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UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE CENTRO DE EDUCAÇÃO, FILOSOFIA E TEOLOGIA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS DA RELIGIÃO ASSEMBLEIA DE DEUS E A EDUCAÇÃO FORMAL NO BRASIL: aspectos históricos, sociais e teológicos Atanael Ferreira Bastos Filho SÃO PAULO 2018

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UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE

CENTRO DE EDUCAÇÃO, FILOSOFIA E TEOLOGIA

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS DA RELIGIÃO

ASSEMBLEIA DE DEUS E A EDUCAÇÃO FORMAL NO BRASIL:

aspectos históricos, sociais e teológicos

Atanael Ferreira Bastos Filho

SÃO PAULO

2018

ATANAEL FERREIRA BASTOS FILHO

ASSEMBLEIA DE DEUS E A EDUCAÇÃO FORMAL NO BRASIL:

aspectos históricos, sociais e teológicos

Dissertação apresentada em cumprimento

parcial às exigências do Programa de Pós-Graduação em Ciências da Religião, do Centro de Educação, Filosofia e Teologia,

para obtenção do grau de Mestre.

Área de Concentração: Religião, Protestantismo, Sociedade e Educação. Orientadora: Profa. Dra. Lidice Meyer Pinto

Ribeiro

SÃO PAULO

2018

Bibliotecário Responsável: Eliezer Lírio dos Santos – CRB/8 6779

B327a Bastos Filho, Atanael Ferreira Assembleia de Deus e a educação formal no Brasil: aspectos históricos, sociais e teológicos / Atanael Ferreira Bastos Filho – 2018. 97 f. ; 30 cm Dissertação (Mestrado em Ciências da Religião) – Universidade Presbiteriana Mackenzie, São Paulo, 2018. Orientador: Profa. Dra. Lidice Meyer Pinto Ribeiro Bibliografia: f. 83-85

1. Assembleia de Deus 2. Pentecostalismo 3. Protestantismo 4. Educação I. Ribeiro, Lidice Meyer Pinto, orientador II. Título LC BX6198.A7

À minha querida mãe, dona Risonete Lima

da Cruz Bastos, in memoriam, dedico esta

dissertação de mestrado por seu muito

cuidado e amor por toda minha vida a seu

lado.

AGRADECIMENTOS

Ao Eterno, pelo dom da vida e provisão em todo o tempo.

À minha querida, amada e preciosa mãe, dona Nete, meu pai Atanael, ambos in

memoriam.

Aos meus queridos irmãos Reithon, Tayná, Felipe e Taisa, bênçãos preciosas em

minha vida.

À minha noiva Joice e toda sua família, por seu carinho e incentivo.

À minha família, em especial minha avó Evangelina, por ter me recebido em sua casa

depois de uma longa jornada.

Aos meus tios Julio e Meire, Ronilson e Maria das Graças, pela hospitalidade em São

Paulo nos últimos anos.

À minha querida e estimada amiga Marli de Lourdes Coelho, por seu cuidado materno

com seu filho do coração.

Ao amigo Pr. Marcelo Serra, por seu incentivo e liberalidade em ajudar.

À Igreja Assembleia de Deus em Santo Estevão – BA e todos os seus congregados

por todo apoio.

À CAPES, pelo benefício da bolsa tornando viável todo o processo de aprendizagem

e formação no mestrado.

À Universidade Presbiteriana Mackenzie, segunda casa nos últimos anos e todos os

queridos professores que me ajudaram a chegar até aqui.

À Dra. Lidice Meyer Pinto Ribeiro, pelo incentivo e orientação.

Ao querido e estimado Dr. Marcel Mendes, grande parceiro nos dias de luta no

Mackenzie.

Ao admirável amigo e parceiro Hack, por sua benevolência em minha estadia no

Mackenzie.

Aos queridos colegas de turma, sobretudo da turma que iniciou o mestrado comigo

em 2015.1, guardarei para sempre a vossa amizade.

“É sempre a hora certa de se fazer a coisa certa. Amanhã será tarde. ” Martin L. King Jr.

RESUMO

As Assembleias de Deus se constituem como a maior denominação evangélica

brasileira. No entanto, é possível notar determinada carência na área de trabalhos

acadêmicos a respeito de sua história e desenvolvimento, isso, diante da dimensão

institucional e tempo histórico de inserção em terras brasileiras. Consoante o exposto,

o presente trabalho pretende descrever de forma objetiva o processo de inserção da

Assembleia de Deus no Brasil e seu não envolvimento com a educação. Para tanto,

utilizamos três abordagens metodológicas de análise para esta dissertação, afim de

confirmar as hipóteses levantadas anteriormente no desenvolvimento do projeto, a

saber, a partir de aspectos históricos, sociais e teológicos. Temos como objetivo fazer

uso destes pilares descrever os envolvimentos educacionais relacionados as AD’s

como forma metodológica. Com isso, utilizamos de referenciais teóricos dos campos

da Sociologia, Antropologia, História, bem como das Ciências da Religião. O trabalho

se configura de natureza descritiva, fazendo uso de trabalhos relacionados na área a

partir de uma análise qualitativa, tendo em vista que temos um grupo específico a ser

explorado, bem como, procuramos trabalhar também com ferramentas da pesquisa

quantitativa, afim de fornecermos dados e números que corroboram a compreensão

acerca de nosso objeto de pesquisa. É sabido que o maior patrimônio de uma

instituição são as pessoas. Através da pesquisa, foi possível notar que a ausência das

Assembleias de Deus em relação a educação formal no Brasil se deu por conta de

múltiplos fatores, uma vez que não fazia parte da agenda deste grupo religioso o

interesse inicial de se investir na prática educativa brasileira de forma direta, de modo

que se torna inviável atribuir culpa aos seus fundadores. Diante disso, consideramos

que muito embora as AD’s não tenham conseguido números quantitativos expressivos

em relação a educação formal, ou mesmo qualitativos, como falado sobre os

protestantes históricos, é importante destacar que a grande massa que compõe a

igreja, conta hoje com muitos profissionais e estudantes universitários das mais

diversas formas, assim, essa mudança de habitus nos estimula a refletir sobre o tema.

Palavras-chave: Assembleia de Deus. Pentecostalismo. Protestantismo. Educação.

ABSTRACT

The Assemblies of God constitute the largest denomination of the Brazilian

Evangelicals. However, it is possible to note a certain lack in the academic work area

regarding its history and development, in view of the institutional dimension and

historical time of insertion in Brazilian lands. According to the above, this paper aims

to describe objectively the process of insertion of the Assembly of God in Brazil and its

non-involvement with education. To do so, we used three methodological approaches

to this dissertation, to confirm the hypotheses previously raised in the project

development, namely, from historical, social and theological aspects. We aim to make

use of these pillars to describe the educational involvements related to ADs as a

methodological form. With this, we use theoretical references from the fields of

Sociology, Anthropology, History, as well as the Sciences of Religion. The work is of

descriptive nature, making use of related works in the area from a qualitative analysis,

considering that we have a specific group to be explored, as well as, we also work with

quantitative research tools, to provide data and numbers that corroborate our

understanding of our research object. It is well known that the greatest asset of an

institution is people. Through the research, it was possible to note that the absence of

the Assemblies of God in relation to formal education in Brazil was due to multiple

factors, since it was not part of the agenda of this religious group the initial interest of

investing in Brazilian educational practice in a direct way, so that it becomes unfeasible

to attribute blame to its founders. In view of this, we consider that although the AD's

have not achieved quantitative numbers expressive of formal education, or even

qualitative, as it has been said about the historical Protestants, it is important to point

out that the great mass that makes up the church, as the largest evangelical and

Pentecostal church of Brazil, counts today with many professionals and university

students of the most diverse forms, thus, this change of habitus stimulates us to reflect

on the proposed theme.

Keywords: Assembly of God. Pentecostalism. Protestantism. Education.

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ............................................................................................................ 1

1) QUESTÃO HISTÓRICA .......................................................................................... 8

1.1 Pressupostos do movimento pentecostal norte-americano na formação da

Assembleia de Deus ................................................................................................... 8

1.2 Relatos biográficos dos missionários Daniel Berg e Gunnar Vingren ................. 11

1.3 A Inserção da Assembleia de Deus no Brasil ..................................................... 14

1.4 A Assembleia de Deus a partir da cisão – Ruptura com a Igreja Batista …........ 16

1.5 “Pela visão de Deus”: desenvolvimento autônomo das AD’s.............................. 16

2) QUESTÃO SOCIAL ............................................................................................... 19

2.1. Razões para o pouco envolvimento social e educacional da Assembleia de Deus

em sua inserção no Brasil ........................................................................................ 19

2.2. Estrutura patriarcal e AD – uma leitura a partir de Gilberto Freyre .................... 20

2.3. Anti-intelectualismo e AD ................................................................................... 23

2.3.1. Razões históricas ............................................................................................ 23

2.3.2. Missionários suecos e formação: aversão não a educação teológica, mas aos

seminários ................................................................................................. ................ 24

2.4. As condições sociais e suas influências para o imaginário pentecostal

assembleiano ................................................................................................... ......... 25

2.5. Razões socioeconômicas ................................................................................... 27

2.5.1. Quais os aspectos sociais das AD’s em seu desenvolvimento no Brasil? Uma

análise a partir de Cartaxo Rolim ............................................................................. 29

2.6. Situação social de Belém no período da empreitada Berg e Vingren ............... 31

2.7. AD e seu perfil de participação política ............................................................. 32

2.8. AD e Brasil: uma reflexão do povo pobre brasileiro da virada do século XIX para

o XX no Brasil ............................................................................................................ 35

3) QUESTÃO TEOLÓGICA ....................................................................................... 38

3.1. Razões teológicas para objeção aos estudos .................................................... 38

3.2. Breve abordagem sobre o pré-milenarismo e tribulacionismo ........................... 39

3.3. A formação teológica na Assembleia de Deus ................................................... 41

3.3.1. Assembleias de Deus no Brasil, pentecostalismo e a busca por educação na

contemporaneidade .................................................................................................. 43

a) Formação teológica atual ...................................................................................... 44

b) Educação formal secular na atualidade ................................................................ 45

3.4. Frida Vingren: um paradigma para a questão da educação na Assembleia de Deus

............................................................................................................ ....................... 46

4) ENVOLVIMENTOS EDUCACIONAIS ................................................................... 50

4.1. A CPAD ............................................................................................................. 50

4.2. O Mensageiro da Paz – Cultura ou tentativa de uniformidade? ......................... 51

4.3. Escola Bíblica Dominical: “A melhor escola do mundo” ..................................... 52

4.4. Um sinal de ruptura: a fundação do Instituto Bíblico das Assembleias de Deus

(IBAD) ...................................................................................................... ................. 53

4.4.1. A atual situação do IBAD (2018) ..................................................................... 55

4.5. Um passo tardio: a criação da Comissão de Educação e Cultura Religiosa em

1971 ............................................................................................................ .............. 56

4.6. Contatos com a educação: Assembleias de Deus e a influência na alfabetização

de fiéis ........................................................................................ ............................... 57

4.7. Pentecostalismo e novos interesses em formação: uma análise a partir de Ricardo

Mariano (2008) .......................................................................................................... 59

4.8. Perfis das AD’s: Rural e Urbano ......................................................................... 63

a) Aspectos da relação AD’s e público rural .............................................................. 63

b) Aspectos da relação AD’s e público urbano ......................................................... 65

c) As AD’s e o uso das mídias sociais ....................................................................... 65

5) PROTESTANTISMO E EDUCAÇAO NO BRASIL ................................................ 68

5.1. Destino Manifesto: em que se baseia o anseio por desenvolvimento social pelos

protestantes? ............................................................................................................ 69

5.2. Protestantismo e educação brasileira: uma breve abordagem sobre a contribuição

educacional do protestantismo histórico brasileiro ................................................... 70

5.3. A educação e sua importância para o homem religioso ................................... 73

Considerações finais ................................................................................................. 79

Referências bibliográficas ......................................................................................... 83

Lista de abreviações:

AD’s: Assembleias de Deus

CPAD: Casa Publicadora das Assembleias de Deus

FABAD: Faculdade Bíblica das Assembleias de Deus

IBAD: Instituto Bíblico das Assembleias de Deus

CGADB: Convenção Geral das Assembleias de Deus no Brasil

ENEM: Exame Nacional do Ensino Médio

PROUNI: Programa Universidade Para Todos

FIES: Financiamento Estudantil

1

INTRODUÇÃO

A Assembleia de Deus se constitui como maior denominação evangélica

brasileira1. No entanto, é possível notar determinada carência na área de trabalhos

acadêmicos a respeito de sua história e desenvolvimento, isso, diante da dimensão

institucional e tempo histórico de inserção em terras brasileiras. Com isso, o membro

da AD2, em linhas gerais, é visto comumente como um cidadão pouco portador da

cultura dominante, e assim, marginalizado, como é de costume categorizar os grupos

pentecostais.

Tal pressuposto pode estar ligado à aversão aos processos educacionais,

sejam eles teológicos ou formais, presente nos desdobramentos de seu

desenvolvimento nas primeiras décadas de inserção no Brasil. As igrejas históricas

protestantes, a saber, luterana, anglicana, metodista, presbiteriana e batista, tiveram

papel relevante para diminuição do analfabetismo presente no Brasil em suas

inserções, priorizando a educação como fator essencial para o evangelismo eficaz.

Por outro lado, a Assembleia de Deus não teve o mesmo envolvimento com a

educação formal, antes, buscou evangelizar a nação brasileira a partir de uma visão

escatológica metafísica, a qual, não motivou seus membros a pensarem na realidade

social como oportunidade de atuação da igreja como gesto de cidadania e serviço a

pátria para o bem viver, assim, apresentou uma proposta de evangelho que fez com

que seus líderes e membros priorizassem mais a ideia do bem morrer, com ênfase na

experiência religiosa.

Atualmente, a relação entre AD e a educação demonstra uma mudança de

habitus no que tange ao interesse pela pratica educativa, o que por sua vez nos

instigou a buscar compreender como se deu a transição de tal mentalidade, a saber,

observando esse envolvimento a partir de aspectos históricos, sociais e teológicos.

Consoante o exposto, o presente trabalho pretende descrever de forma objetiva

o processo de inserção da Assembleia de Deus no Brasil e seu não envolvimento com

a educação. Descrever um histórico da implantação da AD no Brasil. Apresentando

à academia e ao público uma abordagem séria acerca dos fatores que levaram a maior

denominação evangélica do Brasil a ter o status de anti-intelectual (ALENCAR, 2005).

1 No censo de 1991, os assembleianos eram 2,4 milhões, número que subiu para 8,4 no ano de 2000 e chegou aos 12,4 em 2010, ou seja, cerca de 6% da população brasileira. (FAJARDO, 2017, P.23) 2 Usaremos a AD para nos referir ao nome Assembleia de Deus. E conseguinte, AD’s quando colocarmos no

plural.

2

Apresentar dados sobre a relação entre à Assembleia de Deus e a educação hoje.

Fazer uma abordagem com a situação atual da maior igreja evangélica brasileira (AD)

e seu pouco envolvimento com a educação.

Os missionários foram os responsáveis pelo ranço anti-intelectual da

Assembleia de Deus ao longo da história? O coronelismo autoritarista nordestino

presente na liderança da AD nas primeiras décadas da denominação e em seu

desenvolvimento, foi um fator relevante para não formação cultural e educacional do

assembleiano ao longo da história da instituição? Há intenção por parte dos

assembleianos em terem participação histórica na formação de uma nação brasileira

melhor, a começar pela educação?

Os missionários Daniel Berg e Gunnar Vingren, como agentes sociais

trouxeram consigo uma visão de mundo similar as bases dos primeiros membros da

Assembleia de Deus. Supomos que não havia um objetivo de criar uma denominação

onde o espaço para questionamento por parte dos fiéis, fosse reduzido em vista do

autoritarismo episcopal presente na denominação, contudo, diante de tal contexto, a

falta de educação formal corroborou para um ambiente de respeito a partir do carisma.

Tal como percebemos a similaridade de comportamentos de membros de uma

determinada denominação com seu contexto de origem, as Assembleias de Deus

também receberam influência da cultura brasileira, a exemplo, a formação de um

governo autoritário, semelhante ao comportamento reproduzido pelo sistema

coronelista-patriarcal brasileiro.

A busca por conhecimento secular por parte de muitos obreiros assembleianos

nos dias atuais, é uma resposta à necessidade de diálogo com a chamada era da

informação, pois, nas últimas décadas, houve grande crescimento na capacitação

profissional e educacional de membros da Assembleia de Deus, o que

consequentemente, exige uma formação cultural maior por parte da liderança.

A Assembleia de Deus como maior denominação evangélica brasileira tem

carência muito grande na área de trabalhos acadêmicos para o tamanho da instituição

e tempo histórico de inserção, fator esse que faz do membro assembleiano, na maioria

das vezes, um cidadão pobre culturalmente, sendo visto em meios tradicionais como

irrelevante para o desenvolvimento sociocultural da nação, para além da salvação da

alma.

3

Consoante ao exposto se faz necessárias abordagens coerentes com eixo

acadêmico para maior disponibilidade de informações sobre a denominação e seu

desenvolvimento na história do Brasil, sendo os templos, os quais são inutilizados a

maior parte do tempo, canais possíveis de contribuição à cidadania através da

educação, não só para membros da denominação, mas, para cidade ou local onde a

igreja esteja presente com elemento formador de opinião.

A escolha do objeto de estudo, a saber, compreender qual a relação entre as

AD’s no Brasil e seus envolvimentos educacionais, está diretamente relacionada em

primeira medida com a experiência religiosa do pesquisador nas AD’s, o apreço pela

educação de um modo geral, bem como pelo seu interesse em compreender os

fenômenos sociais que nortearam a religiosidade do povo assembleiano em solo

brasileiro.

Esta dissertação trabalha a relação entre a Assembleia de Deus de Deus e seu

envolvimento com a educação ao longo de sua inserção, expansão e estabelecimento

no Brasil. Para tanto, utilizamos três abordagens metodológicas de análise para esta

dissertação, afim de confirmar as hipóteses levantadas anteriormente no

desenvolvimento do projeto, a saber, a partir de aspectos (a) históricos, (b) sociais, e

(c) teológicos.

Temos como objetivo fazer uso destes pilares descrever os envolvimentos

educacionais relacionados as AD’s como forma metodológica. Com isso, utilizamos

de referenciais teóricos dos campos da Sociologia, Antropologia, História, bem como

das Ciências da Religião.

O trabalho se configura de natureza descritiva, fazendo uso de trabalhos

relacionados na área a partir de uma análise qualitativa, tendo em vista que temos um

grupo específico a ser explorado, bem como, procuramos trabalhar também com

ferramentas da pesquisa quantitativa, afim de fornecermos dados e números que

corroboram a compreensão acerca de nosso objeto de pesquisa.

Procuramos prezar também por aquilo que os membros e líderes

assembleianos têm a dizer. Para isso, se fez necessário o recurso de entrevista para

obtenção das informações que fogem aos escritos, sejam acadêmicos ou de materiais

informais. Para tanto, buscamos entrevistar líderes e membros da AD, com o intuito

4

de ouvi-los acerca da relação que há entre a instituição e a questão educacional em

suas práxis no dia-a-dia da igreja.

Sabemos que hoje existem muitas Assembleias de Deus, por tanto,

procuramos trabalhar com pessoas ligadas a CGADB, isto é, a primeira convenção

nacional, a qual, de certa forma, ainda está ligada ao tipo mais puro da conjuntura

assembleiana de raiz brasileira. Pretendeu-se utilizar de entrevistas entre leigos e

figuras expressivas da denominação.

Na primeira fase, para o aporte histórico procuramos estabelecer em nossa

pesquisa uma leitura historiográfica atual, a saber, fazendo uso dos trabalhos de

Alencar “Assembleias de Deus: origem, implantação e militância, 1911-1946”

(2010) e “Matriz Pentecostal Brasileira: as Assembleias de Deus” (2013), onde

me ambos os trabalhos o autor usou da interdisciplinaridade das Ciências da Religião

para elencar os mais diversos fatores que estiveram presentes no desenvolvimento

do pentecostalismo brasileira a partir da AD.

Fizemos uso igualmente do trabalho de Correa “Assembleia de Deus:

ministérios, carisma e exercício de poder” (2013), no qual a autora busca

desenvolver historicamente a dinâmica de crescimento da AD a partir de uma ótica

administrativa das representações dos líderes da denominação.

Assim, usamos também como aporte teórico a obra historiográfica de Farjado

“Onde a luta se travar: uma história das Assembleias de Deus no Brasil” (2017),

na qual o autor procurou trabalhar os aspectos da dinâmica de expansão da AD a

partir da militância do público da denominação, como sugere o título de seu trabalho.

Tendo dito isso, não deixamos de observar os materiais de história do pentecostalismo

brasileiro ainda no século XX, como os textos de Camargo (1973), Leónard (1981), e

Rolim (1976 e 1980).

Na segunda fase, para a abordagem sociológica, fizemos uso de conceitos de

Pierre Bourdieu, sabemos que o autor, se configura como um aporte teórico de suma

importância, dada a gama de trabalhos de estudos da religião que o utilizam como

teórico norteador a partir de seus conceitos sofisticados de leitura sociológica.

5

Trabalhamos a partir de Bourdieu as seguintes perspectivas: a noção de campo

religioso, para esboçar as relações de forças exercidas pelos agentes sociais que não

somente atuam, mas criam dinâmicas estruturais de poder.

Fizemos menção também da noção de habitus do autor para tentar elucidar a

forma de pensar e agir do povo assembleiano, assim como para encontrar indícios de

mudanças ao longo do desenvolvimento educacional das AD’s. Utilizamos também a

ideia de produção de crença e bens simbólicos do autor francês para compreender a

relação de formação educacional da liderança da AD e sua atribuição de valor ou não

da educação como bem simbólico.

Entendemos também que o trabalho de Max Weber sobre “os três tipos puros

de dominação legítima” nos ajudou a compreender as posições que se configuraram

na AD. Utilizamos a noção de dominação tradicional, uma vez que a AD é conhecida

por um sistema em que o pastor tem total autonomia sobre a instituição, seguindo a

ótica patriarcal típica do coronelismo do norte e nordeste, onde a AD se desenvolveu

em seus primeiros anos de inserção no Brasil.

Faremos uso também da noção de dominação carismática de Weber, uma vez

que faz parte da nossa pesquisa verificar se existe resistência à educação formal por

parte da liderança da AD em boa parte de sua história, o que por sua vez gerava no

pastor assembleianos a necessidade de buscar legitimidade muito mais por seu

carisma, do que por seu currículo, em contrapartida as instituições burocráticas, como

no caso das igrejas históricas, as quais exigem formação de seus pastores.

Contudo, buscamos propor indicativos da transição atual também a partir de

Weber, de um sistema carismático tradicional, as AD’s estão atualmente passando

por um processo burocratização institucional nas últimas décadas.

Trabalhamos também em nossa pesquisa sob a ótica de Paul Freston (1993),

o qual já vem sendo referência a alguns anos quando se trata de estudos sobre

pentecostalismo. Freston interpreta a partir de um viés sociológico o perfil das AD’s

dentro do que chama de pentecostalismo clássico. O autor discorre acerca do ethos

sueco/nordestino presente nas conjunturas da denominação no Brasil.

Compreender o perfil social do povo brasileiro que lidou com o grupo em

questão é uma chave primordial para a compreensão das disposições do pensamento

6

assembleiano, sendo assim, identificar os elementos que envolvem o ethos-

sueco/nordestino torna-se relevante para o desenvolvimento da pesquisa.

Na terceira fase, para entendermos a relação entre AD e as questões que

envolve uma educação formal, se faz necessário o aporte de uma compreensão de

visão de atuação política da instituição como agência de cidadania.

Para isso, fizemos uso da análise sócio-política de Baptista (2007), sobre o

pentecostalismo brasileiro e seu envolvimento com as questões políticas. O trabalho

do autor também nos ofereceu uma consistente análise do discurso dos políticos

assembleianos.

Outro acervo importante para compreensão do desenrolar histórico das AD’s

no Brasil, consiste na coleta dos documentos oficiais da denominação. Para isso,

observamos materiais importantes como “História das Assembleias de Deus no Brasil”

(1961), produzido pelo jornalista Emílio Conde.

Seguindo a mesma perspectiva, trabalhamos com as produções oficiais mais

recentes das AD’s, tendo como responsável Araújo, produção esta que se encontra o

“Dicionário do Movimento Pentecostal”, “100 acontecimentos que fizeram a história da

Assembleia de Deus no Brasil” e “100 mulheres que fizeram a História das

Assembleias de Deus no Brasil”.

As biografias que envolvem as narrativas dos fundadores da denominação,

agentes históricos mais importantes das AD’s também foram fontes relevantes para a

pesquisa. Destacamos as biografias de Gunnar Vingren “Diário de um pioneiro” e de

Daniel Berg “Enviado por Deus”.

Esses materiais se constituem como elementos importantes da pesquisa para

compreensão da mentalidade dos fundadores das AD’s no Brasil. Outros materiais

consultados serão revistas, jornais e impressos doutrinários.

Por fim, para compreendermos a relação entre as AD’s e a formação teológica

na denominação, fizemos uso da obra de Gomes (2013), o qual desenvolveu sua obra

trabalhando a mudança ocorrida nas AD’s, de uma objeção ao estudo teológico formal

à uma aproximação nas últimas décadas.

7

Concluímos o trabalho com uma análise da relação entre educação brasileira e

protestantismo, bem como a atual relação entre as AD’s e a procura por formação nos

dias atuais.

8

1) QUESTÃO HISTÓRICA

Para entendermos melhor os desdobramentos que envolvem os capítulos já

compostos sobre a história das Assembleias de Deus, se faz necessário os

apontamentos de pontos importantes adjacentes a seu estabelecimento no Brasil.

Para tanto, o presente capítulo tem como objetivo descrever alguns aspectos,

personagens e acontecimentos que marcaram o início do movimento pentecostal

assembleiano no Brasil.

1.1. Pressupostos do movimento pentecostal norte-americano na formação da

Assembleia de Deus.

A busca histórica de uma denominação pode ser a possibilidade de um olhar

reinventado da mesma, pois, sabemos que os questionamentos realizados no

presente têm ligação direta com atitudes tomadas no passado. Com isso, buscaremos

no presente capítulo elencar fatores adjacentes à formação da Assembleia de Deus,

numa busca de sua identidade histórica.

Para entendermos melhor as influências percebidas na Assembleia de Deus e

sua inserção no Brasil, faz-se necessário apresentar de início os principais

percussores pentecostais estadunidenses, a saber, Charles Fox Parham, William

Joseph Seymour e W. H. Durham, principais influenciadores do movimento

pentecostal da Azuza Street, além do contexto vivido pelos tais, pois, é sabido que a

AD teve grande influência do pentecostalismo norte-americano. (CAMPOS, 2005, p.

102)

Charles F. Parham (1873-1929) foi conhecido como o pai do reavivamento

pentecostal do século XX. Parham ficou conhecido como o primeiro pregador

pentecostal a associar o falar em línguas desconhecidas (glossolalia), manifestação

carismática bastante enfatizada na Assembleia de Deus ao longo de sua história, com

a noção de batismo com o Espírito Santo. Também enfatizava outras manifestações

de “transes espirituais” entre os fiéis, sendo essa experiência considerada pelos

pentecostais como sendo idêntica a experimentada pelos apóstolos no início da igreja

primitiva, na Festa de Pentecostes. (CAMPOS, 2005, p. 104)

Parham foi diretor do Bethel Bible College, Topeka, no Kansas, EUA. Nesse

local eram realizadas práticas de cura divina, assistência espiritual e material às

pessoas mais desfavorecidas, além de treinamentos para jovens que desejassem

9

ingressar na carreira missionária. A propagação de suas concepções se dava a partir

de seu jornal, intitulado com ligação direta a seu movimento: The Apostolic Faith, no

qual:

Por meio dessa e de outras publicações, ele defendia a necessidade das pessoas se submeterem a uma “terceira benção” em sua carreira de fé, embora a tradição metodista falasse apenas de duas bênçãos: “conversão” e “santificação”. (CAMPOS, 2005, P. 108).

O encontro entre Charles F. Parham e William Seymour (1870-1922) aconteceu

no Texas, em 1905, durante uma escola bíblica, na qual, Parham era o ministro e,

Seymour seu aluno. Como Seymour era negro, devido ao racismo presente no então

contexto americano, ouvia as ministrações do lado de fora sentado em uma cadeira.

Essas escolas bíblicas foram essenciais para propagação da mensagem pentecostal

nos EUA.

Na sua juventude, Parham estudou medicina e depois tornou-se pastor

metodista. Contudo, o exercício de seu ministério durou apenas cinco anos na

denominação, isso, devido a sua crença na cura divina. Com isso, Parham passou a

exercer seu ministério missionário de forma itinerante, a saber, indo a várias regiões

dos EUA fazendo uso de tendas3 de lonas de lugar em lugar, até o final de sua vida.

William Seymour levou a mensagem reavivalista para cidade de Los Angeles.

William Joseph Seymour nasceu em Centerville, Louisiana, era filho de ex-escravos.

A conversão de Seymour aconteceu aos 15 anos numa igreja batista. Aos 25 anos,

Seymour foi morar em Indianápolis, onde passou a ser membro da Igreja Metodista

Episcopal4, além de trabalhar em restaurantes para seu sustento.

Anos depois, William Seymour passou a morar em Houston, Texas, onde

passou a fazer parte do movimento holiness5, sendo pastoreado por Lucy F. Farrow,

que tempo depois o deixou em seu lugar. Farrow teve grande influência no ministério

de William Seymour. Farrow nasceu escrava, na cidade de Norfolk, na Virgínia.

Sobrinha de um famoso abolicionista, foi uma pastora e missionária de destaque. Seu

3 Parham util izava tentas para trabalhar com escolas itinerantes, tendo em vista que suas passagens pelas

cidades para essa finalidade aconteciam num período breve de dias. 4 Esta igreja era composta por fiéis em sua maioria, negros. 5 O termo holiness tem origem na língua inglesa, termo esse traduzido para o português por santidade. O movimento teve origem entre os metodistas, no século XIX, os quais insistiam na ideia de perfeição, tendo

como principal expoente Phoebe Palmer, uma mulher, esposa de um médico nova-iorquino.

10

primeiro contato com o pentecostalismo foi com Charles Parham, época em que

cooperava uma igreja do movimento holiness em Houston. Indo trabalhar como

governanta na casa de Parham, Lucy Farrow cedeu seu lugar de liderança na igreja

em Houston para William Seymour.

Nesse mesmo período, Charles Parham foi para Houston com sua escola

itinerante, onde Seymour e ele tiveram contato, como explanado anteriormente. Foi

num templo abandonado de uma Igreja Metodista em Los Angeles, mesmo com

poucos recursos que, Seymour começou a exercer seu ministério independente, claro

que, diferentemente do que se costumava ver em ministros daquela localidade.

Seymour era um pregador eloquente, o qual enfatizava entre glossolalias,

milagres, curas, prodígios entre outras manifestações que o fizeram rapidamente

conhecido pela mídia presente. Contudo, essa divulgação era feita em sua maioria de

forma negativa, sendo seu movimento apontado por muitos como fanatismo religioso.

(CAMPOS, 2005, p. 106)

Neste mesmo período, na Suécia, entre o final do século XIX e início do século

XX, entre 1870 e 1920, houve uma grande emigração de suecos para os EUA,

procurando novas perspectivas de vida. Estima-se que em Chicago, o número de

imigrantes, incluindo suecos, chegava aproximadamente 75% da população6.

William H. Durham (1873-1912), natural de Kentucky, era pastor batista

tradicional, tendo ingressado na denominação em 1891 e permanecido até ter sua a

experiência com o batismo com o Espírito Santo. Segundo Araújo (2007) grandes

proeminentes do pentecostalismo em todo mundo tiveram contato com Durham.

William H. Durham7 rompeu com Seymour por causa de questões doutrinárias, o que

o fez abrir a North Avenue Mission, em Chicago.

A ligação dos missionários suecos Gunnar Vingren (1879-1933) e Daniel Berg

(1885-1963) com esses percussores do pentecostalismo americano veio a acontecer

por meio de Durham. Além dos fundadores da Assembleia de Deus, saiu do

movimento liderado por Durham, Louis Francescon, fundador da Congregação Cristã

6 Os especialistas em demografia norte-americana observam que de 1777 a 1884 entraram nos EUA 1,6 milhão de imigrantes. Entre 1901-10, entraram cerca de 8,8 milhões. (CAMPOS, 2005, p. 105) 7 Nos materiais encontrados, a relação entre Seymour e o Will iam Durham se presente somente quando se é

narrada a cisão entre os dois.

11

do Brasil, primeira igreja pentecostal brasileira, mesmo sabendo que na prática,

assembleianos e congregacionais não possuem vínculos denominacionais. Esse

período adjacente à chegada do Movimento Pentecostal ao Brasil pode ser chamado

de pré-pentecostalismo, consoante Campos (2005, p. 113).

Segundo essas afirmações, é possível dizer-se que o pentecostalismo

brasileiro foi uma continuidade do movimento reavivalista do final do século XIX e

início do XX norte-americano. Sendo assim, o movimento pentecostal chegado ao

Brasil no início do século XX teve como origem o cenário religioso do final do século

XIX e XX dos Estados Unidos da América.

1.2. Relatos biográficos dos missionários Daniel Berg e Gunnar Vingren.

Daniel Berg nasceu em 19 de abril de 1884, em Vergon, Suécia. Era filho de

Gustav Verner Horberg e Fredrika Horberg. Seu pai por sua vez, era líder batista,

tendo influência direta na concepção cristã de Berg desde a sua infância, batizando -

se nas águas8 aos quinze anos. Aos dezoito anos, em 1902, Berg saiu da cidade de

Gotemburgo e emigrou para os EUA a fim de fugir das condições difíceis em que se

encontrava a Suécia, assim como muitos suecos na ocasião.

Chegando a Boston, viajou para Providence, Rhode Island, onde havia muitos

suecos. Foi então nos EUA que, Berg aprendeu aquilo que se tornou sua principal

fonte de sustento anos depois no Brasil, a saber, Berg se especializou em fundição

de aço.

Em 1908, Daniel Berg retornou para sua terra natal, a Suécia, ocasião em que

ficou sabendo que um de seus amigos de infância, Lewi Pethrus, era agora

pentecostal. Pethrus foi estudante de Teologia num seminário batista em Estocolmo

e tinha forte influência sobre Berg. A primeira experiência pentecostal de Daniel Berg

aconteceu em sua volta para os EUA no ano de 1909, quando conheceu seu futuro

companheiro de missão Gunnar Vingren.

Nessa ocasião, Berg e Vingren somaram forças com a finalidade de fazer

missão. Foi quando em companhia de um pentecostal, receberam uma profecia

8 A concepção Batista tradicional, o ato do batismo se dá por imersão nas águas, por isso a expressão util izada

acima.

12

indicando que os tais deveriam ir para o Pará9, lugar até então desconhecido pelos

jovens missionários, onde os mesmos encontrariam um povo de origem simples e que

este pastorado seria confirmado por Jesus. Foi então que, Berg e Vingren procuraram

no atlas de uma biblioteca pública o local em que deveria exercer o mandato

missionário.

Sendo assim, a vinda dos missionários para o Brasil, mais precisamente para

o Pará, não parece ter sido um ato oriundo da razão, mas por “direção de Deus”,

porém, vale ressaltar que no Pará já havia um pastor batista sueco em exercício, a

saber, Erik Nilsson, o qual já implantava igrejas no Brasil desde 1897 na Amazônia.

Gunnar Vingren, nasceu em 8 de agosto de 1879, em Ostra Husby,

Ostergotland, na Suécia. Desde cedo, Vingren cresceu aprendendo a fé cristã através

de seus pais, a saber, seu batismo nas águas já aos dezoito anos. Em 1903, Vingren,

assim como a muitos suecos, foi atraído pelo efervescente movimento migratório para

os EUA.

Com isso, Vingren viajou para Gotemburgo, no dia 30 de outubro daquele ano,

onde rumou passando pela cidade de Hull, Inglaterra, até chegar a Liverpool. Ao após

chegar em Liverpool, Vingren embarcou para os EUA, atravessando o Atlântico até

chegar em Boston, Massachusets.

Após sua chegada, Vingren viajou de trem até Kansas City, chegando

dezenove dias depois, em 19 de novembro de 1903. Em seus primeiros anos nos

EUA, Vingren trabalhou como porteiro em casa comercial de grande porte, bem como,

exercia o trabalho de jardineiro no inverno. No ano seguinte, Vingren foi morar em St.

Louis, com seu tio Carl Vingren, conseguindo em seguida uma vaga como jardineiro

no Jardim Botânico da cidade, frequentando os cultos numa igreja de origem sueca.

Em 1904, Vingren começou de quatro anos no Seminário Teológico Batista

Sueco, em Chicago, haja vista ter frequentado a igreja batista sueca enquanto morava

no Kansas. Pregando em vários lugares, após estágios, Gunnar Vingren se pastoreou

uma igreja na cidade Mountain, Michigan. Em 1909, Vingren terminou seus estudos,

9 Pará, Estado brasileiro situado ao norte do país. A profecia no meio pentecostal está relacionada ao ato de

prever uma ação futura, como uma espécie de orientação divina.

13

foi quando veio a pastorear a Primeira Igreja Batista de Menominee, também em

Michigan.

Ainda em 1909, numa convenção batista em Chicago, Vingren teve uma

experiência com o batismo com o Espírito Santo, ocasião essa em que ele conheceu

outro jovem com desejo missionário, seu futuro parceiro na missão, Daniel Berg. Após

a experiência, Vingren voltou para sua igreja ensinando sobre o batismo com o

Espírito Santo. Foi quando houve uma cisão na Primeira Igreja Batista de Menoninee.

Com isso, Vingren teve que se afastar devido à objeção de muitos membros da

igreja local. Isso fez com que o jovem sueco fosse pastorear a Igreja Batista de South

Bend, a qual ao aderir seus ensinamentos sobre a experiência com o Espírito Santo,

tornou-se uma igreja pentecostal.

É interessante pensar que ao construir a história da inserção da AD no Brasil,

faz-se necessário compreender o fato de que os missionários Daniel Berg e Gunnar

Vingren, não estavam preocupados com uma escrita científica ao relatar seus feitos.

Com isso, ao narrar os eventos que corroboraram para implantação da instituição,

caminhamos com a necessidade de filtrar os eventos e narrativas que são de ordem

temática daqueles que são de ordem factuais, os quais possuem datação e local,

conforme necessário para o fazer historiográfico.

“...o diário capta o dia a dia, as percepções, os eventos vividos, etc.,

servindo de recuo à própria história. Assim, a releitura das anotações

dos missionários serve de reflexão sobre as suas práticas vividas no

passado. (...). Essas anotações foram de suma importância para a

construção da história do pentecostalismo assembleiano no Brasil,

pois sem elas, muito se perderia no tempo. (CORREA, 2013, p. 48)

Consoante salientou Correa, os relatos biográficos dos missionários são fontes

essenciais para coleta de informações importantes para compreensão da história das

AD’s no Brasil. Contudo, percebemos que no pentecostalismo, de um modo geral, a

oralidade tem peso importante no repasse histórico de uma geração para outra.

Para Correa (2013), as anotações pessoais dos missionários oferecem uma

relação clara entre o que eles compreendiam pelo fazer teórico e prático. Os diários,

como são chamados, revelam o habitus dos fundadores, uma vez que

compreendemos tais narrativos como elementos culturais fundamentais para

construção social do objeto da pesquisa.

14

Os missionários estavam focados na experiência com o Espírito Santo,

característica destaque do pentecostalismo clássico. Vale destacar que as decisões

tomadas pelos missionários suecos estão sempre associadas a uma ação

sobrenatural da parte de Deus, assim, tais narrativas isentaram, em certa medida, os

suecos de qualquer responsabilidade de interesse econômicos em seu processo de

estabelecimento em terras brasileiras.

1.3. A Inserção da Assembleia de Deus no Brasil.

Gunnar Vingren e Daniel Berg, conheceram-se e uniram-se por um ideal

missionário. Segundo Araujo (2014, p. 20), Gunnar Vingren foi a uma reunião, em um

sábado à noite, e um sujeito chamado Adolfo Uldin, foi arrebatado em espírito10, e este

profetizou que deveria ir para um lugar chamado Pará. Belém do Pará estava com

aproximadamente 200.000 habitantes nesse período.

Berg e Vingren não vieram com vínculos institucionais. Eram batistas, mas não

foram enviados oficialmente, com isso, não tiveram recepção, o que implicou numa

grande dificuldade para se estabelecerem na cidade de Belém do Pará nos primeiros

dias na nova pátria. A principal dificuldade para isso, era não falar a língua portuguesa.

Visando uma melhor comunicação, os jovens suecos procuram protestantes na

cidade que pudessem recebê-los, bem como ajudá-los no processo de adaptação. O

primeiro contato protestante foi com o pastor metodista americano Justus Nelson, o

qual os apresentou ao pastor da Igreja Batista de Belém, Jerônimo Teixeira de Souza,

também fluente na língua inglesa. Foi na casa do pastor batista Jerônimo Teixeira de

Souza que os missionários Berg e Vingren tiveram a primeira moradia fixa no Brasil,

isso, num singelo porão.

Para aprenderem falar o português, os missionários contaram com a ajuda de

um membro da Igreja Presbiteriana de Belém, por nome Adriano Nobre, o qual

também falava inglês e se dispôs a ajudá-los na questão idiomática, chamando-os

sempre para seu convívio familiar. Como nesse primeiro momento de estadia no

10 Arrebatado pelo espirito é uma expressão que no meio pentecostal está relacionado a um momento em que

o individuo tem uma visão por deslocamento sem sair do lugar.

15

Brasil, como não tinham condições financeiras para pagar pelas aulas, Daniel Berg foi

trabalhar numa fundição, enquanto Gunnar Vingren estudava o idioma brasileiro.

Os missionários, em princípio, não demonstraram num primeiro momento a

intensão de abrir uma nova igreja, pois, frequentavam a Igreja Batista de Belém com

entusiasmo dos congregados:

Vingren e Berg vieram para o Brasil sem sustento garantido e sem apoio denominacional. O dinheiro para viagem foi doado por uma igreja sueca de Chicago. No Brasil, Berg trabalhou por um tempo numa fundição, venderam Bíblias e, ao que tudo indica, receberam doações esporádicas de amigos no exterior. Após sete meses em Belém, congregando na Igreja Batista, ocorreu um cisma a respeito da sua mensagem pentecostal. Dezenove pessoas foram excluídas da Igreja Batista e formaram uma nova igreja, a qual adotou o nome de “Missão de Fé Apostólica”. Era um nome dos primitivos grupos pentecostais nos Estados Unidos. O nome “Assembleia de Deus” já fora adotado em 1917 (Vingren 1982:93) e possivelmente antes. Mas, nos primeiros anos, ainda não estava claro que a organização resultaria da nova mensagem. (FRESTON, 1994, P.81)

Havendo já no Brasil um protestantismo instaurado pelas missões históricas,

porém, com um público de maioria da elite, os missionários suecos priorizaram a

evangelização de pessoas mais simples, a saber, buscaram alcançar um público

muito semelhante ao da cidade de Chicago que, era de maioria de trabalhadores

imigrantes, sendo que em Belém do Pará, havia migrantes de várias regiões do país:

Daniel Berg e Gunnar Vingren, fundadores da Assembleia de Deus, em 1911, atingem ex-escravos e seus descendentes, nordestinos e seringueiros desempregados, que retornam a seus municípios de origem levando a mensagem e, em menos de 20 anos, atinge todo país. A Assembleia de Deus não tem ligação com a ideologia do “destino manifesto”, então muito cedo começa a ter uma liderança nacional e os estrangeiros (suecos) só dominaram nos quarenta primeiros anos. A liderança é formada e forjada não em instituições de ensino (de uma teologia importada), mas na própria prática eclesial de muita pobreza e perseguição. Um projeto de igreja brasileira que sempre, até hoje, tem uma forte liderança nacional nordestina. Por ser um grupo sem pretensões de atingir a elite ou apenas um determinado grupo étnico, poderia, então, em sua proposta popular ter operado uma grande influência cultural na base do país? Poderia, se não fosse o seu escatologismo. (DAYTON; HOLLENWEGER, apud, FRESTON, 1994, p. 82)

Ao que podemos notar, desde a chegada em terras brasileiras, os missionários

suecos se depararam com dificuldades fruto da ausência de um envio formal, como

percebido em projetos missionários estabelecidos a partir de uma agência de missão.

16

1.4. A Assembleia de Deus a partir da cisão – Ruptura com a Igreja Batista.

A cisão dos missionários suecos com a tradição Batista, aparece como um

elemento de ruptura que se estende a vários fatores que compõem a história das AD’s

em solo brasileiro. Como podemos notar, a postura da igreja Batista no Brasil em criar

e desenvolver instituições educacionais demonstra isso, pois, nas AD’s a “experiência”

desde os mais antigos foi considerada como ferramenta primária em relação ao saber.

Com isso, foi possível notar também que a AD traz consigo certo hibridismo

desde sua origem no que diz respeito a formação de sua liderança, a exemplo,

enquanto Gunnar Vingren tinha acabado de se formar num Instituto Bíblico Batista

nos Estados Unidos, Daniel Berg não possuía preparo formal como seu companheiro.

Segundo Fajardo:

Diferente de Vingren, Berg não desenvolveu qualquer tipo de atividade pastoral ou teológica em sua passagem pelos EUA. Na realidade, de acordo com seu relato11, sua experiência inicial com o pentecostalismo se deu quando retornou a passeio para a Suécia oito anos após sua vinda para a América. (2017, p. 60)

Assim, notamos que a falta de um padrão formal entre Berg e Vingren quanto

a formação, acarretou num perfil de obreiro formado na lida missionária, isto é, da

prática de campo. Conforme Alencar (2010), mesmo sendo formado, Vingren parecia

indiferente ao preparado formal dos obreiros vindouros. Tal realidade nos leva a

perceber certa tensão entre a cultura estadunidense a qual Vingren havia se inserido,

com àquela advinda da terra de seus pais, Suécia. Pois, nota-se nas primeiras

décadas de desenvolvimentos das AD’s no Brasil uma tensão firme entre a influência

sueca e a americana.

1.5. “Pela visão de Deus”: desenvolvimento autônomo das AD’s.

A dinâmica de inserção da AD no Brasil, em dados momentos, dá-se para

perceber certos lampejos de improviso, uma vez que para se adentrar a outra cultura,

tendo em vista uma ideia de permanência, faz-se necessário um conhecimento prévio,

ao menos afim de amenizar possíveis dificuldades. No entanto, o que vemos nos

relatos dos missionários, a partir da história oficial da igreja, é na verdade uma ação

11 Daniel Berg é autor do livro intitulado “Enviado por Deus” no qual descreve parte da sua biografia, a estadia nos EUA e os primeiros anos da missão no Brasil. No entanto, vale ressaltar que há quem defenda que o l ivro se

trata da descrição de um dos fi lhos de Daniel Berg daquilo que o mesmo contava de sua experiência.

17

de “fé”, isto é, nada visionário, como apontam alguns. Para se compreender melhor

esta análise, recorremos ao pensamento de Alencar:

Qualquer “Agência Missionária” moderna exige que o participante faça

um curso de missões transculturais, estude a cultura do povo, aprenda

o idioma, informe-se sobre as condições climáticas, tenha endereços

para onde vai, etc. Mas dois suecos chegam ao Brasil sem dinheiro,

sem falar uma palavra em português, vindo na terceira classe do navio,

não têm conhecido esperando-os – apenas uma “visão”. (...). As

denominações tradicionais já tinham estabelecido organismos de

missões, mas o pentecostalismo é apenas um movimento. (2010, p.

54)

A visão imediatista para a realização da obra missionária surge como elemento

crucial para explicar as arestas deixadas pela falta de preparo formal para os novos

líderes brasileiros. Vemos que se por um lado a expansão foi mais rápida, por outro

nota-se que as lacunas deixadas fizeram eco em toda a história da relação entre AD

e a questão educacional.

Segundo Alencar (2010), Berg era analfabeto, o qual a longo de sua vida no

Brasil não chegou a dominar o idioma português. Já Vingren é visto como o oposto de

seu companheiro, uma vez que o mesmo já chegou ao Brasil como um pastor

ordenado e formado em Teologia.

Vale ressaltar que a peculiaridade do movimento pentecostal brasileiro se dá

pelo fato de ainda ser, segundo alguns autores, um movimento ainda imaturo, quando

comparado a tradições históricas, as quais a abertura de novos trabalhos estava muito

associada a agências missionárias ou mesmo denominações mantenedoras, além da

realidade de, a partir do pensamento escatológico, não haver um planejamento em

longo prazo para as denominações pentecostais.

O pentecostalismo estava apenas na sua infância, quando chegou ao Brasil um fator importante para sua autoctonia. Sem grandes recursos ou denominações estabelecidas, e mais interessado numa última arrancada evangelística antes do fim do que na criação de uma instituição, o movimento não estabeleceu as relações de dependência que caracterizavam as missões históricas. (FRESTON, 1994, p. 75).

O nome “Assembleia de Deus12” só veio a ser utilizado após alguns anos de

andamento do trabalho pentecostal iniciado por Berg e Vingren. Missão de Fé

12 A primeira Assembleia de Deus, nome substituto da Missão de Fé Apostólica, foi estabelecido por estatuto

registrado em 11 de janeiro de 1918. O Diário Oficial de Belém do Pará fez o registro sob o Número – 766524.

18

Apostólica13 teria sido o primeiro nome da denominação. A razão para mudança do

nome não é muito clara.

Porém, como salienta Alencar (2010, p. 64), essa mudança só foi oficializada

em 1918, através do então jornal oficial da igreja, intitulado como “voz da verdade”.

Curiosamente, o nome Missão de Fé Apostólica já era utilizado por igrejas

pentecostais americanas. Esse fator por sua vez nos chama atenção à questão, teria

a AD brasileira ligação com o movimento já estabelecido nos EUA?

A Assembleia de Deus americana era formada por brancos, sendo parte de um

movimento pentecostal mais “elitizado” para o contexto, tendo em vista que o

pentecostalismo teve maior notoriedade entre os negros e pobres, assim como os

missionários suecos que desembarcaram no Brasil.

A AD americana teve origem a partir da federação de igrejas que haviam sido

“pentecostalizadas”, porém, não queriam ligações com movimentos negros. Como os

suecos Vingren e Berg eram oriundos de classe social marginalizada, foi mais rápida

a sua identificação inicial com a Missão de Fé Apostólica. (CAMPOS, 2005, p. 110)

Disponível em: https://adkjovem.blogspot.com.br/2015/05/1910-de-missao-da-fe-apostolica.html. Acesso em: 04 de out. 2017. 13 A primeira Missão de Fé Apostólica teve seu endereço na casa de uma “irmã” chamada Celina Albuquerque,

na rua Siqueira Mendes 67, bairro cidade velha, Belém do Pará.

19

2- QUESTÃO SOCIAL

Os aspectos sociais que estão em torno de um determinado grupo religioso

também carregam suas particularidades. Diante disso, se faz importante a

compreensão acerca dos aspectos sociais que envolvem tanto a inserção das

Assembleias de Deus no Brasil, quanto aqueles que dizem respeito a seu

desenvolvimento histórico e atual. Todo grupo social possui suas próprias

características e modos de agir. Assim, trabalharemos no presente capítulo alguns

dos fatores sociais que se encontram em torno dos anais da história social das

Assembleias de Deus no Brasil.

2.1. Razões para o pouco envolvimento social e educacional da Assembleia de

Deus em sua inserção no Brasil

Os exercícios de liderança carregam em suas ações diversas características

da formação de quem a exerce. Para falar do perfil de liderança e formação

assembleiano, precisamos dialogar com a influência patriarcal brasileira no

estabelecimento da denominação.

Uma vez que para exercer o ofício pastoral o indivíduo não necessita

necessariamente de uma formação legal, é preciso alcançar o status ou título por outra

via, a saber, de seu carisma, tal como um típico modelo de dominação tradicional ou

patriarcal14.

Os súditos ou liderados, obedecem pela posição do indivíduo, pelo status

alcançado em tal grupo social, isto é, não necessariamente pelo seu nível de instrução

ou currículo. Sendo assim, notamos que no pentecostalismo, mais precisamente nas

AD’s, o pastor rompe com a figura do líder erudito, tipicamente caracterizado pastor

protestante tradicional. Para tanto, observaremos a interface proposta por Alencar:

Essa igreja nasce com ethos rural e mesmo em zonas urbanas

mantém as características fundamentais: a mentalidade rural, a

estrutura patriarcal da liderança, o abismo comportamental entre

Igrejas-Sedes e Congregações e a presença em pequenas cidades.

(2013, p. 88)

14 Esta é uma dominação de transição entre a burocrática e a carismática, também chamada de dominação patriarcal. (...) São relações de privilégio e favorecimentos interpessoais. A obediência se dá pela dignidade do senhor ou patrão, mas não é sua pessoa, carismaticamente, que o legaliza, mas a tradição que ela representa.

(ALENCAR, 2013, p. 76)

20

A herança rural está presente no sistema das AD’s. O pastor presidente

centraliza todo seu poder em sua pessoa, de modo que há entre as pessoas uma

certa reserva antes de qualquer questionamento, o que nos faz lembrar o

comportamento dos coronéis em muitas regiões do Brasil rural.

Sendo assim, é possível observar que a própria estrutura eclesiástica tende a

reproduzir um grupo que se comporta indiferente as questões sociais, uma vez que a

liderança está sempre subordinada a “vontade de Deus”. Sobre a herança patriarcal

brasileira pode-se encontrar na obra de Freyre:

2.2. Estrutura patriarcal e AD – uma leitura a partir de Gilberto Freyre.

Para compreender a estrutura do pensamento social do povo brasileiro

nordestino encontrado pelos missionários Daniel Berg e Gunnar Vingren, no início do

século XX, faz-se necessário uma revisitação a obra e olhar de Gilberto Freyre:

A formação patriarcal do Brasil explica-se, tanto nas suas virtudes

como nos seus defeitos, menos em termos de “raça” e de “religião” do

que em termos econômicos, de experiência de cultura e de

organização da família, que foi aqui a unidade colonizadora. (2002, p.

129)

Consoante Freyre, notamos que a identidade do povo brasileiro tem raízes no

sistema patriarcal fruto do processo de colonização das terras tupiniquins15. A figura

central do homem como portador da razão e da última palavra, se é perceptível em

muitas instituições de domínio tradicional (WEBER, 1991, p. 131).

Temos como exemplo, a figura do pastor nas AD’s, conhecido geralmente como

aquele que “manda e os outros obedecem”, perfil este que se confunde com a figura

patriarcal do nordeste brasileiro, local em que as AD’s tiveram enorme projeção nos

primeiros anos da denominação.

Tal influência vai ser chamada por FRESTON (1994, p.76) de ethos sueco-

nordestino. Diante do exposto, podemos observar que a hierarquia presente nas AD’s

possui laços peculiares com a história hierárquica do perfil de liderança brasileiro,

segundo Freyre:

Se a casa-grande absorveu das igrejas e conventos valores e recursos

de técnica, também as igrejas assimilaram caracteres da casa-grande:

o copiar, por exemplo. Nada mais interessante que certas igrejas do

15 O autor faz uso das expressões “tupiniquim” e “tupiniquins” afim de valorizar suas origens brasileiras.

21

interior do Brasil com alpendre na frente ou dos lados como qualquer

casa de residência. (...). A casa-grande venceu no Brasil a Igreja, nos

impulsos que esta a princípio manifestou para ser dona da terra.

Vencido o jesuíta, o senhor de engenho ficou dominando a colônia

quase sozinho. O verdadeiro dono do Brasil. Mais do que os vice-reis

e os bispos. (2002, p. 132)

Diante do exposto, notamos que a posição de liderança das AD’s no Brasil,

fazem, de certa forma, ecoar uma característica peculiar ao solo tupiniquim. Assim,

encontramos alguns indícios que nos apresentam a realidade de domínio dos

brasileiros sobre os missionários suecos durante o processo de estabelecimento da

denominação.

Vale ressaltar que dentre os relatos descritos acerca da realidade de identidade

brasileira, a obra de Gilberto Freyre ganha grande destaque, e dentre esta, está a

presente da “casa-grande” como poder legitimador da ordem, como o autor descreve:

A história social da casa-grande é a história íntima de quase todo brasileiro: de sua vida doméstica, conjugal, sob o patriarcalismo escravocrata e polígamo; da sua vida de menino; do seu cristianismo reduzido à religião de família e influenciado pelas crendices da senzala. O estudo da história íntima de um povo tem alguma cousa de introspecção proustiana; os Goncourt já o chamavam “ce roman vrai”. O arquiteto Lúcio Costa diante das casas velhas de Sabará, São João del´Rei, Ouro Preto, Mariana, das velhas casas-grandes de Minas, foi a impressão que teve: “A gente como que se encontra... E se lembra de cousas que a gente nunca soube, mas que estavam lá dentro de nós; não sei – Proust devia explicar isso direito. ” Nas casas-grandes foi até hoje onde melhor se exprimiu o caráter brasileiro; a nossa continuidade social. (2002, p. 137,138)

A identidade do povo também se reflete nas características de uma igreja que

tem cidadãos do mundo. Com isso, observamos que sendo a educação brasileira

ainda defasada em sua grande maioria no início do século XX, uma igreja formada em

sua maioria por leigos, não poderia ser a solução para os problemas vigentes da

questão educacional brasileira. Para compreendermos melhor essa relação estrutural

das AD’s, faz-se necessário destacar mais uma vez o pensamento de Alencar:

A estrutura patriarcal e estamental da liderança. No primeiro, os

servidores “são recrutados em total dependência pessoal do senhor”;

e no segundo, as relações se baseiam em “privilégio ou concessão do

senhor”. Um Ministério ou uma Convenção, mesmo nas grandes

cidades com a tecnologia e administração profissionalizada, não perde

este caráter: sua construção gira em torno de clientelismo e

mandonismo. Herança de modelo coronelista das zonas rurais, onde

22

o poder privado do dono da fazenda rivalizava e substituía o poder

público ausente. (2013, p. 88)

Como podemos observar, a presença do ethos patriarcal-coronelista está de

forma tão eficaz na conjuntura assembleia, de modo que até mesmo nos grandes

centros o “espírito” ruralista ainda se faz manifesto na liderança da denominação. O

poder está centralizado, de modo que aqueles que se levantam para questionar

possíveis desacordos, correm o risco de sofrer as sanções impostas aos

“perturbadores da ordem”. O sistema coronelista faz valer a expressão “manda quem

pode, obedece quem tem juízo”, embora, conforme Alencar:

A expressão “coronelismo nordestino”, usada por Freston (1994:86) e

muitos outros, é problemática e não dá conta plenamente do

fenômeno. Primeiro, o modelo coronelista não é uma especificidade

do Nordeste, é muito mais amplo. (...). Segundo, a palavra

coronelismo remete a um estilo essencialmente militarizado, algo que

se diferencia em relação às igrejas. As propostas de disciplina e

dominação são distintas. A legalidade carismática é da pessoa é ao

líder; já no modelo militar é a tradição. (2013, p. 89)

Conforme o exposto, não basta apenas o título, o sujeito precisa fazer valer a

sua posição através de suas ações, sendo assim, com uma postura rígida, pouco

flexível, fazendo valer a sua representatividade como habitus legitimador de sua

liderança. Diante de tal contexto, a formação do obreiro assembleiano se passa muito

mais em seu arrendamento de carisma do que no ajuntamento do saber

epistemológico.

Os suecos Daniel Berg e Gunnar Vingren encontraram no Brasil um público

aberto ao enquadramento de uma liderança formada a partir da personalidade. O

pentecostalismo carrega em sua inserção no Brasil uma carga de desprezo, com

características similares aos oprimidos que aqui jaziam, a saber, um povo que estava

com anseios voltados para uma realidade além de uma cultura na qual a própria ideia

de “cultura” está associada a um público que contém certos “gostos peculiares”.

Mais que alijada social e teologicamente por razões externas, como já

foi frisado sobre o caráter marginal do pentecostalismo, isto é uma

escolha; ela tem uma “síndrome de marginal”. A AD tem em seu ethos

uma natureza de “aversão ao mundo” que se justifica por razões

internas: sua escatologia iminente não lhe dá tempo para pensar no

presente; seu purismo moral afasta-a das manifestações culturais do

povo; e a perseguição como legitimação coletiva se faz “necessária”

para ela se sentir verdadeira; ademais; seu sol nascente rol de

23

membros é composto de extratos sociais inferiores, por tanto, já

acostumados com a marginalização. (ALENCAR,2010, p. 49)

Sendo os fiéis participantes e agentes da sociedade, sua forma de pensar e

agir certamente influenciará de alguma maneira seu local de estabelecimento, com

isso, a aversão ao mundo, ainda que indiretamente, isto é, justificada pelo

pensamento escatológico, é também uma forma de tomar partido diante da realidade,

a saber, de omissão.

O ato de distanciar-se dessas manifestações culturais poderá acarretar na

alienação do indivíduo, uma vez que este estará em constante conflito entre a sua

forma de pensar aprendida e apreendida na igreja, com a realidade social a sua volta.

2.3. Anti-intelectualismo e AD:

Conforme já apontado no início desta dissertação, é sabido que o público

pentecostal, e dentre este, o assembleiano, foi visto por algum tempo na história do

Brasil como um público avesso à razão. Ainda hoje os pentecostais sofrem com

brincadeiras relacionadas a suas práxis. Deste modo, foi comum taxar os pentecostais

ao longo dos anos, assim, destacaremos alguns fatores que estão ligados direta ou

indiretamente a esta questão.

2.3.1. Razões históricas.

O anti-intelectualismo encontrado na AD possui raízes históricas. A formação

do movimento está atrelada ao seu contexto de partida. Podemos elencar dois fatores

determinantes para isso, primeiro, o descontentamento presente no século XIX entre

as igrejas norte-americanas, segundo, o fato de AD ter sido constituída a partir de um

público mais simples, sendo abrigados no movimento negros, mulheres e imigrantes16.

Sendo assim, o AD surge, ainda que sem intenção de ser, como uma proposta

singular de protestantismo, não só pela ênfase na experiência espiritual, mas, também

como alternativa para aqueles que não se enquadravam nos padrões propostos pelas

elites. Seguindo essa perspectiva, podemos perceber que o pentecostalismo exercido

pela AD é também uma proposta de apropriação da cultura brasileira em suas

carências.

16 O perfi l social da cidade de Belém-PA nas primeiras décadas da AD no Brasil comportava pessoas de todo o

país, tendo como fator importante o chamado “ciclo da borracha”.

24

Para compreendermos melhor a questão do anti-intelectualismo presente no

pentecostalismo brasileiro, faz-se necessário citar alguns fenômenos influentes

ocorridos nos EUA, no chamado “pré-pentecostalismo”, a saber, as chamadas ondas

avivalistas, ocorridas entre os séculos XVIII e XIX. Na primeira, chamada de o “Grande

Despertar”, metade do século XVIII, ocorreu à revitalização religiosa nos EUA.

(CAMPOS, 2005, p. 105)

No movimento reavivalista, os leigos tiveram poder de discurso nas ações,

sendo esses substitutos diretos dos cleros ineficientes, isso devido à ideia de que a

“intelectualização” ocorridas nas igrejas, fez com que o público mais simples de fiéis

se afastasse:

A marca peculiar do reavivalismo foi o protagonismo exercido pelos leigos, que em razão da segregação e ineficiência do clero, assumiram o papel principal das ações e dinâmicas religiosas. (GOMES, 2013, p. 47)

Com isso, muitos dos pregadores leigos, os quais passaram ter o acesso à

atenção do povo, começaram a dizer que não se carecia de instrução para pregação

do evangelho, tendo em vista que, na concepção deles, o Espírito Santo revelaria o

que fosse necessário no ato. Sendo assim, a tensão entre razão e emoção passou a

perturbar o cenário religioso estadunidense na virada do século XVIII para o XIX.

2.3.2. Missionários suecos e formação: aversão não a educação teológica, mas

aos seminários

Embora tenhamos falado um pouco acerca de certo “ranço” anti-intelectual,

percebido nos anais das Assembleias de Deus, cabe ainda aqui algumas colocações

necessárias no que tange ao assunto abordado. Faz-se imprescindível destacar aqui,

um pouco da tensão entre o habitus sueco em relação a formação de obreiros e as

influências externas recebidas pelas AD’s.

Haja vista, o fato de entendermos como formação legítima, em linhas gerais,

somente aquelas percebidas em entre os protestantes históricos através de seus

seminários que, a propósito, até os dias atuais não recebem estudantes de igrejas

pentecostais. Quais seriam as razões para a resistência a centros de formação como

seminários, mas a forte valorização a escolas bíblicas e dominicais? Alguns aspectos

do modus operandi dessas lideranças nos ajudam a compreender um pouco esta

questão:

25

A liderança exercida pelos missionários suecos, embora não tenha implantado um projeto de educação teológica formal, estabeleceu programas de estudos bíblicos. Esta constatação faz-se necessária para que não se incorra no equívoco de atribuir total aversão por parte dos missionários escandinavos a qualquer modelo de treinamento bíblico-teológico. Nas quatro primeiras décadas, antes que a AD conhecesse o primeiro seminário teológico, já se empreendiam esforços para treinamento dos novos líderes que surgiam. (OZEAN, 2013, p. 67)

Diante do exposto, nos parece um erro garantir como formação somente

aquelas outorgadas pelos protestantes tradicionais, uma vez que estas lideranças do

movimento pentecostal afirmavam que suas convicções acerca de preparo também

eram legítimas. Os seminários, tais como universidades e outros centros de ensinos

específicos, em muitos contextos sociais, são vistos não só como fonte de preparo e

sucessão, mas, como ameaças ao poder vigente.

Com isso, as lideranças das Assembleias de Deus demoraram cerca de quatro

décadas para conhecerem o primeiro Instituto Bíblico das Assembleias de Deus – o

IBAD, sendo este, idealizado com recursos norte-americanos, isto é, uma ação que

revela que havia uma distinção entre a forma de lideranças americanas e suecas no

que diz respeito ao campo educacional das igrejas, e mais precisamente, em relação

a formação teológica

2.4. As condições sociais e suas influências para o imaginário pentecostal

assembleiano.

A realidade social vivenciada pelo indivíduo, nas mais diversas sociedades,

afeta diretamente na sua forma de observar e absolver as informações do mundo que

lhe cerca. Assim, aqueles que são mais pobres vivem experiências comuns a pessoas

ricas, porém, em sua maioria, de forma distinta.

O pobre precisa em todo o tempo adaptar sua realidade para uma vida de

sofrimento mínimo, isto é, está sempre buscando “sobrevivência” em meio ao caos de

uma vida desigual. Entretanto, aqueles que possuem uma condição de vida mais

favorável, em linhas gerais, possuem uma vida com menos “preocupação”, dada a

quantidade de necessidades que lhe são sanadas mais rapidamente a partir de sua

condição econômica.

Assim, é possível notar que no Brasil, dada a proporção de suas desigualdades

sociais, é, por assim dizer, um cenário favorável para que a religião se apresente como

26

uma fuga da realidade cruel que permeia a vida dos mais carentes. Os missionários

suecos, Daniel Berg e Gunnar Vingren, vieram para um país que ainda estava “se

encontrando”:

A realidade brasileira na virada do século XIX para XX foi marcada por transformações intensas do ponto de vista político, social e econômico. Esse processo de transformações ocasionou diversos movimentos de revoltas sociais, em razão da má-distribuição de renda, a ostentação de uma minoria e a calamidade social. (GOMES, 2013, p. 54)

Não é nosso papel dizer que os mais ricos não têm o mesmo interesse pela

religião do que os mais pobres. Contudo, notamos que a maior parte da população

dita religiosa no Brasil, possuem condições econômicas inferiores aqueles que se

declaram arreligiosos. Com isso, o pentecostalismo, na perspectiva assembleiana,

tornou-se um meio bastante atrativo para a população brasileira já no início do século

XX, período em que o país demonstrava atrasos em muitas áreas das necessidades

básicas do povo.

Além das discrepâncias com relação ao abismo que separava ricos de pobres, o sistema de saúde era caótico e a população sofria com os graves problemas de saneamento básico. A consequência disso era o alastramento de grandes epidemias: febre amarela, varíola, peste bubônica entre outras. A instabilidade criada por essas calamidades, somada à abertura aos novos tempos (que surgiam trazendo novas tecnologias), instaurava uma realidade de superstição e medo, fato que foi percebido claramente nos movimentos e revoltas sociais com formatos messiânico-milenaristas. (GOMES, 2013, p. 55)

Diante do exposto, é possível compreender que, para além do papel de

influenciar a cosmovisão do público que frequenta determinada instituição religiosa,

líderes como pastores, padres, bispos e etc., cumprem a função de levar seus

congregados a pensarem numa realidade além de seus dilemas materiais enquanto

pessoa humana. Vale destacar que, existe um grupo de pessoas que “abusam” da

“inocência” de seus fiéis também por conta destes anseios.

Assim, o pentecostalismo encontrou nas terras brasileiras, terreno fértil para as

crenças voltadas para ideias messiânicas e apocalíticas, ideias estas que promoviam

e promovem até hoje, o sentimento de que o “por vir” será muito melhor. Seguindo

esta perspectiva, da visão metafísica pentecostal, Gomes (2013), faz a seguinte

afirmativa:

27

O pentecostalismo, em contraponto ao modelo protestante, trouxe consigo uma mentalidade de negação do mundo, oferecendo uma mensagem de escape para além da realidade concreta. (p. 59)

Como já foi dito, a questão educacional no Brasil, se apresenta como uma

necessidade de reflexão estrutural e coletiva, não sendo uma necessidade apenas

entre os pentecostais, e mais precisamente, das Assembleias de Deus, como é de

interesse da pesquisa em questão. É algo que faz parte da cultura de um país que por

muito tempo possuía uma maioria analfabeta.

O dilema que envolve a importância da educação formal em solo brasileiro está

para além dos “muros” das Assembleias de Deus no Brasil. Com isso, destacaremos

a relação entre a educação formal, Brasil e Assembleias de Deus na atualidade, será

abordada com mais ênfase mais à frente na presente pesquisa, afim de compararmos

se houve ou não progresso quanto a problemática apresentada anteriormente.

2.5. Razões socioeconômicas

Para compreendermos melhor as razões sociais para o não envolvimento da

AD na alfabetização tupiniquim, faz-se necessário uma breve explanação do contexto

educacional brasileiro, nos primeiros anos da AD. O Brasil na virada do século XIX

para XX sofria de uma precariedade exorbitante nas questões básicas para o

desenvolvimento humano.

Focando a questão educacional brasileira no início do século XX, Ghiraldeli Jr

(2001, p.21), aponta que a população analfabeta do Brasil chegava aproximadamente

a 75 %, tendo em vista que, o sistema educacional católico foi determinante para

precariedade educacional da sociedade brasileira, a saber, a realidade de cursos de

nível superior estar restritos apenas as pessoas de melhores condições financeiras.

As igrejas protestantes históricas, a saber, Luterana, Anglicana, Metodista,

Presbiteriana, e, Batista, tiveram um papel significativo no processo de alfabetização

brasileira. Podemos observar que a expansão da Assembleia de Deus teve algumas

dificuldades. Além da falta de diálogo com a cultura, no sentido de diálogo mais

politizado, o Brasil naquela época, ainda carregava consigo um forte peso da Igreja

Católica. Vale ressaltar que, a atuação da Igreja Católica também teve contribuições

positivas para à educação brasileira.

28

O processo de conversão às vezes era travado pelo que a “barriga”

determinava. Os missionários suecos eram oriundos de um país onde os mesmos,

juntamente com os demais imigrantes, estavam às margens da sociedade, num lugar

homogêneo cultural, social e religiosamente, com isso, adotaram uma postura

contracultura, além do fato de pertencerem a uma minoria religiosa em seu contexto

de origem.

Desprezavam a igreja estatal, com seu alto status social e político e seu clero culto teologicamente liberal. (...). Haviam experimentado um Estado unitário no qual uma cultura cosmopolita homogênea não permitia à dissidência religiosa a construção de uma base cultural capaz de resistir à influência metropolitana. Por isso, eram portadores de uma religião leiga e contracultural, resistentes à erudição teológica e modesta nas aspirações sociais. (FRESTON, 1994, P. 78).

Os missionários suecos trouxeram na formação da Assembleia de Deus, além

das influências religiosas norte-americanas, uma posição pessimista quanto à

ascensão social, adotando assim a postura de mártires, sofredores e marginalizados

culturalmente.

Notamos que este aspecto, difere dos enviados das missões tradicionais, os

quais traziam consigo uma visão desbravadora em suas conquistas, principalmente,

no que tange a fundação de instituições de ensino, a exemplo, as missões

presbiterianas, batistas e metodistas. Com isso, o crescimento da Assembleia de

Deus nas primeiras décadas esteve ligado as camadas mais frágeis economicamente

da sociedade brasileira.

A expansão inicial da AD foi moderada. Nos primeiros 15 anos limitaram-se praticamente ao Norte e Nordeste, onde a oposição católica e a dependência. [...]. A AD se espalhou, não só com ação planejada dos líderes, mas também pela mão dos leigos, geralmente pessoas simples. (FRESTON, 1994, P.82)

Um fator relevante a ser destacado como causa para o não envolvimento da

Assembleia nas questões que tangem a sociedade, é a presente influência platônica

em sua cosmovisão cristã, isto é, a percepção de deslocamento dimensional futuro, a

saber, presente no pensamento assembleiano, bem como visto em muitos ramos ao

longo da história do cristianismo. Cavalcanti (1993, p. 43), demonstra esta influência

no cristianismo:

Uma influência platônica tem estado presente ao longo da história do cristianismo, separando corpo e alma, matéria e metafísca. Em nossos

29

tempos essa influência tem uma face visível naqueles cristãos apenas e apenas preocupados com “a alma”, “a vida espiritual” (contestada com a vida material), o “outro mundo”, a vida após a morte, de tendência ascética, separatista e alienada. [...]. O mundo não tem futuro, nada nos resta fazer por ele, e não devemos nos meter em questões políticas, sociais e econômicas.

Os ensinamentos de Scofield17 tem grande relevância para compreensão do

pensamento escatológico assembleiano, isto é, o fato da Assembleia de Deus ter

herdado muito da sua base doutrinária, e consequentemente escatológica, da Igreja

Batista. A desesperança para com o mundo é um marco notório na escatologia pré-

milenista e tribulacionista. Vejamos o que disse o Scofield à conferência profética na

Filadélfia, em 1918, como salienta (SHEDD, 2013, P. 21).

Oro para que Deus oriente todos os seus procedimentos, especialmente na apresentação de uma advertência destemida, no sentido de que estamos no terrível final dos tempos dos gentios sem qualquer esperança para a humanidade exceto na volta do Senhor em Glória. (James M. Childs JR., Christian Anthropology and Ethics, Philadelphia: Fortress, 1978, p. 13, 18-31)

Essa desesperança para com a realidade, faz do cristão um ser apolítico a

certa medida, pois, o pensar político, no que tange ao bem comum, é fundamental

para o desenvolvimento sadio da sociedade. Com isso, essa aversão ao diálogo com

as necessidades do mundo, pode ser vista também como uma omissão diante das

responsabilidades de se viver em um mundo politizado.

A excessiva ênfase na escatologia também pode funcionar como uma válvula de escape para os que estão procurando fugir de suas responsabilidades de agentes do bem aqui, agora, neste mundo. (CAVALCANTI, 1993, p.46-47)

O posicionamento escatológico imediatista pode não só ter afetado a relação

entre a Assembleia de Deus e a sociedade, mas também deficiências em longo prazo,

por exemplo, a expansão exorbitante com pouco planejamento de suas estruturas

institucionais, que por sua vez, abrange o todo da denominação, envolvendo desde

questões do episcopado, bem como questões relacionadas aos membros, a saber, a

aversão aos estudos em grande período de sua expansão.

17 Cyrus Ingerson Scofield (1843-1921) foi um teólogo americano responsável pela Bíblia de referência de Scofield que se tornou um referencial da doutrina do dispensacionalismo, uma teologia adotada pela

Assembleia de Deus.

30

2.5.1. Quais os aspectos sociais das AD’s em seu desenvolvimento no Brasil?

Uma análise a partir de Cartaxo Rolim.

Dentre os estudos acerca do pentecostalismo brasileiro ao longo de sua história

em solo brasileiro, encontramos a obra de Cartaxo Rolim em destaque. Este autor se

propõe a uma observação a qual vai além de uma mera análise social, pois, procura

trabalhar a origem do movimento pentecostal a partir das individualidades

encontradas no fenômeno. Rolim descreve o pentecostalismo brasileiro como um

movimento que surge e ganha força a partir dos marginalizados.

Tal visão acerca do pentecostalismo se fez presente ao longo do século XX,

assim como ainda pode ser sentido nos dias atuais, mesmo que de forma amenizada,

pois, o público pentecostal contemporâneo possui gente de toda classe. Contudo, faz-

se necessário uma análise histórico-social a partir de Rolim, para compreendermos

alguns aspectos presentes nas AD’s em seu desenvolvimento no Brasil. Para tanto,

vejamos a seguinte perspectiva:

Vamos supor, e não mais que isso, que associar pentecostalismo, representado no Norte pela Assembleia de Deus, às camadas pobres, já estivesse presente num determinado projeto religioso. (...). Na suposição, apenas posta por razão metodológica, de que os primeiros missionários pentecostais iniciaram seus trabalhos tendo em vista um projeto mais ou menos estabelecido de se dirigir às camadas pobres, esse seria semelhante intuito, se acaso existiu, restaria saber e precisar que condições concretas estariam determinando a implantação da Assembleia de Deus na periferia de Belém, no meio de seus habitantes pobres. Não é porque os missionários queriam e desejavam, e isso está longe de ser averiguado, que os pentecostais do Norte e Nordeste eram pessoas pobres e analfabetas. (ROLIM, 1994, p. 28)

Conforme observamos acima, a cidade de Belém, encontrada pelos

missionários suecos, possuía muitos moradores semelhantes aqueles já conhecidos

de Berg e Vingren nos Estados Unidos da América, a saber, aqueles que estavam na

periferia dos grandes centros. Segundo Rolim (1994), era comum encontrar relatos

que uniam os ramos do pentecostalismo aos marginalizados:

Recebidos pelos batistas de Belém, os missionários pentecostais à frente de uns poucos batistas dissidentes viram de imediato não haver outro lugar para eles senão essa orla de moradores pobres e semi-analfabetos. Provavelmente os primeiros adeptos, já conhecedores da situação religiosa da cidade, logo indicaram um lugar disponível para o primeiro templo da Assembleia de Deus. (ROLIM, 1994, p. 29)

31

Sendo assim, notamos que a relação entre religião como fato social também se

passa pelo campo econômico até mesmo na aquisição de um bem como um espaço-

templo para cultos, uma vez que seus membros também pertencem a uma

determinada classe social. Assim, percebemos que os missionários ao se

acomodarem em um lugar físico para suas atividades, o fazem de acordo com o

elemento financeiro que envolve seu público.

2.6. Situação social de Belém no período da empreitada Berg e Vingren.

As condições sociais da cidade influenciam diretamente no viver das pessoas.

Assim, compreendemos que se faz necessário apresentarmos, ainda que de forma

objetiva, alguns traços da Belém encontrada pelos missionários suecos. O

crescimento das AD’s no Brasil acompanhou a chegada de muitas pessoas que

buscavam mudar de vida na “cidade grande”.

As áreas periféricas de Belém, como as das demais cidades do Brasil, cresceram invadidas pelas enchentes do êxodo rural. De regiões rurais, próximas ou distantes, vinha gente em busca de trabalho, de melhores condições de vida, expulsa pela estrutura agrária fechada às condições indispensáveis à vida humana. (ROLIM, 1994, p. 35)

Sendo a igreja um espaço social, ela está sempre diante da realidade de afetar

a sociedade ou ser influenciada pela mesma, em linhas gerais, essa troca acontece

naturalmente. É diante de tal afirmativa que percebemos que os discursos de

testemunhos dos novos conversos da denominação, geralmente, acompanhavam a

experiência religiosa, como no caso das AD’s:

Pentecostais contaram como surgiram suas igrejas no sertão nordestino. Nas periferias das cidades, os crentes na frente, na casa deles o culto começava. Depois vinham os pastores para lhes imprimirem um começo de organização. Na moradia pobre das periferias urbanas, sala ou cozinha servia de lugar de reuniões. (...). O pentecostalismo entrava no Nordeste pela iniciativa dos simples crentes. (ROLIM, 1994, p. 45)

Essas pessoas alcançadas pelo pentecostalismo davam maior valor a

experiência, uma vez que era difícil se inserir num contexto culto. A oralidade ganha

destaque especial, principalmente ao se tratar de um público composto

predominantemente por analfabetos, realidade presente em nas primeiras décadas

das AD’s no Brasil, em paralelo com as dificuldades de educação que faziam parte da

composição do próprio país de então.

32

Tais dificuldades não impediram o crescimento da igreja, assim como os

empecilhos da cidade não travavam a chegada de mais pessoas a procura de

melhores condições de vida. Contudo, mesmo diante das adversidades encontradas

no processo de urbanização, a AD, em princípio, não estava preocupada com as

pautas públicas:

A Assembleia de Deus caminhava rápida, infiltrando-se nas periferias urbanas e sua trajetória encontrava-se livre de mobilização operária e de greves. A experiência político-social era inexistente onde se espalhou a Assembleia de Deus. As camadas pobres que a ela aderiram, se traziam a experiência religiosa do devocional católico, não traziam a experiência político-social. (ROLIM, 1994, p. 47-48)

Os novos convertidos estavam preocupados em primeira escala com a

realidade do por vir, por isso não direcionavam suas preocupações com o aqui e

agora. Diante do exposto, notamos que a separação da necessidade de política de

base em relação ao discurso (cosmovisão) está presente como um desafio na lida

social desde os primeiros anos de estabelecimento das AD’s no Brasil. Questão que

trataremos a seguir.

2.7. AD e seu perfil de participação política.

A vida política também faz parte do viver do “crente”, de modo que não parece

possível estar completamente alheio a este fato social. Consoante Aristóteles, o

homem é por natureza um animal político, com isso, percebemos que mesmo tendo

uma rejeição a participação política no princípio do pentecostalismo brasileiro, hoje,

os pentecostais já fazem parte de um grande número de representantes políticos

evangélicos em Brasília. Nas Assembleias de Deus, parece-nos que as analogias

entre pastor e coronel, rebanho e curral, se enquadram bem no perfil da política

assembleiana. Para tanto, como se dá esta ação política?

Para uma análise social das AD’s no Brasil em relação a educação, faz-se

necessário uma abordagem acerca de seu envolvimento político formal. A política tem

por base a busca pelo bem comum na cidade, sendo assim, é papel de todo cidadão

propor possibilidades de melhorias para a vivência a sua volta.

No entanto, é comum colocar os pentecostais em aqueles que pouco se

preocupam com projetos políticos que envolvam a cidade. Ao buscarmos as origens

33

do movimento pentecostal brasileiro, podemos notar que tal tensão faz parte da

estrutura fundante do movimento:

Os pentecostais, devido ao caráter de seita, optaram, desde a

chegada ao Brasil e durante décadas, a não participarem de

movimentos sociais, sindicatos e partidos políticos. (...). Quando

muito, as denominações toleravam a participação de leigos nessas

atividades, mas alertando-os e orientando os crentes em geral para os

perigos da contaminação com o mundo. (BAPTISTA, 2007, p. 193)

Conforme exposto, o pentecostal está sempre envolto de um aspecto dualista

da realidade. Da mesma forma em que está ativo no mundo, o pentecostal se vê na

responsabilidade de viver desapegado com a situação presente da sociedade em que

está imerso. Tal posicionamento faz parte de uma cosmovisão influenciada pelo

pensamento doutrinário aprendido e apreendido no dia-a-dia da igreja:

A ideologia dos pentecostais é muito influenciada pela visão

escatológica dispensacionalista. Em outras palavras, eles interpretam

alguns textos bíblicos como profecias sobre o final dos tempos,

segundo uma literatura superficial e precária dos quadros das relações

internacionais. De acordo com essa ideologia, as dispensações são

eras históricas classificadas dentro de uma economia divina, que rege

toda a história da humanidade. A dispensação atual começou com a

ascensão de Jesus Cristo, e vai terminar com sua segunda vinda, ou

seja, esta é a dispensação da igreja. A leitura pentecostal é dualista:

entende que o poderio norte-americano e a consolidação do Estado

de Israel são o cumprimento de profecias relativas à vinda do Reino

de Cristo. (BAPTISTA, 2007, p. 201)

Quando o povo escolhe um candidato para representá-lo nas instâncias

maiores da vida política, o faz, em tese, esperando projetos e soluções para a vida

em comunidade, ou ao menos deveria ser assim. Contudo, nota-se que há uma falta

de projetos por parte dos políticos da AD que envolva questões que se estendam além

dos templos da denominação. Acerca de tal desafio, é possível encontrar muitas

críticas no campo das ciências políticas do Brasil:

Todavia, indaga-se qual o projeto político da Assembleia de Deus,

porque os líderes dessa igreja costumam fazer menção ao “projeto

cidadania AD Brasil”, sempre que se reúnem com seus políticos, e

fazem uso dessa designação, em diferentes oportunidades, o que

induz o observador desavisado a supor que se trata de alguma

proposta para o País. Nas entrevistas, o que se pôde constatar é que

o plano da cúpula da Assembleia de Deus se resume, apenas, ao

34

propósito de eleger o máximo de candidatos de sua escolha, em cada

eleição municipal, estadual e nacional. (BAPTISTA, 2007, p. 349)

O político que vai representar o povo, em linhas gerais, está embasado em sua

personalidade frente a comunidade. Se o mesmo não faz valer sua representação a

partir de projetos, está engajado para o serviço em consequência de seu carisma.

Sendo assim, vemos um público que, em certa medida, está mais apegado ao

discurso (capital simbólico) do que a elaboração de um planejamento de base:

O político pentecostal trabalha mais com o carisma da igreja do que

com o seu próprio carisma. A atuação deste tipo de político se

concentra bastante em questões moralistas e de costumes, na mesma

linha dos conteúdos éticos que norteiam as igrejas de onde ele

procede. Não se espera um projeto alternativo de sociedade que tenha

origem neste grupo de políticos que, apesar desta lacuna, continua a

nutrir aspirações de eleger um presidente da república da República

evangélico, porque “O Brasil é do Senhor Jesus”, segundo eles.

(BAPTISTA, 2007, p. 354)

A AD é considerada por muitos como uma instituição das mais conservadoras.

Logo, seus candidatos, em linhas gerais, procuram legitimar suas candidaturas, em

sua maioria, a partir da defesa dos “valores” familiares. Com isso, tal político precisa

zelar e preservar a sua imagem diante da sociedade, isto é, na luta por questões

morais, afim de assegurar a preservação de seu capital simbólico:

A estrutura das relações entre o campo religioso e o campo do poder comanda, em conjuntura, a configuração das relações constitutivas do campo religioso que cumpre uma função externa de legitimação da ordem estabelecida na medida em que a manutenção da ordem simbólica contribui diretamente para a manutenção da ordem política, ao passo que a subversão simbólica da ordem simbólica só consegue afetar a ordem política quando se faz acompanhar por uma subversão política desta ordem. (BOURDIEU, 2015, p. 69)

No imaginário religioso pentecostal, é impensável para o fiel que seu líder,

ungido, possa se “corromper”, assim, seguindo esta lógica, a religião “blinda” o

candidato já consagrado por uma campanha que se utiliza da fé alheia, para legitimar

a representação deste no mundo a fora.

Conforme exposto, entendemos que o fenômeno religioso se constitui como um

cenário fértil para aqueles que visam a abrangência de domínio sobre um público que

não se pautará em conceitos filosóficos diante de sua atuação política, mas, em linhas

gerais, cobrará por sua aparência, isto é, pelo seu parecer, principalmente moral,

diante de sua representatividade política na sociedade.

35

Ainda sobre o perfil político citado acima, é possível perceber que o uso da

oratória, tão utilizado nos púlpitos das igrejas, se constitui como uma ferramenta

essencial para a construção desta personagem intocável para os fiéis. A oralidade

possui maior valor do que a letra para o movimento pentecostal, fator este que esteve

presente nos mais diversos movimentos messiânicos.

Essa acumulação de recursos simbólicos por parte dos líderes religiosos, é alvo

de análise para os estudos sociológicos:

(...) este capital religioso determina tanto a natureza, a forma e a força das estratégias que estas instâncias podem colocar a serviço da satisfação de seus interesses religiosos, como as funções que tais instâncias cumprem na divisão do trabalho religioso, em consequência, na divisão do trabalho político. (BOURDIEU, 2015, p. 57)

Outras igrejas protestantes também possuem representantes na bancada

evangélica no quadro político brasileiro, no entanto, é curioso o fato de que, as

Assembleias de Deus no Brasil, tenham a maior quantidade de políticos eleitos,

mesmo não fazendo, a exemplo, o uso da TV como fazem as igrejas neopentecostais.

Diante disso, mais uma vez notamos que a força da oralidade se constitui como

um elemento que consubstancia mais capital simbólico para os líderes assembleiano,

do que um conjunto de ideais políticos a partir do uso das ciências. Em suma, a força

do habitus religioso assembleiano tornou-se com o tempo força política nas terras

tupiniquins.

2.8. AD e Brasil: uma reflexão do povo pobre brasileiro da virada do século XIX

para o XX no Brasil.

Embora a natureza do trabalho não seja apenas de cunho histórico, mas,

utilizando-se, a todo momento o diálogo entre religião e as mais diversas ciências

humanas, faz-se necessário dedicarmos mais atenção ao contexto histórico brasileiro

entre o século XIX e XX, afim de compreendermos melhor o século XXI, tendo em

vista, em todo o tempo, que o fazer histórico implica nesta atitude de revisitar o

passado para entendermos o presente.

Assim, observamos, em primeiro momento que na segunda metade do século

XIX, isto é, período adjacente a chegada do pentecostalismo no Brasil, o país já

enfrentava uma série de disparidades sociais e econômicas. Essas dificuldades são e

36

foram oriundas de um sistema de injustiças que acompanham ainda nos atuais a

sociedade brasileira.

Contudo, foi neste cenário, de subdesenvolvimento que o protestantismo se

instaurou no Brasil a partir das missões das históricas, isto é, período que podemos

considerar como “a preparação do solo” para o movimento pentecostal, e mais

precisamente de nosso interesse, para as Assembleias de Deus. Sobre este primeiro

período:

A sociedade brasileira, ao tempo da chegada das grandes missões protestantes norte-americanas, na segunda metade do século XIX, apresenta características já bem estudadas até aqui. Uma minoria dominante representada pela burguesia rural, a camada de escravos naturalmente ligada a essa burguesia e o vasto segmento de “homens livres e pobres” que formava a maior parte da população rural. Este último, embora praticamente fora do sistema por não estar ligado à monocultura de exportação, à medida em que vislumbrava a abolição e em consequência da progressiva redução da mão-de-obra escrava era gradativamente incorporado, formando uma sociedade que ainda não se podia chamar de sociedade de classes. (MENDONÇA, 2008, p. 185)

Diante do exposto, é possível notar que o “grosso” da população brasileira no

período salientado, era de uma população que sofria com as mazelas sociais, dentre

as quais, é também possível enxergar ecos na atualidade. Um país que por muito

tempo manteve a vida escrava e de exploração, não poderia ter mudado radicalmente

em tão pouco tempo.

Logo, qualquer grupo que chegasse de fora, seja de missão religiosa, ou para

outro fim que envolvesse algum tipo de relação e resposta social, certamente

perceberia a dificuldade de lidar com uma população carente de um reajuste acerca

de seus direitos fundamentais.

Desde os tempos mais remotos, a relação entre a classe mais elitizada da

população brasileira e as necessidades básicas da vida social parece ter sido um tanto

mais tranquila, com o perdão da ironia. Para o pobre historicamente injustiçado,

restou-se, em grande medida, a subordinação, sendo esta, uma ação legitimada pela

religião dominante local, a saber, a igreja católica. Para tanto, é preciso mais uma vez

nos reportarmos a uma análise histórico-social brasileira:

Esse sistema é fundamental para se conhecer bem a formação da classe dominante brasileira, uma vez que a subordinação da hierarquia eclesiástica à hierarquia política fez com que a ideologia

37

religiosa assumisse o relevante papel de legitimadora do sistema político de dominação. (MENDONÇA, 2008, p. 187)

O cenário encontrado pelos missionários pentecostais no Brasil, tais como os

protestantes históricos, faz com que percebamos que a conversão religiosa não se dá

apenas como um elemento de cunho “metafísico”, mas, em consequência, se dá

também num plano de choque cultural que envolve uma ruptura com a forma de bem-

estar social vigente.

Assim, para o protestantismo, pensando mais uma vez no aspecto educacional,

a tarefa de ajudar na alfabetização do povo brasileiro se constituiu como um elemento

de força social transformador de toda uma forma de pensar da sociedade. Pobres,

escravos, pessoas que possuíam uma condição de marginalidade, passaram a

desenvolver, também a partir da leitura bíblica, uma nova forma de enxergar a

realidade a partir de sua alfabetização.

O protestantismo brasileiro contribuiu para o combate a marginalização de

grande parte da população brasileira. As igrejas pentecostais, seguindo a tradição

protestante, também contribuíram e ainda contribuem para o combate ao

analfabetismo no Brasil através da leitura bíblica para todos os leigos. Tema abordado

em outro momento da presente pesquisa.

38

3 - QUESTÃO TEOLÓGICA

Dentre as muitas contribuições do pensamento protestante, é sabido que a

busca por conhecimento teológico se constituiu como uma porta para a busca de

outros saberes. Existem diversas universidades de renome na atualidade que têm

origem com base em pensamentos ideológicos protestantes, a exemplo, as

universidades de Princeton, Harvard, Yale, Cambridge, Oxford, dentre outros centros

educacionais importantes. Para tanto, falaremos no presente capítulo sobre a questão

teológica nas Assembleias de Deus e seus desdobramentos.

3.1. Razões teológicas para objeção aos estudos.

O pensar teológico de uma denominação é refletido em suas estruturas,

sendo assim, para compreendermos o pensamento teológico assembleiano, faz-se

necessário algumas observações sobre o contexto teológico da formação do

pentecostalismo, bem como as suas ligações com confissões teológicas adjacentes

de seus fundadores, isto é, sendo os missionários batistas de origem.

A formação do pensamento teológico pentecostal assembleiano tem, por sua

vez, raízes norte-americanas como apresentado anteriormente. Com isso, é sabido

que no início do século XX, o ambiente evangélico estadunidense vivia um forte

fundamentalismo religioso, o que consequentemente teve influência nas origens do

pensamento teológico assembleiano. Pois, estava tanto na leitura do texto sagrado,

quanto na ênfase em experiências com o Espírito Santo. Contudo, é necessário

ressaltar que, embora sejam movimentos distintos, porém, alguns elementos foram

acoplados no movimento pentecostal.

Essa concepção de mudança individual e interna teve reflexos diretos na

responsabilidade de mudanças nas estruturas da sociedade, pois, os pentecostais

abraçaram a ideia de um fim imediato, ideia essa percebida no pré-milenarismo, a

qual, a certa medida, isenta o cristão das responsabilidades com o bem viver no

mundo. Vejamos o que salienta Alencar:

39

Uma tendência teológica nascida do fundamentalismo religioso, agravada pela contingência dos conflitos mundiais- pleno período entre duas grandes guerras-, a teologia pentecostal assembleiana quer resgatar não o mundo, mas as pessoas do mundo. Aqui cabe muito bem a designação de Sachs (1988:49) de que o pentecostal tem uma “identidade sectária” (algo bem diverso do atual). O pentecostalismo não tem esperança ou alguma boa vontade para com o mundo e o que lhe diga a respeito. Ele, o mundo, está irremediavelmente perdido e a única relação possível é de desprezo. Portanto, pretende-se, literalmente, sair dele. Por que, então, haveria a preocupação de modificá-lo? (ALENCAR, 2005).

Consoante ao exposto, podemos destacar que o fator escatológico na

confissão da Assembleia de Deus foi um dos principais motivos para seu não

envolvimento com as estruturas políticas e sociais da sociedade brasileira, a saber,

mais precisamente, no que tange a educação, fato esse que resultou num anti -

intelectualismo histórico e notório da denominação.

Wright diz em seu livro “Eu creio, e agora? ” que a maneira como enxergamos

o porvir, influenciará diretamente em nosso comportamento no presente, isto é, essa

identidade do bem morrer na Assembleia de Deus a deixou insensível às

necessidades do bem viver, a saber, a sua omissão em projetos de base para nação,

além, da conversão dos fiéis.

Deve-se ressaltar, por fim, que a preocupação teológica tem sido voltada para arte do bem morrer-o além, o céu, a certeza de salvação- e quase nunca a arte de bem viver- um projeto existencial cristão historicamente relevante. O que importa parece ser o futuro, e não o presente; a outra vida, não esta. (CAVALCANTI, 1993, P. 18)

Essa indiferença para com a natureza criada produziu deturpações para o

pensamento cristão assembleiano, principalmente no que tange as questões

econômicas, políticas e sociais. Com isso, percebe-se que uma das áreas mais

afetadas foi a da educação, sendo esta, por sua vez, uma das principais bases para

o avanço cultural de uma nação, dentre tantas outras possibilidades.

3.2. . Breve abordagem sobre o pré-milenarismo e tribulacionismo.

A posição pré-milenarista acredita na ideia de que Jesus voltará antes do

Milênio. O conceito de milenarismo vem do latim millennium, que significa “mil anos”.

A base bíblica está em Apocalipse 20.4-5 “viveram e reinaram com Cristo durante mil

anos”. Nessa perspectiva, os mortos que não serão ressuscitados quando Cristo vier

buscar a igreja, permanecerão mortos durante todo o milênio, enquanto satanás, será

40

lançado no abismo: “e o prendeu por mil anos; lançou-se no abismo, fechou-o e pôs

selo sobre ele, para que não mais enganasse as nações até se completar mil anos”

(Ap. 20. 2-3).

Sendo assim, nesse período anterior ao reino milenar, acontecerão sinais que

indicarão um fim imediato, um grande sofrimento, a chamada grande tribulação. Seus

defensores acreditam que a igreja será arrebatada por Cristo antes que isso venha a

acontecer, tal pensamento esteve presente na Assembleia de Deus, de modo que, a

ideia de o mundo sucumbir em desgraça, para os pré-milenarista soa mais como

alento, do que uma falta de esperança propriamente dita:

A visão da história, no sentido de sua aproximação cada vez maior de um fim apocalíptico, é feita a partir dos textos apocalípticos da Bíblia dispostos na ordem em que os eventos da história a eles devem corresponder. Isso é feito a partir de uma leitura literal dos textos, sendo rechaçada qualquer forma de relativização. (MENDONÇA, 2008, p. 353)

Para a visão pré-milenarista-pré-tribulacionista, a volta de Jesus acontecerá

também antes da grande tribulação, quando a igreja será arrebatada secretamente

por Cristo, de modo que passará sete anos com ele em alguma dimensão “celestial”

antes do reino milenar. Nesse período, acredita-se que os judeus reconhecerão a

Cristo como o Messias, tudo isso em meio a grande tribulação.

É importante ressaltar que, essa vertente propaga o chamado

dispensacionalismo, ponto de vista o qual faz distinção entre a igreja e o Israel, como

sendo relacionamentos a parte para Deus tratar na volta de Cristo, no fim dos tempos.

A AD crê na literalidade do Milênio, porém, há defensores que preferem interpretar o

reino de mil anos como algo simbólico, acreditando que a restauração da terra só

acontecerá após o juízo final. Vale salientar que a vinda desse reino está

desassociada de qualquer envolvimento social para com a sociedade.

Hoje, o conceito de envolver-se com a sociedade a fim de mudá-la em prol de

um reino que começa aqui e agora, não parece uma prioridade no conceito

escatológico pré-milenarista:

O reino viria por iniciativa divina e não por qualquer esforço humano. O que compete ao homem aqui não é “edificar” o Reino, mas estar pronto para sua vinda sobrenatural mediante o arrependimento e a fé. Para uma sociedade impotente e sem esperança era necessário pregar o arrependimento, a fé e a esperança num mundo

41

compensador para o atual, corrompido e feio. Em suma, o Reino não é um desenvolvimento histórico contínuo; simboliza o fim da era presente, é o “para lá da história”. Na Teologia, esta forma de crença chama-se pré-milenarista. (MENDONÇA, 2008, p. 352).

Diante do exposto, vale salientar que existem outras correntes escatológicas,

a saber, o amilenarismo18, bem como o pós-milenarismo19. Sendo assim, podemos

afirmar que a escatologia é um campo doutrinário determinante para o comportamento

de uma denominação cristã diante do mundo, visto que, afeta diretamente no seu

modus operandi.

3.3. A formação teológica nas Assembleias de Deus.

A formação teológica dos obreiros de uma denominação é um fator

determinante para o desenvolvimento da mesma não somente na forma de pensar,

mas, também na valorização do aprendizado. É sabido que, em meios tradicionais

como nas igrejas batistas, metodistas e presbiterianas, aquele que viesse a

demonstrar vocação pastoral deveria ser submetido ao preparo em seminários,

geralmente, com duração de quatro anos.

O fato da AD ter em suas origens aversão ao aprendizado a longo prazo faz

evidenciar o despreparo da maioria de seus obreiros, pois, como abordado acima, a

formação pastoral em larga escala se dava a partir do cuidado de um obreiro com

outro. Com isso, foi demonstrado ao longo da expansão da AD a rejeição aos estudos.

A influência americana se faz sentir principalmente na área da educação teológica. Os suecos admitiam apenas o modelo de Pethrus, de escolas bíblicas de poucas semanas, sem diplomas. Acima de tudo, resistiam as tentativas de vincular o pastorado com a formação teológica. A tentativa de um missionário americano de implantar um seminário teológico em 1948 naufragou na resistência dos suecos e da maioria dos brasileiros. (BRENDA 1984, P. 119 apud FRESTON, 1994, P. 86).

Sendo assim, o sistema de consagração na AD não esteve ligado a um período

denso de preparo, o que por sua vez, criou-se na AD uma espécie de escada

ministerial, na qual, o obreiro deve galgar os degraus desassociados de um preparo

tradicional, a exemplo, o envio a seminários e institutos teológicos.

18 Em linhas gerais, a posição do amilenarismo defende a ideia de que a concepção de 1000 anos na Bíblia tem o sentido figurado. 19 Em linhas gerais, a visão pós-milenarista supõe a crença de uma realidade a ser vivida após o milênio.

42

Esse modelo de consagração traz consigo, em certa medida, um isolamento

perigoso, pois, a formação local do obreiro acaba sendo muito influenciada pela

cultura local, além de criar um poder de detenção posicional ao pastor-presidente na

formação de novos obreiros, tonando esse modelo estranho aos meios tradicionais.

Tradicionalmente, um homem chega a ser pastor na AD, vencendo uma série de estágios de aprendizado: auxiliar, diácono, presbítero, evangelista, pastor. (...) O pastor é apenas aquele que chegou ao topo da escada, mas não se distancia do membro comum por uma formação especializada. A escada de aprendizado é um forte meio de controle social nas mãos dos pastores-presidentes. (FRESTON, 1994, p. 87)

Contudo, Freston (1994) aponta que com o passar do tempo, aconteceram

algumas mudanças na formação ministerial na AD, pois, obreiros mais jovens

passaram a procuram preparo teológico com mais densidade, o que obrigou a muitos

desses jovens obreiros o deslocamento de suas cidades natais, bem como o aumento

de casas teológicas.

Como exemplo, temos a formação do Instituto Bíblico das Assembleias de

Deus, fundado no final da década de 50 pelo jovem pastor João Kolenda Lemos,

juntamente com sua esposa, a missionária Ruth Dóris Lemos, enfrentando forte

resistência por parte da liderança da AD.

O modelo caudilhista é desafiado cada vez mais por alguns pastores jovens que são produtos, não da escada de aprendizado prático, mas da rota alternativa de uma formação teológica em seminário, levando ao pastorado com vinte e poucos anos de idade. O primeiro Seminário da AD data de 1959, fundado contra muita oposição por um brasileiro que havia estudado nos Estados Unidos. Hoje, a AD tem uns 50 institutos bíblicos, inclusive quatro seminários internos. O principal, o de Pindamonhangaba, tem cerca de 200 alunos, inclusive, em 1978, a Convenção Geral instituiu a obrigatoriedade (não retroativa) de curso bíblico para o pastorado. Houve, então, uma proliferação de institutos bíblicos, com o objetivo de evitar o deslocamento geográfico e impedir que os seminários internos ditassem o futuro da igreja. Muitas igrejas-mães já possuem seu próprio instituto. (FRESTON, 1994, p. 88)

Mesmo com as iniciativas de cursos teológicos para pentecostais, ainda hoje

existem lacunas deixadas pelo descuido de preparo teológico com mais densidade no

princípio. É muito comum perceber que aqueles que se dedicam a educação teológica,

acabam por isso para outras denominações, principalmente as tradicionais, pois, nem

para os alunos que se prepararam no Instituto Bíblico das Assembleias de Deus

(IBAD) há garantia de sustento após o término do preparo.

43

Se a educação teológica já foi aceita em tese, os efeitos ainda não se fizeram sentir em larga escala. Para os formados do seminário de Pindamonhangaba não há garantia de emprego na igreja. Se esta via se tornasse aceita, teria um efeito considerável sobre a postura política da AD, pois o incentivaria o surgimento de um clero jovem e crítico com uma teologia política mais sofisticada. (FRESTON, 1994, p.88,89)

Sendo assim, observamos que a preparação formal do obreiro da AD é vista

também como uma possível ameaça ao poder vigente daqueles ocupam a liderança

da denominação. É notório que ao longo da história a educação passou a ser vista

como uma aliada do povo no que diz respeito as escolhas:

“A Assembleia de Deus é uma organização na qual os pastores

concentram poder, enquanto os membros obedecem e trabalham”.

(BAPTISTA, 2007, p. 378)

Com isso, parece mais proveitoso a grande maioria dos líderes do grupo em

questão, uma postura de sujeição e não questionamento por parte daqueles que os

seguem. Nas AD’s, a figura do pastor20 autoritário costuma ser conhecida entre seus

membros.

Essa relação de poder e submissão na instituição, faz “exalar” mais uma vez a

ideia de que as instituições, em certa medida, reproduzem traços da sociedade em

que esta se estabeleceu. Assim, podemos observar que nas Assembleias de Deus, o

“espírito” da Casa-Grande está presente no perfil coronelista de uma maioria de

pastores assembleianos e pentecostais. Contudo, devemos destacar que a postura

autoritária de um líder religioso não é algo exclusivamente pentecostal.

3.3.1. Assembleias de Deus no Brasil, pentecostalismo e a busca por

educação na contemporaneidade.

As instituições religiosas, tais como as demais instituições que compõe a

sociedade, não estão alheias as mudanças ocorridas durante as épocas. É sabido que

nos últimos tempos, a revolução tecnológica afetou diretamente a vida do homem na

sociedade. Com isso, o mundo da informação também sofreu severas consequências,

de modo que se tornou necessário, nos mais diversos ramos da vida social, uma

20 O topo da escada eclesiástica é o objetivo de boa parte dos obreiros assembleianos. (...). Nas AD’s a função de pastor ocupa posição central no que diz respeito à gerência dos templos, direção dos cultos e admi nistração de

sacramentos. (FARJADO, 2017. p. 310)

44

formação melhor por parte daqueles que compõe a vida em coletivo, ainda que seja

apenas para sobrevivência.

Dentre as necessidades advindas com o passar dos anos, destacamos que a

educação reforçou seu papel de relevância para a formação do humano. Assim,

decorremos nos tópicos a seguir um pouco da relação entre o perfil pentecostal das

AD’s e as mudanças ocorridas na contemporaneidade.

a) Formação teológica atual

A busca por formação teológica por parte dos pentecostais no Brasil já é

considerada uma realidade para a academia brasileira. Este público que outrora era

percebido como resistentes à educação teológica e formal, tem demonstrado grande

interesse pelo ensino nos últimos anos. Um exemplo dessa mudança de habitus, está

entre as Assembleias de Deus, onde por muito tempo demonstrou resistência as

instituições educacionais, e agora, já possuem até faculdades com cursos que vão

além do campo religioso.

Contudo, a formação do ethos educacional pentecostal tem as variantes, tanto

de sua aceitação, quando de sua organização, para tanto:

A Teologia acadêmica pentecostal tem características próprias e, por tanto, um pouco diferentes da católica ou do protestantismo histórico, apesar de que sua teologia tem sido feita em grande medida segundo o protestantismo histórico. Na teologia pentecostal, os candidatos não precisam ser indicados pela liderança da igreja, ou seja, qualquer um pode fazer o curso. Muitos estudam sem permissão da sua igreja ou pastor, o fazer por decisão própria, assim, o pastor perde o domínio sobre o estudante. Ao mesmo tempo, a formação teológica não significa acesso ao ministério. (POMMERENING, 2015, p. 65)

Dentre as particularidades expostas acima, devemos destacar que, embora já

se tenha uma procuro oficializada por ensino teológico, diferentemente das

instituições protestantes consideradas tradicionais, nas AD’s, formar-se em Teologia

ainda não se constitui como um meio de ascensão ao ministério pastoral.

A ordenação ainda está associada ao acúmulo de capital simbólico perante a

comunidade que o candidato ao ministério esteja em atividade. Em suma, o chamado

“testemunho” ainda conta mais para a ordenação do que o diploma de curso teológico.

Na prática teológica pentecostal assembleiana, a oralidade tem valor primaz na

dinâmica da igreja, de modo que o conhecimento desassociado da eloquência, não

45

costuma ser bem recebido pelo coletivo religioso. Sobre essa tensão entre formação

e desenvolvimento de uma prática própria a parte a uma educação formal, devemos

destacar que essa dualidade não se tornou um impedimento para o crescimento do

movimento pentecostal no Brasil:

Uma igreja carente de líderes formados, mas que conseguiram ter acesso a uma forma de interpretação bíblica coerente com suas demandas e anomia social em que viviam, fez explodir nacionalmente este método, que justamente dispensava qualquer necessidade de educação teológica formal. Juntou-se o útil ao agradável e expulsou-se a possibilidade da reflexão teológica por outros meios. Não se está dizendo que tal método descarta a reflexão; porém, é uma reflexão dentro de parâmetros perfeitamente ajustados para que não houvesse interpretações equivocadas. (POMMERENING, 2015, p. 61)

A valorização a interpretação pessoal, livre de uma formação legal21, pode até

ser vista como motivo, para legitimar, em certa medida, a falta de reconhecimento

institucional para aqueles que valorizam a formação teológica e secular formal.

Aqueles que procuram estabelecerem para si, um grau de criticidade que lhe permitem

questionar a estrutura religiosa como esta de desenvolve, tendem também ao

isolamento comunitário, pois, o questionador da ordem vigente, não costuma ser bem-

vindo até entre os religiosos. Tais pessoas, se “refugiam” em centros acadêmicos e

lugares que estão para além dos muros da igreja.

b) Educação formal secular na atualidade.

Em relação a formação que estende além do campo religioso, é possível notar

que o público pentecostal tem se interessado cada vez mais por ocupar posições de

poder na sociedade. Aponta-se que esta mudança está relacionada a transformação

da mentalidade do público pentecostal em relação as suas aspirações de uma vida

para além da terrena, isto é, a prática pentecostal que outrora dava muita ênfase ao

desapego da terra, tem se mostrado cada vez mais horizontal, de modo que a

formação secular, se apresenta como um passo para o caminho do “melhor desta

terra”.

Com isso, em linhas gerais, a ideia de que para se conseguir um bom emprego

é necessário o esforço com os estudos, também se faz presente entre os pentecostais.

21 No sentido de legalidade; formal.

46

Vale ressaltar que esta mentalidade sempre foi vista como uma característica peculiar

do público presente no protestantismo histórico tupiniquim.

3.4. Frida Vingren: um paradigma para a questão da educação na

Assembleia de Deus

O exercício da docência na virada entre o final do século XIX e o XX, estava

associada ao papel feminino. O patriarcalismo22 presente na sociedade brasileira

desde os tempos mais remotos, pode ter sido um meio para que não somente a

questão educacional viesse a avançar, mas também outras áreas profissionais,

anteriormente não permitidas para as mulheres.

É sabido que o ministério feminino sempre teve contestação ao longo da

história da igreja. A presença da mulher em lugares de destaque em instituições

sempre foi, aparentemente, algo raro. Com isso, a presença do coronelismo

nordestino no início da Assembleia de Deus, foi um fator relevante para o

patriarcalismo estabelecido na denominação ao longo de seu desenvolvimento,

impedindo que mulheres ocupassem papéis de liderança e ensino.

Como um exemplo mais nítido a ser percebido, citamos Frida Vingren, esposa

de Gunnar Vingren, um dos fundadores da Missão de Fé Apostólica, que

posteriormente veio a se chamar Assembleia de Deus.

Foi em Sjalev, Vasternorrlands, região norte da Suécia, que em 9 de junho de

1891 nasceu Frida Vingren. Tendo como pais Jonas Strandberg e Kristina Margareta

Sundelin, Frida teve muitos irmãos. Foi membro da Igreja Filadélfia de Estocolmo,

onde também cooperou como obreira.

Frida formou-se em Enfermagem, tornou-se chefe de enfermaria em um

hospital onde trabalhou também com a arte fotográfica. Após lidar com a dinâmica da

vida com a igreja, Frida começou um curso teológico de oito meses num Instituto

Bíblico em Gotabro, cidade situada na província de Narkre. (ARAUJO apud PONTES,

2015, p. 92)

22 Por patriarcalismo compreendemos a posição central do homem nas estruturas sociais.

47

Frida foi um braço forte para o desenvolvimento da Assembleia de Deus nos

primeiros anos, sendo sua maior área de atuação, a educação teológica, além de

contribuir de outras maneiras para denominação recém iniciada. Frida foi tão atuante

em suas incisões ministeriais que, precisou ser contida pela resistência masculina ao

desenvolvimento de um potencial a brilhante ministério.

(...) e Frida fez tanto barulho que precisou ser silenciada. Mas, no seu caso, trata-se do silêncio da história oficial, não dos hinos, artigos, poesias e jornais que compôs e escreveu. (...). Também exerceu, na prática, atividades eclesiásticas, as quais, se ainda hoje não bem aceitas, convenhamos que, na década de 1920, seriam menos ainda. (ALENCAR, 2013, p. 119)

Frida se envolvia com as atividades da igreja, trabalhava com evangelismo,

leitura bíblica, na direção dos grupos de oração, grupo de visitas, e destacamos

também seu envolvimento com a direção da Escola Bíblica Dominical. Vale ressaltar

que Frida é responsável pela composição de 24 hinos encontrados na Harpa Cristã23.

(PONTES, 2015, p. 93)

Tendo em vista que Frida Vingren, com a posição de esposa de líder que

gozava, sofreu retaliações para exercer seu ministério, podemos perceber que, uma

participação mais efetiva das mulheres, talvez, fosse um fator de grande valia para o

desenvolvimento educacional na Assembleia de Deus ao longo de sua história.

Segundo Freston (1993), Frida teve de enfrentar o modo de agir patriarcal tanto

nordestino, quanto sueco, sendo ela, muito independente para sua época. Frida era

chamada de bibelkvianna, para que no sueco significa “mulher bíblia”, isto é, Frida se

destacava no conhecimento bíblico. Para Pontes (2015), as representações de uma

postura mais firme de Frida trouxeram a mesma o rótulo de mulher autoritária, com

isso, a resistência coronelista, típica do Nordeste do Brasil, fez seu ministério de

ensino sucumbir.

Nesse cenário em que o movimento feminista se expandia, a trajetória dos 16 anos de Frida no Brasil, seu casamento, nascimento dos filhos, e atividades próprias como pregadora pentecostal, aconteceu. (VILHENA, 2016, p. 116)

Consoante Alencar (2013), Frida até os dias atuais, foi a única comentarista de

revistas para escola dominical da história da Assembleia de Deus. Com isso, podemos

23 A Harpa Cristã é para os assembleianos um documento oficial da igreja que demons tra de forma direta a

maneira com a qual seus membros se relacionam com o sagrado, por tanto, parte significativa de sua confissão.

48

perceber que a ausência mais efetiva de mulheres, como Frida Vingren, pode ter sido

um desperdício para questão educacional no desenvolvimento histórico da

Assembleia de Deus, haja vista, a notória habilidade com a educação visível entre as

mulheres.

Frida não parecia ser conformada com as funções do lar, desejava mais, assim,

em seu comportamento, demonstrava aspectos de uma pessoa não acomodada:

Frida Strandberg, a religiosa pentecostal também lutou por seus direitos de trabalhar fora de casa, mesmo que a motivação fosse religiosa, dividiu, não com o marido, pois estava constantemente ausente, em trabalho da missão, mas com outras mulheres a tarefa de cuidar de seus filhos. Ela estudou, se profissionalizou antes de se casar com o missionário e dedicou sua luta, em nome de Deus. (VILHENA, 2016, p. 125)

A forma aguerrida de Frida desenvolver-se como mulher em sua estadia no

Brasil tendia a incomodar. Por isso, conhecer essas estruturas de gênero que

permeiam a história do Brasil, faz-se importante também para compreendermos a

estrutura de gênero nas instituições religiosas.

O Brasil encontrado pela mulher, Frida, é diferente do país que as mulheres

assembleianas encontram hoje, no entanto, com dificuldades semelhantes no que

tange ao respeito as oportunidades.

Mesmo em meio as dificuldades, deixou seu legado como uma escritora de

revistas da história da CPAD. Não é nosso papel dissecar as diferenças culturais entre

Brasil e Suécia, contudo, nos parece válido destacar que o ambiente encontrado na

Europa em que Frida cresceu, seu ambiente era mais libertário:

Frida Strandberg poderia estar à frente de seu tempo porque a Suécia já havia superado o analfabetismo. (...). Portanto não é Frida que está à frente de seu tempo, mas em certa medida a Suécia quem estava, embora com toda sua problemática de produção agrícola e da Guerra, numa posição de maior igualdade à frente do Brasil por dois fatores: sua tradição cultural e as oportunidades oferecidas aos suecos. (VILHENA, 2016, p.126)

Frida e seu esposo voltaram para a Suécia, em 16 de setembro de 1932, após

dificuldades com a manutenção da saúde do casal. Gunnar Vingren tinha a saúde

mais fragilizada, com isso, não conseguiu acompanhar o crescimento da igreja a qual

ajudou a fundar. Dos 25 diários escritos pelo missionário, apenas um foi publicado

pela CPAD até os dias de hoje. (ALENCAR, 2010, p. 57)

49

Em suma, notamos que a história de Frida Vingren precisa ser resgatada como

exemplo de interesse nas áreas de escrita e ensino, fazendo valer seu espaço nos

anais da história das Assembleias de Deus no Brasil. O fazer histórico é um elemento

fundamental para que no resgate de biografias, tesouros de um determinado povo

seja recuperado. Assim, entendemos que a vida de Frida Vingren está para a história

das Assembleianos como um modelo de valentia diante da aversão ao conhecimento,

questão tão enfrentada por muitos assembleianos até os dias atuais.

50

4) ENVOLVIMENTOS EDUCACIONAIS.

Após analisarmos aspectos históricos, sociais e teólogos acerca da relação

entre as Assembleias de Deus e a educação formal no Brasil, destacaremos os

envolvimentos educacionais das AD’s ao longo de seu desenvolvimento. Não é

possível elencarmos aqui todas estas relações, contudo, parece-nos relevante

destacar alguns aspectos oficiais desta relação.

Para tanto, falaremos aqui acerca de algumas instituições e funções

educacionais das AD’s que possuem um papel de conhecimento comum entre os fiéis

do maior grupo religioso pentecostal e protestante do Brasil.

4.1. A CPAD

A Casa Publicadora das Assembleias de Deus é a editora responsável pela

impressão e divulgação do pensamento assembleiano em sua maior expressão. A

CPAD24 foi criada em 1940 afim de atender as medidas a serem tomadas em prol do

jornal Mensageiro da Paz25.

Neste período, um decreto presidencial assinado por Getúlio Vargas fez com

que a liderança da AD tomasse a iniciativa de organizar uma editora, com o objetivo

de se adequar ao decreto DIP26, órgão que controlava a imprensa brasileira na

ocasião, conforme aponta Fajardo:

A Editora foi criada em 1940, a princípio muito mais como resultado de uma contingência política nacional do que como empreendimento planejado pela liderança. (2017, p.158)

Segundo Fajardo (2017), a CPAD é vista como o braço comercial da igreja. A

editora é responsável pela divulgação de obras evangélicas de autores nacionais e

estrangeiros, assim como de outros produtos que fazem parte do mercado pentecostal

brasileiros e seus mais diversos produtos.

Sobre a importância da criação da CPAD, Gomes (2013) acrescenta que a

formação da Editora possibilitou também num ato formal de divulgação da visão do

pensamento teológico da denominação. Sendo assim, a CPAD criou um novo espaço

24 A siglas CPAD correspondem a Casa Publicadora das Assembleias de Deus. 25 O MP é produzido até hoje pelas gráficas da CPAD em periodicidade mensal. A consulta de seu acervo permite acompanhar o desenvolvimento de diversas tendências teológicas, culturais e políticas no interior das AD’s. (FAJARDO, 2017, p. 165) 26 Departamento de Imprensa e Propaganda.

51

de informação para o público assembleiano, também produtor de cultura, uma vez

que:

A CPAD também garantiu à AD da década de 1940 o espaço para o

surgimento de um novo tipo de liderança: os líderes intelectuais da

igreja, pessoas que, embora não estivessem a frente de grande

Ministérios passaram a ser vistas como referências na área da

literatura, mesmo em uma época em que a denominação se

compunha principalmente de pessoas com pouca ou nenhuma

escolaridade. (FAJARDO, 2017, p. 159)

Conforme o exposto, a criação da CPAD pode ser percebida como um

momento histórico e decisivo para uma mudança de habitus no que tange a questão

cultural. Entretanto, Fajardo (2017) salienta que a Editora se tornou, a partir do

reconhecimento de sua importância, alvo de disputas internas entre os ministérios que

fazem parte da CGADB27.

4.2. O Mensageiro da Paz – Cultura ou tentativa de uniformidade?

Utilizar jornais como forma de divulgação da fé e estabelecimento doutrinário é

uma estratégia antiga entre os protestantes. Além de apresentar as pessoas a forma

de pensar da instituição, o jornal é também um ato de propaganda da mesma, uma

vez que possui um papel de voz na sociedade, o qual se estende para além da simples

relação informante e informado.

A leitura de jornais faz parte da cultura brasileira, com isso, com o aspecto

religioso envolvido, o Mensageiro da Paz é recebido pelos fiéis das AD’s como um

informativo especial, com isso, desde o estabelecimento da igreja em terras

brasileiras, existiu a necessidade de materiais desta natureza:

Já em sua primeira década de existência, a mídia escrita tornou-se

uma preocupação da AD. Em 1917, surgiu na AD de Belém/PA o jornal

Voz da Verdade. Embora feito por dois membros da AD, Conde (2008)

e Araújo (2007) destacam que o jornal não era um órgão oficial da

igreja, embora seu cabeçalho de sua primeira edição indique-o como

um “órgão de divulgação da Fé Apostólica”. (FAJARDO, 2017, p.

162,163)

Mesmo diante da realidade de ser oficial ou não, notamos que o jornal aparece

como um modo além de busca por legitimidade, apresenta também uma característica

27 A sigla CGADB corresponde a “Convenção Geral das Assembleias de Deus no Brasil”.

52

evangelística. Diante disso, a reformas e melhorias aparecem como consequências

naturais ao processo de consolidação de uma cultura escrita:

No decorrer dos tempos, para melhor incentivar a evangelização, a

manutenção e os cuidados dos dogmas vividos pela igreja, em

novembro de 1917, a igreja Assembleia de Deus descobriu um meio

de comunicação mais eficaz para estas funções: a imprensa

pentecostal. A comunicação interna feita por jornais de circulação

interna dentro das AD’s. (CORREA, 2013, p. 117)

Conforme abordamos acima, antes da existência do Mensageiro da Paz, outros

jornais também circularam. Além do Voz da Verdade, existiu o Boa Semente28 e

também o Som Alegre29, os quais foram unificados mais à frente em Mensageiro da

Paz (FAJARDO, 2017). O Mensageiro da Paz é considerado como um manifesto de

consolidação da igreja. (Alencar, 2010).

Mesmo com a crescente acessibilidade que a população brasileira tem em

relação aos meios de informação, e hoje, principalmente com a era da internet, os

jornais impressos continuam possuindo grande valor para o seu público.

Assim, podemos considerar que a manutenção de um jornal oficial das

Assembleias de Deus é também uma tentativa de manter um importante meio de

informação que também possui caráter socioeducativo.

4.3. Escola Bíblica Dominical: “A melhor escola do mundo”.

A Escola Bíblica Dominical tem espaço importante na agenda assembleiana. A

expressão “A melhor escola do mundo” foi utilizada pela AD de Vitória da Conquista-

BA como tema para ano de 2017. Tal afirmação revela o sentimento que envolve essa

participação da vivência da igreja:

As Escolas Bíblicas Dominicais (EBDs) são mais uma herança protestante das ADs. Esta atividade, que é diferente do formato litúrgico do culto público, é uma das reuniões fundamentais das igrejas protestantes históricas, embora não seja encontrada com frequência nos demais ramos do pentecostalismo brasileiro. (FAJARDO, 2017, p. 180)

28 O jornal Boa Semente foi, por tanto, a primeira palavra oficial da AD. Lançado em 1919 em Belém do Pará, já era um indício da burocratização: a mensagem a ser oficializada. (ALENCAR, 2010, p. 78) 29 O jornal Som Alegre foi lançado em 1920, no Rio de Janeiro, pelo missionário Gunnar Vingren. (ALENCAR,

2010, p. 78)

53

As reuniões de EBD30 costumam acontecer a partir da divisão de classes com

membros distribuídos de acordo com sua idade e gênero31. Embora os professores

não sejam obrigados a terem formação teológica para lecionar, as EBDs têm como

suporte revistas produzidas pela CPAD.

Sendo assim, conforme Fajardo (2017), os professores não possuem

autonomia para escolher os temas das aulas, isto é, seguem o conteúdo estabelecido

de forma oficial pela própria denominação. A sujeição da relação professor, conteúdo

e instituição faz parte da estrutura religiosa. Vale ressaltar ainda que as classes

costumam receber nomes relacionados a Bíblia e as aulas duram em torno de uma

hora, podendo ser estendida, dada a peculiaridade da ocasião.

4.4. Um sinal de ruptura: a fundação do Instituto Bíblico das Assembleias de

Deus (IBAD).

No ano de 1951, chegava ao Brasil, o casal de missionário, João Kolenda

Lemos e Ruth Dóris Lemos32, vindos dos EUA. Kolenda e Dóris moraram

primeiramente no estado do Rio de Janeiro, porém, o casal já empreendia o desejo

de fundar um seminário teológico, mas, cedo encontraram resistência por parte da

liderança vigente na AD. Com isso, Kolenda e Dóris passaram a trabalhar na Casa

Publicadora das Assembleias de Deus (CPAD).

Kolenda atuava como tesoureiro, bem como, trabalhou com sua esposa na

produção de revistas infantis para Escola Dominical, além de dedicar-se a revisar o

hinário oficial da AD, a Harpa Cristã, e também, cooperaram na revisão do jornal da

AD, o Mensageiro da Paz, presente até hoje na denominação como jornal oficial.

Em 1959, na cidade de Pindamonhangaba, São Paulo, Kolenda e Dóris,

realizaram o desejo de fundar Instituto Bíblico das Assembleias de Deus (IBAD),

primeiro instituto bíblico pentecostal brasileiro. O IBAD passou a funcionar oferecendo

aulas presenciais de Teologia, e com regime internato para os alunos, o que por sua

vez, passou a ser frequentado por jovens assembleianos de todo país, sendo seu

30 Escola Bíblica Dominical. 31 Por gênero aqui colocamos a divisão das classes de senhores e senhoras. Vale ressaltar que as demais c lasses são, de costume, mescladas. 32 Missionária americana, esposa de João Kolenda Lemos (1922-2012), pastor brasileiro de origem alemã, chegou ao Brasil em 1951. Doris (1925-2008) era jornalista profissional e pastora assembleiana nos Estados

Unidos. (ALENCAR, 2013, p. 187)

54

primeiro endereço, o número 476 da Rua São João Bosco, com o espaço de duas

casas apenas.

No ano seguinte, 1960, os missionários conseguiram transferir o IBAD para um

lugar maior, após encontrarem um antigo prédio a venda no número 1.114 da mesma

rua, local esse em que o IBAD funciona até hoje.

Não sendo uma prioridade padrão a formação teológica na AD, a maioria dos

pastores resistiram a formação do IBAD, pois, acreditavam que o fim estava próximo.

Por isso, já não havia necessidade estudar, bem como, acreditavam que cabia

somente ao Espírito Santo dar o conhecimento ao obreiro, afirmando que os apóstolos

de Cristo eram pobres e leigos, com isso, os assembleianos assim deveriam estar

distantes dos livros, consoante Araujo (2011, p. 400).

Para os líderes assembleianos das primeiras décadas da AD, o teólogo ao

contrário do fiel pentecostal, é visto com figura infrutífera, como podemos observar,

segundo Gomes (2013, p. 88), um pequeno trecho de um artigo publicado em 1937,

no jornal oficial da AD:

Os teólogos são, espiritualmente, secos. (...) Enquanto esses teoristas escavam e encontram papéis, o crente simples, nas suas escavações (de joelhos dobrados) encontra água viva, com abundância. Um acha a palavra que mata, o outro o Espírito que vivifica. (...) Aquele (o teólogo) emprega o seu tempo em agrupar opiniões, medir tempos, escarafunchando esta ou aquela escritura, e este (o simples crente) se congrega, constantemente para anunciar aos pecadores que Jesus o salvou e o tem guardado da lama deste mundo perverso (Mensageiro da Paz, 15/08/1937).

Sendo assim, podemos afirmar que, a inserção da formação teológica na AD,

em seu percurso histórico, foi uma questão também de militância. Kolenda e Dóris

tiveram dificuldades para manter o IBAD no início, haja vista, a pouca quantidade de

alunos para custear todas as despesas. Com isso, os missionários tiveram que

exercer atividades alternativas para arrecadar recursos.

Kolenda passou a fazer traduções, enquanto que Dóris, trabalhou na

Universidade de Taubaté, gerenciando o departamento de inglês da mesma.

Consoante Araújo (2011, p. 400), as aulas eram no período noturno, sendo das 19 às

23 horas, de segunda a sexta-feira.

55

Com isso, desde a sua criação, o IBAD foi uma contraproposta as escolas

bíblicas rápidas que acontecia até então na AD. O Instituto foi por muito tempo

contestado por grande parte da liderança assembleiana, pois, era taxado como

“Fábrica de Pastores” (POMMERENING, 2015).

4.4.1. A atual situação do IBAD.

O IBAD, tal como outras instituições de ensino religioso, tornou-se um centro

acadêmico mais abrangente. A instituição tornou-se mantenedora de um projeto

inovador, a Faculdade Bíblica das Assembleias de Deus. A FABAD oferece cursos de

ensino superior em nível de graduação nas áreas de Teologia e Processos Gerenciais,

bem como de pós-graduação com os cursos Educação Inclusiva, Medicina Esportiva,

Comunicação Empresarial, Aconselhamento Empresarial, Marketing Empresarial e

Gestão de Pessoas33.

Para compreendermos melhor esta transição, vejamos o que diz a própria

instituição:

Em 2011, o Instituto decidiu ir ainda mais longe e tornar-se uma fonte de ensino acessível e de qualidade também em outras áreas do conhecimento: teve início, então, o projeto da Faculdade Bíblica das Assembleias de Deus (FABAD). Planejado criteriosamente, seu plano de ensino foi desenvolvido para ultrapassar os referenciais de qualidade e oferecer uma formação de excelência e uma estrutura diferenciada e exclusiva a seus alunos. (...). Assim, com a incumbência de ampliar o trabalho iniciado por seu mantenedor, o IBAD, a FABAD é aprovada por meio da portaria N-358, de 5 de maio de 2016, concebida pelo Ministério da Educação34.

Diante do exposto, podemos notar que o IBAD pode ser citado como exemplo

da adaptação cultural em que as Assembleias de Deus estão vivenciando. Há um

público que claramente passou a trabalhar com a ideia de educação formal de forma

diferente, a saber, como um compromisso fundamental para o desenvolvimento da

instituição. A amplitude das áreas oferecidas pela FABAD também pode ser notada

como um sinal da secularização da instituição religiosa em questão.

Essa mudança de habitus educacional sugere também que o mercado religioso

também se passa pelo campo educacional, isto é, entendo que a instituição, mesmo

33 Os cursos citados acima também são podem ser encontrados no site da FABAD. 34 As informações contidas no texto podem ser encontradas em: https://portal.fabad.edu.br/a-fabad/

56

sendo de cunho privado, faz uso do nome do maior grupo de evangélicos do país.

Assim, pode-se, inclusive, notar que, existe uma relação entre cliente e produto com

uma “cara” específica. Diante disso, notamos que a transformação vivenciada pelo

primeiro instituto bíblico pentecostal do país, faz parte de um contingente maior de

mudanças que as AD’s vêm vivenciando em seu modus operandi no Brasil.

4.5. Um passo tardio: a criação da Comissão de Educação e Cultura Religiosa

em 1971.

A criação da comissão de Educação e Cultura Religiosa ocorreu em 1971,

depois foi convertida no Conselho de Educação e Cultura, isto, através da Convenção

Geral das Assembleias de Deus no Brasil (CGADB). O órgão possui autoridade para

credenciar ou não uma escola teológica diante da CGADB, além de trabalhar com

metas, estatísticas, possuindo burocracia e arcabouço organizacional para os afins

ligados aos interesses da instituição.

O Conselho de Educação e Cultura, além das questões jurídicas, fica

encarregado de promover congressos, seminários, dentre outros encontros, afim de

incentivar as igrejas pertencentes a denominação a abrirem espaços de

aprendizagem teológica, música e de instrumentos, pois algumas igrejas da

Assembleia de Deus possuem orquestras.

Porém, é possível perceber que a organização da Comissão de Educação e

Cultura, é tardia, de modo que, a ênfase somente na experiência com o passar dos

anos foi se enfraquecendo, bem como pelas mudanças naturais que a vida em

sociedade apresenta. Vale ressaltar que consideramos tardio tal feito dada o tempo

de estabelecimento das Assembleias de Deus no Brasil, reconhecendo que outras

variantes também são plausíveis, e tão objetivas quanto a que propomos.

Hoje, como salienta Alencar (2013), a questão da educação passou a ser uma

ferramenta indispensável para o desenvolvimento da igreja, pois, o discurso

carismático já não vem conseguindo suprir os anseios de uma membresia moderna,

pluralizada, distante da resistência a educação formal, enfrentada pelos primeiros

assembleianos.

Outro avanço notório na questão educacional, está associado a produção

literária da Casa Publicadora das Assembleias de Deus (CPAD), que por sua vez,

57

passou a produzir materiais mais acadêmicos, elevando assim a qualidade do material

usualmente chegado as mãos das pessoas que compõe a instituição.

4.6. Contatos com a educação: Assembleias de Deus e a influência na

alfabetização de fiéis.

“A leitura do mundo precede a leitura da palavra, daí que a posterior leitura desta não possa prescindir da continuidade da leitura daquele. Linguagem e realidade se prendem dinamicamente. A compreensão do texto a ser alcançada por sua leitura crítica implica a percepção das relações entre o texto e o contexto. ” (FREIRE, 2003, p. 11)

É sabido que uma das funções mais brilhantes que um ser humano pode

aprender no ambiente escolar é o desenvolvimento do hábito da leitura. Para tanto,

nas AD’s, a leitura bíblica se fez como elemento indispensável para que a instituição

colaborasse para o aumento de leitores no Brasil, nas zonas urbanas e rurais, tais

como outras instituições religiosas que trabalha com materiais impressos.

Sendo as AD’s, em certa medida, identificada com o protestantismo, estas

trazem consigo a ideia de que o livro Bíblia é um dever de todo o cristão conhece-lo,

consequentemente, a leitura se apresenta como elemento essencial para o seu

desenvolvimento religioso.

O público que frequenta as AD’s e outras igrejas pentecostais foi por muito

tempo considerado avesso a educação. Contudo, ao conduzir o fiel para a leitura

bíblica, percebemos que, mesmo indiretamente, sem necessariamente um projeto

pedagógico, a igreja como instituição social e formadora de opinião, colabora para o

combate ao analfabetismo, sendo este, um forte estigma social para aqueles que são

rotulados como analfabetos.

Outro elemento que trabalha com a leitura e escrita nas AD’s são as revistas

de Escola Bíblica Dominical. O fiel geralmente adquire uma nova revista

trimestralmente, assim, mais uma vez é estimulado a desenvolver o hábito da leitura.

Nas revistas de EBD, são apresentados também outras fontes de leitura.

Com isso, a produção de leitura entre as pessoas que frequentam as AD’s,

principalmente os ministérios mais tradicionais, fez com que a casa editora oficial, a

CPAD, se fortalecesse cada vez mais, se tornando uma das maiores casas

publicadoras da América Latina.

58

Existem igrejas entre as AD’s, a AD Santo Amaro por exemplo, que já oferece

cultos em inglês, isto é, estimulando fiéis que estudam o idioma estrangeiro a

praticarem seus estudos também na igreja, fator esse que seria, por assim dizer,

impensável em momentos mais avessos a educação formal nas AD’s.

Em alguns lugares, as estruturas físicas (templos) das AD’s, são utilizados para

projetos sociais, a saber, trabalhos artesanais com idosos, ensino de música aos mais

jovens, bem como ensino teológico através de cursos livres.

A mudança da estrutura física interna nas AD’s, como por exemplo, o uso do

Data Show, também se apresenta como outro estimulo a leitura, uma vez que os fiéis

acompanham a leitura dos hinos e canções, bem como se atentam aos avisos das

atividades de sua igreja local. Vale ressaltar que em algumas dessas igrejas, o uso de

Data Show foi colocado com grande resistência, a exemplo, na AD em Santo Estevão

– BA.

Como explanado em outro momento do presente trabalho, a presença de

jornais sempre marcou a história das AD’s no Brasil. Por sua vez, o uso de jornais faz

parte de uma cultura de leitores, uma vez que este, é promotor não só de informações,

mas também de entretenimento e cultura.

A necessidade de aprender a ler para se inserir no grupo social-igreja, faz com

que o fiel não esteja somente subordinado a leitura bíblica, com isso, outras portas de

conhecimento se abrem, a saber, pelo papel de expansão que o hábito da leitura traz

em si.

O mercado editorial evangélico no Brasil é o mais movimentado do país, assim,

os assembleianos, como maioria, representam a maior parte do grupo de

consumidores. A igreja em suas práxis como fato social colaborou e ainda contribui

para a diminuição do analfabetismo no Brasil. Com isso, percebemos que mesmo na

ausência de um projeto específico de educação, o habitus contínuo da igreja não está

indiferente a vida secular de seu público.

A educação está presente nas mais diversas instâncias da vida humana, com

isso, toda e qualquer instituição religiosa que incentivar a prática da leitura

continuamente estará colaborando para uma formação cidadã eficaz seja qual cidade

ou bairro em que esta esteja estabelecida.

59

Assim, se pensarmos no incentivo da leitura entre os milhares de templos das

AD’s espalhados por todo o Brasil, em cem anos, torna-se praticamente impossível

mensurar a quantidade de pessoas que se tornaram leitoras a partir do contato com a

religião.

A leitura entre os pentecostais se consolidou como um fato social importante

em solo brasileiro. Ferreira (2012), suscitou que a busca da leitura entre os

pentecostais fez o que o mercado editorial brasileiro olhasse tal grupo de forma

diferente. Assim, se existe uma busca constante por leitura, de forma regular e com

interesses específicos, não há como negar que a leitura pentecostal no Brasil também

faz parte da história da leitura nacional.

É sabido, lamentavelmente, que no Brasil existem baixos níveis de procura pela

leitura entre a maioria da população. Com isso, toda e qualquer instituição que

promover o incentivo desta prática milenar, estará colaborando diretamente para o

enriquecimento cultural de seu povo. As Assembleias de Deus vêm prestando tal

papel a mais de um século nas terras tupiniquins:

(...) é possível afirmar com boa dose de certeza que o leitor da Bíblia no Brasil é, em sua maioria, pentecostal, e, dentro desse grupo, membro da Assembleia de Deus. (FERREIRA, 2012, p. 218)

Por tanto, a relação entre a vida religiosa e a leitura faz com que o fiel faça,

desta sintonia, a construção de um habitus de interdependência, com isso, a leitura,

incorporada a vida religiosa, se torna mais do que uma necessidade.

Assim, percebemos que o protestantismo contribuiu em grande medida para a

história da leitura no Brasil, indo além do campo do sagrado, e por sua vez, também

entre os pentecostais assembleianos, a diminuição do analfabetismo no Brasil, ainda

que em grande medida, de maneira informal.

4.7. Pentecostalismo e novos interesses em formação: uma análise a partir de

Ricardo Mariano (2008):

A relação entre o movimento pentecostal e a educação no Brasil, mais

precisamente das Assembleias de Deus, tem chamado a atenção de muitos

pesquisadores. O público pentecostal tem rompido com muitos rótulos que lhe foram

impostos em outros tempos.

60

Dentre os muitos rótulos recebidos, o fator educacional merece destaque, a

saber, pela busca de educação formal pelos líderes e fiéis do movimento pentecostal

na atualidade. É possível identificar essa progressão nas palavras a seguir:

Até os anos 1970, a hierarquia eclesiástica da Assembleia de Deus se opunha radicalmente à formação do ensino teológico. Apesar disso, seu primeiro Instituto Bíblico, O IBAD (Instituto Bíblico das Assembleias de Deus), em Pindamonhangaba, estado de São Paulo, foi fundado em 1958 “contra muita oposição por um brasileiro que havia estudado nos Estados Unidos”. (MARIANO, 2008, p. 81)

A hierarquia nas Assembleias de Deus, como parte da estrutura de formação

brasileira, não está subordinada à estrutura hierárquica estabelecida pelos degraus

da vida acadêmica. O capital simbólico adquirido para que um líder se legitime diante

do povo está, em sua maioria, ligado a uma construção de oralidade e tradição que

atravessa a necessidade da letra, do diploma impresso.

Contudo, as novas gerações das Assembleias de Deus vêm promovendo uma

mudança notável no cotidiano da igreja, como consequência de um público que tem

recebido mais acesso à educação formal no Brasil. Vejamos:

O surgimento de novas gerações de fiéis mais escolarizadas, o consequente desejo das lideranças eclesiásticas de obter respeitabilidade social e confessional e o crescente intercâmbio entre pastores assembleianos brasileiros e norte-americanos contribuíram para modificar essa situação. (MARIANO, 2008, p. 81)

A mudança do habitus pentecostal em relação a educação tem a ver também

com a valorização dada ao conhecimento como capital nas últimas décadas. Tal

valorização não é um fenômeno exclusivamente brasileiro, mas, com demonstrações

em outros lugares.

Um exemplo perspicaz que podemos destacar é a análise de Pierre Bourdieu

acerca da mobilidade social a partir da educação. Para o autor, na sociedade de

classe, alguns elementos possuem valor simbólico com peculiaridades diferentes. E

pensando acerca da educação, esta também é vista como uma ação de dominação:

Pelo fato de que toda ação pedagógica define-se como um ato de imposição de um arbitrário cultural que se dissimula como tal e que dissimula o arbitrário daquilo que inculca, o sistema de ensino cumpre inevitavelmente uma função de legitimação cultural ao converter em cultura legítima, exclusivamente através do efeito de dissimulação, o arbitrário cultural que uma formação social apresenta pelo mero fato de existir e, de modo mais preciso, ao reproduzir, pela delimitação do

61

que merece ser transmitido e adquirido e do que não merece... (BOURDIEU, 2015, p. 120)

Desta forma, pensando na ideia de que a sociedade também é movida por

status, esses elementos de destaque, fazem parte de uma realidade de necessidades

em cadeia, de modo que os indivíduos precisam desenvolvê-las para receberem

aceitação da cultura dominante:

A sociedade de classes reparte de maneira desigual o produto do trabalho sob as mobilidades de capital econômico e cultural, mas em um formato “pacífico e pacificador”, tudo justificado em um dado princípio “teórico-lógico-natural”. Todavia, é um princípio classificatório, hierárquico, de grupos, gênero, sexo, raça-etnia, classe, etc. Será arbitrário o que se fundamenta fora desse sistema classificatório, pois estão nos sistemas simbólicos que dissimulam as relações reais, impondo e regulando as funções e os papéis sociais. (BOURDIEU apud VILHENA, 2016, p.138)

Assim, tal como as novas gerações foram construindo uma relação mais aberta

com a educação formal, as AD’s no Brasil também foram se adaptando a esta nova

demanda, e assim, a cada ano, os bancos das igrejas pentecostais vêm recebendo

cada vez mais jovens e adultos universitários. Por sua vez, a liderança da igreja

precisa se adaptar as novas linguagens para manter seu público fiel.

No Brasil, como foco em questão, temas que envolvem questões morais

recebem forte influência do público chamado evangélico, sendo este, de maioria

assembleia, dada a proporcionalidade de número.

Assim, a religião também se apresenta como agência produtora não somente

de crenças, mas, de ideologias. Podemos notar isso na formação de vários povos

ocidentais, em que a igreja cumpriu um papel diretamente até mesmo na elaboração

de constituições de países.

Para Bourdieu (1998), essa organização de mundo permite que a cultura dominante cumpra sua função política-ideológica de legitimar sua dominação. Todas essas questões devem encontrar fundamento em processos históricos. E mais, devem reunir-se em torno de experiências concretas, ou seja, não somente a partir de uma sociedade determinada, mas também de um indivíduo qualquer dessa determinada sociedade. (VILHENA, 2016, p. 138)

Diante do forte crescimento desse povo chamado de pentecostais, muitos

pesquisadores passaram a olhar para o grupo com mais atenção. Seus números de

crescimento permanecem, logo, em consequência de sua popularidade, estarão

62

ocupando cargos de grande importância para a nação, e com isso, corroborando para

a influência de suas crenças.

Já no século XXI, houve casos em que, a chamada bancada evangélica,

manifestou-se veementemente contra cartilhas do governo sobre sexualidade,

demonstrando total repudio as medidas educativas com esta finalidade.

Um fator de grande relevância para a acessibilidade que o público pentecostal,

percebido na maioria das literaturas como mais pobres, tenha alcançado uma maior

abrangência na formação educacional, está diretamente ligado a criação de políticas

públicas educacionais em favor dos menos favorecidos.

Em outras palavras, a mudança intelectual do público pentecostal

assembleiano vem acompanhando o progresso do próprio Brasil em relação a

educação de modo geral, a exemplo, os programas de acesso as universidades, tais

como: ENEM35, SISU36, PROUNI37, dentre outros. A educação formal vem mudando

no Brasil, e com ela, o público das igrejas, que também é público brasileiro.

Os impactos da educação afetam toda uma realidade. Os movimentos sociais,

em grande medida, sempre acompanharam grandes mudanças na educação, assim,

outros aspectos da vida social também são tocados quando se há uma alteração na

forma das pessoas enxergarem elementos fundamentais da vida em sociedade.

Com isso, quando uma instituição religiosa sofre uma mudança de pensamento

a um fator tão importante como o a educação, consequentemente a vida política como

um todo desta instituição também muda. No que tange a educação, é sabido que esta

possui valor imensurável no que diz respeito a transformação de mentes e seu poder

de influência no coletivo, isto é, coloca-se como um fator que suas consequências

fogem aos padrões da naturalidade.

Como salientado em outro momento do presente trabalho, as AD’s saíram de

um distanciamento claro da política, tais como outros grupos pentecostais, para uma

posição ativa perante a vida política brasileira, e, nos dias atuais, já representam a

maioria dos parlamentares da chamada “bancada evangélica” brasileira.

35 ENEM - Exame Nacional do Ensino Médio. 36 SISU – Sistema de Seleção Unificada. 37 PROUNI – Programa Universidade para Todos.

63

A atuação política dos pentecostais para a educação brasileira ainda se

apresenta de forma tímida, de modo que a presença dos representantes pentecostais

na política, está subordinada a defesa de uma cartilha de moral cristã, em

contrapartida as cartilhas seculares, as quais representam perigos para a “família

nuclear”38 no Brasil.

Outro elemento que vale destaque para a questão da relação entre AD’s e a

educação formal no Brasil, é a realidade de que muitas destas igrejas já promovem

encontros de ação social em favor dos desfavorecidos, utilizando material humano da

própria igreja, isto é, jovens e adultos que se formando ou sendo formados nas mais

diversas profissões, entendem que podem servir sua cidade a partir da inteligência

funcional adquirida em seus mais diversos campos de formação profissional.

Vale ressaltar que, em outras épocas, principalmente nos anos iniciais das AD’s

no Brasil, seria inviável pensar, por exemplo, jovens advogados assembleianos

prestando serviço gratuito a população em nome da igreja, num dia de ação social.

Serviços assim, de ação social gratuita, são dedicados em linhas gerais aos bairros

mais pobres das cidades em estas igrejas se estabelecem.

4.8. Perfis das AD’s: Rural e Urbano

Diante das diferenças percebidas entre vidas urbana e rural, entendemos ser

relevante uma sucinta análise entre como se desenvolvem o ethos assembleiano em

cada uma destas zonas. Para tanto, destacaremos alguns dos aspectos que reforçam

a formação desse habitus no pentecostalismo no brasileiro.

a) Aspectos da relação AD’s e público rural

É sabido que a vida no campo, em linhas gerais, dispõe de menos

entretenimento do que na cidade. Diante disso, as igrejas e demais instituições

religiosas que se estabelecem nas chamadas zonas rurais, se constitui como forte

canal de formação social e cultural. Os dias de culto na congregação tornam-se como

eventos durante o cotidiano no campo.

Assim, as AD’s também se encontram espalhada por todo Brasil rural,

contribuindo com a formação social de muitas famílias, conforme se diz num ditado

38 Entendemos por família nuclear aquela composta por pai, mãe e fi lhos, também chamada de família

tradicional.

64

popular conhecido entre os evangélicos brasileiros: “Onde tem Bradesco, Correios e

Coca – Cola, tem as Assembleias de Deus”.

Tais como em outros setores da sociedade, quando se trata de contexto rural,

logo se pensa em atraso ou lentidão para a chegada de elementos e informações que

já fazem parte do contexto urbano. É comum encontrar nas congregações das zonas

rurais obreiros do próprio lugarejo, por vezes até despreparados para a

superintendência do trabalho, mas, frutos do imediatismo de abrir congregações, ação

típica do pentecostalismo.

Mesmo diante de uma estrutura simples e com inúmeras limitações, como por

exemplo, falta de um espaço específico para trabalhar com crianças, as congregações

são valiosos espaços para os lugares em que se estabelecem. Nas zonas rurais

brasileiras, muito se reclama a respeito da ociosidade entre os jovens, fator que

corrobora para o aumento de pequenos furtos e consumo de drogas.

Assim, essas igrejas-congregações colaboram para o combate destas mazelas

sociais, uma vez que possibilitam programações que suprimem o ócio, além de

imprimirem em suas agendas uma cartilha constante em favor da ordem e dos bons

costumes.

Não é nosso papel estabelecer o que é o não moral no presente trabalho,

contudo, entendemos que há um consenso entre a população de que o ato de se

tornar evangélico, traz certa confiança em relação ao indivíduo que assume esta

posição.

Mesmo havendo casos de má-fé, em linhas gerais, como fator de observação

cultural no Brasil, percebemos que costumasse esperar um perfil ético exemplar do

grupo religioso em questão. Sobre essa relação entre Igreja – Fiel – Tesmunho de

“mudança” de vida, observa-se a relação entre fiel pentecostal e sua voz na igreja,

geralmente voltada a um novo padrão de existência, comum em movimentos que

evocam uma vida pura e de sacrifício, conforme percebido na história da cristandade

no mundo.

65

b) Aspectos da relação AD’s e público urbano

Conforme já explanado no desenvolvimento do contexto histórico das AD’s no

Brasil, o movimento pentecostal assembleiano teve início na vida urbana do Brasil,

em Belém, capital do Estado do Pará. Embora possuam traços que lembram o

contexto rural, como a presença do coronelismo, dentre outros fatores, as AD’s têm

um perfil urbano distinto.

Em linhas gerais, nas grandes cidades, o público assembleiano costuma ser

mais liberal no que diz respeito aos usos e costumes, e, para além do fator estético,

também demonstram mais afinidade com as mudanças sociais ocorridas no contexto

das cidades em que a instituição esteja presente.

Dentre os fatores que contribuem para que o perfil urbano das AD’s seja

diferente, podemos destacar a percepção educacional de seus membros. Diante

disso, podemos notar que as oportunidades que surgem nas grandes cidades, no que

tange ao acesso a formação em maior amplitude, bem como a profissionalização em

maior escala, faz com que a igreja, que também é parte integrante da cidade, seja

diretamente afetada pela acessibilidade proposta.

Assim, nas grandes metrópoles brasileiras, as AD’s já experimentam um

grande público de jovens profissionais formados nas mais diversas áreas de ensino

superior, influenciando em toda uma estrutura social denominacional, uma vez que

estes, representam a nível de futuro, a continuidade ou não dos principais aspectos

identitários da instituição, ocupando os mais diversos lugares da vida em sociedade.

c) As AD’s e o uso das mídias sociais

Onde o mundo real se converte em simples imagens, estas simples imagens tornam-se reais e motivações eficientes típicas de um comportamento hipnótico. O espetáculo, como tendência para fazer ver por diferentes mediações especializadas o mundo que já não é diretamente apreensível, encontra normalmente na visão o sentido humano privilegiado que noutras épocas foi o tato; a visão, o sentido mais abstrato, e o mais mistificável, corresponde à abstração generalizada da sociedade atual. Mas o espetáculo não é identificável ao simples olhar, mesmo combinado com o ouvido. Ele é o que escapa à atividade dos homens, à reconsideração e à correção da sua obra. É o contrário do diálogo. Em toda parte, onde há representação independente, o espetáculo reconstitui-se. (DEBORD, 1997, p. 19)

Um dos elementos mais predominantes na sociedade na atualidade, diz

respeito ao uso constante das redes sociais. Até mesmo quem diz “não gostar de ler”,

66

torna-se refém da leitura para fazer uso das redes. Tais como as inúmeras

denominações cristãs no Brasil, grande parte das AD’s no Brasil já possuem páginas

oficiais nas principais redes sociais.

Seu uso, em grande medida, é destinado para a divulgação dos trabalhos na

igreja, sejam já executados ou futuros. Faz-se necessário destacar aqui que este

veículo tem sido um fator que nos dias atuais, tornou-se uma ferramenta indispensável

para aproximar o público jovem.

Além disso, os veículos de comunicação via redes sociais também são mais

viáveis financeiramente, a saber, ao tornar possível a diminuição de materiais

impressos em grandes quantidades, como no caso do famoso “panfleto” de

evangelismo.

Os líderes também fazem uso dessas mídias para se comunicarem com o

grande público. Fazer uso das mídias sociais, assim como labutar com outros

mecanismos que exigem contato com leitura e escrita, exigem por sua vez formação

por parte daqueles que a executam.

Com isso, os líderes religiosos nos dias atuais, vem se preocupando cada vez mais

com questões para além da atividade pastoril. Já existem cursos oferecidos para

líderes denominacionais para que estes possam divulgar suas imagens da melhor

maneira possível.

Assim, percebemos que as questões do presente são cruciais para a ruptura

com o passado, principalmente por conta dos novos desafios. Sabe-se que Daniel

Berg e Gunnar Vingren não possuíam redes sociais, pois não existiam, contudo, a

exemplo do uso das redes, as novas gerações de líderes assembleianos se

aproximam cada vez mais das novas mídias, como uma necessidade constante de

atualização.

Vale ressaltar que, as denominações que não se atualizam, em linhas gerais,

tendem a perder espaço no campo religioso, a saber, pela liquidez39 com que a

identificação denominacional vem se apresentando no contexto religioso. A discussão

39 Em alusão a metáfora do sociólogo polonês Zigmunt Bauman, util izamos liquidez para nos referirmos ao trânsito religioso entre fiéis que não possuem mais solidez de crença em instituições religiosas ou não, como

elemento da pós-modernidade.

67

que envolve a relação entre fiel, religião e mercado vem sendo tratado em muitos

trabalhos acadêmicos.

Com isso, analisando a religião como produto na pós-modernidade, as igrejas

pentecostais também têm se voltado para a necessidade de atender as demandas de

seus congregados. Na chamada era da informação, a formação vem ocupando um

papel que perpassa a ação de crer ou não crer. Tornou-se uma necessidade, seja

para os líderes religiosos ou fiéis de uma denominação.

No que tange as transformações percebidas nas AD’s nos dias atuais, é

possível afirmar que, o desenvolvimento dessas instituições em relação a educação

brasileira foi, de certa forma, sinérgico.

Embora a educação não tenha sido uma proposta estratégica do início do

movimento pentecostal, seu público vem demonstrando que é possível a mudança de

perspectiva, e assim, rompendo os rótulos de que as AD’s são avessas de um todo a

educação formal, como expostos em outras épocas do estabelecimento do

pentecostalismo brasileiro.

Na sociedade do espetáculo40, o parecer se constitui como elemento

fundamental das relações sociais, e assim, fomenta a cada dia a busca por esses

elementos que reforçam esse parecer, de modo que, parecer intelectual tornou-se um

artifício interessante para que os novos líderes se reafirmem como capazes.

Tornou-se comum perceber líderes, não apenas pentecostais, publicarem

fotografias ao lado de livros ou ambientes que lhes inspire saber. Com isso, ainda que

indiretamente, fazem de suas vidas uma propaganda contínua de determinado

conteúdo simbólico.

40 Util izamos “Sociedade do Espetáculo” em alusão a obra do escritor francês Guy Debord, 1967.

68

5) PROTESTANTISMO E EDUCAÇÃO NO BRASIL

A leitura dos historiadores das denominações protestantes no Brasil mostra, com insistência, embora de passagem e sem maiores comentários, a contínua fundação de escolas ao mesmo tempo que de igrejas parecendo mesmo ser aquelas um complemento natural destas. (MENDONÇA, 2008, p. 146)

A contribuição do protestantismo para a educação brasileira faz parte da

formação do Brasil moderno. Contudo, é possível notar que, há certa resistência por

parte de historiadores, de modo geral, de reconhecerem como contribuição à

educação, qualquer iniciativa promovida por alguma instituição religiosa. Mesmo

diante desta realidade, achamos relevante uma breve busca histórica acerca da

participação dos protestantes para a educação brasileira, bem como suas motivações.

Diante do exposto, compreende-se que para haver uma motivação imediata de

criação de escolas, e conforme salientou Mendonça (2008), em sincronia com a

fundação de igrejas, foi necessário algum tipo de influência ideológica no que tange a

preocupação com bem estar social, haja vista, pelo fato de que a educação faz parte

dos Direitos Fundamentais da população.

Para Bourdieu (2008), a educação tem também o papel de arbitrário cultural na

sociedade, de modo que, inegavelmente, há uma intenção por trás de cada currículo

ou forma de se pensar educação, para tanto, devemos ter criticidade para não

deixarmos que uma visão romântica da realidade nos esconda questões que devem

ser abordadas a partir da historicidade das ações concretas. Para tanto, convém-nos

questionar - para quem esta educação foi direcionada? Vejamos:

Se nas bases, isto é, nas congregações locais preponderantemente rurais, era necessário alfabetizar para tornar possível o culto e a instrução diretamente religiosa, nas cidades era preciso educar as elites para aquela transformação de mentalidade que estava presente nos objetivos missionários. O analfabetismo popular e a falta de preparo da elite eram fatais para o desenvolvimento dos ideais republicanos e democráticos. (MENDONÇA, 2008, p. 163)

Já foi dito que em muitas nações protestantismo e capitalismo estiveram lado

a lado numa troca contínua de interesses. Assim, achamos plausíveis os seguintes

questionamentos: o que impulsionou os missionários protestantes para este foco?

Qual sua relevância para o povo brasileiro? Qual a importância da educação para o

69

homem religioso? São estas questões que tentaremos compreender nos tópicos a

seguir.

5.1. Destino Manifesto: em que se baseia o anseio por desenvolvimento social

pelos protestantes?

O ethos do protestantismo é alvo de densas pesquisas a mais de século, haja

vista a destacada obra de Max Weber. No Brasil, o protestantismo que aqui chegou,

não é percebido primeiramente como um elemento desenvolvido em terras brasileiras.

Na verdade, diz respeito a uma transposição cultural que vai além do fator religioso,

de modo que, é possível perceber que os ideias já apresentados em outras nações

protestantes, tais como os EUA, foram propagados também em solo tupiniquim.

Dentre essas propostas, podemos destacar um modelo de ideal que representa

bem essa realidade de transposição cultural, a saber, o chamado “Destino Manifesto”.

Sobre esta forma de pensar, destaca:

As denominações dispunham-se a cooperar para a reforma do mundo a partir da visão de uma população religiosa, livre, letrada, industriosa, honesta e obediente às leis. (MENDONÇA, 2008, p. 92)

Esse entrosamento, entre as denominações protestantes de fora, chegou ao

Brasil com uma propaganda bastante sugestiva, é claro, para um país que carecia

emergencialmente de desenvolvimento para várias “virtudes” vistas em países mais

desenvolvidos.

A ideia de uma pátria mais justa e solidária, utilizada em grande medida em

discursos religiosos, ganhou repouso em grande parte das colônias, a saber, pela

influência de um protestantismo “preocupado” com as causas do povo aqui na terra:

A preocupação com a construção de uma sociedade digna dessa grandiosa missão levava as igrejas a grandes esforços para regular a vida social em todos os seus detalhes, revelando que o velho espírito do puritanismo, colorido pelo metodismo, tinha muito poder, embora tudo fosse feito sem coerção, pois a liberdade religiosa não permitia ir além do esforço da persuasão. Se a persuasão não produzir efeitos, a opinião pública bem formada se encarregará de, mediante pressão social e coerção moral, ir corrigindo as distorções e abusos. “Os ideais, as convicções, a linguagem, os costumes, as instituições sociais estão entrelaçadas com as pressuposições cristãs que a própria cultura [e nutrida e mantida pela fé cristã. (MENDONÇA, 2008, p. 93)

Conforme já observamos, a religião ocupa um espaço de larga importância na

vida das pessoas, de modo que, ainda que indiretamente, um ensinamento transmitido

como elemento de fé, acaba se tornando um exemplo de ideologia. Assim, ainda que

70

os fiéis não a reconheçam como tal, exerce poder em seus posicionamentos de forma

coercitiva.

Diante do exposto, é possível perceber apontamentos que indicam razões para

o interesse das missões protestantes em querer corroborarem para a diminuição do

analfabetismo no Brasil, bem como outras mazelas sociais de nosso querido Brasil.

Com isso, entendemos que as missões protestantes históricas, tiveram um

contexto histórico e de recursos que propiciaram a estas missões, a possibilidade de

estabelecimento de projetos de cunho social, como a educação, em um curto período

de tempo.

Assim, notamos que o movimento pentecostal chegado ao Brasil, mais

precisamente, com as Assembleias de Deus, não possuía uma mesma visão, tão

pouco recursos, para se pensar num projeto imediato para a nação brasileira, tais

como aqueles que já professavam os ideais de um “Destino Manifesto”, e em sua

maioria, mantidos por recursos estrangeiros.

No entanto, coube aos pentecostais outros modelos de contribuição social para

a sociedade brasileira, a exemplo, o trabalho de desmarginalização de muitas pessoas

que viviam sem perspectivas nas grandes cidades, bem como nas zonas rurais do

país através da leitura bíblica para leigos, dentre outras ações de cunho

transformador.

5.2. Protestantismo e educação brasileira: uma breve abordagem sobre a

contribuição educacional do protestantismo histórico brasileiro.

O chamado protestantismo histórico brasileiro, a saber, com ênfase nas

missões luteranas, metodistas, presbiterianas e batistas, em contrapartida ao

pentecostalismo assembleiano, teve uma preocupação muito grande com a educação

dos brasileiros, de modo que, no ato da evangelização, foi dada a prioridade a

alfabetização como meio de preparo para recebimento da mensagem protestante.

Conforme observa Durkheim (1989), a religião se constitui como fato social.

Assim, as características que correspondem a um determinado grupo religioso, faz-se

presente na sociedade em que este faz parte. A relação entre o aspecto educacional

com as missões protestantes fez-se presente em várias partes do mundo, no Brasil,

tal relação também se apresentou como realidade:

71

A introdução da educação protestante na sociedade brasileira deu-se concomitantemente à pregação dos primeiros missionários: com a organização das primeiras igrejas já se implantaram também as escolas paroquiais. (MENDONÇA, 2008, p. 144,145)

As missões protestantes levavam em conta como fator fundamental de seu

estabelecimento, a cultura literária de seus adeptos, isto é, com a habilidade de leitura,

tendo em vista que a Bíblia foi utilizada como elemento essencial para a alfabetização

de leigos.

A carência educacional por grande parte da população brasileira motivou os

missionários protestantes na busca pela associação entre evangelismo e

alfabetização, dada a sua urgência:

As escolas paroquiais e os cursos elementares dos colégios protestantes tinham o objetivo fundamental de oferecer um mínimo de instrução como condição sine qua non da introdução do protestantismo na sociedade brasileira. A leitura da Bíblia, como canal de conversão, era tão importante que os missionários, possivelmente como medida de emergência, chegaram a empregar leigos para ler a Bíblia para os prosélitos, quase que na totalidade analfabetos. (MENDONÇA, 2008, p. 152)

Assim, diante de tal fato, percebemos que não é possível desassociar a

influência das incursões missionárias com seus lugares de atuação, uma vez que, os

missionários carregam seus traços culturais, de modo que aqueles que passam a lidar

com os mesmos também são modificados e modificam.

Com isso, é possível encontrar na história da educação brasileira moderna

traços de uma cultura escolar até então não percebida, que por sua vez, afetou a

cosmovisão da sociedade local:

O objetivo dos colégios, no entanto, era de serem, mais ou menos conscientemente, exportadores de um novo esquema sociopolítico. (...). A chave da questão está nos objetivos que orientam a prática educativa e que procuram encaminhar os educandos para a aceitação de uma maneira nova de ver a realidade, especialmente a valorização da natureza e do trabalho. (MENDONÇA, 2008, p. 153)

A educação de um povo afeta de forma direta na noção de trabalho deste.

Conforme exposto, a influências missionárias, tal como um fato social, agindo através

da educação, contribuiu, em certa medida, para a modificação de todo um

pensamento social vigente. Por tanto, ajudar no processo de formação educacional

do povo brasileiro tornou-se uma realidade imediata para a missões protestantes

tradicionais:

72

A educação não era uma contribuição da religião de um povo mais evoluído para um mais atrasado, mas um “causa” tão importante como a propaganda religiosa (MENDONÇA, P. 155).

A cultura desenvolvida através da educação oferecida pelo protestantismo

brasileiro, também esteve ligada as concepções ideológicas oriundas das vivências

adjacentes desses missionários. Com isso, sendo o Brasil um país

predominantemente católico, seria comum encontrar conflitos no que diz respeito as

visões de mundo, assim, a educação se apresentou como um elemento central dessa

tensão:

A grande disposição das missões em investir na educação fundamentava-se na convicção de que a implantação do protestantismo no Brasil defrontava-se com um conflito ideológico. (MENDONÇA, 2008, p. 156)

Ao percebermos que os missionários no ato de adentraram a uma cultura

carregam interesses também de modifica-la, podemos entender que toda inserção

missionária é, consequentemente, um ato político, isto é, parte de disposições

pensadas, de uma maneira de ver a realidade e de opinar sobre o que é mais saudável

para o viver social local.

Em linhas gerais, seria comum daqueles que vinham de fora do Brasil, de uma

cultura mais desenvolvida, tentam imprimir aqui seus valores. Diante disso, surge a

realidade de que colonização e ato missionário transcultural caminham juntos:

É justo pensar que parecia estar presente no espírito missionário a necessidade de reproduzir no Brasil o acontecido na América do Norte: se o êxito americano podia ser atribuído à colonização por povos protestantes, o Brasil podia ser colocado no mesmo caminho por via de um transplante cultural em todos os seus aspectos. (MENDONÇA, 2008, p. 163)

Essa busca de identidade educacional para os brasileiros seria de fundamental

importância para consolidação da mensagem protestante, tendo em vista que, o

protestantismo traz como contracultura ao catolicismo, a proposta de dar acesso à

leitura bíblica na língua do povo, o que por sua vez, rompia com os paradigmas do

catolicismo já instaurado no Brasil desde os primeiros anos de seu descobrimento:

A exigência da leitura bíblica feita pela religião protestante trouxe, desde os primeiros trabalhos missionários, a preocupação em vencer o analfabetismo. Assim é que todas as denominações aqui instaladas, a começar pelos presbiterianos e metodistas, seguidos posteriormente pelos batistas, associaram a evangelização ao ensino (CAMARGO, 1973, P. 139).

73

Com isso, percebemos que os protestantes tradicionais, mesmo com o

catolicismo já enraizado no Brasil, buscaram mudar as estruturas educacionais da

sociedade brasileira, como uma proposta não só somente de evangelização, mas de

melhoramento das condições do povo, sendo a educação, o motor combustor para

tudo isso.

Essa postura educacional fazia viver princípios da reforma, a exemplo, a

necessidade de se capacitar para o trabalho, presente no espírito dos protestantes,

sendo o trabalho, um exercício da vocação, e, por sua vez, na mesma medida,

extensão do preparo educacional do indivíduo. Veja o que salienta:

Contrastando com o padrão educacional prevalecente no Brasil, voltado para o Enciclopedismo e adotando pedagogia que enfatiza a assimetria de relacionamento entre professores e alunos, as escolas protestantes introduziram novo estilo, que marcou e garantiu o sucesso a que vieram alcançar. Assim, o interesse intelectual era despertado no aluno através de emprego de técnicas pedagógicas de natureza pragmática, fundadas na experimentação científica e tecnológica, bem como na relativa democratização do ensino, que aproximava docentes e discentes (CAMARGO, 1973, p. 141).

Ao olharmos esses dados históricos da contribuição protestante para

educação brasileira, podemos perceber que se, a Assembleia de Deus como sendo a

maior denominação evangélica do país, tivesse dado prioridade a educação, talvez

pudéssemos ter uma corroboração maior educacional protestante.

Tendo em vista a quantidade de prédios que a Assembleia de Deus possui, os

quais são inutilizados a maior parte do tempo, canais possíveis de contribuição à

cidadania através da educação, não só para membros da denominação, mas, para

cidade ou local onde a igreja esteja presente com elemento formador de opinião.

Sendo assim, o modelo de atuação de uma denominação pode ter influência

direta no ambiente em que o fiel está estabelecido, isto é, embora as denominações

cristãs apontem para uma realidade para além da vida presente, seus membros

permanecerão como cidadãos terrenos e com responsabilidades com a vida social.

A realidade de que ser cidadão está associado à ideia de viver na sociedade

em busca do bem comum à medida que essa cidadania é exercida no processo

histórico que é viver. Com isso, o cristão, seja pentecostal ou não, o seu ethos terá

efeito direto na sociedade, quer seja bom ou ruim.

74

Contudo, devemos enfatizar que essa aproximação entre as igrejas históricas

oriundas das agências missionárias com o aspecto educacional do país foi observada

também com uma criticidade aguda, a saber, a possibilidade de inserção material,

para além das intenções espirituais.

Assim, o protestantismo histórico teria sido uma ferramenta para entrada de

ideais vigentes em países colonizadores. A formação moral proposta pelos

protestantes históricos, indiretamente, trazia consigo os traços de culturas para além

da identidade tupiniquim:

Não é necessária uma grande perspicácia para perceber que é na educação, muito mais do que no nível político e social, que o protestantismo missionário liberal encontra uma possibilidade de integrar seus diversos fios. (...) a ênfase na educação e na criação de escolas; oferece uma mediação inobjetável para com o social sem obrigar a pronunciar-se sobre regimes políticos ou definições econômicas. (...) “uma educação que forma caráter”. (BONINO, 2002, p. 21)

A educação para os protestantes, foi ao longo de seu desenvolvimento

histórico, um fator fundamental para sua consolidação na história, pois, um dos ideais

da reforma protestante é a cultura da leitura, a saber, a partir da necessidade de todos

terem acesso aos textos sagrados, isto é, o conhecimento bíblico foi fundamental para

o fortalecimento do protestantismo.

Diante do exposto, foi nosso objetivo mostrar como a relação entre educação e

cultura protestante está presente na história do protestantismo brasileiro. Com isso,

salientamos a importância de notarmos que a motivação religiosa, daqueles que se

julgam, em linhas gerais, motivados por um sentimento espiritual, é também um

importante fator de transformação de um povo, principalmente quando esta influência

está ligada diretamente com a educação.

A educação é um elemento social que perpassa as gerações, logo, sempre

será um tema sugestivo no que tange a transformação de vida e pensamento de um

povo. É também o canal para a construção do diálogo que evita intolerância, promove

ampla profissionalização e desenvolvimento para as pessoas, bem como assegura a

possibilidade em se sonhar por uma sociedade pautada em valores que visam o bem

comum e asseguram o estado democrático de direito para todos.

75

Assim, defendemos que a educação exerce um papel extraordinário para a

emancipação das pessoas, e com isso, autonomia diante das explorações propagas

durante a maior parte da história da humanidade.

Contudo, devemos destacar que o fator educacional também é imperfeito e

sujeito as mais diversas discrepâncias. Um exemplo perspicaz deste fato nos é

apresentado, a exemplo, na Alemanha nazista, que, mesmo sendo berço de

intelectuais que pensavam acerca da dignidade da pessoa humana, tiveram na grande

maioria de seu povo, o mais elevado grau de apatia em relação as atrocidades feitas

pelo regime citado acima.

Em suma, a educação tem um importante papel na formação de pensamento

social, contudo, esta, não se encontre isenta de receber influências que possa fazê-la

como instrumento de manipulação e fonte de interesse de pequenos grupos. Não é

papel da educação promover uma visão de mundo fundamentalista, mas, oferecer

alternativas em que a preservação da vida social seja a cada dia mais viável.

Por tanto, acreditamos que para além das críticas, em direção as instituições

educacionais religiosas, estas também corroboram para o desenvolvimento ético da

nação de forma responsável, e por sua vez, deve ser incentivada da melhor maneira

possível.

A mudança de habitus em relação à educação, entre os pentecostais no Brasil

contemporâneo, é uma amostra de que esta ação social, isto é, do fator educativo, se

mostra uma realidade ainda incômoda entre aqueles que já foram vistos como

marginalizados. Vale destacar que a visão preconceituosa em relação aos

pentecostais não se desenvolveu reclusa somente por pessoas tidas como detentoras

de um determinado capital cultural secular, mas, também, entre os próprios

protestantes. Deste modo, notamos que esta marginalização se deu dentro e fora do

“reino”.

Para tanto, falaremos sobre a buscar por educação formal entre o povo

pentecostal nos dias atuais mais à frente, isto é, como sinal de ruptura e mudança.

76

5.3. A educação e sua importância para o homem religioso.

“A educação é um ato de amor e, por isso, um ato de coragem. Não pode temer o debate. A análise da realidade. Não pode fugir à discussão criadora, sob a pena de ser uma farsa.” Paulo Freire

A relação entre educação e o humano está presente desde as sociedades mais

antigas. A prática educativa está presente no ciclo da vida humana. Através da

educação, o ser humano aprende tanto a conviver com os demais, como também lidar

com as situações mais complexas relacionadas ao viver em sociedade.

A educação ensina o indivíduo a desenvolver papéis, resolver problemas dos

mais diversos possíveis, tornando-se um bem comum para as civilizações. Assim,

envolve investimento de tempo de vida e de recursos materiais, tornando-se um forte

fator de ascensão social nos dias atuais.

No Brasil, a relação entre homem e educação sempre esteve associada a

prática religiosa, primeiro em os católicos, e, posteriormente pela participação dos

protestantes históricos, sendo esta agenda, isto é, de se preocupar com a educação

do povo brasileiro, uma necessidade de ação dos mais diversos grupos sociais.

Sendo assim, o homem religioso tem a necessidade de se inserir em algum

momento nesse processo histórico, ser direta ou indiretamente. Com a

institucionalização das igrejas, alguns cargos foram surgindo naturalmente, a

necessidade de um secretariado para prestação de serviços, desde relatórios de

escola bíblica dominical, até relatórios financeiros. As igrejas necessitam de diretorias,

bem como levantamentos sobre a membresia.

A necessidade de alfabetizar as pessoas torna-se uma tarefa fundamental para

missão da igreja. Com ênfase na educação, ainda que em certa medida, o

protestantismo se estabeleceu com uma cultura do livro. Hoje em dia, não só a Bíblia

é utilizada como ferramenta de estudos, mas, é possível encontrar publicação

periódicas denominacionais, revistas próprias, livros traduzidos de diversas línguas,

bem como o uso de hinários, por sua vez, fundamentais para o culto protestante.

Com isso, o estudo tornou-se necessário não só como ferramenta para a

instituição, mas também como parceria para o obreiro que tem a necessidade de lidar

77

com pessoas, que por sua vez, estão inseridas na sociedade, e consequentemente,

em contato com a educação.

A educação ajuda o homem a compreender a si mesmo e aos outros, de modo

que se tornou-se indispensável ao longo da história. Vale ressaltar que, por educação,

entende-se a busca por conhecimento, desde o berçário à mais alta posição

acadêmica, que por sua vez, traz ao indivíduo seja cristão ou não, a necessidade de

lutar por uma sociedade mais justa e igualitária.

A nação brasileira ainda precisa se desenvolver em muitas áreas, não é

segredo. As instituições religiosas cumpriram ao longo da história um importante papel

na ajuda aos mais pobres, contudo, diante das mazelas sociais que o Brasil ainda

enfrenta, notamos que há ainda um espaço para a colaboração social dessas

instituições.

Quando o povo não tem acesso a uma educação de qualidade, a manipulação de

seus interesses torna-se mais fácil para os corruptos. E ainda, quando o povo não tem

acesso à educação, as instâncias que chancelam e aprovam o que é cultura, se

perpetuam no poder, e assim, fazendo evidenciar, a todo instante, como as

desigualdades sociais também contribuem para uma cultura de dominação elitizada.

Essa força que a ação educativa produz, nos leva a acreditar naquilo que se

tornou comum dizer, isto é, quanto menos um povo estuda, menos emancipação este

consegue em relação as ações de seus exploradores. Sobre esse papel social da

educação, destaca Bourdieu (2015):

(...) basta levar em conta a função de legitimação das diferenças sociais cumprida pelas diferenças sociais cumprida pelas diferenças culturais e, em particular, as diferenças que o sistema de que as instâncias de conservação cultural trazem à conservação social, em sua qualidade de depositárias e guardiãs da legitimidade cultural. (p.131)

Para tanto, notamos que as Assembleias de Deus, como maior grupo

evangélico do país, têm muito a contribuir para o melhoramento da nação.

Entendemos que não é papel desta pesquisa fazer um apelo ao investimento em

educação pelo movimento pentecostal tão explanado, contudo, revela, em grande

medida, parte dos anseios do autor do presente texto.

78

Diante do exposto, parece caber a seguinte pergunta: há alguma

movimentação entre assembleianos em busca de educação formal? Houve uma

mudança de habitus no grupo? Existe algum projeto no século XXI para a nação

Brasileira? Estas são algumas das questões que serão tratadas no capítulo final desta

pesquisa.

79

Considerações Finais

Durante o desenvolvimento de nosso trabalho, pretendeu-se analisar de forma

sucinta, aspectos históricos, sociais e teológicos como influências na relação entre

Assembleia de Deus e sua relação com a educação formal no Brasil. A busca por

conhecimento secular por parte de muitos obreiros assembleianos nos dias atuais, é

uma resposta à necessidade de diálogo com a chamada era da informação, pois, nas

últimas décadas, houve grande crescimento na capacitação profissional e educacional

de membros da Assembleia de Deus, o que consequentemente, exige uma formação

cultural maior por parte da liderança.

Assim, percebemos no decorrer da pesquisa que, as Assembleias de Deus

fazem parte de um universo cultural muito rico e cheio de possibilidades, de modo que

não é possível conter suas mais diversas variantes, como instituição social e religiosa,

em um único trabalho, por mais minuciosa que seja a empreitada.

Os missionários suecos Daniel Berg e Gunnar Vingren, certamente não

pressupunham o crescimento da instituição religiosa que começaram. Notamos

durante o desenvolvimento do trabalho que, não é justo atribuir a estes a não iniciativa

para projetos educacionais para as AD’s, uma vez que foram inúmeras as dificuldades

enfrentadas nas terras brasileiras, principalmente por não fazerem parte de uma

agência missionária, como é notável no trajeto social e histórico das instituições

protestantes tradicionais.

Como toda instituição social, as Assembleias de Deus nunca estiveram vivendo

numa realidade a parte de seu país. É sabido que, desde 1911 até os dias atuais, o

Brasil enfrenta diversos problemas no que tange a garantia dos direitos fundamentais

para sua população.

Com isso, não nos parece honesto esperar que uma instituição religiosa viesse

a solucionar os grandes problemas da educação brasileira. Entendemos que os

fatores que levaram a muitos a rotulação dos pentecostais como leigos e avessos à

educação, parte muito mais de uma premissa externa, a saber, por muitas vezes,

preconceituosa.

Devemos destacar também, que as raízes da sociedade brasileira, tal como

presente nas inúmeras instituições que compõe o país, está presente de forma salutar

no desenvolvimento e trajeto das assembleias de Deus. A presença coronelista,

conforme apontada na problemática do início deste trabalho, faz parte da formação

80

do habitus assembleiano, de modo que sua estrutura se tornou conhecida

externamente como um ambiente de obediência carismática, isto é, como destacado

na formação do Brasil e o personalismo tão presente na prática de seu povo.

É preciso destacar que, as Assembleias de Deus no Brasil foi e permanece

como uma instituição social e religiosa de extrema relevância para a nação brasileira,

uma vez que sempre contribuiu para o incentivo à leitura, a busca por trabalho e uma

vida digna de seus fiéis, de modo que se torna impossível mensurar os efeitos que

este grupo de pentecostais proporcionou para as terras tupiniquins.

A observação dada aos pentecostais nos dias atuais, é uma prova de que seu

crescimento vem chamando a atenção dos mais diversos meios de comunicação no

Brasil. Entre os Assembleianos, é possível notar que seu público, em linhas gerais,

vem se adaptando as transformações sociais do Brasil. Assim, percebemos ao longo

da pesquisa que, no processo de uma reinvenção da religião no Brasil moderno,

devemos destacar que o público das AD’s está ocupando grande parte dos bancos

das universidades.

Os assembleianos estão cada vez mais fazendo parte da sociedade de forma

mais aberta. Um dos fatores que ressaltamos em nossa pesquisa é que, a busca por

conhecimento nas AD’s é um reflexo da procura pelo arbitrário cultural e de

conhecimento que a sociedade brasileira impõe em relação a formação educacional.

Mesmo necessitando muitas melhorias no sistema de ensino pública, as condições

para se estudar no Brasil mudaram para melhor.

Assim, entendemos que toda e qualquer instituição que passar por uma

mudança de público, mais precisamente, de uma maioria de leigos para um grupo

com muitas pessoas formadas, é evidente que esta sofrerá mudanças em toda sua

forma de pensar no mundo. Com o processo de burocratização das AD’s no Brasil e

a constante profissionalização de seus fiéis nos dias atuais, a atuação de líderes

perante as atividades políticas cresceu de forma expressiva nas últimas décadas.

Não foi possível trazer aqui um número exato de quantos pesquisadores

brasileiros se veem como pentecostais, no entanto, podemos afirmar com toda

segurança que, nunca houve na história do Brasil, um momento em que houvessem

tantos trabalhos sobre pentecostais, e de igual modo, estudiosos deste grupo se

encontram presentes nos mais diversos espaços da vida acadêmica brasileira.

Na tentativa de elencar os principais envolvimentos educacionais das AD’s no

Brasil, notamos que houve com o passar dos anos uma mudança expressiva em

81

direção ao conteúdo dos debates nessas instituições. Nas EBD’s das AD’s hoje, já se

discute entre o público acerca de temas como os direitos humanos, bem como uma

série de outros assuntos que interessam ao cidadão, indo além do aspecto apenas

espiritual. Uma vez que a instituição quer religiosa ou não, deixa de perceber como

mundo apenas o seu “gueto”, abre-se um mundo de possibilidades.

As AD’s no Brasil fazem parte de um grupo seleto de instituições que, de um

modo geral, ainda conseguem respaldo da sociedade em relação a sua postura como

uma instituição tradicional e centenária. As iniciativas de projetos educacionais mais

amplos ainda são consideradas pequenas, no entanto, já se configuram projetos de

previsões de metas a longo prazo, mostrando mais abertura para o diálogo com as

questões da “terra”.

As AD’s já possuem faculdades, escolas, inúmeras instituições teológicas, com

isso, demonstrando um crescente interesse por educação formal nas últimas décadas.

Além das instituições educacionais em vigências, as AD’s no Brasil preservam até

hoje elementos marcantes de sua institucionalização, a saber, seu jornal oficial com

publicações ininterruptas, bem como seu maior patrimônio material a nível de renda,

a CPAD, a Casa Publicadora das Assembleias de Deus.

Em suma, é sabido que o maior patrimônio de uma instituição são as pessoas.

Diante disso, consideramos que muito embora as AD’s não tenham conseguido

números quantitativos expressivos em relação a educação formal, ou mesmo

qualitativos, como falado sobre os protestantes históricos, é importante destacar que

a grande massa que compõe a igreja, como maior igreja evangélica e pentecostal do

Brasil, conta hoje com muitos profissionais e estudantes universitários das mais

diversas formas,

Como falado no início da pesquisa, este trabalho passa pelas entranhas do

autor do mesmo, a feito de conclusão, sem sensacionalismo, faz-se necessário contar

que o mesmo em seu trajeto social pós contato contínuo com uma AD no interior da

Bahia, após ir para um seminário que levava o nome da instituição (o IBAD), está

concluindo este mestrado, já atuando como educador há pelo menos quatro anos.

Assim, entendemos o fenômeno religioso é ainda um fator social importante para

encaminhar pessoas pelo caminho da educação.

Diante do exposto, se faz necessárias abordagens coerentes com eixo

acadêmico para maior disponibilidade de informações sobre a denominação e seu

desenvolvimento na história do Brasil, sendo os templos, os quais são inutilizados a

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maior parte do tempo, canais possíveis de contribuição à cidadania através da

educação. Para tanto, diante das inúmeras limitações desta pesquisa, desejamos que

o assunto continue sendo explorado por outros pesquisadores.

Temos a certeza de que a ação religiosa é impossível de se captar

completamente, contudo, desejamos que a reflexão sobre a educação e sua

importância para a nação nunca saia de pauta entre o povo brasileiro, o qual, assim

como em outras nações, merece o cumprimento de seus direitos fundamentais na

íntegra.

Em suma, acreditamos que foi de estimado valor conhecer mais a fundo um

pouco da história das AD’s no Brasil e seu desenvolvimento histórico, social e

teológico, bem como a proposta da reflexão para o presente momento dessas igrejas.

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