aspectos históricos, fisiológicos e antroposóficos do leite na alimentação humana.pdf

Upload: alexandre-funcia

Post on 10-Jan-2016

220 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

  • 5IMdica antroposfica, nutrloga,

    docente de sade coletiva na Faculdade

    de Cincias da Sade e Ecologia

    Humana (FASEH), Belo Horizonte MGIINutricionista com formao em sade

    pblica, nutrio clnica, materno-infantil

    e antroposofia na rea da sade. Ncleo

    de Medicina Antroposfica Universidade

    Federal de So Paulo Escola Paulista de

    Medicina.

    Endereo para correspondncia:

    Iracema A. Benevides

    [email protected]

    Palavras-chave: Nutrio em sade

    pblica; leite humano; substitutos do

    leite humano; lactao; antroposofia;

    medicina integrativa.

    Key words: Public health nutrition; human

    milk; breast-milk substitutes; lactation;

    anthroposophy; integrative medicine.

    Aspectos histricos, fisiolgicos e antroposficos do leite na alimentao humana: uma introduo ao tema

    Historic, physiologic and anthroposophic aspects of milk in human nutrition: an introduction to the issue

    Iracema de Almeida Benevides,I Andria VeigaII

    RESUMOO leite de vaca um alimento amplamente consumido pelas populaes humanas

    de todo o mundo h milhares de anos e o leite humano o alimento fundamen-

    tal para o desenvolvimento saudvel da criana. A literatura cientfica tem dado

    grande destaque ao estudo desses alimentos e apontado muitas contradies nos

    resultados no que tange a relao favorvel ou desfavorvel do leite de vaca no

    desenvolvimento de doenas crnicas. O tema foi abordado por Rudolf Steiner em

    algumas conferncias mdicas em que estabeleceu correlaes do ponto de vista da

    cincia antroposfica. O artigo descreve os resultados iniciais de uma pesquisa so-

    bre o leite em trs fontes: na literatura geral, na literatura acadmica e na literatura

    antroposfica com o objetivo de alcanar uma compreenso ampliada do assunto

    considerando vrias fontes de informao.

    ABSTRACTCows milk is widely consumed by human populations around the world for thousands

    of years and human milk is considered essential food for healthy child development.

    The scientific literature has given great emphasis to their study and pointed out many

    contradictions in the results related to cows milk favorable or unfavorable role to the

    development of chronic diseases. The topic was addressed by Rudolf Steiner in some

    medical conferences that established correlations from the point of view of anthropo-

    sophic science. This paper describes the initial results of a research about milk in three

    sources: general, academic and anthroposophic literature with the objective of achiev-

    ing a broader understanding about the issue considering all sources.

    Artigo de reviso | Review

    Arte Mdica Ampliada Arte Mdica Ampliada Vol. 34 | N. 1 | Janeiro / Fevereiro / Maro de 2014

    Arte Md Ampl. 2014; 34(1): 5-12.

    Arte_Mdica_Ampliada_34-1(7).indd 5 04/05/14 16:49

  • 6O presente artigo o resultado de uma proposta me-todolgica desenvolvida para o estudo de questes que instigam a prtica clnica dos profissionais de sade na atualidade, com nfase na alimentao, consi-derando a atuao baseada nos conhecimentos ampliados pela antroposofia.

    O leite foi escolhido como o primeiro tema para desen-volvimento dos estudos por ser, por um lado, o primeiro ali-mento do ser humano e por outro, tambm um alimento consumido em altas quantidades em todas as demais fases da vida. O uso do leite de vaca e seus derivados ocupam atu-almente o centro de muitos debates e estudos sobre sua im-plicao na preveno de doenas crnicas como o diabetes, a obesidade e tambm o cncer ou, opostamente, sobre sua contribuio para a gnese e manuteno dessas doenas.1-11

    Em publicao elaborada de maneira conjunta com a m-dica Ita Wegman, Rudolf Steiner ressaltou que a pesquisa da cincia espiritual no busca contrapor-se ou ignorar os resul-tados da pesquisa cientfica de cunho acadmico da atualida-de, mas sim ampliar seus horizontes para alm do elemento puramente fsico, permitindo a compreenso dos aspectos que afetam a natureza completa do ser humano, considerado como portador tambm de uma organizao vital, anmica e espiritual. Essas dimenses no podem ser acessadas e inves-tigadas com os mtodos das cincias naturais na atualidade, puramente focados no elemento sensvel.12

    Os resultados do presente estudo foram obtidos por uma pesquisa integrativa em trs principais fontes na literatura geral, nas bases de dados virtuais e na literatura antroposfica, complementada por reflexes e debates entre as pesquisadoras.

    A METODOLOGIA DO ESTUDO

    A primeira etapa do estudo envolveu a escolha do tema, que foi motivada, como descrito anteriormente, pela sua grande relevncia no cotidiano de muitos pacientes que procuram atendimento nutrolgico e nutricional, sendo tambm objeto de estudos epidemiolgicos de grande interesse e impacto cientfico no presente.

    A segunda etapa compreendeu a definio da metodo-logia para a realizao da pesquisa. Considerando as limita-es da reviso de carter integrativo (no sistemtica) e a grande polaridade entre as duas literaturas que se desejava contrastar, a literatura acadmica e a literatura antroposfica, definiu-se pela incluso, nas fontes de pesquisa, das refern-cias sobre o tema presentes tambm na literatura geral em cincias humanas (antropologia, histria, artes, letras), alm da observao de imagens e debates sobre o tema como re-cursos que possibilitassem a formao de representaes e a integrao entre as duas fontes principais de estudo.

    A consulta literatura cientfica acadmica foi feita Biblioteca Virtual da Sade e Pubmed, utilizando-se os descritores em portugus e em ingls. Foram selecio-

    nados 98 artigos em lngua inglesa, a partir da leitura do resumo e a identificao de sua relevncia em relao pergunta central do estudo.Desses, de 57 foram obtidos pelas pesquisadoras e lidos integralmente. Essa literatura foi complementada com textos tcnicos da rea de nutri-o e nutrologia.

    O levantamento da literatura antroposfica pertinente ao tema foi feito nas bibliotecas pessoais das autoras e tambm na Associao Brasileira de Medicina Antroposfica. Nessa eta-pa foram identificados 12 livros e trs apostilas teis ao estudo.

    A pesquisa na literatura geral buscou referncias sobre o leite na histria do desenvolvimento humano, nas artes e na mitologia, compreendendo um total de aproximadamente dez captulos em diferentes livros.

    O trabalho foi desenvolvido de acordo com as seguintes etapas: 1) leitura e sistematizao dos resultados sobre o leite nos textos e captulos de livro acadmicos; 2) leitura e sistematizao dos resultados sobre o leite nos textos antro-posficos selecionados; 3) leituras sobre o tema em fontes diversas: literatura, antropologia, mitologia, histria e artes; 4) observao de imagens e reflexo continuada em busca de correlaes entre o que foi estudado e observado; 5) re-dao dos resultados.

    Considera-se que a compreenso de determinados resul-tados da cincia acadmica luz do conhecimento antropos-fico possa contribuir numa melhor abordagem dos problemas de sade dos pacientes. O objetivo principal da metodologia possibilitar o alcance de uma compreenso mais ampliada so-bre o tema, que integre as duas dimenses principais da pes-quisa: a literatura cientfica acadmica e as referncias sobre o tema encontradas na literatura antroposfica. A literatura em cincias humanas mostrou ser uma importante fonte de complementao aos estudos, possibilitando a integrao das informaes obtidas nas fontes principais.

    RESULTADOS

    O leite na histria, na mitologia e nas artesO uso do leite de mamferos na alimentao humana parece retroceder aos primrdios da humanidade, ao perodo me-soltico, h aproximadamente dez mil anos, quando surgi-ram as primeiras comunidades no nmades, com domnio do fogo, do cultivo da terra e da domesticao de animais. Alm do uso do leite de vaca, a histria registra o uso do leite de jumentas, camelas, cabras, ovelhas, guas, renas, lhamas, iaques e bfalas.14,15

    A Bblia cita o leite j no livro do Gnesis e o povo judeu an-dava em busca da terra prometida, na qual jorravam o leite e o mel.13,14,16 Por sua vez, egpcios, fencios, assrios e babilnicos o utilizavam em seus rituais religiosos13 mas no em suas prepa-raes culinrias.14 O leite de cabra teria sido o mais apreciado na antiga Grcia e em Roma, sendo citado pelo poeta Virglio.

    Aspectos histricos, fisiolgicos e antroposficos do leite na alimentao humana: uma introduo ao tema

    Arte Md Ampl. 2014; 34(1): 5-12.

    Arte_Mdica_Ampliada_34-1(7).indd 6 04/05/14 16:49

  • 7So tambm abundantes os registros histricos e literrios da utilizao dos derivados do leite na antiguidade: leite acidifi-cado, coalhada, iogurte, queijo e manteiga.14,15

    O leite aparece representado em muitas lendas e na mi-tologia humana relacionada ao comeo da vida. Talvez a mais conhecida seja a histria do surgimento de Roma e dos gmeos Rmulo e Remo, amamentados e educados pela loba Capitolina (Fig. 1).17 Mas essa seria posterior lenda da cabra Amalteia, que alimentou Jpiter e ao surgimento da Via Lctea a partir de um jato de leite do seio de Juno, que amamentava Hrcules.14,17 Uma lenda norueguesa conta sobre a vaca Audhumla, surgida do gelo (talvez numa referncia aos perodos glaciais da Terra), de cujas tetas jorravam rios de leite. Esse era o alimento de Ymer, a primeira criatura da face da Terra, uma espcie de Ado nrdi-co.1 Uma verso da cosmogonia hindu relata a existncia de um mar de leite que foi transformado por chicotadas em manteiga, sendo essa o primeiro alimento humano.18

    minino, a fertilidade, a nutrio, o ciclo lunar e a agricultura. Um dos trabalhos artsticos mais antigos a ressaltarem a re-lao do feminino com a fertilidade a pequena esttua da Vnus de Willendorf (Fig. 3), encontrada em escavaes na ustria em 1908 e que remonta ao perodo paleoltico (24 mil anos a.C.).17 Em Roma, leite era oferecido deusa Bona Dea, smbolo da fertilidade e da pureza. rtemis ou Artemsia, deusa grega da caa, da lua, da castidade e do nascimento,

    Devido ao seu carter de alimento primordial, o leite pos-sui uma forte associao simblica com a vitalidade, a fora para o crescimento e a longevidade caractersticas pre-sentes nas plantas. Em muitas culturas era considerado um alimento sagrado, divino, celeste. A figura de um rei egpcio amamentado pela deusa sis na forma de rvore, represen-tada na tumba de Tutms III, um exemplo dessa relao do leite com o mundo vegetal, portador da capacidade de reproduo e regenerao (Fig. 2).18

    Nas artes e na literatura verifica-se uma associao do leite com a beleza feminina, com o amor romntico e com a cosmtica. A ninfa Galateia era admirada pela sua pele alva como o leite.14 Diversos poetas enalteceram a pureza e a be-leza do seio amado e a lenda, no confirmada historicamen-te, conta que Clepatra banhava-se em leite para conservar os encantos e a juventude.

    Sendo um produto das glndulas mamrias, encontra-se, com grande frequncia, uma associao entre o leite, o fe-

    Figura 1. Loba capitolina. Imagem em domnio pblico, disponvel em .

    Figura 2. Isis amamentando rei egpcio. Imagem em domnio pbli-co, disponvel em .

    Figura 3. Vnus de Willendorf. Imagem em domnio pblico, dispon-vel em .

    Benevides IA, Veiga A

    Arte Md Ampl. 2014; 34(1): 5-12.

    Arte_Mdica_Ampliada_34-1(7).indd 7 04/05/14 16:49

  • 8era frequentemente representada como uma jovem caado-ra, mas a simbologia da fertilidade e da reproduo ficaram mais destacadas na esttua preservada do templo em feso, Turquia, em que aparece como que vestida por uma tnica coberta por seios e criaturas da natureza (Fig. 4).17

    Nas catacumbas romanas conhecidas como Catacumbas de Priscilla, encontrou-se o que se acredita ser, na forma de afresco em mal estado de conservao, uma das representa-es mais antigas da Virgem Maria amamentando a criana sagrada. Destaca-se a presena de uma rvore na cena e do profeta Balao, podendo ser considerados de smbolos de vitalidade e sabedoria (Fig. 5).

    A ATMOSFERA DA ANTIGA LUA E DA LEMRIA

    Burkhard relaciona o leite atmosfera descrita por Steiner relativa ao perodo da evoluo denominado na cosmoviso antroposfica como antiga Lua.13 Essa referncia nos reme-teu a tais estudos. Na obra A cincia oculta, Steiner descreve detalhadamente sua concepo sobre a evoluo do cosmo e do ser humano. Segundo o filsofo, o que hoje vive como leite na fisiologia humana e animal pode ser comparado a uma lembrana de perodos evolutivos muito antigos e no perceptveis do ponto de vista do materialismo histrico.19

    Durante a terceira etapa de evoluo do cosmo deno-minado por Steiner de perodo lunar, o elemento lquido misturava-se ao calor e ao ar e formava uma substncia espessa, cheia de vida, na qual os elementos mineral-ve-getal, vegetal-animal e o ser humano de ento estavam entrelaados e fluam num vapor espesso ou mar viscoso, refletindo a luz externa do sol e vibrando de acordo com os sons das esferas csmicas. O ser humano respirava e nutria-se dessa atmosfera, que lhe trazia sensaes de pra-zer ou desprazer, se o estmulo era percebido como benfi-co ou nocivo. Nesse perodo evolutivo, por no possuir um corpo anmico interiorizado, o ser humano guardava unidos dentro de si os princpios do feminino e do masculino e sua conscincia correspondia a um estado de sono, com forma-o de imagens.19

    Um trecho de A cincia oculta traduz e sintetiza o estado de vida e conscincia que os seres humanos possuam nes-se perodo evolutivo e sua relao com as hierarquias: Esse conjunto de corpo astral e corpo etrico era como um de-licado e maravilhoso instrumento musical em cujas cordas ressoavam os mistrios do Universo.19

    Essa mesma atmosfera lctea teria se repetido em um perodo da evoluo da formao da Terra atual, co-nhecido como Lemria. Entretanto, uma srie de eventos evolutivos relacionados ao elemento ferro provocaram a precipitao dessa atmosfera turva e fizeram surgir um cosmo permeado por claridade e pela leveza do ar. Tam-bm o ser humano passou por uma grande transforma-o e desenvolveu um corpo mais denso, sujeito ao do tempo e diferenciado em masculino e feminino. Todas essas condies novas que surgiram aps o estado de vida adormecido, trouxeram a vida anmica para o interior do ser humano e lhe permitiram exercitar suas faculdades de conscincia e o pensar racional.19

    Figura 4. Artemsia. Imagem em domnio pblico, disponvel em .

    Figura 5. Catacumbas de Priscilla. Imagem em domnio pblico, dis-ponvel em .

    Aspectos histricos, fisiolgicos e antroposficos do leite na alimentao humana: uma introduo ao tema

    Arte Md Ampl. 2014; 34(1): 5-12.

    Arte_Mdica_Ampliada_34-1(7).indd 8 04/05/14 16:49

  • 9A FORMAO DAS GLNDULAS MAMRIAS E FISIOLOGIA DA LACTAO NO SER hUMANO

    As glndulas mamrias so formadas, em ambos os sexos, no incio da quinta semana da embriognese a partir de um es-pessamento do ectoderma ventral que invagina-se no tecido mesenquimal formando faixas bilaterais dispostas desde as axilas at a regio plvica (cristas lcteas). Posteriormente, ocorre a reabsoro dessas cristas, permanecendo apenas, na embriognese humana fisiolgica, um par torcico. Entre a oitava e dcima segunda semana ocorrem os processos de brotamento, ramificao e canalizao. No final da gestao ocorre, internamente, a formao do parnquima mamrio, com alvolos e lbulos, e externamente as modificaes da arola e da papila.20

    Com o incio da puberdade ocorre, nas meninas, a es-timulao estrognica ovariana que leva ao crescimento do tecido glandular mamrio e deposio de tecido adiposo ao seu redor, gerando a formao da mama feminina. Em condies habituais, durante o desenvolvimento da gesta-o que as mamas completam seu amadurecimento e ficam aptas secreo do leite. Da mesma forma (em condies habituais), a produo do leite pelos alvolos mamrios ini-cia-se aps o parto e a retirada da placenta. um processo que depende essencialmente da secreo de prolactina pela adeno-hipfise (ou pituitria) e que se mantm por meca-nismos de feedback, estimulado principalmente pela suco do beb. Esse complexo mecanismo neuroendcrino depen-de tambm da secreo de hormnio do crescimento, insuli-na e corticosteroides adrenais e do paratormnio.21,22

    O PAPEL DA OCITOCINA NA LACTAO E NA VIDA AFETIVA E SOCIAL

    Alm da secreo do leite pelos alvolos, participa da lac-tao um segundo e igualmente importante processo hor-monal estimulado pela suco, entre outros, mediado pela ocitocina. Esta atua nas clulas mioepiteliais que circundam os alvolos, lbulos e lobos e provocam o fenmeno conhe-cido como descida do leite, que a sua ejeo atravs do sistema ductal.20-22

    A ocitocina secretada pela adeno-hipfise posterior e por regies do hipotlamo e quarto ventrculo.21 Inicialmente ficou conhecida como um neuropeptdio que desempenha impor-tante papel na contrao do tero, atuando no final da gesta-o e no trabalho de parto.21,22 Entretanto, um grande volume de pesquisas em neurocincias conduzidas nas ltimas duas dcadas tem identificado que a ocitocina desempenha um pa-pel muito mais amplo na vida afetiva e social dos mamferos e dos seres humanos, parecendo favorecer a convivncia em grupo, a formao de casais e o cuidado com a famlia. Sua estimulao se daria por mecanismos sensoriais (visuais, au-ditivos, sonoros, tteis) e cognitivos muito diversos.23-26

    A FENOMENOLOGIA DE GOEThE: A IMAGEM DE UMA RVORE LCTEA

    Steiner indicou a fenomenologia de Goethe como um im-portante recurso a ser aplicado ao estudo da natureza e dos seres vivos para possibilitar a compreenso das dimen-ses suprassensveis desses.27 Aplicando apenas o primeiro estgio dessa metodologia, que a observao sensorial do fenmeno, ao estudo morfofuncional das glndulas ma-mrias por meio da observao de ilustraes anatmicas, identificamos o tecido glandular mamrio como uma for-mao essencialmente ectodrmica, portanto neurossenso-rial, que cresce na forma de ramos para dentro mesoderma, que o circunda e envolve por meio do tecido adiposo e da vascularizao, circulao linftica e presena das clulas mioepiteliais que circundam os alvolos, lbulos e lobos. Em muitas ilustraes clssicas pode ser observada uma seme-lhana do parnquima mamrio com formaes vegetais, lembrando ramos de uma rvore ou arbustos floridos ou cachos de frutos (Fig. 6).

    Apesar de situar-se na periferia do organismo, essa rvo-re mamria est nas imediaes do corao e dos pulmes, na regio conhecida como sistema rtmico, de acordo com a medicina antroposfica. As mamas se desenvolvem de forma natural apenas no sexo feminino. O estroma glandular, que se apresenta com o aspecto vegetal, encontra-se imerso em um ambiente de calor, proteo e alto metabolismo, proces-sando sua nutrio e regulando seu funcionamento a partir dos estmulos provenientes desse ambiente circundante. A prpria funcionalidade da glndula mamria a relaciona ao calor, nutrio, ao afeto e esttica feminina. Todos esses aspectos remetem descrio de A cincia oculta sobre o perodo lunar e tambm atmosfera lemuriana.

    O LEITE hUMANO

    A partir da estimulao neuro-hormonal, o tecido glandu-lar mamrio produz o leite, que consiste numa emulso espcie-especfica de protenas, acares, minerais, vita-minas e fatores imunomoduladores. Entre os mamferos, o leite humano o que contm mais baixo teor de prote-nas.22 Wolff citado por Blanco e Burkhard, apresenta as diferenas no ritmo de crescimento entre o ser humano e alguns mamferos, sendo que esse o que leva mais tempo para dobrar o seu peso do nascimento.13,16 A Tabe-la 1 apresenta a concentrao dos principais componen-tes do leite humano. Sua principal fonte de protenas a lactoalbumina, especialmente a -lactoalbumina, que um importante componente da sntese da lactose, cuja proporo com a casena de 80:18.22 Em relao aos ami-nocidos, ressalta-se a presena de significativas concen-traes de cistina e taurina, essenciais em vrias funes digestivas e cerebrais dos recm-nascidos.16,22

    Benevides IA, Veiga A

    Arte Md Ampl. 2014; 34(1): 5-12.

    Arte_Mdica_Ampliada_34-1(7).indd 9 04/05/14 16:49

  • 10

    Tabela 1. Composio do leite humano adaptado de Lamonou-nier e Leo.22

    Composio Leite humano

    gua (ml/100ml) 87,1

    Energia (Kcal/100 ml) 70

    Protenas (g/100 ml) 1,1

    Gordura (g/100 ml) 4,5

    Acar (g/100 ml) 7

    Casena (% do total de protenas) 20

    Protenas do soro (% do total protenas) 80

    Clcio (mg/l) 340

    Fsforo (mg/l) 140

    Sdio (mEq/l) 7

    Potssio (mEq/l) 13

    Cloreto (mEq/l) 11

    Magnsio (mg/l) 40

    Ferro (mg/l) 0,5

    Vitamina A (UI/L) 1.898

    A lactose, carboidrato presente no leite, metabolizada em glicose e galactose. Essa ltima participa na constituio dos galactolipdeos, essenciais para a formao do sistema nervoso. A lactose tambm est envolvida na absoro de clcio e ferro e na colonizao do intestino pelo Lactobacillus bifidus, bactria fermentativa que promove elevao da aci-dez no tubo digestivo e impede o desenvolvimento de flora patognica. O fator bfidus um carboidrato nitrogenado que favorece a proliferao do L.bifidus e que encontrado apenas no leite humano.22

    Em relao aos lipdeos presentes no leite, prevalece o cido oleico monoinsaturado. Os glbulos de gordura do leite so compostos por triglicerdeos. As membranas globulares so formadas por fosfolipdios, protenas e esteris princi-palmente colesterol, que desempenha importantes funes no incio da vida. O leite materno rico tambm em cidos graxos de cadeia longa, fundamentais para o desenvolvi-mento e mielinizao do crebro. Destaca-se aqui o papel dos cidos araquidnico e linoleico.22

    Em relao composio de ferro, embora presente em pequena quantidade, observa-se significativa biodisponibili-dade desse elemento no leite materno, favorecendo sua me-lhor assimilao. O leite humano tambm importante fonte de vitaminas lipossolveis, especialmente a vitamina A.22

    Uma importante funo do leite o seu papel como imunomodulador, sendo portador de um grande contedo de imunoglobulinas especficas (IgA, IgM e IgG), alm de outros componentes anti-infecciosos. A capacidade de se-cretar anticorpos torna a glndula mamria um verdadeiro rgo do sistema imunolgico.22

    A POLARIDADE ENTRE O LEITE E O SANGUE

    Na terceira conferncia proferida no dia 23 de maro de 1920, durante o Primeiro Curso para Mdicos, Rudolf Steiner apresenta uma reflexo sobre a existncia de certa polaridade (reforando que no se tratava de uma polari-dade absoluta) que deve ser observada entre o sangue e o leite. Steiner aponta que a formao do sangue situa-se no interior do organismo ao passo que a formao lc-tea encontra-se mais na superfcie do organismo. Mas a principal diferena entre esses dois lquidos vitais seria a capacidade do sangue de levar seu impulso a todos os mbitos do organismo e produzir foras formativas. Essa mesma comparao feita em relao ao sistema nervo-so, responsvel por nossa vida de pensamentos, que no possui essas foras formativas dentro de si, sendo com-pletamente aberto s impresses externas. No leite as foras formativas esto presentes, mas em um nvel muito menor que no sangue e Steiner atribui essa diferena ao elemento ferro: O nico metal existente no organismo humano que possui, em sua combinao com esse, a ca-pacidade de se cristalizar. O sangue necessita do ferro

    Figura 6. Detalhes da anatomia do tecido mamrio.

    Aspectos histricos, fisiolgicos e antroposficos do leite na alimentao humana: uma introduo ao tema

    Arte Md Ampl. 2014; 34(1): 5-12.

    Arte_Mdica_Ampliada_34-1(7).indd 10 04/05/14 16:49

  • 11

    para garantir que ele seja portador das foras formativas. O leite, embora possua um pequeno grau de foras forma-tivas, no necessita do ferro para desenvolver sua ao. Steiner menciona que o sangue necessita continuamente ser curado pelo ferro e que essa uma questo que deve-ria orientar fortemente toda a pesquisa mdica.28

    Em outra citao de Steiner sobre o leite feita por Schmidt, l-se:

    O leite algo que exprime apenas debilmente o processo

    animal. O leite um produto animal apenas pela me-

    tade, ele no deixou participar em sua natureza a fora

    astral do animal nem do homem.29

    Schmidt traduziu essa reflexo sobre o sangue e o lei-te em analogias mais prticas, facilitando nossa apreen-so sobre uma parte da questo, ao situar o sangue como algo voltado para dentro, absolutamente essencial ao fun-cionamento intrnseco do organismo e o leite como algo dirigido totalmente para fora, que de maneira altrusta produzido para ser doado a outro ser e no para uso em benefcio prprio.28 Baseando-se na mesma colocao de Steiner, Schmidt e Burkhard complementam a imagem do leite como sendo tocado pelas foras astrais apenas na su-perfcie, assemelhando-se a um elemento vegetal, especial-mente s flores e frutos.13,29

    A relao do leite com o mundo vegetal e com o desen-volvimento do sistema nervoso na criana trazida em outra citao de Steiner por Burkhard: Essa seiva, o leite, espe-cialmente importante para a formao do crebro. O crebro como seiva lctea endurecida.13

    CONSIDERAES FINAIS

    A metodologia de estudo proposta consiste na sistematiza-o do estudo sobre um determinado problema a partir de trs fontes distintas de conhecimento: a literatura cientfi-ca, a literatura antroposfica e a literatura geral em cincias humanas, incluindo ainda observao de imagens (gravuras, fotos, desenhos, pinturas), dilogos, reflexes e associao livre de contedos.

    A metodologia mostrou-se vivel para essa etapa do es-tudo e permitiu uma ampliao do conhecimento sobre o tema, abrindo a possibilidade de formao de uma signifi-cativa rede associaes e representaes teis ao desenvol-vimento da pesquisa.

    Especialmente a observao de fotos e desenhos relacio-nados tanto parte geral, das cincias humanas (histria, artes, mitologia e antropologia) quanto parte tcnico-cien-tfica do leite e da lactao (anatomia, fisiologia, histologia e bioqumica) foi um recurso complementar descrio textual de grande relevncia e utilidade.

    Por meio dessa metodologia descrita foi possvel iden-

    tificar e traar correlaes entre as referncias sobre o leite na literatura geral e cientfica e uma ampla conste-lao de temas relevantes ao seu estudo na perspectiva antroposfica.

    Do ponto de vista histrico, o consumo de leite de ma-mferos, predominantemente do leite de vaca, remonta s primeiras civilizaes. Na mitologia e nas artes o leite representado com riqueza de smbolos e significados que o associam criao do mundo, nutrio primordial, abundncia, ao feminino, ao celeste, ao sagrado e ao reino vegetal.

    A reviso da literatura sobre o leite humano ressalta sua relevncia e adequao s necessidades nutricionais do recm-nascido, sendo considerado o alimento perfeito para os primeiros meses de vida. O estudo sobre a for-mao, morfologia e fisiologia das glndulas mamrias destaca a origem comum com o sistema neurossensorial e a semelhana do parnquima mamrio com formaes vegetais (rvore lctea). Estudos sobre a ocitocina apon-tam seu papel no desenvolvimento das relaes afetivas e dos vnculo familiares e sociais.

    Assim, a metodologia nos permitiu vivenciar e compre-ender mais profundamente as afirmaes de Steiner sobre trs aspectos centrais envolvendo o leite:

    A relao do leite com o mundo vegetal e com a cons-cincia do sono. O leite possui uma forte relao com a esfera das foras vitais, de crescimento, reproduo e pro-liferao. Diversas referncias sua relao com o mbito vegetal ficaram bem delineadas no estudo. Foras luna-res so compreendidas como foras polares s foras de conscincia e forma.

    A relao do leite com o crebro. O leite um alimen-to global para organismo da criana, mas possui um pa-pel fundamental e insubstituvel na formao do sistema neurossensorial. Identificou-se a necessidade de aprofun-dar melhor o tema sobre o crebro e sua relao com as foras lunares.

    A relao do leite com o sangue. A polaridade no com-pleta, mas est bem definida e o ferro o elemento central para a compreenso do tema. O ferro portador das foras de conscincia. O sangue o veculo necessrio tanto para a formao do leite quanto para modular sua atuao, per-mitindo conscincia e calor. O sangue o portador da auto-conscincia.

    Essa primeira etapa nos instigou tambm a investigar duas novas fronteiras identificadas nos escritos de Steiner: compreender os processos de sal, mercrio e fsforo no lei-te,27 e compreender o significado do que Steiner menciona como o leite penetra (na criana) como escurido. Isso for-ma as mais diversas cores.30

    Como imagem sntese para essa parte do estudo, pro-pe-se a obra do pintor holands do sculo XVII, Johannes Vermeer, conhecida como A leiteira (Fig. 7).

    Benevides IA, Veiga A

    Arte Md Ampl. 2014; 34(1): 5-12.

    Arte_Mdica_Ampliada_34-1(7).indd 11 04/05/14 16:49

  • 12

    Declarao de conflito de interessesNada a declarar.

    Referncias bibliogrficas1. Haug A, Hstmark AT, Harstad OM. Bovine milk in human nu-

    trition a review. Lipids Health Dis. 2007; 6: 25-40. 2. Rice BH, Quann EE, Miller GD. Meeting and exceeding dairy

    recommendations: effects of dairy consumption on nutrient intakes and risk of chronic disease. Nutr Rev. 2013; 71(4): 209-23.

    3. Sluijs I, Forouhi NG, Beulens JWJ, van der Schouw YT, Agnoli C,Arriola L et al. The amount and type of dairy product intake and incident type 2 diabetes: results from the EPIC-Inter Act Study. Am J Clin Nutr. 2012; 96(2): 382-90.

    4. Grantham NM, Magliano DJ, Hodge A, Jowett J, Meikle P, Shaw JE. The association between dairy food intake and the inci-dence of diabetes in Australia: the Australian Diabetes Obesity and Lifestyle Study (AusDiab). Public Health Nutr. 2013;16(2): 339-45.

    5. Kalergis M, Leung Yinko SS, Nedelcu R. Dairy products and pre-vention of type 2 diabetes: implications for research and prac-tice. Front Endocrinol (Lausanne). 2013; 23 (4): 90-5.

    6. Agostoni C, Turck D. Is cows milk harmful to a childs health? J Pediatr Gastroenterol Nutr. 2011; 53(6): 594-600.

    7. Melnik BC. Leucine signaling in the pathogenesis of type 2 diabetes and obesity. World J Diabetes. 2012; 3(3): 38-53.

    8. Melnik BC. Excessive Leucine-mTORC1-Signalling of Cow Milk-Based Infant Formula: The Missing Link to Understand Ear-

    ly Childhood Obesity. J Obes. 2012; 197653. Disponvel em: .

    9. Melnik BC, John SM, Schmitz G. Milk is not just food but most likely a genetic transfection system activating mTORC1 signal-ing for postnatal growth. Nutr J. 2013; 12:103.

    10. Melnik BC, John SM, Schmitz G. Over-stimulation of insulin/IGF-1 signaling by western diet may promote diseases of civili-zation: lessons learnt from Laron syndrome. Nutr Metab. 2011; 8:41

    11. Dodd KM, Tee AR. Leucine and mTORC1: a complex relationship. Am J Physiol Endocrinol Metab. 2012; 302(11): 329-42.

    12. Steiner R. Elementos fundamentais para uma ampliao da arte de curar. So Paulo: Associao Beneficente Tobias; 1986.

    13. Burkhard GK. Novos caminhos de alimentao. 3 ed. So Pau-lo: CLR Balieiro; 1991.

    14. Cascudo LC. Civilizao e cultura. Pesquisas e notas de etno-grafia geral. So Paulo: Global Editora; 2004.

    15. Rivero AF. Enciclopedia de los alimentos. Madri: Mercasa; 2007.16. Blanco GA. Alimentao humana ampliada pela antroposofia.

    Apostila. So Paulo: Sociedade Brasileira de Medicina Antro-posfica (SBMA). [s.d.]

    17. Wilkkinson P, Philip N. Mitologia. Guia Ilustrado Zahar. 2 ed. [s.l.] Zahar. [s.d.]

    18. Lexikon H. Dicionrio de Smbolos. So Paulo: Cultrix; 1998.19. Steiner R. A cincia oculta. Esboo de uma cosmoviso supra-

    sensorial. 3 ed. So Paulo: Antroposfica; 1991.20. Morais AI. Glndulas Mamrias. Apostila. Niteri: Escola de

    Veterinria da Universidade Federal Fluminense. [s.d.].21. Guyton AC, Hall JE. Guyton and Hall. Textbook of Medical Phys-

    iology. 9 ed. Philadelphia: Saunders; 1996.22. Lamounier JA, Leo E. Nutrio na infncia. In: Dutra-de-

    Oliveira JE, Marchini JS. Cincias nutricionais. Aprendendo a aprender. 2 ed. So Paulo: Sarvier; 2008.

    23. Anacker AM, Beery AK. Life in groups: the roles of oxytocin in mammalian sociality. Front Behav Neurosci. 2013; 7:185.

    24. Feldman R, Gordon I, Zagoory-Sharon O. Maternal and pater-nal plasma, salivary, and urinary oxytocin and parent-infant synchrony: considering stress and affiliation components of human bonding. Dev Sci. 2011;14(4): 752-61.

    25. Feldman R, Gordon I, Schneiderman I, Weisman O, Zagoory-Sharon O. Natural variations in maternal and paternal care are associated with systematic changes in oxytocin follow-ing parent-infant contact. Psychoneuroendocrinology. 2010; 35(8): 1133-41.

    26. Feldman R, Gordon I, Zagoory-Sharon O. The cross-generation transmission of oxytocin in humans. Horm Behav. 2010; 58(4): 669-76.

    27. Steiner R. A obra cientfica de Goethe. So Paulo: Antropos-fica; 1984.

    28. Steiner R. Cincia espiritual e medicina. Primeiro curso para mdicos. Apostila. So Paulo: Sociedade Brasileira de Medici-na Antroposfica (SBMA); 2000.

    29. Schmidt G. Teoria da alimentao. O estmulo da cincia es-piritual de Rudolf Steiner a uma nova higiene alimentar. Apos-tila. So Paulo: Sociedade Brasileira de Medicina Antropos-fica (SBMA); 1999.

    30. Steiner R. Consideraes meditativas e orientaes para o aprofundamento da arte mdica (Curso do Natal e Curso da Pscoa). So Paulo: Associao Brasileira de Medicina Antro-posfica e Joo de Barro; 2007.

    Avaliao: Editor e dois revisores do conselho editorialRecebido em 05/03/2014Aceito em 22/04/2014

    Figura 7. A leiteira (De Melkmeid) pintura em leo sobre tela de Johannes Vermeer. Imagem em domnio pblico, disponvel em .

    Aspectos histricos, fisiolgicos e antroposficos do leite na alimentao humana: uma introduo ao tema

    Arte Md Ampl. 2014; 34(1): 5-12.

    Arte_Mdica_Ampliada_34-1(7).indd 12 04/05/14 16:49