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ASSENTAMENTOS DE REFORMA AGRÁRIA E PERSPECTIVAS DE DESENVOLVIMENTO RURAL: um estudo de caso FABIANA PEREIRA DE CARVALHO 2010

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ASSENTAMENTOS DE REFORMA AGRÁRIA E

PERSPECTIVAS DE DESENVOLVIMENTO

RURAL: um estudo de caso

FABIANA PEREIRA DE CARVALHO

2010

FABIANA PEREIRA DE CARVALHO

ASSENTAMENTOS DE REFORMA AGRÁRIA E PERSPECTIVAS DE

DESENVOLVIMENTO RURAL: um estudo de caso

Monografia apresentada ao Departamento de Administração e Economia da Universidade Federal de Lavras, como parte das exigências do curso de Pós-Graduação Lato Sensu em Gestão de Programas de Reforma Agrária e Assentamento, para obtenção do título de especialização.

Orientadora: Profa. Dra. Cristhiane Oliveira da Graça Amâncio

LAVRAS MINAS GERAIS – BRASIL

2010

FABIANA PEREIRA DE CARVALHO

ASSENTAMENTOS DE REFORMA AGRÁRIA E PERSPECTIVAS DE

DESENVOLVIMENTO RURAL: um estudo de caso

Monografia apresentada ao Departamento de Administração e Economia da Universidade Federal de Lavras, como parte das exigências do curso de Pós-Graduação Lato Sensu em Gestão de Programas de Reforma Agrária e Assentamento, para obtenção do título de especialização.

APROVADA em de de 2010.

Prof.

Prof.

Profa. Dra. Cristhiane Oliveira da Graça Amâncio UFLA

(Orientadora)

LAVRAS MINAS GERAIS – BRASIL

2010

Às inúmeras famílias de trabalhadores rurais assentados que lutam, tão

dignamente, para retirar da terra os meios de sua sobrevivência.

DEDICO

AGRADECIMENTOS

Foram várias as pessoas e instituições que, em diversos momentos desta

caminhada acadêmica, estimularam e apoiaram a realização deste trabalho.

Assim, agradeço sinceramente:

Primeiramente a Deus, força criadora que dá sentido a minha vida,

principalmente nos momentos mais difíceis não me deixando desistir.

Aos meus pais, e em especial à minha Mãe que repousa nos braços do

Senhor, pelo apoio e amor incondicional dispensados a mim.

Aos familiares e amigos pela compreensão e momentos de carinho

vividos durante essa trajetória.

À professora Cristhiane Amâncio por sua orientação e pelo aprendizado

que pude desfrutar neste processo.

Aos professores(as) e colegas do Curso de Especialização Lato Sensu

em Gestão de Programas de Reforma Agrária e Assentamentos do

Departamento de Economia e Administração da UFLA pelas discussões e

aprendizado proporcionado no decorrer do curso.

Às Superintendências Regionais do INCRA em Alagoas e em

Pernambuco pelo apoio e acesso à documentação utilizada neste trabalho.

Enfim, aos amigos e companheiros de INCRA Silvana Mendes, Marta

Pereira, Eduardo Medeiros, João Abelardo, Wandercleyde Lins e Giovana Silva

pela amizade, apoio e incentivos durante essa etapa acadêmica.

Obrigada a todos.

SUMÁRIO

LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS............................................................ i

LISTA DE QUADROS ....................................................................................... iii

RESUMO ............................................................................................................. iv

ABSTRACT ......................................................................................................... v

1 INTRODUÇÃO ............................................................................................... 10

2 DESENVOLVIMENTO RURAL: TRAJETÓRIA E DEBATES

CONTEMPORÂNEOS ...................................................................................... 16

2.1 Iniciando o debate: breve discussão sobre desenvolvimento ........................ 16

2.2 O rural e as estratégias para seu desenvolvimento ........................................ 32

3 O PLANEJAMENTO COMO INSTRUMENTO PARA O

DESENVOLVIMENTO DO MEIO RURAL .................................................... 50

3.1 Considerações sobre o processo de planejamento ........................................ 50

3.2 Planejamento nos assentamentos de reforma agrária: considerações sobre o

plano de desenvolvimento de assentamento (PDA) ............................................ 65

4 ANÁLISE DAS PROPOSTAS PARA O DESENVOLVIMENTO DO

ASSENTAMENTO: PDA DO ASSENTAMENTO CAVACO ........................ 80

4.1 Trajetória metodológica ................................................................................ 80

4.2 Apresentação do cenário investigado: caracterização do PDA e breve perfil

do assentamento .................................................................................................. 83

4.3 Resultados: análise das propostas do PDA ................................................... 92

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS ........................................................................ 104

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.............................................................. 107

i

LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

ATER Assistência Técnica e Extensão Rural

ATES Assessoria Técnica, Social e Ambiental à Reforma Agrária

BNDE Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico

CEPAL Comissão Econômica para a América Latina

CLADES Consórcio Latino-Americano de Agroecologia

CNAS Conselho Nacional de Assistência Social

DAS Diagnóstico de Sistemas Agrários

FHC Fernando Henrique Cardoso

IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística

IDH Índice de Desenvolvimento Humano

INCRA Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária

INSS Instituto Nacional de Seguridade Social

MDA Ministério do Desenvolvimento Agrário

MST Movimento dos Trabalhadores Sem Terra

NE Norma de Execução

OCDE Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento

Econômico

ONGs Organizações Não-Governamentais

ONU Organização das Nações Unidas

PA Projeto de Assentamento

PDA Plano de Desenvolvimento do Assentamento

PNATER Política Nacional de Assistência Técnica e Extensão Rural

PNRA Plano Nacional de Reforma Agrária

PROCERA Programa Especial de Crédito para Reforma Agrária

PRONAF Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar

PRONAT Programa Territorial

ii

PP Planejamento Participativo

SAF Secretaria de Agricultura Familiar

SD Superintendência Nacional de Desenvolvimento

SDT Secretaria de Desenvolvimento Territorial

SRA Secretaria de Reordenamento Agrário

WWF World Wild Fund

iii

LISTA DE QUADROS

QUADRO 1 Síntese programa organização territorial. ...................................... 93

QUADRO 2 Resumo do programa produtivo. ................................................... 94

QUADRO 3 Resumo do programa social e de desenvolvimento organizacional.

........................................................................................................ 99

QUADRO 4 Resumo do programa ambiental. ................................................. 102

iv

RESUMO

A realidade emblemática dos assentamentos de Reforma Agrária no país tem suscitado a formulação e implementação de políticas e programas, por parte da institucionalidade governamental, visando o seu desenvolvimento numa ótica de sustentabilidade econômica, social e ambiental. No entanto, as estratégias adotadas pelo aparato público parecem não alcançar o êxito desejado. São várias as hipóteses para explicar tal situação. Esse estudo, por sua vez, parte da hipótese de que, apesar dos avanços em termos de discurso, orientação e diretrizes, nos programas governamentais voltados para o desenvolvimento dos assentamentos rurais impera, ainda, uma lógica economicista acerca do processo de desenvolvimento. Tendo por base tal hipótese, buscou-se estudar o Serviço de Assessoria Técnica, Social e Ambiental à Reforma Agrária- ATES, mais especificamente uma de suas ações- o Plano de Desenvolvimento de Assentamentos- PDA que constitui o instrumento de planejamento para o assentamento, de forma a apreender, a partir da análise das propostas de ação do mesmo, as perspectivas de desenvolvimento rural subjacentes a elas. Para tanto, delimitou-se como cenário social para investigação, o PDA elaborado para o Assentamento Cavaco, localizado no município de União dos Palmares em Alagoas. A análise dos resultados nos mostra que nas propostas do PDA as fronteiras entre a perspectiva convencional de modernização da agricultura e a perspectiva de desenvolvimento rural sustentável são difusas e complexas. Ou seja, ao mesmo tempo em que são apresentadas propostas voltadas à garantia da segurança alimentar e nutricional, incentivo à pluriatividade e à adoção de práticas agroecológicas, não há menção a propostas visando à participação ativa nos espaços de discussão e formulação de políticas públicas. Ademais, há uma ênfase maior em propostas para o programa produtivo em detrimento dos programas social e ambiental. Nesses termos, tem-se a incorporação de novas temáticas sem haver de fato uma mudança em termos de perspectiva de desenvolvimento.

Palavras-chave: assentamentos, desenvolvimento rural, planejamento

v

ABSTRACT

The flagship reality of the Land Reform settlements in the country has sparked the formulation and implementation of policies and programs by the Government, aiming its development into a perspective of economic, social and environmental sustainability. However, the strategies adopted by the public apparatus do not seem to achieve the desired success. There are several hypotheses to explain this situation. This study, in turn, starts from the hypothesis that, despite advances in terms of discourse, guidance and guidelines, in government programs directed towards the development of rural settlements still prevails an economistic logic regarding the process of development. Based on this hypothesis, we sought to study The Service of Technic Social and Environmental Advisement for Agrarian Reform, more specifically one of its actions, the Development Plan of Settlements, which is the planning instrument for the Settlements, in order to learn, from the analysis of proposed actions inside it, the underlying perspective for rural development. To this, was delimitated as the social scenery of investigation, The Plan drawn up for Settlement Cavaco, located in the municipality of União dos Palmares, AL. The analysis shows that in proposals of this plan the boundaries between the conventional perspective of modernization of agriculture and sustainable rural development perspective are diffuse and complex. That is, at the same time in which were presented proposals aimed at ensuring food and nutritional safety, encouraging the pluriactivity, and the adoption of agroecological activities, there is no mention of proposals aiming at active participation in forums for discussion and formulation of public policies. Moreover, there is a greater emphasis on proposals for the production program at the expense of social and environmental programs. In those terms, we have the incorporation of new thematics without actually having a change in terms of development perspective.

10

1 INTRODUÇÃO

O modelo de desenvolvimento que tem caracterizado a agricultura em

nosso país nas últimas décadas gerou uma grande concentração de terras e de

renda no meio rural, marginalizando milhares de brasileiros que vivem no

campo, principalmente aqueles que desenvolvem sua produção em unidades

familiares.

Disso resulta diversos problemas sociais e agrários que impossibilitam o

real desenvolvimento dos espaços rurais e suas populações. Nesse sentido

Furtado & Furtado (2000) apresentam como decorrentes desse modelo

implementado no país a seguinte situação,

A propriedade da terra está concentrada, caracterizando um dos mais altos índices de concentração do mundo. Cerca de 1% dos proprietários detêm em torno de 46% de todas as terras. A forma como se utiliza a terra não representa os interesses da sociedade como um todo. Dos aproximadamente 400 milhões de hectares titulados como propriedade privada, apenas 60 milhões são cultivados como lavoura. Segundo dados do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária – INCRA, existem no Brasil 100 milhões de hectares de terras ociosas, localizadas nas grandes propriedades. Os indicadores sociais das regiões rurais são alarmantes e se equiparam às regiões mais pobres do mundo. (Furtado & Furtado, 2000:55)

Nesse contexto de grande concentração e exclusão toma vulto no cenário

nacional à luta pela terra, como forma de resistência dos trabalhadores rurais a

esses processos.

Como resultado dessas lutas, nos anos 90, os assentamentos rurais se

proliferam, exigindo ações e políticas públicas que viabilizem não só o acesso a

terra, mas, sobretudo, a manutenção e sobrevivência das famílias no campo.

11

Para Furtado & Furtado (2000) qualquer estratégia que vise o

desenvolvimento dos assentamentos deve ter como premissa o seu entendimento

como,

Uma complexidade, uma especificidade de integração social, uma forma multiforme que incorpora, na mesma figura social, uma conquista coletiva, um pequeno patrimônio produtivo diferenciado e, também, uma instituição tutelada e burocratizada que, com muita freqüência resiste à emancipação. São comunidades de agricultores construídas nos processos de luta pela terra e também de organizações formais, associações ou cooperativas, seus instrumentos de negociação com o poder. (Furtado & Furtado, 2000:56)

Conforme aponta Dias (2004b), o estabelecimento de um assentamento

rural gera a expectativa de que este se torne social e economicamente viável, de

modo a proporcionar às famílias assentadas melhoria nas suas condições de vida

e de reprodução. Segundo o autor, essas expectativas se revelam diversamente

entre os sujeitos sociais envolvidos nesse processo. Nesse sentido afirma

Entre os agentes governamentais que formulam e implementam políticas públicas, parece sobressair a intenção de que o agricultor assentado deixe essa sua condição o mais breve possível, integrando-se, como agricultor familiar, aos mercados produtivos. (Dias, 2004b: 502)

Subjacente a essa intencionalidade, segundo o autor, está uma

perspectiva de desenvolvimento convencional, fortemente marcada pelos

objetivos de modernização e crescimento econômico, predominante, até bem

pouco tempo, no cenário nacional.

A realidade dos assentamentos rurais, no entanto, nos mostra que os

instrumentos de política pública baseados nesse paradigma desenvolvimentista,

não corresponderam ao esperado, ou seja, não proporcionaram o

12

desenvolvimento desse segmento da população rural, propiciaram, apenas, o

atendimento às suas necessidades mais elementares de reprodução social.

Esse panorama, segundo aponta Dias (2004b) em seus estudos, gerou

insatisfações entre os trabalhadores rurais e os seus organismos de

representação, assim como, provocou questionamentos e críticas por parte das

instituições acadêmicas, que culminaram numa pressão política para que a

institucionalidade governamental reorientasse suas políticas e estratégias de ação

a um novo paradigma.

A partir de então, são criadas e formuladas pelos aparatos públicos

políticas e programas visando viabilizar o desenvolvimento dos assentamentos

rurais no país, numa ótica de sustentabilidade econômica, social e ambiental.

Dentre esses programas, ganha destaque o Serviço de Assessoria Técnica, Social

e Ambiental à Reforma Agrária – ATES, criado em 2004 e executado pelo

INCRA. Isso porque, conforme afirma Dias (2004b),

A proposta do serviço de ATES é extremamente positiva e oportuna. Surgiu em um momento histórico, no qual foram construídas enormes expectativas sobre a ampliação e qualificação dos processos de reforma agrária. Suas boas intenções fazem uma importante leitura, embora pouco sistemática, de algumas concepções críticas que revisam os modos predominantes de exercício da prática extensionista, questionando o domínio do caráter assistencial e técnico que a caracterizou ao longo do processo de modernização da agricultura. (Dias, 2004b:537)

E, apesar desse programa assim como os demais voltados ao

desenvolvimento do meio rural, representarem importantes avanços quanto às

intencionalidades governamentais, parece que os mesmos ainda não alcançaram

o êxito desejado, ou seja, proporcionar o desenvolvimento econômico social e

ambiental dos assentamentos.

13

São diversos os fatores apontados como intervenientes nesse processo,

assim como, são diversas as hipóteses e argumentações elaboradas para

explicação do mesmo.

Segundo Favareto (2007) as razões para esse insucesso estão atreladas,

principalmente, ao fato de que na maior parte das instituições executoras dessas

políticas e programas há, apenas, a incorporação de temáticas, relativas a essa

nova visão de desenvolvimento, “onde, sob nova roupagem, velhos valores e

práticas continuam a dar os parâmetros para a atuação dos agentes

sociais(...).” (Favareto, 2007:141)

Diante dessa argumentação, fica claro que, apesar dos avanços em

termos de adoção de uma nova perspectiva de desenvolvimento nos discursos e

orientações políticas, na execução e prática dos programas ainda persiste a

lógica clássica acerca do desenvolvimento.

A partir dessa constatação, torna-se oportuno realizar reflexões e

análises que possibilitem a elucidação quanto ao paradigma de desenvolvimento

que está subjacente a cada um dos programas voltados para o desenvolvimento

dos assentamentos de reforma agrária.

É sob esta perspectiva que reside a importância deste trabalho, que

buscou estudar o Serviço de Assessoria Técnica, Social e Ambiental à Reforma

Agrária – ATES, mais especificamente uma de suas ações – o Plano de

Desenvolvimento de Assentamento – PDA que constitui o instrumento de

planejamento para o assentamento, de forma a apreender, a partir da análise das

propostas de ação contidas no plano, as perspectivas de desenvolvimento rural

que estão subjacentes as mesmas, e que repercutem no sucesso das ações

empreendidas para o desenvolvimento dos assentamentos.

Para tanto, delimitou-se como cenário social para investigação, o PDA

do Assentamento Cavaco, localizado no município de União dos Palmares no

estado de Alagoas.

14

A motivação para realização dessa reflexão teórico-investigativa surgiu

em decorrência dos questionamentos e reflexões possibilitadas a partir da

experiência vivenciada, como servidora do INCRA em Alagoas, na análise dos

PDA’s elaborados para os assentamentos do estado.

Para efeito de apresentação e sistematização das reflexões propostas, o

trabalho está estruturado em 3 (três) capítulos. No primeiro, discorremos sobre a

temática desenvolvimento. Ao longo da primeira parte, traçamos uma breve

discussão acerca do processo de desenvolvimento e os seus respectivos

paradigmas. Ainda neste capítulo, situamos as perspectivas existentes acerca do

desenvolvimento rural, bem como, as estratégias adotadas pelos aparatos

governamentais relativas a cada uma delas.

No segundo capítulo, apresentamos o planejamento como importante

instrumento para os processos de desenvolvimento rural. Nesse sentido,

inicialmente tecemos considerações acerca da importância e dimensões

constitutivas do planejamento enquanto processo. Em seguida, situamos os

Planos de Desenvolvimento dos Assentamentos – PDA’s enquanto estratégia

adotada pelos Serviços de ATES para realização do planejamento nos

assentamentos.

No último capítulo, apresentamos as análises empreendidas a partir das

propostas contidas no PDA alvo do estudo de caso. Antes, porém, tecemos

esclarecimentos quanto à trajetória metodológica adotada no estudo.

Apresentamos também uma breve caracterização e perfil do assentamento

relativo ao PDA em análise. Entendemos que essa caracterização se faz

necessária, uma vez que, ajudará na compreensão das propostas estudadas.

Por fim, mediante as discussões e reflexões realizadas, apresentamos nas

considerações finais desse estudo para o entendimento acerca do processo de

desenvolvimento dos assentamentos rurais.

15

Cabe ressaltar que, o trabalho em questão, evidentemente, não tem a

pretensão de esgotar toda a complexidade e reflexões acerca da temática em tela,

pretende apenas apontar alguns elementos importantes para compreensão da

mesma.

16

2 DESENVOLVIMENTO RURAL: TRAJETÓRIA E DEBATES

CONTEMPORÂNEOS

2.1 Iniciando o debate: breve discussão sobre desenvolvimento

As discussões acerca das estratégias específicas de desenvolvimento

para o meio rural são recentes na história. Durante muito tempo, o meio rural foi

visto como o lugar do “atraso”, do “rústico”, do “tradicional”, oposto a visão de

“progresso” e “modernidade” intrínsecos ao ideário de desenvolvimento tão

disseminado e almejado em todo o mundo. Hoje, nos são apresentadas uma

multiplicidade de perspectivas e modelos no campo do Desenvolvimento Rural.

O entendimento do processo de construção e reelaboração do debate

intelectual sobre o desenvolvimento rural nos remete à necessidade de

abordarmos a temática do desenvolvimento e sua evolução histórica.

Ao longo do tempo foram várias as tentativas teóricas para elucidação

da idéia de desenvolvimento e, apesar de distintas, tais elaborações, segundo

Oliveira & Filho (2002), convergiam quanto o que consideram o elemento

central do processo de desenvolvimento, isto é, “o homem em suas relações

sociais, econômicas, históricas e espacialmente construídas” (grifo nosso).

Nas suas análises, tais autores desenvolvem a argumentação de que

essas relações estabelecidas pelo homem, geradoras de mudanças e de conflitos

de interesse, resultam, grandemente, do seu desejo insaciável de realização

material, e

Muito embora essa característica só se tenha exacerbado a partir de quando se passou a privilegiar o processo de acumulação de riquezas em detrimento de outras relações sociais desvinculadas de posses econômicas. Isto resultou no esforço histórico e progressivo do homem em desenvolver meios mais produtivos e intermediados pela subordinação do trabalho ao capital. Assim sendo, torna-se perceptível e compreensível a existência de diferenciações econômicas e

17

sociais entre as populações e as nações que integram o mundo capitalista. (Oliveira & Filho, 2002)

Em muitas formulações teóricas sobre desenvolvimento aparece,

claramente, essa argumentação ao se justificar as causas do sucesso ou insucesso

na promoção do desenvolvimento dos países considerados do Terceiro Mundo.

Segundo Favareto (2007), a trajetória das idéias sobre desenvolvimento

é anterior mesmo ao surgimento do capitalismo. Para ele, tais idéias passaram

por algumas etapas, que vão da Antiguidade até os dias atuais, e a passagem de

uma etapa para outra significou não só rupturas, mas continuidades. Nesse

sentido,

O que marca a virada de um a outro período é, além de uma mudança substantiva nos alicerces empírico-cognitivos e na sistematização da idéia, uma mudança igualmente substantiva no tipo de portador dos discursos e explicações que a envolvem. (Favareto, 2007:40)

A primeira etapa na trajetória das idéias sobre desenvolvimento

corresponde ao período histórico que vai da Antiguidade até fins do século XX.

Nesse momento, prevalece a idéia de desenvolvimento como sinônimo de

evolução. A gênese dessa percepção, por sua vez, dá-se com o nascimento das

interpretações racionais de mundo entre os filósofos gregos, que atribuem à

essência da natureza, com seus ciclos sucessivos de ascensão, apogeu e declínio,

o sentido da evolução humana.

Com a passagem da Idade Antiga à Idade Média, marcada pela ascensão

do Cristianismo como principal instituição do mundo ocidental, as explicações

para os ciclos de evolução humana passam a assumir um caráter extramundano,

ou seja, resultante dos desígnios divino. É somente a partir de meados do século

XVII, que tem por marco a Revolução Francesa e o progresso científico

inaugurado com o Iluminismo, que as explicações para a evolução do real

18

adotam uma postura mais racional, baseada na análise e observação dos

fenômenos empíricos1 (Favareto, 2007).

Ainda segundo esse autor, apesar das rupturas apontadas, as

sistematizações sobre evolução guardam entre si continuidades. Assim,

A principal talvez seja o caráter teleológico pronunciado de algumas teorias: de maneira compatível à filosofia agostiniana, a sociedade enfrentaria um processo de evolução social mais ou menos ‘automático’, em direção a uma ordem social superior. (Favareto, 2007:43)

A passagem para o século XX marca o fim do predomínio da trajetória

de desenvolvimento atrelada à idéia de evolução e o início da assimilação de

crescimento como sinônimo de desenvolvimento.

Segundo Favareto (2007), apesar das rupturas engendradas e da

crescente institucionalização do campo científico, o componente evolucionário

mostrou-se presente em diversas formulações teóricas2. Nesse sentido afirma

que,

Tanto na sociologia como na economia, prevaleceram durante boa parte do século XX as teorias que se sustentavam em alguma forma de equilíbrio, ou que permitiam algum grau de previsibilidade. (Favareto, 2007:47)

Para NISBET (1985), anterior a essa mudança de perspectiva em relação

ao desenvolvimento, há a transição da idéia de evolução para a de progresso.

1 Nesse contexto histórico surgem as teorizações de Spencer acerca da classificação das

sociedades, a partir de um evolucionismo social, e a teoria da seleção natural das espécies de Darwin, com seu evolucionismo biológico. (Favareto, 2007).

2 Dentre essas formulações teóricas o autor destaca as obras de Weber (sociologia), Menger, Walras (economia neoclássica), Schumpetter & Hayek (economia institucional).

19

Segundo o autor, a evolução naturalmente se converteria em progresso,

alcançado, por sua vez, pelo conhecimento e domínio das forças da natureza,

impulsionadas, em grande medida, pelas mudanças decorrentes do ideário

Iluminista e intensificadas pela Revolução Industrial3. Esse ínterim, conforme

afirma NISBET (1985), seria o corolário da coesão entre crescimento e

desenvolvimento.

Para Favareto (2007), a idéia de crescimento ganha visibilidade nos

debates e formulações teóricas com o destaque adquirido pela economia no

campo científico enquanto disciplina explicativa para os fenômenos sociais.

O campo científico e o campo econômico, junto com campo político, adquirem prevalência crescente sobre as demais esferas do mundo social, como a ênfase religiosa: o enorme progresso econômico desencadeado com os processos associados à Revolução Industrial e a expansão que ela gerou criaram as condições para que se legitimasse a retórica que faz repousar nesta dimensão do real, a economia, o mais alto grau de determinação sobre as demais. Se o que determina é, predominantemente, o econômico, e o que explica o econômico é o científico, então a explicação científica dos fenômenos econômicos só poderia adquirir prevalência. (Favareto, 2007:48)

A partir de então, os esforços para conceituar e caracterizar o

desenvolvimento das sociedades e nações perpassa pela análise do seu processo

de crescimento econômico. Assim,

As ações de promoção do desenvolvimento não poderiam, inicialmente, ser dissociadas de um caráter intencional e planificável que garantissem uma determinada direção às mudanças desejadas. Neste sentido, o desenvolvimento

3 “A Revolução Industrial aconteceu na Inglaterra na segunda metade do século XVIII e encerrou

a transição entre feudalismo e capitalismo, a fase de acumulação primitiva de capitais e de preponderância do capital mercantil sobre a produção.” (Arruda & Piletti, 1996:178)

20

representaria um progresso cumulativo, incremental ou mesmo revolucionário em direção a uma melhoria das condições inicialmente diagnosticadas como desfavoráveis, que equiparasse as sociedades a um dado padrão evolutivo de bom funcionamento econômico. (Dias, 2004a:65)

De acordo com essa lógica de crescimento econômico é, amplamente,

apresentada no pós-guerra uma série de recomendações visando à promoção do

desenvolvimento dos países da periferia do capitalismo. Nesse sentido, Dias

(2004a) afirma que predominou, durante anos, a crença que

Os entraves do desenvolvimento poderiam ser vencidos com a ajuda internacional e como investimento para a modernização tecnológica dos países pobres via industrialização. Findo o período de austeridade vivido durante a guerra, as imagens do desenvolvimento e da prosperidade tornaram-se ideologicamente imbatíveis naquela época. (Dias, 2004a:65)

Na visão de Favareto (2007) e Dias (2004a), essa concepção de

desenvolvimento ganha força nos países da América Latina, a partir de 1948,

com os trabalhos da Comissão Econômica para a América Latina (CEPAL)4.

Nessa época constava do quadro de intelectuais da CEPAL os economistas

Raoul Prebisch e Celso Furtado5, teóricos ilustres do paradigma estruturalista de

desenvolvimento econômico.

4 A CEPAL foi criada pelo Conselho Econômico e Social das Nações Unidas com o objetivo de

incentivar a cooperação econômica entre os seus membros. Constitui uma das cinco comissões econômicas da Organização das Nações Unidas (ONU) e possuem 43 estados e 08 territórios não independentes como membros. Atualmente, além da América Latina e Caribe fazem parte da CEPAL o Canadá, França, Japão, Países Baixos, Portugal, Espanha, Reino Unido e Estados Unidos da América In WWW.wikipedia.org.br

5 Coordenou ações da CEPAL em conjunto com o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico (BNDE), para elaboração de um estudo intitulado como “Esboço de um Programa de Desenvolvimento para a Economia Brasileira no Período de 1956 a 1960”. O referido estudo serviu de base para elaboração do Plano de Metas do governo Kubitschek, que, entretanto, não considerou como prioridade uma de suas principais recomendações: a reforma agrária In www.wikipedia.org.br.

21

Os estruturalistas argumentam que o objeto do desenvolvimento deveria ser a transformação estrutural destas economias nacionais, de modo a possibilitar o seu crescimento econômico e uma outra posição na ordem internacional. Espelhando-se em caminhos já trilhados por nações desenvolvidas, a principal recomendação política desta concepção de desenvolvimento era romper a dependência às exportações primárias e expandir e diversificar o setor industrial interno, o que envolvia desde a adoção de medidas para possibilitar uma melhor distribuição de renda nacional até a promoção de reformas nas estruturas agrárias predominantes. Estas transformações estruturais deveriam ocorrer sob a promoção dos governos nacionais com a ajuda da cooperação internacional ao desenvolvimento, em processos de longo prazo e por meio de negociadas reformas políticas e econômicas. (Dias, 2004a:64)

Além da vertente estruturalista, predominante até a década de 60 nos

debates sobre desenvolvimento econômico na América Latina, outras

perspectivas teóricas se fizeram presentes. Nesse sentido, está a perspectiva

citada por AGUIAR (1982) em seus estudos. Segundo ele,

No início da década de 50, surge um conceito para explicar a existência de países desenvolvidos e subdesenvolvidos, chamado “Conceito Linear”. Esse conceito expressa que os países se acham num continuum, isto é, os diversos países encontram-se em linha, e a diferença entre eles é quantitativa. Uns estão num estágio mais avançado e outros mais atrasados. A questão é de tempo, todos alcançarão o desenvolvimento pleno. O indicador básico para demonstrar a posição no continuum é a renda per capita. O desenvolvimento, portanto, é processo de crescimento. Este conceito não explica o fenômeno da existência de uns desenvolvidos e muitos subdesenvolvidos, pois não mostra a origem da renda e nada diz da sua distribuição, pois no fundo é um artifício estatístico. (Aguiar, 1982:73)

E, apesar da diversidade de explicações, é evidente que em todas

prevalece o pressuposto do crescimento econômico, via modernização

22

tecnológica e industrialização, como o direcionamento a ser alcançado no

processo de mudança dessas sociedades.

Oportuno ressaltar que nesse processo de mudança, não eram levadas

em consideração as especificidades e peculiaridades sociais, históricas, culturais

e, muitas vezes, até mesmo econômicas destas populações e suas localidades,

havendo, dessa forma, um processo de homogeneização das suas realidades e

demandas. Nesse sentido, Dias (2004a) afirma que,

Os programas de desenvolvimento surgidos no pós-guerra caracterizavam-se por serem concebidos e implementados de modo a desconsiderar quaisquer demandas, necessidades ou especificidades das populações locais que não estivessem anteriormente previstas pelos formuladores das políticas de desenvolvimento. Os projetos eram, geralmente, impostos “de cima para baixo”, sem que as populações locais fossem devidamente consultadas ou que a sua participação, em elaboração e implementação, fosse considerada importante ou desejada. Embora estas populações fossem as principais afetadas pelas decisões políticas que determinavam os rumos dos programas, o seu planejamento e a sua administração cabiam às burocracias estatais centralizadas ou aos técnicos de agências internacionais que trabalhavam como consultores ou executores locais dos programas. (Dias, 2004a:68)

Nessa maneira de conceber o desenvolvimento e nas práticas dela

decorrentes, o Estado apresenta-se como seu principal agente. Segundo Dias

(2004a), isso ocorre porque após a segunda guerra consolidou-se a idéia de que

somente com um estado forte e ativo poder-se-ia “conduzir os objetivos de uma

nação na promoção do seu incremento econômico e na geração de autonomia

perante outras nações” (2004a:67).

Seguindo essa tendência mundial, os governos brasileiros, do pós-guerra

até o início da década de 80, implementaram uma série de ações, expressas

23

através de políticas e programas, voltadas à diversificação e modernização do

seu parque industrial e da agricultura também.

O modelo de desenvolvimento econômico implantado no país nesse

período6, segundo Favareto (2007), foi marcado pela ausência de propostas

estruturantes para o mundo rural. As ações implementadas visavam,

essencialmente, a adequação do rural às políticas macroeconômicas e de avanço

tecnológico.

Isto pôde ser percebido com a instituição de uma forte modernização tecnológica, uma crescente integração da atividade agrícola aos complexos agroindustriais, e a formação de um padrão corporativista de organização do agro onde cabia ao Estado, a um só tempo, o papel de indutor da economia e de repressor dos conflitos que daí emergia. (Favareto, 2007: 145)

Na mesma linha de raciocínio, Oliveira & Filho (2002), afirmam que

nessa concepção modernizante, o atraso em que se encontrava a população rural

seria superado via substituição dos tradicionais modelos de produção pela

adoção dos pacotes tecnológicos7, visando o aumento da produção e da

produtividade agrícola, que, por sua vez, seria importante fator de promoção do

desenvolvimento.

6 “A modernização conservadora pela via do crescimento acelerado foi estruturada no sentido de

atender as necessidades e os interesses da classe dominante (os ricos), em detrimento da classe dominada (os pobres). Em outras palavras, a maior parte da população brasileira não participou dos benefícios do crescimento econômico. Quase toda a riqueza gerada pelo crescimento econômico concentrou-se nas mãos de uma reduzida parcela da população. È por essa razão que o modelo de desenvolvimento após 1964 é qualificado como excludente e concentrador. A crise econômica que explodiu no início da década de 80 nada mais foi que a crise desse modelo de crescimento perverso e desigual”. (Coelho, 1996:29)

7 “A chamada Revolução Verde”, iniciada na década de 60, orientou a pesquisa e o desenvolvimento dos modernos sistemas de produção agrícola para a incorporação de pacotes tecnológicos de suposta aplicação universal, que visavam à maximização dos rendimentos dos cultivos em distintas situações ecológicas. Propunha-se a elevar ao máximo a capacidade potencial dos cultivos, a fim de gerar as condições ecológicas ideais afastando predadores naturais via utilização de agrotóxicos, contribuindo, por outro lado, com a nutrição das culturas mediante a fertilização sintética. (Cordeiro; Petersen; Almeida, 1996 Apud Neto, 2006:119)

24

Com esse intuito, foram adotadas políticas de distribuição de recursos,

como créditos e subsídios, de modo a capitalizar os produtores possibilitando a

sua inserção nesse processo de modernização. Entretanto, conforme argumenta

Alencar (2001), tal política de modernização via distribuição de créditos e

subsídios financeiros, tinha o caráter bastante seletivo visto que a sua aplicação

direcionava-se àqueles grupos, produtos e produtores que demonstrassem

condições para garantir, a priori, o retorno econômico desses investimentos.

Nessa mesma perspectiva, estavam as políticas de pesquisa e extensão rural.

Dessa forma,

Os resultados dessas políticas, aliados a outros fatores como, por exemplo, urbanização e industrialização, provocaram profundas modificações no setor rural: a) capitalização do processo produtivo; b) diferenciação social, com o surgimento de diferentes categorias de produtores e trabalhadores rurais; c) concentração de terra e renda; d) integração do setor rural ao setor urbano via complexos agroindustriais, etc.. Os resultados dessas mudanças tiveram efeitos diferentes para distintos segmentos da população rural. Para alguns, significou proletarização ou eminência de desintegração de suas unidades de produção, para outros, abertura de novas oportunidades e crescimento. (Alencar, 2001:18)

Analisando esse contexto, vemos, portanto, que nas estratégias de

desenvolvimento estava intrínseca uma racionalidade, essencialmente,

econômica em detrimento dos aspectos sócio-culturais e ambientais. É como se

o crescimento econômico, por si só, fosse capaz de gerar os benefícios

indispensáveis ao desenvolvimento das sociedades.

Citando a realidade brasileira como exemplo dessa racionalidade,

Oliveira & Filho (2002) afirmam que

O modelo concentracionista e excludente da política desenvolvimentista que o Estado adotou se por um lado industrializou o país e produziu sua presença mais

25

diversificada no comércio internacional, por outro expandiu a pobreza e as desigualdades regionais, além de ter se constituído numa importante ameaça à sustentabilidade. (Oliveira & Filho, 2002)

O crescente quadro de miséria e pobreza nos países do Terceiro Mundo,

resultantes dos processos de concentração de renda e riquezas, impulsionados

por esse modelo de desenvolvimento econômico, começou a gerar insatisfações

crescentes e questionamentos quanto aos limites do crescimento econômico

como resposta para as demandas sociais e sustentabilidade ambiental desses

países.

Diversos autores apontam os meados da década de 60 como o marco do

surgimento dos movimentos de crítica social a essa abordagem tradicional e de

construção de concepções alternativas para as idéias sobre desenvolvimento.

Com relação à construção dessas concepções alternativas, Dias (2004a)

afirma que

As perspectivas e enfoques distintos àqueles comumente difundidos foram surgindo das análises sobre os insucessos, da articulação de novas experiências e da difusão de novas visões e leituras sobre a promoção do desenvolvimento. (Dias, 2004a: 81)

No rol dessas concepções, segundo Dias (2004a), a concepção

ambientalista é embrionária ao trazer uma nova percepção quanto às relações

sociedade-ambiente em contraposição à deteriorização ambiental gerada pelo

crescimento econômico ilimitado. Afirma que, inicialmente, o pensamento

ambientalista8 adotou uma postura mais radical quanto ao modelo de

8 Além dos cientistas naturais, estão aí incluídos os ativistas das ONGs ambientalistas, que

despontam no cenário mundial nessa década de 60, com um perfil, eminentemente, preservacionista. Dentre estas ONGs destacam-se a WWF (World Wild Fund) criada em 1961 e o Greenpeace em 1971. (Dias, 2004a)

26

desenvolvimento econômico vigente, propondo limitar o crescimento econômico

em prol da preservação ambiental. No entanto, tal déia não foi bem recebida

pelos países pobres, e durante a Conferência de Estocolmo9 as discussões

travadas resultaram numa mudança da percepção ambientalista hegemônica

sobre desenvolvimento:

As críticas às propostas de crescimento zero surtiram o efeito de trazer á cena a necessidade de alternativas de desenvolvimento que fossem ambientalmente sustentáveis e que não abandonassem, por completo, a idéia de promoção do progresso material aos países pobres. (Dias, 2004a: 72)

É a partir dessa conferência, segundo Favareto (2007), que emerge a

noção de ecodesenvolvimento como a “necessidade de se instituir um novo

padrão na relação entre a sociedade e a natureza, onde a degradação crescente

desse lugar a práticas fundadas num melhor aproveitamento dos recursos

naturais.” (2007:52)

Dias (2004a), por sua vez, afirma que é com a obra de Ignacy Sachs, em

1976, que se fundamenta o conceito de ecodesenvolvimento.

Ao argumentar sobre uma proposta de desenvolvimento ecologicamente orientado, Sachs lançou as bases do ecodesenvolvimento, inicialmente uma estratégia de desenvolvimento para comunidades rurais que valorizava os conhecimentos locais, em oposição à agência tecnocrática dos órgãos governamentais. Para Sachs, as dimensões ecológicas eram um dos fatores a serem considerados quando se pensava em promover o desenvolvimento. Além de atender as necessidades básicas das populações e respeitar as culturas locais, havia necessidade de incentivar

9 É a Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento que ficou assim

conhecida por ter sido realizada em Estocolmo na Suécia, em 1972. O objetivo dessa conferência era debater os problemas da relação entre desenvolvimento econômico e meio ambiente.

27

a solidariedade com as gerações futuras, por meio de um uso mais responsável dos recursos naturais. (Dias, 2004a:76)

Ao abordar a busca de relações mais equilibradas entre o homem e o

meio ambiente, o debate ambientalista trouxe para o centro das discussões sobre

desenvolvimento a idéia de sustentabilidade, que

Em seu sentido mais amplo, é requerida como parte integrante e indispensável de modelos de desenvolvimento que assegurem ao homem a garantia de uma vida com dignidade e cidadania plenas para si e para os seus descendentes. (Olveira & Filho, 2002)

É na década de 80, com o Relatório da Comissão Mundial sobre Meio

Ambiente das Nações Unidas, também conhecida como Comissão Brundtland10,

que o termo “sustentável” é incorporado, oficialmente, ao conceito de

desenvolvimento pretendido, em oposição ao modelo econômico.

O conceito de sustentabilidade difundido pelo Relatório Brundtland projetava três dimensões fundamentais para a formulação de políticas de reformas institucionais: a ambiental, a social e a econômica. A ambiental apontava tanto para a preservação quanto para um uso mais racional dos recursos naturais. A dimensão social estava preocupada com a qualidade de vida das populações, associando-se à noção de desenvolvimento humano, que posteriormente seria amplamente difundida pela ONU. A dimensão econômica, por fim, propunha rever a lógica do crescimento econômico, limitando-o à consideração da distribuição da riqueza e à racionalização do uso dos recursos naturais. (Dias, 2004a: 78)

10 A Comissão recebeu esse nome em homenagem a primeira-ministra da Noruega, à época, que a

presidiu durante os quatro anos de seu funcionamento. (Dias, 2004a)

28

Com a Conferência da ONU sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento,

realizada em 1992 no Rio de Janeiro, tem–se o ápice da aceitação da

sustentabilidade como parâmetro para a promoção do desenvolvimento,

referendada por representantes de governos, cientistas, políticos e ativistas

presentes nesta conferência. (Dias, 2004a; Favareto, 2007)

Além dessa vertente de cunho ambientalista, expressa na noção de

desenvolvimento sustentável, tem-se o surgimento de uma vertente alternativa

de desenvolvimento mais preocupada com o elemento humano e tendo como

foco o enfrentamento da desigualdade e pobreza. Segundo Favareto (2007), é a

adoção da noção de desenvolvimento humano pelas Nações Unidas, através da

disseminação do Índice de Desenvolvimento Humano – IDH 11 como elemento

mensurador do desenvolvimento, o resultado mais marcante dessa vertente que

traz o foco do debate sobre desenvolvimento para além das questões

econômicas12.

Citando a tipologia apresentada nos estudos de HUNT (1989) 13, DIAS

(2004a), por sua vez, afirma que o Paradigma das Necessidades Básicas,

difundido a partir de meados da década de 70, configura-se como referência

entre as teorizações da vertente alternativa de desenvolvimento com enfoque no

elemento humano, defendendo o incremento da renda dos mais pobres e o

11 O Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) é uma medida comparativa que engloba

três dimensões: riqueza (renda), educação e esperança (expectativa) de vida. É uma maneira padronizada de avaliação e medida do bem-estar de uma população. O índice foi desenvolvido em 1990 pelo economista paquistanês Mahbud ul Haq, e vem sendo usado desde 1993 pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento no seu relatório anual. Todo ano os países membros da ONU são classificados de acordo com essas medidas. In WWW.wikipedia.org.br

12 O economista indiano Amartya Sem destaca-se dentre os teóricos dessa vertente de Desenvolvimento Humano, consagrando-se por seus estudos sobre a fome em países asiáticos e, mais recentemente, em alguns países africanos, nos quais analisa os impactos da dinâmica sócio-econômica na vida dos seres humanos. (Favareto, 2007)

13 Hunt, D. Economic theories of development – an analysis of competing paradigms. New York: Harvester Wheatsheat, 1989, 356 p.

29

atendimento de suas necessidades básicas como condição primeira ao

crescimento econômico. Nesse sentido afirma,

As recomendações políticas baseadas neste paradigma incluíam à promoção de reformas agrárias e o incremento de serviços públicos, como pesquisa científica, extensão rural e crédito subsidiado, para apoiar o desenvolvimento da pequena escala de produção rural, que privilegiasse o uso de trabalho intensivo. A proposta geral seria promover a dispersão do capital, isto é, o inverso da concentração de capital que ocorria no modelo convencional de promoção do desenvolvimento. (Dias, 2004a:76)

Como se pode apreender, as perspectivas alternativas de

desenvolvimento sustentável e desenvolvimento humano apresentam abordagens

distintas quanto às estratégias para promoção do desenvolvimento e quanto os

limites que lhes são inerentes. No entanto, mesmo com tais diferenças, ambas

refletem uma importante mudança de valores com relação ao domínio do

econômico nas estratégias de intervenção social em prol da introdução de

iniciativas que contemplem a dinâmica das sociedades e populações em seus

aspectos sociais, culturais, políticos e ambientais. Nessa perspectiva, Dias

(2004a) aponta que,

Embora imersas em uma enorme diversidade, estas críticas tenderam a ser vistas como representantes de uma alternativa coesa ou até mesmo como um novo paradigma para a promoção do desenvolvimento, relacionando a amplas mudanças institucionais. (Dias, 2004a:81)

E, apesar do avanço que representam, Favareto (2007) aponta como

limites às noções de desenvolvimento sustentável e humano, o pouco ou

inexistente diálogo entre ambas, tanto em termos institucionais quanto em

termos teórico-científicos. Exemplificando seu argumento, cita as estratégias

30

diferenciadas adotadas pelo Programa das Nações Unidas para o

Desenvolvimento e pelo Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente.

No percurso das construções sobre o desenvolvimento, aparece o pós-

desenvolvimentismo, corrente formada por diversos intelectuais que, analisando

as experiências de cunho desenvolvimentista voltadas aos países pobres, negam

a idéia de desenvolvimento e a sua necessidade. Segundo Favareto (2007:54),

“para este grupo o desenvolvimento não passa de uma invenção do mundo

ocidental para dirigir as expectativas e os rumos das sociedades mais pobres”.

Nessa linha de raciocínio, Dias (2004a) afirma que a ênfase do discurso

pós-desenvolvimentista está na questão da afirmação das diversidades culturais

e, em conseqüência, a defesa da autonomia das comunidades locais em

contraposição às oposições da modernidade globalizada. Nesse processo, os

movimentos sociais e suas organizações são os grandes agentes. Pela sua história

e trajetória de lutas junto às comunidades locais, contribuem para politizar e

enriquecer as estratégias adotadas pelas mesmas no tocante à organização da

produção e na articulação de novas formas de fazer política.

Dentre as críticas direcionadas aos teóricos dessa perspectiva pós-

desenvolvimentista, ainda segundo Dias (2004a), está a incapacidade em

concretizar as suas concepções em programas propositivos que ultrapassem o

nível das intencionalidades críticas. Favareto (2007) acrescenta a essa crítica o

argumento de que

O principal limite do discurso pós-desenvolvimentista está no fato de que ele pode até funcionar como um razoável elemento de crítica social ao papel das nações do núcleo central do capitalismo na disseminação de uma certa visão de como alcançar a melhoria das condições econômicas e sociais, mas nada diz sobre processos de desenvolvimento como resultado da evolução histórica de longo prazo. Como decorrência, esta perspectiva simplesmente não se aplica aos períodos anteriores ao domínio dos grandes países capitalistas do mundo moderno. (Favareto, 2007:55)

31

Não restam dúvidas que as teorizações formuladas tanto pelos

paradigmas alternativos quanto pelo pós-desenvolvimentista, apesar das críticas

empreendidas, refletem um momento na trajetória das idéias sobre

desenvolvimento em que o mesmo deixa de ser, gradativamente, algo inevitável

e alheio às expectativas e demandas das populações, resultante dos processos

macroeconômicos, e passa a ser um processo complexo que envolve,

prioritariamente, as pessoas e suas habilidades, os recursos e conhecimentos

locais.

Sobre esse momento na trajetória das concepções sobre

desenvolvimento, Favareto (2007) afirma que

O que marca esse novo momento são dois aspectos: a idéia de desenvolvimento perde a adesão total e natural à idéia de crescimento, e mudam os portadores sociais das idéias sobre desenvolvimento. Ela deixa de ser um monopólio da ciência e vai passar a freqüentar os discursos de militantes de movimentos sociais, de organizações não-governamentais, de agrupamentos políticos diversos. (Favareto, 2007:55)

Por fim, ainda segundo esse autor, apesar da crescente hegemonia dos

paradigmas não-convencionais sobre desenvolvimento e de corresponder a uma

pequena etapa na longa trajetória sobre esse conceito, a idéia de crescimento

prevalece, ainda hoje, fortemente no senso comum. Justificando sua

argumentação, Favareto (2007), aponta as matérias divulgadas nos meios de

comunicação como exemplo dessa situação, uma vez que nas mesmas é

vinculada a noção de que o desenvolvimento das cidades e regiões dar-se-á

mediante seu incremento econômico.

Os elementos destacados brevemente no decorrer dessa discussão

tiveram o intuito de fornecer um panorama sintético acerca das perspectivas

teóricas construídas e historicamente associadas às idéias de desenvolvimento,

de modo a contribuir para a elucidação do momento a partir do qual o meio rural

32

e as questões a ele pertinentes tornou-se o foco das intenções de

desenvolvimento.

2.2 O rural e as estratégias para seu desenvolvimento

A afirmação do rural enquanto universo específico, dotado de uma

sociabilidade e modo de vida distinto da racionalidade urbana, passou a integrar

o ideário de desenvolvimento quando os pressupostos e estratégias do modelo

convencional de desenvolvimento econômico são questionados, principalmente,

em termos de sua viabilidade social e ambiental.

Antes, porém, o espaço rural foi alvo de ações modernizantes que

visavam à superação da sua condição de “atraso”. Essa visão do rural foi sendo

construída num contexto em que, sob os auspícios da modernidade e dos

processos de industrialização e crescente urbanização dela decorrentes, o espaço

das cidades tornou-se o lócus privilegiado do desenvolvimento. Desse modo,

segundo Favareto (2007),

Constituiu-se uma verdadeira ideologia urbana que, em última análise, traduz-se como um “não lugar’ do rural na modernidade, interditando assim a possibilidade de que seja legítimo preconizar que estes amplos espaços possam ser objeto de investimentos e de expectativas futuras. (Favareto, 2007:103)

Nessa perspectiva, Monteiro (2006:156) afirma que “desde logo

qualquer outro devir político, social, territorial que não se enquadrasse nos

parâmetros considerados de modernização seria denotado como “rural” e

conotado como “atrasado”.

O meio rural, nesse contexto de grande significação do espaço urbano,

fica restrito ao lugar de realização de atividades econômicas primárias,

33

destacadamente, a agricultura. Em seus estudos, Favareto (2007), expõe tal

situação ao argumentar que

O lugar dos espaços rurais sempre foi o de responder pela produção de bens primários, e de uma maneira onde sua dinâmica restaria meramente subsidiária dos processos sociais e econômicos emanados do mundo urbano, reificado por sua equivocada identificação como lócus exclusivo da industrialização, da complexidade e da multiplicação das possibilidades de interação. (Favareto, 2007:33)

O aspecto marcante desse momento é a redução do “espaço rural” à sua

dimensão agrícola e, em conseqüência, o condicionamento do seu

desenvolvimento ao incremento tecnológico e aumento da produtividade da

agricultura. Sob este enfoque, a agricultura tradicional, marcada pelo trabalho

familiar, pela produção em pequena escala e pelo uso restrito de insumos

tecnológicos era vista como um obstáculo às ações desenvolvimentistas. Isso

porque, conforme afirma Dias (2004a:99), “os modos tradicionais de fazer

agricultura eram diagnosticados como dispendiosos no uso da mão-de-obra e

geradores de baixa produtividade, portanto, pouco lucrativos”.

A partir de então, as estratégias de desenvolvimento do meio rural

concentram-se na superação dos obstáculos inerentes à agricultura tradicional,

através da modernização dos seus sistemas produtivos e sua base tecnológica.

Segundo Wanderley (2000), a modernização da agricultura teve como

objetivo principal assegurar a auto-suficiência em produtos agrícolas,

principalmente, os produtos alimentícios para suprir a crescente demanda

advinda dos centros urbanos. Dessa forma, a prioridade das estratégias e

políticas voltadas para este setor produtivo estava no aumento de sua eficiência

através da adoção de sistemas intensivos de produção e sua crescente integração

à economia de mercado. Nesses termos afirma que,

34

De fato, na grande maioria dos países desenvolvidos, desde o período do pós-guerra, o modelo de desenvolvimento agrícola teve como objetivo principal assegurar a auto-suficiência em produtos agrícolas, especialmente em produtos alimentares. Consequentemente, as políticas adotadas tinham como prioridade o aumento da eficiência deste setor produtivo, que se expressou na implantação do modelo produtivista da modernização agrícola, cuja base era a adoção de sistemas intensivos de produção e a crescente integração à complexa economia de mercado. (Wanderley, 2000:90)

Nesse processo, segundo Dias (2004a), a transferência e difusão dos

pacotes tecnológicos da Revolução Verde, via aparatos de extensão rural, foi o

modelo estratégico adotado pelos agentes governamentais brasileiros, sobretudo

a partir da década de 70, para a promoção da modernização da agricultura

tradicional. Assim,

A estratégia governamental era promover transformações radicais na organização dos sistemas produtivos tradicionais, modernizando-os, sem que isto implicasse mudanças estruturais significativas na distribuição da propriedade das terras, uma demanda de várias organizações de trabalhadores rurais. Para desencadear tal processo, foram organizados aparatos de pesquisa agropecuária, ensino formal e extensão rural com o intuito principal de adequar setores da agricultura tradicional aos objetivos de promoção do crescimento econômico. Naquele contexto, a busca por maior produtividade agrícola tornou-se uma verdadeira obsessão entre os agentes governamentais. (Dias, 2004a:99)

Com tal intuito, foram adotadas uma série de opções técnicas e políticas

que relegaram às unidades de produção familiar lugar marginal nesse modelo de

desenvolvimento. Segundo Dias (2004a), os esforços técnicos foram

direcionados para aqueles tipos de cultura com maior potencial para exportação,

e para aqueles produtores que demonstrassem maior receptividade as mudanças

propostas e um maior potencial de retorno econômico aos investimentos

35

realizados. Atrelado a isso, as estratégias políticas envolviam o incentivo à

predominância de médias e grandes propriedades, com a manutenção da

estrutura fundiária existente, e o incremento dos índices de produtividade, a

partir de elevados investimentos em insumos químicos (inseticidas e

fertilizantes), intensa mecanização, crescente exploração de mão-de-obra

assalariada e constante exaustão dos recursos naturais. Diante desse quadro,

restava aos produtores familiares à adesão incondicional aos pacotes

tecnológicos disponibilizados pelo governo. Nesses termos, Dias (2004a) afirma

que

Os pacotes tecnológicos disponibilizados aos agricultores associavam o crédito à aceitação de uma proposta de mudança do sistema produtivo. O poder de negociação dos agricultores era praticamente nulo. Para ter crédito e assistência técnica eles deveriam se submeter a projetos fechados e a técnicas que, muitas vezes, lhes eram estranhas e de difícil compreensão. A resistência dos agricultores às novidades impostas pelos técnicos era vista como teimosia, medo de mudança, apego ao passado, falta de iniciativa e de caráter empreendedor. As estratégias extensionistas, naquele contexto, não viam a agricultura como um modo de vida, reduziam-na ao emprego de técnicas e modos de organização da produção para torná-la economicamente mais eficiente. (Dias, 2004a:101)

As críticas ao modelo de desenvolvimento rural modernizador surgem

como resultantes das suas nefastas conseqüências sociais e ambientais. Nessa

direção, Oliveira & Filho (2002), tecem críticas a esse modelo de modernização

pelo fato do mesmo não ter conseguido concretizar os seus ideais, amplamente

divulgados, de superação do “atraso” em que se encontrava a maioria da

população rural. Ao contrário, contribuindo, ainda mais, para a exclusão de

diversos segmentos dessa população rural. Desse modo, os autores afirmam que

36

Os pacotes tecnológicos advindos dessa concepção modernizante incrementaram a produção dos que efetivamente puderam deles se apropriar, embora a um custo ambiental e social elevado em que a grande maioria dos agricultores familiares teve a própria sobrevivência ameaçada. Tais conseqüências se expressam tanto na forma da alteração da paisagem ambiental, pelo uso intensivo dos recursos naturais associado à utilização de modernas tecnologias, seja mecânica ou química, como do ponto de vista social. As relações de produção, subjacentes a esse processo de modernização da agricultura, intensificaram o desemprego e a redução do número de ocupados no campo, além de terem contribuído à concentração de terras. (Oliveira & Filho, 2002)

Para Dias (2004a), o principal efeito social da modernização da

agricultura no país foi a expropriação crescente da propriedade da terra a que

eram submetidos inúmeros trabalhadores rurais que não se adaptavam ou não

comungavam das estratégias modernizantes impostas pelos aparatos

governamentais. Como conseqüência dessa expropriação, eclode em todo país

diversos conflitos por posse de terras. Segundo o autor,

Os agricultores que produziam em pequena escala tinham cada vez maiores dificuldades para se manter no campo. Naquele cenário, a luta pela permanência na terra assumiu um papel preponderante e trouxe à cena novos atores na busca de alternativas, principalmente políticas, às diversas formas de expropriação. Os agricultores atingidos por barragens organizaram-se em um movimento que buscava a reconstituição de seus modos de vida e de trabalho, após serem deslocados de suas terras para dar espaço à construção de usinas hidroelétricas; no Norte do país, os seringueiros resistiam à decadência de sua atividade extrativista e à invasão dos pastos, que destruíam os seringais nativos; e os pequenos produtores, à margem das benesses da modernização, vislumbravam poucas alternativas à sua reprodução social. (Dias, 2004a:102)

37

A constatação dos resultados perversos da modernização da agricultura e

as críticas daí decorrentes resultam em todo um movimento de questionamentos

e de contraposição a esse modelo. As palavras de Melgarejo (2001) são refletem

tais questionamentos.

Os pressupostos da revolução verde, de que o aumento da produtividade leva ao aumento da renda, e de que esse aumento assegura a expansão da qualidade de vida, embora bem construídos, na prática se mostram equivocados. (Melgarejo, 2001:61)

A década de 80 marca o início da crise do modelo produtivista de

desenvolvimento que imperava no meio rural. È nesse período que ganham força

os debates e propostas de uma agricultura alternativa ao modelo convencional.

Essa crise reflete um movimento mais amplo, de contestação aos rumos tomados

pelo desenvolvimento de viés puramente econômico, caracterizado pela adoção

da sustentabilidade como parâmetro para os ideais de desenvolvimento. A partir

de então, ganha destaque os esforços para se empreender o desenvolvimento

sustentável do meio rural.

De acordo com Assis (2006) o desenvolvimento sustentável,

Tem como eixo central a melhoria da qualidade de vida humana dentro dos limites da capacidade de suporte dos ecossistemas e, na sua consecução, as pessoas ao mesmo tempo que são beneficiárias, são instrumentos do processo, sendo seu envolvimento fundamental para o alcance do sucesso desejado (...) Assim, de acordo com o conceito de desenvolvimento sustentável, para que o mesmo seja implementado é necessário visar à harmonia e à racionalidade, não somente entre o homem e a natureza, mas principalmente entre os seres humanos. As pessoas devem ser sujeito no processo de desenvolvimento, o qual deve ser visto não como um fim em si mesmo, mas como meio de se obter, respeitando-se as características étnico-culturais, melhoria da qualidade de

38

vida para diferentes populações, especialmente as mais pobres. (Assis, 2006:81)

Nesse contexto de construção de leituras e propostas alternativas,

conforme afirma Dias (2004a:177), ganha destaque o argumento de que as

estratégias de promoção do desenvolvimento rural deveriam passar pela geração

de tecnologias “mais bem apropriadas às diferenças culturais existentes entre

as sociedades ou grupos populacionais, engendrando meios de produção mais

equilibrados com as suas bases naturais.”

Assim, as propostas de uma agricultura alternativa surgem no Brasil e no

mundo, segundo afirma esse autor,

Contrapondo-se ao uso abusivo de insumos agrícolas industrializados, da dissipação do conhecimento tradicional e da deterioração da base social de produção de alimentos. Para esses movimentos a solução não estava em alternativas parciais, mas no rompimento com a monocultura e o redesenho dos sistemas de produção de forma a minimizar a necessidade de insumos externos à propriedade. Intensificou-se, então, o reconhecimento de modelos agrícolas que considerassem a importância das diferentes interações ecológicas para a produção agrícola. (Assis, 2006:77)

Ainda segundo esse autor, a partir desse momento surgiram várias

correntes visando à atuação nos diferentes sistemas de produção empregados nas

mais diversas condições ambientais. E, apesar de distintas em termos de

denominação e estratégias, tais correntes tinham como base teórica a

Agroecologia.

Segundo Neto (2006) o termo agroecologia é utilizado pela primeira vez

nos anos 30 do século passado como sinônimo de “ecologia aplicada”, numa

aproximação da ecologia à agricultura. No entanto, somente nos anos 60 e 70

houve a expansão da aplicação da ecologia à agricultura, em função da crescente

39

influência de abordagens em nível de sistemas e da ampliação da consciência

ambiental. Assim, “a análise de agroecossistemas permitiu a estruturação, no

início dos anos 80, da ciência agroecológica, dotada de metodologia e de

estrutura básica conceitual apropriadas para o acompanhamento de

agroecossistemas.” (Neto, 2006:114)

È nessa década, com o estudo de Miguel Altieri intitulado

“Agroecologia – As Bases Científicas da Agricultura Alternativa”, segundo

afirmam Dias (2004a) e Neto (2006) dentre outros autores, que a agroecologia se

consolida enquanto referencial teórico dos movimentos de agricultura

alternativa. Com tal estudo e com a articulação e criação do Consórcio Latino-

Americano de Agroecologia (CLADES), Altieri ganha o status de principal

referência do ideário agroecológico.

A agroecologia conforme afirma Assis (2006),

È uma ciência que busca o entendimento do funcionamento de agroecossistemas14 complexos, bem como das diferentes interações presentes nestes, tendo como princípio a conservação e a ampliação da biodiversidade dos sistemas agrícolas como base para produzir auto-regulação e, consequentemente, sustentabilidade. (Assis, 2006:77)

Para Dias (2004a), há por parte da agroecologia a defesa de outro tipo de

relação entre a atividade agrícola e o uso dos recursos naturais diferente daquela

preconizada pela agricultura convencional. Nesse sentido, a perspectiva

agroecológica orienta-se pelos princípios da diversidade, capacidade

regenerativa dos recursos naturais, auto-suficiência dos agricultores e autogestão

organizativa.

14 Citando Gliessman (2000), Assis (2006:77) define agroecossistema como “um local de

produção agrícola – uma propriedade agrícola por exemplo – compreendido como um ecossistema. O conceito de agroecossistema proporciona uma estrutura com a qual podemos analisar os sistemas de produção de alimentos como um todo, incluindo seus conjuntos complexos de insumos e produção e as interconexões que os compõem.”

40

No que diz respeito ao princípio da diversidade, Dias (2004a) argumenta

que,

Ao contrário da ênfase dada pela agricultura moderna às grandes culturas (trigo, soja, arroz, por exemplo) e à sua rentabilidade econômica, traduzida em produtividade, as tecnologias agroecológicas são criadas para favorecer, indistintamente, todos os cultivos, principalmente os que garantem o suprimento de alimentos básicos. Os policultivos, que geralmente combinam variedades genéticas mais rústicas e bastante heterogêneas, são considerados os sistemas de cultivo ideais, contrastando com a ênfase da agricultura moderna às monoculturas geneticamente uniformes, baseadas em sementes geneticamente modificadas. (Dias, 2004a:150)

Atrelado ao princípio da diversidade, está o princípio que se refere à

capacidade regenerativa que as técnicas e métodos de orientação agroecológica

têm sobre os recursos naturais. Ou seja,

Como pouco modificam o seu ambiente, os sistemas orientados pelos preceitos agroecológicos conservam, na medida do possível, a fertilidade natural e por isso tendem a depender de uma menor quantidade de fatores externos para manter sua capacidade de reprodução. Os monocultivos, ao contrário, demandam elevados investimentos tanto para a reposição da fertilidade natural dos ambientes quanto para o controle de insetos e plantas que, reagindo às modificações ambientais promovidas em larga escala, tornam-se ameaças à manutenção da produtividade em patamares elevados. (Dias, 2004a:150)

O princípio da auto-suficiência dos agricultores, segundo Dias (2004a),

tem papel predominante enquanto estratégia de sobrevivência para esses

agricultores, uma vez que, está relacionado à segurança alimentar e ao auto-

suprimento em termos de cultivos, criações e sementes, diminuindo, dessa

forma, a sua dependência aos mercados externos.

41

Por fim, e não menos importante, Dias (2004a), apresenta o princípio da

autogestão organizativa que se refere ao reconhecimento dos agricultores como

os verdadeiros sujeitos nos processos de desenvolvimento rural, e à valorização

dos seus saberes, historicamente construídos e acumulados. Nessa direção

afirma que,

Em sua trajetória, este princípio remete à idéia da valorização do aprendizado com as bases. Assim, as novas formas de organização, métodos e tecnologias não seriam meramente fruto das capacidades trazidas pelos técnicos ou assessores, mas, idealmente, produto da interação de conhecimentos e experiências, mediados por um “novo enfoque” científico, o agroecológico, e por novas abordagens metodológicas, de caráter participativo. (Dias, 2004a:152)

Nessa perspectiva, a viabilidade da agroecologia para os sistemas de

produção familiar reside na sua preocupação com a sustentabilidade desses

sistemas, não só em termos ambientais e de biodiversidade, mas, principalmente,

no que diz respeito à auto-suficiência e autonomia dos mesmos.

No Brasil as propostas de uma agricultura alternativa surgem, conforme

aponta Dias (2004a) em seus estudos, a partir das críticas de movimentos

progressistas ligados às universidades públicas e de ativistas de esquerda, que

questionavam o modelo seletivo e excludente da agricultura moderna. Tais

propostas se desenvolvem e ganham maior visibilidade ao serem adotadas e

implementadas pelas organizações não-governamentais15 de desenvolvimento

rural.

A institucionalidade governamental, nesse período que corresponde à

década de 80 começa a reorientar seus discursos sobre a promoção do

15 Segundo esse autor, as organizações não-governamentais surgidas no contexto de efervescência

política, que marcou a década de 80 e início dos anos 90, são marcadas por um caráter anti-estado, opostas ao modelo de desenvolvimento que a institucionalidade governamental adotava.

42

desenvolvimento rural, motivada pela necessidade de dar respostas às crescentes

demandas e tensões advindas do campo, assim como, responder às exigências

dos organismos internacionais de uma maior responsabilidade ambiental nos

processos de desenvolvimento econômico. No entanto, conforme aponta Dias

(2004a)

A apropriação do pensamento crítico sobre a agricultura moderna e sobre o processo de modernização foi, na institucionalidade governamental, relativizada pela conjuntura de crise econômica e pela conjuntura de crise do próprio Estado. Neste contexto, as alternativas tenderam a ser valoradas instrumentalmente e, quando muito, salvo raras exceções, representaram maquiagens discursivas, de alcance bastante limitado quanto às possibilidades de transformação da agência governamental em prol do desenvolvimento. (Dias, 2004a:107)

É somente a partir da década de 90, marcada por um contexto de

reformas macroeconômicas neoliberais16 e pela crescente afirmação do discurso

sobre a sustentabilidade do desenvolvimento, segundo afirmações de Dias

(2004a), que a institucionalidade governamental passa a adotar um discurso mais

propositivo sobre a questão e reorienta suas estratégias para a implementação de

ações em prol do desenvolvimento rural sustentável. Nesse sentido afirma que,

A agricultura alternativa e a agroecologia, por sua vez, deixaram de ser termos restritos ao campo das ONGs que trabalhavam na perspectiva de gerar processos de desenvolvimento rural. Nas agências governamentais,

16 As reformas macroeconômicas neoliberais, iniciadas no governo Collor e consolidadas no

governo FHC, tinham como pressuposto básico a redução do tamanho, do papel e das ações do estado na execução de políticas públicas e promoção do desenvolvimento e bem-estar social. Nesse contexto, conforme afirma Dias (2004a), em função dos processos de descentralização administrativa e publicização da ação estatal, com a transferência de algumas responsabilidades do estado para os governos estaduais e municipais, assim como, para a sociedade civil, as ONGs, ao mesmo tempo que passam a executar ações estatais, influenciam tais ações com seu ideário de um desenvolvimento mais justo e sustentável em termos econômicos, sociais e ambientais.

43

principalmente nas dedicadas à extensão rural, a idealização das ações era cada vez mais pautadas por termos ambientais e pela necessidade de gerar processos mais participativos outrora tão peculiares (e quase restritos) às ações das ONGs de desenvolvimento. (Dias, 2004a:140)

Para além das alterações no cenário político e econômico, a mudança de

enfoque nas ações de promoção do desenvolvimento do meio rural, segundo

argumenta Wanderley (2000), tem como pano de fundo um crescente processo

de ressignificação desses espaços rurais.

Para essa autora, o rural constitui uma categoria histórica, que se

transforma, portanto, é importante compreender as formas que esse rural assume

em função das transformações sociais. Tradicionalmente,

As relações entre o meio rural e o meio urbano foram vistas, sobretudo, como relações de isolamento ou de oposição, o meio rural é identificado ao “meio natural”, lugar por excelência da agricultura e da vida social camponesa, distinto, portanto, da cidade, considerada como um meio técnico. (Wanderley, 2000: 88)

Apesar dessa visão historicamente construída sobre o rural, as

transformações recentes no meio rural resultantes das mudanças econômicas e

políticas nas formas de funcionamento e regulação da produção agrícola,

atrelado ao intenso processo de diversificação social que o rural vem sofrendo,

conforme afirma Wanderley (2000), tem como conseqüência a perda do caráter

de antagonismo entre o meio rural e o urbano, ou seja, estes espaços passam a

ser vistos em termos de relações de complementaridade. Disso resulta que,

O desenvolvimento dos espaços rurais dependerá não apenas do dinamismo do setor agrícola, porém, cada vez mais, da sua capacidade de atrair outras atividades econômicas e outros interesses sociais e de realizar uma

44

profunda “ressignificação” de suas próprias funções sociais. (Wanderley, 2000:91)

Nessa direção, Schneider (2006) apresenta a argumentação de que não

se pode mais confundir ou restringir o espaço rural às atividades agrícolas

puramente. Isso porque há uma significativa perda de importância da agricultura,

enquanto geradora de emprego e ocupação no meio rural, e crescente presença

de atividades não-agrícolas compondo as estratégias familiares nesses espaços

rurais. Dessa forma, afirma que

Sem desconhecer que a agricultura ocupa um lugar de destaque no espaço rural, cuja importância varia segundo as regiões e os ecossistemas naturais, não se pode, contudo, acreditar que ela própria não tenha sido modificada no período recente. Em contextos internacionais a dinâmica da própria agricultura no espaço rural vem sendo condicionada e determinada por outras atividades, passando a ser cada vez mais percebida como uma das dimensões estabelecidas entre a sociedade e o espaço ou entre o homem e a natureza. Talvez o exemplo emblemático dessa mudança estrutural seja a emergência e expansão das unidades familiares pluriativas.(...) Essa forma de organização do trabalho familiar vem sendo denominada pluriatividade e refere-se a situações sociais, em que os indivíduos que compõem uma família com domicílio rural passam a se dedicar ao exercício de um conjunto variado de atividades econômicas e produtivas, não necessariamente ligadas à agricultura ou ao cultivo da terra, e cada vez menos executadas dentro da unidade de produção. Ao contrário do que se poderia supor, esta não é uma realidade exclusiva do espaço rural de países ricos e desenvolvidos. (Schneider, 2006:17)

Além da concepção que atribui prioridade à destinação produtiva dos

espaços rurais, Wanderley (2000) destaca em seus estudos duas outras

concepções também importantes acerca do que é o rural e dos usos que podem

ser dados aos espaços rurais. A primeira concepção, ao associar o meio rural a

uma melhor qualidade de vida, faz com que esses espaços deixem de ser,

45

prioritariamente, produtivos “para se tornarem espaços de consumo, voltados

em especial para as atividades relacionadas às funções de residência e de lazer,

que vão desde as diversas formas de turismo rural até a ocupação do campo por

meio de residências permanentes ou secundárias.” (Wanderley, 2000:93). A

segunda concepção, por sua vez, se refere aos espaços rurais com um bem

coletivo, integrante do patrimônio ambiental a ser preservado contra todas as

formas predatórias sejam elas produtivas ou não. Nessa concepção, “não é mais

apenas a natureza, suporte da atividade agrícola, mas uma natureza

pluridimensional, onde os elementos água, ar, terra... retomam importância,

tanto quanto a noção de ecossistema.” (Wanderley, 2000:93)

Ainda segundo essa autora, a perda da vitalidade e importância de parte

das áreas tradicionalmente rurais, assim como, os novos significados atribuídos

aos espaços rurais provocou uma reorientação nos discursos e políticas voltadas

para o meio rural, que deixa de ter o foco voltado para a regulação setorial e

passa a adotar uma abordagem territorial do desenvolvimento rural.

Nessa perspectiva, a idéia de “território” ganha proeminência enquanto

sustentáculo para as ações de desenvolvimento rural, e constitui “um espaço

delimitado, cujos contornos são recortados por um certo grau de

homogeneidade e de integração no que se refere, tanto aos aspectos físicos e às

atividades econômicas, quanto à dimensão sociocultural da população local.”

(Wanderley, 2000:102)

Ao analisar as teorizações de Abramovay (2000) sobre a abordagem

territorial do desenvolvimento, não se evidencia discordâncias quanto à

argumentação exposta acima. Há, contudo, nas suas teorizações, uma ênfase

maior no que se refere às relações/redes construídas pelo tecido social de uma

localidade como elemento imprescindível para o entendimento do

desenvolvimento na perspectiva territorial. Assim, conforme argumenta,

46

A idéia central é que o território, mais que simples base física para as relações entre os indivíduos e empresas, possui um tecido social, uma organização complexa feita por laços que vão muito além de seus atributos naturais e dos custos de transportes e comunicações. Um território representa uma trama de relações com raízes históricas, configurações políticas e identidades que desempenham um papel ainda pouco conhecido no próprio desenvolvimento econômico. (Abramovay, 2000: 304) 17

Segundo Favareto (2007) essa configuração do território, além dos

aspectos geográficos de localização, marcada por interfaces com os diversos

ramos do conhecimento como a antropologia, a sociologia, economia e política,

permitiram que o mesmo fosse assumido como categoria imprescindível no

estabelecimento de estratégias visando o desenvolvimento rural.

A adoção do enfoque territorial às políticas de desenvolvimento rural dá-

se, na década de 90, a partir das orientações e debates dos diversos organismos

internacionais de apoio e cooperação ao desenvolvimento. Nesse sentido,

Favareto (2007) afirma

Desde os anos noventa há uma série de programas de pesquisa e iniciativas de políticas como a criação da divisão territorial da OCDE em 1994. E em 1996 o Banco Mundial publica seu relatório “A nova visão do desenvolvimento rural”, onde a marca é justamente uma tentativa de dar conta das mudanças porque havia passado o rural nas décadas anteriores e a necessidade que elas traziam em se passar de um enfoque setorial a um outro de caráter territorial, e, também, em si erigir um novo modelo institucional em torno destas políticas. Desde então foram vários os documentos nas diferentes agências multilaterais

17 Dessa perspectiva teórica depreende-se a importância que o conceito de capital social adquire

nas estratégias de desenvolvimento rural. Isso porque o mesmo constitui “um conjunto de relações (pessoais, sociais, institucionais) que podem ser mobilizados pelas pessoas, organizações e movimentos visando a um determinado fim, o capital social tem em sua raiz processos que são, a um só tempo, baseados e geradores de confiança, reciprocidade e cooperação.” (Brasil, 2005:9) Assim, as estratégias de desenvolvimento territorial devem envolver e priorizar o fortalecimento desse capital social.

47

visando precisar o que seria esta “nova visão”. (Favareto, 2007: 146, grifo do autor)

Essa nova abordagem do desenvolvimento rural, segundo aponta

Wanderley (2000), tem como pressuposto

O reconhecimento político da necessidade de integração aos processos gerais do desenvolvimento nacional e macrorregional, dos espaços e das populações, marginalizados ou excluídos, por meio da valorização dos recursos naturais, sociais e culturais de cada território, sejam eles ou não associados às atividades agrícolas. Seus objetivos são definidos em torno de três princípios “aproveitar as oportunidades econômicas, assegurar o bem-estar das populações rurais e salvaguardar o patrimônio sociocultural das regiões rurais. (Wanderley, 2000:101)

Portanto, essa abordagem trata de uma visão integradora entre os

espaços, atores sociais, mercados e políticas públicas que permeiam o meio

rural, visando o seu desenvolvimento em termos mais justos, equânimes,

economicamente e ambientalmente sustentáveis.

Contudo, apesar dos avanços propiciados em termos de reorientação dos

discursos e políticas, a adoção de tal perspectiva de desenvolvimento, segundo

Favareto (2007), não resultou numa mudança de atuação dentro das instituições

governamentais, tampouco, na criação de novas instituições, capazes de

sustentar e fortalecer essa nova visão.

Ao contrário, o que parece estar ocorrendo é uma incorporação “por adição” dos novos temas onde, sob nova roupagem, velhos valores e práticas continuam a dar os parâmetros para a atuação dos agentes sociais, coletivos e individuais, estabelecendo aquilo que a literatura em economia institucional chama por dependência de percurso. (Favareto, 2007:141)

48

Exemplificando tal dilema, o autor apresenta a realidade dos principais

aparatos governamentais do país diretamente ligados ao meio rural, que ainda

têm a atuação marcada por uma lógica setorial. Assim, afirma que

Os Ministérios da Agricultura e do Desenvolvimento Agrário, aqueles mais diretamente reportados ao espaço rural, têm como seus principais programas, iniciativas de caráter eminentemente setorial, respectivamente as políticas para o agronegócio e para a agricultura familiar. (...) E a confusão aumenta quando se olha para o interior do Ministério do Desenvolvimento Agrário, que tem por missão a promoção do desenvolvimento rural: estudos apontavam desde o início da existência do PRONAF o crescente distanciamento entre as ações de investimento nos territórios, através da vertente infra-estrutura, e as ações de crédito e investimento setoriais, na agricultura. Com a criação da Secretaria de Desenvolvimento Territorial em 2003 e, mais recentemente, com o desmembramento da linha infra-estrutura do PRONAF, dando origem ao PRONAT, este distanciamento só cresceu: não há nenhuma forma de colaboração e de complementaridade entre os diferentes programas, prevista no atual planejamento das secretarias que compõem o Ministério e que são por eles responsáveis. (Favareto, 2007:161)

Com tal argumento esse autor não pretende negar a viabilidade da

adoção e implementação dessa abordagem territorial dentro dos aparatos

institucionais do país, ao contrário, pretende chamar a atenção para a

necessidade de mudanças institucionais, a médio e longo prazo, via aprendizados

e recursos para esse fim, de forma que estas instituições deixem de constituir

entreves ou limites para operacionalização dessa visão de desenvolvimento rural.

Por fim, o autor afirma que a emergência dessa nova abordagem e a

nova visão do rural subjacente á mesma, “trouxeram consigo uma erosão das

bases empíricas que estavam na raiz do paradigma clássico de explicação do

desenvolvimento rural, em cujo cerne estava a sua redução a aspectos agrícolas

e agrários, ou em outros termos, à sua dimensão setorial.” (Favareto, 2007:196)

49

A exposição, no decorrer do texto, acerca das distintas perspectivas

norteadoras das estratégias de promoção do desenvolvimento do meio rural nos

leva a concluir que subjacente as mesmas estão dois paradigmas centrais sobre

as idéias de desenvolvimento. Um fortemente marcado pelo viés economicista;

e, o outro, que adota uma perspectiva mais abrangente do desenvolvimento, que

envolve as suas múltiplas dimensões.

Independente do paradigma de explicação, o desenvolvimento é

concebido como um processo que requer um conjunto de deliberações e ações,

ordenadas e sistematizadas, de modo a viabilizar a sua concretização. Nessa

perspectiva, conforme afirma Sposatti (1980), o planejamento constitui o

instrumento, por excelência, do processo de desenvolvimento.

Com base nessa compreensão, abordaremos no capítulo seguinte as

concepções acerca desse instrumento, assim como, a metodologia de

planejamento adotado para o desenvolvimento dos assentamentos de reforma

agrária do país.

50

3 O PLANEJAMENTO COMO INSTRUMENTO PARA O

DESENVOLVIMENTO DO MEIO RURAL

3.1 Considerações sobre o processo de planejamento

O ato de planejar é algo que faz parte do dia-a-dia dos homens desde

épocas bastante remotas. No início dos tempos, planejar estava associado à

necessidade intrínseca dos homens de buscar, através do ordenamento lógico de

suas ações, alternativas aos problemas que desafiavam a sua sobrevivência e,

conseqüentemente, ameaçavam seu futuro.

Conforme afirma Sposatti (1980), esse momento é marcado por uma

concepção antropomórfica associada à idéia de planejamento, segundo a qual a

previsão do futuro e a preocupação com a sua ordenação eficaz dependem da

ação humana e não da predestinação divina. Ou seja, o planejamento como um

processo racional inerente à condição humana. É com esse sentido que Baptista

(2003) afirma

A dimensão de racionalidade do planejamento está fincada em uma logicidade que norteia naturalmente as ações das pessoas, levando-as a planejar mesmo sem se aperceberem de que o estão fazendo. Decorre do uso da inteligência num processo de racionalização dialética da ação. (Baptista, 2003:14)

Com o decorrer do tempo e a complexidade cada vez maior da realidade

social, o planejamento assume importância crescente como instrumento de

mudança social e de racionalização da atividade humana na busca de soluções

para seus múltiplos e complexos problemas.

Porém, segundo assinala Sposatti (1980) em seu estudo sobre a

Evolução Histórica do Planejamento, é a partir dos questionamentos levantados

pelos teóricos das ciências política e econômica acerca da necessidade de

51

intervenção sobre os aspectos econômicos, que o planejamento ganha o status de

instrumento de política econômica do estado.

Seguindo essa perspectiva, Lafer (1997) ao analisar a realidade dos

países capitalistas afirma que,

A idéia de planejamento surgiu da necessidade premente de atingir certos objetivos econômicos e sociais. Tornou-se claro que o simples jogo das forças de mercado, com pequena intervenção do estado, era incapaz de levar aos resultados desejados pela sociedade. Assim, a estabilidade do sistema econômico, com crises cíclicas na atividade e desemprego periódico em grau assustador, a nova ênfase no desenvolvimento econômico e luta contra a miséria, e a mobilização das economias para a guerra, levaram à elaboração de modelos racionais de política econômica, que permitissem dominar as forças econômicas em direção à alocação ótima dos recursos. Surgiram instrumentos novos de análise econômica, como modelos econométricos, técnica de matriz de input – output, etc., que procuravam prever e atuar sobre a realidade. Tinha sido definitivamente perdida a crença no automatismo de mercado e abandonada a teoria do laissez-faire nas decisões econômicas. (Lafer, 1997:12)

É no bojo desse contexto pós-liberal capitalista que o estado assume a

função de agente planificador. Na visão de Sposatti (1980) e Lafer (1997), esse

papel é atribuído ao estado visto o seu reconhecimento enquanto instituição

dotada de recursos e capacidade técnica e política, imprescindíveis à correção

das distorções existentes em prol da promoção do desenvolvimento e, mais

especificamente, do desenvolvimento econômico.

A partir de então, o planejamento configura-se como a ferramenta

indispensável ao estado nos seus esforços para atingir a meta do

desenvolvimento. Segundo Sposatti (1980), essa visão acerca do planejamento

resulta de uma concepção na qual o processo de desenvolvimento, pela

multiplicidade de fatores que o envolve e pelo custo social que carrega consigo,

não ocorrer de forma espontânea, mas a partir da adoção de medidas

52

sistemáticas que racionalizem as ações de modo a propiciar o maior benefício

possível.

A valorização do planejamento enquanto instrumento para concretização

das metas governamentais, resultou em todo um movimento da

institucionalidade pública em promover o aprimoramento e avanço tecnológico

dos elementos técnico-operativos constitutivos do processo de planejamento.

Nessa direção, segundo aponta Sposatti (1980), houve a

institucionalização setorizada do planejamento, isto é, o seu desmembramento

na estrutura administrativa governamental conforme suas fases metodológicas –

pesquisa, programação, execução, controle e avaliação. E, apesar dos avanços

propiciados18, essa institucionalização setorizada implicou no retalhamento da

realidade objeto de intervenção, impossibilitando a análise da mesma em sua

globalidade e alternativa histórica. Gerando, por sua vez, um elenco de planos,

programas e projetos que se limitam a aspectos circunstanciais da realidade e,

conseqüentemente, mostram-se inoperantes em termos de sua implementação e

execução.

A compreensão do planejamento a partir de uma visão

instrumental/funcional, preocupada essencialmente com os aspectos técnico-

operativos, fez com que o mesmo perdesse sua característica de processo

dinâmico e permanente e se tornasse “um fim em si mesmo”. Nessa perspectiva,

Delevati (2001) citando Souto-Maior (sd) afirma que

O que aconteceu em todo mundo, mas sobretudo no “terceiro mundo”, foi que o planejamento governamental tornou-se um fim em si mesmo. Isto é, passou a ser uma atividade de tecnocratas, cuja preocupação maior era em muitos países, e ainda é, produzir documentos volumosos, cheios de tabelas, gráficos e mapas, que logo preenchem as

18 Segundo essa autora, os avanços foram em termos de uma maior qualidade técnica nos estudos de situações, diagnósticos e estudos prognoses.

53

prateleiras das estantes governamentais, mas cujo índice de realização de metas é baixíssimo. (Delevati, 2001:92)

Seguindo a mesma linha de argumentação, em seus estudos Ferreira

(1979), apresenta críticas a ênfase exacerbada que é dada aos aspectos técnico-

operativos do planejamento, ou seja, questiona a grande importância atribuída ao

ato de planejar enquanto “método” puro e simples, em detrimento de outras

dimensões que o envolvem.

Como decorrência dessa exaltação do método há uma verdadeira

separação entre pensar e o agir, propriamente dito, resultando numa divisão de

trabalho entre os que planejam a ação e os que a executam. Tal divisão, segundo

Ferreira (1979), repercute negativamente no processo de planejamento da

realidade, visto que

Se você divide assim o trabalho você acaba impedindo os que agem de pensar no que fazem, e desvinculando os que pensam dos resultados da ação... Se quem está agindo não precisa se preocupar em pensar a ação, se reduz bastante a possibilidade de descobrir erros antes que seja tarde demais. E o que é pior, se o planejador se desvincula dos resultados da ação, cai por terra toda àquela história de que a gente planeja quando quer efetivamente chegar a certos resultados (...). (Ferreira, 1979:21)

Ainda segundo esse autor, é a partir dessa maneira de conceber o

planejamento que ganha destaque a figura dos “planejadores profissionais”, que

são, na verdade, especialistas em métodos de planejamento, e fazem disso o seu

meio de vida.

A crítica a esse tipo de profissional reside, justamente, na sua

preocupação com o rigor técnico e científico do método, atribuindo, quase

sempre, pouco ou nenhuma importância aos resultados e repercussão das ações

54

propostas para o público beneficiário do planejamento. Nessa perspectiva,

Ferreira (1979) afirma que tais profissionais,

Se especializaram na agradável e leve tarefa de pensar, enquanto outros se especializaram no duro afã de produzir todas essas coisas materiais de que necessita para sobreviver. Com o que ganham pensando, eles compram tudo que precisam do resultado do trabalho desses outros, que plantam batatas de cócoras ou executam fielmente os planos que eles fizeram. E se são do time dos bons empulhadores, eles percebem que dá para sobreviver galhardamente assim, tanto mais galhardamente quanto mais bonitos os planos e maior o empulhe. No fundo para eles pouco importa a ação propriamente dita (...). O que se torna necessário é produzir idéias cada vez mais sedutoras. (Ferreira, 1979:23)

Diante do exposto, não se pretende negar a utilidade do método no

processo de planejamento, mas relativizar a sua importância, tendo em vista que

o planejamento apresenta uma natureza bastante complexa que vai além das

questões técnico-operativas.

Baptista (2003) exprime essa complexidade do planejamento ao defini-

lo como

(...) processo permanente e metódico de abordagem racional e científica das questões que se colocam no mundo social. Enquanto processo permanente supõe ação contínua sobre um conjunto dinâmico de situações em um determinado momento histórico. Como processo metódico de abordagem racional e científica, supõe uma sequência de atos decisórios ordenados em momentos definidos e baseados em conhecimentos teóricos, científicos e técnicos. (Baptista, 2003:13)

Ferreira (1979), por sua vez, também reconhece a utilidade do método

no planejamento, no entanto, afirma ser o conhecimento da realidade, em sua

complexidade, o elemento essencial ao processo de planejamento. Para ele,

55

Não há dúvida que o método é útil. Mas não é o mais importante. Quando se quer efetivamente realizar determinados objetivos, políticas, etc., e na própria execução de planos, o mais importante é o maior ou menor conhecimento que se tenha daquele aspecto da realidade em que se está agindo e da sua inserção no conjunto. (...) Não tenho dúvidas de que é por não se considerar bem a realidade, e toda a realidade, como ela é que muitos planos bem intencionados ficam no papel. (Ferreira, 1979:144)

Enquanto esforço humano na busca por modificações na sociedade

visando o desenvolvimento da coletividade, o planejamento constitui, segundo

Baptista (2003), um processo dinâmico composto não só pelos aspectos técnicos

e operativos, amplamente enfatizados pela institucionalidade governamental,

mas, sobretudo, pelas dimensões lógico-racional e política, que se inter-

relacionam e dão suporte às ações técnico-operativas. Para a autora, a dimensão

racional do planejamento diz respeito, basicamente, à capacidade natural dos

homens de pensar e agir dentro de uma sistemática própria, levando em

consideração o conhecimento das situações, os seus limites e possibilidades.

Ferreira (1979) afirma que o planejamento enquanto processo racional

envolve, de forma contínua e interligada, as seguintes operações: reflexão, que

se refere ao conhecimento, análise e estudo das situações e alternativas para as

mesmas, assim como, a reconstrução de conceitos e técnicas para explicação dos

fatos sociais; decisão, que diz respeito à escolha de alternativas e meios para

viabilizar os objetivos pretendidos; ação, por sua vez, corresponde à execução,

propriamente dita, das decisões tomadas; e, por fim, a retomada da reflexão, que

corresponde à crítica dos processos e efeitos da ação planejada, de forma a

subsidiar o planejamento de ações posteriores.

A importância de considerar a dimensão política do planejamento, para

Baptista (2003), decorre do fato deste ser um processo constante de tomada de

decisões, influenciado pelas tensões e pressões inscritas nas relações de poder

56

existentes entre os diversos atores sociais que participam desse processo. Nesse

sentido, afirma que

Hoje, tem-se a clareza de que, para que o planejamento se efetive na direção desejada, é fundamental que, além do conteúdo tradicional de leitura da realidade para o planejamento da ação, sejam aliados à apreensão das condições objetivas o conhecimento e a captura das condições subjetivas do ambiente em que ela ocorre: o jogo de vontades políticas dos diferentes grupos envolvidos, a correlação de forças, a articulação desses grupos, as alianças ou as incompatibilidades existentes entre os diversos segmentos. Esse conhecimento irá possibilitar, além da visualização de propostas com índices mais altos de viabilidade, a percepção e o manejo das dificuldades e das potencialidades para estabelecimento de parcerias, de acordos, de compromissos, de responsabilidades compartilhadas. (Baptista, 2003:17)

Ainda segundo a autora, a essa dimensão política do planejamento

correspondem os momentos de equacionamento, decisão, operacionalização e

ação. O equacionamento diz respeito àquelas informações encaminhas pelos

técnicos as instâncias superiores e que são significativas para a tomada de

decisões. O momento de decisão envolve as escolhas que deverão ser tomadas

no decorrer do processo de planejamento. A operacionalização refere-se ao

detalhamento das ações e atividades que irão contribuir para a efetivação das

decisões adotadas. A ação, por sua vez, corresponde àquelas providências que

tornarão realidade o que foi planejado.

É a partir do reconhecimento da dimensão político-decisória como

constituinte do processo de planejamento que a participação da população ganha

importância nesse processo. Ou seja, é com o privilegiamento dessa dimensão

que a população passa a ser vista como sujeito político no processo decisório, e

não mais com mera demandatária das ações de planejamento. Nessa direção,

Baptista (2003) aponta que

57

(...) estas forças de pressão – os grupos organizados e os movimentos populares – são elementos importantes no jogo do poder, por propiciarem condições tanto de conquista quanto de aprofundamento de espaços nas políticas sociais, o que torna evidente a importância e a oportunidade da ação do profissional de planejamento junto a esses grupos. (...) esse é um movimento no sentido da socialização da política e da incorporação permanente de novos sujeitos, com a criação de bases para multiplicação dos mecanismos de participação direta no processo decisório, no qual indivíduos e grupos ganham autonomia e representatividade desligados da tutela do estado. (Baptista, 2003:22)

Em seus estudos sobre participação social, Bordenave (1987) apresenta

o argumento de que existem duas questões-chave que precisam ser levadas em

consideração ao se analisar a participação de um grupo ou organização, são elas:

o grau de controle dos membros sobre as decisões e o grau de importância

dessas decisões. No que se refere ao controle, o autor afirma que o grupo ou

organização pode alcançar níveis diferentes de participação a depender do menor

ou maior acesso ao controle das decisões pelos seus membros. Com relação ao

grau de importância das decisões, por sua vez, afirma que os grupos ou

organizações podem ter acesso a formulação de decisões em nível do mais alto –

decisões de muita importância, ao mais baixo – aquelas decisões não tão

importantes assim. E, é a interação entre esses graus e níveis que irá determinar

se a participação do grupo ou organização se dá de forma ativa ou passiva19.

Aguiar (1982), por sua vez, destaca a preocupação em não se adotar uma

visão restritiva da participação, na qual o envolvimento da população e dos

grupos em nada altera/modifica as estruturas de decisões, acarretando, em última

instância, decisões sobre questões substanciais para a vida dos mesmos. Nessa

perspectiva,

19 Nesse contexto a participação é entendida como “fazer parte de algo”, “tornar-se” e “tomar parte

de algo”. (Bordenave, 1987)

58

A participação só existe quando a população toma parte na produção, na gestão e no usufruto dos bens de uma sociedade historicamente determinada. De outro lado, se a população apenas produz e não usufrui dessa produção ou se ela produz e usufrui, mas não toma parte na gestão, não se pode afirmar que ela participe verdadeiramente. (Aguiar, 1982:137)

Assim, no decorrer do processo de planejamento, a participação deve

configurar como o elemento primordial a permear a tomada de decisões em prol

de mudanças na realidade objeto de intervenção.

Com base nessa compreensão, Alencar (2001) aponta que muitos

projetos não obtêm sucesso porque não reconhecem a importância da

participação social no processo de tomada de decisões. Nesse sentido afirma,

As falhas nos projetos de desenvolvimento não estão no “fator humano em si”. Elas residem no fato de se atribuir um papel passivo aos indivíduos, os quais são percebidos mais como “consumidores de conhecimento” do que “produtores de conhecimento”. (Alencar, 2001:20)

Ainda no que se refere ao processo de tomada de decisões no

planejamento, é importante destacar a sua não-neutralidade, o que significa que

o mesmo reflete e/ou é influenciado pelas visões de mundo e as diversas

concepções em disputa na sociedade. Corroborando com tal assertiva, Delevati

(2001:96) aponta que “a visão de mundo do agente externo e de sua

organização certamente estarão presentes, confrontando ou não com a visão, as

aspirações ou os interesses do grupo alvo de suas ações.”

Segundo Baptista (2003), assumida a decisão política de planejar, o

processo lógico-racional de reflexão-decisão-ação-reflexão, que caracteriza o

planejamento, se consubstancia na dimensão técnico-operativa com as seguintes

fases metodológicas: construção/reconstrução do objeto; estudo/diagnóstico da

situação; definição de objetivos para a ação; formulação e escolha de

59

alternativas; montagem de planos, programas e/ou projetos; implementação;

implantação e execução; controle da execução; avaliação do processo; e,

retomada do processo em um novo patamar.

A construção/reconstrução do objeto corresponde à fase na qual se

apreende as diferentes dimensões do segmento da realidade em que se pretende

atuar, a partir de sua problematização e das questões que a determinam. Segundo

Baptista (2003),

São referências para esse movimento: a área de interesse (demanda), suas determinações e a dinâmica de sua conjuntura; o âmbito da reconstrução, seus limites e possibilidades; a visão de mundo e os estereótipos das pessoas que ocupam posições no sistema de relações sociais ligados à área de interesse; e o conhecimento acumulado e em processo sobre a questão. (Baptista, 2003:32)

O estudo/diagnóstico da situação consiste, basicamente, na

caracterização da situação tomada como problema para o planejamento,

compreendendo a sua descrição, compreensão e explicação e a identificação dos

seus limites e possibilidades. O processo de elaboração do estudo/diagnóstico

envolve o levantamento de hipóteses preliminares de explicação da situação; a

construção de referenciais teórico-práticos, que refletem os valores e padrões

normativos assumidos pelos atores envolvidos no processo de planejamento; a

coleta de dados, que consiste num conjunto dinâmico de informações referentes

à situação, a instituição demandatária da ação, as políticas públicas, legislação e

redes de apoio existentes, dentre outros; e, por fim, a organização e análise dos

dados com base nos referenciais teóricos construídos. Dessa forma, “o estudo da

situação consiste na reflexão, na compreensão, na explicação e na expressão de

juízos ante os dados da realidade apreendidos, em relação a seu conjunto e a

determinados aspectos especiais.” (Baptista, 2003: 43)

60

O conhecimento da situação e dos seus diversos aspectos que requerem

intervenção, atrelado á limitação dos recursos disponíveis, segundo Baptista

(2003), resulta na necessidade de eleger/identificar dentre os problemas

existentes aqueles que serão prioridade de intervenção. Para tanto, indica a

adoção dos critérios de relevância e de viabilidade, como meio racional e

objetivo de identificação/eleição dessas prioridades. Com relação ao critério de

relevância, afirma que o mesmo

É aplicado tendo em perspectiva perceber o quão significativo será o impacto da ação – realizada sobre um determinado aspecto da questão – sobre a problemática em seu conjunto. Procura detectar a importância estratégica de cada variável em relação ao problema, localizando causas determinantes, interação mútua de fatores, suas conseqüências e os processos emergentes. (Baptista, 2003:74)

Em termos de viabilidade, o objeto do planejamento, segundo autora,

deveria ser definido e delimitado sob a perspectiva institucional, política,

administrativa e técnica, tendo como referência os seguintes aspectos: o âmbito

institucional com suas funções e responsabilidades; as possibilidades concretas

de intervenção em termos financeiros, de pessoal, de conhecimentos, técnicas e

de prazos; compatibilidade com a situação social, econômica e política vigente;

oportunidade política para agir sobre a causa identificada; além da possibilidade

de aceitação por parte da população envolvida no processo de planejamento.

Somente após a identificação das prioridades de intervenção, pode-se

partir para a fase de definição de objetivos e estabelecimento de metas no

planejamento. Com relação a esse momento de tomada de decisões no

planejamento, Baptista (2003) afirma,

No momento de definição dos objetivos demarca-se o estado de coisas que se pretende atingir com a ação planejada,

61

nesse sentido, a sua delimitação e clareza são fundamentais para o projeto. Essa definição se faz à luz do conhecimento acumulado nas aproximações anteriores, relacionadas à situação e suas tendências, seus valores, implicações e possibilidades. (...) Ainda nesse âmbito, os objetivos e as metas devem ser estabelecidos em coerência com as políticas, diretrizes e objetivos dos demais níveis decisórios aos quais a ação planejada se subordina.” (Baptista, 2003:81)

A formulação e escolha de alternativas consistem no momento

metodológico em que são construídas as propostas de ação visando o alcance

dos objetivos definidos. Para Baptista (2003) a escolha de alternativas perpassa

pela análise das conseqüências da ação, ou seja, pela análise da probabilidade de

que a ação resulte na obtenção dos objetivos pretendidos; análise da economia

da ação, que se refere à viabilidade financeira das alternativas formuladas;

análise das operações, que envolve o estudo da viabilidade técnica das

alternativas, considerando a sua eficiência interna e externa; e, por fim, a análise

do rendimento político, ou seja, análise da legalidade e legitimidade política das

referidas alternativas e as conseqüências políticas da ação para as instâncias

decisórias, para a equipe executora e, principalmente, para a população que

sofrerá os seus resultados.

A sistematização do processo de tomada de decisões e definição de

objetivos e estratégias de ação corresponde ao momento metodológico de

planificação. A materialização desse momento resulta na elaboração de

documentos que podem se caracterizar como planos, programas ou projetos.

Quanto à caracterização desses documentos, Baptista (2003) afirma que,

Em geral, quando o documento se refere a propostas relacionadas à estrutura organizacional por inteiro, consubstancia um plano; quando se dedica a um setor, a uma área ou a uma região, caracteriza-se como um programa; e, quando se detém no detalhamento de alternativas singulares de intervenção, é propriamente um

62

projeto. O que significa que, quanto maior o âmbito e menor o detalhe referido, mais o documento se caracteriza como um plano; quanto menor o âmbito e maior o grau de detalhamento, mais ele terá características de projeto. (Baptista, 2003:98)

Conforme os estudos dessa autora, a implementação constitui a fase

através da qual se busca a preparação da instituição, da equipe e da população

envolvida para a realização da intervenção planejada. Para tanto, envolve a

viabilização de recursos físicos, financeiros, humanos e institucionais

indispensáveis à execução das ações. A implantação e execução, por sua vez,

correspondem o momento em que se dá a instalação e o início do

empreendimento. Com a execução, propriamente dita, acontecem as fases de

controle/monitoramento das ações, avaliação do processo e retomada do

processo de planejamento.

O controle/monitoramento é definido por Baptista (2003) como,

A fase em que se processam o acompanhamento sistemático, a mensuração e o registro das atividades executadas, dos recursos utilizados, do tempo dispendido em cada fase, dos resultados esperados. Nesse acompanhamento, a ação programada é mensurada em termos de seu processo, de seus meios e de seu produto. (Baptista, 2003:109)

63

Ainda segundo a autora, a avaliação corresponde à fase na qual as

decisões, a execução, desempenho e resultados da ação são examinados a partir

de critérios determinados20 visando à formulação de juízos, na busca de

assegurar a adequação do planejado e do executado à intencionalidade do

planejamento. Assim,

Na medida em que permite detectar desvios, erros, bloqueios, os quais se interpõem a uma resposta significativa, que a avaliação desvela caminhos que se abrem para a superação não apenas da ação, mas também do seu planejamento. Desta maneira, subsidia as decisões relacionadas com o prosseguimento, retração, expansão e/ou reformulação do empreendimento. (Baptista, 2003:115)

Por fim, a fase de retomada do processo de planejamento se traduz no

delineamento de novas políticas, propostas de intervenção e estratégias de ação,

ou seja, no reinício do processo de planejamento em um novo patamar. Nessa

direção, segundo aponta Baptista (2003),

É preciso confrontar as informações da conjuntura com a avaliação da intervenção – sua situação, sua capacidade, etc. – para, então, definir seus pontos fortes e pontos fracos: o que vai permitir a tomada de decisões sobre os desafios a serem enfrentados na retomada do processo e os caminhos para superação dos limites aos objetivos a que a ação se propõe. (Baptista, 2003:122)

20 Os critérios, usualmente, adotados na avaliação do processo de planejamento são a eficiência, a

eficácia e a efetividade. Em seus estudos acerca da Avaliação de Projetos Sociais, Carvalho (1999), define a eficiência como a análise da relação entre os custos do planejamento e os benefícios/resultados introduzidos pelo mesmo. Tal relação caracteriza-se por ser inversamente proporcional, ou seja, quanto menor for o custo e maior os benefícios resultantes do planejamento maior será a sua eficiência. A eficácia, segundo a autora, refere-se à análise da relação entre os meios e os fins num planejamento, isto é, diz respeito à análise da adequação das ações para alcance dos objetivos e metas propostas e os resultados alcançados. A efetividade, por sua vez, é definida pela autora como sendo a análise das mudanças/impactos na vida do público beneficiário que o planejamento foi capaz de produzir. Essa análise se dá através do estudo dos efeitos da ação sobre a situação objeto do planejamento.

64

Encontramos nas análises de Ferreira (1997), uma classificação bastante

simplificada acerca dessas fases metodológicas constitutivas da dimensão

técnico-operativa do planejamento. Em sua classificação, o planejamento é

constituído de três fases: a preparação do plano, acompanhamento da ação e

revisão crítica dos resultados. A definição de cada uma dessas fases é

apresentada pelo autor com a seguinte argumentação:

A fase de preparação do plano é a fase em que se estuda, pesquisa e analisa tudo que se tem que levar em conta para poder tomar as ditas decisões. Na segunda fase o que se faz é verificar, com a ação em curso, se cada uma dessas decisões foram acertadas ou erradas, e o que é preciso mudar. E na terceira fase se analisa cada decisão tomada ou corrigida para ver se no final das contas era o que tinha que ser decidido mesmo, e porque deu certo ou não deu certo. (Ferreira, 1997:59)

Apesar das diferenças, as abordagens de Baptista (2003) e Ferreira

(1979) quanto à classificação das fases metodológicas do planejamento guardam

similaridades entre si. Em ambas, tais fases constituem processos de

aproximações aos aspectos da realidade definidos como objeto de intervenção.

Além disso, argumentam que essas fases, apesar de serem apresentadas seguindo

a sua sequência lógica e contínua, nem sempre se constituem como processos

ordenados, isto é, na prática, tais fases podem se realizar concomitantemente,

interagindo de maneira dinâmica.

Por fim, é importante ressaltar que, apesar da institucionalização do

planejamento em fases metodológicas, estas devem ser vistas como pertencentes

a um único processo inserido num contexto mais amplo, que envolve uma

realidade bastante complexa. E, ao desconsiderar tal fato, corre-se o risco de

termos, conforme aponta Sposati (1980),

65

Um elenco de planos e diagnósticos onde a perspectiva é a demonstração das ocorrências de fenômenos e seus agravantes e, não de ação sobre os mesmos. Constituem-se os planos em cortes no processo histórico e, se não atentar para este aspecto, eles se limitarão ou vêm se limitando na maioria, a aspectos circunstanciais, quer do próprio processo de planejamento, gerando grandes entraves para a ação e, conforme já dissemos, a incompatibilidade entre o programado e o realizado. (Sposati, 1980:20)

Para além dessa constatação, a natureza complexa do planejamento e

dos processos que o constituem, reafirmam a sua importância enquanto

instrumento para viabilização dos processos de desenvolvimento.

3.2 Planejamento nos assentamentos de reforma agrária: considerações

sobre o Plano de Desenvolvimento de Assentamento (PDA)

Nas últimas décadas, o aparato governamental vem implementando

propostas de programas e políticas públicas visando o desenvolvimento dos

assentamentos rurais resultantes da política de Reforma Agrária21. Há, portanto,

nas intenções governamentais uma perceptível mudança no que diz respeito ao

foco de sua intervenção, que deixa de ser voltada, estritamente, à desapropriação

de terras e assentamento imediato de trabalhadores rurais e passa a envolver a

preocupação com a viabilidade econômica, social e ambiental dos

assentamentos, isto é, o seu desenvolvimento.

21 Em seus estudos sobre a questão agrária, Fernandes (2001) afirma a existência, quase massiva,

dos assentamentos rurais como resultante da resistência e luta dos trabalhadores rurais pelo acesso a terra, e não como fruto da “política de assentamentos” (grifo nosso) que, equivocadamente, alguns pesquisadores e políticos denominam de política de Reforma Agrária. Ainda segundo o autor, essa política de assentamentos surge como resposta às ocupações dos latifúndios empreendidas pelos trabalhadores rurais, que pela inexistência da Reforma Agrária, vêem nesse tipo de ação a principal forma de acesso a terra.

66

Como pano de fundo dessa mudança tem-se, segundo aponta Dias

(2004b), um contexto político que indica a valorização da agricultura familiar22 e

a necessidade premente de torná-la econômica e socialmente integrada ao

mercado. Partindo de um entendimento distinto, Fernandes (2001) atribui aos

conflitos e as lutas desencadeadas pelos trabalhadores rurais o papel

determinante dessa mudança. Nesses termos afirma que,

De fato, durante algum tempo, no governo, acreditava-se que assentando as famílias acampadas, o problema dos sem-terra estaria resolvido. Que as famílias que pleiteiam terra são somente as que estão acampadas. E que, afinal, não existiria tanto sem-terra. Todavia, o problema não se resolvia, mas se multiplicava. E isso acontece pelo fato de o assentamento não ser o fim da luta, mas sim o território de início de novas lutas, e porque pelas experiências históricas e consciência política os sem-terra sabem que só colherão o que plantarem. (Fernandes, 2001:42)

Mediante as elaborações desses autores, cabe ressaltar que as duas

abordagens apresentam elementos importantes para a compreensão da mudança

de estratégia empreendida pelo governo. Tais mudanças, na verdade, resulta de

uma conjuntura marcada, ao mesmo tempo, pela efervescência social e política

quanto pelas determinações econômicas. Nessa direção, qualquer análise que

desconsidere a conjugação desses elementos, constitui uma visão simplista do

processo de construção de políticas por parte do poder público.

22 A agricultura familiar, enquanto categoria dotada de uma complexidade sócio-histórica tem

suscitado um amplo debate intelectual, com enfoques e concepções distintas quanto ao seu perfil e constituição. Considerando tal situação, e com o objetivo de facilitar o entendimento do leitor, neste texto, tomaremos como referência a definição da agricultura familiar presente nos documentos e relatórios da Secretaria de Agricultura Familiar – SAF do Ministério do Desenvolvimento Agrário – MDA. Nesses documentos, inclui-se sob o termo agricultura familiar, as populações de produtores familiares tradicionais, extrativistas, ribeirinhos, agricultores assentados por programas de reforma agrária, indígenas, quilombolas, pescadores artesanais e aqüicultores, povos da floresta, seringueiros, assim como, outros públicos definidos como beneficiários dos programas do MDA.

67

No campo das iniciativas governamentais, a partir de então, são

construídas e implementadas propostas que objetivem a consolidação e

emancipação dos assentamentos 23. Nesse rol estão ações de infra-estrutura

básica como eletrificação, construção de poços, barragens, cisternas para

abastecimento de água, construção de estradas e de habitações, articulação de

serviços sociais básicos como saúde e educação, assim como, concessão de

créditos rurais e serviços de assistência técnica e extensão rural.

Apesar da importância e investimentos nas demais ações, o crédito e a

assistência técnica foram, tradicionalmente, considerados pela institucionalidade

pública os fatores propulsores da viabilidade econômica e social dos

assentamentos. Assim, a ênfase da intervenção voltada aos assentamentos rurais

tem sido, conforme afirma Dias (2004b),

(...) historicamente, o fomento à produção agrícola, que se viabiliza principalmente por meio da elaboração e acompanhamento de projetos técnicos a serem financiados por programas de crédito. Na maioria das vezes, a consolidação e emancipação dos assentamentos dependem essencialmente da elaboração de planos de desenvolvimento e de projetos técnicos a serem financiados por programas de crédito, como o extinto Programa Especial de Crédito para a Reforma Agrária (PROCERA) e o Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (PRONAF), em sua linha de crédito “A”, dirigida especificamente aos agricultores assentados. (Dias, 2004b:508)

23 De acordo com informações obtidas no INCRA, a emancipação de um projeto de assentamento ocorre quando este atinge um patamar de desenvolvimento em que deixa de ser dependente dos programas e políticas fundiárias do Estado. A consolidação, por sua vez, constitui a etapa que precede a emancipação, e diz respeito ao momento em que o assentamento se encontra com os serviços de topografia, habitação e infra-estrutura básica concluídos e quando, pelo menos, 50% das famílias beneficiárias tiverem recebido os títulos de domínio de suas parcelas.

68

Em termos gerais, há nesse tipo de intervenção a prevalência do enfoque

produtivista, característico do modelo de desenvolvimento rural baseado na

modernização tecnológica da agricultura.

Segundo Dias (2004b), é no contexto de surgimento do Projeto

Lumiar24, criado em 1997 durante o governo de Fernando Henrique Cardoso –

FHC e implementado pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária

- INCRA25, que se inicia a ruptura com o modelo convencional de intervenção

que durante anos predominou nas ações de desenvolvimento dos assentamentos

rurais.

Ainda segundo o autor, apesar de suas limitações, expressa no caráter

transitório e na instabilidade institucional, o Lumiar foi inovador por constituir

um modelo alternativo de assistência técnica e extensão rural, baseado em

princípios e metodologias mais adequadas à realidade e especificidades dos

assentamentos rurais.

No entanto, é com a instauração do governo Lula, a partir de 2002, que

se estabelece todo um arcabouço político e jurídico favorável à viabilização de

um modelo de desenvolvimento rural sustentável. O Programa Vida Digna no

Campo, a Política Nacional de Assistência Técnica e Extensão Rural – PNATER

e o II Plano Nacional de Reforma Agrária – PNRA, trazem em seus pressupostos

e diretrizes essa intencionalidade do atual governo.

Para DIAS (2004b), essa postura do atual governo não resulta apenas

das suas boas intenções, mas é deflagrada, principalmente, como reação a alguns

24 O Projeto Lumiar foi uma iniciativa governamental, que perdurou de 1997 até 2000, para firmar

alternativas de prestação de serviços de assistência técnica e extensão rural para os assentamentos de Reforma Agrária. É criado numa conjuntura favorável à realização da Reforma Agrária, em que a opinião pública, em decorrência dos massacres de trabalhadores rurais ocorridos em Corumbiara e Eldorado dos Carajás, mostrou apoio às iniciativas dos movimentos de trabalhadores rurais, pressionando e cobrando do governo ações efetivas para solucionar a questão agrária. Assim, o Lumiar surge a partir da necessidade do governo de se mostrar propositivo e operante diante das reivindicações sociais. (Dias, 2004b)

25 Desde a sua criação, o INCRA é o órgão do governo federal responsável pela execução da política fundiária e de reforma agrária adotada no país.

69

fatos importantes que ocorreram no contexto político da questão agrária desde o

início do seu mandato. Dentre eles, o autor destaca: o aumento da tensão entre

proprietários rurais e agricultores sem-terra diante da expectativa de um massivo

processo de reforma agrária em decorrência da chegada do Partido dos

Trabalhadores ao poder; a frustração gerada pelo número de famílias assentadas

no primeiro ano de seu mandato, refletindo uma morosidade na execução da

política de Reforma Agrária; a contínua projeção do agronegócio entre a opinião

pública e os formuladores de políticas públicas; a configuração político-

administrativa gerada com a entrada de simpatizantes e parceiros dos

movimentos sociais assumindo postos no aparato administrativo do governo; e,

por fim, o término da trégua entre o MST e o governo com a paulatina retomada

das mobilizações e ocupações a partir de 2004 com o evento “Abril Vermelho”.

O II Plano Nacional de Reforma Agrária, apresentado em novembro de

2003 durante a Conferência da Terra realizada em Brasília, constitui um avanço

da institucionalidade pública atual em relação aos modelos de intervenção

implementados nos assentamentos rurais em anos anteriores. Isso porque,

Orienta-se para a promoção da viabilidade econômica, da segurança alimentar e nutricional e da sustentabilidade ambiental para garantir o acesso a direitos e a promoção da igualdade – objetivos integrados a uma perspectiva de desenvolvimento territorial sustentável. Isso requer colocar à disposição das famílias assentadas e das demais beneficiárias do Plano os meios indispensáveis à exploração econômica da terra e para que obtenham renda suficiente para viver com dignidade, tais como: crédito; assistência técnica; apoio à comercialização e á agregação de valor; construção de infra-estrutura produtiva, econômica e social, como água, saneamento básico, energia, via de escoamento da produção; além de outras políticas públicas que garantam a universalização do acesso a direitos fundamentais. (Brasil, 2003:15)

70

Com base nos pressupostos do II PNRA é criado no INCRA o Serviço

de Assessoria Técnica, Social e Ambiental à Reforma Agrária – ATES.

O surgimento dos serviços de ATES, para além do contexto político e

jurídico vigente, segue a tendência liberal de descentralização da gestão das

políticas públicas26, marcada pela redução da intervenção estatal e pelo apelo

crescente às ações da sociedade civil.

Nesses termos, Dias (2004b) argumenta que o Programa ATES, ao

estabelecer todo um aparato institucional em que os próprios trabalhadores rurais

assentados, através das suas organizações representativas, contratam os serviços

de assistência técnica, expressa um processo de terceirização dessa assistência

técnica, em um contexto de constantes demandas por ações voltadas à reforma

agrária.

Os procedimentos técnicos e administrativos para implementação do

serviço de ATES são fixados através da Norma de Execução nº 39 do INCRA de

30 de março de 2004, publicada no Diário Oficial da União na edição de

08/05/2004, seção 1, pág. 53, e do seu Manual Operacional, aprovado através da

ordem de serviço interna do INCRA nº 02 de 18/08/2004. Tais serviços

compreendem,

O conjunto de técnicas e métodos constitutivos de um processo educativo, de natureza solidária, permanente, pública e gratuita, voltado para a construção do conhecimento e das ações direcionadas à melhoria da qualidade de vida das famílias assentadas nos projetos de

26 Segundo Araújo (2000), os processos de descentralização são impulsionados pela crise do setor

público e a reforma do Estado. E, nesse contexto, acabam sendo confundidos com o processo de desconcentração, que se caracteriza apenas pela transferência de responsabilidades executivas, sem, no entanto, a transferência da autoridade e autonomia decisória. Na verdade, descentralização corresponde ao “processo de transferência da autoridade e do poder decisório de instâncias mais elevadas para instâncias de unidades especialmente menores, entre as quais o município e as comunidades. Confere a estes a capacidade de decisão sobre suas prioridades e diretrizes de ação, e autonomia de gestão de programas e projetos. Representa uma efetiva mudança da escala de poder.” (Araùjo, 2000:128)

71

reforma agrária, tomando por base a qualificação das pessoas, das comunidades e de suas organizações, visando a sua promoção em termos ambientais, econômicos, sociais e culturais, no âmbito local, territorial e regional, dentro do que enseja o conceito de desenvolvimento rural sustentável. (INCRA, 2004:10)

Nesse sentido, as diretrizes do serviço de ATES são permeadas pelos

conceitos de agricultura familiar, desenvolvimento rural sustentável, segurança

alimentar, sustentabilidade, desenvolvimento territorial integrado, enfoques

metodológicos participativos, paradigma agroecológico, dentre outros. Essas

categorias e conceitos, segundo DIAS (2004b), refletem uma visão mais

holística do processo de intervenção no meio rural, que vão além das demandas

do processo agrícola de produção.

No entanto, segundo o autor, esses referenciais aparecem citados nos

instrumentos normativos do programa sem nenhuma explicitação quanto aos

seus significados e conceituação. Nessa direção afirma,

Todas essas noções são polêmicas e, algumas, objeto de disputas acadêmicas e políticas sobre os seus significados. Utilizá-las sem esclarecer que elas são relativas e podem ter vários significados, variáveis de acordo com quem as utiliza e com que propósitos, atrapalha a tentativa de que elas se tornem operacionais nos contextos de intervenção. Para evitar tais problemas, seria necessário oferecer orientações para a construção de definições básicas, indicando os rumos desejados para a sua aplicação no cotidiano do trabalho dos prestadores de assessoria técnica e das instâncias que gerenciarão o serviço de ATES. (Dias, 2004b:524)

A operacionalização dos serviços de ATES tem por base um modelo de

gestão que privilegia a participação dos diferentes atores sociais envolvidos com

a questão agrária e o desenvolvimento rural. Essa participação é possibilitada

pelo estabelecimento de instâncias de coordenação e decisão, de composição

72

paritária, tanto a nível nacional quanto regional, cada qual com

responsabilidades e atribuições específicas.

Nessa perspectiva, consta no Manual Operacional de ATES que os

serviços de assessoria técnica,

Serão administrados no âmbito do Governo Federal, por uma Coordenação Nacional–CN, por intermédio da Superintendência Nacional do Desenvolvimento Agrário-SD-INCRA, a quem cabe a sua coordenação, composta por representantes das Secretarias de Desenvolvimento Territorial – SDT, da Agricultura Familiar–SAF e do Reordenamento Agrário–SRA do Ministério do Desenvolvimento Agrário– MDA, de outros órgãos federais envolvidos com o desenvolvimento rural e representações nacionais dos trabalhadores (as) rurais e outras entidades ligadas ao Serviço de ATER; e, Coordenações Regionais do INCRA, a quem cabe a sua coordenação executiva, composta por representantes do Governo Estadual, representações estaduais ou regionais dos trabalhadores (as) rurais e outras entidades ligadas ao serviço de assessoria técnica. (INCRA, 2004:11)

A gestão compartilhada dos serviços de ATES, segundo Dias (2004b),

além de fortalecer a participação dos próprios beneficiários e representantes da

sociedade civil e movimentos sociais na qualificação das atividades de

assistência técnica, contribui para a construção de um processo com vistas a um

maior controle social das políticas públicas voltadas para o meio rural.

Além da coordenação, os serviços de ATES apresentam uma estrutura

de execução técnica que é composta por duas instâncias: as Equipes de

Articulação Regional dos Serviços de ATES e os Núcleos Operacionais de

ATES.

De acordo com o Manual Operacional, as equipes de articuladores

constituem “o principal instrumento de gerenciamento de qualidade do INCRA

para o Serviço de Assessoria Técnica, Social e Ambiental – ATES como ação de

73

governo e instrumento de política pública.” (INCRA, 2004:14) Assim sendo, as

equipes de articuladores, formadas por profissionais com experiência em

coordenação de equipes, dará suporte aos Núcleos Operacionais de ATES, tendo

como atribuições subsidiar o planejamento estratégico desses núcleos, analisar

os seus planos de trabalho, monitorar e avaliar os serviços de ATES e seus

resultados, dentre outros. Enfim, cabe a equipe de articuladores o papel de

supervisão dos serviços de assessoria técnica realizados nos assentamentos de

reforma agrária pelas instituições e profissionais que compõem os núcleos

operacionais.

Os Núcleos Operacionais de ATES, por sua vez, são unidades

responsáveis pela execução dos serviços de assistência técnica e extensão rural

nos assentamentos. A sua estrutura administrativa deverá ser composta por,

Corpo técnico de nível médio e superior com formação multidisciplinar nas áreas de Ciências Agrárias, Sociais, Ambientais e Econômicas, e com no mínimo 1/3 dos seus profissionais apresentando experiência comprovada de mais de 02 (dois) anos em trabalhos técnicos com agricultura familiar, preferencialmente em Projetos de Assentamento de Reforma Agrária. (INCRA, 2004:17)

É importante destacar que, apesar do caráter multidisciplinar, presente

nos requisitos estabelecidos para composição das equipes dos Núcleos

Operacionais, observa-se a prevalência de uma ênfase produtivista no tipo de

assessoria prestada pelos serviços de ATES, que se reflete na proporcionalidade

adotada para a composição das equipes multidisciplinares.

O corpo técnico do núcleo observará em sua composição o mínimo de 1/3 de profissionais com formação superior, na seguinte proporção: profissionais da área de ciências agrárias na proporção de 1:125 famílias assentadas; e profissionais da área de ciências sociais, ambiental ou

74

econômica na proporção de até 1:500 famílias assentadas. (INCRA, 2004:17)

Para Dias (2004b), a predominância de profissionais das ciências

agrárias nos serviços de assessoria técnica, espelha uma herança, ainda presente,

dos pressupostos de uma assistência técnica e extensão rural voltados à

modernização da agricultura.

As atribuições dos Núcleos Operacionais de ATES abrangem desde a

prestação de assistência técnica, propriamente dita, realização de estudos e

diagnósticos participativos para elaboração de planos e projetos de investimento,

orientação e acompanhamento quanto à aplicação das linhas de crédito acessadas

pelos trabalhadores rurais assentados até a organização e participação das

famílias assentadas em espaços e fóruns de discussão de políticas e programas

de apoio à agricultura familiar e reforma agrária nos âmbitos municipal, regional

e estadual.

Analisando as atribuições e competências dos Núcleos Operacionais de

ATES, Dias (2004b) afirma que

Os serviços de ATES são concebidos de modo a dar suporte à implementação de projetos e planos que orientam e organizam os investimentos públicos a serem feitos por meio de crédito subsidiado aos agricultores assentados. (Dias, 2004b:525)

Nessa perspectiva, a elaboração e acompanhamento dos Planos de

Desenvolvimento dos Assentamentos – PDA’s está no rol das atribuições dos

Núcleos Operacionais de ATES. Conforme Manual Operacional de ATES, o

Plano de Desenvolvimento do Assentamento - PDA é definido como

O instrumento de planejamento do Projeto de Assentamento, compreendendo todas as fases do processo, iniciando-se com a instalação das famílias na área do assentamento, suas

75

participações efetivas e capacitação para construção e elaboração desse plano, até a completa emancipação e sustentabilidade do Projeto de Assentamento, obtidos com o progresso sócio-econômico e cultural das famílias assentadas, medidos através de indicadores, quando comparado ao estágio atual dessas famílias com o diagnóstico efetuado na fase inicial do Projeto. (INCRA, 2004:31)

Enquanto processo de planejamento, o PDA tem como premissa básica a

participação dos trabalhadores rurais assentados em todas as suas etapas de

elaboração, de modo a retratar a real situação do assentamento em seus aspectos

físicos, sociais, econômicos e culturais, bem como, expressar os anseios e

desejos desses trabalhadores e suas famílias. Nesse sentido, Dias (2004b) afirma

que

A proposta é, depois de elaborado o diagnóstico local, trabalhar a partir da demanda dos assentados, “louvando-se das tradições, costumes e conhecimentos endógenos de que são dotadas as famílias de beneficiários das ações de reforma agrária”, para estabelecer, de modo participativo, o tipo de sistema de produção a ser implementado. Uma ótima premissa, já que se supõe a importância das aspirações e projetos que os próprios agricultores têm em relação a terra. (Dias, 2004b:525)

Partindo dessa perspectiva, pode-se afirmar que o Plano de

Desenvolvimento de Assentamento constitui uma estratégia/técnica de

planejamento participativo. Pois, como argumenta Souto-Maior (Apud Delevati,

2001),

O planejamento participativo (PP) é uma metodologia que permite a um Governo Municipal, as organizações públicas ou privadas sem fins lucrativos ou a uma comunidade desenvolver e implementar disciplinadamente e participativamente um conjunto de estratégias, decisões e ações fundamentais, não só para a sua sobrevivência, mas

76

cruciais para sua eficácia, efetividade e progresso. O PP é regido por princípios que exigem que suas estratégias devam ser viáveis do ponto de vista técnico-financeiro, aceitáveis politicamente, defensáveis moral e legalmente, além de ecologicamente responsáveis. (Delevati, 2001:92)

Enquanto materialização do processo de planejamento, o PDA consiste

na apresentação sistematizada e justificada das discussões e decisões tomadas

relativamente ao assentamento. Nesse sentido, o PDA condiz com a afirmação

de Baptista (2003), em que

O plano delineia as decisões de caráter geral do sistema, suas grandes linhas políticas, suas estratégias, suas diretrizes e precisa responsabilidades. Deve ser formulado de forma clara e simples, a fim de nortear os demais níveis da proposta. É tomado como um marco de referência para estudos setoriais e/ou regionais, com vistas à elaboração de programas e projetos específicos, dentro de uma perspectiva de coerência interna da organização e externa em relação ao contexto no qual ele se insere. No plano são sistematizados e compatibilizados objetivos e metas, procurando otimizar o uso dos recursos da organização planejadora. (Baptista, 2003:99)

A estrutura básica do PDA, conforme roteiro para a sua elaboração

constante no Anexo 02 da Norma de Execução INCRA nº 39 de 2004, composta

por duas grandes etapas, o diagnóstico da realidade do assentamento e o plano

de ação/intervenção, segue a mesma lógica dos demais métodos e técnicas de

planejamento participativo. Assim, conforme afirma Delevati (2001:94),

“apesar da diferença qualitativa e amplitude destes métodos, estes mantêm uma

estrutura básica comum, que consiste em uma descrição da realidade, uma

explicação das situações principais e, por fim, um plano de ação.”

A etapa de elaboração do diagnóstico do assentamento, no PDA, inicia

com o levantamento do contexto sócio-econômico e ambiental da área de

77

influência do projeto de assentamento para, em seguida, vir o diagnóstico do

assentamento propriamente dito.

No levantamento do contexto sócio-econômico e ambiental da área de

influência do assentamento há a descrição das condições climáticas da

microrregião em que o assentamento está localizado; a identificação da bacia

hidrográfica na qual está inserida a área do assentamento, assim como, as

condições de conservação e degradação dessa bacia; situação social,

demográfica e fundiária do município e microrregião. (INCRA, 2004)

O diagnóstico do assentamento, por sua vez, envolve o diagnóstico do

meio natural no assentamento, ou seja, levantamento das condições do solo,

relevo, recursos hídricos, flora, fauna, uso do solo e cobertura vegetal, reserva

legal e área de preservação permanente, dentre outros; diagnóstico da

organização territorial atual do assentamento; diagnóstico do meio sócio-

econômico e cultural, abordando o histórico do assentamento, população e

organização social existente, infra-estrutura física, social e econômica, sistemas

produtivos praticados, oferta e condições dos serviços sociais básicos (educação,

saúde, habitação, cultura e lazer); assim como, uma síntese das limitações,

potencialidades e condicionantes ao desenvolvimento sustentável do

assentamento. (INCRA, 2004)

Nesta exposição, ainda que sumária, fica evidente a preocupação de

contextualizar a realidade do assentamento para além da unidade de produção

familiar.

Em seus estudos, Delevati (2001) afirma a necessidade de enfocar a

realidade a partir de 03 níveis de análise: o primeiro nível envolve o indivíduo, a

família, a unidade de produção e a comunidade; o segundo, diz respeito ao

município, região e estado; e, o último, envolve o macro-ambiente social, ou

seja, a sociedade como um todo. Para o autor, apreender a realidade a partir

destes níveis significa identificar os fatores internos e externos que influenciam

78

o processo de planejamento. Assim, “é fundamental, portanto, que se tenha a

visão do todo para que se possa planejar e ver ações e caminhos que possam ser

trilhados para o desenvolvimento da agricultura familiar.” (Delevati, 2001:95)

A construção de propostas de intervenção a partir dos elementos

apreendidos com o diagnóstico do assentamento corresponde à segunda etapa do

processo de elaboração do Plano de Desenvolvimento do Assentamento. Essa

etapa se materializa no Plano de Ação para o Desenvolvimento Sustentável do

Assentamento, que é composto pelos programas de organização territorial do

assentamento, programa produtivo, programa social, programa ambiental e o

programa de desenvolvimento organizacional e de gestão do plano e seus

respectivos subprogramas. Cada programa e subprograma, conforme preconiza o

roteiro de elaboração do PDA no anexo 02 da NE INCRA nº 39, deve conter os

objetivos a que se propõem, metas a serem alcançadas, estratégias e cronograma

de ação, assim como, os resultados esperados.

Ademais, as propostas construídas e apresentadas no Plano de Ação

devem estar “identificadas com os assentados e sintonizadas com a situação

constatada no diagnóstico, de forma que sejam exeqüíveis, facilitem as

negociações e atendam aos requerimentos exigidos pelas diversas fontes de

financiamento.” (INCRA, 2004:8)

As considerações apresentadas até o momento, nos permite concluir que

o PDA configura-se como o instrumento balizador para implementação, pelo

INCRA e demais agentes que trabalham com a questão da reforma agrária e

desenvolvimento rural, de toda infra-estrutura física, social e de serviços

necessários ao desenvolvimento dos projetos de assentamento. Tendo em vista

esse seu caráter balizador, é relevante desvelar as perspectivas de

desenvolvimento rural subjacentes às suas propostas.

79

Nessa direção, o capítulo seguinte apresenta o estudo realizado sobre o

PDA de um assentamento do estado de Alagoas.27

27 Quando da abordagem da trajetória metodológica desse estudo, serão apresentadas as razões

para escolha do referido assentamento.

80

4 ANÁLISE DAS PROPOSTAS PARA O DESENVOLVIMENTO DO

ASSENTAMENTO: PDA DO ASSENTAMENTO CAVACO

4.1 Trajetória metodológica

O desvendamento de uma realidade - objeto de investigação, por parte

do pesquisador, envolve a utilização de determinados procedimentos de coleta

de dados, sistematização e categorização, que irão tornar possível as suas

análises sobre essa realidade.

Com base nesse pressuposto, e objetivando apreender as perspectivas de

desenvolvimento que permeiam os processos de planejamento nos

assentamentos de reforma agrária, a trajetória metodológica da pesquisa teve

início com a opção pela realização de um estudo de caso, ou seja, “o estudo de

um cenário social bastante específico.” (Alencar & Ortiz, 2001: 74)

Segundo esses autores, o estudo de caso é alvo de diversas críticas e

questionamentos por parte de alguns pesquisadores que não o reconhecem como

uma forma legítima de “investigação social”, tendo em vista o fato do mesmo

não permitir generalizações, devido a sua pouca representatividade e pequena

abrangência, e de não permitir um controle rigoroso das informações coletadas,

decorrentes da natureza menos formalizada das técnicas de que se apropria para

coleta de dados.

Contudo, apesar das críticas, o estudo de caso proporciona um retrato

válido sobre uma determinada realidade, que pode sugerir conexões com o

contexto mais amplo no qual está inserido. Dessa forma, conforme apontam

Alencar & Ortiz (2001), os cenários sociais, alvo dos estudos de caso,

São constituídos por: a) processos e produtos centrados no sujeito da ação, b) elementos produzidos pelo meio imediato ao sujeito e c) processos e produtos originados na estrutura sócio-econômica e cultural do macro-organismo social do sujeito. (Alencar & Ortiz, 2001:78)

81

Mediante tais constatações e tendo em vista o objetivo desse estudo, o

cenário social escolhido para investigação foi o Assentamento Cavaco,

localizado no município de União dos Palmares no estado de Alagoas.

A delimitação desse universo de estudo teve como motivação duas

questões, que se apresentam na seguinte ordem de importância: primeiro, o fato

desse assentamento ter sido o único com o PDA aprovado, dentre os demais

elaborados na mesma época28; e, segundo, por se constituir um projeto de

assentamento diferenciado no estado, fruto de um processo de regularização

fundiária29. Compreende-se que tais questões, por si só, trazem significações e

implicações para as análises do estudo em tela30.

Após a definição do universo de investigação, partiu-se para a escolha

da metodologia a ser adotada. O estudo está pautado no método qualitativo de

pesquisa, em função da natureza do problema investigado.

Com relação à adoção de métodos qualitativos nas pesquisas sociais,

Strauss & Corbin (Apud Alencar & Ortiz, 2001) afirmam que

Algumas áreas de estudo naturalmente se orientam para a pesquisa qualitativa como, por exemplo, os estudos que buscam desvendar a natureza das experiências vividas por pessoas em face de fenômenos como doenças, conversão religiosa ou vício. Os métodos qualitativos podem também

28 Os Planos de Desenvolvimento dos Assentamentos são elaborados, junto às famílias assentadas,

pelas equipes e/ou instituições contratadas para compor os Núcleos Operacionais de ATES, e após a sua elaboração são submetidos à análise de uma equipe do INCRA, que verifica se são viáveis, atendem aos requisitos normativos exigidos e se refletem a realidade e necessidades das famílias do assentamento, para, em seguida serem aprovados ou não. E, conforme informações obtidas na Superintendência Regional do INCRA em Alagoas, entre os anos de 2005 e 2006, dos 24 (vinte e quatro) PDAs elaborados em diversos assentamentos do estado, apenas o PDA do Assentamento Cavaco atendeu aos requisitos para aprovação.

29 Ainda de acordo com informações da Superintendência do INCRA em Alagoas, a maior parte dos assentamentos criados no estado resulta do processo de desapropriação por interesse social, e tem como pano de fundo as demandas e reivindicações dos movimentos sociais de luta pela terra.

30 Tais significações e implicações serão elucidadas nos próximos tópicos deste capítulo quando da apresentação da caracterização do PDA e perfil do assentamento, assim como, quando da análise das propostas contidas no mesmo.

82

ser empregados para desvendar e entender o que está por detrás de qualquer fenômeno, sobre o qual pouco ainda se sabe ou para se obter novos pontos de vista sobre coisas já bastante conhecidas. Os métodos qualitativos podem fornecer detalhes intrincados de um fenômeno, os quais são difíceis de serem captados pelos métodos quantitativos. (Alencar & Ortiz, 2001:22)

Nessa perspectiva, no estudo foram utilizadas como instrumento de

análise as técnicas de pesquisa bibliográfica e análise documental.

Assim sendo, realizou-se, na medida do possível, o levantamento da

bibliografia já tornada pública, em relação aos temas reforma agrária,

desenvolvimento, desenvolvimento rural, planejamento, dentre outros,

incluindo-se nesse rol desde livros, revistas, teses até publicações avulsas, de

forma a construir o referencial teórico do estudo.

A análise documental teve como fontes de coleta de dados os

documentos institucionais obtidos nas Superintendências Regionais do INCRA

em Alagoas e Pernambuco, ou seja, o II Plano Nacional de Reforma Agrária,

Política Nacional de ATER, Norma de Execução INCRA nº 39 de 2004 e o

Manual Operacional dos Serviços de ATES. A análise dessas fontes

documentais torna-se importante por permitir a compreensão acerca das

diretrizes e pressupostos que norteiam as políticas públicas voltadas para as

áreas de reforma agrária do país.

Por fim, realizou-se uma análise do Plano de Desenvolvimento do

Assentamento Cavaco, enfocando as propostas apresentadas nos programas

produtivo, social, ambiental e de organização territorial, com vistas à apreensão

das dimensões subjacentes à essas propostas e que refletem uma determinada

perspectiva de desenvolvimento rural.

83

4.2 Apresentação do cenário investigado: caracterização do PDA e breve

perfil do assentamento

Antes de procedermos à análise das propostas do PDA do

Assentamento Cavaco, faz-se necessário e importante compreendermos como o

mesmo foi construído e qual o perfil dos atores envolvidos nesse processo31.

O PDA do assentamento Cavaco foi construído e elaborado pelo

Instituto Naturagro, através de convênio com a Superintendência Regional do

INCRA em Alagoas. A elaboração do PDA através desse instrumento

administrativo condiz com a lógica dominante na institucionalidade

governamental de descentralização da gestão das políticas públicas. Ou como

prefere afirmar Dias (2004b), reflete o processo de terceirização das políticas e

programas públicos adotado pelo governo.

O Instituto Naturagro, é uma organização não-governamental sem fins

lucrativos, com certificado de utilidade pública dado pelo Conselho Nacional de

Assistência Social- CNAS, que desenvolve projetos e presta assessoria técnica à

assentamentos localizados na Zona da Mata Alagoana, assim como, desenvolve

ações junto a outros grupos de agricultores familiares. Sua equipe técnica é

formada por um corpo de profissionais das áreas de ciências agrárias e ciências

sociais.

Na elaboração do PDA, participaram 10(dez) profissionais deste

Instituto, sendo 04 engenheiros agrônomos, 04 técnicos em agropecuária, 01

assistente social e 01 geógrafo.

Como se pode observar, a composição da equipe elaboradora do PDA

segue as orientações normativas quanto à composição da equipe ter um caráter

31 As informações apresentadas nesta caracterização tiveram como fonte o próprio PDA objeto do

estudo de caso.

84

multidisciplinar. No entanto, conforme argumentos Dias (2004b) em seu estudo,

a predominância de profissionais das áreas de ciências agrárias, por si só, é

indicativa da herança ainda presente de pressupostos e diretrizes dessa

perspectiva de desenvolvimento rural modernizador.

A metodologia adotada pela equipe técnica consistiu, inicialmente, no

levantamento de dados secundários, composto por informações institucionais,

como laudo de vistoria e mapas obtidos na Superintendência do INCRA, mapas

e dados obtidos no Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE, dentre

outros. Em seguida foram aplicados instrumentos e técnicas para levantamentos

dos dados em campo. Nessa direção, foram realizadas entrevistas com as

lideranças do assentamento e os agentes de saúde, objetivando obter

informações acerca da dinâmica e contexto sócio-econômico do assentamento;

aplicados questionários individuais com os beneficiários titulares dos lotes, de

forma a obter dados para compor o perfil sócio-econômico das famílias

assentados; realizada a técnica de construção da Árvore de Problemas e

Soluções, que consistiu no levantamento, junto aos beneficiários presentes à

reunião agendada, dos problemas existentes no assentamento e as possíveis

soluções para os mesmos; também foi utilizado a metodologia titulada

“Diagnóstico de Sistemas Agrários (DAS)”, que consiste na análise dos sistemas

de plantio existente no assentamento, levando em consideração a caracterização

dos tipos de produtores e plantações, os fluxos de produção e sua inserção no

mercado, assim como, as diferentes formas de utilização da área por cada

produtor/agricultor; por fim, foi realizado o levantamento da organização

especial do assentamento, sendo utilizado para tanto, a plotagem de pontos com

aparelho GPS e conversão dos mesmos, pelo software de informações

geográficas GPS Track Maker Pro.

O quadro metodológico descrito acima retrata a preocupação em adotar

metodologias participativas, de modo a possibilitar o envolvimento e

85

participação dos famílias assentadas em todas as etapas de elaboração do plano,

ou seja, do levantamento do diagnóstico do assentamento até a discussão e

construção de propostas e estratégias de ação visando o seu desenvolvimento.

Ademais, opção por um enfoque participativo na construção do plano,

além de atender uma diretriz normativa do PDA, reflete o tipo de abordagem de

intervenção adotada pela equipe técnica que, em muito, se aproxima da

abordagem educacional/participativa apresentada nos estudos de Amâncio

(2004). Segundo a autora,

Como pode ser observado, na abordagem educacional/participativa, o agente externo, chamado de interventor, assume um papel educativo que visa identificar grupos com interesses comuns, orientar a comunidade na identificação dos problemas e promover a organização inicial do grupo que, por conseguinte, tem um papel totalmente ativo, diagnosticando e estabelecendo meios para solucionar os problemas, bem como suas causas. Além disso, um fator muito importante é o caráter sistêmico que esse tipo de processo imprime no grupo, a constante reavaliação das ações, o que possibilita novos caminhos a serem traçados, baseados em interesses coletivos e comuns” (Amâncio, 2004:46)

A análise da abordagem adotada pela equipe técnica do PDA constitui

elemento imprescindível para a compreensão acerca do processo de construção

de alternativas para o desenvolvimento do assentamento. Nessa perspectiva,

Amâncio (2004:47) afirma que “uma reflexão em torno da ação intervencionista

é fundamental para todos os atores que compõem as estratégias de

desenvolvimento no espaço rural, pois todos são responsáveis pelos sucessos ou

fracassos da incursão na mudança planejada.”

É importante ressaltar que, no decorrer de todo o PDA analisado não há

menção ao envolvimento e/ou participação de representantes do poder público

local e/ou estadual, tampouco da sociedade e de outras entidades diversas

86

diretamente envolvidas com a questão agrária, desenvolvimento rural e demais

políticas sociais. Situação esta vista com bastante preocupação, uma vez que as

propostas construídas perpassam por políticas públicas e, geralmente, a sua

viabilização depende dos interesses e prioridades políticas, assim como, da

disponibilidade orçamentária das respectivas políticas públicas. Sem falar que,

os assentamentos rurais não constituem uma realidade isolada, eles fazem parte

de um contexto político, econômico e social mais amplo, que deve ser

considerado em qualquer discussão acerca dos rumos necessários à promoção do

seu desenvolvimento.

Em seus estudos acerca dos “Impactos Regionais da Reforma Agrária no

Brasil”, Leite (2000) reafirma a importância de pensar as estratégias de

desenvolvimento dos assentamentos inseridas numa dinâmica mais ampla e com

a participação dos diversos atores sociais envolvidos com a questão. Nessa

direção aponta,

Partindo-se de uma clara definição de responsabilidades dos diversos órgãos públicos relacionados ao tema da reforma agrária (tanto em nível federal, como estadual e municipal) e de possíveis desenhos organizacionais/institucionais que prevejam a participação dos principais atores diretamente envolvidos na questão, a definição de formatos e estratégias envolvendo projetos de assentamento e o espaço local/regional fortalece o espírito democrático e proporciona a discussão de um padrão de desenvolvimento que leve em consideração, simultaneamente, condicionantes e oportunidades globais/nacionais e regionais/locais. (Leite, 2000:52).

A sucinta caracterização traçada nas linhas acima, nos fornece, ainda

que preliminarmente, alguns parâmetros para a compreensão acerca da

perspectiva de desenvolvimento que permeia as propostas apresentadas no PDA.

87

Nas próximas linhas, apresentamos algumas informações importantes na

definição do perfil do assentamento 32objeto das propostas do PDA.

O Assentamento Cavaco foi criado em 21 de dezembro de 2001, através

de um processo de regularização fundiária33, que regulamentou a situação das

126 famílias que ocupavam o imóvel há anos. Assim cada família ficou com as

terras em que já trabalhavam.

Segundo Leite (2000) os assentamentos a partir de processos de

regularização fundiária constitui uma dentre as diversas situações motivadoras à

criação de assentamentos de Reforma Agrária pelo governo, através do INCRA.

Nesse sentido cita que,

É muito grande a diversidade de situações que aparecem, no discurso governamental, classificadas como “assentamentos de reforma agrária”: regularizações fundiárias em terras ocupadas por vezes há décadas por posseiros; assentamentos em áreas de conflitos gerados pela tentativa de expulsão de trabalhadores que há muito viviam na terra como “rendeiros”,”agregados”; áreas objeto de ocupação por organizações de trabalhadores (em especial pelo MST, mas, em alguns casos, também por sindicatos de trabalhadores rurais); assentamentos em áreas que se constituíram como

32 Perfil elaborado a partir das informações constantes no Diagnóstico do Assentamento

apresentado no PDA. 33 O processo de regularização fundiária constitui uma das ações dentro da política de Reforma

Agrária, reafirmadas no II PNRA, assim “por meio de uma integração do INCRA com os órgãos estaduais será executado um amplo processo de regularização fundiária visando regularizar as pequenas posses de boa fé e a arrecadação e incorporação de terras devolutas ao patrimônio público, seguida de sua destinação para o assentamento de trabalhadores rurais, e também promover ações anulatórias sobre ocupações de terras com registro irregulares. A prioridade da implantação do programa de regularização fundiária levará em conta, entre outros fatores, a densidade de pequenas posses na região, a previsão de obra ou intervenção pública capaz de instabilizar as pequenas posses (como é o caso da transposição de águas do São Francisco ou o asfaltamento da BR-163), a disposição do respectivo governo do estado em formar parceria para a implantação do projeto e a existência de conflito motivado por questões fundiárias. Para fortalecer os pequenos produtores a política fundiária deverá vir associada à sua inserção nas políticas de desenvolvimento regional, à garantia de assistência técnica e do acesso ao crédito. Assim a superação da barreira jurídica do pleno acesso a terra poderá significar uma inserção qualitativamente superior na esfera da produção e da comercialização de seus produtos.” (Brasil, 2003:23)

88

reservas extrativistas, fruto da luta de seringueiros pela permanência em terras que exploravam há gerações; usinas falidas que foram desapropriadas e onde foram alocados os próprios trabalhadores que lá trabalhavam como assalariados, etc. (Leite, 2000:41)

Em função do Assentamento Cavaco ter sido criado a partir de um

processo de regularização fundiária, há uma disparidade muito grande em

termos de área das parcelas/lotes ocupados por cada família. Os lotes variam

entre 0,720 hectare a 20,730 hectares. E, além das 126 famílias que originaram o

assentamento, há 88 famílias agregadas, compostas por filhos, familiares e/ou

amigos dos beneficiários que vivem e produzem nos lotes dos mesmos.

Totalizando 214 famílias vivendo numa área de 616.625 hectares, que

compreende a área total do imóvel, em que só teria capacidade para comportar

as 126 famílias originárias. Esta situação torna ainda mais emblemática a

questão das áreas das parcelas, enquanto fator limitante ao desenvolvimento do

assentamento.

O assentamento em questão localiza-se na zona rural do município de

União dos Palmares, inserido na região denominada Zona da Mata Alagoana,

que tem uma das maiores concentrações de assentamentos no estado. O

município de localização do assentamento tem uma população rural, segundo

dados do IBGE (2000), composta de 20.743 habitantes e apresenta um IDH de

0,600. A economia do município está baseada, principalmente, em atividades

agropecuárias, destacando-se a produção de cana-de-açúcar, abacaxi, laranja,

manga, feijão, mandioca, inhame e batata doce, além da avicultura de postura e

bovinocultura de leite e corte.

O assentamento apresenta as seguintes características quanto ao meio

natural: solos com bom potencial agrícola, apesar de apresentar, em algumas

áreas, limitações decorrentes de relevo e formações rochosas; relevo variando de

plano a ondulado; abundância de recursos hídricos, por encontrar-se no vale do

89

Rio Mundaú; uso do solo marcado por culturas permanentes (caju, coco, banana,

goiaba, jaca, laranja, manga), culturas temporárias (abacaxi, batata doce,

coentro, couve, feijão mulatinho e de corda, inhame, milho, mandioca,

macaxeira) e culturas forrageiras (pastagens naturais e cana-de-açúcar); ausência

de áreas de reserva legal e de preservação permanente, que foram devastadas e

ocupadas por lavouras.

Nesse quadro, nos chama a atenção a ausência de áreas de reserva legal

e preservação permanente em função da sua degradação. Esta situação decorre,

por um lado, da falta ou pouca consciência ambiental dos assentados, e de outro,

pela própria situação de excesso de famílias no assentamento com áreas

insuficientes para produção e sobrevivência familiar. Tal situação não justifica a

degradação realizada, apenas explica o porquê da existência do problema. A

ausência destas áreas de preservação e reserva legal traz impactos ambientais

diversos e consequente desequilíbrio ecológico. Sobre os impactos ambientais

decorrentes de prática de degradação, Amâncio (2000), afirma que,

Erradicar a biomassa nativa existente, virgem ou em processo de regeneração, é romper com o ciclo de produção e reciclagem da biomassa que sustenta nossos solos. É preciso ter uma proposta muito consistente para se colocar no lugar, sob risco de deflagarmos um processo de empobrecimento e degradação do solo e do ambiente agrícola como um todo. Esse raciocínio não é válido só para os locais de coberturas florestais, mas também de caatingas e cerrados, que afinal são as fisionomias que a natureza desenvolveu para convivência com as condições climáticas e geofísicas presentes nestes locais. (Amâncio, 2000:36).

No que se refere à população, o assentamento é composto por 214

famílias, perfazendo um total de 643 pessoas, sendo que desse total, 136 são

crianças e adolescentes com faixa etária entre 6 e 14 anos. Com relação à

90

distribuição dessa população por sexo, 53,14% correspondem a pessoas do sexo

masculino e 46,86% de sexo feminino.

Uma informação que nos chama a atenção sobre a população do

assentamento é o fato de que 37% dessa população ter a faixa etária entre 61 e

80 anos, e não se encontrar mais em idade produtiva, constituindo público para

as políticas previdenciárias. No entanto, apenas, 13% dessa população tem

acesso a essa política no assentamento. E, os fatores para isso são diversos,

dentre eles destacam-se a falta de orientação quanto aos seus direitos, assim

como a falta de documentação para comprovar sua situação de segurado

especial34. A escolaridade dos assentados se concentra no ensino fundamental,

com 59% do total de pessoas do assentamento, e há um percentual elevado de

analfabetos, 25% dos assentados.

No tocante à organização social, 89% da população do assentamento

participa ativamente da associação, os demais não participam por divergências

com a diretoria da associação. Além da associação, as famílias assentadas não

participam de nenhuma outra esfera de organização social, como sindicatos e

conselhos municipais de direitos e de discussão de políticas públicas.

Com relação ao sistema produtivo desenvolvido no assentamento, este

se caracteriza por: apresentar sistema de cultivo de sequeiro, voltado para a

produção de laranja com 32,89% da área cultivada, pastagens e forrageiras

responsáveis por uma área de 32,08%, fruticultura ocupando 8,01% da área e

culturas de subsistência, que correspondem a 27,02% da área cultivada no

assentamento; sistema de criação do tipo semi-extensivo, destacando-se a

criação de aves, seguida da criação de bovinos; extração de madeira para lenha

34 Segundo informações do Instituto Nacional de Seguridade Social (INSS), com a Lei 8.213 de 25

de julho de 1991 foram estendidos os benefícios da Previdência Social a todos os trabalhadores rurais enquadrados nas seguintes categorias: empregado, contribuinte individual, trabalhador avulso e segurado especial. Tais categorias são definidas de acordo com a forma de exercício da atividade. Os segurados especiais são aqueles que trabalham em regime de economia familiar. Os assentamentos compõem essa categoria.

91

corresponde à única forma de extrativismo existente no assentamento; e,

atividades não-agrícolas, que se dão no âmbito da informalidade, como atividade

doméstica, atividade na construção civil, atividades comerciais, dentre outras.

Por fim, é importante citar a composição das rendas monetárias

existentes no assentamento: 33,6% das rendas do assentamento são provenientes

de atividades não-agrícolas; 30,2% correspondem à renda agrícola, com as

atividades de cultivo e criação; 5% referente à renda de auto- consumo; e

31,20% é proveniente de aposentadorias, pensões e programas assistenciais do

governo, como o Bolsa-Família e o Bolsa-Escola. Esses dados são indicativos da

realidade apresentada por Schneider (2006) no que se diz respeito à perda de

importância da agricultura, enquanto atividade produtiva geradora de emprego,

ocupação e renda no meio rural.

Para além dos aspectos levantados até o momento, foram diagnosticadas

situações diversas que se caracterizam como limitantes e condicionantes ao

desenvolvimento do assentamento, assim como, as situações existentes que

constituem potencial para o seu desenvolvimento. Dentre as limitações estão: a

falta de equipamentos sociais, como creches, postos de saúde e postos

telefônicos; alto índice de analfabetismo; precárias condições das estradas de

acesso para escoamento da produção; inadimplência; ausência de atividades de

cultura e lazer; dificuldades para comercialização dos produtos; e tamanho dos

lotes. Como condicionantes, apresenta-se a necessidade de maior investimento

na área social, capacitação em associativismo e cooperativismo; oferta de

assistência técnica; e, desenvolvimento de ações na área de educação ambiental.

No tocante às potencialidades, destaca-se a capacidade produtiva do imóvel e

abundância de recursos hídricos; energia elétrica e água encanada na maior parte

dos lotes; escola localizada no assentamento com ensino fundamental e

educação de jovens e adultos; e, sede própria da associação.

92

Cabe ressaltar que o objetivo não foi traçar um perfil pormenorizado do

assentamento no que se refere às questões sociais, econômicas e ambientais

existentes, mas apontar alguns elementos constitutivos do seu perfil que

subsidiaram a construção das propostas em cada um dos programas apresentados

no PDA.

4.3 Resultados: análise das propostas do PDA

As propostas construídas a partir do diagnóstico do assentamento e de

sua área de influência e das discussões realizadas junto aos agricultores estão

sistematizadas no Plano de Ação para o Desenvolvimento Sustentável, que

corresponde à segunda parte do PDA. Nessa etapa, as propostas são organizadas

e apresentadas compondo os programas de organização territorial, programa

produtivo, programa social e de desenvolvimento organizacional e o programa

ambiental. Assim sendo, as análises desse estudo, apresentar-se-ão seguindo essa

mesma sequência35.

O Programa de Organização Territorial é apresentado no Quadro 1:

35 Convém ressaltar que as propostas apresentadas no PDA objeto de investigação deste trabalho

não serão analisadas em termos de sua adequação ou não à realidade do assentamento. Isso por que, parte-se do pressuposto que as mesmas foram construídas de forma participativa com as famílias assentadas. Sem falar que, essa análise não corresponde aos objetivos a que se propõem o estudo em questão.

93

QUADRO 1 Síntese programa organização territorial. Objetivos Sub-programas Propostas Técnicas

- Assegurar às famílias uma área que dê condições de geração de renda através do reordenamento fundiário

Reordenamento fundiário

1- Aquisição de imóvel para realocação das famílias excedentes; 2- Reordenamento e ampliação das áreas com menos de 04 há;

- Garantir uma infra-estrutura básica como estradas, abastecimento de água e eletrificação de modo a permitir o desenvolvimento da produção agrícola, bem como, atender as necessidades das famílias assentadas.

Recuperação de Infra-estrutura

1-Recuperação das estradas do assentamento; 2- Ampliação do sistema de abastecimento de água; 3- Ampliação da rede de distribuição de energia elétrica; 4- utilização do Conselho Ambiental para monitoramento das ações executadas.

Fonte: Informações extraídas do PDA do Assentamento Cavaco (2006)

Como se pode observar, a partir das informações constantes nesse

quadro, as propostas tem como foco a necessidade de alterar a estrutura

fundiária encontrada no assentamento, que constitui fator limitante ao

desenvolvimento agrícola e sua, conseqüente, geração de renda para as famílias

assentadas. Assim, a ênfase das propostas recai, sobremaneira, no fator “terra”

como limitante do desenvolvimento do assentamento. Esse entendimento, por

sua vez, aproxima-se da Tese do “Modelo Agrícola” apresentada por Neumann

(2006) em seus estudos sobre desenvolvimento local. Para o autor, no modelo

agrícola

O problema do desenvolvimento está relacionado com a necessidade de alterar a alocação dos fatores de produção (principalmente terra e capital), apontando, assim, para a necessidade de considerar aspectos como a estrutura fundiária e as diferenças de acumulação de capital entre os agricultores na formulação de políticas que pretendam estimular o desenvolvimento rural. (Neumann, 2006:101)

94

Outro aspecto que chama a atenção nesse programa, refere-se a

proposta, apresentada no sub-programa “Recuperação de Infra-Estrutura”, de

envolver o Conselho Ambiental do assentamento no monitoramento das ações

visando a recuperação/ampliação das infraestruturas de estrada, abastecimento

de água e eletrificação, de forma a minimizar os possíveis impactos ambientais

gerados por tais obras. O que reflete a compreensão acerca da necessidade de

incorporar a temática ambiental nas diversas ações desenvolvidas no

assentamento, ou seja, reconhecer o caráter de “transversalidade” dessa temática.

As propostas apresentadas no Programa Produtivo trazem em seu bojo,

temáticas importantes condizentes com uma perspectiva de desenvolvimento

rural sustentável, conforme se observa no Quadro 2:

QUADRO 2 Síntese do programa produtivo. Objetivos Sub-programas Propostas Técnicas

- Elevar o nível de renda das famílias; - Apresentar e introduzir modelos de produção agroecológica; - Ofertar proposições de atividade não-agrícolas para mulheres e jovens.

- Produção Agropecuária e Uso Econômico da Biodiversidade

Adoção de arranjos produtivos em função do tamanho dos lotes: 1- lotes com até 04 ha: fruticultura e culturas de subsistência; 2-arranjo para culturas anuais, bovinocultura de leite e culturas de subsistência; 3-arranjo para fruticultura, bovinocultura de leite e culturas de subsistência; 4-arranjo para culturas anuais, fruticultura, bovinocultura de leite e culturas de subsistência.

- Agroindústria 1- Implantação de 01 unidade produtiva de beneficiamento de frutas (fábrica de licor); 2- Capacitação dos produtores em produção, organização, gerenciamento e comercialização; 3- Apoio à inserção mercadológica da produção, com criação de marca própria.

Continua...

95

QUADRO 2 Continuação. Objetivos Sub-programas Propostas Técnicas

- Atividade Produtiva Não-Agrícola

1- Adoção de atividade artesanal feito com bambu; 2-Formação de uma cooperativa com mulheres e jovens; 3-Cultivo de algumas espécies de bambu em áreas pouco exploradas do assentamento

- Mercado, Comercialização e Abastecimento

1-Utilização de insumos exclusivamente orgânicos; 2-Comercialização da produção em diversos mercados.

- Capacitação Profissional

1-Realização de capacitação sobre associativismo/cooperativismo e práticas agroecológicas

- Incentivo à Integração das Atividades Pecuárias

1-Incentivo à bovinocultura de leite para abastecimento familiar; 2-Incentivo à apicultura para geração de renda; 3-Incentivo à piscicultura, em nível intensivo, para geração de renda.

Fonte: Informações extraídas do PDA do Assentamento Cavaco (2006)

A temática de segurança alimentar e nutricional aparece nas propostas

de adoção de arranjos produtivos compostos por culturas de subsistência,

relativas ao sub-programa de Produção Agropecuária e Uso Econômico da

Biodiversidade, assim como, na proposta de incentivo à bovinocultura de leite

como forma de garantir o abastecimento da unidade familiar.

Reconhecendo a importância da temática segurança alimentar para o

desenvolvimento rural, Amâncio (2000) afirma que garantir a segurança

alimentar através da produção agrícola constitui um dos elementos a compor o

tripé do desenvolvimento sustentável dos assentamentos.

Outro aspecto enfatizado nas propostas do Programa Produtivo diz

respeito à questão da diversificação das atividades agrícolas, evidente na

proposição de quatro arranjos produtivos, de acordo com o tamanho das áreas,

96

que envolvem desde frutíferas, culturas anuais e de subsistência até atividade

pecuária.

A diversificação agrícola, nesse caso, constitui um fator importante no

campo econômico e de sustentabilidade ambiental para o assentamento, porque

com a prática de diversas culturas diminui-se a sujeição dos agricultores às

oscilações e riscos do mercado, bem como permite a alternância de culturas,

minimizando os danos aos recursos naturais e conservando a biodiversidade

local.

Assim, a diversificação proposta no PDA se encaixa perfeitamente à

concepção apresentada por Melgarejo (2001) em seu artigo sobre

desenvolvimento e reforma agrária. Segundo este autor,

Estas atividades constituem as bases principais para a oferta dos produtos de consumo interno e externo, e se mostram ajustados a modelos tecnológicos e matrizes produtivas que, contrariamente às premissas da revolução verde, se apóiam na articulação de vários sistemas produtivos e não na expansão daquela cultura/criação que permite maior renda econômica. Como decorrência, a agricultura familiar encerra potencial de resposta em atividades que privilegiam a biodiversidade, minimizam os riscos médios e valorizam o adequado aproveitamento dos recursos internos. Da mesma forma, estas atividades se associam a políticas de transição de matrizes tecnológicas, desde modelos dependentes de insumos importados até modelos de base agroecológica. Portanto, os assentamentos constituem base privilegiada para expansão, entre os agricultores familiares, de formas produtivas mais autônomas porque menos dependentes de insumos controlados por empresas multinacionais. (Melgarejo, 2001:66)

A temática agroecológica está presente na intencionalidade das

propostas apresentadas nesse programa, especificamente, quando se propõe a

realização de capacitações para os trabalhadores assentados em práticas

97

agroecológicas, de forma a muní-los de conhecimentos sobre a mesma e

proporcionar a troca de experiências sobre a questão.

Além disso, enfatiza-se as oportunidades econômicas que a adoção de

tal perspectiva pode proporcionar aos assentados. Tal argumento torna-se

evidente quando no programa Mercado, Comercialização e Abastecimento,

aparece a proposição de utilização de insumos exclusivamente orgânicos. Dessa

forma, busca-se a inserção no mercado em crescente expansão de “produtos

limpos”, livre de agrotóxicos. Nessa direção, Melgarejo (2001) reafirma a

possibilidade de ganhos econômicos em função dessa inserção comercial ao

apresentar o argumento de que

Trata-se de oportunidade de ganhos pelo lado dos preços, dada a emergente consciência popular e a consequente procura, em todos os meios, por produtos sem veneno. Enfim, os assentados possuem enormes vantagens relativas, em comparação com qualquer outro segmento produtivo, no que se respeita à possibilidade de diferenciação de produtos e consolidação de marcas, nos mercados de alimentos limpos, em âmbito municipal e regional (Melgarejo, 2001:67).

A perspectiva de pluriatividade presente na proposta de adoção de

práticas artesanais feitas com bambu voltadas à inserção produtiva de mulheres e

jovens do assentamento, para além da preocupação de evitar o êxodo rural

desses jovens e a inserção produtiva das mulheres, reflete uma tendência mais

ampla de “ressignificação das funções do rural”. Nesse sentido, Schneider

(2006:105) afirma que a “pluriatividade é um reflexo (uma evidência) das novas

funções do rural, pois sendo o rural multifuncional, é natural que estas se

reflitam nas atividades econômicas desenvolvidas pelos agricultores

familiares.”

Além dos aspectos e novas tendências elencadas acima, as propostas

apresentadas no Programa Produtivo trazem à cena também a preocupação com

98

velhas questões que, tradicionalmente, permearam as ações no meio rural, como

a competitividade e inserção mercadológica e o aumento da produtividade

enquanto fatores geradores de renda no espaço rural.

A preocupação com a inserção competitiva no mercado e sua geração de

renda, fica evidente nas propostas apresentadas no sub-programa Agroindústria,

que propõe a implantação de uma fábrica de licores, com o beneficiamento e

agregação de valor à produção de frutas do assentamento, atrelada, ainda, à

realização de capacitações voltadas ao aprimoramento produtivo e gerencial dos

assentados e à criação de marca própria. No que diz respeito ao aumento da

produtividade, são apresentadas as propostas de adoção de atividades pecuárias,

em nível, intensivo, com vistas à geração de renda.

Isto posto, observa-se a coexistência de aspectos distintos a permear as

propostas de desenvolvimento produtivo do assentamento, uma que prevê

formas alternativas e sustentáveis para a produção, e a outra atrelada à

pressupostos modernizadores. Sobre a existência de situações dessa natureza,

Leite (2000) afirma que

A experiência vem demonstrando que, por sua própria natureza política, os assentamentos vêm se constituindo em espaços por excelência de novas experiências produtivas dizer isso, não significa desconsiderar também que elas são profundamente influenciadas pela busca de produtividade a qualquer preço, utilizando as tecnologias disponíveis, inclusive como forma de se fazer reconhecer em um mercado onde a “competitividade” crescente é uma das exigências. (Leite, 2000:50)

No tocante ao programa Social e de Desenvolvimento Organizacional,

tem-se as seguintes propostas (Quadro 3):

99

QUADRO 3 Síntese do programa social e de desenvolvimento organizacional. Objetivos Sub-programas Propostas Técnicas

- Garantir uma infra-estrutura de serviços sociais básicos e de produção visando a melhoria da condição de vida das famílias assentadas; - Oferecer às famílias assentadas um serviço básico de saúde (atendimento médico, odontológico e Programa de Saúde da Família); - Garantir o acesso a uma educação de qualidade para os assentamentos e suas famílias, com o objetivo de melhorar o nível de educação da população assentada; -Fortalecer a associação do assentamento, possibilitando um maior engajamento dos assentados à mesma.

- Serviços Básicos de Saúde

1-Implantação de 01 equipe do Programa Saúde da Família; 2-Construção de Posto de Saúde no assentamento; 3-Formação de Comissão de Assentados para acompanhamento das ações

- Educação 1-Criação de 01 creche-escola para atender as crianças de 0 a 6 anos; 2- Capacitação dos professores visando adequar o ensino à realidade rural; 3-Estruturação e reforma da escola existente no PA; 4-Formação de Comissão de Assentados para acompanhamento das ações.

- Cultura, Lazer e Esportes

1-Criação de 01 área de recreação e esporte; 2-Construção de 01 igreja para realização de eventos religiosos; 3-Resgate de manifestações culturais do assentamento; 4-Criação de Comissão de Assentados para acompanhamento das ações.

Continua...

100

QUADRO 3 Continuação. Objetivos Sub-programas Propostas Técnicas

- Habitação 1- Implantação de instalações sanitárias nas residências; 2-Reforma de 50 habitações; 3-Criação de Comissão de Assentados para acompanhamento das ações

-Organização Social

1-Aquisição de equipamentos e máquinas para aluguel aos associados; 2-Intermediação na obtenção de recursos financeiros para viabilizar a produção do assentamento

Fonte: Informações extraídas do PDA do Assentamento Cavaco (2006)

Ao analisar as propostas apresentadas no sub-programa Serviços Básicos

de Saúde, Educação, Cultura, Lazer e Esporte, assim como no sub-programa

Habitação, torna-se notório que a ênfase das propostas recai, simplesmente,

sobre o atendimento das necessidades básicas das famílias, ou seja, demandas

concretas para a garantia de sua reprodução social.

Além disso, no sub-programa Organização Social, as propostas de

aquisição de equipamentos e máquinas pela associação, assim como, a ação de

intermediação junto às instituições financeiras para obtenção de recursos, remete

à questão do fortalecimento da associação a seu sentido econômico apenas, ou

seja, a uma visão meramente instrumental acerca de sua função e importância,

em detrimento do papel estratégico que a mesma representa na politização dos

sujeitos sociais e na viabilização dos processos de empoderamento36 e

autonomia dos mesmos.

36 Segundo Amâncio (2004:32) o empoderamento constitui também “um meio de se criar

condições de ampliar as capacidades das pessoas assumirem o controle sobre suas necessidades, produzir, discernir e arcar com suas escolhas. Isso contribui e é essencial para gerar as condições necessárias à criação e acúmulo de capital social.”

101

A questão da participação, por sua vez, aparece apenas quando se

propõe a formação de comissões de assentados para acompanhamento da

execução das ações propostas, isto é, no controle e monitoramento das mesmas.

Isso também reflete uma visão simplista acerca da participação e sua

importância no processo de desenvolvimento do assentamento. Ademais, essa

participação está restrita à dinâmica interna do assentamento, desconsiderando,

dessa forma, que a participação nos distintos espaços públicos de participação

institucional torna-se fundamental para o seu desenvolvimento.

Segundo Dias (2004) a participação dos agricultores nesses espaços de

participação institucional, como os conselhos e fóruns, torna-se fundamental

uma vez que, representa tanto a oportunidade de aprendizado político, acerca

dos modos e caminhos institucionais através dos quais as propostas políticas e

programas são viabilizados, quanto um espaço para troca de informações e

experiências com outros atores sociais envolvidos no meio rural.

Diante das propostas apresentadas neste programa, depreende-se que a

visão de desenvolvimento subjacente às mesmas, está muito aquém da

perspectiva que confere um caráter emancipatório e de ampliação de cidadania

ao desenvolvimento. Para Amâncio (2004:42), nessa perspectiva mais ampla de

desenvolvimento “o objetivo principal assume novas características, a

vantagem material passa ser um resultado secundário, pois os níveis

organizacionais efetivamente se estruturam, buscam-se novas ações

significativas para a comunidade.”

O programa ambiental, por sua vez, é constituído pelos sub-programas

Recuperação/Conservação dos Recursos Naturais e Educação Ambiental,

conforme observa-se no Quadro 4:

102

QUADRO 4 Síntese do programa ambiental. Objetivos Sub-programas Propostas Técnicas

- Oferecer aos assentados um plano de educação ambiental, objetivando a conscientização dos assentados para a preservação e recuperação dos recursos naturais; - Instituir área de reserva legal; - Estimular o plantio de espécies nativas ou exóticas nos lotes

- Recuperação / Conservação dos Recursos Naturais

1-Delimitação de área para reserva legal; 2-Recuperação e manutenção de áreas de preservação permanente; 3-Criação do Conselho Ambiental e capacitação dos seus membros; 4-Plantio de espécies nativas ou exóticas nos lotes.

- Educação Ambiental 1-Construção de plano de educação ambiental envolvendo as seguintes temáticas: reaproveitamento do lixo, degradação ambiental e seus impactos, etc.; 2-Realização de capacitações para formação de agentes multiplicadores.

Fonte: Informações extraídas do PDA do Assentamento Cavaco (2006)

No sub-programa Recuperação/Conservação dos Recursos Naturais, as

ações propostas se referem à questão da preservação do meio ambiente como

forma de manutenção do equilíbrio ecológico e de garantia dos recursos naturais

para gerações futuras.

As ações propostas no sub-programa Educação Ambiental envolvem a

transmissão e disseminação de conhecimentos sobre ecologia, conservação dos

recursos naturais e seu uso racional. O que reflete, por sua vez, uma visão na

qual a questão ambiental está associada apenas à ecologia, desconsiderando as

dimensões sócio-econômicas e políticas que a permeiam.

Diferentemente da perspectiva presente nas propostas do sub-programa

em questão, Amâncio (2004) afirma que

103

As ações ambientalmente educativas devem passar pela questão de mudança de valores e de resgate do papel do homem como ser social, como cidadão, incitando os indivíduos a refletirem sua própria visão de ser humano, bem como sua relação com outros seres vivos ou não. (Amâncio, 2004:56)

A análise das propostas desse programa ambiental nos permite concluir

que as mesmas têm como foco apenas a dimensão “ecológica” da questão

ambiental. Não há nenhuma proposta que se coadune com a preocupação de

garantir sustentabilidade ambiental dos agroecossistemas, imprescindível a

uma perspectiva de desenvolvimento rural sustentável.

Para além das questões apresentadas até o momento, é importante

ressaltar que em nenhuma das ações propostas nos programas em tela há

articulação com políticas e/ou programas locais/regionais. Trata-se a questão

do desenvolvimento do assentamento como resultante do seu contexto

endógeno simplesmente.

104

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

A complexidade e dinâmica que permeia os assentamentos rurais do país

exige a adoção de uma perspectiva multidimensional de desenvolvimento, na

qual a promoção do desenvolvimento não esteja atrelada apenas a critérios

meramente econômicos. Nesse sentido, Dias (2004a) afirma que isso implica

Relativizar o domínio econômico prevalecente abrindo espaço para a realização de outros objetivos, para os quais indicadores de desenvolvimento humano e social tem maior importância do que os que apenas aferiam a ocorrência de crescimento econômico. (Dias, 2004a:90)

Como vimos, a institucionalidade governamental tem reorientado seu

discurso e políticas nessa direção. Os Serviços de Assessoria Técnica Social e

Ambiental à Reforma Agrária – ATES constituem um exemplo dessa

intencionalidade do governo, uma vez que, trazem em seu bojo, pressupostos e

diretrizes condizentes à perspectiva de desenvolvimento rural sustentável.

No entanto, a análises propiciadas por esse estudo de caso quanto às

propostas apresentadas no PDA do Assentamento Cavaco, permite-nos tecer

algumas considerações que vão de encontro a essa perspectiva de

desenvolvimento rural sustentável adotado nos discursos e orientações

governamentais.

Com relação às propostas voltadas para o programa produtivo, ao

mesmo tempo em que são incorporadas novas temáticas como segurança

alimentar e nutricional, atividades pluriativas, diversificação agrícola e

agroecologia, há também a preocupação com questões como inserção

competitiva no mercado e aumento da produtividade atrelada à geração de renda

que, tradicionalmente, estão relacionadas a pressupostos bastante enfatizados na

perspectiva modernizadora de desenvolvimento rural.

105

No programa social as propostas apresentadas não refletem uma

perspectiva de desenvolvimento emancipatória e voltada à ampliação da

cidadania das famílias assentadas. As propostas do programa ambiental, por sua

vez, partem de uma visão da questão ambiental restrita aos aspectos ecológicos,

em detrimento da dimensão da sustentabilidade social e econômica. Ademais,

tais propostas referem-se, apenas, ao desenvolvimento endógeno do

assentamento, desconsiderando a sua inserção na dinâmica local/regional mais

ampla.

Isso posto, leva-nos a concluir que a ênfase dada às propostas de

promoção do desenvolvimento desse assentamento expressam a presença, ainda

marcante, de pressupostos de uma perspectiva de desenvolvimento rural

modernizadora que, por sua vez, tem como pano de fundo a idéia de

desenvolvimento atrelada à questão do crescimento econômico. Assim sendo,

ocorre a incorporação de novas temáticas, sem haver de fato uma mudança em

termos de perspectiva de desenvolvimento. Ou como cita Favareto (2007:141)

“há uma incorporação por adição dos novos temas onde, sob nova roupagem,

velhos valores e práticas continuam a dar os parâmetros para a atração de

agentes sociais, coletivos e indivíduos (...).”

Mediante tais resultados elencamos duas situações apresentadas no

decorrer do estudo que, a nosso ver, são indicativas da prevalência dessa

perspectiva de desenvolvimento rural, no caso em tela. A primeira situação diz

respeito à composição da equipe, que adotando a proporcionalidade

recomendada no instrumento normativo que regula as ações referentes ao

Serviço de ATES, apresenta-se composta em sua maioria por profissionais das

áreas de ciências agrárias, que, por sua vez, não saem da academia com uma

formação que privilegie a abordagem de desenvolvimento rural para além do

enfoque setorial.

106

A segunda, não menos importante, relaciona-se ao fato de que os

conceitos e categorias que perpassam os pressupostos e diretrizes dos serviços

de ATES estarem citados nos instrumentos normativos sem nenhuma explicação

quanto a seu significado e conceituação, dando margem para que os mesmos

sejam utilizados de acordo com os propósitos e as visões de mundo de cada

profissional envolvido na execução desse programa.

Por fim, é importante ressaltar que, apesar de não permitir

generalizações por se tratar de um cenário específico e por não ter a pretensão de

esgotar o assunto, o estudo em questão tem sua relevância por incitar a discussão

acerca das perspectivas que permeiam o planejamento das ações visando o

desenvolvimento dos assentamentos e, que interferem de maneira decisiva na

ênfase que é dada a cada uma das dimensões que envolvem o processo de

desenvolvimento.

107

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