educação Infantil/Creche.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Sempre me preocupei em enfatizar o estudo do faz-de-conta na Educação

Infantil, contexto com o qual estava me tornando uma educadora. Neste contexto, com a

oportunidade do Trabalho de Conclusão de Curso, uma pesquisa orientada para as próprias

preocupações enfrentadas na prática pedagógica, tive a oportunidade de rever a minha prática

pedagógica e melhor compreender o processo de desenvolvimento infantil e humano.

Com esta pesquisa, bibliográfica e participativa, busquei ter como foco

principal, a Educação Infantil e o contexto da Creche, com o qual estava familiarizada, ao

mesmo tempo em que eu estava sendo professora, ainda em formação.

A “viagem” acadêmica proporcionada por este trabalho, me fez perceber que a

história é fundamental para a compreensão dos dias atuais. Por exemplo, o fascínio da Idade

Média nos leva a compreender o início dos tempos modernos e nisso nos leva a fazer uma

análise de como era a educação do corpo e o brincar e como contribuem para o

desenvolvimento do ser humano, em todos os tempos e contextos culturais específicos.

Nessa viagem proporcionada pelos estudos, percebi que o brincar está presente

em todo processo educacional do ser humano e que o brincar, para além do processo de

ensino, é um dos elementos constitutivos do processo educacional de todas as crianças, jovens

e adultos. Neste processo, no entanto, os estudos revelam que a luta de classes está e esteve

sempre presente, os interesses da classe dominante são assim um determinante para o pensar a

educação escolar ontem e hoje.

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A educação é assim uma luta social e de classe, em que a educação popular e a

de classe, são sempre um objetivo almejado para além do alienar, nosso papel é assim, seja na

discussão política da educação ou na discussão teórica sobre o processo de aprendizagem e de

desenvolvimento, como nos estudos wallonianos, é sempre uma luta pela autonomia e pela

construção de novas formas de interagir com o meio e transformar o mundo.

Porém, os estudos demonstram que nem tudo está perdido. Há, embora de

forma gradativa e ainda limitada, as normas impostas pelo poder constituído, há mudanças

gradativas no sistema familiar, escolar, os estudos psicanalíticos e psicológicos.

Estes estudos vêm priorizar a relevância do brincar, não só para domar ou

modelar os corpos, mas como uma fonte de desenvolvimento integral da criança. Nesse

complexo, os teóricos buscam os mesmos objetivos. Para nós, os estudos de Wallon

trouxeram um referencial novo e mais consistente com o que pude observar na prática

pedagógica, pois este autor trás todas as dimensões do desenvolvimento humano, a

afetividade, o orgânico e o racional que juntos e articulados trazem a consciência de si. Nestes

estudos pude ampliar a visão da própria prática pedagógica e compreender as dimensões que

determinam o desenvolvimento do ser humano em sua totalidade corpórea.

O ambiente da creche foi nesta pesquisa, o espaço privilegiado para rever as

teorias e a prática. Neste ambiente, o brincar orientado ou livre, me fez perceber o papel do

educador/a, numa perspectiva incessante de continuar pesquisando, observar é assim, uma

possibilidade da aprender com a própria prática pedagógica. Esta passou a ser para mim, uma

fonte inesgotável de aprendizagem, tanto quanto a brincadeira de faz-de-contas é para a

criança que aprende pelo e no movimento.

Enfim, o faz-de-conta é uma possibilidade de a criança criar estratégias para

compreender a realidade que vivencia, consigo e com o outro, com seu mundo já seguro e

com outro mundo, criado nas fantasias, e nas interpretações que faz da realidade “real” ou

imaginária. Segundo Vigotsky, “as crianças brincam sempre a cima de sua idade média, a

cima de seu comportamento diário; é como se ao brincar, a criança fosse ‘uma cabeça’ mais

alta que ela mesma”, apud OLIVEIRA (1995, p.135). E porque não dizer, que ao brincar a

criança adquire sustentação para a vida adulta.

Ainda para retomar os autores que me auxiliaram na construção deste trabalho,

faço minhas as palavras de Froebel, apud KISHIMOTO (2006), quando afirma que a criança

deve:

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“Viver de acordo com sua natureza, tratada corretamente, e deixada livre, para que use todo seu poder [...]. A criança precisa aprender cedo como encontrar por si mesmo o centro de todos os seus poderes e membros, para agarrar e pegar com suas próprias mãos, andar com seus próprios pés, encontrar e observar com seus próprios olhos”.

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