aspectos modernos da_divisao_celular_amabis

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T EMAS DE B IOLOGIA ATUALIDADES B IOLÓGICAS N ÚMERO 8 ABRIL DE 1998 EDITORA MODERNA * Professor do Departamento de Biologia do Instituto de Biociências da Universidade de São Paulo ASPECTOS MODERNOS DA DIVISÃO CELULAR J. M. Amabis* e G. R. Martho Desenho de uma célula embrionária de salamandra previamente fixada e corada, feito pelo citologista pio- neiro Walther Flemming em 1882. A célula encontra- se em estágio final de anáfase. A DESCOBERTA DA DIVISÃO CELULAR A célula foi pioneiramente descrita por Robert Hooke, em 1665, mas seu estudo só ganhou impulso após a elabo- ração da Teoria Celular por Schleiden e Schwann, em 1838 e 1839. Segundo essa teoria, todos os seres vivos são cons- tituídos por células, as unidades básicas da vida. No início do século XIX, diversos pesquisadores já haviam observado células divididas ao meio, aparente- mente em processo de originar células menores. Seria essa divisão uma aberração ou um processo normal na vida das células? Com base na observação microscópica de células fixadas, alguns estudiosos sugeriram que a divisão celular seria a maneira pela qual têm origem todas as células dos organismos multicelulares. As pesquisas revelavam cada vez mais casos de células em divisão. Em 1855, o influente citologista Rudolf Virchow expressou sua convicção de que as células sempre têm origem a partir de células preexistentes. Como era norma na época utilizar a língua latina em textos científicos, Virchow resumiu sua idéia na frase que se tornou célebre: omnis cellula e cellula (toda célula provém de outra célula). O conceito de que as células surgem pela divisão de células preexistentes também teve seus opositores, entre eles, curiosamente, Theodor Schwann. Ele acreditava que as células surgiam espontaneamente pela aglutinação de substâncias orgânicas presentes no corpo dos seres vivos. O desenvolvimento de microscópios mais poderosos e de técnicas citológicas mais adequadas possibilitou gran- des avanços nas pesquisas sobre divisão celular. Em 1873, o zoólogo A. Schneider, em um amplo estudo anatômico sobre o verme platelminto Mesostoma, publicou a primeira descrição razoável das alterações que ocorrem em uma célula que se divide em duas. Tanto Schneider como outros pesquisadores notaram o aparecimento de filamentos (que hoje sabemos ser os cromossomos) no núcleo das células em divisão. Aparentemente, esses filamentos eram repar- tidos entre as células-filhas. Um dos grandes desafios foi provar que os filamentos observados não eram simples “artefatos de técnica”, isto é, estruturas artificialmente cria- das pelos tratamentos aos quais as células são submetidas para permitir sua observação (fixação, corte, coloração etc.). Em 1882, o citologista Walther Flemming finalmente comprovou a formação de filamentos nucleares (cromos- somos) em células vivas que se dividiam, e propôs o termo mitose para designar a divisão celular. Mitose vem do grego mitos , que significa fio, referindo-se ao aparecimento de filamentos no núcleo de células em divisão. Esses fila- mentos foram denominados cromossomos pelo citologista W. Waldeyer, em 1888. M itose é um processo de divisão celular pelo qual uma célula eucariótica origina duas células- filhas, cada uma com número de cromossomos idêntico ao seu. A extraordinária precisão da mitose garante que cada célula-filha receba todas as informações genéticas necessárias à sua vida. No final da década de 1980 ficou claro que os mecanismos moleculares básicos da mitose são fundamentalmente os mesmos em todos os seres eucarióticos. Assim, o estudo desses mecanismos é de grande importância porque eles se referem a uma ampla variedade de seres vivos. A seguir apresentamos alguns conhecimentos obtidos em pesquisas recentes, que explicam por que a mitose assegura, com altíssimo grau de sucesso, a distribuição eqüitatitiva das informações hereditárias ao longo das gerações celulares.

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Page 1: Aspectos modernos da_divisao_celular_amabis

ATUALIDADES BIOLÓGICAS 1

������ ��� ����ATUALIDADES BIOLÓGICAS

NÚMERO 8 ABRIL DE 1998 EDITORA MODERNA

* Professor do Departamento de Biologia do Instituto de Biociências da Universidade de São Paulo

ASPECTOS MODERNOS DA DIVISÃO CELULARJ. M. Amabis* e G. R. Martho

Desenho de uma célula embrionária de salamandrapreviamente fixada e corada, feito pelo citologista pio-neiro Walther Flemming em 1882. A célula encontra-se em estágio final de anáfase.

A DESCOBERTA DA DIVISÃO CELULAR

A célula foi pioneiramente descrita por Robert Hooke,em 1665, mas seu estudo só ganhou impulso após a elabo-ração da Teoria Celular por Schleiden e Schwann, em 1838e 1839. Segundo essa teoria, todos os seres vivos são cons-tituídos por células, as unidades básicas da vida.

No início do século XIX, diversos pesquisadores jáhaviam observado células divididas ao meio, aparente-mente em processo de originar células menores. Seria essadivisão uma aberração ou um processo normal na vida dascélulas? Com base na observação microscópica de célulasfixadas, alguns estudiosos sugeriram que a divisão celularseria a maneira pela qual têm origem todas as células dosorganismos multicelulares.

As pesquisas revelavam cada vez mais casos de célulasem divisão. Em 1855, o influente citologista Rudolf Virchowexpressou sua convicção de que as células sempre têmorigem a partir de células preexistentes. Como era norma naépoca utilizar a língua latina em textos científicos, Virchowresumiu sua idéia na frase que se tornou célebre: omniscellula e cellula (toda célula provém de outra célula).

O conceito de que as células surgem pela divisão decélulas preexistentes também teve seus opositores, entreeles, curiosamente, Theodor Schwann. Ele acreditava queas células surgiam espontaneamente pela aglutinação desubstâncias orgânicas presentes no corpo dos seres vivos.

O desenvolvimento de microscópios mais poderosos ede técnicas citológicas mais adequadas possibilitou gran-des avanços nas pesquisas sobre divisão celular. Em 1873,o zoólogo A. Schneider, em um amplo estudo anatômicosobre o verme platelminto Mesostoma, publicou a primeiradescrição razoável das alterações que ocorrem em umacélula que se divide em duas. Tanto Schneider como outros

pesquisadores notaram o aparecimento de filamentos (quehoje sabemos ser os cromossomos) no núcleo das célulasem divisão. Aparentemente, esses filamentos eram repar-tidos entre as células-filhas. Um dos grandes desafios foiprovar que os filamentos observados não eram simples“artefatos de técnica”, isto é, estruturas artificialmente cria-das pelos tratamentos aos quais as células são submetidaspara permitir sua observação (fixação, corte, coloração etc.).

Em 1882, o citologista Walther Flemming finalmentecomprovou a formação de filamentos nucleares (cromos-somos) em células vivas que se dividiam, e propôs o termomitose para designar a divisão celular. Mitose vem do gregomitos, que significa fio, referindo-se ao aparecimento defilamentos no núcleo de células em divisão. Esses fila-mentos foram denominados cromossomos pelo citologistaW. Waldeyer, em 1888.

Mitose é um processo de divisão celular pelo qual uma célula eucariótica origina duas células-filhas, cada uma com número de cromossomos idêntico ao seu. A extraordinária precisãoda mitose garante que cada célula-filha receba todas as informações genéticas necessárias

à sua vida. No final da década de 1980 ficou claro que os mecanismos moleculares básicos da mitosesão fundamentalmente os mesmos em todos os seres eucarióticos. Assim, o estudo desses mecanismosé de grande importância porque eles se referem a uma ampla variedade de seres vivos. A seguirapresentamos alguns conhecimentos obtidos em pesquisas recentes, que explicam por que a mitoseassegura, com altíssimo grau de sucesso, a distribuição eqüitatitiva das informações hereditárias aolongo das gerações celulares.

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2 ATUALIDADES BIOLÓGICAS

Encurtamentodas fibras

cromossômicas

Cromossomos-irmãosmigrando para pólos

opostos

Centro celularFibras do fusoem formação

Nucléolo emdesaparecimento

Cromossomosduplicados emcondensação

PRÓFASE

Fusoacromático

Fibrascromossômicas

Cromossomos condensadosalinhados no equador

(placa metafásica)

Cromátides-irmãs

Fragmentos dacarioteca

METÁFASE

ANÁFASE

Cromossomossimples em

descondensação

Divisãocitoplasmática

(citocinese)

Reorganizaçãoda carioteca

Reaparecimentodos nucléolos

TELÓFASE

AS FASES DA MITOSE

Prófase

Metáfase

Anáfase

Telófase

Apesar de a mitose ser um processo contínuo, é possíveldividi-la em fases, o que facilita seu estudo. As fases damitose são: prófase, metáfase, anáfase e telófase. Algunsautores sugerem uma fase intermediária entre a prófase e ametáfase, a prometáfase.

Durante a prófase, os finíssimos fios que compõem acromatina — os cromossomos — vão se condensandono interior do núcleo, tornando-se mais visíveis e indivi-dualizados. Nessa fase, cada cromossomo é constituídopor dois fios idênticos (cromátides) unidos por uma regiãochamada centrômero.

A progressiva condensação cromossômica acarretadiminuição na produção das substâncias que compõem osnucléolos, os quais vão gradualmente desaparecendo.

Ao final da prófase, a carioteca (membrana nuclear)desintegra-se. Os cromossomos, já bastante condensados,espalham-se na região central do citoplasma.

No decorrer da prófase, os centros celulares vão seafastando, dando origem a um complexo conjunto de fibrasdenominado fuso acromático.

Na metáfase, cada cromossomo liga-se a fibras do fusoprovenientes de pólos opostos (fibras cromossômicas). Essaligação ocorre na região do centrômero cromossômico. Atensão nas fibras de pólos opostos faz com que os cromos-somos permaneçam temporariamente estacionados na re-gião equatorial da célula, formando a placa metafásica.

Na anáfase, os centrômeros se dividem e as cromátides-irmãs se separam. O encurtamento gradual das fibras cro-mossômicas arrasta as cromátides-irmãs em sentidosopostos, até os pólos do fuso acromático.

Na telófase, os cromossomos, já em pólos opostos dacélula, descondensam-se e voltam a produzir nucléolos.Cada conjunto cromossômico é envolvido por uma novacarioteca, organizada a partir dos fragmentos da cariotecaoriginal. Surgem, assim, dois núcleos-filhos com conjuntosidênticos de cromossomos.

Após a formação dos núcleos-filhos (cariocinese), ocorrea divisão do citoplasma, fenômeno denominado citocinese.

À esquerda, de cima para baixo, seqüência das fasesda mitose. Os desenhos coloridos apresentam deta-lhes descobertos com o emprego da microscopia ele-trônica e da citoquímica. Nos quadros, desenhos fei-tos em 1882 por Walther Flemming, que representamcélulas vivas de salamandra em processo de divisão.

Carioteca

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ATUALIDADES BIOLÓGICAS 3

Ciclo celular é o período compreendido entre a origemde uma célula, por divisão de uma célula preexistente, e suasubseqüente divisão em duas células-filhas, que repetirão ociclo. Evidentemente, nem todas as células cumprem intei-ramente esse ciclo de vida. Há células que nunca se divi-dem (por exemplo, nossas células musculares e nervosas) eoutras que podem morrer acidentalmente antes de se dividir.

O intervalo do ciclo celular em que a célula não está sedividindo é a intérfase. Para os primeiros citologistas, aintérfase parecia ser um período de pouca atividade, secomparado à mitose. Isso porque os estudos sobre a célula,no princípio, eram basicamente centrados na observaçãomicroscópica. Mais recentemente, os estudos bioquímicose citoquímicos mostraram que a intérfase é um período deintensa atividade metabólica, durante o qual as célulasfabricam todas as substâncias de que necessitam. É tambémdurante a intérfase que a célula duplica seus cromossomos,preparando-se para a divisão celular.

Em sua descrição da mitose, Walther Flemming desta-cou o fato de que os cromossomos já se apresentam duplica-dos no início da prófase. Estudos recentes realizados comsubstâncias radiativas mostraram que a duplicação dos

cromossomos ocorre em uma etapa particular da intérfase,geralmente algumas horas antes do início da mitose. Essaetapa é denominada fase S (abreviatura da palavra inglesasynthesis, síntese), porque nela ocorre a síntese de DNA. Aetapa da intérfase que antecede a fase S é chamada fase G1,e a que a sucede, fase G2. A abreviatura G provém doinglês gap, que significa intervalo.

A duração do ciclo celular varia nos diferentes tipos decélula. Nos primeiros estágios da vida de um embrião huma-no, por exemplo, a intérfase das células embrionárias écurtíssima, e praticamente não apresenta as fases G1 e G2.Assim que a mitose termina, as células recém-formadasduplicam imediatamente seus cromossomos e iniciam novamitose. A fase S é também muito curta, uma vez que oDNA, principal componente dos cromossomos, duplica-semuito rapidamente nas células embrionárias.

Uma pessoa adulta tem células com diferentes ciclos ce-lulares. Por exemplo, as células presentes na camada germi-nativa de nossa epiderme dividem-se constantemente, pro-duzindo sempre novas células epidérmicas para substituir asque morrem. O mesmo ocorre nas células que revesteminternamente nosso tubo digestivo. Já as células musculares enervosas nunca se dividem, permanecendo estacionadas emuma fase do ciclo celular chamada G0 (zero).

O CICLO CELULAR

Duplicação docentro celular

Duplicação doscromossomos

Início da separaçãodos centros

celulares

Formação dofuso acromático

PRÓFASE

METÁFASE

ANÁFASETELÓFASE

MITOSE(30 minutos)

G1(9 horas)

S(10 horas)

Centro celularcom centríolos

Núcleo

Divisãocitoplasmática

(citocinese)

Separação doscromossomos

Ligação doscromossomos

ao fuso

G2(4,5 horas)

Condensação doscromossomos

Descondensaçãodos cromossomos

INTÉRFASE

Esquema do ciclo celular. Emboraocupe mais de metade do esquema,a mitose representa apenas 30 minu-tos em um ciclo celular de 24 horas,no qual G1 dura 9 horas, S dura 10horas e G2 dura 4 horas e 30 minu-tos, aproximadamente.

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4 ATUALIDADES BIOLÓGICAS

Esquema que mostra os principais níveis da estruturados cromossomos de células eucarióticas.

Cromossomometafásico

CONDENSAÇÃO DOCROMONEMA

(dois enrolamentossucessivos)

Cromonema(filamento

cromossômicobásico)

30 nm

Esqueletoprotéico

Cromátide

700 nm

300 nm

Nucleossomos

DNA Glóbulo dehistona

2 nm

Enrolamento helicoidaldos nucleossomos

Até o começo do século XX, não se sabia se os cromos-somos surgiam apenas durante a divisão celular ou se jáexistiam anteriormente na célula. As pesquisas mostraramque, apesar de não poderem ser observados como entidadesindividualizadas durante a intérfase, os cromossomos estãopresentes em todo o ciclo celular. Ocorre que, na intérfase,cada cromossomo encontra-se na forma de um fio muitolongo e fino, sendo impossível observá-lo individualmenteao microscópio. Os cromossomos interfásicos compõem umemaranhado filamentoso, que foi denominado cromatinapelos primeiros estudiosos.

Um cromossomo é constituído por uma longa moléculade DNA enrolada, a espaços regulares, em torno de glóbulosde certos tipos de proteína, as histonas. Cada glóbulo dehistona com o segmento de DNA enrolado sobre si é umnucleossomo, a unidade básica do cromossomo.

A CONDENSAÇÃO DOS CROMOSSOMOS

O FUSO ACROMÁTICO

Na mitose, cada uma das células-filhas deve receberum conjunto cromossômico idêntico ao existente na célula-mãe. A distribuição correta dos cromossomos nas divisõescelulares é garantida pelo fuso acromático, estrutura cons-tituída por microtúbulos protéicos e que se forma durantea prófase, desaparecendo ao fim da telófase.

Microtúbulos são estruturas tubulares, com cerca de24 nm de diâmetro, constituídos por moléculas da proteínatubulina. Um microtúbulo é uma estrutura dinâmica, quepode crescer ou encurtar rapidamente por adição (polimeri-zação) ou perda (despolimerização) de moléculas de tubu-lina, preferencialmente em uma das extremidades, identifi-cada pelo sinal +.

O citoplasma da célula interfásica contém uma vastarede de microtúbulos que, juntamente com outros compo-nentes fibrosos de natureza protéica, constituem o cito-esqueleto, responsável pela sustentação e pela manuten-ção da forma da célula. As extremidades - dos microtúbu-los do citoesqueleto convergem para uma região especia-lizada do citoplasma, localizada perto do núcleo e deno-minada centrossomo. É a partir do centrossomo que osmicrotúbulos começam a se formar, crescendo sempre nosentido - —> +.

Na maioria das células animais há um par de centríolosno centrossomo. Cada centríolo é uma estrutura cilíndrica,formada por nove feixes de três microtúbulos dispostoscilindricamente. Não há centríolos em células de plantasfanerógamas (gimnospermas e angiospermas).

Nucleossomos vizinhos associam-se formando uma es-trutura helicoidal, semelhante a um fio telefônico, comaproximadamente 30 nm (nanometro = 10- 9 mm) de espes-sura. Esse fio espiralado, por sua vez, associa-se a umcomponente protéico, o esqueleto cromossômico, consti-tuindo o filamento cromossômico básico, ou cromonema,com cerca de 300 nm de espessura.

Durante a divisão celular, o cromonema sofre dois enro-lamentos helicoidais sucessivos, de modo que ao final daprófase, quando a carioteca se fragmenta em inúmeras pe-quenas bolsas, o comprimento dos cromossomos está muitoreduzido, o que facilita a separação das cromátides para ascélulas-filhas.

A condensação dos cromossomos durante a divisão ce-lular leva à inativação temporária dos genes, uma vez queo DNA é incapaz de transcrever RNA quando compactado.Conseqüentemente, deixa de ser produzido RNA ribossô-mico, o qual, juntamente com proteínas, constitui onucléolo. No decorrer da prófase, portanto, os nucléolosvão progressivamente desaparecendo.

Na telófase ocorre descondensação dos cromossomos, oque os traz de volta à atividade; assim, os nucléolos reapare-cem. As bolsas resultantes da fragmentação da cariotecaagregam-se em torno dos cromossomos e fundem-se entre si,reconstituindo as cariotecas dos núcleos-filhos.

Microtúbulos

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ATUALIDADES BIOLÓGICAS 5

Acima, desenho de uma célula animal em início deprófase. Os centrossomos, duplicados na intérfase,estão se afastando e dando origem aos microtúbu-los do fuso. Cada centrossomo contém um par decentríolos e é envolvido por um conjunto de microtúbu-los curtos, que constituem o áster.

Centríolos Feixes de trêsmicrotúbulos

Centrossomocom centríolos

Fibras do fusoacromático em

formação

Núcleo

Citoplasma

Fibras doáster

150 nm

400 nm

Um dos sinais de que a célula vai se dividir é a dupli-cação do centrossomo. Isso ocorre ainda na fase G1, poucoantes do início da fase S. Em células animais, os centríolospresentes no centrossomo duplicam-se, originandocentríolos-filhos, que terminam de se formar na fase S. Nafase G2 cada um dos centrossomos já possui dois pares decentríolos completos.

O fuso acromático começa a surgir na prófase, quandoos microtúbulos do citoesqueleto se desorganizam e asmoléculas de tubulina por eles liberadas são utilizadas naformação dos microtúbulos do fuso. A desintegração docitoesqueleto durante a divisão celular faz com que a célulaperca seu aspecto característico e assuma forma esférica.

Os microtúbulos do fuso formam-se a partir de cada umdos centrossomos, irradiando em todas as direções, comoos espinhos de um ouriço-do-mar. Os centrossomos afas-tam-se progressivamente um do outro, provavelmente em-purrados pelos microtúbulos que se formam entre eles.

Os centrossomos atingem pólos opostos da célula aofinal da prófase, quando se completa o fuso. Este é umaestrutura dinâmica, e seus microtúbulos estão em processoconstante de crescimento e desintegração. A alta capaci-dade que os microtúbulos têm de formarem-se e desman-

charem-se com rapidez é o que lhes permite capturar oscromossomos, após a fragmentação da carioteca.

Nas extremidades do fuso acromático, em células ani-mais, há um conjunto de microtúbulos que irradiam emdireção à superfície celular, formando o áster. Células deplantas fanerógamas não possuem centríolos nem áster emtorno de seus centrossomos.

Microtúbulos que crescem a partir de um centrossomo,em direção à região central (equador) da célula, associam-se a microtúbulos que crescem do pólo oposto, originandouma estrutura fibrosa em forma de fuso, abaulada no equa-dor e afilada nos pólos. Esses são os microtúbulos polares,também chamados fibras polares.

Além dos microtúbulos do áster e dos microtúbulos po-lares, o fuso contém ainda os microtúbulos cromossô-micos, ou fibras cromossômicas, que vão dos centrosso-mos aos centrômeros dos cromossomos.

Formação do fuso

Protofilamento

Dímero detubulina(unidade

estrutural)

8 nm

24 nm

Extremidade +

Extremidade -

Adiçãode

tubulina

Dímeroslivres detubulina

À esquerda, esquema de um microtúbulo e das uni-dades que o constituem (dímeros de tubulina). À direi-ta, esquema de um microtúbulo em processo de cresci-mento pela adição de tubulina na extremidade +.

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6 ATUALIDADES BIOLÓGICAS

MP

MC

Centrossomocom centríolos

Região deinteração dos MP

+

+

+

--

-

MA

Microtúbuloscromossômicos

Centrômero

Cinetócoros dascromátides-irmãs

Cromátides-irmãs

À esquerda, esquema do fuso acromático. Há três tipos de microtúbulo no fuso: do áster (MA, em azul), polares (MP,em vermelho) e cromossômicos (MC, em preto). As extremidades - dos microtúbulos convergem para os centros-somos. Em células animais, cada centrossomo contém um par de centríolos. À direita, esquema de um cromossomometafásico ligado ao fuso pelos cinetócoros do centrômero.

+

-

em direção a um ou a outro pólo da célula, antes de fi-nalmente estacionarem na região equatorial, constituindoa placa metafásica.

O que faz os cromossomos alinharem-se no equador dacélula? Como já vimos, há alta chance de um cromossomoser “fisgado” por fibras provenientes de pólos opostos.Segundo as recentes descobertas, a força exercida por umafibra cromossômica sobre o cinetócoro é diretamenteproporcional ao comprimento da fibra, isto é, quanto maisperto um cromossomo estiver de um pólo, menor será aforça com que ele é puxado. A tendência, portanto, é queos cromossomos estacionem na região equatorial da célula,onde as forças que puxam seus cinetócoros em direção apólos opostos se equivalem.

A formação da placa metafásica, com ligação corretade todos os cromossomos às fibras do fuso, é crucial para oprosseguimento da divisão celular. Somente quando todosos cromossomos estiverem ligados a ambos os pólos, comtensões equivalentes nas fibras cromossômicas opostas, éque será dado o sinal para que a divisão tenha prosse-guimento. Esse mecanismo impede que a mitose continueem caso de erros de ligação dos cromossomos ao fuso.

Algumas substâncias de origem vegetal, como acolchicina, a vimblastina e o taxol, interferem na formaçãodo fuso acromático e, dependendo da concentração, podembloquear a divisão celular. A colchicina, por exemplo, com-bina-se especificamente com os dímeros de tubulina, des-polimerizando os microtúbulos. Conseqüentemente, célulasem divisão tratadas com colchicina ficam estacionadas emmetáfase. Recentemente, algumas dessas substâncias vemsendo usadas no tratamento de câncer, uma vez que inibema rápida divisão característica das células tumorais.

As cromátides-irmãs de um cromossomo duplicadoencontram-se unidas por uma região altamente especia-lizada denominada centrômero. No centrômero de cadacromátide evidencia-se, no fim da prófase, uma estruturaem forma de disco chamada cinetócoro. Na superfícieexterna desse disco ligam-se as extremidades + de fibrascromossômicas, cujas extremidades opostas (-) convergempara um dos centrossomos.

No fim da prófase, a carioteca se fragmenta e os cromos-somos espalham-se no citoplasma. Se a extremidade + deum microtúbulo atingir o cinetócoro de um cromossomo,ela se prende a ele. Microtúbulos que não encontram cine-tócoros diminuem de tamanho pela desagregação de tu-bulina e mais tarde crescem novamente. Assim, graças aoseu crescimento dinâmico, os microtúbulos agem comopescadores jogando o anzol (a extremidade +) no citoplas-ma onde estão os cromossomos. Um microtúbulo, ao“fisgar” um cinetócoro, torna-se mais estável e mantémpreso o cromossomo.

Quando o cinetócoro de uma cromátide prende-se amicrotúbulos provenientes de um dos pólos, a cromátide-irmã acaba por ficar com seu cinetócoro voltado para opólo oposto, tendo grande probabilidade de se prender amicrotúbulos provenientes dele.

União dos cromossomos ao fuso

Os antigos citologistas já haviam observado que, nofim da prófase, após a ruptura da carioteca, os cromos-somos executam movimentos oscilatórios, movendo-se

Formação da placa metafásica

-

+

Page 7: Aspectos modernos da_divisao_celular_amabis

ATUALIDADES BIOLÓGICAS 7

Há evidências de que as cromátides-irmãs de um cro-mossomo estão unidas na região do centrômero por pro-teínas especiais. Quando todos os cromossomos estão ali-nhados na placa metafásica e, portanto, corretamente liga-dos aos pólos do fuso, as proteínas que unem centrômeros-irmãos são degradadas, e as cromátides-irmãs separam-sesimultaneamente em todos os cromossomos da célula.

Com a divisão do centrômero, as cromátides-irmãs,agora chamadas cromossomos-irmãos, começam a migrarpara pólos opostos. Dentre as hipóteses aventadas paraexplicar a migração dos cromossomos na anáfase, uma queganhou destaque foi a do deslizamento das fibras cromos-sômicas sobre as fibras polares do fuso acromático. Resul-tados experimentais recentes, no entanto, mostram que amigração dos cromossomos se dá pelo encurtamento dosmicrotúbulos cromossômicos devido à despolimerizaçãoem suas extremidades +.

Contribui também para a separação dos cromossomos-irmãos o alongamento do fuso, causado pelo crescimentodas fibras polares provenientes de centrossomos opostos.

Migração dos cromossomospara os pólos

A migração dos cromossomos para os pólos da célu-la, na anáfase, decorre principalmente do encurta-mento dos microtúbulos que compõem a fibra cromos-sômica. Os microtúbulos encurtam devido à liberaçãode tubulina (despolimerização), preferencialmente naextremidade +, ligada ao cinetócoro.

Acima, esquema da captura dos cromossomos pelosmicrotúbulos cinetocóricos. (A) Captura de um dos cine-tócoros. (B) Captura do cinetócoro oposto. (C) Equilíbriode tensões nas fibras cromossômicas, com formação daplaca metafásica. (D) Separação dos centrômeros eencurtamento das fibras cromossômicas na anáfase.

BIBLIOGRAFIA

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MOORE, J.A. Science as a way of knowing — Genetics.American Zoologist, San Francisco, 26: 583-747, 1986.

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NASMYTH, K. Viewpoint: putting the cell cycle in order.Science, 274: 1643-1645, 1996.

Extremidade +

Microtúbulocromossômico

Para ocentrossomo

Liberação deunidades de

tubulina

Cinetócoro

Sentido demigração docromossomo

Cromossomo

A B C D

Crecimento dosmicrotúbulos

cromossômicos

Fibrascromossômicas

Placametafásica

Encurtamentodas fibras

cromossômicas