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VIII Simpósio Internacional de Geografia Agrária e IX Simpósio Nacional de Geografia Agrária GT 6 – Debatendo a(s) reforma(s) agrária(s) e os assentamentos rurais ISSN: 1980-4555 RECONFIGURAÇÃO DE ASSENTAMENTOS RURAIS NA AMAZÔNIA MATO-GROSSENSE Deonice Maria Castanha Lovato 1 Hermenegilda Moraes Correia 2 Valdecir Carvalho 3 Resumo Este estudo tem como objeto de análise os assentamentos rurais do distrito de União do Norte, do município de Peixoto de Azevedo, Estado de Mato Grosso, buscando estabelecer relação com a configuração territorial na fronteira da Amazônia mato-grossense. A questão norteadora consistiu saber se os assentados têm conseguido permanecer nos lotes como agricultor familiar. Etapas do procedimento medotológico: realizou-se a análise bibliográfica de autores que abordam o tema. Depois, entrevistas semiestruturadas com representantes de órgãos públicos relacionados aos assentamentos e entrevistas com os assentados. Na última etapa, os dados teóricos e empíricos foram sistematizados para responder a problemática central da pesquisa. De acordo com a pesquisa verificou-se nos assentamentos do distrito de União do Norte-MT apresenta muitos problemas como: a venda da terra por meio de transferência da posse do título dos lotes; pouca atuação de políticas públicas para incentivar a permanência do assentado no lote; e a geração de renda que não garante a sobrevivência de toda família no lote. Palavras-chave: Amazônia mato-grossense, Assentamento, Permanência. Introdução Este estudo é parte de uma pesquisa em andamento tem como objeto de análise os assentamentos rurais do distrito de União do Norte, pertencente ao município de Peixoto de Azevedo, Estado de Mato Grosso, buscando estabelecer relação com a configuração territorial na fronteira da Amazônia mato-grossense. Os assentamentos analisados são: PA Planalto do Iriri, PA Belmonte, PA Aquarios, PA Antonio Soares, PA Vida Nova I, PA Vida Nova II, PA Teodomiro Ferreira dos Santos, PA Cachimbo I e PA Cachimbo II. Foram escolhidos para a pesquisa os assentamentos do distrito de União do Norte de Peixoto de Azevedo – MT pelos seguintes motivos: a pouca existência de produção científica sobre os assentamentos do distrito de União do Norte; período em que estavam aglomerados os assentamentos chegou a ser considerado o maior assentamento da América Latina em número de famílias. Atualmente estão divididos em nove assentamentos sendo os dois primeiros assentamentos os maiores, formados pelo PA Cachimbo I e PA Cachimbo II cuja 1 Faculdade de Ciências Sociais de Guarantã do Norte – FCSGN e e-mail: [email protected] 2 Faculdade de Ciências Sociais de Guarantã do Norte – FCSGN e e-mail: [email protected] 3 Faculdade de Ciências Sociais de Guarantã do Norte – FCSGN e e-mail: [email protected]

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VIII Simpósio Internacional de Geografia Agrária e IX Simpósio Nacional de Geografia Agrária GT 6 – Debatendo a(s) reforma(s) agrária(s) e os assentamentos rurais

ISSN: 1980-4555

RECONFIGURAÇÃO DE ASSENTAMENTOS RURAIS NA AMAZÔNIA MATO-GROSSENSE

Deonice Maria Castanha Lovato1 Hermenegilda Moraes Correia 2

Valdecir Carvalho3

Resumo Este estudo tem como objeto de análise os assentamentos rurais do distrito de União do Norte, do município de Peixoto de Azevedo, Estado de Mato Grosso, buscando estabelecer relação com a configuração territorial na fronteira da Amazônia mato-grossense. A questão norteadora consistiu saber se os assentados têm conseguido permanecer nos lotes como agricultor familiar. Etapas do procedimento medotológico: realizou-se a análise bibliográfica de autores que abordam o tema. Depois, entrevistas semiestruturadas com representantes de órgãos públicos relacionados aos assentamentos e entrevistas com os assentados. Na última etapa, os dados teóricos e empíricos foram sistematizados para responder a problemática central da pesquisa. De acordo com a pesquisa verificou-se nos assentamentos do distrito de União do Norte-MT apresenta muitos problemas como: a venda da terra por meio de transferência da posse do título dos lotes; pouca atuação de políticas públicas para incentivar a permanência do assentado no lote; e a geração de renda que não garante a sobrevivência de toda família no lote.

Palavras-chave: Amazônia mato-grossense, Assentamento, Permanência.

Introdução

Este estudo é parte de uma pesquisa em andamento tem como objeto de análise os

assentamentos rurais do distrito de União do Norte, pertencente ao município de Peixoto de

Azevedo, Estado de Mato Grosso, buscando estabelecer relação com a configuração territorial

na fronteira da Amazônia mato-grossense. Os assentamentos analisados são: PA Planalto do

Iriri, PA Belmonte, PA Aquarios, PA Antonio Soares, PA Vida Nova I, PA Vida Nova II, PA

Teodomiro Ferreira dos Santos, PA Cachimbo I e PA Cachimbo II.

Foram escolhidos para a pesquisa os assentamentos do distrito de União do Norte de

Peixoto de Azevedo – MT pelos seguintes motivos: a pouca existência de produção científica

sobre os assentamentos do distrito de União do Norte; período em que estavam aglomerados

os assentamentos chegou a ser considerado o maior assentamento da América Latina em

número de famílias. Atualmente estão divididos em nove assentamentos sendo os dois

primeiros assentamentos os maiores, formados pelo PA Cachimbo I e PA Cachimbo II cuja

1Faculdade de Ciências Sociais de Guarantã do Norte – FCSGN e e-mail: [email protected] 2 Faculdade de Ciências Sociais de Guarantã do Norte – FCSGN e e-mail: [email protected] 3Faculdade de Ciências Sociais de Guarantã do Norte – FCSGN e e-mail: [email protected]

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origem das terras pertencecim ao grupo Ometto do latifúndio Agropecuária Cachimbo. A

Agropecuária Cachimbo vendeu para a família Maggi e hoje denomina-se Grupo Bom Futuro.

Assim, ss assentamentos são circunvizinhos de grandes empresas agropecuárias ligadas ao

agronegócio da soja e do gado.

A questão norteadora/problema do estudo consistiu na condição da permanência, saber

se os assentados têm conseguido permanecer nos lotes como agricultor e assim proporcionou

um balizamento para o entendimento das relações de produção nos assentamentos e o

processo de trabalho que se estabelece no campo, de modo a elucidar o papel do campesinato

na atual sociedade capitalista.

Justifica-se esta pesquisa pela necessidade de infundir a discussão sobre os

pressupostos que sustentam a tese que tem marcado os programas de desenvolvimento rural

pelas políticas públicas acerca do conceito do agricultor familiar em um pequeno empresário

rural, que pode ser bem sucedido e estar inserido no mercado.

O procedimento metodológico enfocou as seguintes etapas: primeiro, realizou-se a

análise bibliográfica de autores que abordam o tema da fronteira agrícola, migração, reforma

agrária, agricultura familiar, comunidades rurais.

Na segunda etapa, ocorreram as entrevistas semiestruturadas com representantes de

órgãos públicos da prefeitura municipal de Peixoto de Azevedo, do distrito de União do Norte

e do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária – INCRA para compreender a

formação e situação atual dos assentamentos. Também foram entrevistados os assentados para

entender os motivos de sua permanencia ou desistências nos lotes.

Na terceira e última etapa, desejou-se saber a condição de permanência nos lotes rurais

e finalmente os dados teóricos e empíricos foram sistematizados para responder a

problemática central da pesquisa.

Quanto ao referencial teórico, parte-se da consideração de que não se pode pensar a

relação indivíduo e sociedade separadamente das condições materiais em que essas relações

se apoiam, pois, as condições materiais da sociedade determinam as demais relações sociais,

em que a sociedade reflete a forma como os homens organizam a produção social de bens

mediante dois fatores: as forças produtivas e as relações de produção.

Portanto, os aspectos do estudo podem ser destacados na origem dos assentamentos

do distrito de União do Norte- MT provenientes de pessoas ocupadas com atividades da

exploração do garimpo de ouro para a atividade de agricultor e também questionar a

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reconfiguração da expansão do campesinato na contramão do agronegócio cada vez mais

sofisticado.

A expansão da fronteira na Amazônia mato-grossense

A expansão da fronteira norte do país, no caso, o Estado de Mato Grosso, estava

inserida no contexto da modernização da agricultura, ou seja, a expansão do capitalismo no

campo. O processo da modernização da agricultura no Brasil se deu durante as décadas de

1960 e 1970, em que a expansão do capitalismo no meio rural ocorreu sem alterar a estrutura

fundiária. Seu resultado foi um êxodo rural e o movimento migratório inter-regional, como a

ocupação da Amazônia mato-grossense por meio de projetos de colonização.

Análise do que essa modernização da agricultura constituiu: Num instrumento de modernização conservadora que ajudou a consolidar a estrutura agrária injusta do passado, aprofundar a internacionalização da economia e agravar a dependência. Uma minoria dos agricultores, aqueles que se estruturaram de forma empresarial foi beneficiada. Num primeiro momento, os pequenos proprietários rurais foram progressivamente marginalizados, mas, nas décadas de 70 e 80, também foram atingidos os médios agricultores. (BRUM; TRENNPOHL, 2005, p. 29, grifo dos autores),

Devido a uma política econômica para a agricultura que estimulou as culturas para a

exportação, concentrou a propriedade da terra e favoreceu a agricultura empresarial não restou

muita opção aos pequenos agricultores a migração para as cidades ou para o norte do país na

esperança de um pedaço de terra.

Na verdade, o modelo de colonização implementada pelo Estado era a reforma agrária

capitalista, ou seja, “a política de colonização oficial e particular, conforme ela foi formulada

e posta em prática nesses anos, teve a conotação de uma contrarreforma agrária”, como

destaca Ianni (1979, p. 44). O que está por trás das empresas colonizadoras é a grande

quantidade de terras que eram concedidas pelo governo federal para implementar os projetos.

O Estatuto da Terra formulado em 1964, já falava em colonização oficial e particular,

porém foi a partir de 1974 que a colonização particular foi estimulada, articulando os

interesses da empresa privado e do Estado, segundo Schaefer (1985, p. 50), essa era “a nova

maneira de promover o aproveitamento econômico da terra com base na empresa privada de

colonização”.

De acordo com Martins (1995, p. 96), o Estatuto da Terra foi uma espécie de reforma

agrária via colonização sem risco e desmobilizou os camponeses em sua luta pela posse da

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terra, ou seja, impediu que a questão agrária se transformasse em uma questão nacional e de

classe.

Nesse contexto, Martins (1995, p. 96), destaca que “o Estatuto estabelece como

ponto de essencial da redefinição fundiária a colonização de novas áreas, mediante remoção e

assentamento de lavradores desalojados pela concentração da propriedade ou removidos de

áreas de tensão”.

O “excedente” populacional que se deslocou para o Mato Grosso expulso pela

estrutura fundiária concentradora e por uma política oficial pela opção ao grande capital

tornou-se uma fronteira aberta pela grande quantidade de terras disponíveis. Na verdade, os

projetos de colonização para a Amazônia mato-grossense tinha o pretexto de camuflar os

problemas sociais dos pequenos produtores rurais das regiões Nordeste e Sul do país.

Assim, na assertiva destaca-se, A finalidade não era simplesmente ligar os pontos mais distantes do país à economia e ao desenvolvimento, mas, sobretudo como medida estratégica de segurança e controle sobre todo o território nacional para se evitar focos de organização armada, guerrilhas no seio da sociedade e o movimento “espontâneo e rebelde” na ocupação da terra. [...] Tratava-se, pois, mais de uma questão de “segurança interna”, de “colonização e reforma agrária” do que uma questão de “segurança externa”, de uma geopolítica inspirada na doutrina de defesa nacional. (PRETI, 1993, p. 14)

Nota-se que os problemas agrários no Brasil ao invés se serem resolvidos no próprio

local, são transferidos para outras regiões, como forma de amenizar os entraves para uma

condição justa pela posse da terra.

Dessa forma, Através das facilidades oferecidas pela ditadura, empresas nacionais e transnacionais instalaram-se nessa região, inclusive obtendo recursos financeiros para estruturação. Várias empresas usufruíram dos recursos promovidos por mecanismos de incentivos fiscais, trazendo pouco retorno para a nação e quase nenhum para a região Amazônica. Alguns nasceram apenas com a finalidade de especulação imobiliária da terra. (PICOLI, 2006, p. 47)

Também o Estado favoreceu a logística com a construção de estradas construídas no

âmbito do Plano de Integração Nacional - PIN, a Transamazônica e principalmente a BR-163

(Cuiabá-Santarém), chamada de rodovia da “integração”. Outra rodovia construída foi a BR-

080, que ligaria teoricamente Brasília a Manaus, cruzando a BR-163 na altura do km 700,

passando pelo Parque nacional do Xingu. Atualmente essa estrada denomina-se MT-322.

Ao mencionarmos sobre a fronteira agrícola no país, estamos nos referindo sobre a

expansão do capitalismo no campo e ao mesmo tempo a recriação capitalista nas áreas de

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expansão agropecuária, em que os movimentos migratórios tornaram-se expressões evidentes

onde para muitos a “saída é sair”.

Dessa forma, o papel do Estado na região amazônica ao promover a expansão do

capital esteve voltado para os objetivos repressivos do governo ditatorial, para conter

movimentos sociais e amenizar conflitos latentes da população excluída historicamente.

Origem dos assentamentos pesquisados no contexto da fronteira

Para entender o campo empírico delimitado pela pesquisa, primeiro deve-se

compreender a formação do município de Peixoto de Azevedo que estava relacionado pelo

povoamento da população garimpeira de ouro. A área de Peixoto de Azevedo fazia parte do

Projeto de Assentamento Conjunto – PAC/Peixoto de Azevedo – Cotrel, que em 1979,

pertencia ao Município de Chapada dos Guimarães - MT, passando a pertencer ao município

de Colíder – MT em 1982, e a partir de 1986 ao município de Guarantã do Norte. Também o

exército estava trabalhando na abertura da BR-163 aberta pelo 9º BEC - Batalhão de

Engenharia e Construção, a presença dos soldados inibia a garimpagem e a construção de

barracos á beira da estrada.

A área de garimpo de Peixoto de Azevedo se inicia na clandestinidade a partir de

1978, caminhando lado a lado com as demarcações de terras do governo, que visavam ao

assentamento de colonos. A cooperativa, vendo o garimpo se expandir, resolve recuar alguns

quilômetros das áreas garimpeiras, pois já imaginava que a tendência é só aumentar quando o

período das chuvas cessarem.

Assim explicado: Garimpeiros oriundos de Itaituba e Santarém/PA, com o objetivo de pesquisar ouro na região, vieram no ano de 1978. O resultado positivo se espalhou, atraindo outros homens e mulheres de toda região do país. Alguns garimpeiros de Paranaíta/MT, que foram expulsos da região de Alta Floresta/MT, ao passar pelo pequeno aglomerado de barracos que futuramente viria ser Peixoto de Azevedo, ali mesmo ficaram. No segundo semestre do ano de 1979, aconteceu a grande “corrida do ouro” e o pequeno aglomerado recebeu um grande contingente de pessoas. (ARRUDA, 2015, p. 35)

Com o ouro a flor da terra e a grande quantidade encontrada de ouro a situação ficou

incontrolável. A notícia se espalha rapidamente e a chegada de pessoas de diversas regiões do

país, principalmente do principalmente dos Estados do Pará e Maranhão.

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Dessa forma, um aglomerado urbano se formou e o grande movimento e circulação de

pessoas com a necessidade de reposição de mercadorias, ferramentas e gêneros alimentícios,

vários pontos de vendas foram surgindo. Na verdade era uma “currutela” constituída de

barracos de lona preta sem atendimento de saúde, educação, segurança por parte do Estado.

As ruas foram sendo abertas e a mata foi cedendo lugar a barracos construídos de troncos de

madeira extraída da floresta.

Também muitos colonos recém-chegados dos Estados do Sul, trazidos pelas

colonizações públicas ou privadas, para os projetos de assentamentos agrícolas, tornaram-se

garimpeiros. Conforme dados apontam que nesse período chegava-se a extrair dos garimpos

peixotenses cerca de mais de 1.000 quilos de ouro por mês. Durante a década de 1980, e

início de 1990, por cerca de 10% de toda a produção nacional de ouro.

O povoado foi elevado à condição de distrito, vinculado ao município de Colíder, na

data de 16 de Dezembro de 1981 e a emancipação político e administrativo ocorreu no dia 13

de Maio de 1986 através da Lei nº 4.999, promulgado pelo então governador do Estado da

época Júlio José de Campos.

As instalações do prédio para a prefeitura não havia e ocorreu da seguinte forma: Ocupando provisoriamente um prédio onde funcionava anteriormente uma compra de ouro. A primeira sede da prefeitura fora cedida pelos comerciantes locais. Estava localizada em meio ao comércio de gêneros alimentícios, compras de ouro, restaurantes, farmácias, prostíbulos, lojas de materiais para garimpo, hotéis, lanchonetes, comércio de roupas. (ARRUDA, 2015, p. 39)

Nesse cenário, o ouro representava a grande esperança para migrantes, aventureiros,

colonos A em que a atividade garimpeira aconteceu em um processo paralelo ao

desenvolvimento aos projetos de colonização, que na maioria dos casos foram fadados ao

insucesso. Assim, o garimpo representou uma atividade “compensatória” dos migrantes

iludidos e esperançosos com um futuro melhor.

Entretanto, Dentre os fatores pela “corrida” dos garimpeiros, assim pode ser

compreendido: O garimpo surge como estratégia de sobrevivência para uma massa de trabalhadores sem terra e sem emprego estável. Um segundo fator explicativo é a expectativa de capitalização da família camponesa, que leva pai e filhos a se mobilizarem sazonalmente entre roça e garimpo; exemplos são colonos de Sinop, que se deslocam para o garimpo de Peixoto de Azevedo (MT). (BECKER, 1998, p. 75)

No entanto, essa euforia foi efêmera, pois em 1990 veio o Plano Collor e o preço do

ouro despencou e o município de Peixoto de Azevedo sentiu maciçamente a crise da

população sem trabalho e renda. O lucro da circulação da época do garimpo beneficiou

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poucos, notadamente os comerciantes locais.

A história doa assentamentos no distrito de União do Norte tem sua origem nessa

crise do ouro em Peixoto de Azevedo, que levou a falência a principal atividade econômica, a

exploração do ouro. Ao se deparar com este quadro caótico que se agravava dia-a-dia,

resolveu-se levar os renascentes do garimpo e fixa-los no campo, onde com o apoio da

prefeitura de Peixoto de Azevedo.

Em julho de 1992, um grupo de pessoas formadas por topógrafos, técnicas agrícolas

e outros trabalhadores, realizaram um breve estudo sobre a área que seria ocupada,

demarcando as futuras estradas e divisas dos lotes para facilitar o acesso das famílias e evitar

possíveis conflitos entre as mesmas. Foi o primeiro passo para a realização do assentamento.

O latifúndio ocupado foi a Agropecuária Cachimbo, localizada no município de

Matupá, próximo a Peixoto de Azevedo, as terras pertenciam ao grupo Ometto4 comprou 300

mil hectares de terra do lado direito da BR-163.

Conforme as entrevistas, o MST - Movimento Sem Terras organizou um grupo de

aproximadamente 375 pessoas que estavam interessados em adquirir um pedaço de terra para

recomeçar suas vidas e iniciaram a abertura dos terrenos, fazendo derrubadas, construindo

barracos, realizando pequenas plantações e criando alguns animais para garantir a alimentação

de suas famílias.

De acordo com as entrevistas, o prefeito de Peixoto de Azevedo junto com o

maquinário da prefeitura à frente, deu início ao processo de assentamento rural em uma gleba

de terras, até então, completamente improdutiva. Desta forma, a cidade de Peixoto de

Azevedo se desafogou e foi criado um centro de produção e de absorção de mão-de-obra.

Após se fixarem no local e com o Projeto já consolidado, no ano de 1996, os líderes do

MST, por intermédio da Reforma Agrária, fundaram o primeiro Projeto de Assentamento na

região, o PA Cachimbo I, localizado ao lado direito da MT-322 e, no mesmo ano, iniciou-se a

divisão das terras em lotes de 50 hectares e chácaras de 06 ou 07 hectares para serem

repartidos entre as famílias que ali estavam no total foram assentadas 903 famílias no PA

4 A Agropecuária Cachimbo “na realidade ela extendeu seus domnínios muito além, grilando enormes áreas ao longo da estrada (uns 50 mil ha), onde posteriormente seria obrigada pelo INCRA a desenvolver o projeto de colonização Matupá para legalizar essa posse. Beneficiada por créditos e incentivos fiscais, a “Cachimbo” (como é maos conhecida na região) abriu a mata para a formação de grandes pastagens”. (PRETI, 1993, p. 26)

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Cachimbo I e 769 famílias assentadas no PA Cachimbo II e posteriormente foram criados os

demais assentamentos, conforme as entrevistas realizadas.

Projeto de Assentamento

Ano de

Criação

Número de Famílias

Assentadas

Área Total

em (Km²)

PA Antônio Soares 2005 103 160

PA Belmonte 2003 39 12,8

PA Cachimbo I 1996 903 521,4

PA Cachimbo II 2000 769 495,1

PA Planalto do Iriri 2005 211 225,5

PA Vida Nova I 2004 333 161,4

PA Vida Nova II 2005 103 98,5

PA Padovani 1997 438 311,7

PA São Francisco do Jarinã 2002 110 171,2

PA ETA 1987 307 233,5

PA Teodomiro Ferreira dos Santos 2002 193 114,1

Quadro 01 – Assentamentos Rurais em Peixoto de Azevedo – MT Fonte: ICV (2015 p. 3)

Quanto ao número de pessoas que residem nos nove assentamentos podemos resumir

em porcentagem, 53% de pessoas no P. Cachimbo I, 27% no P. Cachimbo II e 20% de

pessoas em outros assentamentos.

A vila União do Norte começou a se formar próximo a um pequeno rio e, naquela

época, era conhecida por todos como Vila Sucan, isso porque naquele local, ficava o

alojamento dos profissionais da SUCAM - Superintendência de Campanhas de Saúde Pública,

órgão responsável pelo tratamento das pessoas que contraíam a malária e assim criado o

distrito de União do Norte.Ali, os pioneiros começaram a construir as primeiras casas e os

primeiros comércios, além de um barracão para reuniões e festas, um ponto rodoviário com

lanchonete e algumas casas.

Situação dos assentamentos em União do Norte - MT

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O Governo Federal junto ao Banco do Brasil e o município de Peixoto de Azevedo

iniciaram a busca de verbas para a Reforma Agrária no intuito de manter as pessoas em suas

terras, sustentando-os durante os primeiros anos. Os recursos financeiros adquiridos tinham

um prazo de três anos para os colonos começarem a pagar com um desconto de 40% do valor

concebido se fosse pago dentro do prazo estipulado.

Assim, o primeiro recurso aprovado e distribuído entre os colonos foi o recurso

agrícola. O projeto visava manter as famílias nas propriedades, ajudando-as em seu sustento e

auxiliando-as na produção. Foi liberado cerca de três mil reais para que as famílias

comprassem alimentos suficientes para mantê-las até que suas plantações começassem a

producir, de acordo com as entrevistas nos órgãos públicos.

Também o PROCERA - Programa Especial de Crédito para a Reforma Agrária

auxiliou na compra de alguns animais e na construção de cercas para que, assim, pudessem

desenvolver a pecuária com segurança em suas respectivas terras através da criação de gado

para corte ou leite conforme a preferência de cada família.

Houve o Auxílio Habitação que foi um importante recurso adquirido, pois, com ele, as

famílias conseguiram construir uma casa de alvenaria para morar já que, antes deste benefício,

as famílias moravam, ou em casas feitas de madeira bruta ou em casas feitas de barro, sem

segurança necessária e indispensável para seus filhos.

No início da década de 2000, mais uma importante conquista. Por meio do Projeto Luz

Para Todos, iniciaram-se as instalações de energia elétrica no assentamento, deixando as

famílias mais animadas.

Tendo em vista o levantamento de dados e informações obtidas nos assentamentos de

acordo com o decreto federal nº 8738, de 03 de Maio de 2016, que regulamenta o processo de

seleção das famílias beneficiárias do Programa Nacional de Reforma Agrária, pelo INCRA -

Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária.

a discriminação estão denominados os cadastrados como: Assentados; Eliminado;

Desistentes; Titulados; Transferidos; Registro Suspenso em Virtude e; Falecidos.

Dentre eles consegue-se fazer uma estimativa de quantas famílias são cadastradas

perante o Programa Nacional da Reforma Agrária, onde 4.245 pessoas estão no cadastro. Esse

cadastramento é dividido em nove assentamento, que são PA Planalto do Iriri, PA Belmonte,

PA Aquários, PA Antonio Soares, PA Vida Nova I, PA Vida Nova II, PA Teodomiro Ferreira

dos Santos, PA Cachimbo I e PA Cachimbo II.

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Gráfico 1 - PA Planalto de Iriri: Situação dos assentados de União do Norte/MT

Fonte: INCRA/ 2016.

No PA Planalto de Iriri a situação dos assentados de 175 famílias foi grande a

desistência, representado por 127 famílias.

Gráfico 2 - PA Belmonte: Situação dos assentados de União do Norte/MT

Fonte: INCRA/ 2016.

Quanto ao PA Belmonte é considerado o menor assentamento da região com o número

de 35 famílias assentadas e somente duas famílias desistentes.

52%38%

3%6%

1%

PLANALTO DO IRIRI

ASSENTADO

DESISTENTES

TRANSFERIDO

ELIMINADO

R.S.V

87%

2%5%

3% 3%

PA BELMONTE

ASSENTADOS

ELIMINADOS

DESISTENTES

TRANSFERIDOS

R.S.V

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Gráfico 3 - PA Aquários: Situação dos assentados de União do Norte/MT

Fonte: INCRA/ 2016.

Com referência ao PA Aquários a situação dos assentados representa alto índice de

transferência dos lotes para terceiros, de 22 famílias assentadas, 12 famílias “venceram” os

lotes.

Gráfico 4 - PA Antonio Soares: Situação dos assentados de União do Norte/MT

Fonte: INCRA/ 2016.

Com relação ao PA Antonio Soares a situação dos assentados de desistência foi de 47

famílias, 11 transferidos e 12 eliminados das 95 famílias assentadas.

56%

10%

31%

3%

PA AQUARIOS

ASSENTADOS

DESISTENTE

TRANSFERIDO

ELIMINADO

58%28%

7%7%

PA ANTONIO SOARES

ASSENTADO

DESISTENTE

TRANSFERIDO

ELIMINADO

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Gráfico 5 - PA Vida Nova I: Situação dos assentados de União do Norte/MT

Fonte: INCRA/ 2016.

No PA Vida Nova I a situação dos assentados foi de 35 desistência e 9 famílias

venderam os lotes das 148 famílias assentadas.

Gráfico 6 - PA Teodomiro Ferreira dos Santos: Situação dos assentados de União do Norte/MT

Fonte: INCRA/ 2016.

Quanto ao PA Teodomiro Ferreira dos Santos a situação dos assentados verificou-se

grande transferência dos lotes, 114 famílias das 183 assentadas.

73%

17%

4%5%

1% 0%

PA VIDA NOVA I

ASSENTADO

DESISTENTE

TRANSFERIDO

ELIMINADO

R.S.P

FALECIDO

61%

38%

0% 1%

PA TEODOMIRO FERREIRA DOS SANTOS

ASSENTADO

TRANSFERIDO

ELIMINADO

R.S.V

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Gráfico 7 - PA Vida Nova II: Situação dos assentados de União do Norte/MT

Fonte: INCRA/ 2016.

Com referência ao PA Vida Nova II a situação dos assentados foi de 23 famílias

desistentes dos lotes e 19 eliminadas das 82 famílias assentadas.

Gráfico 8 - PA Cachimbo II: Situação dos assentados de União do Norte/MT

Fonte: INCRA/ 2016.

Com relação ao PA Cachimbo II a situação dos assentados constatou significativa

desistência de 199 famílias, 182 transferiram o lote e 367 foram eliminadas das 823 famílias

assentadas.

63%

18%

4%15%

PA VIDA NOVA II

ASSENTADO

DESISTENTE

TRANSFERIDO

ELIMINADO

52%

13%

11%

23%

1% 0%

PA CACHIMBO II

ASSENTADO

DESISTENTE

TRANSFERIDO

ELIMINADO

SUSPENSO

FALECIDO

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Gráfico 9 – PA Cachimbo I: Situação dos assentados de União do Norte/MT

Fonte: INCRA/ 2016.

Quanto ao PA Cachimbo I, o maior dos nove assentamentos em número de famílias, a

situação dos assentados constatou o elevado número das famílias eliminadas, 299 das 944

famílias assentadas.

Apesar de terem conseguido um lugar para morar, as dificuldades na terra eram muitas

e isto fez com que muios deixassem seus lotes para morar no distrito de União do Norte. Esse

abandono nos lotes começou antes ainda do ano 2000 e o número foi aumentando no decorrer

dos anos. Entre 2000 e 2010, 46% abandonaram suas terras e após o ano de 2010 foram 47%

das pessoas.

Dentre os vários motivos que levaram as pessoas a abandonarem suas terras, o

primeiro se refere a problemas de saúde com 13% dos entrevistados; o segundo, com 20%,

foram à busca por emprego já que no sítio não existia renda fixa, e o terceiro motivo, com

67% dos entrevistados responderam o estudo dos filhos.

Mesmo morando no distrito, 47% das pessoas ainda possuem lotes em algum

assentamento da região e 53% disseram que já venderam sua terra a terceiros para investir em

outra coisa.

Das pessoas que venderam os sítios, segundo o gráfico acima, 42% foi pra comprar

uma casa, 42% para investir em um negócio, 9% venderam para repartir a herança entre os

filhos, e ainda 7% venderam para tratar da saúde.

O INCRA como órgão responsável pelas ações de seleção e classificação dos

beneficiários da reforma agrária, tem o dever de bem aplicar as regras de seleção que ele

66%5%1%

21%

0%0%

7%

PA CACHIMBO I

ASSENTADO

DESISTENTE

TRANSFERIDO

ELIMINADO

R. S. V

FALECIDO

TITULADO

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mesmo estipulou por meio da Norma de Execução/INCRA/nº 18, de 19 de outubro de 2001,

não podendo admitir, como participantes, aqueles que não se enquadram nos critérios

elencados, sobretudo os que exercem cargo ou função pública federal, estadual ou municipal,

que, sabidamente, não possuem vocação agrícola.

Também outro problema é a ausência de documentação na maior parte dos

assentamentos, conforme foi verificado: Isso ocorre tanto para os Contratos de Concessão de Uso (CCU), documento de caráter provisório que transfere o imóvel rural ao beneficiário da reforma agrária e assegura o acesso à terra, ao crédito e a programas federais, quanto para o título definitivo. O motivo da falta dos CCUs e títulos relaciona-se à gestão do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária, especialmente no que tange a realização do georreferenciamento dos imóveis rurais. A baixa atuação da prefeitura e a falta de documentação pessoal dos assentados também foram apresentados como entraves ao processo de regularização fundiária. (Instituto Centro de Vida – ICV, 2015, p. 5):

Essa situação aumenta a comercialização irregular dos lotes dos assentamentos, gera

insegurança jurídica, impede o acesso ao crédito e, consequentemente, impacta negativamente

na produção. Esse processo acarreta na diminuição das perspectivas para a população que

vive no campo.

Apesar de ser um assentamento estabelecido, as pessoas manifestam certo receio com

relação à garantia de uma atividade fixa de renda. Por isso acreditam que o futuro do

assentamento está relacionado ao sucesso do laticínio (ICV, 2015, p. 48).

Nesse sentido, Existem aproximadamente 20 associações comunitárias atuando no assentamento, contudo, o interesse e participação dos assentados é muito fraca. No passado chegou a existir uma cooperativa dos produtores, mas atualmente está abandonada. Há uma organização dos chacareiros (com aproximadamente 30 participantes), que são aquelas pessoas que ocuparam terrenos invadidos e de menor porte (12 hectares ou menos), próximos da entrada do assentamento. Essa organização tem por finalidade preservar as beiras de córregos e se organizar para as pessoas viverem com a produção da própria chácara. Já existe plantio de cupuaçu, banana e produção de conservas. (ICV, 2015, p. 49)

A principal fonte de renda dos agricultores é o gado de corte e de leite. O problema do

leiteiro atual é que não atende todos os produtores e acaba escolhendo os melhores travessões.

A lavoura é ainda reconhecida como de muito difícil desenvolvimento, em especial por causa

do baixo preço de venda (dos grãos principalmente) e das dificuldades de comercialização do

produto.

Existe a Associação de Minis e Pequenos Agricultores do Projeto de Assentamento

Cachimbo - AGRIPAC, fundada em 1997 e possui 125 associados que estão sendo

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incentivados a produzir frutas o ano todo, além do fornecimento de verduras e legumes para o

município de Peixoto de Azevedo. Foi adquirida pela Associação em 2016 uma despolpadeira

de frutas. A máquina possui capacidade para produzir 150 quilos de polpa por dia.

Reconfiguração da fronteira com os assentamentos rurais em União do Norte – MT

Ao recorrermos a uma análise empírica nos assentamentos rurais no distrito de União

do Norte - MT apreendermos um conjunto de dados e informações acerca da realidade vivida

e das condições de existência de seus produtores familiares em suas mudanças e

permanencias, em que o Estado capitalista cria suas próprias fronteiras e promove à

homogeneização dos indivíduos, a história regional corre o risco de ser apresentada de forma

ideológica, em que oculta a dominação e nega o conflito das contradições das classes sociais,

que de um lado promoveu o sucesso as grandes propriedades, de outro, gerou assentamentos

rurais com agricultores empobrecidos e sofridos.

Na verdade, O campesinato deve, pois, ser entendido como classe social que ele é. Deve ser estudado como um trabalhador criado pela expansão capitalista, um trabalhador que quer entrar na terra. O camponês deve ser visto como um trabalhador que, mesmo expulso da terra, com frequência a ela retorna, ainda que para isso tenha que (e)migrar. Dessa forma, ele retorna à terra mesmo que distante de sua região de origem. É por isso que boa parte da história do campesinato sob o capitalismo é uma história de (e)migrações. (OLIVEIRA, 2007, p.11)

Compreender a reconfiguração da fronteira amazônica mato-grossense com a

expansão do campesinato em um movimento combinado e contraditório do capital, e ao

mesmo tempo assinalar um espaço promissor ao agronegócio. Acomoda de outro lado sujeitos

sociais excluídos historicamente, tendo em vista muitos assentados deixarem de trabalhar em

seu lotes e irem trabalhar como como trabalhadores assalariados nas grandes fazendas no

entorno dos assentamentos, em que foram verificados muitos casos a partir das entrevistas.

Entender a dinâmica que esse espaço rural se apresenta e o pequeno proprietário com

sua produção, coexistindo de forma complementar com o grande capital, como se constata na

afirmação: O pequeno proprietário sobrevive e até mesmo se afirma, assim como nas mais diferentes atividades agrícolas, são inúmeros os pequenos produtores. Trabalham a terra com a sua família e em certos casos assalariando alguns trabalhadores em épocas de preparo da terra, plantio ou colheita. [...] Em muitos casos, o pequeno produtor produz matéria-prima para a grande empresa, fazenda, plantation, fábrica, agroindústria. (IANNI, 1999, p. 39),

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Conforme afirma Santos (1993. p.14), “o modo pelo qual o desenvolvimento extensivo

e intensivo do capitalismo cria e recria a fronteira, esta é uma realidade simultaneamente

geográfica e histórica, passado e presente, envolvendo problemas sociais, demográficos,

fundiários, econômicos, políticos e culturais”.

O pequeno proprietário com sua produção não desaparecem com as transformações no

processo de trabalho, coexistindo de forma complementar com o grande capital, como se

constata na afirmação de Ianni (1999, p. 39), em que “a pequena produção continua a ser

importante no conjunto da vida socioeconômica no mundo agrário”.

Nesse sentido, O capital monopoliza as frações do território dominadas pelos camponeses para se apropriar da renda gerada pelo trabalho familiar, e que está contida nos produtos que os camponeses necessitam colocar no mercado.[...] os capitalistas dele se apropriam ao comprar a produção camponesa a um preço infeiror ao valor-trabalho nela contido. (PAULINO, 2007, p. 345)

Sabe-se que as políticas públicas no Brasil a partir dos anos de 1990, estiveram

pautadas nas orientações neoliberais representadas pelos organismos internacionais como o

PNUD - Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento, o FMI (Fundo Monetário

Internacional) e o Banco Mundial. A questão territorial passou a ser reconhecido como

componente estratégico das políticas públicas para atender o desenvolvimento rural pautado

nos objetivos de cunho neoliberal e os assentamentos rurais está também nesse contexto da

abordagem territorial.

Dessa maneira, o camponês no âmbito de políticas públicas que passa ser

denominados de agricultor familiar perde seu caráter de luta e de autonomia e se conforma

com o que lhe ofertado por meio de tais políticas e camufla o crescimento e concentração do

lucro do agronegócio brasileiro.

Nesse contexto, no final dos anos de 1990 a política de desenvolvimento territorial vai

estar imbuída nas políticas públicas do governo federal com objetivo de minimizar a pobreza

rural e as desigualdades sociais e regionais.

Assim, pautada nessa ótica do desenvolvimento rural, Uma vez iniciada a formação de uma rede nacional que reúne extensionistas, movimentos sociais e inteligência universitária na formação dos conselhos de desenvolvimento rural, é urgente que se caminhe para mudar o formato atual que não tem estimulado que os conselhos preencham as funções para as quais foram concebidos e criados. (ABRAVOMEY, 2003, p. 84)

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No entanto, o discurso nas políticas públicas de desenvolvimento rural se destaca

como, Diversificação produtiva, pluriatividade, transformação do pequeno produtor em empresário rural, capacitando-o para contribuir melhor com a acumulação do capital, implementação de políticas de desenvolvimento baseadas em mecanismos de mercado, busca de consensos entre classes sociais, participação popular e substituição de enfoques setoriais por outros territoriais. (MONTENEGRO GÓMEZ, 2006, p. 73)

Essa preocupação de elaborar estratégias para o desenvolvimento rural mediante

políticas públicas com enfoque de caráter territorial aponta para, a construção de alianças com

todos os agentes públicos e privados interessados no desenvolvimento como forma de manter

os interesses do capital, com objetivo principal a manutenção da ordem, amenizar conflitos

sociais e o ajustamento do camponês na reprodução social como agricultores familiares com

medidas compensatórias de dependência e permanência no meio rural na atual fase do

capitalismo.

Portanto, o surgimento dos nove assentamentos rurais no distrito de União do Norte –

MT circundado pelo latifundio travestido em sua versão de agronegócio bem sucedido tem

promovido a reconfiguração da fronteira capitalista, que de um lado concede um lote de terra,

mesmo que depois esse mesmo lote seja transferido (vendido) para terceiros, exemplos

constatados nas entrevistas, do outro lado, começa a formar a junção de dois, três ou mais

lotes e ir redesenhando os assentamentos rurais em estudo.

Considerações finais

Ao tratarmos o espaço rural em uma região de expansão de fronteira da Amazônia

mato-grossense ocupada por processos de assentamentos de reforma agrária nos remete a

muitos questionamentos, principalmente no caso deste estudo, em que os nove assentamentos

encontram-se em áreas circunvizinhas de grandes propriedades voltadas ao agronegócio da

soja e da pecuária de corte.

Podemos afirmar que não se tem realizado reforma agrária no Brasil, mas sim, uma

política de distribuição de terras com pouca preocupação quanto ao futuro do assentado na

terra, ou seja, com as condições necessárias para o mesmo produzir de forma viável, bem

como se reproduzir socialmente permanecendo no campo com qualidade de vida.

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Essa política de assentamentos rurais não se constitui em uma verdadeira reforma

agrária, também, pelo fato de, na maioria das desapropriações ocorre a indenização dos

“proprietários” a preços que incluem a especulação imobiliária, o que impede um melhor

investimento nos assentamentos e dificultando uma reforma ampla na estrutura agrária.

Dessa maneira, a desapropriação de latifúndios para a realização de assentamentos

rurais por meio da compra de terras pelo Estado com pagamento da dívida agrária, com

preços que só interessam aos grandes proprietários, não é reforma agrária e sim um “negócio

agrário”.

Uma reforma agrária ampla com política pública estrutural que reduz drasticamente

os problemas no campo de forma que eles não sejam mais empecilhos para o

desenvolvimento social do país -, nunca foi realizada no Brasil, de modo que as ações

praticadas pelos vários governos com a denominação de “reforma agrária” são apenas parte de

políticas agrárias restritas e conservadoras.

De acordo com a pesquisa verificou-se nos assentamentos do distrito de União do

Norte-MT apresenta muitos problemas como, primeiro; a venda da terra por meio de

transferência da posse do título dos lotes para outras pessoas que não atendem aos requisitos

legais do programa de reforma agrária; segundo, pouca atuação de políticas públicas para

incentivar a permanência do assentado no lote; terceiro, a geração de renda no lote não

garantiu a sobrevivência de toda família no lote.

Portanto, compreender estes assentamentos na Amazônia mato-grossense representa

em uma região de rica biodiversidade e que envolve além de questões socioeconômicas, a

ambiental e ter um olhar para uma população que se encontra excluída há décadas.

Referências Bibliográficas ARRUDA, Luzia Rodrigues. Mulheres negras garimpeiras na região de Peixoto de Azevedo – MT: décadas de 1970 a 1980. 119 f. Dissertação (Mestrado em Educação) – UFMT: Cuiabá, 2015. BECKER, Bertha K. Amazônia. 6. ed. São Paulo: Ática, 1998. BRASIL. Casa Civil. Subchefia para Assuntos Jurídicos. Decreto nº 8.738, de 3 de maio de 2016. Brasília: DF, 2016.

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BRUM, Argemiro J.; TRENNPOHL, Vera Lúcia. Agricultura brasileira: formação, desenvolvimento e perspectivas. 3. ed. Ijuí: UNIJUÌ, 2005. IANNI, Octávio. Colonização e contra-reforma agrária na Amazônia. Petrópolis: Vozes, 1979. IANNI, Octávio. A era do globalismo. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1999. INSTITUTO CENTRO DE VIDA. Situação fundiária no município de Peixoto de Azevedo (MT). ICV: Cuiabá, 2015. INSTITUTO NACIONAL DE COLONIZAÇÃO E REFORMA AGRÁRIA. Estatuto da Terra. Campo Grande - MS, 1964. INSTITUTO NACIONAL DE COLONIZAÇÃO E REFORMA AGRÁRIA. Superintendência Regional. Famílias beneficiárias do Programa Nacional de Reforma Agrária. Guarantã do Norte – MT, 2016. MARTINS, José de Souza. Os camponeses e a política no Brasil. Petrópolis: Vozes, 1995. MONTENEGRO GÓMEZ, Jorge R. Desenvolvimento em (des)construção: narrativas escalares sobre desenvolvimento territorial rural. 2006. Tese (Doutorado em Geografia) – Universidade Estadual Paulista, Presidente Prudente - SP, 2006. OLIVEIRA, Ariovaldo Umbelino. Modo de Produção Capitalista, Agricultura e Reforma Agrária. São Paulo: Labur Edições, 2007. PAULINO, Eliani Tomiasi. Geografia Agrária e questão agrária. In: FERNANDES, Bernardo Mançano; MARQUES, Marta I. M.; SUZUKI, Júlio C. (Orgs.). Geografia Agrária: teoria e poder. São Paulo: Expressão Popular, 2007. PICOLI, Fiorelo. O capital e a devastação da Amazônia. São Paulo: Expressão Popular, 2006. PRETI, O. Terra, ouro e sangue em Guarantã do norte: 20 anos de luta pela terra. Cadernos do Núcleo de Estudos Rurais e Urbanos, Cuiabá, ano 4, n. 2, p. 3-25, jul./dez. 1993. SCHAEFER, José Renato. As migrações rurais e implicações pastorais. São Paulo: Loyola, 1985. SANTOS, José Vicente Tavares dos. Matuchos: exclusão e luta – do Sul para a Amazônia. Petrópolis: Vozes, 1993. SCHAEFER, José Renato. As migrações rurais e implicações pastorais. São Paulo: Loyola, 1985.

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