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1 PERSPECTIVA HISTÓRICA DA GEOGRAFIA AGRÁRIA E OS DESAFIOS DE SUA DEFINIÇÃO. Mariane de Oliveira Fernandes Universidade Federal de Santa Maria – UFSM [email protected] Vera Maria Favila Miorin Universidade Federal de Santa Maria –UFSM [email protected] Resumo Este artigo tem a pretensão de abordar na trajetória da Geografia brasileira, o nascimento da geografia agrária, utilizando-se dos debates, reflexões e perspectivas que hoje a constituem. A construção deste artigo se deve às leituras em ensaios, artigos e revistas referentes a Geografia Agrária, permitindo ser possível defini-la, embora seja uma árdua tarefa a construção da totalidade de seus conteúdos. Avaliamos que o trabalho deixa lacunas que o afastam de qualquer pretensão a respeito de tê-lo considerado por acabado; porquanto a bibliografia hoje disponível, não foi totalmente analisada, embora faça parte do propósito da investigação. No momento, tem-se como objetivo tratar da importância de pesquisadores estrangeiros que contribuíram na formação e na fundamentação teórico-metodológica utilizada nos estudos de Geografia Agrária brasileira, segundo o mérito dispensado a eles pelos geógrafos do Brasil. No momento, objetiva- se determinar os desafios conceituais, de definições e metodológicos da Geografia Agrária na perspectiva histórica da ciência Geográfica. Palavras-chave: Geografia Agrária Brasileira. Influência Histórica Estrangeira. Desafios e Definições. Introdução Os primeiros estudos de geografia agrária teriam se firmado na evolução do pensamento geográfico por ocasião da segunda fase da Geografia Moderna em presença do paradigma fragmentário, no século XIX e XX, por ocasião do aumento da fragmentação-espacialização e da aglutinação das ciências fragmentárias em campos comuns ou de aproximação que resultou na divisão da Geografia em Geografia Humana e Geografia Física. Mais precisamente, pode ser situada no âmbito dos estudos do homem, a partir da antropogeografia de Ratzel, cujas concepções a respeito do homem e de seus papéis foram concebidas na fronteira com a Antropologia. Resultante da aproximação das ciências, estudos de fronteira entre ciências, a direção dos enfoques das análises geográficas se expandiram também para outras fronteiras, como foi o caso

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PERSPECTIVA HISTÓRICA DA GEOGRAFIA AGRÁRIA E OS DESAFIOS DE SUA DEFINIÇÃO.

Mariane de Oliveira Fernandes Universidade Federal de Santa Maria – UFSM

[email protected]

Vera Maria Favila Miorin Universidade Federal de Santa Maria –UFSM

[email protected]

Resumo Este artigo tem a pretensão de abordar na trajetória da Geografia brasileira, o nascimento da geografia agrária, utilizando-se dos debates, reflexões e perspectivas que hoje a constituem. A construção deste artigo se deve às leituras em ensaios, artigos e revistas referentes a Geografia Agrária, permitindo ser possível defini-la, embora seja uma árdua tarefa a construção da totalidade de seus conteúdos. Avaliamos que o trabalho deixa lacunas que o afastam de qualquer pretensão a respeito de tê-lo considerado por acabado; porquanto a bibliografia hoje disponível, não foi totalmente analisada, embora faça parte do propósito da investigação. No momento, tem-se como objetivo tratar da importância de pesquisadores estrangeiros que contribuíram na formação e na fundamentação teórico-metodológica utilizada nos estudos de Geografia Agrária brasileira, segundo o mérito dispensado a eles pelos geógrafos do Brasil. No momento, objetiva-se determinar os desafios conceituais, de definições e metodológicos da Geografia Agrária na perspectiva histórica da ciência Geográfica. Palavras-chave: Geografia Agrária Brasileira. Influência Histórica Estrangeira. Desafios e Definições.

Introdução

Os primeiros estudos de geografia agrária teriam se firmado na evolução do pensamento

geográfico por ocasião da segunda fase da Geografia Moderna em presença do

paradigma fragmentário, no século XIX e XX, por ocasião do aumento da

fragmentação-espacialização e da aglutinação das ciências fragmentárias em campos

comuns ou de aproximação que resultou na divisão da Geografia em Geografia Humana

e Geografia Física. Mais precisamente, pode ser situada no âmbito dos estudos do

homem, a partir da antropogeografia de Ratzel, cujas concepções a respeito do homem e

de seus papéis foram concebidas na fronteira com a Antropologia. Resultante da

aproximação das ciências, estudos de fronteira entre ciências, a direção dos enfoques

das análises geográficas se expandiram também para outras fronteiras, como foi o caso

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da Geografia Agrária, desenvolvida por Daniel Faucher, na fronteira da sociologia e da

economia. (MOREIRA, 2011).

Segundo as análises e reflexões de Moreira (2011), entende-se que os estudos

desenvolvidos em Geografia Agrária estavam contidos no âmbito de aglutinação do

campo da Geografia Humana. O homem e o meio caracterizavam-se como parte de um

enfoque amplo, de um holismo, por assim dizer, a respeito das relações entre homem e

natureza, entendida, neste caso, como o meio natural onde se processa a vida humana.

Estas reflexões sobre a relação do homem com a natureza, no plano da fronteira da

geografia com a Antropologia, a Sociologia e a Economia, praticamente inaugurou a

tradição de se ver o homem em relação com a natureza por meio da mediação do espaço

político do Estado. Conferindo a criação das chamadas geografias setoriais e inclinado a

reconhecer os referenciais do positivismo organicista de Herbert Spencer (1820-1903)

no pensamento geográfico.

Embora o termo Geografia Agrária advenha do paradigma fragmentário da evolução do

pensamento geográfico, esta Ciência tem percorrido uma trajetória de mudanças e

assistido expressivos conflitos no que diz respeito à sua definição, funções e conteúdo

social. Tal dinâmica tem promovido o surgimento de uma série de estudos e pesquisas

neste campo em vários países, como no caso da Geografia brasileira, e promovido

reflexões teórico-metodológicas de fundamental importância dado as dimensões das

transformações em curso nas espacialidades rurais.

A pesquisa em desenvolvimento no Curso de Mestrado proporciona discussões sobre a

Geografia Agrária brasileira, destacando sua importância e os diversos olhares dos

pensadores que seguem distintas correntes filosóficas, ao interpretarem os problemas

das realidades espaciais, formularem conceitos e definirem termos em Geografia

Agrária. No presente é possível identificar novos olhares e novos entendimentos sobre o

espaço agrário, visto segundo suas principais categorias de análise resultantes do que no

passado era denominado de relações homem e natureza – homem e meio. (SANTOS,

1994)

Reflexões Preliminares

O estudo da relação homem e natureza acompanha o desenvolvimento da Geografia

desde a sua origem. A experiência vivenciada pelo homem no que diz respeito a

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agricultura e ao campo, segundo Suzuki (2011) são componentes anteriores até mesmo

à sistematização do saber então realizado no século XIX. O interesse geográfico pelo

estudo do meio rural desenvolveu-se de forma bastante particular e alcançou um papel

de destaque no contexto da ciência geográfica, sendo contemporâneo ao

desenvolvimento da Geografia Científica do século XIX e início do XX.

Para Suzuki (2011) até a Segunda Guerra Mundial o que foi produzido é somente

Geografia Humana e não uma Geografia Agrária, de tal forma que, para este autor,

ainda não há um campo de saber assim definido como Geografia Agrária.

Geógrafos e historiadores são co-fundadores da Geografia Agrária, na Alemanha e na Inglaterra, a partir de discussões realizadas no final do século XIX, e depois na França; sendo Marc Bloch o primeiro a difundir, na universidade, uma concepção que relacionasse os camponeses, as formas de ocupação do solo e de habilitação como produtos da organização da sociedade e do poder no tempo, a partir de um ramo do saber denominado história rural; tendo, em 1931, publicado Caractères originaux de l’histoire rurale française; obra que orientou os geógrafos, tornando-se, por um tempo, um arquético de uma geografia indiferentemente agrária e rural [...] Assim, não é possível pensar uma Geografia Agrária anterior à obra de Marc Bloch, ou seja, uma Geografia Agrária constituída já no primeiro quartel do século XX. (SUZUKI, 2011, p. 23-24)

Até então a discussão mantém concentrada nas grandes aéreas como a Geografia Física

e Humana. Suzuki (2011) faz referência à obra de Marc Bloch, um historiador francês

(1886-1944) onde seus trabalhos e pesquisas abriram novos horizontes nos estudos

sobre o feudalismo. Escreveu obras como Les caractères originaux de l'histoire rurale

française (1931) e La société féodale (1939).

No entanto, em fins do século XIX até meados do século XX, “já havia publicações

utilizando-se da expressão “Geografia Agrária”, como é o caso da obra de Daniel

Faucher, Geographie Agraire (Types de Cultures), de 1949)” (SUZUKI, 2011, p. 24).

Para este pensador, a Geografia Agrária tem como objeto a descrição das formas de

atividades e dos meios agrícolas. A Geografia Agrária é essencialmente qualitativa, ela

se estabelece sobre todo um conjunto de dados que só podem ser compreendidos do

interior, pelo contato direto e, de algum modo, íntimo com a vida e a mentalidade

camponesa. Suzuki (2011, p. 24) diz que: “A definição da Geografia Agrária como sub-

área da Geografia, constitui-se mais de uma década após a publicação do livro de Daniel

Faucher, no Brasil, em que se pese três de suas dimensões: a política, a técnica e a

social.”

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Na segunda metade do século XX, já há um diálogo e preocupação com as relações

sociais presente em obras de Pierre George, no qual a Geografia agrícola tem como

objeto o conhecimento e a expressão das relações sociais e econômicas. No Brasil, tais

preocupações serão refletidas através de “Manuel Correia de Andrade, um geógrafo

para além do seu tempo, [...]” (SUZUKI, 2011, p. 28)

Sabe-se que a Geografia Agrária passa por um processo de construção do

conhecimento, sendo fundamental o estudo sobre a atualidade do pensamento

geográfico em que os eventos são entendidos como espaços fundamentais para que esse

processo ocorra.

Primórdios da Geografia brasileira: do homem e da terra

A Geografia brasileira começa-se a ser dialogada com caráter científico a partir de 1930,

quando foram criados o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e

importantes faculdades de Filosofia, Ciências e Letras. Andrade (1992) na sua obra

Geografia, ciência da sociedade: uma introdução à análise do pensamento geográfico

trata que na República Velha, período de 1889 à Revolução de 1930, já eram publicados

livros de cunho geográfico, sendo influenciados por geógrafos franceses e alemães,

sendo a maioria deles de pensamento afinado no positivismo organicista. Segundo

Ferreira (2001)

Até a década de 1930, a literatura de interesse geográfico pode ser enquadrada em quatro fases (Andrade, 1994). A primeira, até a metade do século XVIII, é representada por trabalhos de cunho não-científico efetuados por cronistas, aventureiros e comerciantes que, em crônicas e relatórios, se preocupavam com a descrição dos homens e da terra. A segunda fase, que compreende a primeira metade do século XIX, foi marcada pela vinda de viajantes estrangeiros, os quais objetivavam conhecer diferentes áreas do país, observando e colhendo informações e material para estudos. (FERREIRA, 2001, p, 41)

Não apenas nesta obra, mas em outras, Andrade discute a Geografia brasileira contando

sua história e a sua institucionalização. Andrade (1993) relata que “No Brasil o

desenvolvimento dos estudos geográficos se fez muito lentamente; durante o período

imperial e da Primeira República os geógrafos se dedicaram mais a fazer estudos

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descritivos, levantamentos estatísticos e a produzirem alguns atlas”. (ANDRADE, 1993,

p. 18)

Este autor faz destaque de alguns pensadores que contribuíram para o desenvolvimento

do pensamento geográfico através dos seus trabalhos, como o do Barão de Rio Branco,

que foi professor, político, jornalista, diplomata, historiador e biógrafo. Estabeleceu os

contornos do território brasileiro em meados de 1910 e áreas de fronteiras com países

vizinhos. No Brasil, segundo Andrade (1994), no início do século XX militares e

engenheiros seguiram uma linha determinista, adaptando os ensinos geopolíticos de

Ratzel entre outros pensadores ao território brasileiro, como: a redivisão territorial do

Brasil.

No decorrer dos anos até chegar ao Estado Novo, regime político centralizado e

autoritário brasileiro, fundado por Getúlio Vargas em 1937 que durou até 1945,

instituiu-se o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), realizando e

instituindo uma nova divisão político-administrativa no país. Com coletas de dados

estatísticos, fez-se o levantamento cartográfico do território brasileiro, realizando o

recenseamento decenal, registrando dados da população e da economia do país.

Andrade (1994) declara que o IBGE, ao implantar o levantamento da realidade

brasileira,

Partindo da experiência de Delgado de Carvalho, de formação francesa, foi feito um levantamento de monografias regionais e locais e o país foi dividido em cinco grandes regiões naturais. Era uma geografia mecanicista, sem a indicação do “para quê” da realização destes estudos, mas representou um momento áureo dos estudos geográficos; através deles, o Brasil procurou conhecer a si mesmo, procurou sua identidade, embora alguns geógrafos descessem a detalhes de menor interesse, procurando comparar situações brasileiras com as européias e advogando a existência, no Brasil, de um campesinato do tipo francês. (ANDRADE, 1994, p.52)

Ao escrever tais fatos, relata que os geógrafos brasileiros apesar de terem a instalação

de um Instituto como o IBGE, não tinham a sua disposição “[...] um instrumental

filosófico moderno [...]” (ANDRADE, 1994, p. 53), perdendo então sua participação no

Estado para os economistas. Os geógrafos até então pretendiam fazer “uma geografia

apolítica”. Entretanto, no Brasil, há a figura de um pensador que teve uma posição

diferente em relação aos outros geógrafos até então, que foi Josué de Castro. Este

pernambucano teve uma profunda influência na vida nacional e grande projeção

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internacional nos anos que decorreram entre 1930 e 1973. Dedicou seus estudos ao

problema da fome no Brasil e, além de geógrafo, foi um político militante.

A partir da década de 1930, a Geografia no Brasil começa a discutir uma Geografia

oriunda da Escola Francesa. Andrade (1993) relata que

Nas Universidades ensinou-se, sobretudo a geografia da escola francesa que, formulada em função da defesa dos interesses coloniais franceses, tinha uma visão europocêntrica do mundo e encarava o mundo tropical apenas como uma área de exploração. Por isto dizia-se socialmente neutra e diminuía os compromissos políticos da Geografia que vinham desde a civilização grega. Alguns geógrafos franceses, como Pierre Monbeig, Pierre Deffontaines, Francis Ruellan, Jean Tricart e Michel Rochefort, se identificaram de tal forma com a problemática brasileira, que venceram as raízes de sua formação lablachiana e deram uma contribuição positiva à nossa geografia. (ANDRADE, 1993, p. 30)

A partir da década de 1930, a Geografia brasileira ensinada e discutida nas

Universidades e no IBGE, recebeu a influência dos pensadores franceses acima citados.

Segundo Andrade (1992), a escola clássica francesa dominou a Geografia brasileira

“[...] sendo responsáveis pela difusão e adaptação deste pensamento três frentes de

trabalho: as Universidades, o IBGE e a AGB.” (ANDRADE, 1992, p.83). No ano de

1934, em São Paulo, e em 1935, no Rio de Janeiro, foram criadas as Universidades de

São Paulo (USP) e do Distrito Federal - a atual Universidade Federal do Rio de Janeiro

(UFRJ), que tiveram a participação de geógrafos franceses. Na Universidade de São

Paulo temas ligados à História e à Sociologia começaram a ser discutidos, dando ênfase

à Geografia Regional, levando em consideração os aspectos físicos regionais.

O quadro a seguir apresenta a participação de geógrafos franceses no desenvolvimento e

contribuíção para a Geografia Agrária brasileira.

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Quadro 1: Influência da Geografia Francesa na Geografia Agrária Brasileira

Jean Brunhes:

Um dos proeminentes autores franceses historicistas bastante lidos e incorporados pela Geografia Brasileira Conhecimento sobre o campo e a agricultura, mas fazendo uma Geografia Humana, valorizou as categorias de produção agrícola e habitat

Pierre Deffontaines:

Participou da primeira expedição estrangeira formadora da Universidade de São Paulo (1934)/ fundação da Associação dos Geógrafos Brasileiros e da Universidade do Brasil (atual Universidade Federal do Rio da Janeiro) Participa da construção de uma Geografia marcadamente historicista

Monbeig

Proeminente geógrafo historicista muito preocupado com a realidade histórica da frente pioneira

Albert Demangeon

Valorizou as categorias de habitação e povoamento rurais

Max Derrau Valorizou as categorias de paisagem agrária e sistemas agrícolas Fonte: SUZUKI, Júlio César. Territorialidades e diversidade nos campos e nas cidades latinas americanas e francesas. 2011, pp.23-40. Organização: Mariane de Oliveira Fernandes

Para Ferreira (2002, p. 127) outros geógrafos estrangeiros podem ser citados como “Léo

Waibel, estudando os sistemas de cultivos em áreas tropicais (1947); Preston James

(1945) d Lynn Smith (1947ª, 1947b) que estudaram as terras cafeeiras no Sudeste

Brasileiro e o tamanho das propriedades rurais no Brasil, respectivamente”.

Segundo Ferreira (2001), após a Revolução de 1930 no Brasil, foram feitos diversos

estudos sobre o que diz respeito à realidade brasileira;

[...] autores como Gilberto Freire, Caio Prado Jr. e Sérgio Buarque de Holanda procuram caracterizar a realidade nacional. A necessidade de conhecer e conquistar o território brasileiro – até então mais conhecido pelos estrangeiros que aqui buscaram conteúdo para seus estudos – em função da política de modernização a ser implantada pelo governo federal torna o conhecimento geográfico autônomo e o institucionaliza. (FERREIRA, 2001, p. 42)

Esta autora ainda descreve que alguns geógrafos, além de preocupar-se com o estudo da

realidade propriamente dita, efetuaram a discussão e a sistematização teórica desse

campo de conhecimento, a Geografia Agrária brasileira, dentro da Geografia.

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Para Alves (2010), no período clássico da Geografia Agrária brasileira entre 1939-1950,

havia um diálogo sintético, por meio da observação da paisagem, com trabalhos

meramente descritivos.

Os conceitos enfatizados na geografia agrária clássica estavam relacionados com as organizações rurais, como o habitat, gêneros e modos de vida, tipos de povoamento e sistema agrícola. As influências teóricas e metodológicas francesas e alemãs embasaram as pesquisas no Brasil, por isso, do predomínio dos estudos regionais originários de Paul Vidal de La Blache que se difundiram com Pierre Monbeig ou os estudos das paisagens agrárias (econômicas e culturais) de Leo Waibel, que foi o grande mestre de Orlando Valverde. (ALVES, 2010, p.66)

Segundo Suzuki (2011), a disciplina de Geografia Agrária passa a existir na segunda

metade do século XX em diversas Universidades; praticamente em todos os cursos de

Geografia no Brasil. Este autor descreve que a Geografia Agrária ou também

denominada de Geografia Rural “[...] vai encontrar seu lugar nos currículos dos cursos

de graduação, após a reforma universitária de 1968.” (SUZUKI, 2011, p. 26).

Aproximações e divergências na Geografia Agrária

Rigor e método são imprescindíveis na pesquisa e exigem o exercício permanente de se

fazer opções. Quando precisamos conceituar um fato, um fenômeno ou um processo

muitas dúvidas surgem. Antes de avançar com essas considerações é importante deixar

claro para que serve um conceito. Todo conceito serve para se compreender a essência

dos objetos, dos fenômenos, das leis e, nesse sentido, se constitui num instrumento de

conhecimento e pesquisa.

Através da leitura de ensaios, artigos e revistas referentes à Geografia Agrária ou Rural,

segundo Ferreira (2001) é possível perceber que definir Geografia Agrária não foi tarefa

fácil para aqueles que a isto se propuseram. Uma das dificuldades principais esteve no

fato de a Geografia Agrária ter como objeto uma atividade estudada também por outras

ciências.

Na obra de 1973 “Géographie rurale: méthodes et perspectives” de J. Bonnamour

discute que a ciência geográfica é firmada como disciplina nova em um mundo ainda

caracterizado pelo equilíbrio dos espaços ruralizados e as cidades, no entanto, esta

ciência deve muito aos estudos rurais. Esta autora ainda destaca a importância da

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Geografia Rural para a ciência geográfica, descrevendo que a Geografia rural, possui

valor insubstituível, no entanto deve igualmente tomar consciência das mudanças

necessárias por mais que atrasada esteja.

Segundo Ferreira (2001), o estudo geográfico referente à agricultura,

[...] foi realizado ao longo do tempo por diferentes enfoques que produziram uma diversidade de definições, as quais refletiam o modo de pensar do momento. Assim, em princípio, a Geografia Agrária era desenvolvida como “parte” da Geografia Econômica, e os estudos econômicos em Geografia tinham, na agricultura, seu foco principal. Apesar disso, a denominação Geografia Agrária não era adequada, considerando-se que o conteúdo destes estudos voltava-se, prioritariamente, para a análise da produção agrícola, da distribuição dos cultivos e pouca importância era dedicada às questões sociais, característica dos estudos agrários. O produtor agrícola, nesse momento, era considerado um elemento da paisagem, estudado em seu hábitat e em seus gêneros de vida. (FERREIRA, 2001, p. 42)

J. Bonnamour (1973) menciona a importância de diversos autores como: J. Weulersse

no continente africano (1934), P. Monbeig no Brasil (1950), P. Gouron Estado-Membro

a Ásia das monções (1936), E. Juillard Estado-Membro Alsácia (1952), do Sr. Derruau

em Limagne (1949) entre outros contribuíram de forma brilhante para o conhecimento

do espaço vivido através das experiências assimiladas nestes determinados lugares.

Porém, como já descrito por Ferreira (2001), o conteúdo destes estudos voltava-se,

prioritariamente, para a análise da produção agrícola, da distribuição dos cultivos, pouca

importância era dedicada às questões de cunho sociais.

Outra análise crítica encontrada na obra de J. Bonnamour (1973) é como a Geografia

rural herdou ao longo do tempo um vocabulário impreciso. O sentido dos diferentes

termos utilizados variam constantemente de uma obra para outra, causando incertezas

de tal forma que, exigem glossários e dicionários capazes de assegurar a definição dos

termos que se multiplicavam e causavam confusão. Sobre tal fato,

[...] P. George acaba de propôr um dicionário da Geografia onde A. Branco assegurou a definição dos termos rurais (1965). No entanto, tais tentativas não são tanto normativas a fim de responderem às necessidades de investigação estreitamente definidas; cada investigador tenta precisar os conceitos que lhe parecem úteis e tende naturalmente a propôr novas definições. (BONNAMOUR, 1973, p. 10)

Nas tentativas de se criar uma normatização, vem sendo criados novos termos que

segundo J. Bonnamour (1973) vem causando uma confusão de significados.

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O espaço rural tem passado ultimamente por um conjunto de mudanças com expressivo

conflito no que diz respeito às suas funções e conteúdo social, o que tem levado ao

surgimento de uma série de estudos e pesquisas sobre o tema em vários países,

sobretudo nos países desenvolvidos, onde esse processo apresenta maior importância.

Segundo Marques (2002), especificamente o Brasil, o despertar para tal problemática

tem se dado principalmente entre os estudiosos empenhados com a discussão de uma

nova estratégia de desenvolvimento rural para o país. Para a autora: “Há muita

divergência quanto ao modo de definir o rural e isto se deve a uma série de fatores que

vão desde a forma diversificada em que esta realidade se apresenta no espaço e no

tempo até as influências de caráter político-ideológico e os objetivos a que visam

atender as diversas definições”. (MARQUES, 2002, p. 99)

Comumente o rural é definido juntamente com o urbano com base em características a

partir das quais eles se diferenciam.

Wanderley (2000), no seu artigo “A emergência de uma nova ruralidade nas

sociedades modernas avançadas – o “rural” como espaço singular e ator coletivo”

propõe uma reflexão sobre as transformações do mundo rural nas sociedades modernas

avançadas. A autora faz diversos apontamentos, inclusive definições oficiais do meio

rural, adotadas nos países europeus, no qual se pode perceber a diversidade de critérios

e, por conseguinte, de concepções do rural e do urbano neste final de século XX e que

se adentrará no século XXI. Fazendo a seguinte indagação: “É possível uma definição

européia do mundo rural?”

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Quadro 2: Definições administrativas sobre o Rural na Europa

Bélgica Dois sistemas de classificação se combinam, um referindo-se aos municípios e levando em conta sua população e seu crescimento, o outro em função do lugar da agricultura no espaço habitado.

Dinamarca

Duas abordagens podem ser distinguidas, uma procedendo da regulamentação da construção: as zonas rurais são, então, aquelas onde a agricultura tem prioridade; a outra, através das estatísticas: são considerados como rurais toda região que conte menos de 200 habitações ou todo município que compreenda uma população entre 4.000 e 10.000 habitantes.

França A definição mais corrente retém como rurais os municípios com menos de 2.000 habitantes. Como esta definição não parece mais pertinente, uma distinção suplementar foi acrescentada: as Zonas de Povoamento Industrial ou Urbano (ZPIU) e o rural profundo “fora das ZPIU”.

Alemanha Existe uma tipologia de diferentes coletividades territoriais que reúne índices econômicos, número de habitantes e densidade da população. Nesta tipologia, existem regiões definidas pela sua “vocação agrícola”.

Grécia

Não há definição; em sua falta, o critério da densidade populacional (30 hab./km2) é utilizado.

Na Itália Não existem critérios para diferenciar o meio urbano do meio rural, mas são qualificados de rurais os municípios de menos de 10.000 habitantes. Os municípios são classificados segundo 13 critérios.

Irlanda O critério de 100 habitantes distingue os “distritos urbanos” dos “distritos rurais”.

Luxemburgo O rural não é distinto do urbano. As zonas rurais estão incluídas na tipologia das zonas urbanas.

Holanda É através dos planos de utilização do solo que se opera a distinção, muito clara, entre zona rural e zona urbana.

Portugal Não há definição oficial do mundo rural

Inglaterra O espaço rural é o espaço residual do urbano, que dá lugar a uma classificação muito fina a partir da utilização dos solos.

Fonte: Wanderley, Maria de Nazareth Baudel. “A emergência de uma nova ruralidade nas sociedades modernas avançadas – o “rural” como espaço singular e ator coletivo”. 2000, pp. 87-145. Organização: Mariane de Oliveira Fernandes

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No que diz respeito ao Brasil, segundo Marques (2002), adota-se o critério político-

administrativo e considera-se urbana toda sede de município (cidade) e de distrito (vila).

Para o IBGE, é considerada área urbanizada toda área de vila ou de cidade, legalmente

definida como urbana e caracterizada por construções, arruamentos e intensa ocupação

humana; as áreas afetadas por transformações decorrentes do desenvolvimento urbano,

e aquelas reservadas à expansão urbana. Percebe-se através das definições encontrados

nos países europeus e a definição apresentada pelo IBGE que o meio rural continua

sendo identificado a uma pequena aglomeração, com uma sociabilidade correspondente

e onde predominam as paisagens naturais.

Para Andrade (2010), no caso específico da Geografia Rural se teria dificuldade de

generalizar uma teoria que a explicasse, englobando a superfície da terra, de vez que o

rural não se constitui uma unidade, em escala mundial, havendo um rural na Europa,

outro na África, outro na Ásia e outro na América Latina; a evolução das paisagens e

estruturas rurais está intimamente ligada ao sentido da civilização, nas velhas

civilizações da Europa e da Ásia, e da colonização nos países ex-coloniais. É

perceptível ao ler e analisar as diferentes colocações sobre o rural nos diversos países

apresentados.

Retomando a obra de J. Bonnamour (1973), uma das reflexões feitas pela autora diz

respeito a “Ambiguidade dos termos” dentro do rural. Neste fragmento Bonnamour

relata que, com efeito, a ambigüidade dos termos na Geografia rural tem inúmeras

razões, entre elas, o “empréstimo” de termos vindo de outras áreas do conhecimento e a

adoção de expressões regionais entre outros. Para a autora, o “mundo” em que os

geógrafos estudam, ou seja, as análises e reflexões realizadas pelos geógrafos acerca dos

conceitos, os referenciais teóricos e metodológicos são os mesmos utilizados por

diversas áreas do conhecimento como a dos agrônomos, botânicos, sociólogos,

engenheiros, entre outras áreas do conhecimento. Segundo J. Bonnamour (1973),

naturalmente a Geografia rural é chamada a utilizar termos e palavras de outras áreas do

conhecimento, porém utilizando-as com sentido diferente. Para a autora francesa, o que

vem ocorrendo é a utilização de termos técnicos e, sendo a Geografia rural uma

disciplina preocupada com as interações múltiplas entre o campo da ciência, acabam

abrangendo um amplo e complexo campo, bem além do seu domínio e origem,

resultando em certa desordem e conflitos de termos até mesmo com o debate interno da

Geografia. Um dos exemplos seriam os diversos conceitos de Geografia Agrária.

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De acordo com Megale, (2011) as formas de análise mudam, acompanhando as

transformações ocorridas no meio rural e, na ciência geográfica, de maneira geral o que

estaria explicando a variação de conceitos formulados por pensadores em diversos

momentos da evolução do pensamento geográfico e em diferentes países, como pode ser

observado, a seguir:

- Daniel Faucher, “define como objeto da Geografia Agrária a descrição das formas de

atividades e dos meios agrícolas”. Entende-se que o pensador valoriza a importância do

caráter economicista da produção de acordo com a necessidade de conhecer o montante

de produção existente nas áreas analisadas, mais do que as relações de trabalho e

reprodução social da sociedade camponesa.

- Max Derruau, “indica como caráter do fato agrário o meio físico, a atividade agrícola e

uma série de elementos decorrentes desta. Sendo que alguns são influenciados por

condições locais e outros por condições mundiais. Assim, clima, relevo e solo, sistema

de cultura, tipo de cultura, gênero de vida, estrutura social agrária, espaço rural ou

paisagem agrária devem ser estudados em pesquisa de geografia agrária”. Esta

orientação obedecia o caráter dos estudos regionais que pretendiam agregar os campos

da natureza, aglutinados na geografia física, e do homem, aglutinados na geografia

humana, e, assim, atingir a corologia geográfica.

- D. Gribaudi, expos seu entendimento sobre Geografia Agrária dizendo que ela “tem

diante de si, como campo de estudo, a paisagem rural, isto é, a fisionomia concreta que

deriva de um determinado tratamento da superfície terrestre, pela coordenação sobre ela

de todos os aspectos espaciais, o que dá lugar à utilização agrária do solo; assim como a

repartição das culturas e das sistematizações dos terrenos em relação às suas

viabilidades e aos seus mercados”. O entendimento deste pensador revelava seu

posicionamento no positivismo organicista, porém trazendo de volta à geografia o

caráter de cunho unitário e corológico e, sobretudo, locado na geografia regional como

campo unitário.

- Michel Rochefort, “define a Geografia Agrária como o estudo da interação dos

elementos componentes do complexo agrário, complexo este tornado como um conjunto

do qual não se pode analisar um só aspecto separadamente”. O autor segue o princípio

corológico da interação a partir da obra Princípios de Geografia Humana de Vidal de

La Blache e reivindica referencias da fenomenologia no propósito de retorno à visão

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integrada da superfície terrestre. Destaca-se, em suas análises estudo das partes, suas

relações e a organização na totalidade, a qual denomina de conjunto.

- Orlando Valverde, traz o entendimento de que “A geografia Agrária descreve as

diferenças espaciais da superfície da terra do ponto de vista da paisagem agrícola,

procurando determinar os elementos componentes dessas diferenças” ou ainda é a

“interpretação dos vestígios que o homem do campo deixa na paisagem, na luta pela

vida, quotidiana e silenciosa”. O pensador brasileiro segue a arrumação sistemática de

Forster, segundo a qual a descrição das paisagens deve ser minunciosa como que

preparando a explicação (método comparativo sistematizado). Igualmente expõe as

relações entre os fenômenos esclarecendo sua natureza na noção corográfica, admitindo

a postura dos referenciais fenomenológicos e do ambientalismo que lhe permitiu, mais

adiante, adotar o caráter dialético do real: homem e natureza (meio).

- Leo Waibel, considera que a Geografia Agrária ou Agrogeografia tem como objeto a

“diferenciação espacial da agricultura” Waibel insiste em que, para o geógrafo, a

agricultura é “um fenômeno fundamental de uma paisagem, de um país e de toda a

superfície da terra”. Observa-se em suas palavras a importancia dada ao caráter de

estudo de fronteira da geografia com a economia e de abrangencia unitária e corológica

locada na geografia regional ao determinar as diferenças espaciais.

Pode-se entender que a constituição das análises geográficas utilizadas advém do

posicionamento metodológico dos autores, apontando concordância com as mudanças,

transformações e determinações teórico-metodológicas da Geografia. Também revelam

avanços e desvios ocorridos na busca do conhecimento real dos fenômenos e em

especial daqueles que direta ou indiretamente se constituem em assunto da Geografia

Agrária e do entendimento sobre o meio rural e, de maneira geral da Ciência

Geográfica.

Passando o olhar sobre o século XXI, faz-se referencia a Manuel Correa de Andrade,

em um artigo, “GEOGRAFIA RURAL: questões teórico-metodológicas e técnicas”,

trata da Geografia frente a problemática do século XXI, apontando países e continentes

como a China, o continente africano, America Latina, entre outros. Andrade questiona a

acerca do que esperar de países como o Brasil, no qual após a experiência neo-liberal a

que está sendo submetido esses países, certamente, acentuará cada vez mais a pobreza e a

miséria que atormentam suas populações.

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De acordo com Andrade “Há uma diferença enorme entre o rural voltado para a

produção de alimentos destinada ao abastecimento das áreas produtoras, e o rural

destinado à produção de alimentos e matérias primas para exportação. Pierre Monbeig,

na década de Quarenta, já admitia certa afinidade entre a agricultura das plantações

brasileiras e a extração mineral”. (ANDRADE, 2010, p. 11),

Para este autor, nos estudos sobre o espaço rural deve haver a preocupação do geógrafo

com as terminologias e com a sua transformação em território, usando este estudo ora

como Geografia agrária, ora como Geografia agrícola ora como Geografia rural. Com o

tempo, a variação de termos vem sendo diversificada, ora dominando uma expressão,

ora outra; além disto, se tem procurado distinguir os termos e comprometê-los com o

conteúdo por eles definido.

Segundo Ferreira (2002) as mudanças ocorridas no campo são sentidas a partir de

processos socioespaciais através de novos processos. “A modernização da agricultura, a

migração campo-cidade, o acirramento da concentração da renda e das terras e os

conflitos sociais são alguns dos novos elementos de análise da atividade agrícola.”

(FERREIRA, 2002, p. 17). Para a autora, o geógrafo acompanha estas mudanças, vendo

os novos paradigmas, as novas teorias, e uma nova realidade.

Conclusões

O estudo da relação homem e natureza acompanha o desenvolvimento da Geografia

desde a sua origem. No entanto, descrever e analisar as experiências vivenciadas pelo

homem no que diz respeito a agricultura e ao campo são necessárias. Desde então, o

espaço tem sido alvo de estudo por parte dos homens, embora que indagações

continuem na medida em que a humanidade adquire experiências.

Evidenciar as dimensões das transformações em curso no espaço rural, colocando em

evidência alguns dos desafios teórico-metodológicos a serem enfrentados pela

Geografia Rural é de grande importância, pois como já é do conhecimento, tais análises

e definições variaram ao longo do tempo acompanhando os avanços filosóficos, teóricos

e metodológicos, enfim o avanço da humanidade.

O espaço rural por ser dinâmico sofre alterações e mudanças de toda a ordem, levando

muitos a concebê-lo como espaço de conflito no que diz respeito às suas funções e

conteúdo social. Definir Geografia Agrária, no passado não foi tarefa fácil para aqueles

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que a isto se dispuseram a fazê-la e estas dificuldades persistem ainda hoje,

principalmente pelo fato de a Geografia Agrária ter como objeto uma atividade que é

também estudada por outras ciências igualmente dinâmicas e centradas no homem como

sociedade.

A compreensão de tais transformações impõe novos desafios teóricos e metodológicos

para a Geografia Agrária e seus pesquisadores. Contemplando estas espacialidades em

suas múltiplas dimensões e complexidades.

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