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ASPECTOS POlíTICOS E SOCIAIS DA CRIAÇAO DE EMPRÊSASMUL1INA- CIONAIS NA AMERICA LATINA ARPAD VON LAZAR "Todo Estado, inclusive o proprio Estado capi- talista, por fôrça de sua função específica, tem de utilizar a economia apenas como um instrumento para sua ação peculiar." HERMANN HELLER o principal objetivo dêste artigo é apresentar e discutir o papel e a importância potencial das emprêsas muitina- cionais no processo de integração latino-americano. Trata- se essencialmente de uma análise que resultou das refle- xões do autor, bem como as impressões e opiniões recolhi- das em conversas com homens de negócio, políticos, téc- nicos e pessoas de destaque no setor público e privado de vários países latino-americanos. É, portanto, uma compi- lação de pontos de vista e seu propósito fundamental é traçar caminhos para discussões e pesquisas posteriores, e para servir como guia em futuros programas de ação. Finalmente, é necessário dizer que êste artigo reflete o estilo do pensamento bem como as posições de seu autor, que se considera bàsicamente um cientista político. Foi nossa decisão dividir o que vai aqui exposto em duas partes principais. Numa primeira se apresentam os pontos de vista divergentes com relação ao papel e à importân- cia potencial das emprêsas multinacionais no processo de integração. Também são examinadas as principais posi- ções favoráveis e contrárias à integração, dando especial destaque ao problema das conveniências e compensações. Na segunda parte examinamos o papel dos administrado- ARPAD VON LAZAR - Professor na Fletcher School oi Law and Diplomacy, Medford, EUA.

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ASPECTOS POlíTICOS E SOCIAIS DACRIAÇAO DE EMPRÊSASMUL1INA-

CIONAIS NA AMERICA LATINAARPAD VON LAZAR

"Todo Estado, inclusive o proprio Estado capi-talista, por fôrça de sua função específica, tem deutilizar a economia apenas como um instrumentopara sua ação peculiar." HERMANN HELLER

o principal objetivo dêste artigo é apresentar e discutiro papel e a importância potencial das emprêsas muitina-cionais no processo de integração latino-americano. Trata-se essencialmente de uma análise que resultou das refle-xões do autor, bem como as impressões e opiniões recolhi-das em conversas com homens de negócio, políticos, téc-nicos e pessoas de destaque no setor público e privado devários países latino-americanos. É, portanto, uma compi-lação de pontos de vista e seu propósito fundamental étraçar caminhos para discussões e pesquisas posteriores, epara servir como guia em futuros programas de ação.

Finalmente, é necessário dizer que êste artigo reflete oestilo do pensamento bem como as posições de seu autor,que se considera bàsicamente um cientista político.

Foi nossa decisão dividir o que vai aqui exposto em duaspartes principais. Numa primeira se apresentam os pontosde vista divergentes com relação ao papel e à importân-cia potencial das emprêsas multinacionais no processo deintegração. Também são examinadas as principais posi-ções favoráveis e contrárias à integração, dando especialdestaque ao problema das conveniências e compensações.Na segunda parte examinamos o papel dos administrado-

ARPAD VON LAZAR - Professor na Fletcher School oi Law and Diplomacy,Medford, EUA.

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res e dos técnicos, ressaltando suas potencialidades, en-quanto agentes catalizadores no processo de integração.Adicionamos uma conclusão e os anexos que incluem cincoquadros que resumem os principais pontos de vista e oarcabouço teórico do artigo.

A INTEGRAÇÃO LATINO-AMERICANA

o conceito da integração latino-americana é consideradopor muitos como a principal alternativa para evitar a es-tagnação econômica e o atraso social do hemisfério. Destaforma a integração converteu-se nos últimos anos nãoapenas num objeto central de preocupações para os econo-mistas e demais estudiosos, mas também recebeu amploreconhecimento público como uma solução significativapara os problemas latino-americanos. Indiscutivelmente ainteg.açâo latino-americana permitiria a reestruturaçãoeconômica do hemisfério. Para muitos implicaria na revi-talização e no fortalecimento das capacidades e potencia-lidades econômicas de todos os países da América Latinano seu conjunto e os efeitos benéficos seriam transferidospara cada um, permitindo a superação da maioria dos pro-blemas do continente. Uma das maneiras de torná-la rea-lidade seria a unificação de interêsses e recursos, de ca-pacidades e potencialidades de tôdas as emprêsas latino-americanas para constituição de organizações e emprêsasmultinacionais. Tal posição implica no reconhecimento deque, a menos que se criem emprêsas multinacionais latino-americanas, a' integração poderá ser um processo autên-tico e dinâmico ou simplesmente um amálgama de uni-dades fracas e improdutivas, ou ainda um processo quebeneficiará as grandes emprêsas estrangeiras, de porte in-ternacional e que já estão radicadas' nos vários paíseslatino-americanos e que monopolizaram uma parte subs-tancial da produção e do mercado na maioria dos paísesem questão. Essas emprêsas estrangeiras são particular-mente fortes na área em que os processos integradoreslatino-americanos deverão lograr êxito para que a idéiada integração se.possa tornar realidade, ou seja, no setor

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industrial. Na mineração também encontramos grandeintervenção estrangeira em tôda a América Latina e taisemprêsas dominam e controlam certas mercadorias e re-cursos básicos para a estrutura econômica global. No setorde serviços de utilidade pública, a intervenção estrangeiratem diminuído e está desaparecendo lentamente. No setorde transportes quase não existem mais capitais estrangei-ros. Ao mesmo tempo, há grande probabilidade de fracas-so para qualquer emprêsa que esteja relacionada com osetor de transportes.

Se desejarmos resumir algumas das atitudes básicas comrelação à integração latino-americana e à criação de em-prêsas multinacionais, chegaremos a posições bem maissimples. Os latino-americanos aceitam sem resistência aidéia como uma proposição básica, sem todavia chegar-sea uma apreciação realista de sua aplicação nem a uma ava-liação real de suas potencialidades. Do ponto de vista dosEstados Unidos e da Europa a idéia é aceita em princípio,sem que se façam todavia muitos comentários, quer ne-gativos, quer positivos, exceçao feita aos franceses, queapoiam entusiàsticamente a idéia de formação de emprê-sas multinacionais como oposição tanto às inversões es-trangeiras já realizadas, como medida para fortalecimen-to da fraca estrutura empresária da América Latina.

Passemos agora à análise dos principais aspectos do pro-blema em função de suas características, alternativas efontes potenciais de oposição. Nos seus aspectos funda-mentais o problema da criação de emprêsas multinacio-nais englobam aspectos políticos, econômicos e sociais.Todos êsses problemas se encontram em interação no in-terior do sistema econômico, político e social do hemis-fério. Em têrmos econômicos, os principais aspectos doproblema estão na organização e na administração dosrecursos, na questão das habilidades e aptidões e no esta-belecimento de sistemas de mercado. Politicamente asprincipais categorias são a consideração de atitudes nacio-nalistas, o protecionismo e o grau de comprometimentoe participação de estrangeiros relacionados com os assun-

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tos políticos. As principais considerações sociais residemna aceitação da idéia de integração, isto é, de maneiramais específica, na criação de emprêsas multinacionais,tanto a nível societal como nacional, e na capacidade dasociedade para integrar a idéia de tal estrutura econômicano esquema operacional de um meio ambiente individual.(Vide Anexo 1, pág. 46)

Naturalmente se considerarmos as diversas maneiras demanipular os fatôres positivos e negativos implicados nacriação de uma emprêsa multinacional, teremos que con-siderar certos fatôres sociológicos básicos para obtençãodo consenso na sociedade, mediante a manipulação de di-versas pressões e fôrças.

No interior de determinado sistema social, teriam que serconsiderados os usos básicos do poder para discernir apossibilidade de criação de entidades que sejam essencial-mente novas para a estrutura. Assim, dentro de qualquersistema social dado, é possível distinguir entre usos dopoder que são coercitivos, utilitários e de identificação.

• O poder coercitivo significa o uso da fôrça como ele-mento principal para obtenção do consenso, ou seja, parao estabelecimento de um certo tipo de estrutura nova.Existe aqui uma relação curvilínea, isto é, a aplicação dopoder acima de certo nível acaba convertendo-se numabarreira para a aceitação popular da unificação ou da in-tegração, sempre que todos os outros fatôres permaneçamconstantes.

• O uso utilitário do poder é uma forma bem mais posi-tiva de tentar-se a cristalização da integração. Neste caso,as unidades individuais do processo integrador teriam suasvantagens aumentadas com relação aos outros e, portan-to, desejariam integrar-se por interêsse próprio.

• O terceiro uso básico do poder, o de identificação, é amaneira mais positiva e útil de realizar a integração. Nes-se sentido, as unidades ou fatôres individuais aceitam umapremissa básica que é essencialmente integradora e a con-

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cebem não sõmente como algo que as beneficia no maiselevado grau, mas que também se constitui em interêsseda comunidade. (Vide Anexo 2, pág. 47)

Quando se trata de estimar e avaliar as possibilidades e"as repercussões da idéia de criação de emprêsas multina-cionais, teremos que considerar o processo de "realimen-tação" (feedback) em têrmos das respostas tanto nosníveis internos como nos externos da sociedade naAmérica Latina.

Primeiramente, no plano das respostas internas de cadapaís latino-americano seria necessário levar em conta asatitudes dos empresários, dos grupos sindicais, dos parti-dos políticos, talvez o papel dos militares, e finalmente,quiçá o mais importante, o papel e a atitude dos governose dos organismos governamentais.

No plano das respostas externas, seria necessário estimara resposta dos Estados Unidos, em função de sua comu-nidade empresária e em função de seu govêrno; a da Eu-ropa Ocidental e de seus grupos de interêsses e por último,a resposta dos países socialistas com relação a êsse pro-cesso. (Vide Anexo 3, pág. 48)

Os efeitos acumulados dessa resposta nos sugennam quena realidade, qualquer pessoa que tente avaliar ou pro-mover a criação de emprêsas multinacionais na AméricaLatina, deveria deter-se nos seguintes aspectos:

• a relação entre o govêrno e os setores empresariais;

• a relação do govêrno com o meio ambiente externo;

• as relações do meio externo com o meio empresáriolatino-americano. O efeito acumulado e o impacto dessatríplice relação a dois níveis provàvelmente determinaria- se não predeterminasse - o êxito ou o fracasso doesfôrço para criar emprêsas multinacionais na AméricaLatina com o propósito de utilizar esta fôrça econômicarecentemente criada no processo de integração.

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Um aspecto importante na avaliação da viabilidade e daaceitação das emprêsas multinacionais na América Latinaseria a consideração das recompensas eventuais que po-deriam ser utilizadas como incentivos para que as comu-nidades econômicas e empresárias criassem êsses tipos deemprêsa.

Existem diferenças consideráveis com relação às gratifi-cações, isto é, as recompensas num futuro previsível masmuito distante, que serão aceitáveis para as grandes uni-dades das companhias latino-americanas existentes, nocaso de ser aceita, em princípio, a idéia da criação de em-prêsas multinacionais no cenário latino-americano.

Para as pequenas emprêsas do hemisfério, a gratificaçãoposterior pode ser aceitável se as compensações forem su-ficientemente elevadas, líquidas, mas não muito distantes.

A gratificação futura não será aceitável para as pequenasemprêsas latino-americanas se as recompensas potenciaisforem remotas e muito longínquas, e os riscos atuais foremgrandes.

Por outro lado, a gratificação imediata é aceitável paratodos. Isto significa que a criação de empresas multina-cionais implicará em recompensas imediatas e elevadas,que se constituiriam em motivação excelente para que umgrande número de interêsses econômicos diversos aderisseao projeto.

A gratificação imediata pode não ser aceitável para algu-mas das grandes emprêsas latino-americanas, especialmen-te as que possuem fortes vínculos com o mercado inter-nacional, se tais gratificações imediatas não forem econô-micamente justificáveis ou sensatas para projetos a longoprazo.

Em nosso entender freqüentemente as grandes emprêsasnão são os "verdadeiros tubarões", com interêsses exclu-sivamente egoístas no cenário econômico internacional,mas constantemente atuam com grande cautela e expres-sam sua preocupação pelo futuro efeito boomereng das

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decisões vantajosas a curto prazo, que envolvem perigonum período mais longo. Mas é necessário admitir queem geral um aspecto importante, talvez o principal neste

. processo, seja a avaliação e apreciação adequada do fatorgratificação. (Vide Anexo 4, pág. 49)Consideremos em seguida algumas das hipóteses princi-pais concernentes ao estilo de oposição e os cursos de açãoalternativos que são prováveis ou que podem ser previstosno caso de se estabelecerem e começarem a funcionaremprêsas multinacionais.

Em primeiro lugar, reconhecemos como possível, mas nãomuito provável que se produza um ressentimento por par-te dos interêsses estrangeiros que podem chegar a opor-seao processo anterior. Nesse caso, a alternativa será a com-petição com as novas emprêsas multinacionais latino-ame-ricanas ou abandonar totalmente o mercado. (Vide Anexo5, pág. 50)Levando-se em consideração a estrutura e a natureza dosinterêsses financeiros estrangeiros na América Latina asperspectivas de que se retirem são muito pequenas, epode-se prever que se atirarão ao processo adotando umpadrão de elevada competição para com as emprêsas mul-tinacionais. Em segundo lugar, podemos considerar algunsproblemas específicos da competição. Dêsses, um seria otemor das companhias menores, via de regra geridas porpequenos empresários, de se verem envolvidas na rêde degigantescas operações. Nesse caso, ao pequeno empresá-rio resta a alternativa de ater-se a um competidor estran-geiro e adotar o mesmo tipo de atitudes de uma emprêsaestrangeira.

A seguir, poderia existir uma ausência de disposição porparte de algumas emprêsas grandes e pequenas na Amé-rica Latina para levar avante o projeto de emprêsas mul-tinacionais devido a considerações de natureza econômicapeculiares. Existirá aqui, pressão em prol de uma atitudeou resposta independente e de tipo mais nacionalista. Emfunção dêsses ressentimentos e respostas, o estilo da opo-

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siçao à idéia de criar emprêsas multinacionais consistirá,antes de tudo, em enfatizar a fraqueza do projeto comargumentos nacionalistas e hipernacionalistas que vãodesde as preocupações de cunho ideológico até as consi-derações econômicas mais pragmáticas. Tal tipo de atitu-de pode ser adotado tanto pelas grandes emprêsas comopelas pequenas que se oponham ao movimento de in-tegração.

Finalmente, outra forma de oposição seria tornar as exi-gências tão grandes que se tornariam inaceitáveis para ospotenciais participantes. Exemplos dessa atitude seriam:• Exagerar o custo da medida de integração e realçar ossacrifícios, isto é, sugerir que poderiam causar danos àeconomia nacional.• Dar destaque às possibilidades de fracasso e colocarem foco o porte e a intensidade da "punição" que poderiaresultar de uma iniciativa fracassada no campo da em-prêsa multinacional.De qualquer forma, o homem de negócio latino-america-no já é bastante cauteloso na consideração de novas ini-ciativas. Assim o segundo aspecto seria um dos fatôresmais importantes que trabalhariam contra a idéia, poden-do até impedir o processo de integração.O motivo que sustenta o anterior, ou seja, a oposição àintegração, deve ser minuciosamente estudado e analisa-do a fim de que se possa saber o que lhes opor quando fôrchegado o momento de concretizar o projeto de emprêsasmultinacionais.

Consideraremos agora os principais argumentos favoráveise contrários à criação de emprêsas multinacionais. Os co-mentários que seguem constituem simples reflexões sôbreo esbôço mais sistemático, encontrado no apêndice dêsteartigo. Antes de mais nada, vejamos as posições em con-trário. (Vide Anexo 6, pág. 51)No que diz respeito ao empresário latino-americano a opo-sição às emprêsas multinacionais poderia apoiar-se nosfundamentos seguintes:

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o processo pode ser encarado como propondo objetivosdistantes e pouco claros. Desta forma poderá questionarda utilidade de confiar em algo distante, de cuja proprie-dade participará apenas parcialmente, em oposição a umaemprêsa concreta que dirige e controla presentemente.Fator especialmente negativo a êste respeito é que, emgeral os dividendos minoritários são pequenos na AméricaLatina. Além do mais existe uma adesão, sentimental oureal, às pequenas emprêsas e às que atuam a nível re-gional ou nacional.

Estreitamente vinculado ao que acabamos de expor é odesejo de direção e contrôle pessoais, ao qual é particular-mente sensível o homem de emprêsa que se identifica como poder e com as possibilidades de exercer comando.

A maioria dessas características poderão ser percebidaspor um observador atento, sensível e capacitado para ava-liar os fatos e situações. Assim sendo, será possível com-pensar os possíveis efeitos negativos por trabalho de re-lações públicas e pela coleta de informações adequadas epertinentes. Outras questões, como as incertezas genera-lizadas quanto a dividendos e à posse de ações são pro-blemas mais difíceis de controlar. A êste respeito tecere-mos comentários ao longo do artigo.

A nível governamental continua sendo verdade que fre-qüentemente os problemas territoriais e as consideraçõespolíticas recebem atenção prioritária e suas soluções estãocondicionadas às preferências dos que manipulam as ala-vancas do processo político. Ao mesmo tempo é necessá-rio muito cuidado ao avaliar as idéias de vários governoslatino-americanos sôbre as emprêsas estrangeiras face àsemprêsas multinacionais. O que importa é distinguir entreestimativas reais e estimativas feitas com objetivos pro-pagandísticos.

Temos grandes suspeitas de que a maioria dos governoslatino-americanos inconscientemente, ou ao menos aco-bertadamente, aceitem e reconheçam o papel atual ou po-

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tencialmente benéfico, desempenhado pelas emprêsas es-trangeiras. Se tal é o caso, considerarão com muita cautelaa criação de emprêsas multinacionais e a situação poten-cialmente complexa que poderá surgir como conseqüên-cia do processo. Naturalmente se os governos tiverem queescolher entre as emprêsas estrangeiras existentes e as fu-turas e potenciais emprêsas multinacionais rivais, a nívelpropagandístico, pelo menos, optariam pela emprêsa mul-tinacional latino-americana, mas em têrmos pragmáticosoptariam pelas recompensas imediatas e atuais que resul-tam das grandes operações das emprêsas estrangeiras. Nãonos esqueçamos, entretanto, que, de acôrdo com as pro-babilidades, as grandes emprêsas existentes, isto é, as es-trangeiras, adotarão uma atitude de neutralidade ou atéfavorável com relação à criação de emprêsas multinacio-nais latino-americanas. Conseqüentemente, o resultadoserá uma posição oscilante por parte dos governos que con-siderarão prioritàriamente os seus próprios interêsses. Talnão significa que os governos latino-americanos não ve-nham a cooperar; acreditamos que o façam e de maneiraativa, se as recompensas forem elevadas; e provàvelmen-te cooperarão de qualquer maneira no plano da propa-ganda.

Poderíamos intercalar uma observação sôbre opinião mui-to difundida na América Latina a de que é mais valiosopossuir uma emprêsa situada no próprio país, e desta for-ma usufruir todos os benefícios decorrentes dessa presen-ça, do que contemplar os benefícios indiretos oriundos deacôrdos multilaterais entre vários países. Tentaremosexemplificar: se vier a se estabelecer uma indústria con-junta, resultado de investimentos chilenos, argentinos euruguaios, cuja fábrica principal esteja situada na Ar-gentina, mas com acôrdos de compensação especiais quebeneficiem os demais países participantes, os benefíciosdiretos que tal fábrica geraria (utilização de mão-de-obra,fatôres de ocupação e desocupação, etc.) acabariam porgerar a impressão de que as vantagens seriam grandespara a Argentina e muito menores para os demais paísesparticipantes.

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Mas em que outros setores importantes poderiam estabe-lecer-se emprêsas multinacionais, além do setor industrial?Um dêles seria o estabelecimento de estruturas bancáriascomuns, provàvelmente através de uma união latino-ame-ricana de pagamentos que seria uma das característicasessenciais de um tal acôrdo. Outro setor seria o de segu-ros, no qual também poderiam ser criadas emprêsas mul-tinacionais. As companhias de seguros latino-americanashabitualmente estão resseguradas por alguma grandeagência estrangeira (por exemplo, Lloyd's da Inglaterra)e seria possível inverter tal esquema, criando uma em-prêsa de seguros multinacional que absorveria o risco in-ternamente, exceto nas primas secundárias - que teriamde ser pagas a uma companhia de seguros estrangeira einvestidas num Holditig latino-americano de seguros quepor sua vez poderia também participar com empréstimos,especialmente para o setor da construção civil a fim desolucionar o problema habitacional.

Outro campo potencial poderia ser o estabelecimento deuma estrutura unificada para o mercado de ações em tôdaa América Latina.

Como é natural os mercados de ações latino-americanosdesfrutam forçosamente de menor influência, independên-cia e são menos ativos, enquanto organização de tipo eco-nômico ~ do que os seus similares dos Estados Unidos.Contudo, a vinculação com o mercado de ações de NovaIorque, para dar apenas um exemplo, e o estabelecimentoda "intercambialidade" entre os diversos mercados latino-americanos, poderia se constituir num primeiro passo emdireção à harmonização dos vários mercados de ações epara o estabelecimento da cooperação multinacional nestecampo. Poderiam também ser ampliados os acôrdos, exis-tentes sôbre os embarques (ALAMAR), bem como osacôrdos relativos ao turismo e ao transporte aéreo. Dadasas dificuldades que cercam os acôrdos sôbre linhas aéreasque se baseiam nos regulamentos da lATA, ao menos sepoderiam estabelecer coordenação e cooperação a nívelde ajuda técnica, horários e para a criação de uma linha

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mais sistemática de passageiros e fretes dentro dos diver-sos países latino-americanos.

Gostaríamos ainda de mencionar um aspecto cuja impor-tância freqüentemente se desconhece ou quando muitose subestima. Trata-se da atitude e do papel dos milita-res na medida em que se relacionam com o processo in-tegrador. Não é nosso propósito estendermo-nos sôbreêste assunto, mas simplesmente apontar alguns aspectospotencialmente negativos. Em nossa avaliação de algunsproblemas estratégicos importantes, por exemplo, o aço,que tem implicações para a defesa e ao mesmo temposerve como medida objetiva e subjetiva de poder e pres-tígio nacionais, os militares provàvelmente reagirão a ..,9uese entregue a exploração e o contrôle de tais atividadesa emprêsas multinacionais, preferindo manter o seu con-trôle em mãos nacionais, obviamente o próprio Estado.Isto se deveria ao fato de que o nacionalismo e as atitu-des nacionalistas dos militares colocariam a propriedadeinterna de tais tipos de indústria num nível prioritário,afastando para uma segunda e terceira alternativas a pro-priedade multinacional das mesmas.

Assim, em última instância, o resultado desta estimativa,forçosamente apressada e breve, é a impressão de que oprincipal apoio para a criação de emprêsas multinacio-nais na América Latina será encontrado na emprêsa deporte médio, ou seja, nas emprêsas que ocupam um papelintermediário entre a pequena emprêsa de tipo familiarou de um único proprietário e a grande emprêsa impes-soal, que provàvelmente se acha ligada por vínculos muitofortes com os interêsses estrangeiros - poucos dos quaisserão latino-americanos. Isto não significa que a integra-ção deva ignorar os outros dois tipos de emprêsas citados,ou seja, a pequena e a grande, mas implica simplesmenteem que os primeiros passos devam ser empreendidos anível da emprêsa de tamanho médio, especialmente nosetor industrial e também, com grande probabilidade emsetores como os seguros e a atividade bancária. Natural-mente será necessário uma pesquisa de campo bastante

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intensa e mais ampla para determinação dos possíveisfatôres determinantes e para a verificação de algumas dashipóteses avançadas durante esta breve estimativa.

o PAPEL DOS TÉCNICOS E DOS ADMINISTRADORES

A característica geral do desenvolvimento social, econô-mico e político é o fato de implicar na mudança que seinsere como fator em todo o sistema social, com rapideze grande intensidade. A mudança por si só é consideradaa chave do desenvolvimento e o instrumento para a cria-ção de uma sociedade moderna, com condições que re-flitam adequadamente a imagem do que se considere comomoderno. Essa imagem e essa realização de uma socie-dade e de um estilo de vida modernos têm uma conota-ção específica para uma parte dos atuais diretores doprocesso produtivo.

O grupo em que pensamos é o conglomerado de adminis-tradores e técnicos. São pessoas que detêm um monopó-lio definido sôbre certos tipos de conhecimento e habili-dades fundamentais para a execução de tarefas que cons-tituem os pré-requisitos básicos da modernização, do de-senvolvimento e da eficiência industrial. Nossa tese é quea utilização das potencialidades, das capacidades e o pêsosocial dêsse grupo de pessoas são absolutamente necessá-rios no processo de integração.

A elite técnico-administrativa moderna (de agora emdiante designaremos os membros dessa elite pelo nome detecnocratas, que de certa forma é um reflexo adequadoda posição social dessa nova aristocracia industrial) sepreocupou com a definição e em dar caráter principal-mente operacional a tudo o que parecesse moderno, nôvoe avançado. Sem dúvida ser moderno sugere estar na mo-da e possui atrativos, inclusive, emocionais para um tec-nocrata, pôsto que êle próprio de certa forma, é a encar-nação da mudança e da modernização. Êsse fato é plena-mente evidente num meio social e econômico de países

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que estão em processo de desenvolvimento, nosso caso, eo dos países da América Latina.

Tendo-se em conta a afirmação anterior, devemos com-preender que, embora o tecnocrata possa parecer o ele-mento-chave da modernização, sua definição e o conceitooperacional do que é moderno, reveste-se da maior impor-tância para todos os que estão envolvidos no processo deintegração.

o raciocínio básico é que se a modernização, como pro-cesso e como conceito, pode ser identificada com a inte-gração (também esta como conceito e como processo),então a "batalha pela mudança de mentalidade" está qua-se v.encida. Se a idéia de integração pudesse chegar a sersinônima do conceito de modernização, isto é, de eficiên-cia, crescimento e mudança, teríamos diante de nós umcatalizador importante dentro da sociedade que impulsio-naria certo curso de ação seguindo o caminho da raciona-lidade.

Que pretendemos com a afirmação anterior? Em têrmosgerais o atrativo da modernização indica uma preferênciageral pelo pensamento de tipo científico e o reconheci-mento total da importância da ciência, da tecnologia e daanálise sistemática numa sociedade moderna.

Naturalmente uma orientação generalizada, tendente àcultura técnico-científica (cientificismo), e o atrativo poressa cultura traz consigo o germen de um conflito crescen-te de valores no interior de vários grupos de uma socie-dade essencialmente tradicional. Freqüentemente os tec-nocratas da América Latina se encontram, nesse conflito,na posição mais avançada no que diz respeito às questõeseconômicas.

Na maioria das economias e das emprêsas em processo demodernização, seja ela rápida ou lenta, o tecnocrata julga,a partir de um senso crítico altamente desenvolvido, os

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impulsos e exemplos pragmáticos provenientes das naçõesmais desenvolvidas ou industrializadas do mundo. Aoavaliar um modêlo projetado de desenvolvimento, o pêsofundamental da avaliação repousará na percepção indi-vidual, enquanto na percepção da natureza e no métodode aplicação dos modelos projetados e nas vias de desen-volvimento residirá o fator decisivo que determinará suapreferência e, em última instância, suas decisões.

Desta maneira para promover a aceitação da idéia de in-tegração e para facilitar sua operacionalidade parece es-sencial que se apresente e se esboce a idéia e o processode integração para o tecnocrata como um modêlo de de-senvolvimento e de modernização e que se projete a idéiae o processo de integração como uma proposição de tipopragmático que implique em eficiência, potencialidade dedesenvolvimento e recompensas.

Para tanto deverão ser empregados meios objetivos e sub-jetivos de identificação e de projeção. Naturalmente da-das as limitações da realidade latino-americana o fatorsubjetivo será preponderante. Infelizmente os elementosexistentes capazes de sugerir fracassos ou sucessos em têr-mos de integração são ainda escassos. Por isso o tecnocra-ta terá que acreditar e supor que o processo de integraçãono futuro combinará os benefícios com um processo demodernização e conseguirá obter os primeiros através dosegundo. Só então, e sublinhamos a afirmação, o tecnocra-ta assumirá o papel considerado por nós fundamental quepoderá conduzir à integração latino-americana através dacriação de emprêsas multinacionais.

Dirijamos agora nossa atenção para os prováveis esque-mas de atitudes preferenciais que podem ser característi-cos do tecnocrata ao longo do processo de integração.

Podemos supor que a característica aplicável com maiorgeneralidade seja uma "orientação executiva" e um atra-tivo generalizado pela idéia e pela prática da moderniza-ção. Ma••além dessas generalizações é necessário reconhe-cer que quanto mais complicada fôr a estrutura sócio-eco-

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nômica e quanto mais prementes forem as exigências emprol da modernização, mais diversos serão os estímulos eas respostas dos indivíduos. A razão pela qual êsses pa-drões de atitude são importantes no processo de integra-ção é que pode fornecer-nos uma "orientação útil" paraabordar não só o problema da integração mas também oda criação de emprêsas multinacionais a um nível que re-presente o máximo de recompensas com um mínimo deriscos de fracasso.

Desejamos deixar claro que tememos a "vulgarização" doconceito de integração e suas repercussões para sua pró-pria realização. Não devemos esquecer o que sucedeu coma Reforma Agrária, tanto ao conceito como à sua imple-mentação na América Latina, onde todo mundo é a favorda Reforma, tanto a direita como a esquerda, e os indife-rentes. Todos a apoiam porque se transformou em verda-deira moda. Até certo ponto, o mesmo pode ser dito daintegração. Se alguém desejar estar na moda, deverá falarde integração e manifestar-se favorável a ela.

Sabemos perfeitamente, no entanto, que o necessário éque se aceite realmente, com inteligência e que haja umaidentificação consciente com o processo integrativo, sobre-tudo entre os tecnocratas.

Assim, enfatizamos os tipos de aceitação utilitário e deidentificação, ênfase que se insere no conceito mais amplode modernização e desenvolvimento. Nesse sentido ospoucos esquemas de atitude esboçados adiante nos servi-rão de pontos de partida aos quais poderemos nos atercom mais facilidade e dar atrativo à argumentação emprol da integração.O interêsse das pessoas que detêm em suas mãos o proces-so de desenvolvimento, isto é, os tecnocratas, por causada riqueza material em si e pela sua acumulação. Tal in-terêsse pela riqueza material constitui também uma ques-tão de percepção e de preferência individuais.

Do ponto de vista do interêsse pessoal do tecnocrata ariqueza material implicará tanto os aspectos pessoais da

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aquisição e desenvolvimento de símbolos de status, comoa determinação dos padrões e a medição na distribuiçãoda riqueza recentemente adquirida pela sociedade comoum todo. Para êles os padrões de riqueza material consti-tuem mais uma questão de interêsses criados, segundodois critérios: um para o que tem em suas mãos o proces-so econômico e outro para o próprio sistema integrado.

O interêsse do tecnocrata no futuro e as tarefas que é ne-cessário realizar. O desejo geral de identificar-se com ofuturo, como símbolo das "aspirações e a potencial exe-cução de tarefas", supõe uma percepção do "modêlo" quese projeta para êsse mesmo futuro. Isto implica em queos tecnocratas possuem uma imagem e uma preferênciacom relação ao modêlo de desenvolvimento e com relaçãoao futuro "moderno".

Por outro lado, coloca-se a questão de saber em que medi-da tal imagem do futuro é idealizada ou realista. As pre-ferências derivam de enunciados políticos, pragmáticos ede "côres" ideológicas intensas ou são objetivos específi-cos indicados como meio para facilitar ao mesmo tempo aaplicação e a aceitação políticas?

A "imagem do futuro" se altera e se diversifica à medidaque aumenta a especificidade devida à crescente comple-xidade das tarefas que é necessário desempenhar. À pro-porção que aumentam a especificidade e a complexidade,aumenta também a recompensa que será obtida pela so-lução de problemas específicos. Daqui decorre a necessi-dade crescente de uma orientação para a "solução de pro-blemas", atitude que não exclui necessàriamente as consi-derações ideológicas em favor de preferências e opçõespragmáticas.

É bem possível que as considerações ideológicas possamser ajustadas ainda num sistema ideológico de crençasque o englobem, sempre que haja suficiente flexibilidadeideológica para ajustar as modificações em têrmos da ima-gem em mutação do futuro e do conceito de ser moderno.Ao mesmo tempo a atitude de "solução de problemas"

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deve incluir a compreensão de que a racionalidade naadoção de decisões é limitada: as melhores decisões, viade regra, são as exeqüíveis.

A predisposição do tecnocrata para assumir riscos no cur-so da execução de suas tarefas. Aqui se coloca a questão deestabelecer se os tecnocratas são conscientes das limita-ções de sua ação e de suas possibilidades em têrmos deconsiderações políticas, assim como dos riscos, quer- pes-soais quer grupais, implícitos no esquecimento dessasmesmas limitações.

Cabe também perguntarmos se a disposição para assumirriscos se mede em função do indivíduo ou do sistema.

Existe algum ponto da ordenação integradora ou do de-senvolvimento no qual não se assuma nenhum risco, sejapela natureza do funcionamento do sistema, seja porqueo status social do tecnocrata é tal que se prevêm recom-pensas máximas através da adaptação de uma orientaçãotemporária ao status quo?

A disposição para assumir riscos também pode implicarna noção de projeção de riscos compartilhados pelo grupo,enquanto na realidade, trata de obviar riscos por meio desacrifícios que afetam primordialmente os "outros", isto é,às massas ou a certos grupos da sociedade.

Também se faz necessário considerar os efeitos das recom-pensas tanto em têrmos de status como no campo econô-mico. Se os riscos são interpretados em função de sacri-fícios, freqüentemente, a falta de imediatas recompensasperceptíveis pode sugerir que existe uma hierarquia demeios e fins, e que é preferível optar-se por uma gratifica-ção postergada.

É ainda possível que os tecnocratas não estejam interes-sados nas recompensas econômicas imediatas, pois essasvirão de qualquer forma, numa proporção maior de quepara o conjunto da sociedade, uma vez que o que maislhes importa é o status e sua posição na vida pública.

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o interêsse do tecnocrata pela tecnologia e por suas apli-cações e aperfeiçoamentos. Parece igualmente importante.0 fato de que os tecnocratas estejam interessados no papelreal e potencial que a tecnologia desempenhará no proces-so de desenvolvimento e que estejam igualmente cons-cientes dêsse papel. A tecnologia pode ser considerada, emtêrmos de sua influência sócio-econômica, como um ins-trumento, ou como um guia do processo de modernização.O atrativo da integração como possibilidade de facilitar aadoção de inovações tecnológicas poderá desfrutar degrande importância.

A atitude aberta do tecnocrata às novas idéias e à suaaceitação. A idéia anterior implica na aceitação da discre-pância dentro do sistema, assim como da necessidade demediação e de uma espécie de "forum de. debates" para aresolução de conflitos no interior da sociedade.

A modernização e o processo de industrialização contri-buem para criar uma ordenação social div~rsa que se ba-seia em valores e status sociais novos. Por outro lado, asnoções de moderação e de "mentalidade aberta" não sãonecessàriamente características concomitantes do fenôme-no do desenvolvimento. Se a "moderação" significa apenasque alguém deve adquirir o hábito de realizar freqüentesadaptações de menor importância e não mudanças bruscase violentas pelo impacto, as "tendências do momento", ouesporàdicamente, com o tempo, e dado um mínimo de es-tabilidade política, o desenvolvimento e a integração noplano econômico poderão permitir o aparecimento dos re-feridos hábitos. Mas ao mesmo tempo, existem os proble-mas-tabus da sociedade, problemas identificados tão pro-fundamente com os dogmas operacionais da ideologia queestão simplesmente além de tôda consideração no que dizrespeito à mudança. Um dêsses problemas-tabus poderiaser o nacionalismo latente de muitos tecnocratas suposta-mente pragmáticos e seus preconceitos latentes para comoutras nações latino-americanas,'

1) Os estudos recentes destacam que pràticamente todo país latino-ame-ricano tem um vizinho que é "um agressor mais fraco". Como exem-

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A disposição do tecnocrata de trabalhar àrduamente ede cooperar com os outros em seu ambiente. A noção deque o trabalho árduo e a capacidade de cooperar são re-quisitos característicos implica em que os tecnocratastenham que se ocupar do ambiente em sua totalidade,incluindo as subculturas, tendo de adotar uma atitude demediação, imbuídos de grande senso pragmático e dis-posição para aceitar e compreender os "desvios" econômi-cos e sociais.

O trabalho árduo é por si mesmo um compromisso deexecução de tarefas e de paciência; mas, por outro lado,pôsto que os tecnocratas também se convertem em atôrespolíticos, ao longo do processo de integração, o fator êxitonão pode ser menosprezado. A realimentação política deveser engendrada, vez por outra, pelo êxito e pela aceitaçãono âmbito político.

A capacidade e a disposição do tecnocrata para fazer umaanálise dos fenômenos complexos. As características ante-riores supõem a presença de uma consciência básica dacomplexidade, ou seja, de que o processo de integraçãoproduz fenômenos complexos que por sua vez, criam obs-táculos imprevistos e imprevisíveis, exigindo uma possívelrevisão total das preferências e das práticas, noção quesugere, a negação dos esquemas e modelos de ação sim-plistas. .

Quanto mais característica do tecnocrata se faz a atitudede solução de' problemas, maior será a importância queassumem os temas específicos face à contemplação dosobjetivos gerais. De outra feita, é concebível que mesmoos temas específicos e a atitude de solução de problemas,em certa medida, serão determinados por consideraçõesmarcadas pelos ditames de uma orientação ideológica epelas necessidades da política pragmática.

plos, citaríamos no caso do Chile, a Bolívia; para o Peru seria oEquador, etc., para todos existe a imagem de "vizinho agressor forte".Na verdade tal imagem constituí um quadro patético do nacionalismodo século XIX combinado com tendências agressivas destinadas a dis-trair a atenção dos problemas sócio-políticos urgentes.

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Após ter identificado o tecnocrata como um elemento im-portante, enquanto catalizador no processo de integraçãoe de mudança e desenvolvimento tecnológico, passaremosàs observações sôbre pressões e barreiras potenciais aoideal prático da integração que terão de enfrentar o tec-nocrata e o empresário.

As pressões que favorecem a integração são:

• o declínio gradativo das alternativas;

• a incidência das pressões tanto políticas como sociais;

• a tentativa de escapar ao isolamento dentro do meioambiente.

o primeiro fator, ou seja, o declínio gradativo das alterna-tivas em face das perspectivas e das necessidades de inte-gração, parece igualmente significativo e eficaz tanto parao tecnocrata como para o empresário. Contudo de umponto de vista estritamente técnico, o tecnocrata estarámais predisposto a considerar a integração de maneira fa-vorável, e numa etapa anterior ao processo, do que o em-presário. Isso sugere que o tecnocrata possivelmente ade-rirá à idéia da integração e a considerará como umanecessidade objetiva bem antes que o empresário o faça.

No que diz respeito ao segundo ponto devemos reconhe-cer que o manejo hábil das políticas governamentaisfavoráveis podem estimular tanto o técnico como o empre-sário para que considerem a integração como uma alter-nativa pragmática.

Essas políticas governamentais que devem incluir medi-das sôbre os impostos e até sôbre a aplicação de políticassuperficiais e sutilmente coercitivas no setor econômicopodem criar uma pressão política que ajude a formaçãode um vínculo entre o próprio interêsse, a necessidade deprogresso e a ação comum. Evidentemente trata-se deuma zona na qual caminhamos sôbre uma fina camada degêlo e com bases inseguras, pôsto que em muitos casos osestímulos governamentais não podem ser antecipados e as

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ações e políticas que se podem prever seriam, precisamen-te de natureza negativa.

O terceiro ponto se refere às pressões, tanto sociais, comoeconômicas e políticas que podem surgir para um determi-nado país e para sua economia se vários países avançaremcom maior velocidade em seu processo integrativo. Por-tanto, se um ou alguns países latino-americanos ficarematrás dos demais no que respeita ao desenvolvimento eco-nômico, e se êsse desenvolvimento fôr obtido graças à in-tegração, poderemos ter como certo que os países que per-maneceram atrasados com relação aos demais do hemis-fério por não se terem integrado, experimentarão fortetendência para aderirem ao processo. Tal se dará especial-mente quando se criar a imagem do "obscurantismo"internacional e da estagnação interna que funcionarãocomo argumentos poderosos tanto parao tecnocrata comopara o empresário. Para fugir à sensação de "obscurantis-mo" e ao esquecimento internacionais por meio da inte-gração, será necessário que o próprio processo integrató-rio seja colocado de maneira a deter monopólio sôbre asolução de problemas relacionados com a situação real.

Com relação a alguns dos obstáculos que é necessário con-siderar gostaríamos de sublinhar três em especial:

• a falta de conhecimento sôbre as alternativas para odesenvolvimento nacional;

• a perspectiva de descontinuidade nos sistemas sociais;

• a perspectiva de "oposição subjetiva".

Sôbre o primeiro dos obstáculos, ou seja, a falta de conhe-cimentos sôbre as alternativas, geralmente se expressa emfunção dos seguintes padrões de atitude: há um grau pe-queno, quase desprezível, de ignorância e falta de conhe-cimento no "sentido absoluto", o que significa que amaioria dos tecnocratas e empresários têm conhecimentoda integraçao, chegando talvez até a conhecer minuciosa-mente no que consiste e que objetivos se propõe, mas nãochegam a um entendimento da racionalidade do processo,

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não chegando, conseqüentemente, a identificar-se com ofenômeno da integração.

Todavia, generaliza-se a ignorância sôbre os pormenoresda integração, resultado da ausência de identificação e deadesão ao processo. Por isso toma-se difícil nessa etapainicial do processo especificar detalhes a respeito de possí-veis recompensas sem penetrar no perigoso campo da con-jectura e da criação de um efeito em cadeia que é o "cres-cimento de expectativas". Parece-nos, contudo que a faltade pormenores obstacularizará grandemente a identifica-ção de empresários, tecnocratas, homens de govêrno, etc.,com a idéia de integração.

O segundo aspecto, relativo à descontinuidade nos siste-mas sociais, exprime o temor de perder a segurança, aspráticas e identificações tradicionais por algo que ainda éindefinido, na melhor das hipóteses, ou mesmo utópicooptarmos por uma posição de maior pessimismo.

Naturalmente, tôda a questão se relaciona com nossasconsiderações sôbre a percepção das alternativas. Os te-mas específicos a que aludimos sob o nome de "oposiçãosubjetiva" incluem uma série de problemas relativos àpsicologia social do tecnocrata e ao comportamento doempresário. Uma característica fundamental freqüentenos empresários latino-americanos é sua falta de disposi-ção para que atuem verdadeiramente como "latinos", nosentido de que suas orientações psicológico-culturais e so-ciais não estejam dirigidas para um ambiente alheio àAmérica Latina. Via de regra, seus pontos de referênciaestão na Europa e nos Estados Unidos, sendo talvez a úni-ca expressão digna de nota a du moderno empresáriobrasileiro.

Essa falta de disposições para ser latino produz comumen-te um grande bloqueio nas comunicações entre os próprioslatino-americanos. Como conseqüencia dêsse bloqueio sãoretardados os esforços para que se inicie a reflexão sôbreos problemas da indústria latino-americana como umtodo.

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Um segundo elemento da oposição subjetiva é a ausênciade compreensão sôbre a natureza exata do processo deintegração, particularmente por parte dos empresários.Tal falta é, em parte, a causa de uma educação falha etambém de deficiência nas atividades de Relações Públi-cas por parte dos organismos internacionais que têm a seucuidado a tarefa de realização das funções de esclareci-mento e de fornecimento de informações.

A percepção conseqüentemente se vincula à formulaçãode opiniões baseadas em duas fontes principais de impul-sos, ou seja, a utilização de dados que são essencialmentesecundários, isto é, que são transmitidos por outros, e pelaformação de imagens por meio de estereótipos. O proble-ma se agrava ainda mais pelo fato de que uma pessoa sópode receber e absorver uma determinada quantidade dedados. Como estereótipo, a integração ainda se apresentacomo um conceito indefinido e um pouco idealizado. Por-tanto, onde deve ser realizado o trabalho mais intenso éjustamente no campo da comunicação direta que incluitanto indivíduos como instituições.

Finalmente, devemos mencionar nessa categoria o quechamaríamos de fenômeno de "capitalismo de objetivos"que se apresentam em muitos países da América Latinaonde os empresários locais entendem suas atividades eco-nômicas simplesmente como uma espécie de operação detipo bolding. Acabam por se proporem objetivos monetá-rios específicos sem uma visão de desenvolvimento a lon-go prazo fator que, supomos, provoca, juntamente com ainstabilidade política a fuga de capitais da América La-tina para as contas numeradas dos bancos suiços e ao re-fúgio seguro que são as inversões em ações de sociedadesanônimas norte-americanas. Aqui temos outro aspecto noqual a integração da América Latina não apenas pode darconfiança e uma sensação de segurança, mas também mo-dificar de maneira significativa as atitudes e as maneirasde pensar sôbre o sistema econômico e social como umtodo.

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Com objetivos de abrir o debate e a reflexão gostaríamosde anexar a esta observação final algumas idéias expres-sas por DONALDP. KIRCHERsôbre o que êle mesmo de-signou de emprêsas "transnacionais". Sua proposição con-siste na apresentação de modêlo ideal de emprêsa trens-nacional ideal, no sentido de que incorporaria tôdas ascaracterísticas ótimas de um empreendimento multi-nacional.

Segundo Kircher, a versão idealizada de uma emprêsamultinacional se caracterizaria pelos seguintes fatôres:

1.0) seria propriedade de acionistas de vários países;

2.°) seria administrada por cidadãos de vários países;

3.°) seria dirigida por um executivo acostumado a consi-derar o mundo como uma unidade econômica (emnossa opinião, a condição mais importante);

4.°) praticaria a diversificação tanto em seus produtoscomo em seus campos de interêsse, sem sacrificar,todavia, os princípios e interêsses unificadores quesão responsáveis e necessários à manutenção dosvínculos organizacionais. Assim, a organização ante-rior seria propriedade de grupos multinacionais etambém controlada por êsses mesmos grupos. Atéque ponto o modêlo de Kircher se fundamenta noexemplo das grandes emprêsas transnacionais exis-tentes na Europa Ocidental e nos Estados Unidos,(Royal Dutch Shell, Unilever, Phillips, Nestlé, Sin-ger, etc.) é uma questão diversa.

Pode-se discutir em que medida tal modêlo poderia seraplicado na América Latina e como solução ao problemada integração latino-americana, mas ao menos em nossaopinião os fatôres segundo, terceiro e quarto são pertinen-tes, em nossas considerações a respeito da América Latina.

Ao mesmo tempo talvez compense resumir de maneirarápida alguns dos fatôres econômicos que criam obstá-culos para o estabelecimento de tais emprêsas multinacio-

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nais. Sem nos adentrarmos em cada ponto específico, gos-taríamos de indicar que atribuímos a todos igual impor-tância.

Os obstáculos seriam:

• a incompatibilidade entre as leis tributárias nacionaise a criação de tal tipo de emprêsa;

• o estado caótico das leis sôbre sociedades anônimas;

• as atrasadas práticas contábeis predominantes nas em-prêsas latino-americanas;

• a inexistência de um sistema verdadeiramente interna-cional de intercâmbio de títulos; e finalmente,

• as políticas econômicas de tendências nacionalistas.

No que diz respeito às leis sôbre propriedade de títulos, aprimeira consideração que deve ser feita é que freqüen-temente se torna impossível para os cidadãos de um paíslatino-americano possuir títulos estrangeiros em condiçõesde paridade com os nacionais, fator que se agrava aindamais pela falta de um sistema internacional de bôlsas devalores - observe-se que as leis locais sôbre sociedadesanônimas apresentam outro obstáculo, pois a prática tri-butária que pressupõe a dependência de rendas obtidaslocalmente criam um ordenamento complexo no qual adeterminação das práticas tributárias para uma emprêsamultinacional aumenta de maneira gigantesca.

As normas contábeis que asseguram a confiança fiscal eos problemas monetários que surgem da praga inflacioná-ria e da instabilidade cambial são apenas alguns dos pro-blemas que compõe a sombria cadeia de obstáculos.

CONCLUSÕES

Anteriormente procuramos abordar problemas que são es-pecíficos na aparência, mas de grandes conseqüências noque diz respeito às suas implicações e ao seu alcance. Con-tudo, temos a sensação de que o exame do papel e da na-

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tureza da emprêsa multinacional, da atitude do tecnocra-ta, e de seu papel potencial na integração deixou sem res-posta a principal questão, talvez a fundamental: a que serefere à relação entre o desenvolvimento econômico, amudança político-social e o progresso de integração.

Sem sermos severos com os economistas seria necessáriodirigir-lhes algumas palavras de cautela e admoestá-los.Acreditamos que os economistas se preocupam em dema-sia com a glorificação do aspecto técnico do desenvolvi-mento econômico e da integração, a qual para nós é umproblema sócio-político, incluindo naturalmente tambémaspectos econômicos.

Mas, se menosprezarmos o fato de que a integração daAmérica Latina tem de ser um fenômeno político, pode-mo-nos ver conduzidos ao perigoso jôgo de contrapor aspropostas de desenvolvimento econômico às propostas demudança político-social no hemisfério.

Acreditamos que o desenvolvimento econômico por si sócarece de sentido se não fôr acompanhado de mudançasna estrutura institucional da sociedade e não se manifes-tar nas atitudes e nos valores dos indivíduos dessa mes-ma sociedade.

A história recente de alguns dos países mais importantesda América Latina pode servir de triste exemplo de umalição aprendida demasiadamente tarde. Na verdade, assoluções aos males do hemisfério freqüentemente pode-riam ser exclusivamente econômicas nas suas manifesta-ções, mas as decisões a respeito de como e quando elimi-nar tais males são e continuarão sendo de natureza polí-tica. Passar por cima do fato só servirá para engendrar adesesperança e a frustração em todos os trabalhos pelarealização de um hemisfério integrado.

Já se observou que originàriamente foram os grupos polí-ticos responsáveis pela tomada de decisões e os governosda América Latina, os que deram o impulso inicial à idéiade integração. Portanto, quando os técnicos e os empresá-

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rios aceitaram o papel de promotores da idéia e do pro-cesso, os governos caíram numa atitude de neutralidade,passividade e, muitas vêzes, até de hostilidade.

Em que medida isso resulta de causas objetivas e em quemedida são meramente reflexos da natureza da sociedadee do processo político continuam sendo objeto de con-jecturas.

Mas acreditamos que existe uma responsabilidade básicade que se descuidou ou à qual, por vêzes, abdicaram osempresários e os técnicos: influir na opinião pública esôbre os que tomam decisões políticas reafirmando suasposições.

O empresário não usou de sua influência interna para,pressionar, nem o técnico ofereceu alternativas atraentese aceitáveis de um ponto de vista político, a partir daidéia de integração. Por isso não há alternativas, a nãoser que a integração apareça como um processo linear,onde a falta de imaginação e de iniciativas criadoras po-derão converter-se no sepulcro da integração latino-ame-ricana.

Em nossa opinião a classe média já perdeu, em seu con-junto, a oportunidade de ser a fôrça dirigente da reformasócio-política na América Latina. Se agora dentro dessaclasse os empresários e os técnicos também renunciaremàs suas responsabilidades frente à integração, devemosestar preparados para o prosseguimento da anarquia socialda esquerda ou da farsa política da direita.

Nesse contexto devemos compreender que embora o sig-nificado específico da integração possa diferir de grupopara outro e de indivíduo para indivíduo, há alguns com-ponentes básicos que podem acentuar o que se poderiachamar de sentido de solidariedade o sentido mínimo deidentificação. Êsses componentes surgem sob o aspecto doplanejamento, da racionalização e da necessidade de re-formas.

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A integração deve significar tôdas e cada uma dessas coi-sas, sempre que aceitemos a premissa de que a integra-ção é também um processo de reforma da sociedade comoum todo incluindo as atitudes e valores das pessoas emparticular, conteúdo e o estilo da vida política.

Por outro lado, já é tempo de os técnicos e empresáriosexigirem do Estado e dos que tomam as decisões políticasque alcancem o nível de eficiência que se quer dos setoresprivados.

As reformas estruturais devem começar no setor público,e justamente porque os que acatam as decisões políticastambém sabem que êsse é um requisito fundamental paraa integração, e por ser do ponto de vista político uma pro-posta explosiva, tendem a opor-se abertamente à realiza-ção de tais necessidades.

Em política o fator êxito depende da habilidade paraexercer influências e da compreensão da necessidade docompromisso. Mas "os espectadores" não podem exercerinfluência nem ter a possibilidade de realizar compromis-sos. Tal argumento deveria ser suficiente para levar o téc-nico e o empresário à "esfera ativa" da participação po-lítica.

Mas, em última instância, nem o técnico, nem o empresá-rio, nem o político, nem os argumentos de ordem econô-mica, social ou política, bastariam por si só para realizara integração. É a interação concentrada e coordenada detodos êsses fatôres que se deve cristalizar através do con-flito e de sua solução, para formação do ambiente e cria-ção de condições objetivas de integração.

E seja-nos permitida a colocação da pergunta formuladapor O. HENRY, aos que aderem à intepretação puramen-te econômica, como aos partidários da interpretação pu-ramente política do processo de integração: "A estatís-tica é mais bela do que um poema?" admitamos que tudodepende do ponto de vista e dos objetivos de cada um.

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ANEXO ~

Uso básico do poder e da manipulação de interêss'es na integração. Con-sulte também o livro de AMITAI ETZIONI, PoliticaJ Unification, Nova Iorque,

sou. Rinehart and Winston, Inc., 1965.

SISTEMA~

IDENTIFICATIVO •••

COERCITIVO •••

UTlLlTÁRIO

EXISTÊNCIADE UMA RELAÇÃOCURVILíNEA (quan-to maior fôr a apli-cação do podersôbre um determi-nado nível, menorserá o grau de uni-ficação obtido, per-manecendo cons-tantes os demaisfatôres).

EXISTÊNCIADE UMA TENDÊN-CIA POSITIVA PA-RA A INTEGRA-çÃO.

CONSTITUI A ME-LHOR ALTERNATI-VA.

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IRAZÕES DA RESPOSTA IAceitação Recusa

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