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Page 1: Aspectos do Direito Penal do Inimigo e a Ação Penal 470 ... · INTRODUÇÃO O Direito Penal do Inimigo é uma teoria desenvolvida por Gunther Jakobs, um ... BATISTA, Nilo. Introdução

Aspectos do Direito Penal do Inimigo e a Ação Penal 470 “mensalão”.

Luiz Felipe de Oliveira Pinheiro* RESUMO O presente artigo tem como objetivo, idealizar um estudo sobre os aspectos do direito penal do inimigo e sua possível aplicação no julgamento da Ação Penal 470. Desenvolvida por Günther Jakobs, a Teoria do Direito Penal do Inimigo, postula o emprego de um Direito Penal diverso do comum para aqueles considerados inimigos do Estado. Adiante, confronta o Direito Penal do Inimigo com o garantismo penal e os princípios e direitos fundamentais de nossa constituição. Assim, o presente trabalho ambiciona demonstrar que a construção teórica do Direito Penal do Inimigo, erigida pelo Ministro Celso de Mello no julgamento do “Mensalão”, deve ser repelido, devido o seu antagonismo com o Estado Democrático de Direito. Palavras - chave: Direito Penal do Inimigo. Ação Penal 470. Garantismo Penal. Estado Democrático de Direito

* Estudante do curso de Letras da Universidade Federal do Acre (UFAC), estudante do curso de Direito da Faculdade Barão do Rio Branco (FAB), Tecnólogo em Processos Gerencias pela Universidade Norte do Paraná (UNOPAR), Bolsista de Iniciação Científica do PNAES/UFAC, E-mail: [email protected].

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1. INTRODUÇÃO

O Direito Penal do Inimigo é uma teoria desenvolvida por Gunther Jakobs, um

doutrinador alemão que a concebeu em meados da década de 80 (embora somente

tenha sido intimamente desenvolvida a partir dos anos 90). Fundamenta-se esta, em

políticas públicas de combate à criminalidade em âmbito nacional e internacional,

desclassificando certos indivíduos como pessoas. O ilustre penalista considera que

devem coexistir o Direito Penal do Cidadão e o Direito Penal do Inimigo. O primeiro é

direcionado aos cidadãos (pessoas); e o segundo, aos inimigos (não-pessoas). Sugere

assim, um direito diferenciado a pessoas de alta periculosidade, visto que para estes o

direito penal do cidadão não se faz eficaz, e eles, não seriam oferecidas as garantias

estatais, tais como devido processo legal, duplo grau de jurisdição, dentre outras, bem

como, afastando deles a aplicação dos princípios jurídicos protetores básicos, como por

exemplo, princípio da dignidade da pessoa humana, proporcionalidade, humanização

das penas, etc.

Inimigos para Jakobs seriam os sujeitos criminosos, que cometem delitos de

ampla crueldade, como crimes econômicos, crimes organizados, infrações penais

perigosas, crimes sexuais, bem como terroristas. Nessa construção teórica, o direito

penal do inimigo, na realidade, é uma forma de direito que serve para arguir

determinadas classes, preleciona CAPEZ:

“(...) a reprovação não se estabelece em função da gravidade do crime praticado, mas do caráter do agente, seu estilo de vida, personalidade, antecedentes, conduta social e dos motivos que o levaram à infração penal. Há assim, dentro dessa concepção, uma culpabilidade do caráter, culpabilidade pela conduta de vida ou culpabilidade pela decisão de vida(...)”. (CAPEZ, 2005).

Ao tratar do tema, Canotilho nos ensina que o inimigo, é aquele que se nega na

qualidade de pessoa, acabando com a sua existência como cidadão, excluindo-se

voluntariamente de sua comunidade e do sistema jurídico que a regulamenta.

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Já Prado, assim definiu inimigo:

“O "inimigo" é considerado o "irreconciliavelmente oposto", isto é, aquele que apresenta um distanciamento duradouro e não incidental das regras de Direito, verificado pelo seu comportamento pessoal, profissão, vida econômica, etc. As relações sociais desses indivíduos desenvolvem-se à margem do Direito e, por isso, não oferecem a segurança cognitiva mínima necessária para que sejam considerados como pessoas (...)”.

Contemporaneamente, o principal destaque histórico gerador da aplicação do

Direito Penal do Inimigo, ocorreu com o ataque terrorista de 11 de setembro de 2001 às

torres gêmeas nos Estados Unidos da América, a partir deste fato os EUA decretaram

"guerra" contra o terror, passando a adotar medidas mais rígidas, como, por exemplo,

detenção em celas minúsculas e desrespeito as garantias e direitos fundamentais,

contra aqueles que o Estado rotulou de inimigos.

Percebe-se do supratranscrito, que os grandes baluartes da teoria seriam os

argumentos da antecipação da punição do inimigo, desproporcionalidade das penas e

relativização ou eliminação de certas garantias processuais, através da criação de leis

mais severas direcionadas aos inimigos. Para Jakobs, o Direito Penal do Inimigo deve

ser legitimado em razão do direito de segurança dos cidadãos e da imprescindibilidade

de manter a configuração do Estado.

2. AÇÃO PENAL 470 E O DIREITO PENAL DO INIMIGO.

O julgamento do chamado "mensalão" – pretenso esquema de propinas pagas

regularmente a parlamentares federais, com dinheiro público desviado, para que

votassem a favor do governo, e que recebeu este nome em referência aos pagamentos

mensais idealizados pelos líderes do governo à época, a parlamentares em troca de

apoio – foi, provavelmente, o mais bombástico da história da República, trinta e oito

réus envolvido no esquema de corrupção. Embora escândalos políticos e denúncias de

corrupção de pessoas públicas sejam muito frequentes no Brasil, vários fatores

colaboraram para singularizar o mensalão. Entre eles o talento vil do principal

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denunciante, o deputado Roberto Jefferson, ou o fato de que eram atingidas figuras

centrais do governo de um partido, o Partido dos Trabalhadores (PT), que fizeram da

moralização da política sua bandeira mais vistosa.

Tamanha foi à repercussão, que esse julgamento, suscitou uma série de

questões relevantes, dentre as quais, considerações feitas pelo Ministro do STF Celso

de Mello sobre o “direito penal do inimigo”, suscitando no meio jurídico, diversas

questões, haveria ou não cabimento do respectivo direito, em solo pátrio? Há na ação

penal 470, tendências do direito penal do inimigo? É claro, é uma questão delicada,

mas que tem de ser enfrentada. Os crimes de ampla repercussão, que ignoram os

fundamentos do estado democrático e de direito, podem é fato, recorrerem às garantias

desse estado para tentar solapá-lo. O que fazer nesse caso? Vejamos:

Apesar de ser um Estado Democrático de Direito, existem no Brasil algumas leis

que foram influenciadas pela teoria de Jakobs. Porém, influencia não é aplicação. O

direito penal pátrio está enraizado no princípio da ultima ratio ou princípio da

subsidiariedade do direito penal, o que denota dizer que as regras penais somente

devem proteger os bens jurídicos tidos mais importantes para toda a sociedade.

No Direito Penal, tais garantias exercem a função de vincular e, assim,

deslegitimar o uso absoluto do poder punitivo. Nosso sistema penal é considerado

garantista, pois observa diversos princípios axiológicos penais fundamentais, tais como:

i) nullum crimen sine lege – princípio da legalidade; ii) nulla necessitas sine injuria – princípio da lesividade; iii) nulla injuria sine actione – princípio da materialidade; iv) nulla actio sine culpa – princípio da culpabilidade; v) nulla accusatio sine probatione – princípio do ônus da prova; vi) nulla proabatio sine defensione – princípio do contraditório.

(FERRAJOLI, 2006.)

No caso da Ação Penal 470, é perceptível que o Superior Tribunal de Justiça,

com amparo em princípios constitucionais, firmou todos os paradigmas essencialmente

garantistas do direito penal. Na ação, concluiu que a prisão antes da condenação

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definitiva violava a presunção da inocência. Reprovou a audiência por videoconferência

garantindo o direito do réu de estar presente em seu julgamento. Avaliou

a impossibilidade de fixação de pena em regime mais duro (como o fechado) apenas

pela gravidade do crime. Bem como em favor dos réus, estabeleceu um grau menor na

exigência da prova, uma leitura mais tolerante para com os indícios.

Diante da aplicação extensa e incondicional de tantas garantias penais, falar-se

em Direito Penal do Inimigo, e no mínimo contraditória, haja vista que teoria do Direito

Penal do Inimigo nas palavras de (PRADO, 2011), destroem diversas conjecturas do

Direito Penal garantista e liberal, tendo como características:

i) adiantamento da punibilidade com o fim de combater o perigo oferecido pelo inimigo, de modo que são punidos os atos anteriores ao cometimento de um crime, inclusive os atos meramente preparatórios, pois basta o agente pertencer a um grupo organizado; ii) aumento excessivo e desproporcional das penas, especialmente ao se observar que a pena não é diminuída nos casos de atos preparatórios; iii) mitigação ou extinção dos direitos e garantias penais e processuais dos inimigos (PRADO, 2011).

Observa-se assim, que as normas embutidos pelo Direito Penal do Inimigo estão

formal e materialmente dissociados do que está posto e salvaguardado, em tese, pelo

nosso Ordenamento Jurídico, pautado nos princípios fundamentais de um Estado

Democrático de Direito, sendo incabível sua aplicação em solo pátrio e muito menos no

julgamento da ação penal 470.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O presente artigo buscou fazer uma análise sobre a possível influência da teoria

do Direito Penal do Inimigo, surgida em 1985 e encabeçada por Günter Jakobs, na

Ação Penal 470 (mensalão), buscando-se uma possível aplicabilidade, mesmo que

acanhada, no julgamento da Ação Penal supratranscrita.

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Porém, restou evidenciado que a fundamentação teórica do Direito Penal do

Inimigo, é incompatível com o Estado Democrático de Direito, pois adota o modelo

penal de segurança cidadã, em que o criminoso passa pela degradação de ser

considerado inimigo capital do Estado, e a intervenção penal se baseia nas

características pessoais do agente, e não no fato praticado por ele (teoria do labelling

aproach); prega a intervenção do Direito Penal nas fases anteriores à execução do

crime, o incremento das penas privativas de liberdade e a eliminação ou restrição das

garantais penais e processuais, e retoma as noções do Direito Penal do autor, já que o

inimigo é punido pelo seu modo de ser, e não por um ato que praticou, ou seja, o que

importa é a periculosidade do agente, e não a culpabilidade.

O grande problema da Teoria do Direito Penal do Inimigo está no confronto direto

que esta enfrenta quando fere os princípios que regem a Constituição Federal, pois o

ápice da Carta Magna consiste na observância que deve ser feita a ela quando da

promulgação de toda e qualquer lei, sob pena de ser decretada inconstitucional, nossa

constituição é eminentemente humanista e garantista. Sendo assim, não resta dúvida

que tal teoria fere inúmeros princípios constitucionais e penais.

Ademais, o principal objetivo do direito penal é assegurar resultados justos e

proporcionais de modo que as medidas estatais sejam capazes de atingir os fins

pretendidos, (busca do controle social, a limitação da atuação estatal, prevenção da

vingança privada bem como redução da violência através da aplicação de sanções).

Além disso, a legislação pátria adota a noção de Direito Penal mínimo, de ultima

ratio, que se contrapõe ao Direito Penal máximo, de prima ratio. O Direito Penal é

condicionado e restringido ao máximo, e assegura não só o grau máximo de proteção

das liberdades dos cidadãos diante do arbítrio punitivo, mas também o ideal de certeza

e racionalidade, em que as intervenções do Direito Penal são previsíveis (FERRAJOLI,

2006; PRADO, 2011). O Estado está compelido a reger-se por normas democráticas,

garantistas, principiológicas bem como por axiomas penais garantistas.

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