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178 Relampa 78024-455 Assincronia como Causa Primária de Miocardiopatia: uma Relação de Causa e Efeito Eduardo Arrais ROCHA (1) Francisca Tatiana Moreira PEREIRA (1) José Sebastião ABREU (2) Gardênia FARIAS (2) Roberto FARIAS (3) Almino ROCHA (3) Vera MARQUES (3) Aloísio GONDIM (4) Pedro NEGREIROS (5) Demóstenes G. RIBEIRO (5) Ricardo PEREIRA (5) Carlos Roberto M. RODRIGUES (5) José Nogueira PAES (5) (1) Especialista em Estimulação Cardíaca Artificial e Responsável pelo Serviço de Marcapasso dos Hospitais: Clínicas da Universidade Federal do Ceará (UFC), Prontocárdio, Monte Klinikum e São Carlos. (2) Ecocardiografista do Hospital das Clínicas da UFC. (3) Eletrofisiologista do Serviço de Arritmia dos Hospitais: Clínicas da Universidade Federal do Ceará (UFC), Prontocárdio, Monte Klinikum e São Carlos. (4) Cirurgião Cardiovascular do Hospital de Clínicas da UFC. (5) Professor de Cardiologia da UFC. Endereço para correspondência: Av. Padre Antonio Tomás, 3535 - ap. 1301. CEP: 60190-020 - Fortaleza - CE - Brasil. Trabalho recebido em 06/2008 e publicado em 09/2008. Rocha EA, Pereira FTM, Abreu JS, Farias G, Farias R, Rocha A, Marques V, Gondim A, Negreiros P, Ribeiro DG, Pereira R, Rodrigues CRM, Paes JN. Assincronia como causa primária de miocardiopatia: uma relação de causa e efeito. Relampa 2008; 21(3): 178-188. RESUMO: Nas últimas duas décadas, o tratamento da Insuficiência Cardíaca Congestiva (ICC) experimentou grandes avanços, com conseqüente redução da morbidade e da mortalidade dos pacientes. Para muitos, entretanto, o prognóstico continua sendo reservado, em razão da gravidade dos sintomas, do número elevado de internações e do alto custo do tratamento. Os implantes de marcapassos multissítio para a ressincronização ventricular em pacientes com distúrbio de condução intraventricular representam uma nova alternativa. Relata-se o caso de quatro pacientes, 7% da nossa casuísta, que evoluíram tardiamente para normalização completa da função ventricular esquerda e dos diâmetros diastólicos. DESCRITORES: miocardiopatia, ressincronização cardíaca, assincronia ventricular esquerda, bloqueio de ramo esquerdo, insuficiência cardíaca congestiva. INTRODUÇÃO Os distúrbios de condução intraventricular (DCIV) já foram considerados apenas fatores coadjuvantes em pacientes com miocardiopatia ou doença coro- nariana. Atualmente, entretanto, são vistos como causa primária de disfunção ventricular esquerda. Estão associados a redução do desempenho car- díaco, desenvolvimento ou acentuação da insuficiência mitral e ineficiência de contração do ventrículo es- Relampa 2008 21(3): 178-188. Artigo Original querdo, secundária a assincronia mecânica 1,2 . Essas alterações podem induzir a modificações no metabo- lismo cardíaco, redução na perfusão regional, altera- ções celulares com anormalidades na captura do cálcio celular e ativação tardia da região lateral e posterior do ventrículo esquerdo(VE) 3,4 .Tais efeitos podem contribuir para a progressão da doença, resul- tando em remodelamento do VE 5 . Quando se adota a largura do QRS como crité- rio para indicação da terapia de ressincronização

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Page 1: Assincronia como Causa Primária de Miocardiopatia: uma ...€¦ · DESCRITORES: miocardiopatia, ressincronização cardíaca, assincronia ventricular esquerda, bloqueio de ramo esquerdo,

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Relampa 78024-455

Assincronia como CausaPrimária de Miocardiopatia:

uma Relação de Causa e Efeito

Eduardo Arrais ROCHA(1) Francisca Tatiana Moreira PEREIRA(1) José Sebastião ABREU(2)

Gardênia FARIAS(2) Roberto FARIAS(3) Almino ROCHA(3) Vera MARQUES(3) Aloísio GONDIM(4)

Pedro NEGREIROS(5) Demóstenes G. RIBEIRO(5) Ricardo PEREIRA(5)

Carlos Roberto M. RODRIGUES(5) José Nogueira PAES(5)

(1) Especialista em Estimulação Cardíaca Artificial e Responsável pelo Serviço de Marcapasso dos Hospitais: Clínicas da Universidade Federaldo Ceará (UFC), Prontocárdio, Monte Klinikum e São Carlos.

(2) Ecocardiografista do Hospital das Clínicas da UFC.(3) Eletrofisiologista do Serviço de Arritmia dos Hospitais: Clínicas da Universidade Federal do Ceará (UFC), Prontocárdio, Monte Klinikum e

São Carlos.(4) Cirurgião Cardiovascular do Hospital de Clínicas da UFC.(5) Professor de Cardiologia da UFC.

Endereço para correspondência: Av. Padre Antonio Tomás, 3535 - ap. 1301. CEP: 60190-020 - Fortaleza - CE - Brasil.Trabalho recebido em 06/2008 e publicado em 09/2008.

Rocha EA, Pereira FTM, Abreu JS, Farias G, Farias R, Rocha A, Marques V, Gondim A, NegreirosP, Ribeiro DG, Pereira R, Rodrigues CRM, Paes JN. Assincronia como causa primária demiocardiopatia: uma relação de causa e efeito. Relampa 2008; 21(3): 178-188.

RESUMO: Nas últimas duas décadas, o tratamento da Insuficiência Cardíaca Congestiva (ICC)experimentou grandes avanços, com conseqüente redução da morbidade e da mortalidade dospacientes. Para muitos, entretanto, o prognóstico continua sendo reservado, em razão da gravidadedos sintomas, do número elevado de internações e do alto custo do tratamento. Os implantes demarcapassos multissítio para a ressincronização ventricular em pacientes com distúrbio de conduçãointraventricular representam uma nova alternativa. Relata-se o caso de quatro pacientes, 7% da nossacasuísta, que evoluíram tardiamente para normalização completa da função ventricular esquerda e dosdiâmetros diastólicos.

DESCRITORES: miocardiopatia, ressincronização cardíaca, assincronia ventricular esquerda, bloqueiode ramo esquerdo, insuficiência cardíaca congestiva.

INTRODUÇÃO

Os distúrbios de condução intraventricular (DCIV)já foram considerados apenas fatores coadjuvantesem pacientes com miocardiopatia ou doença coro-nariana. Atualmente, entretanto, são vistos como causaprimária de disfunção ventricular esquerda.

Estão associados a redução do desempenho car-díaco, desenvolvimento ou acentuação da insuficiênciamitral e ineficiência de contração do ventrículo es-

Relampa 200821(3): 178-188.

Artigo Original

querdo, secundária a assincronia mecânica1,2. Essasalterações podem induzir a modificações no metabo-lismo cardíaco, redução na perfusão regional, altera-ções celulares com anormalidades na captura docálcio celular e ativação tardia da região lateral eposterior do ventrículo esquerdo(VE)3,4.Tais efeitospodem contribuir para a progressão da doença, resul-tando em remodelamento do VE5.

Quando se adota a largura do QRS como crité-rio para indicação da terapia de ressincronização

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cardíaca (TRC), a taxa de não respondedores podeser bastante elevada, por volta de 30%. Uma possí-vel explicação reside no fato que 14 a 47% dos por-tadores de ICC apresentam QRS largo (> 120 ms) eque desses, 70% apresentam assincronia mecânicaavaliada pelo ecocardiograma6-8.

Assincronia é causa ou conseqüência da disfun-ção do VE3? Essa talvez seja a questão determinantedo sucesso da terapia. Qual o grau ou a intensidadeda assincronia capaz de expressar sua relevânciana etiopatogenia da miocardiopatia? Por que algunspacientes desenvolvem miocardiopatia secundária àassincronia e outros não? Quando um paciente combloqueio de ramo esquerdo deve ser submetido àTRC como forma de prevenção primária de miocar-diopatia9,10? Qual o melhor tipo de ressincronização11?Todas essas questões têm sido estudadas, mas ain-da não há respostas ainda definitivas.

Relatam-se quatro casos de pacientes submeti-dos à TRC, em que foram observadas respostastardias impressionantes em pacientes com diferen-tes patologias de base e circunstâncias clínicas.Constatou-se a normalização completa da funçãoventricular esquerda, bem como dos diâmetrosintracavitários, sem outras justificativas que não aprópria TRC. No primeiro caso, a miocardiopatia ma-nifestou-se novamente, na forma avançada, poucosmeses após a perda de comando do eletrodo do VE.Um novo implante, entretanto, levou ao restabele-cimento completo dos parâmetros normais.

CASO 1

Paciente de 66 anos, portadora de miocardiopatiadilatada idiopática, com vários anos de evolução,ICC CF III, sem internações prévias, ECG com ritmosinusal, BAV 1° grau, BRE, sobrecarga das câmarasesquerdas e QRS de 180 ms. Fazia uso de digital,carvedilol 50mg/dia, enalapril 10mg/dia, aldactone25mg/dia, furosemida 40mg/dia e warfarin. O exameclínico mostrou ausculta cardíaca com galope com3ª bulha e hepatomegalia, com o fígado palpável aseis centímetros do rebordo costal direito. Corona-riografia normal e sorologia para Chagas negativa.

Os diversos ECOs, a ventriculografia radioisotópica(Gated) e a ventriculografia com contraste, realiza-das em diferentes épocas desde 1999, mostravamfração de ejeção (FE) entre 32 e 39%, diâmetrodiastólico do ventrículo esquerdo (DDVE) de 80mm,disfunção diastólica grau III e insuficiência mitralmoderada (figuras 1 e 2).

Foi submetida a implante de marcapasso biven-tricular em 12/2003 (figura 3), com o eletrodo do seiocoronário posicionado em veia lateral. Relatava esti-mulação frênica intermitente quando em decúbito la-teral esquerdo, o que foi contornado com programa-ção. Em agosto de 2004, oito meses após o implan-

te, a FE estava em 51% pelo Gated, com a pacienteem CF I. Em 06/2005, 18 meses após o implante, aFE era de 59% e o DDVE, de 50mm. Em 04/2006,28 meses após a cirurgia, o ECO mostrava FE de71,3% pelo método de Teichholz, 62% pelo métodode Simpson, DDVE de 47mm, sem assincronia pre-sente (figuras 4 e 5).

Em 12/2007, durante uma consulta de rotina, apaciente referiu cansaço (CF II), tendo sido consta-tada ausência de captura do eletrodo de VE e eleva-

Figura 1 - Ecocardiograma inicial do primeiro caso.

Figura 2 - Ecocardiograma inicial do primeiro caso em outra ocasião.

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Figura 3 - ECG do primeiro caso após ressincronização.

Figura 4 - ECO com 18 meses após implante de biventricular comnormalização da FE e da DDVE.

Figura 5 - ECO com 28 meses após implante de biventricular commanutenção da normalização da VE.

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ção da impedância. Novo ECO realizado em 10/2007demonstrou novamente disfunção sistólica importan-te do VE com FE de 35% pelo método de Simpson,com aumento do DDVE para 60mm e disfunçãodiastólica grau I (figuras 6 e 7). Optou-se pelo im-plante de um novo eletrodo no seio coronário, semsucesso. Em um segundo tempo, realizou-se por viaepicárdica o implante de um eletrodo no VE, pro-cedimento realizado com êxito em 12/2007.

Em três meses, a paciente retornou à CF I e onovo ECO, datado de 10/03/2008, mostrou FE de54% pelo método de Simpson e de 61% pelo méto-do de Teichholz, sem assincronia e com redução doDDVE para 49mm (figura 8).

CASO 2

Paciente de 69 anos, portadora de miocardiopatiade provável origem isquêmica e hipertensiva, comECG mostrando ritmo sinusal, BAV 1º grau, BRE, QRSde 180ms (figuras 9 e 10), ICC CF III-IV. Havia sofridodiversas internações, necessitando de drogas vasoati-vas e entubação orotraqueal. ECOs realizados previa-mente, em diferentes épocas, mostravam FE de 35 a37%, DDVE de 60mm e hipocinesia difusa, de mode-rada a severa, do VE (figuras 11 e 12).

Em 01/2004 um cateterismo foi realizado paraelucidação do diagnóstico, seguido de angioplastia

com colocação de stent para desobstruir lesão de80% na porção proximal da artéria descendente an-terior. O mesmo resultado foi observado no catete-rismo realizado em 06/2004 (figuras 13 e 14), indi-cado em decorrência da piora clínica e da disfunçãoprogressiva do VE ao ECO (figura 15).

Em 11/2004, recebeu o implante de um marca-passo biventricular. Após o procedimento, o QRS apre-sentou largura de 130ms. A paciente evoluiu para CFII no curto prazo (três meses) e CF I em médio prazo(sete meses), mantido o mesmo esquema terapêutico.O ECO realizado em 07/2005, oito meses após oimplante, mostrou DDVE de 49mm e FE de 72%, comdisfunção diastólica grau I. O ECO realizado após 15meses (02/2006) revelou FE de 70% e DDVE de48mm. O ECO mais recente, de 03/2008, permanecedentro da normalidade (figuras 16 a 18).

CASO 3

Paciente de 68 anos, com doença pulmonarobstrutiva crônica (DPOC) em decorrência de taba-gismo, com implante um marcapasso definitivo dedupla-câmara por bloqueio atrioventricular total eeletrodo posicionado na ponta do ventrículo direito

Figura 7 - ECO após fratura de eletrodo de VE com piora signifi-cativa da função VE.

Figura 6 - ECO após fratura de eletrodo de VE com piora signifi-cativa da função VE.

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Figura 8 - ECO após 3 meses do implante de novo eletrodo em VEvia epicárdia com normalização da FVE.

Figura 9 - ECG inicial do paciente caso 2.

Figura 10 - ECG após ressincronização do paciente caso 2.

Figura 11 - ECO prévio do paciente caso 2.

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Figura 12 - ECO prévio do paciente caso 2 em outra época.

Figura 13 - Cateterismo do paciente caso 2 e Stent para DA.

Figura 14 - Cateterismo controle do paciente caso 2 com DA pérvia.

Figura 15 - Piora progressiva da função de VE pelo ECO do pacientecaso 2 mesmo após angioplastia.

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Figura 16 - Normalização da FE, 8 meses após implante de MPbiventricular.

Figura 18 - ECO tardio com 41 meses com normalização da funçãoe diâmetros do VE.

(VD). No quarto ano após implante, passou a apre-sentar disfunção ventricular progressiva e ICC clíni-ca (figuras 19 e 20), CF III-IV. O QRS estimulado erade 150ms e a FE, de 22% pelo ECO e 20,5% peloGated, com DDVE de 66mm e disfunção diastólicarestritiva. O ECO mostrava assincronia nítida, commovimentação paradoxal do septo. Já o ECO inicialpré-implante do marcapasso não demonstrava dis-função de VE. O paciente não realizou coronario-grafia devido ao quadro pulmonar.

Realizou-se a troca de gerador e o up-gradingpara um sistema biventricular, com implante de ele-trodo no VE por veia jugular interna direita, em razãoda dificuldade de canulação do seio coronário pelasubclávia direita. Após o procedimento, o QRS redu-ziu-se para 120ms. Não foram observadas altera-ções no ECO realizado após um mês. Decorridos 12meses, a FE era de 52% e DDVE, de 57mm. Após24 meses, a FE era de 59% e DDVE, de 51mm, comdisfunção diastólica no estágio I (figura 21). A me-lhora clínica foi significativa no primeiro ano, mas,passado esse período, o paciente passou a referircansaço persistente e necessitou de internaçõeshospitalares por DPOC descompensado. O últimoECO, realizado em 11/2007, mostrava FVE e DDVEnormais (figura 22).Figura 17 - ECO com 15 meses com manutenção do resultado.

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Figura 19 - Disfunção do VE pelo GATED do paciente caso 3.

Figura 21 - ECO controle com 24 meses após up-grading paramarcapasso multisítio com normalização da FVE.

Figura 22 - ECO tardio com normalização da função e dos diâmetrosdo VE.

CASO 4

Paciente de 78 anos, portador de cardiopatiaisquêmica, hipertenso e diabético, havia sido subme-tido a cirurgia de revascularização miocárdica em11/2001 após IAM, tendo recebido implante de stent

Figura 20 - Disfunção do VE pelo ECO inicial do paciente caso 3,4 anos após implante de marcapasso DDD. Função préviado VE antes do implante de MP DDD era normal.

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em 12/2005 e marcapasso definitivo de dupla-câma-ra por BAV total em 12/2005. Em 2007, apresentouquadro de ICC e progressão da disfunção de VE,tendo sido admitido em uma unidade de emergênciacardiológica.

Em 04/2007, recebeu o implante de marcapassomultissítio. A largura prévia do QRS era de 160 mse, após o implante, 120 ms. Em 12/2005, o ECOapresentava os seguintes parâmetros: VE de 56 mm,FE de 44%, IM leve e HVE moderada. No ECO de03/2007, a FE era de 26% e o VE tinha 66mm dediâmetro, com IM moderada, disfunção diastólicarestritiva e assincronia documentada (figura 23).

Decorridos três meses do implante, apresenta-va-se em CF II e ainda hipotenso, tendo cessado aperda de peso progressiva. Fazia uso regular desinvastatina/ezetimibe, carvedilol 6,25mg/2 x dia,valsartan 80mg/dia, AAS, amiodarona 200mg/dia, furo-semida 40mg/1 x dia, espironolactona 25mg/dia e gli-mepirida. Após nove meses, estava em CF I, caminhando30 minutos diariamente. Um novo ECO, datado de05/2008, revelou DDVE de 48mm e FE de 64% pelométodo de Simpson, com disfunção diastólica no es-tágio II e ausência de assincronia (figura 24).

DISCUSSÃO

Os casos relatados representam cerca de 7%dos implantes realizados nestes serviços e eviden-ciam que a assincronia induzida pelos bloqueios deramo esquerdo pode não somente agravar uma dis-função ventricular esquerda pré-existente, mas tam-bém a induzir, atuando como fator primário no de-senvolvimento da miocardiopatia, o que levaria aincluí-la entre os diagnósticos diferenciais das diver-sas etiologias de miocardiopatias dilatadas.

Os casos clínicos apresentados contribuem parajustificar o fato citado acima, em que os distúrbios decondução intraventriculares foram fatores primordiais,senão exclusivos, na indução da disfunção ventricularesquerda. No primeiro caso, por exemplo, a perdade comando do eletrodo do VE voltou a produzir acondição cardíaca prévia da paciente, com dilataçãoimportante do VE, queda da FE e reaparecimentodos sintomas de ICC, apesar da manutenção detodos os medicamentos clássicos para ICC em do-ses adequadas. Essa situação foi totalmente con-tornada após novo implante de eletrodo no VE, porvia epicárdica, sendo que o ECO realizado após trêsmeses já demonstrava a normalização da função edos diâmetros do VE.

Tal caso evidencia que é possível reverter umamiocardiopatia de evolução longa, na qual houve ouso regular de medicações em doses adequadas.Questiona-se, entretanto, qual o estágio da doençaem que esse tipo de terapia deveria ser instituído. Aseleção adequada dos pacientes deve levar em conta

Figura 23 - ECO inicial do paciente caso 4 pré-implante de MP biventricular.

Figura 24 - ECO com 13 meses após implante com normalização dosdiâmetros e da função do VE.

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algumas condições prévias, entre elas o bom estadogeral, o diâmetro diastólico final de VE não maiorque 80mm e a classe funcional (preferencialmente aclasse III ou, no caso de classe IV, não de forma per-manente). Além disso, deve considerar a ausência dasseguintes condições: hipotensão arterial importante,caquexia cardíaca, diversas internações prévias, uso deinotrópicos por via intravenosa (ou, pelo menos, ausênciade sua dependência prolongada) e disfunção de VD.

Recentemente, em dois outros casos nos quaisse utilizou a TRC, os eletrodos foram implantadosem posições clássicas, consideradas ideais (um emBRE e outro BRD e BDASE) e o tempo do procedi-mento cirúrgico não excedeu duas horas. A condi-ção clínica dos pacientes, entretanto, era crítica, poisestavam muito debilitados, em estágio avançado dadoença, tendo utilizado drogas vasoativas por pe-ríodos prolongados. Durante todo o procedimentocirúrgico apresentaram níveis pressóricos muito bai-xos e, embora o ECO não tenha evidenciado compli-cações mecânicas nos procedimentos, tiveram evo-lução desfavorável, tendo falecido durante a internação.

Nos casos relatados, não existiram outras expli-cações plausíveis para justificar a normalização dafunção ventricular esquerda e dos diâmetros do VE.No segundo caso, chegou-se mesmo a questionar apossibilidade de um miocárdio hibernante. Essa hipó-tese foi afastada pela evolução desfavorável da pa-ciente, assim como pela FVE vários meses após aimplantação do stent, o que motivou a realização deum novo cateterismo cardíaco, com ausência de rees-tenose. Mesmo após a angioplastia, a paciente evo-luiu tardiamente para edema agudo de pulmão, tendonecessitado de entubação e ventilação mecânica.

No terceiro caso, a miocardiopatia manifestou-seem um paciente tabagista severo, com DPOC, FVEprévia normal, quatro anos após o implante de ummarcapasso cardíaco definitivo de dupla-câmara porBAV total e eletrodo localizado no ápice do VD.Após o implante, o paciente evoluiu com dispnéialimitante com componentes pulmonar e cardíaco asso-ciados, evidenciados em repetidos ECOs. O grauavançado da miocardiopatia dilatada levou à opção

pela TRC, que resultou em grande melhora em curtoe médio prazos. Tardiamente (18 meses), entretanto,o paciente voltou a apresentar dispnéia limitante, emdecorrência do comprometimento pulmonar. Os di-versos ECOs realizados demonstraram a normaliza-ção da função e dos diâmetros do VE. Curiosamen-te, há vários anos a irmã desse paciente também éportadora de marcapasso definitivo de dupla-câmarapor BAV total e mantém função ventricular esquerdasempre normal. A mãe de ambos também apresen-tou BAV total aos 85 anos de idade e foi a última dafamília a receber um implante, com função ventricularesquerda previamente normal, que se mantém 18meses após o procedimento. Esses fatos talvez pos-sam indicar que não há predisposição familiar parao desenvolvimento da miocardiopatia induzida pelaassincronia.

Em síntese, nos casos relatados, a normaliza-ção da FVE ocorreu independentemente da etiologiada miocardiopatia, quer isquêmica (caso 4), idiopática(caso 1), após implante de marcapasso (caso 3) oumista - hipertensiva e isquêmica (caso 2). O grau demelhora e a reversibilidade da disfunção do VE nospacientes selecionados para implantes de marcapassomultissítio devem estar relacionados, portanto, aopossível grau de assincronia responsável ou agravanteda miocardiopatia apresentada.

É difícil imaginar a normalização da FVE empacientes com grandes áreas de necrose ou fibrosecronicamente instaladas, situação em que se podeesperar apenas uma melhora do desempenho dasfunções sistólica e diastólica, a depender do grau deassincronia apresentada. Nesses casos tampouco écomum obsevar a normalização completa da assin-cronia pelo ECO tecidual e sim a sua redução. Ten-tativas de reprogramação podem ser realizadas vi-sando à melhora do desempenho cardíaco.

Os dados aqui apresentados sugerem que há umarelação causal estreita entre a assincronia e a miocar-diopatia dilatada em pacientes com distúrbios de con-dução intraventricular, razão pela qual se recomendaque seja sempre pesquisada assincronia em pacientescom miocardiopatias sem etiologias definidas.

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Rocha EA, Pereira FTM, Abreu JS, Farias G, Farias Rocha A, Marques V, Gondim A, Negreiros P, Ribeiro DG, Pereira R, RodriguesCRM, Paes JN. Assincronia como causa primária de miocardiopatia: uma relação de causa e efeito. Relampa 2008; 21(3): 178-188.

Relampa 78024-455

Rocha EA, Pereira FTM, Abreu JS, Farias G, Farias R, Rocha A, Marques V, Gondim A, NegreirosP, Ribeiro DG, Pereira R, Rodrigues CRM, Paes JN. Assincronia como causa primaria demiocardiopatia: una relación de causa y efecto. Relampa 2008; 21(3): 178-188.

RESUMEN: En las últimas dos décadas, el tratamiento de la Insuficiencia Cardíaca Congestiva(ICC) ha experimentado grandes avances, con consecuente reducción de la morbilidad y la mortalidadde los pacientes. Sin embargo, para muchos, el pronóstico sigue siendo reservado, debido a lagravedad de los síntomas, el número elevado de internaciones y el alto costo del tratamiento. Losimplantes de marcapasos multisitio para la resincronización ventricular en pacientes con disturbio deconducción intraventricular representan una nueva alternativa. Se relata el caso de cuatro pacientes,de un total de seis casos de resincronización cardíaca, que han evolucionado tardíamente paranormalización completa de la función ventricular izquierda y los diámetros diastólicos.

DESCRIPTORES: miocardiopatía, resincronización cardíaca, asincronía ventricular izquierda, bloqueode rama izquierda, insuficiencia cardíaca congestiva.

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Rocha EA, Pereira FTM, Abreu JS, Farias G, Farias R, Rocha A, Marques V, Gondim A, Negreiros P,Ribeiro DG, Pereira R, Rodrigues CRM, Paes JN. Asynchrony as primary myocardiopathy cause:A cause and effect relation. Relampa 2008; 21(3): 178-188.

ABSTRACT: In the past two decades, the treatment of Congestive Heart Failure (CHF) has hadmajor advancements with consequent decrease of morbidity and mortality of the patients. However, theprognostics for quite a few of them can still remain somewhat restrained due to the severity of thesymptoms, the great number of hospitalizations and high cost of the treatment. The implants of multi-site pacing for the ventricle resynchronization in patients with intra-ventricle conduct disorder representa whole new choice. The report is on a case of 4 patients out of 6 cardiac resynchronization casesthat had late evolutions towards complete normalization of the left ventricle function and the diastolicdiameters.

DESCRIPTORS: myocardiopathy, cardiac resyncchronization, left ventricle assynchrony, left branchblock, congestive heart failure.

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11 Rocha EA, et al. Ressincronização ventricular – com-parando os marcapassos biventriculares com osmarcapassos bifocais de ventrículo direito. Arq BrasCardiol 2007; 88(6): 674-82.

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